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A chegada
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8 de junho de 1908. Aporta em Santos o navio a va-
por ‘Kasato Maru’. Nele, 781 imigrantes japoneses
trazem na bagagem poucos pertences e muita espe-
rança. Seu objetivo? Trabalhar, fazer fortuna e voltar ao
seu país natal. Seu destino? As fazendas de café do Estado
de São Paulo.
Duas décadas depois, no dia 29 de maio de 1930, Yasuko
Matsumoto – na época, Moriya – chega neste porto junto
com sua família: pai, mãe, uma irmã e dois irmãos. “Nos-
sa, a terra é vermelha”, se espantou a sra. Matsumoto.
Cheia de entusiasmo, ela não sabia que esta seria a menor
das diferenças que encontraria por aqui.
Seu pai, técnico de shoyu, não precisava vir ao nosso País.
Seu trabalho e a roça que tinham no Japão garantiam o
sustento da família. O que despertou o interesse do sr.
Takaiti Moriya foi a intensa propaganda a favor da imigra-
ção, veiculada pelo governo japonês.
“Lá todos diziam que havia no Brasil melancia e ovo em
tamanha abundância que todos podiam pegar. Nos cine-
mas, passava um anúncio que mostrava a fartura das man-
diocas”, conta a sra. Matsumoto. Seu pai, assim como to-
dos os outros imigrantes, acreditou que poderia ficar rico
vindo para cá.
A viagem de navio – um tormento para os adultos – era
A sobrevivência
A
o aportar em Santos, Yasuko e sua família passa-
ram uma semana na casa para imigrantes, aguar-
dando o transporte para a fazenda. Após este pe-
ríodo, levou dois dias para chegar à fazenda Santa Rita,
próximo a Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, onde
permaneceu por mais três anos.
Trabalhava com enxada no cafezal, assim como seus ir-
mãos e seus pais. Eles tinham direito a casa, água e luz.
As roupas eram lavadas em local coletivo. Arroz e feijão
compunham suas refeições. Yasuko percebeu que para
comer as famosas mandiocas brasileiras, promovidas nos
cinemas japoneses, teria que cultivá-las.
“Me senti muito triste quando vi que não dava para ir à
escola, pois no Japão eu ia todos os dias. Também não
tinha brinquedo e a comida era muito diferente”, diz a
sra. Matsumoto.
A desilusão toma conta de todos os imigrantes. As pro-
messas do governo japonês de riquezas rápidas e trabalho
com fartura começam a se desintegrar. Na prática, o que
encontraram foi um trabalho semi-escravo, que os obriga-
va a se manterem nas fazendas que os acolheram.
Com um pagamento anual e familiar, os novos trabalha-
dores rurais – que substituíram os escravos negros nos ca-
fezais – eram obrigados a comprar fiado nas vendas das
A integração
A
comunicação não tinha um centésimo da agilidade
que tem hoje. O acesso precário à informação, em
tempo real ou tardio, fez com que os nikkeis se di-
vidissem entre os que acreditavam na vitória do Japão na
Segunda Guerra Mundial e os que aceitaram a derrota.
O racha trouxe também uma divisão de desejos e objeti-
vos. Os “vitoriosos” almejavam o retorno à terra natal, e
os que se conformaram com a derrota passaram a buscar
uma integração com o país onde moravam.
Em 1941, Yasuko e Kazumi Matsumoto foram para a cida-
de de Álvares Machado, no interior de São Paulo, cultivar
café num sítio que conseguiram comprar. Por três anos,
eles moraram numa casa de madeira com os filhos Alberto
Sadao e Célia Midori, na época com 7 e 3 anos, respecti-
vamente, além do recém-nascido Fernando Massumi.
Enquanto isso, os irmãos e pais de Kazumi Matsumoto se
estabeleciam em Presidente Bernardes, também no inte-
rior paulista, próximo à fronteira com o Mato Grosso do
Sul, tocando uma loja de secos e molhados. O bom an-
damento dos negócios levou Yasuko e Kazumi a viverem
novamente no seio da grande família.
