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NON DUCOR, DUCO: A Ideologia

Paulistanidade e a Esc
Luis Femando C
Universidade Federal de Ponta Gr

RESUMO ABSTRACT
O artigo apresenta as idéias The artlcle presents the central
centrais da dissertação homô- ideas of the homonymous
nima, preocupada com a dissertation, preoccupied about
identificação da Ideologia do the Identificationof the regionalist
regionalismo do Estado de São ideology of the São Paulo's state,
Paulo, a construção de deter- the building of some images
minadas imagens utilizando a utilizingthe tradicional history,by
história tradicional por parte dos the paulista oligarchy's
intelectuais da oligarquia intelectuais, and also the
paulista, bem como a projeção projectlon of those historic-
dessas características histórico- traditional characteristics of that
tradicionais dessa ideologia ideology through the time by way
através do tempo via ensino of public teaching.
público.
Keywords: Regionalism;History;
Palavras-chave: Regionalismo; Ideology:
História; Ideologia.

o regionalismo é um problema com duas faces: em primeiro


lugar, é uma decorrência do sentimento natural de etnocentrismo,
a tendência do ser humano em encarar o seu grupo como o centro
de todas as coisas, conforme aponta Dante Moreira Leite 1. O outro
lado da questão é o fato das regiões e das próprias nações serem
construções historicamente datadas e socialmente determinadas.
O surgimento do Estado Nacional é um exemplo claro disso, em
que os interesses das classes dominantes do início da Idade
Moderna criam as nações demarcando os seus limites e
estabelecendo sua identidade. Essa identidade é generalizada
socialmente numa complexa interação entre interesses
dominantes, elementos da cultura popular, ideologia, história e
educação, donde nasce o nacionalismo enquanto sentimento e (região e nação). Cumpre parte da função mais ampla do discurso
projeto político sob vários olhares possíveis; um processo ideológico, que é o de forjar outras identidades que não as de
semelhante acontece, como foi possível constatar nessa pesquisa, classe.
com o regionalismo. Portanto, ao contrário do etnocentrismo, o O termo "paulistanidade" surge, pelo que foi possível
sentimento nacional e o sentimento regional são construções, averiguar, na obra do historiador Alfredo Ellis ]r., intitulado A
são artificialidades colocadas ao conjunto dos cidadãos, são Nossa Guerra4• Ellis utiliza o termo ao adjetivar o espírito, o
identidades adaptadas artificialmente ao sentimento etnocêntrico, sentimento que toma conta dos pau listas e leva-os à guerra civil
para o quê concorre de forma imprescindível a ação da instituição de 1932 depois dos ultrajes impostos pelo Governo Provisório e
escolar2• O Estado e a classe que o hegemoniza têm um papel as interventorias impostas ao Estado. Ao qualificá-Io de ideologia,
fundamental na constituição da idéia do "eu" e do "outro". a intenção também é ultrapassar essa caracterização vaga de
Foi levando em consideração essas questões que abordamos sentimento, simplesmente para enquadrá-Io como algo mais
o regionalismo paulista e seu instrumento principal e inseparável complexo. A paulistanidade é a ideologia produzida pela
de divulgação e perpetuação: o ensino de História. Evidentemente, oligarquia paulista que consiste na criação de uma identidade
compreendemos aqui o ensino de História como um amplo de ordem regional, valorizando a condição de pertencente ao
conjunto de práticas pedagógicas que utilizam a referência ao Estado (numa operação de homogeneização, nível das idéias, de
conjunto de conhecimentos construídos sobre o passado: não seus habitantes), ao mesmo tempo em que institui uma série de
limitamos o campo do ensino de História às aulas dessa disciplina, valores e características como próprias da condição de paulista
mas consideramos que ele se realiza também na sala de aula no e, para sacramentar essa construção, oferece uma explicação para
espaço das outras disciplinas e atividades (Literatura, Estudos essa situação por meio do recurso à História Regional, que aponta
Sociais, Canto Orfeônico, Educação Artística, atividades de o bandeirante como ancestral, civilizador, patriarca do paulista.
pesquisa escolar, festas cívicas, monumentos, iconografia).
Tratamos o regionalismo paulista como ideologia da PAUUSTANIDADE EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

paulistanidade, em busca de um referencial teórico que permitisse Uma generalização da condição de paulista e Uma avaliação
captar a multiplicidade de aspectos do objeto. Ideologia, favorável dessa condição são criações presentes já no século XVIII,
portanto, não aparece aqui como um conjunto de falsificações quando Pedro Taques de Almeida escreve a Nobiliarquia
maquiavélicas ou como erro, mas sim como o "conjunto de Paulistana, visando ligar as famílias paulistanas aos nomes da
representações (idéias e valores) e de normas ou regras (de nobreza. Outros cronistas também seguem essa preocupação,
conduta)"3, como concepção de mundo que aparece em todas as visando dar ao pequeno burgo de Piratininga uma identidade
manifestações da vida intelectual e coletiva. Escolhemos abordar guerreira, destacada da maioria dos mortais. Provavelmente
este objeto através deste conceito pela possibilidade que daí influenciado por esta leitura da história paulista, o viajante Auguste
decorre de englobar a multiplicidade de formas por meio das de Saint-Hilaire exclama que os pau listas são uma espécie de "raça
quais o regionalismo manifesta-se. A ideologia da paulisranidade, de gigantes", e com esta frase fuz escola, sendo repetido por muitos
como parcela da ideologia da classe dominante com características intelectuais e outros membros da elite de São Paulo.
