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Neurocurso – Educação Continuada em Neurociências e Neurologia


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MÓDULO II - ELETROFISIOLOGIA

O encéfalo como volume condutor

Há diversas maneiras de se registrar a atividade elétrica gerada pelo tecido neural. A


primeira e mais evidente, ainda que não necessariamente mais simples, é a amostragem direta
do campo elétrico estabelecido através da membrana neuronal. Para isso, um eletrodo,
confeccionado a partir de uma pipeta de vidro estirada (de maneira a se obter uma ponta bem
fina) e preenchido de solução de KCl (ou outra compatível com meio intracelular) é posicionado
no interior da célula, enquanto outro eletrodo de referência (que pode ser de prata revestido de
cloreto) é posicionado no meio extracelular considerado neutro. Essa técnica, denominada de
maneira geral de registro intracelular, é capaz de registrar com detalhe a variação do potencial de
membrana, seja em repouso, seja sob estímulo sub-limiar ou mesmo supra-limiar, em que
potenciais de ação são disparados. A delicadeza da montagem experimental para o registro
intracelular faz com que essa técnica só seja mecanicamente eficiente em preparações de fatia
do tecido neuronal obtida a partir de animais experimentais ou de seres humanos submetidos à
neurocirurgia de ressecção. Uma vez obtida a fatia de tecido (via de regra com menos de 1 mm
de espessura), ela é mantida viva através da imersão em um banho que mimetiza o líquido
céfalo-raquidiano em sua constituição, continuamente oxigenado e mantido à temperatura
aproximada de 36 °C. Os eletrodos são então posicionados no tecido através de micro-
manipuladores e ligados ao sistema de registro para captação e armazenamento da informação
eletrográfica. Essa preparação, denominada de eletrofisiologia in vitro, é essencial para o amplo
entendimento da neurobiologia celular e teve papel central na elucidação dos mecanismos da
memória e de diversas neuropatologias, tais como as Epilepsias.
Entretanto, como o leitor poderá rapidamente depreender, os objetivos finais da
Neuroengenharia exigem que o registro da atividade neural seja obtido a partir do sistema
nervoso íntegro, não dissociado do organismo, bem como que o indivíduo (seja animal
experimental, seja paciente) esteja livre para exercer seu comportamento. Mais ainda, ao
contrário do que permite a eletrofisiologia in vitro, é necessário observar a atividade gerada por
grupos maiores de neurônios, onde se acredita que a informação pertinente a uma dada função
neural esteja representada. Portanto, a eletrofisiologia no âmbito da Neuroengenharia é feita com

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eletrodos posicionados no meio extracelular, seja no espaço intersticial próximo a grupos de


neurônios, seja na superfície cortical ou, ainda, no escalpo do indivíduo.
Tendo isso em vista, é crucial compreender a biofísica da propagação da atividade elétrica
neural pelo volume condutor do encéfalo, através do qual o campo elétrico resultante será
amostrado. É disso que trata essa seção.

Em uma sinapse excitatória, o neurotransmissor liberado causa a despolarização da célula


pós-sináptica através da abertura dos canais dos receptores ionotrópicos. A entrada de cátions
resultante da abertura do canal gera um PEPS. Esta corrente positiva de influxo causa uma
diminuição da quantidade de cargas positivas excedentes (não anuladas pelas negativas) na face
externa da membrana celular no sítio da sinapse em comparação com a sua vizinhança,
conforme se pode observar na figura 9. Analogamente, o número de cargas negativas excedentes
(não anuladas pelas positivas) na face interna da membrana também diminui. Os desequilíbrios
de cargas, dentro e fora da célula, geram, por sua vez, correntes ao longo das faces externa e
interna da membrana, tendendo a refazer uma distribuição homogênea. No lado exterior, a
corrente (convencionada pela direção do deslocamento das cargas positivas) se dá da vizinhança
para o sítio da sinapse, enquanto no lado interior, a corrente se dá no sentido contrário: do sítio
para a vizinhança.

Figura 9 - Geração de correntes ao longo da membrana nas sinapses excitatória e inibitória.


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Com o PIPS na sinapse inibitória, o processo é exatamente o mesmo, invertendo-se a


polaridade da carga que entra na célula. A corrente (considerada em termos da carga positiva) é,
portanto, de efluxo, gerando um aumento de cargas positivas excedentes no lado externo e de
cargas negativas excedentes no lado interno do sítio da sinapse. Surgem então, correntes do sítio
para a vizinhança na face externa e da vizinhança para o sítio na face interna.
Dessa feita, no meio extracelular, o sítio da sinapse excitatória representa um sorvedouro
de corrente enquanto que o da sinapse inibitória, uma fonte de corrente.
As correntes iônicas extracelulares decorrentes da atividade sináptica fluem através de um
meio resistivo. Portanto, estão associadas, pela Lei de Ohm, a potenciais elétricos no meio
extracelular, também denominados potenciais de campo, conforme pode ser visualizado na figura
10. No repouso, não há corrente e, portanto não há potencial. Mas quando a atividade de uma
sinapse excitatória gera uma corrente no meio extracelular da vizinhança para o sítio da sinapse,
surge um potencial elétrico mensurável, orientado da periferia (mais positivo) para o local da
sinapse (menos positivo). Portanto, grosso modo, uma sinapse excitatória gera potenciais de
campo orientados da vizinhança para o sítio da sinapse.
Entretanto, as correntes iônicas em porções do meio extracelular que correspondem às
dimensões dos eletrodos de registro e seus potenciais de campo associados se devem não
apenas a um neurônio, mas sim ao somatório de um grande conjunto deles. Assim sendo, a
orientação e a magnitude dos potenciais de campo no encéfalo são altamente dependentes da
geometria dos neurônios, da organização espacial dos mesmos e do sincronismo de sua
atividade. Dessa feita, o registro eletrográfico privilegia a atividade sincronizada em estruturas
neuronais de organização regular, como por exemplo, o córtex.

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Figura 10 - Geração de potenciais de campo no meio extracelular de uma sinapse excitatória ativa.

As áreas corticais são formadas de agrupamentos em coluna (também chamado de


paliçada) de neurônios piramidais, conforme se pode observar na figura 11. Nessa situação, uma
aferência sináptica comum a um grupo de neurônios orientados transversalmente à superfície
cortical gera linhas de potencial de mesma orientação que se somam para gerar atividade
mensurável nos registros eletrográficos.

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Figura 11 - Organização colunar (paliçada) dos neurônios piramidais do córtex.

Figura 12 - As diversas variações sinápticas e os respectivos registros superficiais e profundos.


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A figura 12 mostra as diversas situações às quais as estruturas corticais estão


normalmente submetidas. Nela, a caixa retangular representa um agrupamento de algumas
centenas de neurônios piramidais, funcionando sincronamente, com o mesmo tipo de aferência e
organizados paralelamente ao estilo da figura 11. O interior da caixa representa os
compartimentos intracelulares desse grupo de neurônios, de maneira conjunta, enquanto o
exterior dela é o meio extracelular na vizinhança mais próxima de cada célula do grupo. No painel
superior à esquerda, este grupo neuronal está submetido a uma aferência sináptica excitatória em
suas camadas mais superficiais, onde se encontra a arborização dendrítica. Esta sinapse, como
já foi discutido anteriormente, gera um sorvedouro de corrente ao redor de seu sítio. O potencial
elétrico, tal qual a corrente iônica, é, portanto, direcionando transversalmente à superfície cortical,
de baixo para cima. Assim, a ativação desse tipo de sinapse é percebida pelo sistema de registro
como uma deflexão negativa da linha de base, caso o eletrodo seja posicionado nas camadas
intra-corticais mais superficiais ou mesmo na superfície cortical, com o eletrodo de referência
localizado em um ponto neutro distante. Se o eletrodo é posicionado em níveis mais profundos, a
deflexão registrada é positiva, uma vez que o sensor se encontra próximo às fontes de corrente
ao longo da membrana. Observe que a corrente retorna pelo espaço intracelular, uma vez que o
circuito elétrico deve fazer uma volta completa (um circuito fechado). Sem o loop completo, não é
possível a circulação da corrente. Portanto, se há um sorvedouro superficial, é necessário que
haja fontes de corrente ao longo da projeção axonal profunda do neurônio. Por outro lado, caso a
aferência excitatória se encontre em um nível mais profundo (painel superior à direita), o
sorvedouro profundo faz um circuito elétrico com fontes mais superficiais, de maneira que o
potencial de campo se oriente da superfície para camadas mais profundas. Nesse caso, eletrodos
superficiais detectam a atividade da aferência sináptica excitatória profunda como uma deflexão
positiva enquanto eletrodos profundos, como uma deflexão negativa. O mesmo raciocínio deve
ser aplicado na compreensão do registro da atividade de aferências inibitórias superficiais ou
profundas (painéis inferiores). Nesse caso, a atividade eletrográfica registrada será o espelho do
caso anterior.
Esse efeito pode ser traduzido na forma de dipolos elétricos. Um dipolo elétrico (d), em
termos fundamentais da física, é constituído de duas cargas de polaridade opostas separadas de
certa distância. Nessa situação, o campo elétrico e, portanto, o dipolo elétrico aponta da carga
positiva para a negativa e sua magnitude depende da quantidade de carga em cada pólo.
Segundo esse conceito, uma aferência sináptica que excita a árvore dendrítica de neurônios
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piramidais do córtex gera um dipolo elétrico que aponta para a superfície cortical em um ângulo
reto (figura 13). Quanto maior o número de neurônios simultaneamente ativos por esta aferência,
maior a magnitude do dipolo.