Quatro casais e nove crianças viviam na mesma casa. As
tarefas eram divididas. Enquanto alguns cuidavam da loja,
outros deveriam manter a casa. “Eu lavava roupa e cozi-
A miscigenação
I
nfelizmente, na década de 60 a colheita de café dimi-
nuiu consideravelmente e a filial dos Matsumoto em
Irapuru foi fechada. Em 1963 foram todos novamente
para Adamantina, porém cada família em sua casa.
Com muita gente para pouco negócio, a sociedade foi
desfeita. Yasuko, Kazumi e sua família voltaram a sub-
sistir da agricultura, com um pequeno rebanho de gado,
que ficava numa fazenda da região (parte de Kazumi na
desconstituição da sociedade).
Na década de 70, Kazumi viajava para a fazenda para
cuidar de gado e lá precisa permanecer por três ou
quatro dias. No seu retorno à cidade para o reencon-
tro com a família, o destino era sempre o mesmo:
o hospital.
“Desse jeito vai acabar a vida”, a sra. Matsumoto falava
para o marido. Foi então que decidiram vender a fazenda
de 200 alqueres e o gado. Com o dinheiro, comparam
uma casa em São Paulo e se mudaram em 1977.
A esta altura, todos os filhos, exceto os mais novos,
Newton e Liria, estavam casados. O casal já tinha netos,
nove no total. Seus filhos já estavam todos formados.
“Tivemos uma vida muito pobre, mas conseguimos criar e
educar nossos sete filhos, conta a sra. Matsumoto. “Todos
formados”, se orgulha. Os mais velhos foram se formando
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A influência mútua
A
pesar de terem se casado por obrigação, um gran-
de amor foi construído e fundou uma sólida famí-
lia. Yasuko e Kazumi tinham um cotidiano repleto
de trabalho, idas e vindas e muitas brigas. “Nossa, que
vida mais comprida”, exclama a sra. Matsumoto.
Ao contrário da tradicional esposa japonesa, e muito
influenciada pela cultura brasileira (um caldeirão de
valores e atitudes, advindos de diversos povos), Yasuko
sempre batalhou pelo seu ponto de vista. Graças a essa
“rebeldia”, todas as filhas puderam morar sozinhas em
São Paulo e estudar.
Mesmo com as diferenças de ponto de vista, que leva-
vam às características discussões do casal, o casamento
deu certo. Teimosia foi o segredo na visão de Kazumi.
Para Yasuko, a paciência. Até nisso eles discordavam.
A separação veio no dia 19 de agosto de 2002, quando
Kazumi Matsumoto faleceu e deixou menor o coração
de cada um de sua grande família: dois filhos, três noras,
quatro filhas, quatro genros, 21 netos, 11 netos adotivos
(os esposos e esposas dos netos) e 11 bisnetos.
“Fui pega de surpresa apesar de saber que ele não estava
bem e de ver sua doença progredir. Não pensava que ele
iria morrer. Só queria que ele vivesse. Em seus últimos dias
no hospital eu falei para ele ‘– Ditian (avô em japonês),
você tem que ficar bom logo e voltar para casa, aqui no
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O futuro
H
oje, com todos os cuidados da sua enorme fa-
mília, a sra. Matsumoto está feliz. Reza todos os
dias pela manhã, faz crochê e tricô, e assiste às
novelas japonesas. Ela mora em Mogi Mirim, em São Pau-
lo, junto com o caçula Newton, sua esposa e seus filhos.
Para não pensar nas coisas tristes – tendência natural dos
idosos, segundo ela –, se dedica ao haiku (poesia japone-
sa). Essa dedicação resultou neste livro (Kan beni – Vaida-
de Feminina). Por ter pouca escolaridade, o haiku exige
muito esforço da sra. Matsumoto.
“Não tenho saudades do passado, prefiro o hoje. Agora
está tudo bem”.
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