regionais, expressa-se desde a ciência - destacando aí a produção Entretanto, a ideologia da paulistanidade só passará de um
historiográfica paulista - até o folclore, passando pelo senso aglomerado de idéias fragmentadas para um sistema coerente
comum. Engloba o imaginário social e as mitologias, quando, no Estado, um grupo social emergente passa a se dedicar
especialmente no que se' refere às identidades "geográficas" à cultura cafeeira, no século XIX. Essa atividade moldará um novo
perfil da classe dominante regional, ávida, além dos lucros, do São Paulo para constituir o que A1berto Sales (irmão do futuro
poder estatal, da sedutora perspectiva de comandar não apenas a presidente Campos Sales) chama de A Pdtria Paulista 6.
sua própria região, mas o país como um todo. A paulistanidade Com a proclamação da República e a federalização do poder,
começa a se definir, nesse momento, a partir de duas funções cpmeçam as primeiras iniciativas oficiais no Estado de São Paulo
básicas: como auto-afirmação/identificação de um grupo social no sentido de incentivar a produção historiográfica e a divulgação
em ascenção econômica e política, e como instrumento deste que privilegiem a consolidação da paulistanidade. A fundação do
grupo para atingir seus objetivos de hegemonia sobre a sociedade Museu Paulista (também conhecido como Museu do Ipiranga)
e controle sobre as demais parcelas da classe dominante brasileira. em 1895 e a publicação dos inventários das famílias paulistas dos
Dessa maneira, a história paulista é chamada de seu sono, séculos anteriores pelo governador Washington Luis, de 1920 a
convocada a servir de base para a ideologia. Uma das primeiras 1924, são exemplos claros dessa preocupação.
construções e identificações feita neste momento é das Neste mesmo período, os intelectuais orgânicos da elite
características da elite cafeicultora com as do bandeirante, com o paulista desenvolvem estudos historiográficos importantíssimos
qual procura-se estabelecer uma relação mais que histórica, uma para a consolidação - pela comprovação documental - dos
relação genética: postulados da ideologia em questão. O exemplo mais significativo
é o de Afonso d'Escragnolle Taunay, autor de uma vasta obra sobre
Por meio século, poucos paulistas educados tinham qualquer
os bandeirantes na qual se destaca aHistória Geral das Bandeiras
dúvida de que sua psicologia coletiva fôra herdada dos
bandeirantes, mas a maioria dos autores e apologistas enfatizavam Paulistas, cuja publicação leva quase quatro décadas. Taunay terá
os aspectos positivos: o bandeirante havia expandido a fronteira; como contribuição fundamental a ligação da história nacional à
havia posto sua energia a serviço de fins produtivos; havia história paulista, tornando a primeira dependente da segunda;
percebido oportunidades e tirado bom proveito delas; havia
isso será feito por meio de sua obra, de sua ação como diretor do
apontado o caminho do futuro à nação brasileira. Cabia a seus
descendentes modernos aceitar o destino de liderarem o país5• Museu Paulista e da sua atividade didática como o primeiro
ocupante da cadeira de História da Civilização Brasileira na
Para a elite, o bandeirante vincula atemporalmente o paulista Universidade de São Paulo.
a uma vocação nacional, de construtor das amplas fronteiras do Data também desse período a mistificação de que São Paulo
território a mantenedor da grandeza nacional. O mecanismo é o Estado mais rico porque o seu povo é o que mais se dedica ao
ideológico básico de generalização transmitirá essa noção, essas trabalho. O movimento verde-amarelo, expressão de um
imagens e esse sentimento ao conjunto das classes sociais modernismo com posições mais conservadoras, será um dos
presentes em São Paulo, ainda que nem de longe possam movimentos intelectuais dedicado a propagar a seriedade, o
estabelecer qualquer relação - mesmo que remota ou duvidosa, trabalho, o pragmatismo, a responsabilidade, como características
como é o caso da elite - de parentesco com os sertanistas coloniais. naturais do caráter regional paulista' .
Trata-se, portanto, de uma dupla construção, do bandeirante e Em meados da década de 20, entretanto, a produção
do paulista, estabelecendo um embricamento necessário. entre intelectual da elite de São Paulo passa a ter uma nova preocupação:
cada uma das construções isoladamente. a de defender a supremacia de São Paulo perante as críticas de
No Partido Republicano Paulista, em luta pela derrocada do outras elites regionais, que desenvolvem um discurso contrário
Império e pela presença paulista no governo do país, o discurso ao da paulistanidade, como reflexo de sua luta pela participação
da paulistanidade tem uma presença marcante e desenvolve-se no poder central. Essa preocupação marca as obras dos autores
ao seu extremo em algumas aias, que propõem o separatismo de pau listas, como Souza Lobo e Paulo Prado.
A década de 1930 e as seguintes, marcadas pelo fato novo participante e convicto defensor do Partido Republicano Paulista,
das revoluções de 1930 e 1932, colocam a paulistanidade na e Aureliano Leite é membro fundador e participante do Partido
defensiva, mas também são o período mais significativo para o Democrático, além de participante da bancada federal do Partido
estudo do objeto em questão: a propagação da ideologia da Constitucionalista.
paulistanidade tendo a escola por meio. Para o estabelecimento Finalmente, ambos serão membros do Instituto Histórico e
desta ponte, procuramos selecionar dois intelectuais que Geográfico de São Paulo, espaço de produção e divulgação de
constituíssem padrões da historiografia paulista, formadores de uma história tradicional, política, social, historiograficamente
opinião e construtores do conteúdo, do saber histórico falando. Esse é um ponto crucial: sua tarefa, enquanto intelectuais/
empregado na escola. historiadores tradicionais de São Paulo, utilizando a terminologia
Entre tantos autores ligados à contínua formação da ideologia braudeliana, é inserir a Revolução Constitucionalista de 1932,
da paulistanidade, principalmente na década de 1930 (por elemento do tempo curto, numa construção ideológica e
exemplo, Paulo Duarte, Guilherme de Almeida e Menotti del historiográfica mais extensa, a tradição da paulistanidade. Esta é
Picchia), fizemos uma análise mais detida em dois deles, apenas: reivindicada como uma continuidade psicológica desde João
Aureliano Leite e Alfredo Ellis Jr., que apresentam algumas Ramalho até Armando de Salles Oliveira e além.