Figura 13 - A atividade sináptica cortical pode ser modelada como dipolos elétricos.

Como aferências sinápticas não atuam de maneira homogênea por todo o córtex, dipolos
elétricos são gerados com direções e magnitudes distintas ao longo das colunas da superfície
cortical. Isso provoca o aparecimento de dipolos longitudinais (dL - paralelos ao plano cortical), de
orientação e magnitude dependentes da diferença entre os dipolos transversais (dT -). A figura 14
ilustra esse conceito. Na coluna A, um dipolo que aponta para a superfície cortical é gerado por
uma aferência excitatória superficial que se traduz por um acúmulo de cargas negativas no local.
Já na coluna B, um dipolo com direção oposta é gerado por uma aferência sináptica inibitória
superficial, acarretando em acúmulo de cargas positivas. Assim, aparece um dipolo horizontal que
aponta da coluna B (mais positiva superficialmente) para a coluna A (mais negativa
superficialmente).

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Figura 14 - Geração de dipolos longitudinais (paralelos à superfície cortical).

Eletrofisiologia cerebral: registro da atividade neuronal

A atividade gerada pelo sistema nervoso periférico ou central é captada e registrada


através de técnicas padronizadas da clínica e da ciência. Ainda que o constante progresso das
tecnologias induza, de tempos em tempos, ou de laboratório para laboratório (médico ou de
pesquisa), modificações mais ou menos relevantes na metodologia de registro, as diversas
categorias de exame eletrofisiológico do sistema nervoso são essencialmente os mesmos.

Eletroneurografia

A eletroneurografia (ou ENG) é a principal técnica para registro da atividade bioelétrica


gerada por nervos periféricos.
Na clínica médica, seu objetivo principal é avaliar a integridade de um determinado nervo
através da medição objetiva da sua condutividade. Os parâmetros obtidos são velocidade de
condução e latência da resposta. Uma série de condições neurobiológicas, decorrentes de
neuropatias, modula esses parâmetros, tais como:
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 Desmielinização do nervo.
 Bloqueios de condução por lesões traumáticas ou neurodegenerativas.
 Diminuição do calibre do nervo por morte celular.
 Neuropatias importantes como a eslerose lateral amiotrófica, miastenia gravis e distrofia
muscular, ou ainda efeitos secundários da diabetes miellitus ou o alcoolismo.
Assim, o eletroneurograma auxilia no diagnóstico dessas doenças e na avaliação da
gravidade do quadro instalado.

De forma bastante simplificada, o eletroneurograma é obtido posicionando de maneira


apropriada um par ou mais de eletrodos de estímulo e um ou mais de registro na superfície da
pele imediatamente acima do nervo que se deseja avaliar, em porções proximais ou distais,
respectivamente. Caso o nervo em questão se localize anatomicamente mais profundo, pode-se
utilizar eletrodos na forma de agulhas, tanto para o registro quanto para estimulação. Dessa
maneira, o registro capta a atividade distal evocada por uma estimulação proximal. A latência das
respostas, bem como sua morfologia, indica a velocidade de condução e a integridade do nervo.
A atividade do nervo periférico também pode ser naturalmente evocada. Por exemplo, sons
padronizados evocam respostas estereotipadas no nervo auditivo, ou, ainda, a expansão do arco
aórtico após a sístole cardíaca evoca uma onda eletrográfica mais ou menos típica no nervo
aórtico depressor. Ainda que naturalmente evocada, a resposta pode ser analisada em função
das características temporais e espectrais do estímulo, bastando para isso que o sistema de
registro capte também o evento natural desencadeador da atividade, como, por exemplo, a onda
sonora ou a pressão arterial pulsátil.
Na neurociência, o ENG foi – e ainda é – essencial para o estudo da neurofisiologia do
sistema nervoso periférico e, conseqüentemente, das funções motoras e sensoriais. Em
particular, no que toca à Neuroengenharia, o amplo entendimento da neurofisiologia dos pares
cranianos, obtido em grande parte através da sua eletrofisiologia, representa a pedra fundamental
onde se assentam tecnologias de neuropróteses sensoriais como o implante coclear e o implante
visual. Por exemplo, o conhecimento da organização tonotópica da cóclea e de sua transmissão
análoga para o nervo auditivo determinou que os aparelhos de implante coclear fossem
projetados com sistemas de processamento digital de sinais capazes de decompor o sinal sonoro
em suas componentes de freqüência que serviriam, por sua vez, como entrada dos micro-
estimuladores do nervo auditivo.

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Ademais, o ENG pode servir como fonte de comando eletro-mecânico para algumas neuro-
próteseses motoras ou ainda como fonte do sinal de neuro-órteses da medula espinal ou de
nervos periféricos.
Descreveremos estas tecnologias com mais detalhes em suas respectivas seções.
Para uma revisão mais ampla sobre a eletroneurografia, vide Webster, 2006.

Eletroencefalografia

A eletroencefalografia (EEG) nada mais é que a técnica de registro contínuo da atividade


elétrica integrada dos neurônios do encéfalo. É o método padrão para acessar a atividade
bioelétrica gerada pelos neurônios do sistema nervoso central.
É usada largamente na clínica médica, representando um procedimento de baixo custo e,
na sua forma mais básica, completamente não invasivo. Suas aplicações são diversas, entre elas:
 Distinção entre crises epilépticas e crises psicogênicas, síncopes e desordens de
movimento, cujas expressões comportamentais podem ser bastante similares.
 Diferenciar síndromes psiquiátrica de encefalopatias orgânicas.
 Teste adjunto de morte cerebral.
 Avaliação prognostica de pacientes em coma.

Entretanto, a mais importante e ampla aplicação médica do EEG se dá com as Epilepsias.


De fato, a técnica representou verdadeira revolução no tratamento dessa doença. Nesse caso, o
EEG é importante para:
 Diagnóstico de Epilepsia.
 Caracterização e classificação das crises para determinação correta do tratamento.
 Teste auxiliar para lateralização do foco epiléptico, fundamental no caso de tratamento
cirúrgico.
 Desambiguação inequívoca entre crises epilépticas e crises psicogênicas.

Note, na figura 15, a diferença nítida entre o EEG obtido de um indivíduo saudável e de um
paciente com epilepsia durante a crise (período ictal) e mesmo sem crise (período inter-ictal).
Nesse último caso, o traçado apresenta espículas de alta amplitude e de curta-duração,
indicativas de disparos síncronos de grandes populações de neurônios corticais, típicos nas

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Epilepsias. Esse padrão é usualmente denominado atividade inter-ictal, denotando a condição


epiléptica do cérebro cuja atividade bioelétrica se registra.

Figura 15 - Comparação entre os traçados eletroencefalográficos de um indivíduo saudável e de uma paciente com
epilepsia, tanto no período ictal, quanto no inter-ictal.

