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Dhieimy Quelem Waltrich

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA
COMO POLÍTICA PÚBLICA
DEMOCRATIZADORA DE
ACESSO À JUSTIÇA: DESCRIÇÃO
E ANÁLISE DO PROJETO
JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM
PASSO FUNDO (RS)

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
1
Essere nel Mondo
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Cep: 96810-034 - Santa Cruz do Sul
Fones: (51) 3711.3958 e 9994. 7269
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Prefixo Editorial: 67722


Número ISBN: 978-85-67722-16-0

Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406


Catalogação: Fabiana Lorenzon Prates
Correção ortográfica: Elemar Ghisleni
Diagramação: Daiana Stockey Carpes

2 Dhieimy Quelem Waltrich


CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa – Direito – UFSC e UNIVALI/Brasil
Prof. Dr. Alvaro Sanchez Bravo – Direito – Universidad de Sevilla/Espanha
Profª. Drª. Angela Condello – Direito - Roma Tre/Itália
Prof. Dr. Carlos M. Carcova – Direito – UBA/Argentina
Prof. Dr. Demétrio de Azeredo Soster – Ciências da Comunicação – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Doglas César Lucas – Direito – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Eduardo Devés – Direito e Filosofia – USACH/Chile
Prof. Dr. Eligio Resta – Direito – Roma Tre/Itália
Profª. Drª. Gabriela Maia Rebouças – Direito – UNIT/SE/Brasil
Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin – Direito – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Giuseppe Ricotta – Sociologia – SAPIENZA Università di Roma/Itália
Prof. Dr. Gustavo Raposo Pereira Feitosa – Direito – UNIFOR/UFC/Brasil
Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Direito – UERJ/UNESA/Brasil
Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – Direito – PUCRS/Brasil
Prof.ª Drª. Jane Lúcia Berwanger – Direito – UNISC/Brasil
Prof. Dr. João Pedro Schmidt – Ciência Política – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Jose Luis Bolzan de Morais – Direito – UNISINOS/Brasil
Profª. Drª. Kathrin Lerrer Rosenfield – Filosofia, Literatura e Artes – UFRGS/Brasil
Profª. Drª. Katia Ballacchino – Antropologia Cultural – Università del Molise/Itália
Profª. Drª. Lilia Maia de Morais Sales – Direito – UNIFOR/Brasil
Prof. Dr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão – Direito – Universidade de Lisboa/Portugal
Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier – Direito – UNIPAR/Brasil
Profª. Drª. Nuria Belloso Martín – Direito – Universidade de Burgos/Espanha
Prof. Dr. Sidney César Silva Guerra – Direito – UFRJ/Brasil
Profª. Drª. Silvia Virginia Coutinho Areosa – Psicologia Social – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Ulises Cano-Castillo – Energia e Materiais Avançados – IIE/México
Profª. Drª. Virgínia Appleyard – Biomedicina – University of Dundee/ Escócia
Profª. Drª. Virgínia Elizabeta Etges – Geografia – UNISC/Brasil

COMITÊ EDITORIAL
Profª. Drª. Fabiana Marion Spengler – Direito – UNISC e UNIJUI/Brasil
Prof. Me. Theobaldo Spengler Neto – Direito – UNISC/Brasil

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
3
Dhieimy Quelem Waltrich

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA
COMO POLÍTICA PÚBLICA
DEMOCRATIZADORA DE
ACESSO À JUSTIÇA: DESCRIÇÃO
E ANÁLISE DO PROJETO
JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM
PASSO FUNDO (RS)

1ª edição

Santa Cruz do Sul

4
2014
Dhieimy Quelem Waltrich
“Uma comunidade mundial só pode existir com comunicação
mundial que significa algo mais que extensas instalações de
software espalhadas sobre o globo. Significa compreensão “co-
mum, uma tradição comum, idéias comuns e ideais comuns.”
(Robert Hutchins)

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................12

1 O ESTADO CONTEMPORÂNEO E A NECESSIDADE DE


READEQUAÇÃO DOS ESTREITOS LIMITES DO PROCEDIMENTO
LEGAL...............................................................................................................................17
1.1 O instrumentalismo excessivo do poder judiciário brasileiro, sua
crise, e a consequente perda de sua credibilidade .................................................19
1.2 A necessidade de oferta democrática de acesso à justiça..............................27
1.2.1 Democracia: tipologia, origem, conceituação e desafios da
contemporaneidade ......................................................................................................28
1.2.2 O acesso à justiça como princípio efetivo de democratização e
eliminação das desigualdades e injustiças sociais.................................................32
1.3 O Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de
Justiça e a demonstração da intensa conflituosidade/morosidade do
judiciário brasileiro. .......................................................................................................37
1.3.1 Justiça Estadual....................................................................................................39
1.3.2 Justiça Federal......................................................................................................41
1.3.3.Justiça Eleitoral.....................................................................................................43
1.3.4 Justiça do Trabalho...............................................................................................44
1.3.5 Justiça Militar Estadual........................................................................................45
1.3.6 Tribunais Superiores............................................................................................46
1.3.7 Considerações e recomendações.....................................................................47
1.4 O pluralismo dos métodos de tratamentos dos conflitos..................................49

2 MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS............................57


2.1 O conflito visto através de suas duas facetas: destruidor x construtivo..................57
2.2 Classificação dos meios de resolução de conflitos...........................................65
2.2.1 A jurisdição............................................................................................................68
2.2.2 A violência.............................................................................................................70
2.2.3 A conciliação..........................................................................................................72
2.2.4 A arbitragem...........................................................................................................74
2.2.5 A mediação............................................................................................................76
2.3 A mediação comunitária como política pública eficiente no
tratamento dos conflitos..........................................................................,,....................80

6 Dhieimy Quelem Waltrich


2.4 Instituição da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado
dos conflitos pela Resolução n.º 125 de 29 de novembro de 2010, do
Conselho Nacional de Justiça......................................................................................86

3 A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA


DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA: o projeto de
Justiça Comunitária da cidade de Passo Fundo-RS...............................................94
3.1 Considerações teóricas acerca da mediação comunitária..............................94
3.2 Locus: comunidade e seu conceito......................................................................98
3.3 Política Pública de Justiça Comunitária..............................................................99
3.4 Projeto Justiça Comunitária em Passo Fundo..................................................106
3.5 Resultados e discussões......................................................................................120

CONCLUSÃO................................................................................................................125

REFERÊNCIAS.............................................................................................................129

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
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PREFÁCIO

HUMANIZAR OS HUMANOS PELO


AMOR E NÃO PELO PODER

O Brasil tem 200 milhões de habitantes e 90 milhões de ações judiciais.


Por esse e por dezenas de outros motivos, essa obra de DhieimyQuelemWal-
trich trata de uma modalidade extrajudicial de tratamento de conflito que está
iniciando no Brasil mediante iniciativas do Estado e da sociedade civil. Diante
disso, o seu livro é diferente em sua singularidade, ímpar em sua existência,
principalmente, no âmbito dos mestrados e doutorados em Direito, ao acen-
tuar a dimensão empírica, subjetiva, e, real, pelo que se convencionou nomear.
Isso quer dizer que ela demonstra, de certo modo, um conteúdo pontual em sua
emergência no que se refere ao modo como os conflitos são concebidos e trata-
dos contemporaneamente. Portanto, as linhas desse livro não ficam restritas aos
demais livros que já examinaram o programa justiça comunitária do Ministério da
Justiça, nem tampouco se restringem aos estudos dos países do common Law
exaltando, assim, o acesso à justiça como o direito dos direitos fundamentais
naqueles países em detrimento das iniciativas locais. Ao contrário, revela, a
partir de um ponto de vista próprio, que o estudo do acesso à justiça pressupõe
um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência
jurídica. Soma-se a tal dimensão, outra, relacionada ao acesso à justiça não
somente enquanto um direito social fundamental, crescentemente reconhecido,
sendo também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística.
Assim, nesse livro é possível identificar uma nova modalidade de comunica-
ção do sistema jurídico, ao reconhecer a diferença, repelindo, por assim dizer, o
consenso originado no exame racional das pretensões de validade. Isso porque
atribui à participação ativa das comunidades a preocupação com a efetivação
democrática do acesso à justiça.
Nesses termos, as próximas páginas reconhecem que se está diante de
uma sociedade complexa na qual o conflito é elemento presente, e, por isso,
requer a atribuição de novos sentidos de administração da justiça e da amplia-
ção dos canais de acesso à justiça entendido aqui como uma cultura voltada à
facilitação da cidadania enquanto o direito a se ter direitos. Em outros termos, ao
se pensar a cidadania no Brasil, vislumbra-se que uma reforma silenciosa está a
caminho, se atentar para a maneira de se pensar a Justiça, mediante a criação
de políticas públicas de fortalecimento do acesso à justiça por meio do aperfei-
çoamento de técnicas e métodos de tratamento não adversarial dos conflitos. Tal
perspectiva, ao que parece, vem acompanhada de uma nova configuração dos
textos constitucionais na América Latina, que ao introduzirem outros modos de

8 Dhieimy Quelem Waltrich


tratamentos de conflitos, ampliaram o acesso à justiça em países como a Bolívia,
Argentina e a Colômbia. Tais iniciativas e procedimentos apresentam, aos juris-
dicionados, institutos pacíficos como a mediação extrajudicial e judicial - a qual
pressupõe a ênfase na autocomposição das controvérsias por intermédio do diá-
logo, por um mediador de confiança dos conflitantes e que tenha sido muito bem
preparado, no caso brasileiro, pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) -, entre
outros. Institutos como o da mediação, da conciliação autocompositiva e das
práticas restaurativas, demonstram, em certa medida, que o poder - enquanto
substância e unidade pertencente a um segmento -não existe; o que há, na ver-
dade, é a ação de relações de poder, sempre difusas, fragmentadas, contendo
vários centros, o que reforça, em certo sentido, o poder das comunidades. As-
sim, a fragilização do poder expõe a resistência às mudanças do subsistema
político da sociedade, e, de certa maneira, aponta para a insuficiência de seus
elementos, especialmente, àqueles associados ao funcional na medida em que
caracterizava o monopólio da jurisdição na esfera do processo judicial.
A comunidade, por sua vez, vem apresentando atitudes diversas, identi-
ficada na sua participação ativa, característica essa que vem ganhando noto-
riedade no meio jurídico por intermédio de programas e projetos associados à
promoção da mediação comunitária. Tal cenário evidencia, de certo modo, os
paradoxos que não são resolvidos pelo normativismo acostumado à tomada de
decisão com racionalidade ao fazer uso dos critérios normativos de validade,
abrindo, com isso, espaço para os novos sentidos do Direito, e, que, ao mesmo
tempo, apresenta um conceito de sentido ligado à pluralidade.
Esse livro que você tem em suas mãos, de certo modo, nos convida tam-
bém a compreender essa nova modalidade de acesso à justiça, sobretudo, ao
buscar novos fundamentos para fazer frente às diversas concepções que atri-
buem à jurisdição uma função apenas declaratória da lei vinculada ao monismo
jurídico. Tal aspecto vai ao encontro do Estado de Direito Democrático contido
desde 1988 na Constituição Federal, ao ensejar, efetivamente, os direitos sociais
e individuais, a liberdade, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, comprometida - na ordem in-
terna e internacional - com a solução pacífica das controvérsias, propondo, as-
sim, o rompimento de um paradigma que ainda contava (e que continua a contar)
com certa expressão social, cultural, jurídica e política na sociedade.
Diante disso, destaca-se que essa obra surge, mais precisamente, de pre-
ciosas e lapidares indagações acerca da necessidade de políticas públicas volta-
das à ampliação do acesso à justiça, tal como o exemplo desenvolvido em mais
de 70 cidades brasileiras, destacando-se a experiência ocorrida junto a cidade
de Passo Fundo- RS, entre 2010 e 2013, com a formação de mediadores no
âmbito do projeto “justiça comunitária”, e, posteriormente, com as “mulheres da
paz”. Para tanto, a autora resignifica a democracia ao sistematizar as seguintes
perguntas: considerando-se que o Estado não é o único organismo capaz de
promover políticas públicas, é possível conceber a comunidade como mecanis-
mo promotor da participação social na tomada de decisões? A mediação comuni-
tária pode ser a facilitadora dessa participação? Ela possibilita a (re) apropriação
do conflito pelos seus integrantes e a construção de respostas mais adequadas

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
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ao mesmo? Ela apresenta-se como forma democrática de acesso à justiça?
Tal empreendimento foi sendo gestado à luz do olhar atento e refinado
da professora universitária Dhieimy Quelem Waltrich, contando, também com
a interlocução preciosa da Advogada e Professora Pós Dra. Fabiana Spengler
(UNISC), que a estimulou a ver de perto os mediadores das comunidades, que
transformaram as suas vidas para si próprios e para as demais pessoas envolvi-
das nos conflitos tratados junto ao Núcleo de Justiça Comunitária nos bairros Za-
chia e Valinhos. Além disso, a autora do livro entrevistou os mediadores que par-
ticiparam dos cursos de formação e de capacitação ministrados pelo Psicólogo
Dr. Juan Carlos Vezzulla, da equipe do sociólogo Boaventura de Sousa Santos
da Universidade de Coimbra, Portugal e pode constatar que o mediador precisa
fazer a gestão dos seus próprios conflitos para poder ser o terceiro, nos conflitos
que não faz parte. Constata-se, ainda, que as participações dos mediadores em
reuniões, cursos, sessões de mediação e encontros, foram densas, repletas de
vida, e, em sua sutileza, complexas na sua simplicidade. Tais características, ao
serem assinaladas pelos mediadores, potencializaram a sua autonomia à medi-
da que colaboraram na alteração da dinâmica dos conflitos no âmbito simbólico,
elaborando, por decorrência, as dimensões na esfera psíquica dos conflitantes.
O leitor pode, assim, colocar-se no lugar das pessoas que participaram
direta ou indiretamente desse projeto e imaginar os limites e as possibilidades
do que se pode fazer quando se ocupa um cargo no Estado no que se refere
à prática pedagógica de proporcionar - por meio de políticas públicas concebi-
das na esfera federal e levadas à prática no local - um “encontro amoroso” por
intermédio da mediação comunitária. Em outras palavras, as políticas públicas
não precisam estar distantes das comunidades, ao contrário, podem ser uma
forma de envolver as pessoas a partir de uma provocação em torno da ação de
uma instituição universitária, de uma prefeitura e de um ministério. Isso também
pode nos remeter para o interior de um livro que expressa a potencial dimensão
acerca dos procedimentos extrajudiciais de tratamento de conflitos que tendem
à ampliação e recuperação da sensibilidade das pessoas, que recupera o cres-
cimento interior para poder agir na resolução das controvérsias. É, na verdade,
um suspiro inspirado, também, em Luis Alberto Warat, que na década de 1990 já
assinalava que a mediação, ao atingir a sensibilidade das pessoas, resolve com
simplicidade os conflitos. Assim, a mediação só não é possível entre aqueles que
não estão abertos ao amor, que só recepcionam as relações em torno do poder,
que, ainda, não resolveram os seus problemas internos. A mediação, nesse sen-
tido, pode ser usada como terapia do reencontro amoroso ao considerar o confli-
to dos sentimentos por meio de uma psicologia sensível, generosa, educativa e
comunitária. Nessa psicoterapia do reencontro, se tenta ajudar as pessoas para
que possam amar e construir vínculos a partir de suas identidades e valores,
assim o amor é apresentado às partes por intermédio de vínculos conflitivos,
como um retorno ao eu interior, como um processo de aprendizado e de mutação
constante, ensinando, dessa maneira, às pessoas se importarem com as outras
e a compartilharem o que de melhor cada uma pode oferecer. Desse modo, ve-
rifica-se que o amor, por estar presente na vida de todas as pessoas - tanto o
amor como a afetividade são sentimentos básicos do ser humano –torna-se um

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direito fundamental que só pode ser positivado com a escrita do coração, na me-
dida em que todos precisam amar para serem amados. Essa é, pelo visto, uma
dimensão da ecologia política porque dependemos desse conhecimento para
melhorar a nossa qualidade de vida, o nosso equilíbrio afetivo e emocional e o
nosso contato com o mundo. Desse modo, a mediação deve atuar em conjunto
com o amor, pois o amor é um dos caminhos para se encontrar o crescimento
pessoal, introduzindo-o em nossas vidas teremos autonomia, e, assim, ficará
mais fácil tratarmos os problemas e administrarmos os conflitos.
O relevo desse trabalho – em suas linhas e entrelinhas – passa pelo des-
taque da função do mediador comunitário que atua diretamente junto ao bairro
onde mora. Essa, pelo visto, passa pela ação comunicativa de provocar, esti-
mular e auxiliar as pessoas na compreensão de algo. Isso se torna necessário
à medida que os seres humanos, em muitas oportunidades, deixam-se envolver
pelo próprio ego, não se permitindo, assim, realizar a escuta do outro, o que os
levam a ter de buscar soluções para suas desavenças por meio da busca de um
terceiro. Nesses termos, o “ofício do mediador” é oportunizar aos mediandos a
construção de processos de autonomia. tendo por meta encontrar uma saída
que tanto desejam, fazendo assim com que não permaneçam dependentes de
suas decisões. Dessa maneira, pode-se conceber a mediação como um proces-
so orientado a conferir às pessoas nele envolvidas a autoria de suas próprias
decisões, convidando-as à reflexão e ampliando alternativas. É um processo não
adversarial dirigido à desconstrução dos impasses que imobilizam a negociação,
transformando um contexto de confronto em contexto colaborativo. É um proces-
so confidencial e voluntário no qual um terceiro imparcial facilita a negociação
entre duas ou mais partes onde um acordo mutuamente aceitável pode ser um
dos desfechos possíveis.
E por falar em amor, o genial Carlos Drummond de Andrade já assinalou:
Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? amar e esque-
cer, amar e mal amar, amar, desamar, amar? Sempre, e até de olhos vidra-
dos, amar? Que pode, pergunto o ser amoroso, sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar? Amar o que o mar traz à praia, o que ele se-
pulta e o que, na brisa marinha, é sal, ou precisão de amor, ou simples ân-
sia? Amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega ou adoração
expectante, e amar o inóspito, o áspero, um vaso sem flor, um chão de fer-
ro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina. Este o nos-
so destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doa-
ção ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor à procura
medrosa, paciente, de mais e mais amor. Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Prof. Dr. Mauro Gaglietti


Passo Fundo, abril de 2014.

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
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INTRODUÇÃO

Atualmente, muito se fala sobre as formas alternativas de tratamento dos


conflitos, principalmente no que diz respeito à mediação, que contribui direta-
mente para a construção de uma justiça mais democrática e cidadã.
É inegável que a mediação é um eficaz instrumento de pacificação social
e democratização de acesso à justiça. Por esse motivo, a presente obra visa a
demonstrar que a mediação comunitária é uma alternativa altamente democrá-
tica de acesso à justiça. Dessa forma, proporciona aos envolvidos um método
eficaz de cidadania participativa, o qual transforma-se em uma estratégia para a
formação de uma sociedade melhor.
Ademais, a mediação comunitária, como ação social, diz respeito ao exer-
cício da cidadania como processo inventivo, de forma que toda a comunidade
envolvida possa fazer isso igualmente, avançando daí para a maior democracia.
O direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º, XXXV da Constituição
Federal além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à
ordem jurídica justa. Assim, cabe ao Judiciário estabelecer política pública de
tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses que
ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em
âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais,
como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de
conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação.
Considerando, portanto, a necessidade de se consolidar uma política pú-
blica permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais
de solução de litígios, foi sendo sedimentado o entendimento de que a concilia-
ção e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e pre-
venção de litígios, e que a sua apropriada disciplina em programas já implemen-
tados no país tem reduzido aexcessiva judicialização dos conflitos de interesses,
a quantidade de recursos e de execução de sentenças.
Os novos métodos consensuais de resolução dos conflitos são modelos
de interação social que fogem daquele modelo impositivo, antagônico, e dão
espaço para o vínculo participativo, dialógico e cooperativo, que caracteriza um
dos pressupostos básicos para a existência da cidadania - o de que os sujeitos
ajam e lutem por seus direitos -, momento em que é devolvido à comunidade o
poder de decisão de conflitos que ocorreram em seu seio.
O que se pretende é repensar a jurisdição num sentido mais amplo, haja vista
que o conflito assume uma dinâmica negativa a qual deixa de conduzir ao cresci-
mento, e que deflagra a necessidade de procedimentos eficientes para tratá-lo.
Foi com este pensamento que o Conselho Nacional de Justiça criou a po-
lítica judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses pela
Resolução 125, de 29 de novembro de 2010.
Sabe-se que as políticas públicas vinculam-se diretamente ao desenvolvi-
mento social e ao progresso, na medida em que consistem no conjunto de ações