características comuns e que interessam ao tipo de preocupação Convencer desta continuidade histórica com a naturalidade
sobre a qual nos debruçamos. A formação acadêmica de ambos inquestionável do dogma é o objetivo dessa construção
(bem como da maior parte da elite paulista) é muito parecida, historiográfica em sua projeção escolar. Mais do que elencar
pois ambos passam pela Faculdade de Direito de São Paulo, o biografias, procuramos identificar tanto as características da
templo sagrado da ideologia e escola dos quadros da oligarquia ideologia que orienta suas produções intelectuais, quanto
de São Paulo. Em primeiro lugar, porque a tônica de sua obra evidenciar que suas atividades profissionais constituem·se em
intelectual está ligada ao estudo da História de São Paulo: espaços de atividade intelectual". Não procuramos nestes
podemos mesmo arriscar a afirmação de que são os dois mais historiadores os especialistas mais destacados no tema
significativos autores desse objeto específico que se seguem bandeirismo, mas sim os produtores das matrizes historiográficas
cronologicamente a Afonso de Taunay. da paulistanidade, da edificação de uma tradição9 que procura
Dada essa condição, em segundo lugar os dois participam ligar as bandeiras com a cafeicultura, as indústrias, a revolução
da Revolução Constitucionalista de 1932 na condição de de 1932. É por este motivo que não selecionamos Cassiano
combatentes efetivos. Creio que essa experiência dar-Ihes-á um Ricardo, por exemplo, pois ele busca nos bandeirantes
tom mais carregado para o seu regionalismo, marcando sua prioritariamente ,uma expressão de brasilidade, e além de tudo
posição política e intelectual para o resto da vida, bem como não tem relações partidárias ou pessoais com a oligarquia regional.
fomecendo-Ihes a autoridade de participantes briosos e viris da Na análise desses autores, foi possível a constatação de alguns
mais significativa atividade dos "bandeirantes" no século XX, eixos da ideologia da paulistanidade atualizada por esses autores
exatamente o período de maior apelo e expressão da ideologia neste momento. Trata-se, por exemplo, de:
a- uma visão restrita da idéia de povo e de cidadão,
da paulistanidade neste século. Por sua atuação na política
paulista, na ocupação de cargos eletivos e por nomeação, ambos englobando nesta condição apenas as pessoas alfabetizadas e
podem ser considerados membros efetivos da elite política educadas pelos instrumentos controlados pela oligarquia, ou seja,
as pessoas enquadradas em seu projeto político-pedagógico;
estadual, estando ligados .cada um a um setor da oligarquia
b· uma idéia do paulista como defensor nato da Lei e da
paulista: Alfredo Ellis Jr., seguindo a tradição paterna, é
Ordem, ainda que estes termos apareçam de uma f9rma um ~nto govemamentalou por financiamentos oficiais sob variados títulos.
vaga e pouco criteriosa, também com a preocupação de ligar esta O discurso oficial é o discur.so que ganha a força da
construção a eventos do passado; legitimidade, uma vez que é legitimado pelo poder que
c- uma elisão dos aspectos negativos da história dos representa. O discurso oficial, portanto, é o discurso do poder. A
personagens pau listas e uma sobrevalorização dos momentos em história oficial é a história diretamente vinculada ao poder,
que os mesmos apresentam os comportamentos esperados (e esse legitimada e ao mesmo tempo legitimadora dele. Essa idéia
é o mecanismo de construção da tradição histórica), ainda que corresponde, de uma forma geral, ao conceito de "história
Ellis se sinta forçado a manifestar os "maus momentos" pela sua institucional", de Marc Ferro, referindo-se à história que legitima
ética cientificista; uma política, uma ideologia, um regime 10 • O estabelecimento de
d- um racismo mal disfarçado, ainda que tendendo a valorizar uma história oficial é uma necessidade básica, instintiva mesmo,
o índio para justificar que os mamelucos paulistas pudessem de cada grupo social nas instituições que organiza; essa história é
compor a tal "raça de gigantes"; um dos elementos ideológicos com o papel de justificar e legitimar
e- enfim, mas não concluindo, a idéia de que 1932 é o a existência da instituição perante a luta ideológica que se
momento máximo da epopéia dos pau listas no século :XX,marco manifesta no conjunto da sociedade.
de heroísmo e luta pelo Direito e pela Liberdade, afirmando o Próximo, mas não coincidente, temos o conceito de história
Estado de São Paulo perante a nação. Aqui, a derrota converte-se, . tradicional. O termo evoca a idéia de uma continuidade temporal
. invariavelmente, em vitória. que se projeta, a partir do presente, em direção ao passado. Assim,
possibilita entender e/ou justificar práticas e valores que
HISTÓRIAS TRADICIONAIS E HISTÓRIAS OFICIAIS sobrevivem contemporaneamente, e cuja origem é estabelecida
Julgamos fundamental discutir a diferença e o inter- na ponta inicial da linha da tradição.
relacionamento entre os conceitos de história oficial e história Ao contrário da história oficial, que é uma história vinculada
tradicional, a fim de melhor perceber o trânsito da ideologia entre ao seu caráter de pertença à instituição, a história tradicional é
as classes sociais, daí para o Estado, daí para a escola e de volta uma história de classe, e portanto tem uma conotação
para as classes sociais. primeiramente social. Ela é, então, um elemento de identificação
A história oficial é um conjunto de saberes que estrutura o de um determinado estrato da sociedade, e surge no seu confronto
discurso do poder quando este se refere à sua situação no tempo, objetivo com outros setores, ligando-se ao próprio processo de
mas não é necessariamente produzida de forma direta por ele. O' formação e desenvolvimento da classe.