A técnica de registro padrão (EEG de escalpo) é consideravelmente simples. De forma


resumida, os eletrodos na forma de discos são posicionados no escalpo do paciente previamente
preparado usando-se soluções abrasivas para diminuição da impedância do contato devido a
tecido morto. Além disso, usa-se pasta condutiva que, além de melhorar a condutividade na
interface eletrodo-eletrólito, também auxilia na fixação mecânica. Os eletrodos são então
conectados por fios individuais ao sistema de aquisição no qual as ondas cerebrais são
registradas por um tempo que pode variar bastante. O padrão ambulatorial, dura de 20 minutos

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até duas horas. Entretanto, no caso de monitoração pré-cirúrgica de pacientes com Epilepsia, o
registro pode durar mais de cem horas ininterrupto.
A localização e a nomenclatura de cada posição de eletrodo no escalpo do indivíduo são
padronizadas, sendo o sistema de padronização mais amplamente usado o denominado sistema
10-20 (figura 16). Via de regra, 19 eletrodos mais um de referência e outro para aterramento são
usados. A forma em que os sinais coletados em cada eletrodo são amplificados determina a
montagem. De fato, as montagens estão para o EEG assim como as derivações estão para o
ECG. Na montagem bipolar, os sinais de dois eletrodos vizinhos são amplificados
diferencialmente (ou seja, é amplificada a diferença algébrica entre os dois sinais). Já na
montagem referencial, amplifica-se cada sinal de eletrodos em relação a uma referência comum.
Esta é, geralmente, uma média dos sinais obtidos de eletrodos posicionados nos lóbulos das
orelhas, representado, a priori, uma referência neutra e inativa. Há ainda outras montagens que,
no entanto, transcendem o escopo desse texto.

Figura 16 - Diagrama esquemático do sistema padrão 10-20 de posicionamento de eletrodos e um indivíduo com os
eletrodos.

O espectro de potência do EEG tem maior conteúdo na faixa que vai até cerca de 20 Hz e
muito da prática médica concentra a análise, sobretudo dessa faixa. Entretanto, há ainda
considerável informação até cerca de 300 Hz, estando essa atividade de mais alta freqüência
relacionada a uma série de processos cognitivos. De fato, desde os estudos seminais de Berger
em 1929, até os dias de hoje, médicos e cientistas buscam correlacionar ritmos e ondas do EEG
com distintas funções cerebrais, bem como a alteração dos ritmos normais com neuropatologias.
Assim sendo, convencionou-se a seguinte nomenclatura para as faixas de freqüência em que as
ondas cerebrais se apresentam:
 Delta: até 4 Hz.
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 Teta: 4 a 8 Hz
 Alfa: 8 a 12 Hz
 Beta: 12 a 30 Hz
 Gama: acima de 30 Hz

É importante entender que também é usual classificar a atividade encefálica segundo as


relações logo acima (figura 17). Entretanto, é importante dizer que, nesse caso, a classificação se
refere à freqüência predominante, uma vez que o EEG é sempre composto por uma ampla
sobreposição de componentes de freqüência com maior ou menor amplitude, ou seja, contém
espectro de potência contínuo e relativamente uniforme (figura 18). Além disso, os valores limites
das faixas de freqüência variam, ainda que minimamente, conforme o autor do texto estudado.

Figura 17 - Ritmos típicos do encéfalo e sua nomenclatura segundo a freqüência predominante.

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Figura 18 - Decomposição em componentes de freqüencia pela transformada de Fourier de atividade


eletroencefalográfica com ritmo alfa predominante.

De qualquer forma, pode-se, grosso modo, correlacionar a predominância de cada uma


dessas freqüências com estados e funções cerebrais gerais e/ou neuropatologias. Por exemplo,
ondas delta se sobressaem quando o ser humano entra em sono de ondas lentas. Por outro lado,
ondas delta durante a vigília de um indivíduo adulto, podem indicar lesão subcortical. O ritmo teta
se faz presente na sonolência ou no despertar em adultos. O ritmo alfa está relacionado à vigília
relaxada e o beta com atividade mental intensa.
A Neuroengenharia se beneficia dessas relações de funções mentais com ritmos
eletrográficos para gerar dispositivos eletro-mecânicos controlados pelo EEG. Um exemplo são
teclados virtuais ou ainda cadeiras de roda controladas por EEG. Particularmente interessante, é
o uso da técnica para detectar e mesmo predizer crises. Segundo Litt 2001 e uma série de outros
autores, as características dinâmicas do EEG se modificam minutos e até mesmo horas antes de
uma crise epiléptica, ainda que esta pareça completamente abrupta. Há um seção dedicada para
esse tema.

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Figura 19 - Brinquedos controlados por EEG ("força do pensamento"): Force Trainner da Uncle Milton (em cima à
esquerda), MindPlex da Mattel (em cima à direita) e NeuroBoy da NeuroSky (embaixo à esquerda) juntamento com o
headset com sensor para captação de EEG (embaixo à direita).

Um tipo de aplicação peculiarmente divertida são os brinquedos movidos a controle mental


(figura 19). O primeiro deles é o Force Trainner da Uncle Milton, inspirado na saga Guerra nas
Estrelas, em que o usuário faz levitar uma esfera dentro de um tubo, conforme seu estado de
concentração. Basicamente, um sistema de EEG sem fio capta as ondas cerebrais do usuário e
analisa o sinal em tempo real. Conforme o conteúdo espectral que o registro carrega, o brinquedo
faz um ventilador na base do tubo mencionado girar com maior ou menor força (maior ou menor
energia nas bandas alfa e beta), propelindo a esfera para o alto. Tem sido um sucesso entre os
fãs da saga. Usando a mesma tecnologia, um indivíduo brincando com o Mindflex da Mattel faz
uma bolinha atravessar um percurso tri-dimensional. Já uma equipe de engenheiros e
programadores da NeuroSky desenvolveram vídeo-games controlados pela mente. Em um dos
jogos, em primeira pessoa (estilo 3-D shooter), você é um telecinésico que move barris, cadeiras,
mesas e até mesmo carros para abater o seu adversário. Em outro jogo, estilo Role-Play Game
(RPG), você controla um prisioneiro que tem que manter a calma em algumas situações para se

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dar bem no jogo. O nível de irritabilidade do prisioneiro é, na verdade, o seu nível, conforme é
medido pelo sensor acoplado a cabeça.

Apesar da enorme aplicação do EEG na clínica médica, na Neuroengenharia voltada para


a reabilitação ou ainda na Neuroengenharia científica, a técnica padrão, em que os sinais são
obtidos a partir de eletrodos no escalpo, tem algumas importantes limitações. Como já foi visto
em seções anteriores, tais eletrodos superficiais, de grandes dimensões, privilegiam a atividade
sincrônica gerada por grandes populações de neurônio piramidais do córtex, sobretudo potenciais
pós-sinápticos em seus dendritos apicais (daí sua grande utilidade no diagnóstico e estudo das
Epilespsias). Entretanto, um universo de importantes funções mentais é gerado por substratos
anatomicamente mais profundos, cujas atividades não se revelam no registro de escalpo.
Ainda que técnicas não invasivas como a Magneto Ressonância Funcional (ou fMRI –
functional Magnetic Ressonance Imaging) revelem ativação com excepcional resolução espacial,
elas ainda tem pobre resolução temporal (uma amostra do cérebro inteiro a cada poucos
segundos).
A alternativa eletrográfica nesse caso são variações do EEG no que se refere à posição
anatômica dos eletrodos. Por exemplo, no caso da Eletrocorticografia (ECoG), os eletrodos são
posicionados na superfície cortical, sobre ou sob (figura 20) a dura. Essa abordagem contorna o
problema da atenuação de sinais pelo escalpo e, portanto, revela a atividade bioelétrica cerebral
com uma maior riqueza de detalhes, sobretudo nas faixas mais altas de freqüência. Apesar de ser
uma técnica a priori invasiva, ela pode ser conduzida sem agravo adicional durante o período
intra-operatório em que o córtex do indivíduo já se encontra exposto.

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Figura 20 - Eletrocorticografia realizada durante uma cirurgia.