12 Dhieimy Quelem Waltrich


políticas voltadas ao atendimento de demandas sociais. Foi com base nesses
argumentos que se produziu a problemática central que norteou o desenvolvi-
mento do presente trabalho. A este propósito, considerando que o governo não
é o único organismo capaz de promover essas políticas, é possível conceber a
comunidade como mecanismo promotor da participação social na tomada de
decisões? A mediação comunitária pode ser o facilitador dessa participação?
Ela possibilita a reapropriação do conflito pelos seus integrantes e a construção
de respostas mais adequadas a ele? Essa mediação, ainda, apresenta-se como
forma democrática de acesso à justiça?
A construção das hipóteses levou a refletir de modo a apresentar a mediação
comunitária como um importante mecanismo de acesso à justiça como também
potencializador das relações inter-humanas existentes nas comunidades,
tornando-se um instrumento democrático e eficaz para o tratamento de conflitos;
vez que objetiva, além da resolução do problema, restabelecer as relações
sociais entre os conflitantes.
Ademais, a mediação comunitária propõe o desenvolvimento e o
progresso dos cidadãos, à medida que aumenta a presença e a participação
da comunidade em determinados espaços sociais, sendo que a tendência
é o aumento da organização e da aplicação de regras criadas pelo cidadão
objetivando o tratamento de conflitos.
Em verdade a mediação comunitária procura encontrar soluções
satisfatórias para as partes em conflito, promove a diminuição da violência
interpessoal, coloca a tônica no crescimento e desenvolvimento pessoal, no
fortalecimento da autoestima e desenvolvimento das capacidades de cada um
para resolver conflito. O procedimento de mediação faz com que as pessoas
se sintam mais humanas e responsáveis, haja vista que fortalece valores
fundamentais de convivência humana, de respeito, tolerância e liberdade. Nesse
contexto, a mediação comunitária aparece como meio propício à criação de laços
entre os indivíduos, prevenindo e resolvendo conflitos sociais.
Desse modo, a mediação contribui para o processo de democratização,
já que quando se fala em mediação, fala-se em participação, e esta é a melhor
definição que se pode dar à democracia. Deve-se, contudo, considerar que
o processo democrático é lento, e a mediação comunitária é apenas um de
seus instrumentos facilitadores. Entretanto, sua utilização é de fundamental
importância para que haja uma mudança em nossa cultura política, já que abrange
a participação daquele que é a base do processo democrático, o cidadão.
Claro está, portanto, que o objetivo da presente obra é desenvolver um
estudo acerca da possibilidade de devolver às comunidades a competência para
o tratamento dos conflitos no seio comunitário, como forma autônoma e eficaz,
valendo-se da inclusão social da comunidade e também dos regramentos,
hábitos, costumes e linguajar local.
Nessas condições, buscou-se refletir acerca da crise jurisdicional e os
novos contornos de sua função, bem como o conflito, o monopólio estatal e as
novas possibilidades de seu tratamento. Também objetiva-se discorrer acerca do
resgate histórico das formações da comunidade, bem como tecer considerações
teóricas acerca da Mediação Comunitária. E por fim, analisar a implantação do

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
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Núcleo de Mediação Comunitária na cidade de Passo Fundo- RS, nos bairros
Zachia e Valinhos, ao final, se essa Política Pública atua como um instrumento
democratizador de acesso à justiça.
O método de abordagem a ser utilizado será o hipotético-dedutivo, haja
vista tratar de questões que exigem experimentação e construção de conjectu-
ras que devem ser submetidas a testes, os mais diversos possíveis, à crítica in-
tersubjetiva, ao controle mútuo pela discussão crítica, à publicidade (sujeitando o
assunto a novas críticas) e ao confronto com os fatos, para verificar quais são as
hipóteses que persistem como válidas resistindo às tentativas de falseamento,
sem o que seriam refutadas. É um método de tentativas e eliminação de erros
que não leva à certeza, pois o conhecimento absolutamente certo e demonstrá-
vel não é alcançado.
O método de procedimento no primeiro momento foi o histórico, haja vista
a necessidade de resgate dos ensinamentos jurídicos de diversos doutrinadores
e aplicadores do direito. Ademais, como parte integrante da obra, empregou-se
o método estatístico, na esfera em se analisou os resultados/atendimentos dos
Núcleos de Mediação Comunitária existentes na cidade de Passo Fundo- RS,
nos bairros Zachia e Valinhos.
Como técnica de pesquisa foi necessária a utilização de documentação
indireta - pesquisa documental e bibliográfica- como fontes primárias e secun-
dárias, bem como a utilização de documentação direta, que se deu em forma de
pesquisa de campo.
No que tange à pesquisa bibliográfica, ela foi realizada a partir de consul-
tas em livros e artigos relativos ao tema, como também por meio de leituras e
sínteses de ensinamentos dos aplicadores do Direito sobre o assunto. Utilizou-se
os seguintes autores como fundamentação de base: Fabiana Marion Spengler,
Glaucia FalsarellavFolley, Lenio Luiz Streck, Antonio Carlos Wolkmer, Boaven-
tura de Souza Santos, José Luis Bolzan de Morais, Liszt Vieira e Alain Touraine.
Além disso, destaca-se a importância científica e social da presente pes-
quisa, não somente pelo reduzido número de publicações e exploração acerca
do tema, mas pela amplitude da estratégia escolhida. A abordagem proposta diri-
ge-se para uma nova via de tratamento de conflitos, fundamentada na cultura do
consenso; é o caráter democrático e autônomo da mediação, baseado na alteri-
dade, cooperação mútua e solidariedade, que promove o entendimento através
da comunicação e do diálogo. Nesse mesmo contexto, a relevância do trabalho
também encontra respaldo nas considerações trazidas ao ambiente acadêmico,
enriquecendo e ampliando a discussão, sem a intenção de exauri-la
Diante dos ditames estabelecidos pela Secretaria de Reforma do Judi-
ciário e os projetos promovidos pelo Conselho Nacional de Justiça, os projetos
de Justiça Comunitária buscam na participação social, ressignificar o cotidiano
de todos os cidadãos que, de uma maneira ou de outra, sentem a necessidade
de se associar com vista a alcançar objetivos que dificilmente seriam atingidos
caso fossem perseguidos individualmente e de maneira isolada. Participação
e cidadania são conceitos interligados e referem-se à apropriação pelos indiví-
duos do direito de construção democrática do seu próprio destino. Àquela deve,

14 Dhieimy Quelem Waltrich


portanto, ser vista como uma das principais ferramentas de acesso à cidadania.
Em sua plenitude, a cidadania só se consolida na presença de uma participação
social entendida enquanto ação coletiva e o seu exercício consciente, voluntário
e conquistado.
No entanto, a falta de uma cultura de participação aliada a um crescente
individualismo atuam, muitas vezes, como obstáculos a uma participação efetiva
na vida comunitária. Se é certo que o conflito é inerente à condição humana, a
sua carga positiva ou negativa não depende simplesmente da sua existência,
mas da capacidade ou incapacidade de geri-lo de uma forma eficiente. Para
além do distanciamento do diálogo, a sociedade atual passou a vivenciar novos
conflitos, fruto das transformações sociais, culturais, econômicas e políticas. Os
conflitos atingiram alto grau de complexidade exigindo a efetiva compreensão da
realidade social para a sua adequada resolução.
Por decorrência, a mediação comunitária implantada nos bairros Zachia e
Valinhos, na cidade de Passo Fundo, RS, caracteriza-se pelo seu caráter mais
informal, pelo voluntariado dos seus membros, e pela sua ligação à comunidade.
Trata-se, desse modo, de facilitar a comunicação entre as pessoas mediante
o envolvimento destas que não conseguem resolver por conta própria os pro-
blemas criados. Pode-se pensar, nesse caso, em indivíduos que se envolvem
em conflitos no âmbito familiar, entre vizinhos por problemas de ruído, obras,
animais domésticos, etc. Tratando-se de um procedimento voluntário, as partes
assinam um termo de consentimento escrito que, fundamentalmente, estabelece
as regras de mediação: a confidencialidade do procedimento e o sigilo do me-
diador, bem como o respeito mútuo e o reconhecimento de que o mediador não
pode sugerir, decidir ou aconselhar.
A mediação pode ser concluída com acordo escrito ou verbal, dependen-
do da natureza do conflito e da vontade dos intervenientes. Trata-se, essencial-
mente, de conseguir que as partes, ao viverem a experiência de um processo de
mediação, adquiram novos conhecimentos para que possam relacionar-se de
um modo mais eficiente quando em situação de conflito, por forma a fortalecer
as relações sociais e promover a qualidade de vida da comunidade.
A esse propósito, para desenvolver o tema proposto, o presente estudo
está dividido em três capítulos. O primeiro deles debate de forma ampla e por-
menorizada o Estado Contemporâneo e a necessidade de readequação dos es-
treitos limites do procedimento legal. Para que fosse possível a discussão, tra-
tou-se do instrumentalismo excessivo do poder judiciário brasileiro, sua crise, e a
consequente perda de sua credibilidade, já que a descrença no judiciário muitas
vezes nasce da ausência da oferta democrática de acesso à justiça.
Para uma melhor visualização da problemática apontada, teceram-se es-
tudos acerca da democracia, sua tipologia, origem, conceituação e principais
desafios da contemporaneidade, trabalhando-se com o ideal de que o acesso
à justiça deve ser propiciado como princípio efetivo de democratização e elimi-
nação das desigualdades e injustiças sociais. Ademais, valeu-se do Relatório
“Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça para que fosse possível
a demonstração da intensa conflituosidade/morosidade do judiciário brasileiro,
analisando-se cada especialidade: Justiça Estadual, Justiça Federal, Justiça do

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
15
Trabalho, Justiça Militar Estadual e Tribunais Superiores.
Por fim, examinou-se o pluralismo dos métodos de tratamentos dos con-
flitos existentes em nosso país, adentrando-se, portanto, no segundo capítulo,
que analisou oconflito visto através de suas duas facetas: destruidor x constru-
tivo, bem como a classificação dos meios de resolução de conflitos, indicando
as principais características e modo de execução da jurisdição, da violência, da
conciliação, da arbitragem e da mediação.
Com base na classificação proposta, analisou-se a mediação comunitária
como política pública eficiente no tratamento dos conflitos, bem como a instituição
da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos pela Resolu-
ção n.º 125 de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça.
O terceiro e último capítulo tratou de avaliar e discutir o projeto de Justiça
Comunitária da cidade de Passo Fundo-RS, tecendo algumas considerações
teóricas acerca da mediação comunitária.
O projeto da Faculdade Meridional – IMED, em parceria com o Ministério
da Justiça, serviu como indicador das principais vantagens na utilização do ins-
trumento da mediação comunitária, bem como para demonstrar a inserção lenta
de uma postura diferente na comunidade local.
Dessa forma, foi apresentado seu histórico, bem como a sua apresenta-
ção em linhas gerais. Realizou-se um estudo acerca do locus: comunidade e
seu conceito, a cartografia social das comunidades beneficiadas pelo projeto,
também a sua estruturação e seus principais resultados, sendo que, ao final,che-
gou-se a uma avaliação pormenorizada da situação atual.
Portanto, a discussão está pautada na oferta de meios democráticos de
acesso à justiça, favorecendo aos conflitantes a reapropriação de seu confli-
to e a responsabilização pelas suas escolhas, tendo a mediação comunitária
como exemplo de política pública a ser seguida e implementada no seio do maior
número de comunidades possível.

16 Dhieimy Quelem Waltrich


1 O ESTADO CONTEMPORÂNEO E A
NECESSIDADE DE READEQUAÇÃO
DOS ESTREITOS LIMITES DO
PROCEDIMENTO JUDICIAL

No momento em que o mundo é varrido por uma fustigante onda neolibe-


ral, é inexorável que a questão de função do Estado e do Direito seja (re) dis-
cutida, assim como as condições e possibilidades da realização da democracia
e dos direitos fundamentais em países recentemente saídos de regimes autori-
tários, carentes, ainda, de uma segunda transição. Para as elites brasileiras, a
modernidade acabou. Tudo isto parece estranho e ao mesmo tempo paradoxal.
A modernidade nos legou o Estado, o Direito e as instituições. Rompendo com
o medievo, o Estado moderno surge como um avanço. Em um primeiro momen-
to, como absolutista e depois como liberal, mais tarde o Estado transforma-se,
surgindo o Estado Contemporâneo sob as suas mais variadas faces. Essa trans-
formação decorre justamente do acirramento das contradições sociais, propor-
cionadas pelo liberalismo.1
Ademais, não é possível discorrer sobre o Estado Contemporâneo2 sem,
necessariamente, questionar suas crises, sua supressão e sua reinvenção coti-
diana, que o acompanham até o Estado contemporâneo, já que

o Estado (enquanto gênero) é uma realidade criada pela própria socie-


dade civil para desenvolver determinadas tarefas, dentre elas repre-
sentá-la e tomar decisões que atendam a seus interesses. Por conse-
guinte, é uma organização política investida de poder e coerção que,
em razão da legitimidade social, administra os interesses de todos os
cidadãos, delimitando sua área de atuação em detrimento do espaço
físico. Justamente a crise do modelo político-liberal, a eclosão da so-
ciedade industrial de massas e as grandes transformações socioeco-
nômicas ocorridas no fim do século 19 e início do século 20, é que dão
ensejo ao nascimento do Estado Contemporâneo.3

Quando se passa a analisar o Estado Contemporâneo, muitos problemas

1 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 3 ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001, p. 21-22.
2 A justificativa no uso da expressão “Estado Contemporâneo” em letras maiúsculas, é em vir-
tude de seu nascimento, que teve origem com a crise do modelo político liberal, a eclosão da
sociedade industrial de massas e as grandes transformações socioeconômicas ocorridas no fim
do século 19 e início do século 20. (SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma
outra cultura no tratamento de conflitos. Ijuí: Ed: Unijuí, 2010, p. 42).
3 Ibidem.

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17
são envolvidos, dentre eles, a difícil missão de identificar as diversas relações
estabelecidas entre o Estado e a sociedade. “Assim, a mudança fundamental
ocorreu a partir da metade do século 19, representada pela gradual integração
entre o Estado e a sociedade civil, o que acabou por alterar a forma jurídica do
Estado, os processos de legitimação e a estrutura da administração”.4
Dentre os fatores apresentados, notável a multiplicação dos loci de poder,
em que é flagrante a superação da supremacia da ordem estatal, que passa
por uma crise5 em virtude da perda da centralidade do Estado em suas fun-
ções. Essa fragilidade do Estado faz surgir a concorrência com outros setores,
os quais interferem diretamente na ordem de resolução dos conflitos6 sociais. A
principal consequência dessa descentralização do poder

é a minimização da capacidade estatal de cumprir suas funções


refletidas na perda de sua legitimidade e na debilitação de sua própria
existência. Então é possível pensar no desaparecimento do Estado?
Muitas teorias já foram escritas e debatidas sobre o assunto. Primeira-
mente a teoria marxista, segundo a qual a desaparição do Estado equi-
vale ao fim de qualquer atividade política dotada de poder, que seria
nada mais do que uma consequência da sociedade sem classes. Por
outro lado, existe uma concepção histórica que adverte que o Estado
desaparecerá como força concreta própria da civilização ocidental,
mas esse fato originaria a criação de uma nova forma política, dotada
de poder, necessária para a convivência humana.7

Os argumentos acerca desta temática são fortes na concepção de que a


morte do Estado traria a transformação da história e recepcionaria o desenvolvi-
mento da civilização. As deficiências estatais refletem na impossibilidade de ma-
nutenção das coisas, bem como no aparente descontentamento da sociedade
e na consequente ocorrência de espaços conflituosos que o Estado mesmo não
dá conta de resolver.
De fato, ao invés de trabalhar com a concepção de morte do Estado, deve-
se levar em conta a possibilidade de sua transformação e adaptação, momento em

4 Ibidem, p. 42.
5 Note-se que a cultura jurídica brasileira é marcada por uma tradição monista de forte influxo
kelseniano, ordenada num sistema lógico-formal de raiz liberal-burguesa, cuja produção trans-
forma o Direito e a Justiça em manifestações estatais exclusivas. Esta mesma legalidade, quer
enquanto fundamento e valor normativo hegemônico, quer enquanto aparato técnico oficial de
controle e regulamentação, vive uma profunda crise paradigmática, pois vê-se diante de novos
e contraditórios problemas, não conseguindo absorver determinados conflitos coletivos específi-
cos do final do século XX. Assim, o centralismo jurídico estatal montado para administrar confli-
tos de natureza individual e civil torna-se incapaz de apreciar devidamente os conflitos coletivos
de dimensão social, ou seja, conflitos configurados por mais de um indivíduo, grupo ou camadas
sociais (WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no
Direito, 2001, p. 97).
6 Na medida em que a vida social é concebida como evolução, rupturas e mudanças, os confli-
tos são componentes essenciais de toda e qualquer sociedade humana. Os conflitos nascem de
ações sociais conscientes expressadas pela limitação, colisão e disputa entre interesses opostos
e divergentes, envolvendo indivíduos, grupos, organizações e coletividades (Ibidem, p. 93).
7 Ibidem, p.46.

18 Dhieimy Quelem Waltrich


que se faz necessária a remodelação de seus antigos instrumentos procedimen-
tais, em formas atuais e democráticas, que garantam o efetivo acesso à justiça.
Além disso, aquele ideal de separação do Estado da sociedade civil deve
desaparecer, haja vista que a liberdade e a civilização andam juntas com a defe-
sa das instituições políticas que garantam uma sociedade livre e justa. Ao Estado
cabe um papel mais ativo, de fato, crucial na criação de condições institucionais
e jurídicas para a expansão da sociedade.

Para começar, o princípio da separação entre Estado e sociedade ci-


vil engloba tanto a ideia de um Estado mínimo como a de um Estado
máximo, e a ação estatal é simultaneamente considerada como um
inimigo potencial da liberdade individual e como condição para o seu
exercício. 8

Diante da constatação da necessidade de passos juntos entre a sociedade


e o Estado, é necessária a formulação de considerações acerca da crise do po-
der judiciário brasileiro, suas causas e principais efeitos, especialmente no que
tange à perda de sua credibilidade frente ao seu instrumentalismo exacerbado.

1.1 O instrumentalismo excessivo do poder judiciário


brasileiro, sua crise, e a consequente perda de sua
credibilidade

No Brasil, não há dúvida de que, sob a ótica do Estado Democrático de


Direito – visto como instrumento de transformação social -, atualmente há uma
disfuncionalidade dele próprio e das instituições encarregadas de aplicar a lei.
O Direito brasileiro e a dogmática jurídica que o instrumentaliza estão assenta-
dos em um paradigma liberal-individualista que sustenta essa disfuncionalidade,
que, paradoxalmente, vem a ser sua própria funcionalidade! Ou seja, não houve
ainda, no plano hermenêutico, a devida filtragem – em face da emergência de
um novo modelo de produção representado pelo Estado Democrático– desse
(velho-defasado) Direito, produto de um modo liberal-individualista-normativista.
Entende-se como meio de produção, para os limites dessa aborda-
gem, a política econômica de regulamentação, proteção e legitimação num
dado espaço nacional, num momento específico, que inclui: a) a maneira
com que a profissão jurídica e a prestação de seus serviços são organiza-
dos; b) a localização de papéis entre as várias posições no campo jurídico
(praticantes, aplicadores da lei, guardiões da doutrina, acadêmicos, etc.); c)
o método com o qual o campo produz ohabitus, incluindo variações na edu-

8 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.


8 ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 118.

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
19
cação e a importância das vantagens sociais (antecedentes e relações pes-
soais) para o recrutamento no campo; d) as modalidades para a articulação
da doutrina preponderante e os modos com que estas incidem em relações
entre jogadores e posições; e) o papel que os advogados, juntamente com
os protagonistas globais e regimes transnacionais, representam num dado
campo jurídico; f) a relação entre regulamentação e proteção; e, g) o meio
dominante de legitimação. 9
Não surpreende, pois, que

em todos os países do mundo assiste-se ao desmoronamento dos


princípios que norteiam a organização política da sociedade, tanto
na incidência normativa, quanto no campo de seu valor simbólico. A
população tem a maior parte de suas expectativas frustradas pela
inoperância dos órgãos públicos, que não conseguem realizar suas
funções e pelo agravamento das condições econômicas, criando
juntos um clima de insegurança que impede a antevisão de um fu-
turo promissor. 10

Agra visa definir que o Estado está inserido em uma crise que atinge por
completo as mais variadas sociedades11, e como consequência, a estrutura12 po-
lítica que regulamentava a polis torna-se obsoleta, porque não serve mais para
fazer frente às dificuldades que se avolumam a cada dia.13

9 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 2001, p. 33-35,


10 AGRA, Walber de Moura. Republicanismo.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 11.
11 Luhmann refere que a concepção europeia traçava o direito como inerente às sociedades,
entrelaçado nas relações sociais e engendrado na concepção hierárquica. Ademais, o direito
natural não determinava apenas normativos abstratos da vivência em sociedade, mas reivin-
dicava uma verdade e um surgimento “natural” de normas e deveres determináveis em sua
substância, momento em que era possível afirmar ser a sociedade uma relação de direito, ou
até mesmo um contrato. Diante das diversas concepções dadas à sociologia na história da
humanidade, nenhuma conseguiu abordar com profundidade e exatidão as raízes do direito.
Possível foi traçar algumas linhas gerais acerca da temática. No campo do dever ser, as
normas garantem a expectativa, mas não podem evitar as desilusões, já que as instituições
garantem o controle de contingências e refletem uma expectativa normativa. Diante desta
abrangência, os núcleos significativos refletem valores, mais ou menos abstratos, mais ou
menos confiáveis; logo, quanto mais abstrato, mais extenso será o âmbito de sua atuação,
portanto, menos confiável e vice-versa. Devido à limitação observada, da ausência de maio-
res aprofundamentos acerca do campo do “dever ser”, o acesso a indagações mais apro-
fundadas fica limitado, restando, somente a análise dos diversos tipos de relações sociais.
Consoante à complexidade da demanda, diversas são as expectativas inerentes ao convívio
do homem em sociedade, que é tomada por uma multiplicidade de diversas experiências e
ações, a contra senso do seu limitado potencial em termos de assimilação das informações
e atual ação consciente. (LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1983).
12 A estrutura legal tem procurado historicamente minimizar e desqualificar a relevância de toda
e qualquer manifestação normativa não-estatal, consagradoras da resolução de conflitos por
meio de instâncias não-oficiais ou não reconhecidas institucionalmente (WOLKMER, Antonio
Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito, 2001, p. 97).
13 Ibidem, p. 12.