Estado recorre aos intelectuais organicamente ligados ao grupo Assim, compreendido o termo, podemos somar a essa
que está no poder, e estes estabelecem parte significativa da reflexão sobre a história tradicional uma outra contribuição sobre
argumentação que os governantes utilizarão para o debate político o seu caráter, através da referência ao conceito de intelectual
(ou o monólogo, nos regimes politicamente excludentes), bem tradicional, de Antonio Gramsci. O intelectual tradicional é
como para os rituais cívicos exercidos pelos mesmos. Quero dizer, aquele que tem sua origem marcada pela ligação com uma classe
com isso, que a história oficial não é uma produção sistematizada já desorganizada ou em vias de desaparecimento, motivo pelo
unicamente pelo (e dentro do) Estado. mas geralmente produzida qual, em algum tempo, tem a possibilidade de ser cooptado por
pelos intelectuais cuja visão compartilha da ótica do grupo no algumas das classes efetivamente participantes da luta na
poder, e que a ele estão relacionados por afinidade política, sociedade. O próprio autor reconhece uma certa ambigüidade
geralmente expressa pela presença em algum posto da hierarquia no conceito, na medida em que os intelectuais tradicionais muitas
vezes já aparecem com ligações orgânicas com as "novas" classes, na escola paulista, principalmente sobre 1932, é o esforço em
sem perder de vista idéias e valores da tradição na qual se afirmar a versão tradicional regional e, por todos os meios, negar
formaram. Parece-nos uma forma adequada de se caracterizar a a versão oficial de origem federal. Portanto, a dinâmica do embate
oligarquia paulista na década de 1930, desde que estejamos entre história oficial e tradicional - e também entre a história
abertos ao conceito mais flexível de classe tal como é pensado regional e a versão nacional - dá as características do discurso
porThompsonll e przeworskP2, entre outros. pedagógico da paulistanidade, do discurso sobre o Estado que
Para Hobsbawn e Ranger 13 , existem tradições genuínas e vai para o ambiente escolar, "formar os cidadãos".
tradições que são inventadas; as primeiras ligam-se ao período
em que "os velhos usos ainda se conservam", em que a classe que COTIDIANO ESCOLAR: O LUGAR PEDAGÓGICO DA IDEOLOGIA

a institui está, de fato, ligada à origem que anuncia, numa longa Para Agnes Heller, o cotidiano é uma situação que
continuidade temporal, e não encontra problemas para a sua absolutamente todos os seres humanos vivem, e que absorve a
situação na sociedade. Já a tradição inventada caracteriza-se pela todos de forma preponderante. É o momento em que a pessoa
ligação "forçada" que uma classe, em um momento em que precisa inteira é chamada a responder ao meio, com todas as suas
se afirmar, faz com um determinado passado, a fim de inculcar capacidades, ao mesmo tempo determinando que todas elas se
valores e normas de comportamento. Nesse sentido, a oligarquia realizem com baixa intensidade, incapacitando o ser de se fixar
cafeeira de São Paulo cria, no século XIX, a noção de que está em apenas um aspecto dos que lhe demandam a atenção. Destaca
ligada pelos valores, práticas, e até mesmo pela vinculação assim, que a vida cotidiana compõe-se de uma heterogeneidade
biológica aos bandeirantes dos séculos XVI, XVII e XVIII. O de partes orgânicas que estabelecem entre si uma hierarquização
símbolo do bandeirante e suas características psicológicas serão que acompanha as atividades principais de cada tempo, classe e
daí por diante reverenciados e transmitidos para as novas gerações tipo de relacionamento entre o homem e a natureza 14.
da elite, bem como propagandeados para o restante da população, No nosso caso, é importante refletir sobre um momento
procurando generalizar essa tradição como pertencente aos específico do cotidiano na história deste nosso século: a escola.
habitantes do Estado como um todo. Somente na medida em que situarmos a escola para a sociedade
Partindo dessas considerações, preocupamo·nos em atual é que poderemos traçar algumas características da sua
estabelecer as diferenças de discurso entre alguns personagens cotidianidade. É a civilização ocidental que introduz uma
eminentes que ocuparam postos de direção no Estado. instituição mantida pelo Estado ou por ele fiscalizada/orientada,
Basicamente, por meio dos discursos do interventor/governador com o objetivo de transmitir sistematicamente a bagagem de
de São Paulo entre 1933/1937, Armando de Salles Oliveira, e do conhecimentos gerais acumulada pelas gerações anteriores. Essa
Chefe do Governo Provisório/Presidente da República, Getúlio instituição, inicialmente, será tanto condição para a cidadania
Vargas, pudemos pontuar a disparidade de leituras sobre a liberal. entendida politicamente - quanto promessa de ascenção
Revolução de 1932 (além de outros eventos ligados à problemática social para as famílias mais pobres. Posteriormente, com o
de centralização/federalização), que aparece regionalmente como desenvolvimento tecnológico, o acesso à escola passa a significar
um evento positivo e de brasilidadej entretanto, na leitura oficial a única chance de uma colocação razoável no mercado de trabalho,
do mandatário máximo da nação; 1932 aparece como um evento e hoje é possível dizer que os contingentes excluídos da escola
mesquinho, bairrista, sedicioso e fruto da propaganda ilusória serão brevemente os excluídos da sociedade em processo de
de uma oligarquia em prejuízo da maioria dos filhos do Estado. automatização e informatização. Aescola, enfim, torna-se em nossa
Como veremos adiante, o discurso da paulistanidade que aparece sociedade o passaporte para a cidadania entendida amplamente,
como a condição de participação digna em todos os aspectos da tanto nos programas de cada série em si quanto, no caso da
vida social. É possível notar, portanto, que a centralidade da escola História, pelo calendário cívico escolar. É este o espaço privilegiado
para a sociedade vem numa linha ascendente do século XIX para para que se generalizem as "tradições inventadas", já que estas
o século XX,concomitantemente ao processo de sua massificação. constituem "um processo de formalização e ritualização,
A escola, enquanto instituição responsável pelo caracterizado por se referir ao passado, mesmo que apenas pela
amadurecimento do homem no sentido de lhe fornecer grande imposição da repetição" 17.