Ainda assim, o ECoG não é capaz de captar atividade gerada por núcleos profundos. Por
exemplo, durante o sono REM, o hipocampo de primatas humanos e não humanos, bem como de
roedores, assume um ritmo teta bastante intenso, demarcando com nitidez essa etapa do sono.
Ritmo teta hipocampal não é revelado por EEG e nem por ECoG. Dessa feita, há uma terceira
modalidade de EEG no qual eletrodos, em formato de espaguete (figura 21), são posicionados via
cirurgia estereotáxica dentro do encéfalo do indivíduo. Essa modalidade se denomina EEG intra-
cerebral, ou intra-cefálico (ic-EEG) e é considerado o padrão ouro da eletrofisiologia cerebral.

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Figura 21 - Eletrodos para EEG intra-cerebral (à esquerda, com detalhe) e neurocirurgia para implante dos mesmos
(à direita).

Entretanto, há ainda uma outra variante da eletrofisiologia cerebral que representa um


marco na Neuroengenharia e que vem cumprindo a promessa de revolucionar a área: o registro
unitário multi-sítio (do inglês single-unit multi-site recording). Apesar de não ter sido exatamente o
pioneiro, foi o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis e sua equipe os responsáveis por todo o
aperfeiçoamento metodológico e tecnológico fundamental para transformar uma técnica então
rudimentar e sem perspectiva no estado-da-arte em eletrofisiologia cerebral na neurociência (vide
interessante prefácio do livro Methods for Neural Ensemble Recordings – Nicolelis, 2008). Hoje, a
grande maioria dos importantes centros em neurociência do Brasil e do mundo conta com a
técnica para executar suas linhas de pesquisa. Mais ainda, estudos de biocompatibilidade dos
implantes de eletrodos estão sendo realizados no Brasil para avaliar a viabilidade dessa categoria
de eletrofisiologia em seres humanos.
Essa técnica permite que o investigador registre em tempo real a atividade individualizada
(unitária) de um grande grupo neurônios (de poucas dezenas até mais de mil). Para isso, Nicolelis
e sua equipe de cientistas e engenheiros precisaram desenvolver um sensor capaz de captar tal
atividade. Isso foi realizado através do desenvolvimento da matriz de eletrodos que consiste,
basicamente, em um arranjo regular miniaturizado de um grupo de micro-filamentos de tungstênio
recobertos por Teflon. Cada matriz pode ter de 8 até 128 filamentos arranjados em uma matriz
cujo espaçamento entre linhas e colunas pode ser de até meros 200 m (figura 22). O diâmetro
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do filamento é da ordem de 35 a 50 m, o que faz com que a atividade por ele captada seja
relativa à de uma vizinhança muito próxima, ou seja, de alguns poucos neurônios. Após o
condicionamento do sinal, um equipamento especial (denominado de maneira geral Processador
de Aquisição Multi-unitária – Multi-unit Acquisition Processor), também originalmente
desenvolvido por engenheiros da equipe de Nicolelis, realiza o processamento digital para a
classificação da atividade registrada em atividade unitária, conforme a amplitude e o formato das
espículas (referentes a potenciais de ação) tipicamente registradas (figura 23). Todo esse
processamento é feito em tempo real, o que permite que se conheça a atividade de cada
neurônio registrado enquanto o animal realiza uma dada tarefa.

Figura 22 - Matriz de eletrodos (8 x 8 filamentos).

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Figura 23 - Atividade unitária multi-sítio tipicamente registrado no sistema MAP (Multi-unit Acquisition Processor) da
Plexon Inc., desenvolvido a partir de trabalhos originais do Prof. Miguel Nicolelis.

Uma vez considerada a teoria que afirma que cada comando motor, ou sensação, ou ainda
memórias residam em códigos espaço-temporais de disparos neuronais, tornou-se possível o
desenvolvimento de interfaces entre o cérebro e a máquina com função e desempenho até então
inéditos. Em 1999, Chapin e sua equipe foi capaz de fazer um rato controlar um braço robótico
para lhe trazer água usando apenas a força de seu pensamento, sem nem mesmo precisar
executar o comando motor através de seus membros. Da mesma forma, foi usando essa
tecnologia que Nicolelis fez a macaca Aurora controlar um braço robótico em busca de sua
recompensa em 2000 e a macaca Goya residente nos E.U.A. controlar a caminhada do robô i-1,
em Kyoto no Japão, no ano de 2008.
A possibilidade de, enfim, nós sermos capazes de acessar de maneira irrestrita o código
que nosso cérebro usa para executar cada uma de suas funções, bem como de interpretar esse
código e o traduzir de maneira inequívoca em seu real significado, representa o verdadeiro santo
gral da Neuroengenharia, uma vez que isso implicaria na viabilidade de se transferir todo um
universo mental para a máquina e vice-versa.
Entretanto, ainda há uma série de barreiras metodológicas e tecnológicas a serem
vencidas.

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Enfim, a eletroencefalografia, bem como suas variantes, representa um assunto bastante


complexo, profundo e extenso. Os livros textos deste assunto são respeitavelmente encorpados,
bem como brilhantemente elaborados. Em particular, sugerimos a leitura de Niedermeyer e da
Silva 2005.

Tecnologia de registro eletrofisiológico

Os diversos sistemas de registro eletrofisiológico (uma categoria de sistemas de


instrumentação biomédica), adequados a cada uma das distintas modalidades, são idênticos em
sua estrutura básica, variando apenas em sistemas auxiliares peculiares a cada tipo de registro.
Essa estrutura geral está representada na figura 24 abaixo.

Figura 24 - Diagrama de blocos de um sistema de eletrofisiologia neural padrão.

Todo o sistema de registro eletrofisiológico consiste inicialmente de um sensor, que é o


dispositivo que converte o formato de energia que se deseja medir em energia elétrica de maneira
proporcional. Nesse caso, o sensor é um eletrodo e converte correntes iônicas em corrente
elétrica através de reações químicas em sua superfície. Os géis condutores, usualmente
aplicados nos contatos de eletrodos com a pele nos exames ambulatoriais visam exatamente
auxiliar nesse processo de conversão de energia eletroquímica em energia elétrica.

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Os eletrodos são os mais variados possíveis, conforme já deixou claro outras seções deste
texto. No ENG ambulatorial é comum usar eletrodos de metal encapsulados em gel condutor e
espuma auto-adesiva, para fixação na pele (figura 18). Para nervos mais profundos, podem ser
usados eletrodos em forma de agulha. Por fim, em se tratando de implantes crônicos, onde o
nervo é dissecado, os eletrodos têm formato de cilindros ocos, ou espirais planas, que envolvem
a fibra nervosa. Já o EEG de escalpo usa eletrodos de metal na forma de discos, afixados com
uso de pasta condutora. EEG intra-cefálico usa os eletrodos de profundidade, constituído de
anéis metálicos posicionados ao redor de uma haste de material plástico. Por fim, como já foi
mencionado, as matrizes de eletrodos são constituídas de um arranjo regular de micro-filamentos
de tungstênio recobertos por Teflon.
O sinal de tensão elétrica gerado pela indução da corrente elétrica através do eletrodo
segue então para o próximo estágio do sistema: o condicionamento do sinal. Seu objetivo é,
essencialmente, aumentar a relação entre a potência do sinal de interesse e a de ruídos
contaminantes (aumentando aquele e diminuindo esse), tais como artefato de movimento, ruído
da rede elétrica (50 ou 60 Hz), potenciais de meia-célula (Half-cell potential) ou ainda atividade
bioelétrica indesejada (p.ex. eletromiografia no EEG).
Isso é feito, basicamente, através de circuitos eletrônicos para amplificação e filtragem do
sinal (figura 25). Amplificar um sinal significa multiplicar sua forma de onda por um valor constante
denominado ganho. Em uma amplificação simples, denominada monopolar, ambos os sinais, o
de interesse bem como os espúrios são multiplicados pela mesma constante. Apesar disso, tal
amplificação é vantajosa por deixar o sinal mais potente antes das próximas etapas de
processamento que também podem introduzir ruídos. Sob essa lógica, a primeira etapa de
amplificação deveria se dar o quanto antes possível. De fato, em sistemas de registro de EEG em
roedores em livre movimento, o primeiro estágio de amplificação se encontra na cabeça do
animal, junto com o implante de eletrodo (figura 26). Esse estágio é denominado headstage
(dificilmente esse tipo de dispositivo é usado em sistemas de registro em seres humanos).

