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O Complexo de Édipo -

franklin goldgrub

3. Antropologia, psicanálise e a questão da origem da cultura

Antes de escrever Totem e tabu (1913), Freud havia tratado a questão do social - ou do
"externo" - apenas do ponto de vista de sua incidência na vida mental da criança, com a
finalidade de explicar a formação dos sintomas. Assim, enquanto vigorou a teoria do
trauma, sua concepção referenciava-se por um desenvolvimento normal eventualmente
obstaculizado pela irrupção da agressão ou da sedução, cujo agente era, direta ou
indiretamente (via crianças mais velhas), um adulto perverso; na maioria das vezes esse
contato penoso e precoce com a sexualidade não teria conseqüências durante a infância
mas sua lembrança após a puberdade iria afetar seriamente a capacidade de relacio-
namento e a vida amorosa do sujeito em questão.

A descoberta da sexualidade infantil altera significativamente esse quadro; passa-se de um


estado de exceção (o trauma) para uma condição muito mais freqüente: a repressão.
Doravante atribui-se aos educadores em geral um grau de intolerância relativamente alto,
reflexo dos valores morais vigentes, sendo a criança novamente a vítima mas desta vez
como portadora de impulsos que são desaprovados e punidos. Em conseqüência, o futuro
adulto nunca vivenciará tranqüilamente a própria sexualidade e eventualmente seu conflito
poderá atingir as dimensões de uma neurose. Nesse momento a psicanálise advoga a
diminuição das restrições ao auto-erotismo e à curiosidade infantis postulados como
características normais que deveriam ser respeitadas e canalizadas cuidadosamente, como
uma corrente cujo represamento abrupto acabaria por provocar uma espécie de inundação
dos campos cultiváveis. Prevalece então uma concepção segundo a qual uma educação
correta - afetuosa, tolerante mas não isenta dos limites necessários - constituiria a melhor
profilaxia contra os desvios e inibições posteriores.
A aferição dos sentimentos intensos e ambivalentes que irrompem por volta dos três anos
provoca outra modificação importante na teorização freudiana. Torna-se evidente que a
criança exige muito mais do que se lhe possa dar - a sensação é de que todo o amor do
mundo será insuficiente e, paradoxalmente, quanto mais atendida for tanto mais carente
sentir-se-á. Essas constatações pavimentam os caminhos pelos quais se chega ao
complexo de Édipo, onde Freud se dá conta de que o interesse da criança pelo próprio
corpo - auto-erotismo -, revelação surpreendente feita pela psicanálise, é na verdade uma
descoberta superficial quando comparada com o ambíguo universo afetivo infantil.

A teoria do trauma encontrava amparo em um acontecimento "real"; a repressão da


sexualidade infantil podia ser atribuída com facilidade à hipocrisia da sociedade que fazia
da família o carcereiro do prazer precoce; mas não havia como compreender a
universalidade das fantasias originárias (sedução, castração, cena primária) pelas quais to-
dos os pais se transformavam no protótipo desses ogros e bruxas que povoam a mitologia
infantil. Em outras palavras, se o complexo de Édipo vale para todos os humanos, se seus
componentes essenciais são ficções onde os progenitores desempenham o papel de
vilões, se na grande maioria dos casos os eventuais excessos educativos - quer de coerção,
proteção ou omissão - não justificam o amor, o ódio, o ciúme, a rivalidade e a sedução
vivenciados pela criança, então onde se encontrariam as causas de um comportamento tão
surpeendente nesses pequenos seres imaturos movidos ao compasso de paixões
incompreensivelmente intensas sob a capa de uma ingenuidade encantadora?

Dizer que os "impulsos biológicos" já contêm a mitologia infantil seria uma petição de
princípio, algo incomprovável e epistemologicamente discutível, solução fácil mas também
facilmente questionável que empurraria a psicanálise para a esfera de influência da
medicina. Por outro lado, os acontecimentos - as vivências familiares - tampouco
justificam, pelo menos na grande maioria dos casos, a tempestuosa afetividade infantil.
Enfim, o complexo de Édipo coloca o problema aparentemente insolúvel de sua própria
origem, indetectável na experiência, incomprovável no organismo. Mas Freud não dispõe
de outros terrenos a explorar além desses.