parte das habilidades imprescindíveis para a vida cotidiana de Optamos, então, por abordar alguns aspectos centrais desse
sua camada social, é o elemento que organizará, além do cotidiano processo mecânico de transmissão que ocorre no cotidiano da
futuro do indivíduo, o seu próprio cotidiano enquanto criança e escola tradicional, em nossa busca da ideologia da paulistanidade
adolescente. Essa afirmação é válida para os contingentes em tal como se expressa na escola. Estudamos os materiais didáticos,
crescimento da população que passam pela escola, apesar de todos entendidos amplamente como todos os recursos materiais que
os problemas nacionais relativos à repetência e evasão nas camadas auxiliam o professor e a instituição como um todo na transmissão
populares. Além de definir o dia-a-dia dos escolares, a instituição dos conhecimentos aos quais se propõem, tanto nas atividades
é efetivamente também responsável pelo processo de de sala de aula quanto nas conhecidas pesquisas bibliográficas
fragmentação do indivíduo, na definição de seus papéis sociais e em que o aluno recorre a todo tipo de materiais e publicaçõ~s
no reforço das condições de manipulação social e alienaçãol5 • É disponíveis na biblioteca. Os recursos didáticos são, dessa
interessante notar que os momentos que Heller denomina como maneira, organizadores da memória que subsistirá como recurso
"elevação ao humano genérico", ou seja, a realização ampla das a ser utilizado na vida cotidiana do futuro adulto que passa pela
capacidades integrais da pessoa como ser humano, expressos na instituição.
ciência, na arte, nas atitudes revolucionárias, são registrados pelo Em busca da manifestação concreta desses condicionadores
conhecimento como avanço da humanidade, transformados em do cotidiano escolar, analisamos os materiais didáticos disponíveis
saber transmissível e assim passados mecanicamente para os na biblioteca da Escola Estadual Cesário Coimbra e da Biblioteca
escolares. Municipal de Araras, complementando tal estudo com livros
Uma primeira característica do cotidiano escolar, que envolve didáticos encontrados no Centro de Memória da UNICAMPe no
principalmente o professor e o aluno (sendo para o primeiro uma Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas. Evidentemente,
situação de trabalho e para o segundo um cotidiano preparador essa base documental é limitada, principalmente no que tange à
da cotidianidade adulta) seria então a "anulação" do humano- sua representatividade, que fica impossível de mensurar com
genérico pela sua conversão em informação. Na Química, na clareza, na medida em que não estão disponíveis dados como as
História, na Biologia, o cotidiano da escola resume-se em informar tiragens dos livros, seu número total de edições, a efetiva utilização
os rompimentos da cotidianidade por meio de procedimento desses materiais por professores e alunos e a maneira pela qual
mecânico e repetitivoj daí a concepção tradicional em educação esses materiais foram usados (de forma crítica ou passiva, por
de que a escola é o lugar da re-produção do conhecimento, exemplo).
enquanto a produção do mesmo ocorre na universidade, nos O objetivo do estudo desses materiais teve pretensões
laboratórios e em outros lugares privilegiados da criação onde se menores, pelas características desse trabalho: identificar, apenas,
encontra, segundo Lukács, o "homem inteiramente"16. a presença da ideologia da paulistanidade nos materiais,
Uma outra característica da cotidianidade da escola é a indicando sua grande potcncialidade de se concretizar, bem como
maneira cíclica e repetitiva pela qual transmite os conhecimentos, analisar os mecanismos prováveis que essa ideologia usa para se
reproduzir, a partir das pistas dessa documentação. usado a imagem de progresso e desenvolvimento atribuída ao
Foi possível constatar que os temas, conteúdos e discursos bandeirante em sua campanha presidencial).
relativos a São Paulo e os pau listas reproduzem de forma Na medida em que a ampla maioria dos manuais didáticos
simplificada o jogo de interesses e os conflitos entre as pretensões segue a regra positivista de apresentar os fatos objetivamente (os
de história regional e história nacional, principalmente no que se fatos falando "por si próprios", como expressões da verdade), não
refere às abordagens sobre a Revolução Constitucionalista de 1932. saltam à vista de imediato os posicionamentos ideológicos dos
Não é fácil determinar se um manual reproduz ou não a autores; procuramo-Ios, portanto, nas entrelinhas e nos indícios
ideologia da paulistanidade. É preciso reconhecer que os de cada obra, que são, freqüentemente, o espaço onde habitam
historiadores vinculados a essa visão de mundo particular os valores dominantes e as lições da ideologia.
conseguiram fazer um excelente trabalho ao inserir entre os Não apenas na escrita reside a transmissão dos valores e idéias
"grandes fatos históricos do Brasil", utilizando desde a da paulistanidade. Também as imagens têm essa função. O
consistência teórica e argumentativa até o volume de pesquisas e cartUnista e ilustrador Belmonte (pseudônimo de Benedito Canero
publicações, o ciclo das bandeiras e a Revolução Constitucionalista Bastos Barreto) é um dos maiores, senão o maior responsável pela
de 1932. Podemos considerar esses dois temas como os dois transformação em representação gráfica da construção literária do
pontos fulcrais da transmissão da paulistanidade no ensino de bandeirante, feita pela historiografia tradicional paulista entre o
História. Portanto, podemos considerar que o próprio fato de 1932 fim do século XIXe o início do:XX.Além disso, é um dos ilustradores
lograr inserir-se nos livros de História e ser estudado, qualquer mais importantes da Revolução de 1932, com cartazes nos quais
que seja a leitura, já é uma grande demonstração de sua procura também reproduzir a leitura da elite paulista sobre a guerra
capacidade de aglutinar a recordação por força de seus agentes civile suas motivações. Tornou-se indispensável procurar e analisar,
ou entusiastas em destacá-Io. Evidentemente, as proporções do em sua obra, os mesmos temas e conceitos trabalhados com as
combate contribuem para essa presença do episódio no ensino, palavras dos materiais didáticos.