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Figura 25 - Diagrama de blocos do sistema de condicionamento de sinal (amplificador + filtro). Headstages


geralmente contam, apenas, com a etapa de aplificação comum.

Figura 26 - Rato da espécie Rattus norvegicus com implante de eletrodos e headstage.

A amplificação também pode ser do tipo diferencial. Tal modalidade de condicionamento


de sinal é altamente eficiente em eliminar ruídos que acometem simultânea e equivalentemente
os diversos canais de transmissão de sinal. De fato, uma série de artefatos se comporta dessa
maneira (p.ex. ruído de 60 Hz da rede elétrica). O que ela faz é amplificar a diferença entre dois
sinais, de tal maneira que a componente de ruído presente em ambos os sinais se cancelam
dada à subtração realizada pelo amplificador (denominado diferencial ou de instrumentação).
Por fim, o condicionamento do sinal conta com uma etapa de filtragem. Nos filtros
analógicos usualmente presentes nos sistemas de registro, circuitos eletrônicos implementam
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amplificadores cujo ganho depende da freqüência do sinal. Componentes de freqüência fora de


uma faixa denominada banda (ou faixa) de passagem, que é definida pelo projeto do filtro, são
multiplicadas por constantes de pequeno valor, muito menor que 1, sendo, portanto, atenuadas.
Já as componentes de freqüência dentro dessa faixa de freqüência são amplificadas por um
determinado ganho desejado. Os valores de freqüência que definem a faixa de passagem do filtro
são denominados de freqüências de cortes. Assim sendo, o filtro é projetado com uma banda de
passagem o mais restrita possível, mas que coincida com as componentes de freqüência de
interesse para o registro em questão. Artefatos cujas componentes de freqüência se encontram
fora da faixa de interessante serão atenuadas. Por exemplo, em um EEG comum, o filtro pode ser
de 0,16 a 100 Hz, o que elimina parte (harmônicos de ordem superior) do ruído proveniente da
rede elétrica no Brasil e muito de ruídos de chaveamento eletrônico (> 1 KHz).
A figura 27 ilustra, de maneira didática, o que é feito no estágio de condicionamento de
sinal.

Figura 27 - Ilustração didática dos efeitos da amplificação e da filtragem sobre o sinal de entrada.

Uma vez condicionado adequadamente, o sinal pode ser visualizado e/ou armazenado. Em
instrumentos mais antigos, os polígrafos, o sinal comanda um estágio eletrônico de potência para
fazer mover uma caneta que risca o traçado do sinal em um papel deslizante. Trata-se de uma
forma antiga, mas ainda útil, de visualização e armazenamento, nesse caso físico, do registro
eletrográfico. O sinal também pode ser visualizado em visores eletrônicos, tais como os tubos de
raios catódicos, em que um feixe de elétrons atinge uma tela de fósforo (e com ela interage em
uma reação que libera luz). A posição que o feixe atinge na tela é determinada verticalmente pela
amplitude do registro e horizontalmente pelo tempo de registro.
Entretanto, modernamente, o registro é digitalizado para armazenamento e visualização
em sistemas computacionais, incluindo computadores pessoais comuns de mesa e mesmo
portáteis. Isso permite que o sinal possa ser visualizado ou tratado com toda a gama de
possibilidades que o mundo digital permite. Só assim, através de programas de computadores

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especializados, a informação proveniente do sistema nervoso pode ser analisada com a


profundidade e complexidade que exige o objeto em estudo.
A digitalização do sinal é feita pelo conversor analógico-digital (ou simplesmente conversor
A/D), que pode ser um equipamento independente ou uma placa de computador dedicada.
Basicamente o que esse equipamento faz é medir o sinal de entrada com certa regularidade
temporal e gerar um código digital correspondente a ser transmitido para a memória do
computador. Assim sendo, surgem três conceitos técnicos importantes que devem ser bem
compreendidos: fundo de escala, resolução e taxa de amostragem.
O termo fundo de escala provém de aparelhos de medição de grandezas elétricas que
contêm um ponteiro que se move sobre uma escala de medidas ao fundo. Esta escala indica a
grandeza da medida, conforme o ponteiro se acomoda em uma determinada posição dessa
escala. Mais ainda, há um valor inicial e um final nessa escala, delimitando a excursão máxima do
ponteiro. De maneira análoga, conversores A/D operam em uma determinada faixa de valores
(p.ex. de -5 V a +5 V) de tensão elétrica do sinal de entrada, fora da qual não há códigos digitais
a serem atribuídos. Esta faixa de operação é denominada fundo de escala.
O fundo de escala é dividido em um número fixo de faixas de valores de igual tamanho. A
cada faixa de valores é atribuído um código digital, de tal maneira que uma amostra do sinal de
entrada recebe o código conforme a faixa em que se encontra. A quantidade de bits do código
determina a quantidade de faixas que podem ser atribuídas ao fundo de escala, uma vez que
define o número possível de combinações de bits um ou zero no código. Por exemplo, em um
conversor A/D cujo código tem o tamanho de 10 bits, há um número máximo de 210 = 1024
códigos distintos. Assim, nesse sistema, o fundo de escala é dividido em 1024 faixas de valores.
Se o fundo de escala é de -5 V a + 5 V, cada faixa tem 10 / 1024 = 0,0098 V, ou 9,8 mV de altura.
Portanto a precisão desse conversor é de, no máximo, 9,8 mV após a amplificação do sinal.
Variações de tensão menores que essa não são percebidas.
A quantidade de bits usadas em um sistema para construir o código digital é denominada
resolução do sistema e, como já foi observado, estão diretamente relacionados à sensibilidade do
instrumento. Por exemplo, um conversor A/D com resolução de 12 bits e com fundo de escada de
10 V, tem uma precisão máxima de aproximadamente 2,5 mV (sugerimos o leitor fazer as contas
para testar sua compreensão).
Tendo isso em vista, a etapa de amplificação assume outro papel em um sistema
computadorizado de registro eletrográfico: o de adequar a excursão máxima do sinal original ao
fundo de escala do conversor A/D. Por exemplo, um sinal de EEG de escalpo que atinge
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amplitudes máximas (pico-a-pico) de 4 mV (durante atividade epileptiforme), deve ser amplificado