Rumo à pré-história

Resta então ao arqueólogo da pré-história individual mergulhar no passado remoto da


espécie. Equipado com os instrumentos de uma antropologia especulativa ele embarca
com destino à aurora dos tempos para figurar-se a origem da humanidade, fazendo escala
no estudo dos costumes das populações primitivas remanescentes, principalmente a
religião.

A forma assumida pela crença nesses povos é o totemismo. Cada clã adota um animal por
cujo nome se designa, de quem afirma descender e, tal como as vacas sagradas na Índia,
que se proíbe de matar... salvo em determinada ocasião:

Imaginemos agora a cena de um banquete totêmico (...) Numa ocasião solene, o clã mata
cruelmente o seu animal-totem e o devora cru (...) Os membros do clã estão vestidos de
modo a se assemelharem com ele (...) Depois que o fato foi consumado, o animal morto é
lamentado e pranteado (...) Se a morte do totem é motivo de regozijo, apesar de ser um
ato proibido, por que seria ele igualmente pranteado? (...) A psicanálise revelou-nos que o
animal totêmíco representava na realidade um substituto do pai (Totem et tabou. Paris,
Petite Bibliothèque Payot, p. 163; E. S. Imago, v. XIII, p. 168-9).

E ao perguntar-se sobre as razões dessa cerimônia surpreendente, cujos ecos de certa


forma reverberam no ritual da comunhão, Freud vislumbra a "perspectiva de uma hipótese
que pode parecer fantástica (...)" (Payot, p. 162; v. XIII, p. 169): a festa totêmica seria uma
dramatização comemorativa do assassinato do pai primevo, representado pelo totem, que
dominava tiranicamente uma horda da qual os filhos machos eram excluídos para não
quebrarem seu monopólio sobre as fêmeas. Mas um dia, os irmãos oprimidos se reuniram,
mataram e comeram o pai, pondo fim à horda patriarcal (...) Depois de tê-lo eliminado (...)
experimentaram um sentimento de culpa (...) O morto se torna mais poderoso que o vivo;
e tudo isso pode ser reencontrado hoje nas vivências humanas (...) Eles renegaram sua
ação, proibindo o assassinato do totem, do substituto do pai, e renunciaram a desfrutar de
suas conseqüências, ou seja, recusaram-se a manter relações com as mulheres agora
libertadas. Desse modo, o remorso dos filhos gerou os dois tabus fundamentais do
totemismo, que coincidem por isso com os dois desejos reprimidos do complexo de Édipo
(Payot, p. 163-5; v. XIII, p. 170-2).

A religião, que abrigava o código legal das populações primitivas, teria como pilares a
dupla proibição destinada a evitar a agressividade dirigida ao pai e a sexualidade votada à
mãe. Mas Freud volta de sua incursão pré-histórica com excesso de peso na bagagem.
Pois munira-se não só de um evento justificativo do complexo de Édipo, mas fora obriga-
do para tanto a emitir nada menos do que uma hipótese acerca da origem da sociedade
humana. Não surpreende a reação contrariada dos antropólogos que viam assim sua ciên-
cia anexada à psicologia e mediante o acinte de um mito...

As críticas de Malinowski

A Freud isso parecia uma conseqüência secundária, um mal menor. Se para chegar às
origens do complexo de Édipo fora preciso invadir território alheio e formular uma
hipótese mais mítica do que científica, então seria preciso arcar com as conseqüências.
Que não se fariam esperar: um dos calcanhares-de-aquiles da postulação freudiana re-
pousava numa implicação implausível; para explicar a persistência do complexo de Édipo
nas gerações subseqüentes seria preciso admitir que a tendência incestuosa dos filhos
banidos, o poder tirânico da figura paterna, o parricídio, o remorso e a introjeção da
proibição, enfim, desejos, sentimentos e atos inerentes a essas circunstâncias, teriam se
transformado em traços genéticos transmitidos hereditariamente - uma tese tão
lamarckiana como a explicação do tamanho do pescoço da girafa pela localização dos
brotos das folhas no alto das copas...

