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- Bo _oszelao A VILEM FLUSSER ‘Todo aquele quem reflete est& interessado no espelho, 0 espelho 8, por de. finig&o, um instrumento'que reflete, que “especula” (de "speculum" “espelho). so Faulo diz que as eriaturas s%o espelhos ue refletem Deus. 0 empirismo iluminista concebe o intelecto como espelho da natureza, 0 criticismo de kant & uma revolta contra o espelho, © condena o conhecimento especulativo. ¥ara Hegel é 0 fluxo da realidade um continuo espelhar de espelhos contra_ postos em Gngulos, ¢ a dialéctica é o pensamento especulativo. Finalmente vittgenstein concebe a 1{ngua e a realidade como dois espelhos pindurados cm peredes opostas num quarto vasio. Fodemos enfocar, se quisermos, toda a histéria do pensamento do ponto de vista do espelho, Néo seria, creio, um jonto de vista desinteressante./ Mas o propésito do presente artigo & outro. iutre a conviegio que o interesde pelo espelho tem etualmente uma estrutura aiferente. le estamos mais tio interessados na face refletiva do ospelho. © nosso interesse est& na outra face, naquela que esta coberta palo nitrato de prata. sstamos invertendo espelnos. ste & um dos caracteristicos da a tualidade: espelnos invertidos. » espeluos invertidos serfo o tema deste ar tigo. A rerlexdo do espelho 6 consequencia do nitrato de prota. iio existisse, e © espelho seria transparente. Seria jenela. #4 jenela é, como sabemos, out ro problema. N&o menos apeixonante. Sela_se muito em ubrir janelas, ¢ pouco em deché las. tau sinal, creio, porque a janela é algo que pode ser fechad ndo é burraco. Has isto &, como disse, outro problema. 0 espeiho nfo é ja nel por causa do nitrato de pruta. .eflete. f£ verdade que a mancire como reflete & consequéncia da forma do vidro. Vidro plano espelha de forma dite rente do vidro eéncavo ou convexo. Antigamente, naqueles tempos bons que sa iam tanto @ respeito daquilo gue se espelha no espelho, costumava_se dizer que espelhos céncavos ou convexos "“distorciam" o espelbado. Espelhos pla_ nos‘e lisos eran tidos por "fieis", isto é "verdadeiros". Nés, que ignore_ mos tudo a respeito daquilo que se espelha, admitimos, um tanto desesperados, @ equivaléncia de todas as formas de reflexio como captagdes de algo. lio sebemos mais o que seja "fidelidade" ou "verdade". Sabomos, isto sim, que © "engagement" dos noSsos antepassados em prol de espelhos planos e lisos é consequéncia de preconceitos cartesicnos. Yor nfo sabermos distinguir entre as varias formas de reflexSo, estamos perdendo o interesse pela forma do vid Yo. Concentrames 0 nosso interesse no nitrate de prata. antes de tirarmos o espelho da parede para viré_lo, lancemos um iltimo olhar furtivo. Pera que? Para ver quem é que vai virar o espelho. Nao é esta a fung&o do espelho? Mostrar quem sou aqui agora? Mostray qual é a mascara que tenho aguf agora? Permitir que ajuste a miscara mais perfeitanente? Ou, cm ocasiées mais raras 6 extremas, permitir que tire a méscara e contemple o que esta por detras dela? ois o nosso olbar furtivo no espelho mostre ® se guinte imagem: a mascara sorridente de quem sabe virer cspelhos. A mascara est& um pouco solta. Ajustemo_la rapidamente’e viremos. A massa cinzenta do nitrato de prata & totalmente opaca. ao contempld_la nao VILEM FLUSSER vejo 1a muita coisa, Para dizer a verdade: nfo vejo nada. Por que estou an_ teressado nessa nada extremamente chuto jue vejo? Porque sei ser ole o respon sivel polas reflexdes que se dio na outra face, Ndo $ para dar calafrice? En_ tio as eriaturas refletem Deus por causa desso noda chato? 0 intelecto refle be @ natureza porque, no fundo, & nada? A realidade “histérica" avanga dialée ticamente tendo isto aqui por fundamento? A descoterta que acabamos de fazer @ ch& e rotineira: sempre sabfanos do lado avesso do espelho, Has se fér fei. ta num clima existencial, se £$r, como se diz, "vivenciada", & uma descoberta errazadore, Analizenos os seus efeitos. © espelno um ser em oposigio, e & como tal que funciona. & um ser que assu miu uma posig&o que & oposigao: una posigao negativa. f um ser que nega. £ Por isto que reflete, No permite we aquile que sobre ele incide passe por ele. Refletir é nogar, ¢ isto 6 a sua estrutura, No pode haver uma reflexto positiva, As respostas que 0 espelho articula sio todas negativas. S&o invor SGes des pexguntas que o demenden. As equagSes da Stica contirmarSo esta afir mative, B também o confirsardo as enilises do pensamento reflexivo. Diz essa andlise que todas as sentengas do pensanento podem ser redusidas & negagio for molnente, N&o deve portanto surprender que o fundamento do espelho seja o na_ da, essa fonte de toda negagio posaivel. 