20 Dhieimy Quelem Waltrich


O que se vislumbra, portanto, é uma premente dúvida acerca da adequa-
ção do modelo jurisdicional atual em atender as necessidades sociais, já que

as crises por que passa o modo estatal de dizer o Direito – jurisdição


- refletem não apenas questão de natureza estrutural, fruto da escas-
sez de recursos, como inadaptacões de caráter tecnológico - aspectos
relacionados às deficiências formativas dos operadores jurídicos – que
inviabilizam o trato de um número cada vez maior de demandas, por
um lado, e de uma complexidade cada vez mais aguda de temas que
precisam ser enfrentados, bem como pela multiplicação de sujeitos
envolvidos nos polos das relações jurídicas, por outro.14

Dessa forma, as crises15 da jurisdição fazem parte de um quadro cada


vez mais intrincado de problemas que são propostos à análise, tendo-se como
paradigma a continuidade da ideia de Estado de Direito – e por consequência
do Direito como seu mecanismo privilegiado16 – como instrumento apto, eficaz17
e indispensável para o tratamento dos litígios, e que se ligam umbilicalmente ao

14 BOLZAN DE MORAIS, José de Luis. Crise(s) da jurisdição e acesso à justiça: uma questão
recorrente. IN: SPENGLER, F; CESAR LUCAS, D. Conflito, jurisdição e direitos humanos: (Des)
apontamentos sobre o novo cenário social. Ijuí: Ed. Edunisc, 2008, p. 62.
15 Com efeito, as crises estatais hoje estão definidas como crise conceitual, cujo cenário é
o Estado da modernidade e que tem como aspectos principais de debate o território, o povo,
o poder (soberania) e os direitos humanos, com reflexos no público/privado (discutindo o na-
cional, o local, o supranacional e o “extranacional”). Todas as demais crises ocorrem no Es-
tado contemporâneo, e são: crise estrutural, em que os aspectos principais são o financeiro,
o ideológico, (burocracia x democracia) e o filosófico (individualismo/solidarismo), cujas con-
sequências são a desconstitucionalização, a flexibilização e o desprestígio prático; a crise
política, que atinge a democracia representativa com reflexos na participação, representação
política, nos sistemas partidários e eleitorais, na apatia política e em suas novas fórmulas de
democracia, e por último a crise funcional que aborda as funções do Estado que passa por
uma crise, cujos aspectos são refletidos no Legislativo (lexmercatoria, Direito inoficial e mar-
ginal), no Executivo (assistencialismo) e no judiciário (fórmulas alternativas). (SPENGLER,
Fabiana Marion. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de conflitos,
2010, p. 40.)
16 [...] desde os finais dos anos 1980, o sistema judicial adquiriu uma forte proeminên-
cia em muitos países não só latino-americanos, como europeus, africanos e asiáticos.
Concomitantemente, as agências de ajuda internacional passaram a dar prioridade aos
programas de reforma judicial e de construção do Estado de direito em muitos países em
desenvolvimento. Nunca, como hoje, tanto dinheiro foi investido no sistema judicial, tradi-
cionalmente, uma das áreas de cooperação internacional que não tinha expressão finan-
ceira. (SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça. São
Paulo: Cortez, 2007, p. 12).
17 AGRA, Walber de Moura. Republicanismo, 2005, p. 11.
Os princípios e valores pertinentes ao Republicanismo, atualizados por uma leitura que os torne
adequados aos problemas enfrentados no cotidiano, configuram-se como um instrumento de
grande valia para se tentar minimizar os efeitos perniciosos das crises apontadas. Os ideais re-
publicanos podem trazer novo alento à estrutura política da sociedade, contribuindo para aprimo-
rar o regime democrático e incentivar a cidadania ativa por parte dos cidadãos. Ao se dinamizar
os procedimentos democráticos, buscam-se soluções para as crises enfrentadas, de modo que
a alternativa encontrada possa auferir respaldo na população. (Ibidem, p. 12).

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
21
trato do problema relativo à transformação18 do Estado contemporâneo.19
As relações sociais contemporâneas20 sofreram profundas mudanças em
sua configuração, colocando em xeque as tradicionais instituições modernas, o
próprio Estado e sua(s) estratégia(s) organizativa(s) sob o modelo de especiali-
zação de funções. Tal fato, de forma inexorável, tem demandado a essas insti-
tuições uma profunda revisão de seus papéis e práticas. Nesse cenário, trans-
forma-se e fragiliza-se o desempenho de suas atribuições, determinando um
quadro de crises profundas. Essas crises podem ser traduzidas pela crescente
distância entre a legislação e a realidade, na dificuldade de produção e aplicação
dos programas estatais e na interpenetração entre as esferas pública e privada,
o que reflete a necessidade de novas práticas administrativas, jurisdicionais, le-
gislativas e políticas.21

Analisar o Estado Contemporâneo envolve numerosos problemas,


derivados principalmente da dificuldade de dissecar exaustivamen-
te as múltiplas relações que se criaram entre Estado e o complexo
social, e de captar, depois, os seus efeitos sobre a racionalidade
interna do sistema político. Assim, a mudança fundamental ocor-
reu a partir da metade do século 19, representada pela gradual
integração entre o Estado e a sociedade civil, o que acabou por
alterar a forma jurídica do Estado, os processos de legitimação e
a estrutura da administração. Nesse período deram-se profundas
transformações na livre concorrência do mercado, determinando
a separação entre capital industrial, comercial e bancário, que se
reuniram na forma do capital financeiro. 22

18 Na maior parte do século XX, nos países latino-americanos, o judiciário não figurou como
tema importante em matéria de reforma, cabendo ao juiz a figura inanimada de aplicador da
letra da lei emprestada do modelo europeu. A construção do Estado latino-americano ocupou-
se mais com o crescimento do executivo e da sua burocracia, procurando converter o judiciário
em uma parte dos aparatos burocráticos do Estado – um órgão para o poder político controlar
– de facto, uma instituição sem poderes para deter a expansão do Estado e seus mecanismos
reguladores. (SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça,
2007, p. 11).
19 Ibidem, p. 62.
20 Não é possível discorrer sobre o Estado Contemporâneo sem, necessariamente,
questionar suas crises, sua supressão e sua reinvenção cotidiana que o acompanham
até o Estado Contemporâneo. O Estado enquanto gênero é uma realidade criada pela
própria sociedade civil para desenvolver determinadas tarefas, dentre elas representá-la
e tomar decisões que atendam a seus interesses. Por conseguinte, é uma organização
política investida de poder e coerção que, em razão da legitimidade social, administra os
interesses de todos os cidadãos, delimitando sua área de atuação em determinado espaço
físico. Justamente a crise do modelo político liberal, a eclosão da sociedade industrial de
massas e as grandes transformações socioeconômicas ocorridas no fim do século 19 e
início do século 20, é que dão ensejo ao nascimento do estado contemporâneo. (SPEN-
GLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de confli-
tos, 2010, p. 42.)
21 SPENGLER, Fabiana Marion. BRANDÃO, Paulo de Tarso. Os (des) Caminhos da Jurisdição.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p. 64.
22 SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 42.

22 Dhieimy Quelem Waltrich


Além das mudanças econômicas, a questão social também eclodiu na
contemporaneidade, criando o Estado interventivo, que não se deu de manei-
ra uniforme, contribuindo para a multiplicação dos loci de poder. Diante desse
contexto, “o Estado propõe tradicionalmente o judiciário que, em caso de não
cumprimento espontâneo das prescrições normativas por parte dos indivíduos, é
chamado a dizer o Direito”.23
Forçoso reconhecer que

atualmente, a tarefa de “dizer o Direito24” encontra limites na pre-


cariedade da jurisdição moderna, incapaz de responder às deman-
das contemporâneas produzidas por uma sociedade que avança
tecnologicamente, permitindo o aumento da exploração econô-
mica, caracterizada pela capacidade de produzir riscos sociais e
pela incapacidade de oferecer-lhes respostas a partir dos parâme-
tros tradicionais. Assim, ignorando que o conflito é um mecanismo
complexo derivado de múltiplos fatores, nem sempre definidos na
sua regulamentação, espera-se pelo Judiciário para que diga so-
bre quem tem “melhor” direito, mais razão ou quem é o vencedor
da contenda. Ainda, no atual contexto, o Judiciário representa uma
instituição garantidora de segurança em espaço e tempos precisos,
reestabelecendo a ordem jurídica mediante expedientes racionais/
legais definidores de padrões meramente formais, decidindo sobre
conflitos sociais sem valorizar seu conteúdo”.25

Diante de tais circunstâncias, a jurisdição26 torna-se alvo de uma preocu-


pação constante voltada para a compreensão da racionalidade instrumental27 de

23 Ibidem, p. 43-46.
24 [...] o direito, para ser exercido democraticamente, ter de assentar numa cultura democrática,
e de esta ser tanto mais preciosa quanto mais difíceis são as condições em que ela se constrói.
(SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça, 2007, p.09).
25 Ibidem, p. 64-65.
26 Ao tornar para si o monopólio da jurisdição, determinando o Direito ao caso concreto de
forma impositiva, o Estado pretende tratar o conflito através da aplicação do Direito positivo.
Por conseguinte, a jurisdição aparece como uma atividade na qual o Estado substitui as partes
num modelo baseado em princípios expressos na própria lei e universalmente reconhecidos.
No entanto, o monopólio da jurisdição deixa gradativamente de pertencer ao Estado, principal-
mente em função da crescente e complexa litigiosidade fomentada pelas contradições sociais,
das quais a marginalização e a exclusão são consequências. Além do aumento considerável
da litigiosidade, a burocracia estatal se agiganta, a produção legislativa acontece de modo
desenfreado e, como consequência, as faculdades discricionárias dos juízes. (SPENGLER,
Fabiana Marion. BRANDÃO, Paulo de Tarso. Os (des) Caminhos da Jurisdição, 2009, p. 67).
27 Além da razão instrumental, haveria uma razão comunicativa, fundada na linguagem,
que se expressaria na busca do consenso entre os indivíduos, por intermédio do diálogo.
Essa razão comunicativa se encontra na esfera cotidiana no “mundo da vida” constituída
pelos elementos da cultura, da sociedade e personalidade. Habermas tenta resgatar o
potencial emancipatório da razão ao afirmar que a modernidade é um projeto inacabado.
Recusa a redução da idéia de racionalidade a racionalidade prático-moral (direito) e da
racionalidade estético-expressiva (arte). Para ele é necessário fazer cessar a “reificação”
e a “colonização” exercida pelo “sistema” sobre o “mundo da vida” mediante a lógica dialo-
gal da ação comunicativa. (VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 6 a ed. Rio de Janeiro:
Record, 2002, p. 36-37).

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
23
aplicação do direito e, especialmente, da estrutura funcional necessária para a
sua realização. Todavia, a estrutura funcional do Estado, que deveria possibilitar
a realização da jurisdição, também se encontra em crise. Nesse aspecto, de-
monstrada a incapacidade do Estado de monopolizar esse processo, tendem a
se desenvolver procedimentos jurisdicionais alternativos, como a arbitragem, a
mediação, a conciliação, a negociação, almejando alcançar celeridade, informa-
lização e pragmaticidade.28
Consequentemente, a prática judicial de formas diferenciadas e não
estatais de tratamento de conflitos criou um pluralismo de fontes e produ-
ção/ordens normativas constituídas à margem da jurisdição convencional
operando com juristas não profissionais baseadas em critérios de racio-
nalidade material, deflagrando, no Judiciário, uma crise de identidade fun-
cional. A crise do poder Judiciário 29 pode ser identificada, ainda, como de
identidade e de eficiência. Enquanto crise de identidade, é possível vislum-
brá-la por certo embaçamento do papel judicial como mediador central de
conflitos, perdendo espaço para outros centros de poder, talvez mais aptos
a lidar com a complexidade conflitiva atual, mais adequados em termos de
tempo e espaço.
Não se pode perder de vista também que o aparato judicial, para tratar os
conflitos atuais, serve-se de instrumentos e códigos ultrapassados, ainda que
formalmente em vigor, com acanhado alcance e eficácia reduzida. Tal eficácia e
alcance muitas vezes atingem somente os conflitos interindividuais, não extra-
polando o domínio privado das partes, encontrando dificuldades quando instado
a tratar de direitos coletivos ou difusos.30
Muitas são as crises, as quais o Estado enfrenta, de forma que a crise do
poder judiciário pode ser identificada como de identidade e de eficiência, confor-
me nos ensina Spengler:

Intimamente ligada à crise de identidade encontra-se a crise de efi-


ciência, uma vez que impossibilitado de responder de modo eficiente
à complexidade social e litigiosa com a qual se depara, o judiciário
sucumbe perante a inovadora carga de tarefas a ele submetidas. Evi-
dencia-se, então, o “flagrante descompasso entre a procura e a oferta
de serviços judiciais, em termos tanto qualitativos quanto quantitati-
vos”. Esse descompasso entre a oferta e a procura gera uma frustra-
ção geral, decorrente da morosidade e da pouca eficiência dos ser-
viços judiciais, quando não da sua simples negação aos segmentos
desfavorecidos da população, que ainda precisam lidar com a dife-
rença entre a singela concepção de justiça que possuem e a comple-

28 SPENGLER, Fabiana Marion. BRANDÃO, Paulo de Tarso. Os (des) Caminhos da Jurisdição,


2009, p. 65.
29 Pode-se perfeitamente verificar que tanto o Poder Judiciário quanto a legislação civil refle-
tem, tendo presente a especificidade brasileira, as condições materiais e os interesses político-i-
deológicos de uma estrutura de poder consolidada, no início do século XX, no contexto de uma
sociedade burguesa agrário-mercantil, defensora de uma ordenação positivista e de um saber
jurídico inserido na melhor tradição liberal-individualista(WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo
Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito, 2001, p. 97).
30 Ibidem, p. 109.

24 Dhieimy Quelem Waltrich


xidade burocrático/formal dos ritos processuais. A conjugação dessas
duas circunstâncias acaba provocando o desprezo e o descrédito do
cidadão comum pela justiça31, muitas vezes afastando-o dela.32

A este propósito, as crises apresentadas podem ser apontadas como conse-


quências do real distanciamento das “partes” para com os ritos processuais,
bem como pela inadequação, em virtude do tempo que cada procedimento
demanda e a impossibilidade de efetividade aos mandamentos judiciais.
Devido a essas assertivas é que deve discutir a tão aclamada crise da jurisdição
a partir da crise do Estado, observando sua gradativa perda de soberania, sua
incapacidade de dar respostas céleres aos litígios atuais, de tomar as rédeas de
seu destino, sua fragilidade nas esferas Legislativa, Executiva e Judiciária,

enfim, sua quase total perda na exclusividade de dizer e aplicar o di-


reito. Em decorrência das pressões centrífugas da desterritorialização
da produção e da transnacionalização dos mercados, o Judiciário, en-
quanto estrutura fortemente hierarquizada, fechada, orientada por uma
lógica legal-racional, submisso à lei, se torna uma instituição que pre-
cisa enfrentar o desafio de alargar os limites de sua jurisdição, moder-
nizar suas estruturas organizacionais e rever seus padrões funcionais
para sobreviver como um poder autônomo e independente. Em termos
de jurisdição, os limites territoriais do Judiciário, até então organizados
de modo preciso, têm seu alcance diminuído na mesma proporção que
as barreiras geográficas vão sendo superadas pela expansão da infor-
mática, das comunicações, dos transportes, e os atores econômicos
vão estabelecendo múltiplas redes de interação. Quanto maior a velo-
cidade desse processo, mais o judiciário é atravessado pelas justiças
emergentes, nos espaços nacionais e internacionais, representadas
por formas “inoficiais” de tratamento de conflitos.33

É forçoso reconhecer que o poder judiciário está enraizado em uma “es-


trutura fortemente hierarquizada, fechada, orientada por uma lógica legal-racio-
nal, submisso à lei, e que, dia após dia, se torna uma instituição que precisa
enfrentar o desafio de alargar os limites de sua jurisdição”.34 Para tanto, não se
pode confiar na dramática informação de que o Estado irá desaparecer e os mé-

31 O primeiro gesto da justiça consiste em delimitar um lugar, circunscrever um espaço propício


à sua realização. Não há conhecimento de uma sociedade que não lhe tenha reservado um local
especial. O lugar da justiça pode ser abordado quer de uma forma estrutural e sincrônica, quer
de uma forma hermenêutica e histórica. Se o analisarmos apenas sob o ângulo antropológico,
arriscamo-nos a tomar como natural o que, na realidade é fruto de uma construção histórica lon-
ga e complexa. E essa é a razão pela qual a genealogia do templo da justiça parece constituir,
na sociedade democrática, o prefácio indispensável à descrição desse espaço que confina o
sagrado. (GARAPON, Antoine. Bem julgar: ensaio sobre o ritual judiciário. Tradução de Pedro
Filipe Henriques. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 26).
32 SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 110.
33 MORAIS, José Luis Bolzan. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativa
à jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 76-77.
34 SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 103.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
25
todos alternativos de solução de conflitos irão abarcar a competência do “julgar”.
O Estado, certamente, não vai desaparecer, mas transformar-se, pois a
hipótese de sociedade sem Estado é inimaginável. De fato, em primeiro lugar, a
realidade prova que os Estados continuam existindo independentemente de sua
qualidade, suas perspectivas e seu alcance em termos de autonomia para exer-
cer suas faculdades e garantir o interesse comum. Num segundo momento, o
Estado se mantém em função da capacidade dos seres humanos de transformar
o mundo e controlar os fenômenos externos para que respondam às suas neces-
sidades materiais e simbólicas. Por último, como aspecto principal, a existência
do Estado é uma hipótese artificial, de funcionamento social, sem articulação
política cuja faticidade parece difícil como consequência da existência de espa-
ços de interesses públicos e da inevitável anarquia decorrente da inexistência de
uma autoridade.35
Assim sendo, ao invés de trabalhar com a ideia de morte do Estado, a
possibilidade de adaptação/transformação36 do mesmo é que deve ser venti-
lada. Essas transformações acontecem, sem sombra de dúvida, em função da
própria crise estatal e trazem como consequência a possibilidade de repensar os
papéis em âmbito nacional ou internacional. Por isso, observa-se que o Estado
não está morrendo, mas que passa por uma desregulação cujo principal ponto
de fomento é a globalização em todos os seus aspectos (econômico, cultural,
político, social).37
A partir desta consciência, mister é reconhecer que quaisquer trans-
formações ou mudanças nos atuais modelos de gestão do Judiciário exis-
tentes implicam um processo que tende a ter resistências naturais, razão
pela qual devem ser implementados com cuidado, de forma planejada e
controlada, por meio de indicadores que apontem o sucesso ou não das
atitudes adotadas. 38
Por tais razões é que a doutrina especializada tem insistido na tese de
que, mais do que o simples planejamento, é preciso preocupar-se com a gerên-
cia estratégica, ou seja, o estabelecimento de metas e objetivos para a organiza-
ção ajustados às demandas em que a organização está inserida, reforçando as
ideias de processo contínuo, inovação e adaptação.39
Claro está que as sociedades contemporâneas são jurídica e judicialmen-

35 Ibidem, p. 51.
36 A ineficiência do Poder Judiciário no exercício da função a ele atribuída decorre também da
incompatibilidade estrutural entre sua arquitetura e a realidade socioeconômica a partir da qual e
sobre a qual tem de atuar. Com seu intrincado sistema de prazos, instâncias e recursos, o Judi-
ciário está organizado como um burocrático sistema de procedimentos escritos, concebido para
solucionar as lides existentes em uma sociedade estável, com níveis equitativos de distribuição
de renda e um sistema legal integrado por normas padronizadoras, unívocas e hierarquizadas em
termos lógicos- formais. (FARIA José Eduardo. O Poder Judiciário no Brasil: paradoxos, desafios
e alternativas. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 1996, p. 102).
37 Ibidem, p. 51.
38 LEAL, Rogério Gesta. O Estado-Juiz na democracia contemporânea: uma perspectiva proce-
dimentalista. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 36.
39 Ibidem, p. 33-34.

26 Dhieimy Quelem Waltrich


te plurais. De um ponto de vista sociológico, circulam pelos vários sistemas ju-
rídicos e judiciais e o sistema jurídico estatal nem sempre é o mais importante
na gestão normativa do quotidiano da grande maioria dos cidadãos.40 Mesmo
porque, atualmente se assiste ao pluralismo dos métodos de tratamentos dos
conflitos, que cada vez mais ganham força e recepção na sociedade contempo-
rânea, favorecendo o acesso democrático à justiça, necessidade que cada vez
mais se faz presente no cotidiano contemporâneo.

1.2 A necessidade de oferta democrática de acesso à justiça

Um dos problemas que tem merecido crescente destaque pela doutri-


na contemporânea diz respeito às condições sob as quais se sobrepõem os
interesses econômicos e políticos frente ao cotidiano conflituoso da socie-
dade. Com particular atenção às formas de acesso à justiça, esse item obje-
tiva investigar as influências e a repercussão da sobreposição do processo
judicial frente aos métodos alternativos de tratamento de conflitos. Na ver-
dade, buscou-se verificar que tipo de procedimento tem sido oferecido aos
cidadãos nos casos em que há a existência de um conflito instalado, e se a
escolha decorre (ou não) das condições materiais de vida experimentadas
pelos cidadãos.
Para que seja possível chegarmos a uma resposta, deve-se, antes
de tudo, detectar que a formulação do presente problema enseja a investi-
gação da conjectura clássica, bem como colocar em relevo padrões atuais
que têm influenciado as pessoas mais duramente atingidas pelas políticas
de contenção e encolhimentos dos investimentos sociais. Afinal, se um go-
verno pertencente ao denominado “padrão democrático” não tem ofertado
condições condizentes com seu padrão, de acesso e fruição da justiça,
algum mecanismos de seu “governo” não anda de acordo com sua comu-
nidade cidadã, que é campo de conflitos 41 intensos e que cada vez mais
necessita de meios eficazes, igualitários e democráticos de tratamento de
seus temerosos conflitos.

40 SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça, 2007, p.09.
41 É sabido que o conflito foi uma das chaves da história cidades-estado. Contudo, e esse é um
ponto fundamental, ele não se resumia às frequentes guerras externas, ou às lutas com a po-
pulação dominada e não integrada. Isso porque a própria comunidade cidadã não era, e nunca
foi, igualitária ou harmônica. O sentimento e a prática da unidade não impediram que as próprias
comunidades fossem crivadas por disputas internas, por suas próprias regras de exclusão e in-
clusão no espaço público que as definia. (PINSKY, Jaime. PINSK, Carla Bassanezi, História da
cidadania. São Paulo: Contexto, 2003, p. 36-37).