Em 1924 Malinowski publica dois textos contestando a hipótese freudiana, sob o


título Antropologia e psicanálise; Jones, o futuro biógrafo de Freud, na época um jovem
converso ao evangelho psicanalítico, recolhe a luva com um artigo (Mother-right and the
sexual ignorance of savages. International Journal of Psychoanalysis, v. VI, parte 2, 1925).
Dois anos mais tarde o antropólogo funcionalista replica através de um livro,
intitulado Sexo e repressão na sociedade selvagem (traduzido pela Vozes, Petrópolis,
1973), onde inclui os artigos acima citados e mediante o qual fundamenta suas críticas,
partindo da própria experiência com os indígenas das Ilhas Trobriand, onde a função
repressora na família é desempenhada pelo irmão da mãe, onde a principal proibição
sexual recai sobre a irmã mais do que sobre a mãe e onde é ignorado o papel do pai na
procriacão.

A partir dessas características de uma sociedade regida pelo direito materno (na qual os
filhos pertencem ao clã da mãe) Malinowski acredita poder impugnar a universalidade do
complexo de Édipo, que para ele só tem lugar nas sociedades de direito paterno onde a
proibição recai sobre a mãe em primeiro lugar, o agente da proibição é efetivamente o
pai, e se sabe do papel que ele desempenha na procriação.

Réplica de Jones
Mesmo do ângulo do Édipo empírico é possível responder a Malinowski, como fez Jones,
que o desejo dirigido à irmã pode muito bem constituir um deslocamento do original
votado à mãe; que a figura autoritária não precisa ser desempenhada pelo pai, podendo
outro personagem agenciar a proibição; e quanto à afirmação de que os trobriandeses
ignorariam as conseqüências do ato sexual da mesma forma que desconhecem outros
processos fisiológicos, bem, isso já é uma outra história. De fato, para a psicanálise, trata-
se de um postulado inaceitável; a embriologia é urna aquisição muito recente que as
sociedades, por mais primitivas que sejam, não precisaram esperar para estabelecer um
vínculo entre as delícias do amor, as dores do parto e as responsabilidades da
paternidade...

Mas se Freud incursionara no terreno antropológico para resgatar as nascentes do Édipo,


Jones vai além e pretende colonizar o social inaugurando cena tendência psicanalítica a
secundarizar a cultura ao transformar as instituições em epifenômenos do psíquico. Assim,
afirmará (para explicar a alegada ignorância trobriandesa da paternidade) que "o sistema
matrilinear, com seu complexo de avunculado, surge... como um modo de defesa contra as
tendências edipianas primordiais" (Sexo e repressão..., p. 121; "Mother-right...", p. 128).
Malinowski, que criticara com sólidos argumentos a hipótese freudiana da transmissão
genética das seqüelas do parricídio, impugna a conclusão de Jones invertendo-lhe os
termos: o complexo de Édipo constitui para ele uma conseqüência de outra formação
social (sociedades de direito paterno), a qual gera em seus membros as tendências edipia-
nas portanto... secundárias.

Um mito para explicar o desejo

Trata-se de mais uma versão da disputa sobre a prioridade, quem precede quem, o ovo
ou a galinha, o indivíduo ou a sociedade. Para Freud, o mito da horda primitiva é a única
forma que encontra para explicar-se a situação edipiana. De fato, através da condição
animalesca que precede o parricídio, seria possível entender a conjunção entre sexualidade
e infância (os animais atingem a maturidade sexual rapidamente), bem como o
autoritarismo ameaçador da figura paterna - muito mais coerciva do que protetora - que
encontra um paralelo nos grupos não humanos. (Suplementarmente, a expulsão da horda
é possibilitada pela independência das crias atingida pouco depois do nascimento, outra
característica animal.) Resta entender como se processa a transformação que deveria
preceder o primeiro drama humano, isto é, a passagem de uma sexualidade regulada pelo
cio para o desejo sexual permanente. Para esse

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