com um ganho aproximado de 2500 vezes (0,004 V × 2500 = 10 V) para ter o melhor
aproveitamento do fundo de escala, garantindo maior precisão à medida.
Por fim, a velocidade com que o conversor obtém amostras do sinal de entrada é
denominada taxa ou freqüência de amostragem e é medida em amostras por segundo (S/s do
inglês Samples per second). Naturalmente, o conversor deve ter uma taxa de amostragem grande
o suficiente para ser capaz de registrar os mais rápidos eventos de interesse no sinal. Como
regra geral, decorrente do chamado Teorema de Nyquist, a freqüência de amostragem deve ser
no mínimo duas vezes maior do que a mais alta componente de freqüência de interesse. Por
outro lado, para que se possa reconstruir o sinal digitalizado com maior riqueza de detalhes,
costuma-se adotar pelo menos 4 vezes esse valor. Assim sendo, em um sinal de EEG com
freqüência máxima de interesse em 100 Hz, a aquisição pode se dar a uma taxa de amostragem
de 400 S/s .
Analogamente à relação que o amplificador mantém com o fundo do escala do conversor
A/D, o filtro e a freqüência de amostragem devem ser determinados em conjunto. A freqüência de
amostragem deve ser projetada de maneira a atender às características do sinal filtrado: duas a
quatro vezes maior do que a freqüência de corte mais alta. Por outro lado, a freqüência do corte
do filtro não deve exceder a metade da freqüência de amostragem, sob pena de gerar uma
deformação do sinal devido a um processo chamado aliasing.
Ademais, conforme a aplicação, os sistemas de registro eletrofisiológicos contêm circuitos
eletrônicos que desempenham funções específicas para cada aplicação. Por exemplo, em se
tratando de sistemas aplicados a seres humanos, a parte do equipamento diretamente ligada ao
paciente geralmente é desconectada da porção restante de maneira a resguardá-lo de anomalias
da rede elétrica. Isso é feito através de acopladores ópticos, nos quais o sinal oriundo do paciente
é transmitido por luz, fazendo com que a direção do fluxo de energia seja única: do paciente para
o equipamento e nunca ao contrário. Além disso, eletroencefalógrafos mais modernos contam
com sistemas capazes de detectar falha na conexão de eletrodos, através da medição da
impedância do contato, com circuitos auxiliares para a redução de ruídos e muitas outras funções.
É importante ainda ressaltar que o diagrama de blocos da figura 24 representa as etapas
para cada sinal, ou canal. Um mesmo sistema de registro pode conter diversos canais. Em geral,
todos os sinais terminam em um mesmo conversor A/D que, após digitalizar a amostra de cada
canal, transfere-as todas para a memória do computador de maneira adequada. Mais ainda, um
sinal proveniente de um mesmo eletrodo, pode ser condicionado por dois ou mais conjuntos de
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amplificadores e filtros distintos em paralelo. Isso é importante quando o canal transmite mais de
uma informação (ou sinal) de interesse, cada uma em uma faixa de freqüência distinta. Por
exemplo, em registros unitários, as espículas (ou spikes) referentes aos potenciais de ação dos
diversos neurônios estão na faixa de 150 Hz a 9 KHz, enquanto que o sinal referente aos
potenciais de campo intra-cefálicos estão entre 0,7 e 300 Hz. Assim, costuma-se separar esses
sinais por dois conjuntos de condicionadores de sinais diferentes, sendo ambos digitalizados e
armazenados separadamente. A figura 28, extraída do datasheet do sistema MAP da Plexon,
ilustra esse conceito. Observe como o mesmo sinal é condicionado por duas vias em paralelo no
bloco “PREAMP” (correspondente ao bloco de condicionamento de sinal da figura 24): “Spike
Waveforms” e “Low-Frequency Analog”.
Por último, o sinal pode ser processado digitalmente antes de ser armazenado na memória
do computador. Novamente, no caso de registros unitários, o sinal que contém spikes é
alimentado em sistema DSP (Digital Signal Processor) para que o sistema classifique, em tempo
real, cada espícula em categorias morfológicas distintas, correlacionados com cada determinado
neurônio. Assim, é possível saber quando cada neurônio disparou um potencial de ação.

Figura 28 - Diagrama de blocos do sistema MAP da Plexon Inc.

Fisiologia da estimulação elétrica cerebral

A medida do esforço empregado para se compreender a fisiologia da estimulação elétrica


está no grau da complexidade do sistema nervoso. Assim, é bastante direto o racional usado para
a compreensão dos efeitos em nervos periféricos, mas bastante elaborado no caso de estruturas
centrais. De fato, muito ainda há para se compreender acerca dos mecanismos que regem a
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resposta do tecido encefálico às correntes elétricas externas. De qualquer maneira, faremos aqui
um apanhado do que é conhecido até o momento.
Através das mesmas reações químicas que transformam corrente iônica no tecido em
corrente elétrica nos eletrodos e condutores do sistema de registro, a corrente elétrica nos
condutores e eletrodos do sistema de estimulação geram uma corrente iônica no tecido
estimulado.
Pela Lei de Ohm (V = rI), uma corrente circulando em um meio resistivo gera uma
diferença de potencial elétrico entre dois pontos no caminho do fluxo de cargas (ou circuito).
Assim, uma vez criada uma corrente iônica no tecido neural eletricamente estimulado, através
dele se estabelecerá um potencial elétrico, já que sua resistividade é diferente de zero.
O valor do potencial em cada ponto do tecido, bem como sua distribuição e orientação
espacial dependem da geometria do eletrodo, dos parâmetros do estímulo (amplitude da
corrente) e das propriedades elétricas do tecido. É possível descrever analiticamente o potencial
elétrico gerado em um tecido isotrópico (ou seja, propriedades iguais em todos os sentidos da
propagação) estimulado eletricamente por uma ponta muito fina e com uma referência no infinito
– é importante ressaltar que alguns casos reais se aproximam desta situação teórica e ideal. O
valor do potencial é descrito pela relação abaixo:
I
V
4r
Onde I é a amplitude da corrente,  é a condutividade elétrica do tecido e r é a distância
entre a ponta do eletrodo e o ponto considerado no tecido. A direção do potencial, nesse caso, é
radial, com centro na ponta do eletrodo, e sentido definido pela polaridade da estimulação.
Potenciais elétricos oriundo da estimulação por eletrodos com geometria diferente se
propagam de maneira distinta, sendo apenas aproximadamente radial. Nesse caso, a relação de
valores e a distribuição de linhas de equipotenciais são obtidas apenas por simulações
computacionais.
A condutividade do tecido neural varia conforme o tipo de substância. A substância
cinzenta, onde se localizam, sobretudo, corpos celulares, tem característica isotrópica. Portanto,
seu valor é igual em todas as direções: aproximadamente 0,20 S/m, segundo Sances e Larson,
1975. Já a substância branca, onde se encontram axônios em sua maioria, é anisotrópica e,
portanto, seu valor depende da direção de propagação: 0,6 S/m transversalmente e 0,083 S/m
longitudinalmente (Ranck e BeMent 1965).

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Uma vez conhecida a relação entre intensidade da corrente de estímulo com o potencial
elétrico gerado em um ponto a uma distância r do eletrodo, segundo a condutividade do tecido, é
possível calcular todas as forças elétricas às quais cada neurônio espacialmente definido no
tecido está submetido durante a estimulação. Por outro lado, para determinar o efeito destas
forças na célula, é necessário compreender os mecanismos biofísicos da resposta celular a
potenciais elétricos.
Isso é feito através da modelagem do neurônio em termos de um circuito elétrico. Tal
abordagem é possível uma vez que as propriedades e parâmetros elétricos da célula são
conhecidos experimentalmente. O modelo em sua forma clássica consiste em dividir os
processos neuronais (axônios e dendritos) em compartimentos cilíndricos de comprimento
uniforme e a cada compartimento atribuir o circuito elétrico da figura 29 abaixo.

Figura 29 - Circuito equivalente do neurônio.

Neste diagrama esquemático simples, Ri é a resistência do meio intracelular, Rm é a


resistência da membrana e Cm é a capacitância da membrana. Em simulações mais completas,
onde se leva em conta as alterações do potencial de membrana durante os potenciais de ação,
devido às mudanças de permeabilidade da mesma às diversas espécies iônicas, é necessário
modelar também as condutâncias variáveis referentes às populações de canais de sódio,
potássio e cloreto, bem como a atividade da bomba sódio potássio, como mostra a figura 30.

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Figura 30 - Circuito equivalente do neurônio, levando em conta as diversas condutâncias iônicas e a atividade da
bomba sódio-potássio.

Os parâmetros acima podem ser ajustados para modelar adequadamente as três principais
partes constituintes do neurônio, ou seja: dendrito, soma e axônio. Mais ainda, a mielinização
axonal também pode ser modelada alterando-se adequadamente a resistência e capacitância da
membrana. Por último, a geometria das diversas espécies neuronais é modelada, de maneira a
adequar os potenciais elétricos gerados pela estimulação a serem computados nos nodos de
entrada de cada compartimento do modelo, conforme regras descritas mais acima.
Em particular, deve-se lembrar que os padrões de estimulação elétrica, tanto na clínica
quanto na pesquisa científica, consistem de seqüências (ou trens) de pulsos quadrados de
corrente, conforme mostra a figura 31 abaixo.

Figura 31 - Padrão de estimulação elétrica .