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
27
1.2.1 Democracia: tipologia, origem, conceituação
e desafios da contemporaneidade

A atual Carta Magna consentiu na ampliação dos direitos fundamentais si-


tuados na esfera pública que se estabeleceu como princípio democrático. Desse
modo, o acesso à justiça proclama em termos constitucionais, a demanda refrea-
da por direitos não constitucionalizados na época em que o Brasil viveu um go-
verno autoritário. Então, a cidadania42 e a democracia43 são direitos fundamentais
interdependentes da Constituição Federal.44
Antes de adentrarmos na gênese da temática, buscou-se analisar os três
principais tipos de democracia. Para Touraine:

O primeiro tipo dá uma importância central à limitação do poder do Es-


tado pela lei e pelo reconhecimento dos direitos fundamentais. [...] é o
mais importante historicamente, embora não seja superior aos outros.
Essa concepção liberal da democracia adapta-se facilmente a uma re-
presentatividade limitada dos governantes, como se viu no momento do
triunfo dos regimes liberais no século XIX, mas protege o melhor pos-
sível os direitos sociais ou econômicos contra os ataques de um poder
absoluto, como é ilustrado pelo exemplo secular da Grã-Bretanha.45

O segundo tipo possui diferentes características, já que

dá maior importância à cidadania, à Constituição ou às ideias morais ou


religiosas que garantem a integração da sociedade e fornecem um sólido
fundamento para as leis. Aqui, a democracia progride mais pela vontade
da igualdade do que pelo desejo de liberdade. A esse tipo corresponde
melhor a experiência dos Estados Unidos e o pensamento daqueles que
a têm interpretado: tem um conteúdo mais social do que político.46

Enfim, o terceiro tipo

42 A cidadania enquanto vivência dos direitos humanos é uma conquista da burguesia: direitos
de cidadania são os direitos humanos, que passam a constituir-se em conquista da própria hu-
manidade. A cidadania, pois, significa a realização democrática de uma sociedade, compartilha-
da por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições
de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude de vida. Isso exige organização e
articulação política da população voltada para a superação da exclusão existente. (CÔRREA,
Darcísio. A construção da cidadania: reflexos histórico- políticas. Ijuí: Ed. Unijuí, 2000, p. 217).
43 O regime democrático é a forma de vida política que dá maior liberdade ao maior número
de pessoas, que protege e reconhece a maior diversidade possível. (TOURAINE, Alain. O que é
democracia? Tradução: Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996, p. 25).
44 BATISTA, Keila Rodrigues. Acesso à justiça: instrumentos viabilizadores. São Paulo: Letras
Jurídicas, 2010,p. 43.
45 TOURAINE, Alain. O que é democracia? Tradução: Guilherme João de Freitas Teixeira. Pe-
trópolis, RJ: Vozes, 1996, p, 46.
46 Ibidem, p. 46-47.

28 Dhieimy Quelem Waltrich


insiste na representatividade social dos governantes e opõe a demo-
cracia – que defende os interesses das categorias populares – à oligar-
quia, quer esteja associada a uma monarquia definida pela posse dos
privilégios, ou então a propriedade do capital. Na história política da
França no século XX – mas não no momento da Revolução – liberda-
des públicas e lutas sociais estiveram mais fortemente associadas do
que nos Estados Unidos e, até mesmo, na Grã-Bretanha.47

Pois bem, partindo-se do pressuposto de que muitas são as tipologias


e formas de existência da democracia, cumpre estabelecer um marco ao seu
surgimento. Muitos norte-americanos acreditavam que a democracia havia co-
meçado há duzentos anos, nos Estados Unidos. Outros, afirmavam que ela teria
nascido na Grécia, ou Roma antiga.48
Quando se fala em democracia e sua origem, a resposta está sempre
rodeada de muita incerteza. Desta forma, deve-se partir da ideia de sua expan-
são e práticas como o fogo, a pintura, ou a escrita. A democracia parece ter sido
inventada mais de uma vez, em mais de um local.49
Pressupondo que a democracia possa ser inventada e reinventada em
qualquer lugar, Dahl acredita que

essas condições adequadas existiram em diferentes épocas e em lu-


gares diferentes. Assim como uma terra pôde ser cultivada e a devi-
da quantidade de chuva estimulou o desenvolvimento da agricultura,
determinadas condições favoráveis, sempre apoiaram uma tendência
para o desenvolvimento de um governo democrático. Por exemplo, de-
vido a condições favoráveis, é bem provável que tenha existido algu-
ma forma de democracia em governos tribais muito antes da história
registrada.50

Assim, durante todo o longo período em que os seres humanos viveram


juntos em pequenos grupos, e sobreviveram da caça e da coleta de raízes, frutos
e outras dádivas da natureza, sem a menor dúvida, às vezes – talvez habitual-
mente -, teriam criado um sistema em que boa parte dos membros, animados por
essa lógica da igualdade (certamente os mais velhos ou mais experientes), parti-
cipariam de quaisquer decisões que tivessem de tomar no grupo. Isto realmente
aconteceu, conforme está bastante comprovado pelos estudos das sociedades
tribais ágrafas. Portanto, durante muitos milhares de anos, alguma forma primi-
tiva da democracia pode muito bem ter sido o sistema político mais “natural”.51
Entretanto, sabemos que esse longo período teve um fim. Quando os se-

47 TOURAINE, Alain. O que é democracia? Tradução: Guilherme João de Freitas Teixeira. Pe-
trópolis, RJ: Vozes, 1996, p. 47.
48 DAHL, Robert. A. Sobre a democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universi-
dade de Brasília, 2001, p. 17.
49 Ibidem, p. 19.
50 Ibidem.
51 DAHL, Robert. A. Sobre a democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universi-
dade de Brasília, 2001, p. 19.

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29
res humanos começaram a se estabelecer por demorados períodos em comuni-
dades fixas para tratar da agricultura e do comércio, os tipos de circunstâncias
favoráveis à participação popular no governo que ora foi mencionado – a iden-
tidade do grupo, a pouca interferência exterior, um pressuposto de igualdade
– parecem ter rareado. As formas de hierarquia e dominação tornaram-se mais
“naturais”. Em consequência, os governos populares desapareceram entre os
povos estabelecidos por milhares de anos. No entanto, eles foram substituídos
por monarquias, despotismos, aristocracias ou oligarquias, todos com base em
alguma forma de categorização ou hierarquia.52
Então, por volta de 500 a.C., parece terem ressurgido condições favoráveis
em diversos lugares, e alguns pequenos grupos de pessoas começaram a desen-
volver sistemas de governo que proporcionavam oportunidades bastante amplas
de participação em decisões de grupo. Pode-se dizer que a democracia primitiva
foi reinventada em uma forma mais avançada. Os avanços mais decisivos ocorre-
ram na Europa – três na costa do Mediterrâneo, outros na Europa do Norte.
Além da análise sintética de sua origem, passamos a analisar precipua-
mente o que é “democracia”.
A democracia é uma ideia nova. Na medida em que os regimes autoritá-
rios desmoronaram no Leste e no Sul, na medida em que os Estados Unidos
venceram a guerra fria contra a União Soviética, julgamos que a democracia
levou a melhor e se impôs como a forma normal de organização política, como
o aspecto político de uma modernidade cuja economia de mercado é a forma
econômica e a secularização é a expressão cultural. Ocorre que essa ideia, por
mais tranquilizadora que seja para os ocidentais, é de tal modo inconsistente que
os deveria deixar inquietos.53
Sabe-se que a democracia não é somente um conjunto de garantias insti-
tucionais. Ela pode ser vista como a luta de sujeitos, impregnados de sua cultura
e liberdade, contra a lógica dominadora dos sistemas, ela é a política do sujeito.
Sendo que a grande mudança é que

no início da era moderna, quando o maior número de seres humanos


se encontrava confinado em coletividades restritas e submetidos mais
ao peso dos sistemas de reprodução do que ao domínio das forças
de produção, o sujeito se afirmou identificando-se com a razão e o
trabalho; ora, no mesmo momento, nas sociedades invadidas pelas
técnicas de produção, consumo e comunicação de massa, a liberdade
desligava-se da razão instrumental, correndo o risco de se contradizer
para defender ou criar um espaço de invenção e, ao mesmo tempo, de
memória, e fazer aparecer um sujeito que fosse, simultaneamente, ser
e mudança, filiação e projeto, corpo e espírito. Defender e produzir a
diversidade em cada cultura de massa torna-se o grande desafio para
a democracia.54

52 Ibidem.
53 TOURAINE, Alain. O que é democracia?Tradução: Guilherme João de Freitas Teixeira. Pe-
trópolis, RJ: Vozes, 1996, p.17.
54 Ibidem, p. 24.

30 Dhieimy Quelem Waltrich


Quando se fala em desafio, entramos na discussão de um dos principais
dilemas atuais deste tão aclamado e bem visto sistema democrático: a necessi-
dade de oferta democrática de acesso à justiça. Afinal, em virtude do alto cus-
to dos incidentes processuais55 e do aumento progressivo das classes menos
abastadas, é possível concebermos que a maioria dos conflitos não são objeto
de apreciação; seja pela via procedimental de praxe – o processo -, seja pelas
vias alternativas de tratamento dos conflitos56. Fator que vem a preocupar os
estudiosos da área, pois afinal, o acesso à justiça, além de ser um dos direitos
fundamentais do cidadão, é imperativo de justiça.
Eis, pois que, cansados de tanta inefetividade estatal, seja no que tange
aos processos legislativos que são de uma morosidade extrema ou a ausência de
aplicabilidade destas mesmas leis pelo judiciário, aspiramos a uma “sociedad que
no seaúnicamentesociedad civil sino que llegue a ser uma buenasociedad”.57
Diante dos modelos propostos de participação da sociedade, faz-se ne-
cessária a abertura das instituições à participação popular, que poderão tero
poder no núcleo estratégico; agir de forma a estabelecer o controle social e ainda
instituir arranjos institucionais que organizem a participação nas diferentes esfe-
ras governamentais, e que estas sejam dinâmicas o suficiente para absorver as
tendências cambiantes e inerentes à democracia.
Ao fazermos uma análise apurada da realidade do poder judiciário como
meio de acesso à justiça, percebemos inúmeros elementos e situações que di-
ficultam o acesso das comunidades58 de baixa renda59 ao tratamento de seus
conflitos. Dentre esses elementos percebemos a onerosidade das demandas
efetuadas e sua insuficiência em estimular os indivíduos a uma análise dos con-
flitos e sua auto-resolução.
Assim, para que seja possível encontrarmos uma resposta ao questio-
namento preliminarmente proposto, o primeiro desafio do Poder Judiciário bra-

55 Dados trazidos pelo Relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, objeto
de análise no próximo item.
56 Os novos métodos consensuais de resolução dos conflitos são modelos de interação social
que foge daquele modelo impositivo, antagônico e dá espaço para o vínculo participativo, dialó-
gico e cooperativo.
57 ETZIONI, Amitai. La terceravíahacia uma buenasociedad. Propuestas desde elcomunitaris-
mo. Prólogo de José Pérez Adán. Madri: Editorial Trotta, 2001, p. 15.
58 A mediação comunitária como um meio de resolução de conflitos apresenta plausíveis van-
tagens envolvendo essas comunidades de baixa renda, devolvendo à autonomia desenvolvida
nas partes conflitantes que agora passam a praticar a análise de seus próprios conflitos e as
soluções possíveis para seus próprios problemas.
59 A pobreza é o maior dos flagelos que a humanidade enfrenta no início do novo milênio. Fla-
gelo de enorme magnitude e complexidade, associada à exclusão e a desigualdade social. A
desigualdade entre os ricos e os pobres é expressa na estimativa de que os 10% mais abastados
usufruem 54% da renda mundial, enquanto os 40% mais pobres ficam com apenas 5%. Como
consequência desta realidade desenvolvem-se conflitos que são peculiares e constantes nas
comunidade mais carentes, dentre eles percebem-se problemas com ameaça de morte, conflitos
conjugais, violência doméstica e dificuldade com a disciplina dos filhos. (SCHMIDT, João P. Ex-
clusão, inclusão, e capital social: o capital social nas ações de inclusão. IN: LEAL, R; REIS, J.R.
Direitos Sociais e Políticas Públicas 6. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 1755)

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
31
sileiro será motivar a organização comunitária, entendida como aglutinação de
interesses, bem como de espaços.
A meta é clara: é preciso chegarmos a um tipo de sociedade, marcada
pela constituição democrática, tão bem tecida em suas malhas associativas, que
a própria democracia se torne oxigênio diário e seja capaz de reagir às interven-
ções centralistas e autoritárias.
Busca-se também passar de objeto de manipulação, para sujeito de exce-
ção, de privilégio. Além disso,institucionalizar o controle do poder de baixo para
cima, de tal sorte que o Estado sirva à sociedade e não ao contrário, garantir um
nível mínimo de direitos iguais, abaixo do qual se instalam a selvageria e a vio-
lência incontrolável; consolidar a cidadania organizada, aquela competente em
sua estratégia democrática de defesa de interesses.60

1.2.2 O acesso à justiça como princípio efetivo de


democratização e eliminação das desigualdades
e injustiças sociais

Com base nas considerações introdutórias realizadas no subtítulo ante-


rior, é possível adentrarmos na discussão de grande magnitude que é a preo-
cupação não só com a conceituação do que seja justiça como, principalmente,
com os meios de acesso à justiça, trazendo-a como valor, no campo das ideias,
para a vida dos homens. Contudo, pretende-se demonstrar que não é somente
através do processo judicial que se tem acesso à justiça, pelo menos não como
valor inerente ao homem.
O direito de acesso à justiça é garantido pela nossa Constituição Federal,
no inciso XXXV do art. 5o: “A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário
lesão ou ameaça a direito”.
O princípio da acessibilidade ampla ao judiciário surgiu com a Constitui-
ção de 1946, que trazia como redação: “A lei não poderá excluir da apreciação
do poder judiciário qualquer lesão de direito individual”. Com a Constituição de
1988, essa cobertura foi ampliada, passando a garantir a proteção à ameaça
ao direito e não somente a violação ao direito individual. Ademais, houve a su-
pressão do termo “individual” para englobar, além dos interesses individuais, os
interesses coletivos e difusos, devido à necessidade de atendimento aos interes-
ses decorrentes das sociedades contemporâneas, caracterizadas por uma orga-
nização econômica, na qual a produção, a distribuição e o consumo assumem
proporções de massa.61

60 DEMO, Pedro. Participação e conquista. São Paulo: Editora Cortez, 2001, p. 33-34.
61 AMARAL, Márcia Terezinha Gomes. O direito de acesso à justiça e a mediação. Rio de Ja-
neiro: Editora Lumen Juris, 2009, p, 49.

32 Dhieimy Quelem Waltrich


Para que seja possível dar melhor respaldo à temática, verificou-se na
doutrina clássica de Capelletti, que

o conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação impor-


tante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo e en-
sino do processo civil. Nos estados liberais “burgueses” dos séculos
dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para a solução dos
litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direi-
tos, então vigorante. Direito ao acesso à proteção judicial significava
essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou
contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça
pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam
de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram con-
siderados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o
Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Esta-
do, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como
a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los
adequadamente, na prática.62

Portanto, é possível verificar que desde sua origem, é o ordenamento jurí-


dico que, uma vez estabelecido, determina o nível de acesso à justiça dos cida-
dãos que lhe são subordinados. Se o ordenamento é estabelecido por princípios
verdadeiramente democráticos, o acesso à justiça é, senão irrestrito, ao menos
fator de diminuição das desigualdades, já que muito bem expõe Bezerra:63

Pensamos todos, com supina ingenuidade que, frente um problema,


é preciso editar uma lei. Isto não fez mais do que depreciar o poder
normativo. Muitas leis são totalmente ignoradas pelos cidadãos, algu-
mas se contradizem entre si, cuja vigência de ignora, outras perdem
eficácia, outras se desconhecem, outras são modificadas, todas elas
criando um sistema difícil de interpretar. A interpretação readquire fun-
ção basilar. O que se vê, constantemente, é que na criação legislativa
não há um ato de soberania estatal, mas o acordo prévio dos grandes
grupos organizados, trata-se de uma espécie de contrato, de acordo,
onde se impõe a lei que convém a seus interesses. A eficácia da lei
depende exclusivamente do consenso social que alcance. 64

Nota-se em seguida que a questão então não é promulgar um sem-nú-


mero de leis, e sim fazer com que as existentes tenham seu alcance efetivo no
seio da comunidade e de forma mais justa possível65. Se o processo em si e a
conduta de seus aplicadores (advogado, juiz, promotor, serventuário) é pautada

62 CAPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre; Fabris, 1988, p. 15.
63 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da
realização do direito. 2 a ed. Rio de janeiro: Renovar, 2008, p. 94.
64 Ibidem, p. 96.
65 O que se quer dizer é que a norma deve estar em conexão com a realidade do mundo dos
fatos sociais, sob pena de simplesmente existir um despótico direito, apenas positivado, mas
sem o respaldo da necessária aceitação e compreensão por parte da sociedade. (Ibidem).

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
33
pela lei, no plano da realização do direito, então é através da lei que se inicia o
processo de distribuição de justiça.66
No que diz respeito á questão do acesso à justiça, a normatização se con-
verte em judicialização67, pois, aqui, o núcleo central passa a ser o da criação
de normas que se vinculam aos canais de acesso à instância decisória oficial e
com o próprio perfil dos ritos processuais vigentes. Ou seja, privilegiando-se a
ideia de uma arena exclusiva, dotada de poder e imparcialidade, de resolução de
conflitos, como a ideia de procedimentos mais simplificados e ágeis. 68

A relação entre acesso à justiça e o ordenamento jurídico é de inegável


importância. Quando se raciocina com acesso à justiça, voltamos a
denunciar, se faz quase que exclusivamente como se isso significasse
acesso ao judiciário. No entanto, seja adepto à dogmática pura, seja
defensor do pluralismo jurídico ou mesmo de um “direito alternativo”,
o certo é que o juiz está, de certo modo, preso à lei. Tem liberdade de
julgar, desde que conforme a lei. Onde for, sua interpretação ampla e
livre terá, em seu julgamento, sempre um percentual de submissão à
lei, sob pena de se estabelecer o caos social, via insegurança jurídica
dos jurisdicionados.69

Se for assim, o ordenamento jurídico de uma dada nação (Constitui-


ção e legislação infraconstitucional) é que pode e deve flexionar no sentido
70

de ser mais “social”, que proporcione mais acesso à justiça, já que a lei que
vai ser aplicada no seio social deve ser o principal veículo de efetiva demo-
cratização social, de eliminação das desigualdades e injustiças sociais. O
que é necessário é uma mudança na legislação e na própria postura dos
operadores do direito; mudança na postura ética para se alcançar mudança
no aspecto social, já que

o problema do acesso à justiça é, efetivamente um problema ético-


social, no que diz respeito ao plano da realização dos direitos. Com
efeito, a problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos
acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se

66 Ibidem, p. 95.
67 Nesta etapa evolutiva, tem-se hodiernamente o problema do controle jurisdicional in-
dispensável como regra no direito pátrio. Com efeito, a regra do controle jurisdicional é in-
dispensável, quando se trata de direitos indisponíveis. Assim, em certos litígios que versam
sobre tais direitos, não há que se falar em soluções sem que seja submetido o conflito ao
conhecimento do Poder Judiciário. Em outras espécies de direitos, tidas como disponíveis, o
próprio ordenamento jurídico em vigor estabelece regras claras para uma solução alternativa,
muitas vezes assegurando até mesmo a autocomposição, sem necessidade de se adentrar o
campo judicial. (ARAÚJO, José Henrique Mouta. Acesso á justiça e efetividade do processo:
a ação monitória é um meio de superação dos obstáculos?. 1 a ed. Curitiba:Juruá, 2011, p.
33-34).
68 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da
realização do direito. 2 a ed. Rio de janeiro: Renovar, 2008, p. 98.
69 Ibidem, p. 98.
70 Em termos de legislação constitucional, o que vai pelo mundo, relativo a acesso à justiça,
quase que se resume a estabelecer assistência judiciária gratuita. (Ibidem, p. 100).