mas, isoladamente, não a explicam. Abordamos, enfim, os materiais didáticos enquanto veículos
A oligarquia paulista e seus remanescentes também tiveram de ideologia e enquanto presença marcante no cotidiano escolar,
que travar uma luta surda para obter espaço para a sua revolução. mediando ideologia e cotidiano, cumprindo esta função central
Sendo um tema menos "quente", o bandeirismo conseguiu esse da escola. Constatamos, via material didático, a presença histórica
espaço de uma forma mais suave, com as contribuições da ideologia da paulistanidade na instituição escolar, em seu
fundamentais de Taunay, Ellis Jr., Aureliano Leite e, relacionamento com a memória e o ensino de História. Essa
posteriormente, o estadonovista Cassiano Ricardo. A presença histórica deve-se à ação dos intelectuais tradicionais,
nacionalização do tema do bandeirante decorre da sua capacidade que realizam na escola a transmissão desta mensagem, entre tantas
de simbolizar a integração nacional, pois surge com esse objetivo outras, para formar o cidadão ideal para o projeto político e social
na virada do século, tornando-se naquele momento o símbolo que advogam.
do federalismo hegemônico, e depois um dos símbolos da nação
em crescimento!lI. A Revolução Constitucionalista de 1932, As FESTAS CíVICAS DA PAULlSTANIDADE

entretanto, encontra resistências até hoje e não consegue obter A República instituirá, para um povo acostumado às festas
uma leitura positiva na maior parte do país, com raras exceções de memória religiosa, novos momentos cruciais da formação da
(a história produzida pelo exército e a opinião do mineiro identidade: em vez de Paixão, Páscoa, Natal, Advento, a data de
Juscelino Kubitschek, por eJÍ:emplo, tendo este último, inclusive, formação da Nação, a proclamação da República, as revoluções
redentoras. Novas festas de memória, agora laicas. Em vez dos centros da sociedade política (Secretaria da Educação e outras
santos, serão comemoradas as datas dos grandes heróis e mártires instituições estatais) que em alguns momentos zelam pela
da nacionalidade. Daí o parentesco com os "dias santos" ou "dias ideologia da paulistanidade.
de guarda" da Igreja, daí também o termo "rituais", bem como a Apartir das experiências concretas desta instituição, partindo
paráfrase presente no título do artigo de Lúcia L. Oliveira, ''As de entrevistas com alunos e educadores que vivenciaram esses
Festas que a República Manda Guardar"J9. rituais desde a fundação do Ginásio do Estado em Araras (sua
Procuramos analisar, entretanto, não as festas nacionais, mas primeira designação), bem como com os materiais indicados ou
os rituais cívicos ligados à formação de uma identidade mais cedidos por esses personagens (poemas, discursos registrados,
específica, a de paulista, com todas as suas atribuições ideológicas. jograis, letras das canções) trabalhamos as descrições das festas,
Nesses rituais regionais, diferentemente dos rituais republicanos numa análise, novamente, da ideologia e de como ela é
do século XIX, não há uma tentativa de substituir os rituais transmitida. Uma particularidade desses eventos rituais é a
religiosos (o clero católico foi uma força importante na defesa transmissão de um outro valor: o de morrer pela pátria, pelo ideal,
dos ideais da paulistanidade em 1932, e na defesa de sua memória, que é particularmente abordado na festa do Soldado
posteriormente), mas sim somar-se a eles, no que surge uma Constitucionalista, o 23 de maio, na qual se celebra o martírio de
concepção ideal do homem paulista, que deveria ser cívico e Martins, Miragaia, Draúsio e Camargo em confronto com os
religioso. apoiadores do governo de Vargas.
Com o intuito de aprofundar as considerações anteriores, Não podemos separar a existência humana da presença dos
deve-se refletir a respeito dos momentos em que há uma ênfase rituais. Estes, quando ligados às questões da memória política,
especial e consciente sobre determinados aspectos ideológicos ganham um papel de manutenção da identidade coletiva
do dia-a-dia de uma escola estadual em São Paulo. Isso na medida adequada ao conSenso hegemônico da classe dominante. Foi neste
em que, conforme Da Matta, o ritual não é uma suspensão do sentido que analisamos os rituais cívicos da paulistanidade como
cotidiano, um momento especial e qualitativamente diferente, expressões de uma tentativa de regionalizar a identidade a partir
mas sim uma situação em que os elementos triviais da de uma perspectiva decadente, ou seja, a da oligarquia paulista.
cotidianidade aparecem como símbolos21l.Os rituais são parte Classe diluída no espectro político e social após o Estado Novo,
indissociável da condição humana, e vão além das atividades suas idéias permanecem e se manifestam nos rituais a partir da
sagradas e solenes, invadindo as atividades seculares. O ritual, ação de intelectuais tradicionais ligados pessoalmente ao
integralmente ligado à ação cotidiana, constitui-se de gestos movimento armado de 1932 ou à sua infra-estrutura material e
(ritmos evocativos de significados que formam atos simbólicos ideológica. Os rituais, espaço privilegiado na escola para a difusão
dinâmicos) e posturas (que se constituem em paradas simbólicas da história oficial, são os momentos cruciais para que percebamos
da ação)2J. os mecanismos da ação da ideologia, que se utilizam tanto dos
A escola Cesário Coimbra, em Araras - Sp, é tomada como gestos físicos quanto da verbalização dos símbolos para
uma amostra representativa da rede pública paulista. Isso foi proporcionar a consecução de seus objetivos.