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Assim, a simulação computacional de uma estimulação elétrica monopolar catódica (pulso


negativo em relação à referência) usando eletrodo de ponta fina na substância branca mostra
despolarização no nodo de Ranvier mais próximo à ponta do eletrodo. Nessa situação, o sítio de
despolarização está colocalizado com o sítio de disparo do potencial de ação que se propaga em
ambos os sentidos do axônio.
O resultado da mesma simulação de estimulação elétrica na substância cinzenta depende
da polaridade, ou seja, se o pulso é negativo ou positivo (estimulação catódica ou anódica
respectivamente). Por outro lado, vale ressaltar que ambas as polaridades de pulso, evocam o
disparo do potencial de ação no axônio, ainda que a ponta do eletrodo esteja próximo ao corpo
celular. Na estimulação catódica, o sítio de disparo do potencial de ação se dá no nodo de
Ranvier mais hiperpolarizado pelo estímulo. Já na anódica, o potencial de ação se inicia na
porção despolarizada mais próxima ao eletrodo. É importante ressaltar que o sítio de disparo do
potencial de ação durante a estimulação catódica foi sempre mais próximo do eletrodo do que o
sítio na estimulação anódica. Em síntese, as diferenças no local (nodo de Ranvier mais proximal
ou mais distal), bem como da direção da mudança de potencial de membrana (despolarização ou
hiperpolarização), para o disparo do potencial de ação, conforme as diferentes polaridades da
estimulação, implicam naturalmente em uma diferença no limiar de disparo entre estimulação
anódica e catódica.
A intensidade de corrente limiar (Ith) para disparo do potencial de ação foi simulada e
medida experimentalmente a fim de identificar sua relação com duração do pulso, bem como com
a distância do sítio de disparo do potencial de ação para a ponta dos eletrodos.
Como era de se esperar, a largura do pulso mantém uma relação inversa com a magnitude
da corrente. Ou seja, quanto menor a duração do pulso, mais intensa deve ser a corrente para
ativar uma mesma célula. Esta relação pode ser equacionada da seguinte maneira:
Tch
I th  I rh (1  )
W

Onde W é a largura do pulso, Irh é a corrente de reobase e Tch é o tempo de cronaxia. A


corrente de reobase é definida como a amplitude de corrente necessária para excitar um neurônio
através de um pulso teórico de duração infinita. O tempo de cronaxia é definido como a largura do
pulso com amplitude igual ao dobro da corrente de reobase, que seja capaz de excitar o neurônio.

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Similarmente, a distância guarda uma relação inversa com a corrente de limiar. Ou seja,
quanto mais distante se encontra o sítio de disparo do potencial de ação, maior deve ser a
corrente para ativar esse neurônio. A equação abaixo define essa relação:

I th  I r  Kr 2

Onde Ir é a corrente limiar absoluta (quando a distância entre eletrodo e o sítio de disparo
do potencial de ação é zero) e o parâmetro K (inclinação) é a razão das diferenças entre o
quadrado do aumento da distância com o aumento da corrente de limiar.
Conforme já foi mencionado anteriormente, a polaridade do pulso tem efeito direto na
ativação diferencial de distintos elementos neuronais. Assim, uma estimulação elétrica monopolar
na substância cinzenta ativará mais ou menos fibras de passagem em detrimento ou benefício de
células locais, conforme a polaridade do pulso.
De fato, as simulações computacionais mostram que a estimulação catódica tem corrente
de limiar menor para a ativação de fibras de passagem do que para as células locais. Ao
contrário, a estimulação anódica tem corrente limiar para fibras de passagem maior do que para
as células locais.
A estimulação monopolar com apenas uma fase (ou monofásica, catódica ou anódica),
entretanto, tem uma grave limitação que impede seu uso amplo. Dado o sentido único da
corrente, tal padrão gera um desbalanço de cargas indesejável, tornando-se bastante grave no
caso de estimulações crônicas. Esse desbalanço pode causar danos ao tecido estimulado, bem
como acarretar na degradação do eletrodo, tornando a estimulação ineficiente. A solução para
isso é balancear a carga através do uso de pulsos bifásicos, onde ambas as polaridades estão
presentes, uma após a outra. Mais ainda, a seletividade quanto a fibras de passagem ou células
locais pode ser preservada, mesmo no pulso bifásico. Basta, para isso, que o pulso supra-limiar
de polaridade adequada, curto e de maior amplitude, seja precedido de um pré-pulso da
polaridade contrária (indesejada), mas longo e de baixa amplitude, portanto sub-limiar e capaz de
balancear a carga.
Por fim, há alguns efeitos indiretos da estimulação elétrica que levam a uma resposta
polifásica do neurônio estimulado. A estimulação elétrica pode excitar neurônios pré-sinápticos
espacialmente próximos, que reagem com liberação de neurotransmissores. Nesse caso, se a
célula pré-sináptica for inibitória, o neurônio pós-sináptico primeiro se ativará e depois diminuirá

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sua atividade (ou mesmo silenciará) em reposta à liberação de neurotransmissores inibitórios.


Analogamente, se for excitatória, o neurônio pós-sináptico se ativará em um primeiro momento e
aumentará sua ativação em um segundo momento, ao perceber a neurotransmissão. Mais ainda,
em uma mesma célula estimulada, o corpo celular pode se comportar diferentemente do axônio,
pois a atividade deste está determinada pela estimulação enquanto que a daquele depende,
sobretudo, da integração sináptica em sua árvore dendrítica.
Tendo todos esses fatores em vista, fica fácil de compreender a razão pela qual o efeito da
estimulação elétrica no sistema nervoso central tem complexidade na escala de sua intricada
anatomia e fisiologia, ao contrário do sistema nervoso periférico, em que a estimulação age
diretamente e apenas no axônio. Assim, a forma como a estimulação elétrica atua em cada uma
das suas aplicações terapêuticas será melhor descrita e entendida, caso seja feito, no escopo de
suas próprias seções na continuação desse texto.

Tecnologia da estimulação elétrica cerebral

A estrutura tecnológica básica sobre a qual se assentam os equipamentos de estimulação


elétrica é bem menos preservada do que aquela dos sistemas de registro eletrofisiológico. Ainda
assim, a maioria dos dispositivos partilha uma essência comum, registrada na figura 32 abaixo.

Figura 32 - Diagrama de blocos da estrutura padrão de um estimulador elétrico.

O primeiro estágio é o que denominamos de central de controle. É a parte do circuito


eletrônico responsável por gerar os comandos que irão disparar os pulsos de estimulação elétrica
per si no estágio de saída. Este estágio gera os comandos segundo os parâmetros (freqüência de
repetição e largura de pulsos) desejados pelo usuário. Estes parâmetros podem ser configurados
pelo usuário de maneira analógica, através de knobs e chaves seletoras no painel do aparelho.
Em aparelhos mais modernos, toda essa lógica de controle é feita de maneira digital, sendo que
os parâmetros são configurados através de botões e visualizados em mostradores de sete
segmentos ou telas de cristal líquido. Há ainda a possibilidade de configurar estes parâmetros

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através de um programa de computador que controla o estimulador. Em particular, essa última


opção é bastante interessante em protocolos experimentais em que os parâmetros de
estimulação se modificam conforme resultados obtidos em tempo real (denominados
neurofeedback de maneira geral). Por exemplo, há protocolos em epileptologia nos quais a
estimulação elétrica só é aplicada quando a atividade epileptiforme é registrada no animal
experimental (Fanselow, 2001).
A maneira pela qual a central de controle realiza sua função varia bastante de equipamento
para equipamento. Nos estimuladores analógicos (mais antigos e mais simples), os pulsos de
comando são gerados por circuitos integrados temporizadores, tais como o LM555. A freqüência
e duração desses pulsos são determinadas pelo valor de resistores e capacitores externos
integrantes do circuito destes chips. Assim, estes parâmetros podem ser ajustados, usando-se,
por exemplo, potenciômetros analógicos ou chaves mecânicas para a seleção do componente
com o valor correto a partir de um banco. Geralmente, chaves seletoras são usadas na
configuração da faixa de ajuste do parâmetro (p.ex.: ×1, ×10, ×100, ×1000 e etc.).
Em equipamentos semi-digitais, chips temporizadores ainda são usados, entretanto, o
potenciômetro é substituído por uma versão digital, em que a resistência é controlada por
comandos digitais. Mais ainda, chaves analógicas multiplexadoras digitalmente controladas são
usadas no lugar das mecânicas. A posição destas chaves (chips, na verdade) é configurada
conforme o código binário de entrada (2, 3 ou 4 bits).
É importante dizer que em ambas as modalidades acima, o instante de disparo dos pulsos
(e em alguns casos, sua duração também), podem ser controladas externamente, pois a grande
maioria conta com entradas de sincronização externa. Assim, é possível desenvolver programas
de computador que realizem o controle parcial do estímulo, para serem usados, por exemplo, em
experimentos de neurofeedback, mesmo em se tratando de estimuladores mais antigos.
Por fim, nos equipamentos digitais mais modernos, toda a lógica de controle é feita através
de micro-controladores previamente programados. A correta temporização dos pulsos (freqüência
de repetição e duração) é gerada e comandada pelo micro-controlador, segundo a configuração
do equipamento. Este componente central também realiza outras funções importantes nos
sistemas digitais, tais como:
 comunicação com o painel do equipamento, tanto para a entrada dos parâmetros
através dos botões, bem como para a visualização das configurações no mostrador
digital;
 comunicação com o computador, quando for o caso;
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 detecção e prevenção de falhas (p.ex. duração do pulso incompatível com sua


freqüência de repetição);
 execução de protocolos experimentais pré-programados (p.ex.: pulso pareado +
estímulo tetânico para indução de LTP (Long Term Potentiation – Potenciação de
Longo Prazo) em fatias cerebrais).
 controle da polaridade e do número de fases da estimulação (monofásico ou bifásico).