34 Dhieimy Quelem Waltrich


trata apenas de possibilitar acesso à justiça enquanto situação estável,
e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. 71

Acesso à justiça não pode mais ser relacionando com a mera admissão de
uma demanda em juízo. Para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável
que o maior número de pessoas seja admitido a demandar ou a defender-se
adequadamente, nos casos de escolha de via judicial, e que haja segurança de
suas próprias soluções, nos casos de via extrajudicial.72

Quando o ordenamento é por demais rígido e distante das realidades


e necessidades sociais, as comunidades criam seus próprios meca-
nismos e ignoram as leis e os remédios estatais. Quando o acesso à
justiça é negado a determinados segmentos da sociedade, obviamente
os mais pobres, a comunidade cria mecanismos de sobrevivência e
acaba por instituir regras próprias que lhes possibilite sobreviver. Cria
meios específicos de solução de seus conflitos e satisfação de seus
direitos. Essa prática reiterada cria um direito não oficial, paralelo. À
luz do direito oficial brasileiro, as relações estabelecidas no interior das
favelas são ilegais ou juridicamente nulas. Dentro da comunidade, con-
tudo, tais relações são relações legais e como tal são vividas pelos
que nelas participam; a intervenção da associação de moradores neste
domínio visa constituir como que um ersatz da proteção jurídica oficial
de que carecem. Esse direito paralelo resta coberto por uma interação
jurídica muito intensa, à margem do sistema jurídico estatal.73

Na realidade, entre o formal e o real, entretanto, medeia um abismo. O


preceito constitucional74 permanece como simples promessa a ser cumprida, em
várias regiões do país. Dentre os principais obstáculos que impedem o acesso à
justiça são: deficiência de instrução, baixo índice de politização, estado de misé-
ria absoluta ou hipossuficiência econômica grave, mínimo poder de mobilização
e nenhuma organização. Na maioria dos juízos, o acesso ao judiciário gira em
torno de dispensa de custas, assistência advocatícia, o que demonstra a estrei-
teza com que se trata a questão.75
Não podemos, pois, concordar que a única maneira possível de obter-se a
restauração de um direito lesado ou ameaçado é através do poder judiciário que,

71 Ibidem, p. 102.
72 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da
realização do direito. 2 a ed. Rio de janeiro: Renovar, 2008, p. 103-104.
73 Ibidem, p. 107.
74 O princípio do acesso á justiça e a garantia do devido processo legal, por se entrelaçarem
nessa proteção constitucional, inserem princípios, sendo que alguns são importantes de serem
citados: princípio da ação, da autonomia da ação, congruência, imparcialidade do juiz, juiz natu-
ral, promotor natural, inafastabilidade da jurisdição, efetividade, duração razoável do processo,
adequação, contraditório, ampla defesa, igualdade das partes, cooperação, instrumentalidade,
economia processual, preclusão, eventualidade e duplo grau de jurisdição. (BATISTA, Keila Ro-
drigues. Acesso à justiça: instrumentos viabilizadores. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 51).
75 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da
realização do direito. 2 a ed. Rio de janeiro: Renovar, 2008, p. 111-112.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
35
pela simples ou suficiente razão do dever de imparcialidade de seus órgãos, não
pode proceder de ofício. Devemos questionar a possibilidade de atuarmos ou
não de modo a viabilizar o acesso à justiça, indo ao encontro da ânsia da popu-
lação pela justiça entendida num sentido mais amplo de conquistas dos direitos
consagrados nas leis, e em especial, na Constituição Federal, e mais, para que
o acesso não seja apenas formal.76 Fique claro que

o processo de civilização da humanidade tem sido marcado pelo re-


conhecimento formal dos direitos77, inerentes à condição humana,
mas sua efetiva aplicação tem sido negada para a grande maioria das
pessoas, e assim será enquanto estivermos conformados com as limi-
tações formalistas tradicionais e com a banalização dos conflitos de
interesses para com os quais o enfoque normal tem sido o da fragmen-
tação e da aplicação de soluções técnicas que ignoram muitas vezes
o justo para fazer valer o legal, o instrumental; que evitam a dimensão
social das causas, para fazer prevalecer o interesse meramente indi-
vidual; que reduzem a função do juiz à estrita aplicação impessoal e
literal das leis, sem comprometimento com o tempo em que vive e com
o povo a quem deve servir.78

Tais referências vêm a corroborar o nobre entendimento de que o ideal


na solução dos conflitos é a prevenção. O ideal do processo é o não-processo.
Os processos decisórios não pacificam, antes suscitam mais conflitos. O fun-
damento econômico da prevenção, mediação, conciliação, etc., é a poupança
de tempo, despesas e incômodos. O fundamento filosófico é o ideal de paz e o
sociológico é a efetivação dessa mesma paz. 79
Até porque, a operacionalização de reformas cuidadosas, atentas aos pe-
rigos envolvidos, com uma plena consciência dos limites e potencialidades dos
tribunais regulares, do procedimento comum, dos procuradores e no seio da
própria comunidade é o que realmente se pretende com esse enfoque de acesso
à justiça.80
Convém, no entanto referir que a finalidade não é fazer uma justiça “mais
pobre”, mas torná-la acessível a todos, inclusive aos pobres. E se é verdade que
a igualdade de todos perante a lei é o ideal básico de nossa época, o enfoque de

76 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da


realização do direito. 2 a ed. Rio de janeiro: Renovar, 2008, p. 112.
77 A todos devem ser asseguradas oportunidades mínimas para alcançarem as condições ma-
teriais necessárias ao pleno exercício de seus direitos constitucionais fundamentais de liberdade
e igualdade; é precisamente porque já os reconhecemos como cidadãos iguais e livres, como
membros da comunidade de princípios. Devem ser tratados, portanto, como cidadãos, desde
o início, livres e iguais, titulares de direitos fundamentais, tendo oportunidade de responder por
suas opções e de com elas aprender. (CATTONI, Marcelo. Poder constituinte e o patriotismo
constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006, p. 28).
78 Ibidem, p. 113.
79 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da
realização do direito. 2 a ed. Rio de janeiro: Renovar, 2008, p. 252.
80CAPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre; Fabris, 1988, p. 165.

36 Dhieimy Quelem Waltrich


acesso à justiça só poderá conduzir a um produto jurídico de maior “beleza”, ou
melhor qualidade daquele que dispomos atualmente. Para que seja possível um
melhor entendimento da atual situação jurídica do país, propor-se uma análise
do relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça.

1.3 O Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional


de Justiça e a demonstração da intensa conflituosidade/
morosidade do judiciário brasileiro

Diante da necessária demonstração de que o acesso à justiça deve preva-


lecer como princípio efetivo de democratização e eliminação das desigualdades
e injustiças sociais, buscou-se analisar o processo judiciário de nosso país. Para
tanto, valemo-nos do Relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de
Justiça81, edição outubro/2012.
As informações do “Justiça em Números”82 apresentam um panorama glo-
bal da justiça, por meio de dados disponibilizados pelos tribunais sobre proces-
sos distribuídos e processos julgados, número de cargos de juízes ocupados e
ainda o número de habitantes atendidos por juiz.
Trata-se de pesquisa que permite a avaliação dos tribunais em relação à
quantidade de processos, questão financeira e o acesso à justiça. Analisa ainda
o perfil de cada região e Estado, com base nas informações sobre população e
economia.
O objetivo do CNJ é que os dados sejam referência para a criação de uma
cultura de planejamento e gestão estratégica. Outra finalidade do “Justiça em
Números” é fornecer bases para construção de políticas de gestão e possibilitar
a avaliação da necessidade de criação de cargos e funções. O estudo também

81 Devido a sua competência constitucional, o CNJ vem buscando constantemente a eficiência


dos serviços prestados pelo Poder Judiciário. Para tanto criou o SIESPJ- Sistema Nacional de
Estatísticas do Poder Judiciário, bem como a elaboração do “Justiça em Números”, que traça
metas, bem como lista os 100 maiores litigantes. Toda essa produção faz parte dos estudos do
Departamento de Pesquisa Judiciária do CNJ – DPJ. Cumpre ressaltar que tais instrumentos
são positivos quando fiéis aos resultados, sem manipulação. Ademais, a Resolução n. 125/2010
do CNJ cria o Portal da Conciliação: que contém o registro de informações de tudo o que se
passou em cada Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania- CEJUSCS, que pos-
teriormente serão compiladas pelo CNJ. O objetivo é avaliar o desenvolvimento, enumerando
as dificuldades, fragilidades e exaurimento. Importante referir que estes números não podem
servir para pressionar os mediadores quanto ao resultado (quantidade de sessões e acordos
realizados) sob pena de pôr em cheque um dos princípios da mediação que é a autonomia
das partes. Já que o cenário atual destas estatísticas revela não a qualidade e adequação dos
procedimentos, mas sim sua quantidade. (MORAIS, José Luis Bolzan. SPENGLER, Fabiana
Marion. Mediação e arbitragem: alternativa à jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2012).
82 As primeiras edições da pesquisa foram realizadas nos anos de 2003 e 2004.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
37
enumera relação de despesas com pessoal, recolhimentos e receitas, informá-
tica, taxa de congestionamento e carga de trabalho dos juízes. Os números são
encaminhados semestralmente pelos magistrados.
Todos os dados que serão objeto de análise neste tópico estão disponí-
veis no sítio do Conselho Nacional de Justiça, no endereço: http://www.cnj.jus.
br/programas-de-a-a-z/eficiencia-modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em
-numeros/relatorios.
A oitava edição do “Justiça em Números” estabelece um novo paradigma
de acesso à informação. A apresentação dos indicadores está mais clara, direta
e inclusiva, de modo a permitir que magistrados, servidores, cidadãos – e não
apenas pesquisadores e acadêmicos, possam compreender as principais infor-
mações sobre o poder judiciário nacional.
A edição 2012, relacionada aos dados de 2011, não se resume a tabelas e
textos explanativos, pois se vale de infográficos. Trata-se de recurso que facilita
a assimilação visual de informações sobre as demandas, produtividade, pessoal
e despesas dos diversos seguimentos da justiça brasileira.
A outra novidade é de natureza metodológica. Essa edição utiliza a Aná-
lise Envoltória de Dados (DEA) para comparar a eficiência dos tribunais que
compõem um mesmo ramo do poder judiciário. Essa ferramenta permite não só
que se comparem dados de produtividade, de maneira isolada, mas que sejam
também levados em consideração os dados estruturais dos tribunais. Sucede
que a análise torna-se mais complexa.
Um tribunal deixa de se destacar apenas pela boa produção de decisões
ou alto volume de processos arquivados, pois passa a ser analisado a partir des-
sas duas variáveis, em combinação com seu contexto estrutural, sua despesa,
número de servidores, grau de informatização e outros indicadores. O exame da
eficiência passa a correlacionar produtividade com despesa, estrutura física e de
pessoal.
Importantes análises dos anos anteriores são mantidas, mas com uma
nova apresentação. É o caso do peso da execução fiscal em cada um dos ra-
mos do poder judiciário, um dos problemas centrais revelados pelas pesquisas
do Departamento de Pesquisa Judiciária (DPJ) e pelos relatórios anteriores do
“Justiça em Números”.
Os dados são exibidos de forma mais criativa, para melhorar o entendi-
mento pelo público em geral. Ao inovar em busca da mais facilitada comunicação
sobre seus dados, o poder judiciário, por seu Conselho Nacional de Justiça, se
aproxima ainda mais do cidadão. Aproximação, essa, que se dá numa ambiência
da mais qualificada e transparente democracia. 83

83 Ministro Ayres Britto, Presidente do Conselho Nacional de Justiça ao redigir a apresentação


do “Justiça em Números”. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-
modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 03. Acesso em 01 nov. 2012.

38 Dhieimy Quelem Waltrich


1.3.1 Justiça Estadual

A despesa total da Justiça Estadual foi de R$ 26,4 bilhões, o que equivale


a aproximadamente 0,64% do PIB e a 4,9% das despesas dos governos dos
estados. Em relação ao período entre 2009 e 2011, houve aumento de 2,6 bi-
lhões, sendo 953 milhões (3,7%) de 2010 para 2011 e 1,7 bilhão (7%), de 2009
para 201084. Os quatro maiores TJs brasileiros Minas Gerais e Rio Grande do
Sul – são responsáveis por 50% das despesas totais e por 60% dos processos
ingressados anualmente.
Historicamente, a rubrica de despesas com recursos humanos tem
sido a principal fonte dos gastos da justiça, sendo que, em 2011, chegou a
alcançar a cifra de R$ 23 bilhões. Relativamente, os gastos com recursos
humanos cresceram de forma mais acentuada do que os gastos da justiça,
apontando para aumento de 11% no último ano e sendo o responsável por
quase 88% de toda despesa. Bens e serviços são responsáveis por 11,9%
dos gastos, tendo havido leve decréscimo, de 5,4%, em 2011. Os gastos
com informática representam apenas 3,4% das despesas, cujo valor é infe-
rior a 1 bilhão.
Em relação à força de trabalho, o ano de 2011 terminou com 11.835 ma-
gistrados, 170 mil servidores (efetivos, requisitados e comissionados sem vín-
culo), além de 70 mil terceirizados, estagiários, juízes leigos e conciliadores.
Denota-se, ainda, que aproximadamente 84% dos servidores atuam na área ju-
diciária, sendo que essa representatividade tem crescido na faixa de um ponto
percentual a cada ano, desde 2009. Há, ainda, a média de 6,2 magistrados e de
125 servidores por 100 mil habitantes.
No ano de 2011, a população buscou mais o poder judiciário do que nos
anos anteriores. Enquanto o total de processos ingressados cresceu 7%, a po-
pulação brasileira cresceu menos de 1%85 no último ano. Com isso, o número
de casos novos por 100 mil habitantes passou de 8.775 em 2009 para 9.081
em 2011. Outro aspecto interessante com relação a esse indicador é sua re-
gionalização, já que os estados localizados nas áreas norte e nordeste do País
tendem a apresentar menor índice de litigiosidade do que aqueles localizados
nas regiões sul e sudeste.
No decorrer de 2011, tramitaram na Justiça Estadual cerca de 70 mi-
lhões de processos, 2,2% a mais que no ano anterior. Desse volume pro-
cessual, 73% (51,7 milhões) já se encontravam pendentes desde o término
do ano anterior, o que demonstra que a maior dificuldade do poder judiciá-
rio nos estados está na liquidação de seu estoque, pois, de forma geral, a
Justiça Estadual tem sido capaz de baixar os processos em quantitativo
equivalente ao total ingressado.

84 Valores deflacionados pela data base de 31/12/2011 pelo índice IPCA.


85 Número de habitantes segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Fonte: www.ibge.gov.br

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
39
Grande parte da dificuldade de se proceder à baixa dos processos
está na execução. Dos 70 milhões de processos em tramitação, 32 milhões
(46%) estão na fase de execução. Destaca-se a execução fiscal, respon-
sável por 24 milhões do volume processual. As execuções judiciais repre-
sentam 4,7 milhões, sendo 1,3 milhão em penais (404 mil de penas não
privativas de liberdade e 871 mil de penas privativas), e 3,5 milhões em
execuções não penais.
Pelo segundo ano consecutivo verificou-se que houve queda no in-
dicador de produtividade dos magistrados. A média de sentenças que era
de 1.509 em 2009, caiu para 1.409 em 2010 e para 1.392 em 2011. Essa
redução foi consequência do aumento em 276 magistrados juntamente com
a redução de quase um milhão de sentenças durante os dois últimos anos.
Ao observar a produtividade por instância, observa-se que a queda ocorreu
apenas no primeiro grau, tendo-se refletido, assim, no indicador global da
justiça.
A redução do quantitativo de sentenças proferidas deu-se, especialmente,
nas execuções fiscais (8%), nas execuções judiciais não criminais (19%) e nas
execuções criminais de penas privativas de liberdade (68%).
De toda sorte, mesmo com a redução do número de sentenças, o total
de processos baixados teve crescimento de aproximadamente 7% em relação a
2010. Considerando-se a similaridade do incremento dos baixados em relação
ao incremento dos casos novos, obteve-se, em 2011, uma taxa de congestiona-
mento praticamente constante, com redução de apenas 0,5 ponto percentual,
que passou de 74,4% para 73,9%.
Apenas nos Juizados Especiais notou-se uma queda mais acentuada,
cuja taxa baixou de 50% para 48,2%. Ao considerar apenas a primeira ins-
tância, composta pela soma do primeiro grau e dos Juizados Especiais, a
taxa de congestionamento seria de 75,7%, sendo que, sem os processos de
execução, ela cairia para 64,9%, ou seja, com redução de quase 11 pontos
percentuais.
Estima-se que o ano de 2011 tenha sido finalizado com saldo de quase 52
milhões de processos pendentes (0,7% a mais que o início do ano), sendo que
apenas o TJSP abarca quase 20 milhões de pendentes e o TJRJ, 7,4 milhões.
Juntos, esses dois tribunais são responsáveis por mais de 50% de todo volume
processual pendente de baixa.86

86 Justiça em Números. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-


modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 140. Acesso em 01 nov.
2012.

40 Dhieimy Quelem Waltrich


1.3.2 Justiça Federal

A despesa total da Justiça Federal foi de R$ 6,8 bilhões, o que equivale


a aproximadamente 0,16% do PIB e a 0,4% dos gastos da União. Em relação à
série histórica, verifica-se queda nos dois últimos anos consecutivos, com redu-
ção de cinco milhões de 2009 para 2010 (0,1%) e de 110 milhões de 2010 para
2011 (1,6%).87 Os indicadores de despesa por PIB e de despesa em relação aos
gastos totais mantiveram-se aproximadamente constantes nos últimos períodos.
Percebe-se que as despesas dos TRFs são relativamente bem distribuídas entre
eles, todos com gastos próximos a um milhão, sendo a maior despesa a do TRF
da 1.ª Região, com 1,9 milhão, e a menor a do TRF da 5.ª Região, com 841 mil.
Historicamente, a rubrica de despesas com recursos humanos tem sido a
principal fonte dos gastos da justiça, entretanto é relevante observar que, tanto
em termos absolutos quanto em termos relativos aos gastos totais dos tribunais,
tem havido queda. O percentual de gastos com RH que, em 2009, chegou a
atingir o patamar de 93%, foi reduzido para 91,3% em 2010 e, finalmente, para
90,8% em 2011. Esse é um cenário positivo que mostra que os TRFs estão
fazendo outros investimentos com seus recursos além da contratação de mão-
de-obra. O pagamento de bens e serviços é responsável por 8,8% dos gastos,
tendo havido leve decréscimo, de 4,5% em 2011. Os gastos com informática
representam apenas 3,4% das despesas e cresceram em quase um por cento
em relação a 2010.
Sobre a força de trabalho, o ano de 2011 terminou com 1.737 magistrados,
26,3 mil servidores (efetivos, requisitados e comissionados sem vínculo), além de
10 mil terceirizados e estagiários. Aproximadamente 71% dos servidores atuam
na área judiciária, sendo que essa representatividade apresentou volatilidade
ao longo dos dois últimos anos, com crescimento em oito pontos percentuais
entre 2009 e 2010 e redução em quatro pontos percentuais em 2011. Em média,
a Justiça Federal conta com menos de um magistrado por cem mil habitantes,
cujo valor do indicador é de 0,9. Apenas duas regiões contam com mais de um
magistrado por cem mil habitantes. São elas: 4.ª Região (1,4) e 2.ª Região (1,2).
Em relação ao número de servidores por cem mil habitantes, destaca-se a o TRF
da 2.ª Região, com índice de 34,7, enquanto a média é de 19.
No ano de 2011, a população buscou mais o Poder Judiciário federal do que
nos anos anteriores. Enquanto o total de processos ingressados cresceu em 5%,
a população brasileira cresceu menos de 1% no último ano.88 Com isso, o número
de casos novos por cem mil habitantes passou de 1.564 em 2010 para 1.649 em
2011. Apesar do aumento no quantitativo de processos ingressados nos Juizados
Especiais, observou-se o movimento inverso, com redução de quase 70 mil pro-
cessos em relação ao ano de 2010, o que representou queda de 5%.
No decorrer de 2011 tramitaram na Justiça Estadual cerca de 11,5 milhões

87 Valores deflacionados à data base de 31/12/2011 pelo Índice Nacional de Preços ao Consu-
midor Amplo (IPCA).
88 Número de habitantes segundo estimativa do IBGE. Fonte: www.ibge.gov.br.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
41
de processos, 3,4% a mais do que no ano anterior. Desse volume processual,
a maioria, 71% (8 milhões), já se encontrava pendente desde o término do ano
anterior, o que demonstra que a maior dificuldade do poder judiciário está na li-
quidação de seu estoque, pois, de forma geral, a Justiça Federal tem sido capaz
de baixar os processos em quantitativo equivalente ao total ingressado.
Assim como ocorre na Justiça Estadual, grande parte da dificuldade em se
proceder à baixa dos processos está na execução. Dos 11,5 milhões de proces-
sos em tramitação, 4,3 milhões (38%) estão na fase de execução. Em particular,
destaca-se a execução fiscal, responsável por 3,5 milhões do volume processual,
que obteve crescimento acentuado nos casos novos em 2011, passando de 275
mil processos ingressados em 2010 para quase 447 mil em 2011, ou seja, au-
mento de 62%. Em relação aos pendentes de execução fiscal, houve aumento,
porém em baixa escala, de apenas 2,2%. As execuções judiciais representam
715 mil, sendo 24 mil penais (14 mil de penas não privativas de liberdade e 10
mil de penas privativas), e 391 mil de execuções não penais.
O indicador de produtividade dos magistrados apresentou resultado posi-
tivo, pois cresceu 12% com relação a 2010. Esse incremento significa que, em
média, cada magistrado julgou 185 processos a mais do que no ano anterior. O
número absoluto de sentenças também subiu, passando de 2,9 milhões para
três milhões. Em todas as instâncias houve aumento do quantitativo de senten-
ças e decisões proferidas, à exceção do primeiro grau, com redução de 3%.
Apesar do incremento no número de sentenças, os processos baixados
tiveram comportamento inverso, com redução. A queda foi discreta, em 0,4%,
impactando em apenas 13 mil processos a menos, de um total de 3,4 milhões.
Entretanto, apesar de essa ser uma redução pequena, cabe ressaltar que tal fato
ocorreu no primeiro grau, nos juizados especiais e nas turmas recursais, com
aumento somente no segundo grau. Além disso, tal incremento foi significativo,
em 17%, o que compensou a queda observada nos demais órgãos.
A Justiça Federal tem baixado o quantitativo de processos superior ao total
ingressado, o que é um ponto positivo, já que evita o acúmulo do estoque. En-
tretanto, em 2011, esse índice caiu de 132% para 111%, redução em 21 pontos
percentuais, em consequência da redução do volume de baixados. Outro impacto
ocorrido em virtude da redução do volume de processos baixados pode ser visto
no cálculo da taxa de congestionamento, que cresceu entre 2010 e 2011, passan-
do de 69% para 71%. No segundo grau a taxa caiu de 68% para 67% e na primeira
instância, composta pela soma do primeiro grau e dos Juizados Especiais, a taxa
subiu de 72% para 73%. Ao recalcular a taxa de congestionamento da primeira
instância sem considerar as execuções, ela seria reduzida para apenas 59%.
Estima-se que o ano de 2011 tenha sido finalizado com saldo de aproxi-
madamente oito milhões de processos pendentes, ou seja, 0,5% a menos do
que o existente no início do ano, em função de haver mais processos baixados
do que processos ingressados.89

89 Justiça em Números. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-mo-


dernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 202. Acesso em 01 nov. 2012.