feito levando em conta as condições de sua origem (criada em No decorrer do tempo, a tendência é o esgotamento das
1934, dentro da política de formação de quadros para a elite fontes da comemoração: oficialmente incluídas no calendário
estadual, por parte do governo de Armando de Salles Oliveira, cívico estadual, as festas cívicas da paulistanidade tendem cada
considerado como o momento em que os revolucionários de 32 vez mais a serem apenas um registro formal e indiferente, em vez
retomam o poder), e a continuidade de suas relações com os de uma fervorosa exibição de memória e valores tradicionais. Isso
porque os intelectuais tradicionais (desde os pesquisadores e representantes mais autorizados da propagação da história oficial
professores universitários aos soldados, policiais, professores do e da manutenção da história tradicional. Em perfeita associação,
ensino primário c médio) que de alguma forma viveram o 23 de a Secretaria de Estado da Educação em sua Comissão de Moral e
Maio e o 09 de Julho vão desaparecendo, e as novas gerações não Civismo, a Sociedade de Veteranos de 1932 - M.M.D.C.e o Instituto
herdam essas preocupações de memória. Parece que as Histórico e Geográfico de São Paulo promovem atividades
comemorações ocorrem porque as abaladas forças da memória destinadas a dirigir e a garantir a efetivação dos festejos do
tradicional sobre 32 conseguem se reunir em períodos mais cinqüentenário do movimento constitucionalista.
esparsos, como os aniversários múltiplos de 05 ou de 10 anos da Essa agitação, portanto, não ocorreu espontânea ou
Revolução Constitucionalista de 1932. O último desses desorganizadamente, mas sim seguindo uma estrutura pré-
aniversários, que contou com uma grande mobilização, foi o determinada, tendo por raiz as entidades acima relacionadas,
cinqüentenário do movimento. espalhando-se pelas regiões do Estado graças à ação das delegacias
O ano de 1982 resgatou a comemoração cívica da Revolução de ensino, chegando ao cotidiano dos estudantes por meio das
Constitucionalista do marasmo em que ia caindo no correr dos escolas oficiais e ganhando espaço na sociedade como um todo
anos 60 e 70, nos quais os professores que haviam participado de pela atuação das comissões municipais de organização dos
alguma forma do movimento e eram dele entusiastas começavam festejos, que envolveriam as escolas particulares, as entidades da
a rarear nas escolas. Concomitantemente, os novos professores sociedade civil e os poderes públicos municipais.
relegavam essa memória a um segundo plano por duas ordens Também aqui julgamos extremamente importante abordar a
de motivos: em primeiro lugar, por uma postura já mais crítica, vivência concreta de um processo mais amplo, e por esse motivo
reservados em relação a 1932 pela dúvida de seus verdadeiros retomamos ao Cesário Coimbra, em Araras. Neste caso, o recorte
objetivos, e todo quilate de críticas dos adversários do movimento teve que ser um pouco mais amp!o que o colégio em si, visto que
ou de sua 'memória tradicional. Em segundo lugar, o a orientação das comemorações solicitava um trabalho integrado
esquecimento era passivo, num reflexo mesmo da decadência da de todas as instituições de ensino primário e médio, públicas ou
qualidade da formação dos professores tradicionalmente particulares. Esta opção de trabalho permitiu vislumbrar algumas
responsáveis por esse assunto, principalmente nos anos 70, em particularidades interessantes. Um exemplo é a concepção elitista
que os novos docentes responsáveis pela disciplina de História e da cidadania, presente na ideologia da paulistanidade pelos
pelas comemorações cívicas não eram especialistas, e sim autores que trabalhamos: essa mesma concepção expressa-se no
polivalentes, pouco conhecendo o desenvolvimento do processo momento em que a Delegacia de Ensino propõe a formação de
histórico em si, pouco sabendo sobre 1932 e pouco interessando- uma comissão organizadora dos festejos.
se em alardear a memória do movimento. Por força do calendário Mais do que simplesmente organizar os eventos, a comissão
escolar, das determinações oficiais, as datas de 1932 não deixavam municipal mencionada acima, que surge por iniciativa da
de ser comemoradas, mas movidas pelo mesmo impulso que fazia educação oficial, tinha o objetivo de envolver os vários segmentos
comemorar o Dia da Árvore, do Índio, da República. organizados da sociedade civil e mesmo os representantes dos
Estudando a organização dos festejos de 1982, podemos poderes estatais a nível municipal. Nem por isso as manifestações
identificar um movimento articulado no sentido de reverter essa adviriam de uma estruturação democrática: a comissão foi
situação, aproveitar o cinqüentenário para grifar e sublinhar o 23 composta por "cartas marcadas" no cenário das entidades
de Maio, o 09 de Julho, a paulistanidade. O epicentro dessa conservadoras, nenhuma que representasse as camadas populares
agitação cívica regional está, como não poderia deixar de ser, nos e os trabalhadores, reafirmando o caráter de elite e de cima para
baixo que marcou todas as fases da preparação e realização dos em termos de valores, o valor da tolerânCia e a abertUra para o
festejos. diálogo precisa ser um dos primeiros da lista.