0 espelho é um ser em oposigio justa mente porjue o seu fundo é o nada do nitrate de prata. © homem enquanto ser que reflete é um ser em oposicg&o, em posigio negativa. £ isto que o distingue de todos os demais seres que nos cercam. fi um ser que nio permite gue eyuilo que sobre ele incide, (as coisas que nos cercam), passe por cles ormula sentengas que negam. sta 6 a recposta que articula contra o mun de que 0 cerca, # pode fa28_10 gragos ao nada que o fundamenta. 0 nomen $ un ser fundanentsdo pelo nada. 0 node 6 0 nitrato de prata que faz do homem o que ele é: espelko. ssa descoberta é, como disse, chi e rotineira. Basta virar o espelho pera fa z8_la. Sabemos, no entanto, que a Idade Moderna toda ignorava a descoberta. E que, em consequéncia, era “humanista". Cone se explica una ignorfincia to pa_ tente? 0 responsivel principal é Descartes com sua diivida insincera. Diz_nos Descartes que tomou a éecicio existencial de duvidar radicalmente de tudo, Diz que quem no duvidou de tudo pelo menos ume vez na vida, nunca viveu, Ey dito isto, froia a sua diivida ao elcangar a face de vidro do espelho. 0 ponto indy bitével seria o pensomento, Portanto a reflexiio na superficie do espelho. 0 espelnado,. este sim, pode ¢ deve ser duvidado. Com efeito: este duvidar metodi, co 6 a histéria da Idade moderna, uma histéria que se confunde com o progresso das cjéncias da natureza. Nas o espelhar nio pode ser duvidado, Fundamenta tu do. Xo fundo, 0 que Descartes nos diz que o espelho que somos ndo pode ser # convence por uma razdo muito simples: A contemplacio da taco reflg tiva oferece un espetaculo variado e apaixonante. A contemplagdo da outra fa_ ce & chata, Mas atualmente estamos comegando a chatear_nos com o espetécule va viado. Deixa de apaixonar_nos. Comegamos a cuvidar do indubitével cartesiano. Viramos 0 espelho. virado. YILEM FLUSSER Cono virar o esyelho, como duvidar do indubitavel? Acaso Descartes nfo prove, por A mais B, que a diivida, por ser pensamento, confirma o pensamento? Devemos sair do cfreulo vicioso cartesiano. Do circulo que vicfa a Idade Moderna toda. Tomada esta decis&o, torna_se Sbvio que a divida contra o pensamento é perfeita mente possivel. Com efeito: hi muitos métodos que a tornam poss{vel. wm deles & @ andlise estrutural do pensanento. Esse en&lise mostra fornalmente que todo pensamento parte de uma tautologia. "“Zautologia" é um nome elegante que se d& a algo que é um n&o_pensamento. A sentenga "chove ou nlo chove” & uma tautolo_ gla. iGo 6 um ponsamento. f uma sentenga que nao diz nada. %, falando estri_ taomente, nada. Se todo pensamento parte de tautologias, todo pensamento brota do nuda, A tautologia 6 0 nitrato de prata do pensamento. © espelho est& vira do. Um outro método seria uma espécie de fenomenologia. Um método que permita ao pensamento jue mostre como surge. Pois este método desvenda a origem “poética™ do pensamento. “Foesfa" & um termo elegante que se 44 a sentengas originais que se projetam do nada. Aparecem onde nfo havia nada. A descoberta que todo pensumento tem origem poética e yue os poetas sic os eriadores Go pensarento "ex nihilo", 6 uma descoberta do nada fundante. 0s poetas que sabem disto, e entre nos so bem representados pelos poetas concretos, aplicam metédicanente essa descoberta. i poesia & 0 nitruto do prata do pensanento. 0 espelho cs_ t& virado. H& outros métodos de virar o espelio, embora pouco aplicades no Ocidente. Um deles 6 a meditagdo disciplinada. lum tipo de meditag&o, (no tipo hindi), os pensaueantos sio destruidos sistemiticamente pela vontade e revelam o seu nada fundunte. Em outro tipo de meditagio, (no tipo budiste), os pensamentos so destruidos pela supresso da vontade, e revelam igualmente 0 seu nada fundan_ te. ¥ h& outras possibilidades. For todas eles podemos virar o espelho que somos. fois bem: est& virado o espelho. Descobrimos, (ou re_descobrimos) o nada que nos fundamenta enquanto’ seres que refletem. Descobrimos aquilo que a Idade Ho derna encobriu con conversa fiada. Edaf? Esta pergunta marca a atualidade, 4 resposta depende do tom pelo qual pronunciamos a pergunta. Se perguntemos: “e dai?" como quem 44 os ombros, a resposta seré a da indiferenga. Grande par te da humonidade est& dando esta resposta. Se perguntamos: "e dai?" como quen procura caminho, a resposta sera uma série de novas perguntas. 0s orientais, que contemplam a outra face do espelho h4 milhares de anos, parecem recomendar © abandono da oposig&o que somos. Parecem dizer que, dado o nitrato de prata, & melhor deixar de ser espelho, Abandono da oposigZo: wnido mistica portanto. Mas esta recomendag&o n&o é viivel para nés, herdeiros do "humanismo". Dovemos procurar por outros caminhos a partir do "e dai?" que 6 o espelho virado, xis tem. A nova arte o prova. Correm todos, creio, na regiao que se estende a par tir de outra face do espelho, Isto nos distingue dos nossos antepassados. Es_ tamos interessados na regio atris do espelho. Conosco comega uma época nova. A dos espelhos virados.

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