42 Dhieimy Quelem Waltrich


1.3.3 Justiça Eleitoral

A despesa total da Justiça Eleitoral foi de R$ 3,5 bilhões, o que equivale


a aproximadamente 0,09% do PIB e a 0,23% das despesas da União. Os tri-
bunais com maior gasto foram os de São Paulo (454 milhões), Minas Gerais
(360 milhões), Rio de Janeiro (345 milhões) e Bahia (209 milhões), que são res-
ponsáveis por 38% das despesas totais e por 39% dos processos ingressados
anualmente.
A despesa com recursos humanos representa aproximadamente 88,6%
do gasto total do tribunal, enquanto as despesas com bens e serviços e com
informática são responsáveis por, respectivamente, 14% e 6,4% dos gastos.
A Justiça Eleitoral apresenta, em média, 299 eleitores para cada urna ele-
trônica, sendo utilizado aproximadamente 33% do espaço total disponível para
o armazenamento. Considerando a informatização, há aproximadamente 1,13
computador para cada usuário do tribunal.
Em relação à força de trabalho, o ano de 2011 finalizou com 3.279 magis-
trados, 21.719 servidores (efetivos, requisitados e comissionados sem vínculo),
além de 6.202 terceirizados e estagiários. Aproximadamente 56,5% dos servido-
res atuam na área judiciária.
No decorrer de 2011, tramitaram na Justiça Eleitoral cerca de 136 mil
processos. Desse volume processual, 46% (62 mil) encontravam-se pen-
dentes desde o término do ano anterior, sendo que essa justiça conseguiu
baixar 24,5% mais processos do que o quantitativo ingressado, ou seja, o
estoque tende a diminuir. A maior dificuldade dessa justiça proceder a baixa
dos processos está na execução de título extrajudicial fiscal, tendo em vista
que apenas 36% dos processos foram baixados em relação aos ingressados,
ocasionando taxa de congestionamento de 87%. Os processos da fase de
conhecimento do primeiro grau apresentaram taxas de congestionamento de
59% para processos criminais e 35% para não criminais, enquanto, no se-
gundo grau, o congestionamento foi de 48% para processos criminais e 17%
para não criminais.
Cada magistrado da Justiça Eleitoral recebeu, em média, 23 casos no-
vos e julgou 24, totalizando uma carga de trabalho de 44 processos em trami-
tação por magistrado.Entretanto há de se considerar que esta é uma justiça
diferenciada, em que o foco não é necessariamente o julgamento dos processos
judiciais, tendo em vista que o magistrado é ocupado com vários procedimentos
administrativos.
Estima-se que o ano de 2011 tenha sido finalizado com saldo de aproxima-
damente 44 mil processos pendentes, ou seja, 29% a menos que o existente no
início do ano, em função de haver mais baixas do que processos ingressados.90

90 Justiça em Números. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-


modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 400. Acesso em 01 nov.
2012.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
43
1.3.4 Justiça do Trabalho

A despesa total da Justiça do Trabalho teve aumento, entre os anos de


2009 e 2011,inferior à inflação do período, ou seja, houve redução de 235,5 mi-
lhões de reais, sendo144,2 milhões (-1,3%) de 2010 para 2011 e 91,3 milhões
(-0,8%) de 2009 para 2010, atingindo o valor de 11 bilhões no ano de 2011. Essa
despesa equivale a aproximadamente0,27% do PIB e a 0,72% das despesas da
União. Os Tribunais Regionais do Trabalho considerados de grande porte– 2.ª
Região (SP), 15.ª Região (Campinas), 1.ª Região (RJ), 3.ª Região (MG) e 4.ª
Região(RS) – possuem despesas equivalentes a 51% do gasto total da Justiça
do Trabalho e têm56% do total de casos novos.
Do total gasto por essa Justiça, 95% (10,7 bilhões) referem-se a despesas
com recursoshumanos, como remuneração, ajuda de custo, diárias e passa-
gens, auxílios, entre outrosencargos tanto para magistrados e servidores ativos,
quanto para inativos e instituidores depensão, como também para servidores
que não integram o quadro efetivo. A despesa comrecursos humanos apresen-
tou redução de 1,8% em relação ao ano anterior, enquanto osgastos com bens
e serviços e com informática aumentaram em, respectivamente, 15% e23,7%,
com cifras de 645 e 43,8 milhões de reais.
A força de trabalho apresentou crescimento em relação ao ano anterior,
tendo emvista que o ano de 2011 finalizou com 3.189 magistrados (72 a mais do
que o ano anterior),38.592 mil servidores (efetivos, requisitados e comissiona-
dos sem vínculo, 791 a mais doque o ano anterior), além de 10.805 mil terceiriza-
dos e estagiários. Há, em média, 1,7magistrado e 25,7 servidores nessa Justiça
para cada cem mil habitantes, sendo 77,4% dosservidores efetivos, requisitados
ou comissionados lotados na área judiciária.
Enquanto entre os anos de 2009 e 2010 houve redução de 4% na deman-
da pelajustiça trabalhista, no ano de 2011, a população buscou mais este ramo
do Poder Judiciário,com 3,7 milhões de casos novos (aumento de 10%), o que
representa 1.446 casos paracada cem mil habitantes. Os menores índices de
litigiosidade estão localizados na regiãoNordeste.
Tramitaram na Justiça do Trabalho ao longo do ano de 2011, aproxima-
damente, 6,9milhões de processos, 5% a mais do que no ano anterior. Desse
volume processual, 47%(3,3 milhões) encontravam-se pendentes desde o térmi-
no do ano anterior, sendo quedesde o ano de 2010 essa Justiça consegue, de
maneira geral, baixar mais processos doque o quantitativo ingressado; ou seja, o
estoque tende a diminuir, conforme redução de0,7% em relação ao ano anterior.
A grande dificuldade de a Justiça do Trabalho proceder à baixa dos pro-
cessos está nafase de execução, pois, dos 3,3 milhões de casos pendentes,
60% referem-se à execução,atingindo-se uma taxa de congestionamento de
69%, enquanto, na fase de conhecimento,essa taxa cai para 30,7%.O número
médio de sentenças por magistrado aumentou pelo segundo ano consecutivo.
Nesse sentido, a média de sentenças que era de 1.024 em 2009 subiu
para 1.108 em 2010 epara 1.172 em 2011. Houve, também, aumento de 9% no

44 Dhieimy Quelem Waltrich


total de processos baixados emrelação ao ano de 2010, o que contribuiu para
a redução da taxa de congestionamento,a qual passou de 49,8% em 2009 para
47,9% em 2010 e 45,7% em 2011.
Estima-se que o ano de 2011 tenha sido finalizado com saldo de aproxi-
madamente3,2 milhões de processos pendentes, ou seja, 3% a menos do que
o existente no início doano, em função de haver mais baixas do que processos
ingressados.

1.3.5 Justiça Militar Estadual

A Justiça Militar Estadual é constituída pelos Tribunais de Justiça Militares


dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, e, nas demais
unidades da Federação, pelas Auditorias Militares, órgãos dos Tribunais de Jus-
tiça dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios. A análise feita nessa
seção, entretanto, limita-se aos Tribunais de Justiça Militares.
A despesa total dessa justiça foi de R$ 96 milhões no ano de 2011, o
que equivale a aproximadamente 0,005% do PIB e a 0,040% das despesas dos
governos dos Estados acima citados. A despesa com recursos humanos repre-
senta aproximadamente 66,4% do gasto total do Tribunal de Justiça Militar, en-
quanto as despesas com bens e serviços e com informática são responsáveis
por, respectivamente, 6,7% e 2,6% dos gastos.
Havia, no final do ano de 2011, 39 magistrados, 434 servidores (efetivos,
requisitados e comissionados sem vínculo), além de 79 terceirizados e estagiários.
Aproximadamente 53% dos servidores atuam na área judiciária. Há, ainda, a mé-
dia de 14,7 magistrados e 193,6 servidores para cada cem mil militares estaduais.
No decorrer de 2011, tramitaram na Justiça Militar estadual cerca de 12
mil processos. Desse volume processual, 50% (6 mil) encontravam-se penden-
tes desde o término do ano anterior, sendo que essa justiça conseguiu baixar
28% mais processos do que o quantitativo ingressado, ou seja, o estoque tende
a diminuir. A maioria dos processos que ingressam nessa justiça é de caráter não
criminal, entretanto os casos pendentes são majoritariamente criminais.
A maior dificuldade de essa justiça proceder à baixa dos processos está
na fase de execução, tendo em vista que apenas 78% dos processos foram bai-
xados em relação aos ingressados, ocasionando taxa de congestionamento de
quase 62%. Os processos da fase de conhecimento do primeiro grau apresenta-
ram taxas de 56% para processos criminais e 19% para não criminais, enquanto,
no segundo grau, o congestionamento foi de 28% para processos criminais e
22% para não criminais.
A demanda da Justiça Militar estadual é de aproximadamente 1.963 casos
novos para cada cem mil militares estaduais, sendo que cada magistrado rece-
beu, em média, 133 casos novos e julgou 177, totalizando uma carga de trabalho
de 322 processos em tramitação por magistrado.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
45
Estima-se que o ano de 2011 tenha sido finalizado com saldo de apro-
ximadamente 4 mil processos pendentes, ou seja, 28% a menos do que o
existente no início do ano, em função de haver mais baixas do que proces-
sos ingressados.

1.3.6 Tribunais Superiores

A despesa total dos tribunais superiores foi de R$ 2,3 bilhões, o que equi-
vale a aproximadamente 0,06% do PIB e a 0,15% das despesas da União. Des-
se total, 895 milhões foram gastos pelo STJ, 661 milhões pelo TST, 459 milhões
pelo TSE e 323 milhões pelo STM. Grande parte dessa despesa foi realizada
com recursos humanos, atingindo os percentuais de 99,7% no TST, 98% no STM
e 90% no STJ. A grande exceção, não só entre os tribunais superiores, mas de
todo o Poder Judiciário brasileiro, é o TSE, que apresentou somente 41% de sua
despesa total em recursos humanos.
Os tribunais superiores contam com 82 magistrados e 6.458 servi-
dores (efetivos, requisitados e comissionados sem vínculo), além de 4.815
terceirizados e estagiários (43% do total de servidores). O percentual de
servidores na área judiciária é de 55% no TST, 53% no STJ, 18% no TSE e
9% no STM.
No decorrer de 2011, tramitaram cerca de 371 mil processos no TST (54%
desse percentual referente a processos pendentes de anos anteriores), 5,8 mil
no TSE (37% de pendentes) e 1,2 mil no STM (35% de pendentes). Não foi pos-
sível determinar o quantitativo de processos em tramitação no âmbito do STJ,
uma vez que este tribunal não informou o quantitativo de processos pendentes
de anos anteriores. Verifica-se, entretanto, que este tribunal baixou um total de
processos equivalente a 69% de seus processos. Para os demais tribunais su-
periores, essa relação equivale a mais de 90%.
Os processos do STJ e TSE foram subdivididos em criminais e não crimi-
nais, sendo o percentual de processos de natureza criminal ingressados no STJ
equivalente a 18% do total. Já no TSE esse percentual foi de 2%. Cada magis-
trado julgou, em média, 6.955 processos no STJ, 6.299 processos no TST, 1.160
processos no TSE e 54 processos no STM.
Os tribunais superiores apresentam grandes diversidades entre si, com
volume e natureza processuais completamente distintas. Portanto, os dados
aqui expostos são apenas informativos e devem ser evitadas comparações en-
tre eles.91

91 Justiça em Números. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-


modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 444. Acesso em 01 nov.
2012.

46 Dhieimy Quelem Waltrich


1.3.7 Considerações e recomendações

Esta edição do Relatório “Justiça em Números” trouxe uma série de novi-


dades, sobretudo em relação à apresentação dos dados, forma de analisá-los,
além de ter englobado todos os ramos do Judiciário Nacional. Todas as ino-
vações tiveram o intuito de tornar esta publicação uma referência tanto para
os gestores judiciários, quanto para o público mais amplo, seja composto pelo
cidadão interessado em conhecer melhor os detalhes deste Poder, seja o espe-
cialista do mundo jurídico.
É oportuno frisar que todas as informações apresentadas anualmente
nesta publicação do CNJ permanecem acessíveis, não obstando qualquer tipo
de comparação. Em verdade, o relatório “Justiça em Números” apresenta-se
como parte relevante dos diversos esforços de transparência e amplo acesso à
informação empreendidos pelo poder judiciário.
Sempre que possível, foram explicitados os números dos períodos prévios
de 2009 e 2010, assim como a variação em relação a 2011.
Para contemplar o objetivo da plena acessibilidade do relatório a públicos
distintos, manteve-se a lógica de organização das informações por ramos de
justiça, mesmo porque cada um deles tem singularidades que não podem ser
negligenciadas. Tal estratégia mostrou-se importante, sobretudo porque permitiu
análises ao nível dos tribunais e também do conjunto daqueles que formam um
ramo de justiça. Embora os dois focos de análise sejam da maior importância,
também é muito relevante demonstrar o retrato generalizado do Poder Judiciário.
Embora não seja possível olvidar os números globais da justiça brasileira,
é oportuno ressalvar que se encontram representados somente os dados dispo-
níveis. Isso significa que os ramos de justiça incluídos apenas em 2011 tiveram
seus dados computados apenas em tal período.
Feitos os esclarecimentos necessários, o que se percebe pelos números é
que o Poder Judiciário ampliou-se, seja em termos orçamentários, seja em núme-
ro de servidores.
Tal incremento, entretanto, é devido em grande parte à consideração de
ramos novos no presente relatório, que não faziam parte do “Justiça em Núme-
ros” anterior. Mesmo que seja da maior importância divulgar os números totais
atualizados, é oportuno comentar também sobre qual foi o crescimento real.
A despesa total da justiça alcançou a cifra de 50,4 bilhões, sendo que
aproximadamente 90 % referem-se a gastos com recursos humanos, um total
de R$ 45,2 bilhões. Importante explicar que as despesas com RH consideram
todos os servidores ativos, inativos, instituidores de pensão, servidores que não
integram o quadro efetivo, além de incluir a remuneração e todos os demais
encargos tais como: ajuda de custo, diárias, passagens, auxílios, entre outros.
Cabe ressaltar que a variação da despesa do Judiciário, desconsideradas
as inclusões de tribunais feitas em 2011, foi de apenas 1,5 % e não de 13,4 %.
Boa parte do crescimento na força de trabalho também se deve à referida inclu-
são. Excluindo-se, portanto, os Tribunais Superiores, com exceção do TST, toda

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
47
a Justiça Eleitoral e Militar, o número de servidores cresceu apenas 4,8 mil, o
que representa 1,5 % em relação ao período prévio.
Se em relação às despesas e aos totais da força de trabalho o impacto da inclu-
são de novos tribunais foi relevante, o mesmo não se verifica na litigiosidade. As varia-
ções demonstradas são muito próximas daquelas calculadas sem os novos ramos de
justiça incluídos. O total de casos novos cresceu 8,8 % em relação a 2010. O mesmo
cálculo feito apenas para os casos novos dos tribunais que participaram do relatório em
2010 revela um incremento de 7,3 % no total de processos. Ainda sobre a litigiosidade,
houve crescimento do total de casos baixados (6,1 %), do total de sentenças (1,4 %)
e do volume de processos em tramitação (4,6 %), formado pelo somatório dos casos
novos e pendentes, que, em termos absolutos, chegou a quase 90 milhões em 2011.
Pela primeira vez na história do “Justiça em Números”, é conhecido o total
da movimentação processual de toda justiça, já que nesta versão foram incluídos
novos tribunais que anteriormente não eram considerados. Dessa forma, pode-se
observar que tramitaram, ao longo de 2011, quase 90 milhões de processos, sen-
do que, desse quantitativo, 71% (63 milhões) já estavam pendentes desde o início
do ano e os 26 milhões restantes ingressaram durante o ano. Foram baixados
aproximadamente 26 milhões de processos, quase o mesmo quantitativo ingres-
sado, e foram proferidas 23,7 milhões de sentenças e decisões.
De acordo com o infográfico relativo ao total do Poder Judiciário, considerando
as ressalvas mencionadas anteriormente, o total de processos baixados no ano de
2011 apresentou aumento de 7,4 % em relação ao ano anterior, sendo, inclusive, o
maior aferido nos últimos três anos. Entretanto, isto não foi suficiente para gerar uma
redução do estoque de processos. Pelo contrário, este teve um crescimento constante
nos últimos três anos, sendo de 3,6 % no período entre 2010 e 2011.
Em muito, esta situação tem como origem o aumento da demanda, visto que
somente no último ano o número de casos novos aumentou 8,8 %, não sendo equilibra-
do, portanto, pelo crescimento do total de processos baixados. Quanto aos processos
julgados, percebe-se que, embora haja um crescimento menor que o verificado nos pro-
cessos baixados, as séries históricas de ambas variáveis seguem a mesma tendência.
Apesar do aumento nas turmas recursais, em geral foi verificada uma diminui-
ção da taxa de congestionamento em relação ao período anterior. Embora isso seja
muito positivo, é oportuno comentar que o indicador de baixados por caso novo, man-
teve-se inferior a 100%, com exceção dos juizados especiais, inclusive observando-se
nestes uma curva crescente nos últimos três anos. A própria natureza das demandas
que chegam aos juizados incide positivamente na celeridade dos julgamentos, entre-
tanto não se pode negar que o descongestionamento processual apresenta tendência
a diminuir desde o início de sua medição, em 2009.
Outro aspecto relevante diz respeito à influência das execuções no poder
judiciário. Observa-se que ingressaram no poder judiciário mais processos na fase
de conhecimento do que da fase de execução; entretanto, como também foram
baixados mais processos nesta fase, o estoque é composto majoritariamente por
processos de execução. A maior causa da morosidade são os processos de exe-
cução de título extrajudicial fiscal, que representam aproximadamente 35% do to-
tal de processos que tramitaram na 1ª instância no ano de 2011 e apresentam

48 Dhieimy Quelem Waltrich


taxa de congestionamento de 90%. Não contabilizando esses processos, a taxa
de congestionamento da fase de execução passaria de 85% para 74%. Em con-
trapartida, de cada cem processos que tramitaram na fase de conhecimento no
ano de 2011, 38 foram baixados nesse período, sendo o maior congestionamento
verificado nos processos criminais, com uma taxa de congestionamento de 65%.92
Com o intuito de aprimorar o “Justiça em Números”, foram feitas algumas
recomendações, que tornarão ou darão aos dados coletados maior amplitude e
confiabilidade. São estas:
1) Automatizar a informação dos dados pelos tribunais ao CNJ, através de
uma maior informatização do procedimento de coleta dos dados estatísticos, evitando-
se, com isto, a digitação das informações, diminuindo, substancialmente, a incidência
de erros e inconsistências, além de tornar possível a disponibilização destes dados
não mais por instâncias, mas por unidades judiciais, como varas e juizados;
2) Reformar os indicadores referentes à recorribilidade e reforma de
decisão, adotando uma sistemática com maior confiabilidade e estatisticamente
mais robusta em sua determinação. Isto é necessário dada a fragilidade dos
atuais indicadores deste grupo, com graves inconsistências metodológicas e
conceituais, que envolvem, inclusive, a relação de dados de diferentes períodos,
não permitindoutilizá-los[ ]para a realização de estudos e análises;
3) Criar indicadores que mensurem o tempo processual. A celeridade e
o tempo de processo são questões muito cobradas pela sociedade. Assim sendo, é
importante que o CNJ, através do “Justiça em Números”, consiga deixar transparente
este dado para toda a sociedade. Isto será possível com a criação de um indicador
que mensure a diferença entre a data de distribuição de um processo e a sua data de
baixa, e ainda possibilitará a criação de faixas de intervalo de tempo processual, ou
seja, dividir o quantitativo de processos de acordo com o seu tempo de duração.93

1.4 O pluralismo dos métodos de tratamento de conflitos

Na linguagem política, pluralismo é o termo empregado para definir uma


concepção que propõe como modelo social uma composição de vários grupos
ou centros de poder, mesmo que em conflito entre si, aos quais é atribuída a
tarefa de limitar, controlar e contrastar até o ponto de eliminar o centro de poder
dominante, historicamente identificado como Estado. 94
O contexto abrangido por tal conceito vem a traçar uma oposição à concentra-
ção e unificação do poder, características próprias do estado moderno. O que precisa

92 Justiça em Números. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-


modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 446. Acesso em 01 nov.
2012.
93 Justiça em Números. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-mo-
dernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 447. Acesso em 01 nov. 2012.
94 SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 77.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
49
ser dito é que o objetivo do pluralismo dos métodos de tratamentos dos conflitos não
é tirar o lugar do Estado, nem mesmo minimizar seus fundamentos, mas sim reconhe-
cer que ele é uma das muitas formas jurídicas que podem existir na sociedade.
Todas as considerações sobre a jurisdição e suas crises (criadas e fomenta-
das a partir da globalização cultural, política, econômica) são consequências da crise
estatal. Nascida de um deliberado processo de enfraquecimento95 do Estado, a crise
se transfere para todas as suas instituições96, pois o Direito que imediatamente conhe-
cemos e aplicamos, posto pelo Estado, assim o é porque seus textos são escritos pelo
Legislativo, mas também porque suas normas são aplicadas pelo Judiciário. 97
Ao tomar o pluralismo dos métodos de tratamento dos conflitos98 como es-

95 Para cada situação existencial surgem sistemas estruturantes que servem para garantir certa inde-
pendência e experimentação a fatos novos, estabilizando-se as relações, frente a desapontamentos.
Por estes comportamentos, é possível a criação de expectativas em relação ao mundo circundante,
fazendo-se com que a experimentação, a complexidade e a contingência se apresentem como situações
estruturalmente imobilizadas, dando ao homem a sensação de imunidade aos desapontamentos. Além
desta estrutura imobilizada, têm-se as experiências vivenciadas por outros homens, que para nós, ser-
vem como situações já enfrentadas e livres, portanto, de experimentação. O preço desta experimentação
compartilhada pode ser a potenciação do risco, e a elevação da contingência simples do campo de per-
cepção, para o campo do nível da dupla contingência. Sob as condições da dupla contingência pode-se
afirmar que toda experimentação e todo agir social possuem dupla relevância: uma tem haver com o nível
de percepção das atitudes imediatas de comportamento, e a outra, em termos de avaliação do compor-
tamento próprio em relação às expectativas do outro. (LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I, 1983).
96 Na visão geral, as instituições representam uma seqüência de problematização, o que é típico
para todas as instituições sociais. Logo, quanto mais uma sociedade se desenvolve, mais necessi-
dades e problemáticas iram afetar a prática da normativização. Nesse contexto, necessário situar o
direito através de sua função e suas ações específicas. Evidentemente que nem todas as normas,
instituições e princípios possuem relevância, caso em que se faz necessária certa seletividade em
sua discussão. O direito pode ser concebido de forma funcional e seleta, por tratar de situações
práticas e distintas, precipuamente quando trata de direitos pessoais. Não obstante, o direito não
pode ser considerado um elemento meramente coativo, mas também um alívio para as expecta-
tivas. A coação relevante para o direito, pousa na obrigatoriedade de selecionarmos expectativas,
enquanto que o alívio consiste na disponibilidade de caminhos coerentes e generalizados para as
expectativas. Nesse sentido, o direito é essencial para a evolução social. (Ibidem1983).
97 SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 102.
98 A divergência empírica sobre o direito quase nada tem de misteriosa. As pessoas podem divergir a
propósito de quais palavras estão nos códigos da mesma maneira que divergem sobre quaisquer outras
questões de fato. Mas a divergência teórica no direito, a divergência quanto aos fundamentos do direito, é
mais problemática. Num sentido trivial, é inquestionável que os juízes “criam novo direito” toda vez que de-
cidem um caso importante. Anunciam uma regra, um princípio, uma ressalva a uma disposição - por exem-
plo, de que a segregação é inconstitucional, ou que os operários não podem obter indenização em juízo
por danos provocados por companheiros de trabalho - nunca antes oficialmente declarados. Em geral,
porém, apresentam essas “novas” formulações jurídicas como relatos aperfeiçoados daquilo que o direito
já é, se devidamente compreendido. Alegam, em outras palavras, que a nova formulação se faz necessária
em função da correta percepção dos verdadeiros fundamentos do direito, ainda que isso não tenha sido
previamente reconhecido, ou tenha sido, inclusive, negado. Portanto, o debate público sobre a questão de
se os juízes “descobrem” ou “inventam” o direito constitui, na verdade, um debate sobre se e quando essa
ambiciosa pretensão é verdadeira. Se alguém diz que os juízes descobriram a ilegalidade da segregação
nas escolas, é porque já acreditava que a segregação era de fato ilegal, mesmo antes da decisão que a
declarou como tal e ainda que nenhum tribunal tivesse afirmado isso anteriormente (DWORKIN, Ronald. O
Império do Direito: tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 08-09).