O papel das comemorações da Revolução Constitucionalista Além disso, é interessante apontar algumas possibilidades e
de 1932 foi agir sobre a formação dos alunos, tanto no sentido de caminhos para discussão. Cremos que existe a necessidade
inculcar a versão tradicional a respeito do movimento, no aspecto antropofágica de deglutir o civismo como está colocado hoje,
de formação das noções históricas, quanto com a perspectiva de ligado à ideologia da nação e/ou da região, metabolizá-Io pela
formá-Io politicamente, cultuando os heróis do passado e da preocupação em desenvolver uma Educação Histórica, algo talvez
identidade paulista. Na verdade, a perspectiva política que se mais amplo que ensino de História, no qual possamos procurar
procura inserir no estudantado é conservadora, na medida em uma nova base que escape à história "territorial", ou seja, que
que o recurso ao passado não afeta as discussões sobre o presente. organiza os interesses sociais em torno das geografias, e não das
Os valores transmitidos são principalmente o "morrer pela pátria", relações sociais. Precisamos de uma determinação em responder
a identidade regional como condição para a defesa do que não devemos amor ao chão em que nascemos ou vivemos, na
nacionalismo e a defesa da ordem, prinCipalmente a ordem legal, medida em que este nos daria de comer: quem me dá de comer é
tudo dentro de uma concepção limitada e excludente de o meu relacionamento social, a minha interação com as pessoas
democracia (a exemplo da concepção que tinham os membros que estão comigo numa comunidade que só permanece porque
da oligarquia paulista). Não existe uma extrapolação que levasse estabeleceu vínculos com diversas outras comunidades, às quais,
o aluno a comparar o Governo Provisório de Vargas com o regime indiretamente, pertenço. A identidade de "paulista" é abstrata,
militar, ambos governos de exceção, pois a conseqüência seria da mesma forma que a identidade de "brasileiro" é abstrata. "Existe
propor um combate semelhante dos paulistas contra o regime. é homem humano", já dizia o Riobaldo de Guimarães Rosa em
Isto é impensável pelo comprometimento da própria fonte estatal Grande Sertão: Veredas, como Dante Moreira Leite cita, muito
das comemorações, o governo de São Paulo, comprometido com brilhantemente.
o regime ditatorial. O esforço em pensar a história como propiciadora da
Como na maior parte das festas cívicas, a ausência de um consciência de cidadania (no forte sentido que essa palavra tem
diálogo com o presente permite o incensamento dos valores adquirido no Brasil nos últimos anos, ganhando uma conotação
conservadores. O heroísmo da luta armada só é elogiado e mais social, além da política, que já existia) já é um passo
estabelecido como ideal enquanto defenda tão somente mudanças importante nessa direção. O que importa, mais do que novas
dentro da ordem burguesa que já está dada, sendo visto como técnicas, novos conteúdos, é o trabalho de todos esses "novos" a
abominável quando questiona o sistema social como um todo. partir de novos princípios, novos pontos de partida para a
Portanto, se politicamente os· destinos do Brasil estariam discussão: em vez do ponto de partida geográfico/regional!
encaminhados, o que se propõe para o aluno é a reverência ao nacional (espacial), um ponto de partida social. Como um possível
passado ... e também à situação política do presente. ponto humanista de chegada, a compreensão da responsabilidade
Concluindo, gostaríamos de apresentar, com~ contribuição, pessoal com os demais e com o ambiente em que todos vivem, a
algumas pistas metodológicas para a ação concreta na escola com vida como valor máximo, e aí a compreensão clara da defesa dos
esses temas. A metodologia, para o trabalho com os cânones da direitos humanos, a democracia como valor universal, o pacifismo.
história oficial e as datas nacionais e regionais, precisa ser Ensinar a pensar e a agir na história, autonomizar para possibilitar
dialógica, admitindo múltiplas mãos de direção neste diálogo. a convivência em melhores bases.
Se pensamos a formação do alunO-Cidadão pelo ensino da História
NOTAS

1 LEITE Dante Moreira Le'


Id 'I í S-
O C. •
~te. . t1rater Nacional Brasileiro - História de uma Estado Novo: Projeto Político Pedagógi
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ja~~::. I:;~.e regionalismo
REsUMO ABSTRACT

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FERRO M'
111 ' ,. .
ti mo ' . A Historia Vigiada. S;io Paulo, Manins Fontes 1989 p 11 particular do interventor contents ofthe private maUofthe
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d' J Ri
. o e anelro,
. Agamenon Magalhães, tomou-se intervenient Agamenom
12 PRZEWORSKI . possível identificar uma admi- Magalhães it was possible to
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education and of the pedagogue
" veículos de construção da ordem
:: f.HdELLER,2A2'O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1972. e da desordem na sociedade. A as vehicles for the construction of
em,p ..
sustentação de um clima de order and disorder in society.The
16ldem, p. 29.
17 Idem, p. 12.
insegurança, terror e violência maintainance of an insecurity
I. Idem, p. 132.
assegurava a implantação de uma atmosphere, terror and violence
situação de fato: exonerações e assured the implantation of a faet
19 OLIVEIRA, L. L. "AsFestas que a República Manda Guardar" In Estudos Histórl
vol. 02, nO 04, jul./dez. 1989. . coso aposentadorias forçadas transfor- situation: exonerations, forced
20 D~.~~A, R. Carnavais, Malandros e Heróis. Rio de Janeiro, Guanabara, 1990,
maram-se em instrumentos de retirements were transformed
punição e armas de combate into punishment instruments and
21 McL\REN, P.Rituais ~ Esco/~ em direção a uma ec~nomia po/ittca de slmbolos contra aqueles que eram combat weapons against those
e gestos na educaçao. Petropolis, Vozes, 1992. apontados como representantes who were pointed at as
da pedagogia da desordem. representatives of the disorder
pedagogy.
Palavras-chave:Educação; Estado;
Ordem. Key words: State; Education;
arder.

Com efeito Só a educação pode criar a emoção da vida nacional


Nilo Pereira (1937)

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