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O Complexo de Édipo -
franklin goldgrub
Antes de escrever Totem e tabu (1913), Freud havia tratado a questão do social - ou do
"externo" - apenas do ponto de vista de sua incidência na vida mental da criança, com a
finalidade de explicar a formação dos sintomas. Assim, enquanto vigorou a teoria do
trauma, sua concepção referenciava-se por um desenvolvimento normal eventualmente
obstaculizado pela irrupção da agressão ou da sedução, cujo agente era, direta ou
indiretamente (via crianças mais velhas), um adulto perverso; na maioria das vezes esse
contato penoso e precoce com a sexualidade não teria conseqüências durante a infância
mas sua lembrança após a puberdade iria afetar seriamente a capacidade de relacio-
namento e a vida amorosa do sujeito em questão.
Dizer que os "impulsos biológicos" já contêm a mitologia infantil seria uma petição de
princípio, algo incomprovável e epistemologicamente discutível, solução fácil mas também
facilmente questionável que empurraria a psicanálise para a esfera de influência da
medicina. Por outro lado, os acontecimentos - as vivências familiares - tampouco
justificam, pelo menos na grande maioria dos casos, a tempestuosa afetividade infantil.
Enfim, o complexo de Édipo coloca o problema aparentemente insolúvel de sua própria
origem, indetectável na experiência, incomprovável no organismo. Mas Freud não dispõe
de outros terrenos a explorar além desses.
Rumo à pré-história
A forma assumida pela crença nesses povos é o totemismo. Cada clã adota um animal por
cujo nome se designa, de quem afirma descender e, tal como as vacas sagradas na Índia,
que se proíbe de matar... salvo em determinada ocasião:
Imaginemos agora a cena de um banquete totêmico (...) Numa ocasião solene, o clã mata
cruelmente o seu animal-totem e o devora cru (...) Os membros do clã estão vestidos de
modo a se assemelharem com ele (...) Depois que o fato foi consumado, o animal morto é
lamentado e pranteado (...) Se a morte do totem é motivo de regozijo, apesar de ser um
ato proibido, por que seria ele igualmente pranteado? (...) A psicanálise revelou-nos que o
animal totêmíco representava na realidade um substituto do pai (Totem et tabou. Paris,
Petite Bibliothèque Payot, p. 163; E. S. Imago, v. XIII, p. 168-9).
A religião, que abrigava o código legal das populações primitivas, teria como pilares a
dupla proibição destinada a evitar a agressividade dirigida ao pai e a sexualidade votada à
mãe. Mas Freud volta de sua incursão pré-histórica com excesso de peso na bagagem.
Pois munira-se não só de um evento justificativo do complexo de Édipo, mas fora obriga-
do para tanto a emitir nada menos do que uma hipótese acerca da origem da sociedade
humana. Não surpreende a reação contrariada dos antropólogos que viam assim sua ciên-
cia anexada à psicologia e mediante o acinte de um mito...
As críticas de Malinowski
A Freud isso parecia uma conseqüência secundária, um mal menor. Se para chegar às
origens do complexo de Édipo fora preciso invadir território alheio e formular uma
hipótese mais mítica do que científica, então seria preciso arcar com as conseqüências.
Que não se fariam esperar: um dos calcanhares-de-aquiles da postulação freudiana re-
pousava numa implicação implausível; para explicar a persistência do complexo de Édipo
nas gerações subseqüentes seria preciso admitir que a tendência incestuosa dos filhos
banidos, o poder tirânico da figura paterna, o parricídio, o remorso e a introjeção da
proibição, enfim, desejos, sentimentos e atos inerentes a essas circunstâncias, teriam se
transformado em traços genéticos transmitidos hereditariamente - uma tese tão
lamarckiana como a explicação do tamanho do pescoço da girafa pela localização dos
brotos das folhas no alto das copas...
A partir dessas características de uma sociedade regida pelo direito materno (na qual os
filhos pertencem ao clã da mãe) Malinowski acredita poder impugnar a universalidade do
complexo de Édipo, que para ele só tem lugar nas sociedades de direito paterno onde a
proibição recai sobre a mãe em primeiro lugar, o agente da proibição é efetivamente o
pai, e se sabe do papel que ele desempenha na procriação.
Réplica de Jones
Mesmo do ângulo do Édipo empírico é possível responder a Malinowski, como fez Jones,
que o desejo dirigido à irmã pode muito bem constituir um deslocamento do original
votado à mãe; que a figura autoritária não precisa ser desempenhada pelo pai, podendo
outro personagem agenciar a proibição; e quanto à afirmação de que os trobriandeses
ignorariam as conseqüências do ato sexual da mesma forma que desconhecem outros
processos fisiológicos, bem, isso já é uma outra história. De fato, para a psicanálise, trata-
se de um postulado inaceitável; a embriologia é urna aquisição muito recente que as
sociedades, por mais primitivas que sejam, não precisaram esperar para estabelecer um
vínculo entre as delícias do amor, as dores do parto e as responsabilidades da
paternidade...
Trata-se de mais uma versão da disputa sobre a prioridade, quem precede quem, o ovo
ou a galinha, o indivíduo ou a sociedade. Para Freud, o mito da horda primitiva é a única
forma que encontra para explicar-se a situação edipiana. De fato, através da condição
animalesca que precede o parricídio, seria possível entender a conjunção entre sexualidade
e infância (os animais atingem a maturidade sexual rapidamente), bem como o
autoritarismo ameaçador da figura paterna - muito mais coerciva do que protetora - que
encontra um paralelo nos grupos não humanos. (Suplementarmente, a expulsão da horda
é possibilitada pela independência das crias atingida pouco depois do nascimento, outra
característica animal.) Resta entender como se processa a transformação que deveria
preceder o primeiro drama humano, isto é, a passagem de uma sexualidade regulada pelo
cio para o desejo sexual permanente. Para esse
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