50 Dhieimy Quelem Waltrich


tudo, parte-se da percepção de crise e esgotamento99 do modelo jurídico liberal
-individualista, que não oferece respostas satisfatórias (eficazes) aos reclamos
político-sociais de segurança e certeza no atual estágio de evolução das socie-
dades complexas e conflitivas de massa. Para que essa e/ou essas respostas
sejam apresentadas, necessária é a imposição, como condição básica, de de-
marcação de um novo fundamento de validade para o mundo jurídico, um para-
digma que inclua o reconhecimento de novas formas de ações participativas.100
A necessidade de dedicar nosso estudo à presente temática se manifesta
já que o Estado não aparece mais como ator principal na elaboração e na apli-
cação legislativa, surgindo, paralelas a ele, novas forças que apontam para o
nascimento do Direito101supraestatal. 102
Não é difícil constatar, hoje, o colapso dessa ordenação liberal-burguesa
presa às abstrações normativas acerca de um “sujeito de Direito” ou de um “Esta-
do de Direito” e que, escorada no convencionalismo de sua lógica individualista e
de sua racionalidade formal, não consegue acompanhar o ritmo crescente de no-
vas formas de reivindicações e transformações aceleradas por que passa a socie-
dade. Essa crise que atinge a legalidade estatal ultrapassa o próprio aparato pro-
cedimental com todos os seus mecanismos institucionais, pois o cerne da questão
engloba princípios, fundamentos, valores e objetivos. Tentando limitar o foco de
atenção, há de se priorizar certo número de carências e necessidades fundamen-
tais que se traduzem em demandas por “novos” direitos e que, na medida em que
são frustradas, desencadeiam uma dinâmica interminável de conflitos coletivos.103
Nestas condições, o pluralismo é o termo empregado para definir uma
concepção que propõe como modelo social uma composição de vários grupos
ou centros de poder, mesmo que em conflito entre si, aos quais é atribuída a
tarefa de limitar, controlar, contrastar, até o ponto de eliminar, o centro do poder

99 Quando se faz uma análise mais demorada das origens, dos princípios e implementações de
nosso Direito Estatal, quase sempre identificado com a estrutura de poder e desvinculado das
práticas sociais comunitárias, compreende-se com mais facilidade as raízes de seu exaurimento.
Essa estrutura periférica e dependente é profundamente atingida por violentas contradições e
incontidos conflitos de natureza social, econômica e política. Trata-se da falência de uma ordem
jurídica herdada do século XVIII, por demais ritualizada, dogmática e desatualizada, que, em
suas raízes nunca traduziu as verdadeiras condições e intentos do todo social.(WOLKMER,
Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito, 2001, p. 90).
100 Ibidem, p. 90
101 A importância da discussão sobre o pluralismo jurídico enquanto expressão de um “novo” Direito
é plenamente justificada, porquanto o modelo de cientificidade que sustenta o aparato de regulamen-
tação estatal liberal-positivista e a cultura normativista lógico-formal já não desempenha a sua função
primordial, qual seja a de recuperar institucionalmente os conflitos do sistema, dando-lhe respostas
que restaurem a estabilidade da ordem estabelecida. Na medida em que o aparato de modelos insti-
tucionais desta ordem apresenta-se insuficiente para dar conta de suas funções, tornando as relações
sociais previsíveis e regulares, a série de sintomas disfuncionais deflagra a crise desse aparato, daí
emergindo formas alternativas que todavia carecem de um conhecimento adequado (WOLKMER,
Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito, 2001, p. XVII).
102 SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 76.
103 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no
Direito, 2001, p. 90-91.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
51
dominante, historicamente identificado como o Estado.104
No entanto, uma das principais críticas dirigidas ao pluralismo é realizada
por Norberto Bobbio, uma vez que o pluralismo passa a imagem

de um estado de coisas caracterizado de um lado pela falta de um ver-


dadeiro centro de poder e, de outro, pela existência de inúmeros cen-
tros de poder continuamente em luta entre si e o poder central, ou seja,
pela prevalência dos interesses particulares, setoriais e grupais sobre o
interesse geral, das tendências centrífugas sobre as centrípetas, pela
fragmentação do corpo social em vez de sua benéfica desarticulação.105

A esse respeito, pode-se dizer que a íntima conexão entre a suprema racionali-
zação do poder soberano e a positividade106 formal do Direito conduz à coesa e predo-
minante doutrina do monismo107. Tal concepção atribui ao Estado Moderno o monopó-

104 Ibidem, 2001, p. 77.


105 BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. Tradução de João Ferreira, 4.ed..
Brasília: UnB, 1999, p. 30.
106 As teorias positivistas não estão a salvo de contestações na literatura da doutrina clássica; devo
mencionar, aqui, dois outros grupos de teorias geralmente tidas como suas rivais. A primeira costuma ser
chamada de escola do direito natural, ainda que as várias teorias agrupadas sob tal designação sejam
muito diferentes entre si, e que o nome não se ajuste a nenhuma delas. Se as tratarmos como teorias
semânticas, elas têm isto em comum: sustentam que os juristas seguem critérios que não são inteira-
mente factuais, mas, pelo menos até certo ponto, morais, para decidirem que proposições jurídicas são
verdadeiras. A mais radical dessas teorias ressalta que o direito e a justiça são idênticos, de tal modo
que nenhuma proposição jurídica injusta pode ser verdadeira. Essa teoria radical é bastante implausível
enquanto teoria semântica, pois os advogados frequentemente falam de maneira que a contradiz. Os es-
tudantes aprendem que o segundo rival do positivismo é a escola do realismo jurídico. As teorias realistas
foram desenvolvidas no início deste século, sobretudo nas escolas de direito norte-americanas, embora o
movimento tivesse ramificações em outros lugares. (...) Alguns realistas exprimiram essas ideias em uma
linguagem profundamente cética. Afirmaram que o direito não existe, ou que resulta apenas daquilo que o
juiz tomou em seu café da manhã. Queriam dizer que não existe nada que se possa chamar de direito, a
não ser esses diferentes tipos de previsões. Contudo, mesmo assim compreendido, o realismo permane-
ce extremamente implausível enquanto teoria semântica. Pois raramente é contraditório - na verdade, é
até comum - que os advogados prevejam que os juízes cometerão um erro a propósito do direito, ou que
os juízes manifestem seu ponto de vista sobre o direito para acrescentar, em seguida, que esperam que
ele venha a ser modificado (DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, 1999, p. 44-45).
107 A pretensão de monopolizar um bem predominante – quando tem finalidades públicas – constitui
uma ideologia. Sua forma comum é vincular a posse legítima a algum conjunto de qualidades pessoais
por meio de um princípio filosófico. Assim, a aristocracia, ou governo dos melhores, é o princípio dos
que reivindicam direito de linhagem e inteligência: são, em geral, os monopolistas de latifúndios e de re-
nome familiar. A supremacia divina é o princípio daqueles que afirmam conhecer a palavra de Deus: são
os monopolistas da graça e do ofício. A meritocracia, ou carreira aberta a talentos, é princípio dos que
se declaram talentosos: são, com mais frequência, os monopolistas da educação. O livre intercâmbio é
o princípio dos que estão dispostos, ou nos dizem que estão dispostos, a por seu capital em risco: são
os monopolistas dos valores mobiliários. Esses grupos – e outros também definidos por seus princípios
ou posses – concorrem uns contra os outros, lutando pela supremacia. Um grupo vence, depois outro
grupo; ou organizam-se coalizões e se divide, com desconforto, a supremacia. Não há vitória final, nem
deveria haver. Mas isso não quer dizer que as reivindicações de cada grupo estejam obrigatoriamente
erradas, nem que os princípios aos quais apelam não tenham valor como critérios de distribuição; os
princípios quase sempre estão corretos, dentro dos limites de determinada esfera. As ideologias se
corrompem rapidamente, mas sua corrupção não é o que tem de mais interessante (WALZER, Michael.
Esferas da justiça: uma defesa do pluralismo e da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 13).

52 Dhieimy Quelem Waltrich


lio exclusivo da produção das normas108 jurídicas, ou seja, o Estado é o único agente
legitimado capaz de criar a legalidade para enquadrar as formas de relações sociais
que se vão impondo. Essa informação indica que, na dinâmica histórica, o “princípio
da estatalidade do Direito desenvolveu-se concomitantemente com a doutrina política
da soberania, que foi elevada à condição de característica essencial do Estado”.109
Assim, pois, a existência do pluralismo, chamado de pré-moderno, remon-
ta à sociedade civilizada, quando já se percebiam sinais da influência de vários
atores na elaboração e aplicação da lei, especialmente na Europa, onde em tor-
no do ano 1000 verifica-se uma grande proliferação de povos, línguas, crenças,
costumes e, consequentemente, regras110 de Direito.111
Com o avanço das relações negociais e o aprimoramento das técnicas de
comércio, as trocas deram origem às rotas marítimas e terrestres, com o apare-
cimento de constantes guerras e batalhas que ocasionaram a transformação dos
costumes e, principalmente, dos atores envolvidos nas trocas, não sendo raras

108 Todo o cidadão, cuja ideia política alinha-se as suas decisões, passa por estágios procedi-
mentais, tais estágios têm estreita ligação com a teoria de justiça, que se funde com o seu lugar
na sociedade, e a partir daí julga suas pretensões, em relação ao sistema social. De forma que
não é possível assegurar que as regras seguidas serão de acordo com a legislação justa, sendo
que o esquema da perfeita justiça processual é inatingível. É sabido também, que as normas são
feitas com o objetivo de serem seguidas pela forma justa, tendendo a se alinhar aos princípios
da justiça, do que, propriamente, a utilidade. A melhor Constituição é aquela em que quando de
sua elaboração os critérios de resultados desejados já são vistos e o estágio legislativo vem a
lhe dar sustentação, valendo-se dos ajustes sociais e efetivos. Logo, a discussão se a Consti-
tuição é justa ou não está comumente ligada à divergência de opiniões. Neste contexto, Rawl
traça uma divisão de trabalho para a convenção constitucional, sendo que a primeira divisão
abrange o preenchimento dos requisitos formais, que basicamente se resumem às liberdades
fundamentais da pessoa, a liberdade de consciência e de pensamento e que o processo político
seja um processo justo, haja vista o status que a Constituição passa de equitativa igualdade de
oportunidade, sujeita, portanto, à manutenção das liberdades. A segunda parte traça o paralelo
hierárquico presente nas formas organizacionais, para que se fixem os padrões da cooperação
social, haja vista que o primeiro princípio de justiça se reflete na convenção constitucional le-
gislativa. A última fase do estágio se verifica quando da aplicabilidade das regras pelos juízes e
administradores, bem como pelo cumprimento pelos cidadãos. Patamar em que todos possuem
acesso a todos os fatos. Nesta etapa, cada aplicador possui a propensão a valer-se de todos os
conhecimentos disponíveis, aplicando-os ou não, dando, portanto, surgimento à teoria do cum-
primento parcial e a teoria ideal. (RAWL, John. Uma teoria da Justiça. Trad. De Vamireh Chacon.
Brasília. Editora Universidade de Brasília, 1981).
109 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no
Direito, 2001, p. 46.
110 As teorias semânticas pressupõem que os advogados e juízes usam basicamente os mesmos
critérios (embora estes sejam ocultos e passem despercebidos) para decidir quando as proposições
jurídicas são falsas ou verdadeiras; elas pressupõem que os advogados realmente estejam de acordo
quanto aos fundamentos do direito. Essas teorias divergem sobre quais critérios os advogados de fato
compartilham e sobre os fundamentos que esses critérios na verdade estipulam. (...). Essas teorias
positivistas, como são chamadas, sustentam o ponto de vista do direito como simples questão de fato,
aquele segundo o qual a verdadeira divergência sobre a natureza do direito deve ser uma divergência
empírica sobre a história das instituições jurídicas. As teorias positivistas, contudo, diferem entre si so-
bre quais fatos históricos são cruciais, e duas versões têm sido particularmente importantes na doutrina
britânica (DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, 1999, p. 41).
111 SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 78.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
53
as vezes nas quais os invasores impunham aos povos rendidos os seus usos e
costumes como forma de dominação e poder”.112
Diante do fim dos conflitos e a volta da segurança (ainda que passageira),
com o crescimento urbano e o incremento do comércio, aumentaram as exigên-
cias de uma regulamentação própria que veio, então, juntar-se aos sistemas
jurídicos já existentes e nascidos na esteira da pluralidade de culturas, que de
alguma forma os havia influenciado. 113
Nesse processo histórico de mudanças nas condições de vida marcado pela
insatisfação de necessidades e pela eclosão resultante de conflitos, interpõe-se a rei-
vindicação de “vontades coletivas” em defesa dos direitos adquiridos e pela criação
ininterrupta de “novos direitos”. Com efeito, as múltiplas manifestações da cidada-
nia individual e coletiva estão direcionadas objetivando conquistar e legitimar direitos
que a própria comunidade se outorga, independentemente da produção e distribuição
legal, institucionalizada pelos canais oficiais do aparelho estatal. A demanda e a im-
plementação desses “novos” direitos ainda não contemplados – ou, quando reconhe-
cidos, só formalmente, em nível de normas programáticas sem efetividade prática
– pela legislação e pelos códigos positivos, na maioria das vezes só são conseguidos
ou assegurados através de um processo de lutas comunitárias e conflitos coletivos.114
Há que se compreender que a reinvenção permanente de “novos direi-
tos” , que assumem dimensão individual, política e social, está diretamente re-
115

lacionada com o grau de eficácia de uma resposta à situação ou condição de


privação, negação ou ausência de “necessidades” fundamentais, “necessida-
des” configuradas como bens que servem para a satisfação e realização da vida
humana. O lastro de abrangência desses direitos está sedimentado em novos
critérios de legitimação e de eficácia social, tendo sua razão de ser na ação
dos sujeitos coletivos que, conscientes e mobilizados num espaço cotidiano de
conflituosidade, reivindicam, através de formas múltiplas de pressão e lutas, a
satisfação de suas necessidades humanas fundamentais.116
Reconhece-se que as condições do atual estágio da ordem político-eco-
nômica mundial – caracterizada por um capitalismo monopolista globalizado, por
contradições sociais e crises específicas de legitimidade inerentes à sociedade

112 Ibidem.
113 Ibidem.
114 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no
Direito, 2001, p. 91.
115 A luta por esses “novos” direitos por parte dos setores comunitários intermediários represen-
tados, sobretudo, pelos movimentos sociais organizados, efetiva-se em duas fases:
a) A exigência para tornar eficazes os direitos já alcançados e proclamados formalmente pela
legislação oficial estatal;
b) A reivindicação e o reconhecimento dos direitos que emergem de novas necessidades que a
própria população cria e se autoatribui. Na verdade, toda a causalidade da interação coletiva de edifi-
cação desses “novos” direitos comunitários deve-se à ineficácia de uma legislação estatal importada
da Metrópole colonizadora e inteiramente desvinculada dos reais interesses dos segmentos majori-
tários de nossa sociedade. Consequentemente, vive-se um “processo de construção coletiva de uma
nova cidadania”, pressuposto básico para implementar uma nova legitimidade de poder. (WOLKMER,
Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito, 2001, p. 92-93).
116 Ibidem, p. 92.

54 Dhieimy Quelem Waltrich


burguesa, pelo exaurimento do modelo clássico liberal da tripartição dos poderes
e pela descrença nos mecanismos tradicionais de representação política – têm
afetado profundamente o Poder Judiciário.117 Desta maneira, a administração
da justiça reproduz a crise vivenciada pelo modelo clássico de Estado-Nação e
pela estrutura sociocultural da sociedade de massa frente aos novos desafios
trazidos pela globalização. Na realidade, o alcance dessa crise de identidade do
Judiciário

condiz com as próprias contradições da cultura jurídica nacional,


construída sobre uma racionalidade técnico-dogmática e calcada em
procedimentos lógico formais, e que, na retórica de sua “neutralida-
de”, é incapaz de acompanhar o ritmo das transformações sociais e
a especificidade cotidiana dos novos conflitos coletivos. Trata-se de
uma instância de decisão não só submissa e dependente da estrutura
de poder dominante, como, sobretudo, de um órgão burocrático do
Estado, desatualizado e inerte, de perfil fortemente conservador e de
pouca eficácia na solução rápida e global de questões emergências
vinculadas, quer às reivindicações dos múltiplos movimentos sociais,
quer aos interesses das maiorias carentes de justiça e da população
privada de seus direitos.118

Logo, é possível conceber que a crise vivenciada pela justiça Oficial, re-
fletida na sua inoperacionalidade, lentidão, ritualização burocrática, comprome-
timento com os “donos do poder” e a falta de meios materiais e humanos, não
deixa de ser sintoma indiscutível de um fenômeno mais abrangente, que é a pró-
pria falência da ordem jurídica estatal. O que importa é ter consciência de que “a
grande questão (...) é aquilo que muitos parecem não ver: o estar formado numa
cultura jurídica incapaz de entender a sociedade e seus conflitos e a má vontade
em discutir a democratização efetiva deste ramo do Estado”. 119
Entretanto, enfatizar a proposição de que o Judiciário como locus de ne-
gociação está defasado no Brasil contemporâneo não implica sua rejeição como
instância futura de absorção dos conflitos coletivos,

desde que descentralizada e controlada democraticamente pelo poder


da sociedade civil e de seus corpos comunitários intermediários. [...]
Disso resulta, para nossa situação periférica, a urgência de uma sólida
transformação em toda a instância estatal de jurisdição, de tal modo
que esta venha a se constituir, sob a participação e o controle do poder
comunitário, num espaço privilegiado de funcionamento, favorável e
não contrário às reivindicações da imensa maioria da população ex-
cluída e injustiçada. 120

117 Ibidem, p. 98.


118 Ibidem, p. 99.
119 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no
Direito, 2001, p. 100.
120 Ibidem, p. 103-104.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
55
A par dessas considerações sobre a prioridade de uma consubstancial,
descentralizada e democrática mudança no aparelho tradicional de jurisdição
do Estado, impõe-se, mais do que nunca, desenvolver procedimentos efetivos
de acesso e controle da população à administração da justiça, incrementando
a luta não só para que os órgãos clássicos de jurisdição (juízes, tribunais, etc.)
reconheçam e saibam aplicar formas flexíveis ou alternativas de Direito; mas
também, que haja uma aceitação cada vez maior, por parte dos canais institu-
cionalizados do Estado, das práticas de negociação e de resolução dos confli-
tos, mediante mecanismos não-oficiais, paralegais, informais etc,121 desde que
sejam lícitos e que respeitem as regras constitucionais e infraconstitucionais. É
sobre este tema que versao próximo capítulo.

121 Ibidem, p. 106.

56 Dhieimy Quelem Waltrich


2 MEIOS ALTERNATIVOS DE
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
Para o tratamento dos conflitos, o Estado estabeleceu-se tradicionalmente
de maneira hierarquizada e como um sistema responsável pela pacificação so-
cial, mediante a imposição de seu sistema judiciário e normativo. Essa estrutura
representa o modelo clássico de organização dos sistemas judiciários de regu-
lação dos conflitos, que atualmente, devido aos tempos de crise, vem perdendo
espaço para os instrumentos consensuais extra e intrajudiciários.122
Nesse sentido, a finalidade da presente obra é investigar quais os meios
de resolução de conflitos que, convertidos em práticas comunicativas123, podem
colaborar para a promoção da emancipação e coesão sociais, da autonomia e
do empoderamento individual e coletivo; para tanto, inicia-se a discussão sobre
a duplicidade de sentidos em que o “conflito” pode ser visto.

2.1 O CONFLITO VISTO ATRAVÉS DE SUAS DUAS FACETAS:


DESTRUIDOR X CONSTRUTIVO

É sabido que, desde que o ser humano surgiu na Terra, ele se organizou
em sociedades imperfeitas e insuficientes que, de qualquer forma, garantiram a
sobrevivência dessa espécie tão frágil. Não sendo os mais fortes, os humanos
provaram ser os mais inteligentes dos animais (por mais que as vezes se esfor-
cem por negar tal atributo). A inteligência nos tornou seres inquietos, rebeldes,
curiosos, permanentemente insatisfeitos. O homem é o bicho que mais se adap-
ta e, ao mesmo tempo, que mais ousa! “Ser homem é ser descontente”, afirmou
Fernando Pessoa, poeta, pesquisador dos caminhos misteriosos da alma.124

122 SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 14-15.
123 Na teoria da ação comunicativa, a sociedade está articulada em dois níveis: os paradigmas
do mundo da vida e o sistema. O “mundo da vida” é onde os atores sociais atuam e que pode ser
diferenciado como: um mundo objetivo, enquanto conjunto de entidades sobre as quais se produ-
zem enunciados verdadeiros; já o mundo social é tido como um conjunto de relações interpessoais
legitimamente reguladas. Desta forma, nesse mundo de vida compartilhado, os sujeitos possuem
a capacidade da linguagem e ação, e devem, portanto, “se relacionar com algo” no mundo objetivo
quando quiserem se entender entre si “sobre algo”, nas relações práticas. Essa possibilidade de se
relacionar, com si e com outros, é um pressuposto pragmático. Desse modo, os pressupostos de
uma ação comunicativa, enquanto condições de acesso ao mundo da vida e, como meio de forma-
ção do consenso, é a necessidade dos participantes de terem mútua capacidade de responder e
de se responsabilizarem por seus atos, estarem dispostos mutuamente ao entendimento e “atuar
sobre um consenso, ou seja, buscando um acordo. (HABERMAS, Jürgen. Teoria de laAccion Co-
municativa: complementos y estúdios prévios Madrid: Taurus, 2001, p. 144).
124 MARX, Karl, Engels, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Cortez, 1998, p. 11.