O último item, nos sistemas mais antigos, é controlado pelo estágio de saída, conforme
será visto mais baixo.
O estágio seguinte no diagrama de blocos da figura 32 é essencial, mesmo em se tratando
de estimuladores elétricos de uso em experimentos com animais: o acoplamento óptico. Trata-se
de um circuito muito simples: acopladores óticos com seus circuitos externos de polarização
(resistores e capacitores). Conforme mencionado na seção que trata dos sistemas de registro
eletrofisiológico, a função desta etapa é separar eletricamente a parte do circuito eletrônico que
está ligada à rede elétrica daquela que está em contato com o paciente ou com o animal
experimental.
Entretanto, diferentemente do caso anterior, aqui o acoplamento óptico se presta a duas
importantes funções. A primeira é, assim como anteriormente, proteger o paciente de anomalias
da rede elétrica. O acoplador ótico não só dá um sentido único para a transferência de energia
entre as duas partes (que nesse caso está invertido: da rede para o paciente), bem como limita
dramaticamente este fluxo a limites inócuos para o a fisiologia humana. Isso se deve ao fato de
que a comunicação no acoplador ótico é feita, como o próprio nome sugere, através de luz. No
interior do chip, um diodo emissor de luz (LED – Light Emitting Diode) emite fótons em quantidade
controlada pela magnitude da corrente que o percorre. Do outro lado do componente, um foto-
transistor (transistor cuja corrente de base é controlada por luz) recebe o sinal luminoso e ativa a
corrente de coletor para emissor conforme sua polarização. Como a corrente máxima do lado do
foto-transistor só depende de sua polarização, configurada em limites inócuos, o paciente fica
protegido contra as anomalias da rede.
A segunda importante função do acoplamento ótico é isolar todo o circuito em contato com
o paciente no que se refere a possíveis caminhos elétricos para a fuga de corrente. Como o
estágio de saída se trata, em essência, de um gerador de corrente, é importante que todo o
sistema físico constituído de estágio de saída + tecido estimulado não contenham nenhum ponto

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de contato com o aterramento, percurso pelo qual a corrente pode descarregar. Isso garante que
toda corrente elétrica gerada percorra o alvo da estimulação, evitando todo tipo de fuga (ou
“vazamento de corrente” – current leakage) e, portanto, ineficiência do equipamento.
Uma vez que todo o circuito eletrônico em contato com o tecido está separado
eletricamente daquele em contato com a rede elétrica, é necessário providenciar um sistema de
energia para ativação dos componentes desacoplados. Naturalmente, esta energia não pode vir
da rede elétrica diretamente, pois, assim, haveria uma falha na separação. Existem duas
soluções para esse problema. A primeiro delas consiste no uso de um banco de baterias ligadas
em paralelo (as tensões de saída atingem até 100 V). Entretanto, essa abordagem exige um
sistema gerenciador de energia para acusar quando as baterias estão descarregadas. Se isso for
ignorado, a estimulação elétrica pode parar de funcionar sem sinais claros para o profissional de
saúde ou pesquisador, uma vez que as baterias descarreguem. A segunda alternativa, preferida
em sistemas mais modernos, usa conversores DC-DC, do tipo boost. Tais componentes são os
análogos dos transformadores de tensão AC (Alternating Current – corrente alternada) para o
caso de corrente contínua (DC – Direct Current). No interior destes chips, a tensão DC de entrada
é chaveada em alta freqüência (aprox. 400 KHz). Esse sinal chaveado passa então por um
pequeno par de micro-bobinas cuja relação de número de espiras faz com que a tensão de saída
seja maior (daí o tipo do conversor: DC-DC boost – do inglês incremento). Basta uma simples
filtragem capacitiva do sinal chaveado e o uso de reguladores de tensão para se obter os valores
de tensão desacoplados.
Por fim, há o estágio de saída. Sua função é responder aos pulsos de comando vindos da
central de controle com pulsos de corrente de mesma duração e amplitude ajustável. Seu circuito
é, via de regra, uma montagem de eletrônica de potência, pois as tensões e correntes envolvidas
no estímulo são de valores consideravelmente maiores do que aqueles envolvidos na micro-
eletrônica comum do resto do equipamento. A título de ilustração, a maioria dos estimuladores
comercialmente disponíveis são capazes de gerar pulsos com até 500 mA de amplitude em
tensões de até 100 V. Assim, é necessário o que denominamos de um circuito para ganho de
potência, ou seja, multiplicação da corrente e da tensão de entrada por fatores maiores que um.
Essa mágica é feita usando-se elementos de potência como transistor de potência ou par
Darlington. Uma outra possibilidade bem menos comum é o uso de amplificadores operacionais
de alta tensão, quando as correntes envolvidas não são de valores muito altos.
Toda a parte de acoplamento ótico e estágio de saída, bem como de gerência de energia
desacoplada é comumente denominada de isolation unit (ou unidade de isolamento). De fato,
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diversos fabricantes vendem esse equipamento separadamente da central de controle, uma vez
que essa pode ser um software em seu computador ou outro dispositivo de geração de pulsos.
Um exemplo prático dessa situação são experimentos de auto-estimulação de recompensa em
roedores, em que os pulsos são disparados pelo próprio comportamento do animal.
Em outros casos, toda a eletrônica do estimulador se encontra do lado desacoplado da
rede elétrica, inclusive central de controle. Apenas as entradas de sincronização externa podem
ser conectadas com a rede elétrica, sendo que, nesse caso, o sinal de entrada passa por um
acoplador óptico. Nessa situação, todo o circuito deve ser alimentado com o sistema gerador de
energia desacoplada, seja ele o banco de baterias, sejam os conversores DC-DC. Ainda assim,
são denominados, nesse caso, unidades de isolamento.

Referências

1. Fanselow, E. E., Reid, A. P., & Nicolelis, M. A. L. 2000, "Reduction of Pentylenetetrazole-


Induced Seizure Activity in Awake Rats by Seizure-Triggered Trigeminal Nerve Stimulation",
Journal of Neuroscience, vol. 20, no. 21, pp. 8160-8168.
2. John G.Webster 2006, Encyclopedia of Medical Devices and Instrumentation, 2 edn, John
Wiley & Sons Inc., Hoboken, New Jersey.
3. Litt, B. & Echauz, J. 2002, "Prediction of epileptic seizures", The Lancet Neurology, vol. 1, no.
1, pp. 22-30.
4. Miguel A.L.Nicolelis 2008, Methods for Neural Ensemble Recordings, 2 edn, CRC Press, Boca
Raton, Florida.
5. Niedermeyer, E. & Lopes da Silva, F. H. 2005, Electroencephalography: Basic Principles,
Clinical Applications, and Related Fields, 5 edn, Williams & Wilkins, Baltimore.
6. Paul L.Nunez & Ramesh Srinivasan 2006, Electric Fields of the Brain: the Neurophysics of
EEG, 2 edn, Oxford University Press, New York, NY.
7. Ranck, J. B. & Bement, S. L. 1965, "The specific impedance of the dorsal columns of the cat:
an anisotropic medium", Exp.Neurol., vol. 440, no. 11, pp. 451-463.
8. Sances, A. & Larson, S. J. 1975, "Impedance and current density studies," in
Electroanesthesia: Biomedical and Biophysical Studies, A. Sances & S. J. Larson, eds.,
Academic Press, New York, pp. 114-124.

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