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
57
De outro lado, Marx e Engels,125 ao analisarem a progressão histórica da
economia mundial,126 reproduziram os conflitos sociais127 que se desenvolveram
na história entre burguesia e proletariado. Um fator interessante a ser enfrentado
é que a sociedade burguesa, ao ser considerada revolucionária naquele período,
pode ser considerada uma mera reprodução moderna das relações de poder
que perduram desde a antiguidade.
Esse aspecto revolucionário serviu para que essa classe pudesse ascen-
der ao poder sem modificar sua estrutura, mantendo a concentração do poder na
minoria elitizada. Desta forma, a revolução proletária128 surgiu em meio à explo-
ração enfrentada sob a égide dos produtores. Nesse meio, a classe trabalhadora
teve a destituição de sua dignidade, passando a perceber cada vez menos, e a
trabalhar cada vez mais.
Diante da necessidade de extinção dos métodos exploratórios é que nas-
ce a união e consciência dos trabalhadores, os quais formaram um grande movi-
mento que resultou na concorrência entre os próprios operários, causando a in-
cessante destruição do movimento, que se reergueu em seguida de forma mais
consistente.
De todos os ensinamentos trazidos por este clássico da história, a com-
preensão necessária está pautada no entendimento de que existem escritos de
mais de 150 anos, que se adaptam perfeitamente aos dias atuais. A desigualdade
produzida pelo homem é apontada da melhor maneira possível nas explorações
narradas. A influência da burguesia induzia os trabalhadores a acreditarem que
estariam ingressando na “Nova Jerusalém”, manipulando-os para a manutenção
das relações exatamente como elas existiam.
O proletariado, sob essa concepção, não estava relacionado a nenhum
movimento político e, portanto, não tinha caráter revolucionário. Era visto como

125 MARX, Karl, Engels, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Cortez, 1998.
126 O mundo europeu do meio do século passado era marcado, por um lado, pela consolidação
da Revolução Industrial, e, por outro pelo agravamento da crise do Antigo Regime, que tentava
restaurar velhas dinastias por meio da reação antiliberal. Isto se traduzia em poder da burguesia,
expansão imperialista dos mercados e fortalecimento da ideologia liberal-capitalista, baseada na
não intervenção do Estado na economia e na livre concorrência ao lado dos violentos estertores
do absolutismo, que resistia de todas as maneiras às revoluções liberais. (MARX, Karl, Engels,
Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Cortez, 1998, p. 14).
127 O Manifesto corta com a afiada faca da ironia três tipos de socialismo da época: “o socia-
lismo reacionário” (subdividido em socialismo feudal, socialismo pequeno-burguês e socialismo
alemão ou verdadeiro), “o socialismo conservador e burguês” e o “socialismo e comunismo críti-
co-utópico. (MARX, Karl, Engels, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Cortez,
1998, p. 26).
128 Admitir democraticamente que não constituíam o único grupo a defender o proletariado
não significou para os comunistas do Manifesto a negação de sua identidade. Aliás, o manual
revolucionário foi escrito exatamente para afirmá-la. E a identidade própria dos comunistas está,
por um lado, no internacionalismo, que parte do entendimento de que os interesses da classe
trabalhadora são os mesmos em todo o mundo, e por outro lado, na defesa dos interesses gerais
do proletariado, o que não deixa de ser, aliás, um tanto genérico. (MARX, Karl, Engels, Friedrich.
Manifesto do partido comunista. São Paulo: Cortez, 1998, p. 23).

58 Dhieimy Quelem Waltrich


a classe mais sofredora e que deveria ser incluída no plano de melhora social,
que era destinado a todas as classes, indistintamente. Por certo que atualmente
a concepção dada ao proletariado resta protegida pelas leis trabalhistas, e que
este cenário revolucionário foi indispensável para o seu desenvolvimento e sua
revolução.
Necessário este resgate histórico para compreendermos as principais mu-
danças ocorridas nos processos de transformação dos conflitos, bem como as
dimensões que o dividem, deixando claro, portanto, que a relação humana é o
coração da transformação do conflito.129
Ao analisarmos a faceta do conflito com seu caráter “destruidor”, é possí-
vel visualizarmos a existência de inúmeros fatores que impõem a persuasão e o
medo, afinal de contas,

o medo multiplica o sofrimento, impede que passemos criativamente


por ele, determina-nos, inconscientemente, a nos esconder. Os medos
criam mil formas de esconder-nos, de impedir-nos de passar pela vida,
de enfrentá-los, que é a única forma de vivê-la. Os covardes consti-
tuem como tais, não por terem medo, mas por usar o medo para es-
conder-se da vida, mas por evitar colocar seu mundo na vida.130

O medo é traiçoeiro e pode criar uma bravura ao redor de si; uma bravu-
ra indeterminada contra o mundo131 que é um simulacro de enfrentamento do
conflito. Uma bravura sem endereço: uma bravura que, unicamente, serve para

129 SALES, Lilia Maia de Morais. Transformação de conflitos, construção do consenso e a me-
diação- complexidade dos conflitos. In: SPENGLER, Fabiana Marion. SPENGLER, Theobaldo
Neto. Mediação enquanto política público. (recurso eletrônico): a teoria, a prática e o projeto de
lei. 1 ed. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2000, p. 88).
130 WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: ofício do mediador. Coordenadores: Orides
Mezzaroba, Arno Dal Ri Júnior, Aires José Rover, Cláudia Servilha Monteiro. Florianópolis: Fun-
dação Boiteux, 2004, p. 23.
131 Os problemas da sociologia reduzem-se a um fato tão acessível à nossa experiência ingê-
nua, como os fatos naturais do nosso mundo. Este é o fenômeno sociedade que, advertindo-nos
tão seguida e intensivamente, por fundadas razões também pode ser descrito como um fato
“irritante”. A mera probabilidade ocasional dificilmente poderá explicar nosso comportamento em
relação aos outros e a nós mesmos. Obedecemos leis, votamos em eleições, casamos, frequen-
tamos escolas e universidades, temos uma profissão e somos membros de uma igreja. Cuida-
mos de nossos filhos, tiramos o chapéu ante nossos superiores, damos preferência aos mais
velhos, falamos com diversas pessoas em diversas línguas, sentimo-nos aqui em casa, acolá
forasteiros. Não conseguimos andar um passo, não conseguimos proferir uma sentença, sem
que entre nós e o mundo se interponha um terceiro que nos vincula ao mundo e que relaciona as
duas abstrações tão concretas: a sociedade. E existe uma explicação para o tardio surgimento
da consciência da sociedade, esta só pode ser procurada na onipresença de seu objeto, que
está inserido em sua própria descrição e análise. O objeto da sociologia gira em torno do homem
confrontado com o “fato irritante da sociedade”. O homem, todo o homem, defronta-se com
este fato; é este fato que, mesmo imaginável independe de determinados indivíduos, torna-se
mera ficção sem a participação de determinados indivíduos. No espaço em que se entrecortam
homem e sociedade, é que se devem procurar os elementos de uma ciência que tem por objetivo
o homem em sociedade. (DAHRENDORF, Ralf. Homo sociologicus: ensaio sobre a história, o
significado e a crítica da categoria social. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991, p. 39-40).

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
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nos escondermos do mundo que nos tocou enfrentar para sermos os mesmos,
caminharmos em busca de nossos sonhos. Em virtude de tais considerações,
devemos ter cuidado com a coragem, afinal, ela pode ser uma teia protetora,
uma gordura que nos afasta do mundo: uma coragem simulada que pode per-
petuar um exílio no mundo, das próprias raízes, um peso que anula nossas
asas. O medo anula toda a possibilidade de criatividade, toda a possibilidade
de aprendizado.132
Nossa mente cria medos, ódios, ciúmes. Temos que impedir que esses
sentimentos que nos fazem sofrer criem conflitos já que

a nossa relação com os outros é constitutiva de nossa personalidade.


A existência humana do homem não é estar no mundo, mas sim estar
com os outros. O homem é essencialmente um ser de relação. Só existo
em relação com outrem. Todavia, a maior parte das vezes, experimento
inicialmente o meu encontro com o outro como uma adversidade, como
um confronto. A vinda do outro a minha casa é um transtorno. O outro é
invasor da minha área de tranquilidade; ele arranca o meu repouso. O
outro, pela sua existência, surge no espaço de que já havia me apropria-
do como uma ameaça para a minha existência. O outro é aquele cujos
desejos se opõem aos meus, cujos projetos contrariam os meus, cuja
liberdade ameaça a minha, cujos direitos usurpam os meus.133

Diante de tais posições, a aproximação do outro é perigosa, pelo menos


pode sê-lo. O outro não me quer forçosamente mal; talvez até me queira bem,
mas não o sei. É por isso que o outro, o desconhecido, faz pesar uma incerteza
sobre o meu futuro e me instala na insegurança. O outro inquieta-me e faz-me
medo. De qualquer forma, mesmo que não esteja imbuído de más intenções, o
outro transforma-me. Provavelmente vai ser um estorvo. Será preciso arranjar-
lhe um lugar, ceder-lhe o meu, e talvez mais do que isso. Inicialmente, sinto a
proximidade do outro como uma promiscuidade. Talvez o outro não me venha a
ameaçar, talvez queira simplesmente pedir ajuda? Mas esse pedido continua a
ser uma ameaça, continua a ser um transtorno. O meu medo do outro redobra
quando não é meu semelhante, quando não fala a mesma língua, quando não
tem a mesma cor, quando exibe sua fé num Deus que não é o meu. Esse, mais
do que qualquer outro, transtorna-me. Porque não ficou na casa dele?134
Todas estas inquietações são abordadas por Jean-Marie, que destaca em
seus estudos a teoria desenvolvida por René Girard135. Tal teoria esclarece a

132 WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: ofício do mediador. Coordenadores: Orides
Mezzaroba, Arno Dal Ri Júnior, Aires José Rover, Cláudia Servilha Monteiro. Florianópolis: Fun-
dação Boiteux, 2004, p. 23.
133 MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 16.
134 MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 16-17.
135 MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995. Apud René Girard. Des caché es depuis La
fondation du monde, investigações conjuntas com J.D. Oughourlian e Guy Lefort, Paris, Grasset,
1983, p. 15-16.

60 Dhieimy Quelem Waltrich


maneira como os homens rivalizam entre si e criam posições conflituosas.

“Não há nada, ou quase nada, nos comportamentos humanos que não


seja aprendido, e toda a aprendizagem se limita à imitação”. Por con-
seguinte, ele vai tentar elaborar uma ciência do homem “determinando
as modalidades propriamente humanas dos comportamentos mimé-
ticos”. Ao contrário daqueles que vêem na imitação um processo de
harmonia social, René Girard pretende mostrar que ela é essencial-
mente um princípio de oposição e de adversalidade, de rivalidade e de
conflito. Com efeito, o que está em jogo nos comportamentos mimé-
ticos dos homens é a apropriação de um objeto que, pelo fato de ser
cobiçado por vários membros do grupo, se torna causa de rivalidade e
de conflito.136

“Se um indivíduo vê um dos seus congêneres estender a mão para


um objeto, é logo tentado a imitar seu gesto”. Segundo René Girard, é essa
rivalidade mimética, cujo objetivo é a apropriação de um mesmo objeto, que
está na origem dos conflitos entre os indivíduos. E o conflito é o confronto da
minha vontade com a do outro, cada um querendo fazer ceder a resistência
do outro.137
O indivíduo inveja o outro que goza da posse de um objeto que ele
próprio não possui. Assim, o sentimento de ciúme, que faz invejar o objeto
possuído pelo outro, é uma das molas mais poderosas dos conflitos que
opõem os indivíduos entre si. O poder sobre os objetos cria um poder so-
bre os outros. O desejo de posse e o desejo de poder estão profundamen-
te ligados um ao outro. Ao mesmo tempo em que os indivíduos rivalizam
entre si pela apropriação dos objetos, lutam entre si pela afirmação do seu
poder. 138
O poder é discurso, palavra inaugural, enunciado que se pretende “perfor-
mativo”, criador de um mundo. Ele surge como discurso da ideologia.

Mas essa ideologia, que instaura entre os seres humanos relações


imaginárias, não teria nenhuma chance de perdurar caso não viesse,
ao mesmo tempo, acompanhada da ciência, do saber racional. Quem
diz poder dizer a capacidade de proferir o saber ou, pelo menos, de
se apropriar diretamente do saber dos outros e ter o direito exclusivo
de enunciá-lo. O mestre fala e os outros trabalham. Nada podemos
entender a respeito do poder, se não vislumbramos como técnica de
sujeição através, unicamente, da palavra (o aparelho repressivo só en-
tra em jogo quando a palavra começa a falhar).139

136 Ibidem.
137 Ibidem.
138 MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 17-18.
139 ENRIQUEZ, EUGENÈ. As figuras do poder. Tradução de Nina Melo. São Paulo: Via Lettera
Editora e Livraria, 2007, p. 68.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
61
Diante do surgimento de novos atores sociais e o consequente surgimen-
to de novos discursos, com a tomada de palavreado de difícil compreensão,
somente aos mestres restará o direito de falar. Em suma, isso irá se tornar um
elemento de controle140 sobre os outros? Muito tem a ser discorrido acerca de
tal temática, restringindo seu campo de atuação aos limites da sujeição, ou seja,
dos declarados “dominados”.
Não basta dizer que o saber está junto do poder, a fim de que se possa
entender por quais motivos a ciência da “ótima comunicação”, sujeita a um con-
trole rigoroso e sem ambiguidades, sempre se manifesta através da sujeição. É
porque o saber não nasce feliz. Ele sempre representa uma tentativa de dominar
a natureza, a vida141. Ele se apresenta como um contínuo martelar, como infor-
mação. Jamais aceita as coisas tais como são. Quer torná-las inteligíveis (não
sensíveis) para poder dominá-las142, de forma que é possível afirmar que existe
sim um elo orgânico entre a propriedade e o poder

já que o jogo dos conflitos que opõem os homens é frequentemen-


te um jogo de poder. É verdade que cada pessoa precisa possuir
objetos suficientes para satisfazer as suas necessidades vitais –
alimentação, alojamento, vestuário, da mesma forma que necessita
de poder suficiente para fazer respeitar os seus direitos. Mas se
os desejos de posse e de poder são legítimos na medida em que
permitem ao indivíduo tornar-se autônomo em relação aos outros,
tanto um como o outro tem uma tendência natural para exigirem e
desenvolverem-se cada vez mais.143

140 Os conflitos daí resultantes são sutis em alguns lugares e ostensivos em outros, mas são
quase que onipresentes. Pode ter parecido estranho para observadores distantes, quando o
prefeito eleito da parte flamenga da Bélgica foi deposto pelo governo porque falava somente
francês, mas não é engraçado. Os suíços tiveram afinal que aceitar a separação de um cantão
do Jura do velho cantão de Berna. Na Califórnia, um referendo correu em favor do inglês como
única língua oficial, mas é óbvio que muitos californianos continuaram a falar espanhol e que,
provavelmente, esses últimos irão vencer numa outra oportunidade. A guerra civil irlandesa tem
uma longa história, mas evoluiu para o pior nos anos recentes, o que faz com que a perspectiva
de uma divisão do poder seja muito improvável. (DAHRENDORF, Ralf. O conflito social moderno:
um ensaio sobre a política da liberdade. Tradução: Renato de Aguiar e Marco Antonio Esteves da
Rocha. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed. São Paulo: Edusp, 1992, p. 164).
141 Refletir sobre as formas da vida humana e analisá-las cientificamente é seguir rota
oposta a do seu verdadeiro desenvolvimento histórico. Começa-se depois do fato consuma-
do, quando estão concluídos os resultados do processo de desenvolvimento. As formas que
convertem os produtos do trabalho em mercadorias, constituindo pressupostos da circula-
ção das mercadorias, já possuem a consistência de formas naturais da vida social, antes de
os homens se empenharem em aprender, não o caráter histórico dessas formas, que eles,
ao contrário, consideram imutáveis, mas o seu significado. (MARX, Karl. O capital: crítica
da economia política. Tradução: Reginaldo Sant’Anna. 23ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006, p. 97).
142 ENRIQUEZ, EUGENÈ. As figuras do poder. Tradução de Nina Melo. São Paulo: Via Lettera
Editora e Livraria, 2007, p. 69.
143 MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 18.

62 Dhieimy Quelem Waltrich


O indivíduo não pode fugir a uma situação de conflito 144 sem renun-
ciar aos seus próprios direitos. Ele deve aceitá-la, pois é através do confli-
to que poderá ser reconhecido pelos outros. É verdade que o conflito pode
ser destruidor, mas também pode ser construtivo. A função do conflito é
estabelecer um contrato, um pacto entre os adversários que satisfaça os
respectivos direitos e chegar, assim, à construção de relações de equida-
de e de justiça entre os indivíduos no interior de uma mesma comunidade
e entre as diferentes comunidades. O conflito é, assim, um elemento es-
trutural de toda a relação com os outros e, por conseguinte, de toda a vida
social. 145
Por certo que os métodos alternativos de tratamento dos conflitos,
em especial a mediação 146, se propuseram a desmitificar a compreensão
do conflito com algo negativo, possibilitando sua percepção como algo
próprio das relações humanas. As contradições e as inquietações fruto
das diferenças entre as pessoas permitem o aprimoramento das rela-
ções. Tal como acontece nas transformações dos conflitos, as diferenças
apontadas funcionam como aliadas à construção de um vínculo mais
sólido.
Em última análise, o conflito não deve ser considerado como norma da
relação com o outro. O homem pode ser um lobo para o homem, mas vive en-

144 Os conflitos têm de ser vistos para serem reais. Não faz muito sentido imputar profun-
das clivagens às estruturas sociais e políticas se choques não acontecem dentro delas. Con-
sequentemente, está claro que nas sociedades contemporâneas da OCDE não há conflitos
de classe no sentido clássico do termo. A maioria dos observadores não consegue detectar
batalhas políticas entre grupos sociais que estejam divididos por barreiras generalizadas de
poder e de prerrogativas. Há sobras do velho conflito. A classe da maioria continua suas es-
caramuças por redistribuição. Em alguns lugares, a linguagem de conflito de classe ainda é
empregada, e se olhamos para a divisão Norte-Sul na Itália, ou a Sul-Norte na Grã-Bretanha,
podemos apreciar as razões. Mas, mesmo nesses países, a classe no velho sentido não é a
base predominante do conflito, e quaisquer que sejam as novas linhas de divisão e antago-
nismo que estejam emergindo, não conduzem a lutas organizadas entre novos ricos e novos
despossuídos. (DAHRENDORF, Ralf. O conflito social moderno: um ensaio sobre a política
da liberdade. Tradução: Renato de Aguiar e Marco Antonio Esteves da Rocha. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar. Ed. São Paulo: Edusp, 1992, p. 167).
145 MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico. Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 18.
146 Ora, quando se trata de um conflito, não devemos entendê-lo, pois não podemos. Muitas
coisas nele são ocultas, mas podemos senti-las. Se tentarmos entendê-las, não encontrare-
mos nada, corremos o risco de agravar o problema. Para mediar, como para viver, é preciso
sentir o sentimento. O mediador não pode se preocupar por intervir no conflito, transformá-lo.
Ele tem que intervir sobre o sentimento das pessoas, ajudá-las a sentir seus sentimentos,
renunciando à interpretação. Os conflitos nunca desaparecem, se transformam, isso porque
geralmente tentamos intervir sobre o conflito e não sobre o sentimento das pessoas. Por isso
é recomendável, na presença de um conflito pessoal, intervir sobre si mesmo, transformar-se
internamente, então, o conflito se dissolverá (se todas as partes comprometidas fizeram a
mesma coisa). WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: ofício do mediador. Coordena-
dores: Orides Mezzaroba, Arno Dal Ri Júnior, Aires José Rover, Cláudia Servilha Monteiro.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 26).

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tão como um lobo e não como um homem147. A humanidade do homem não se
cumpre fora do conflito, mas sim para lá do conflito. O conflito está na natureza
dos homens, mas quando esta ainda não será transformada pela marca do hu-
mano. O conflito é o primeiro, mas não deve ter a última palavra. Não é o modo
primordial, mas o mais primário da relação com o outro. Ele é criado para ser
ultrapassado. O homem deve esforçar-se por estabelecer com o outro homem
uma relação pacífica148, destituída de qualquer ameaça e medo. Face àquele
que o enfrenta, o homem não deve estabelecer uma relação de hostilidade, em
que cada um é inimigo do outro, mas deve querer estabelecer com ele uma re-
lação de hospitalidade, na qual cada um é hóspede do outro.149 A hospitalidade
exige mais do que justiça;

a justiça por si só, isto o é, simples respeito pelos direitos de cada um,
não basta para criar uma relação de homem para homem. Ela mantém
ainda os próximos separados um do outro. Fazer-se respeitar é ain-

147 A ciência social até o momento nos apresentou dois tipos novos de homens, altamente
problemáticos, que, na realidade, de nossa experiência diária, dificilmente podem ser encontrados.
Um é o muito discutido “homo oeconomicus” da moderna ciência econômica: o consumidor, que
antes de qualquer compra, decide cuidadosamente sobre utilidade e custo, comparando cen-
tenas de preços antes de tomar uma decisão; o empresário que reúne mentalmente todos os
mercados e bolsas de valores, orientando todas as tomadas de decisão a partir deste conheci-
mento; o homem bem informado, completamente racionalizado. Para a nossa experiência ingê-
nua, trata-se de uma criatura singular. Mesmo assim trata-se de uma criatura singular. [...] muito
mais ameaçador é o paradoxo das nossas relações com o segundo homem da ciência social.
O “psychologicalman”, é aquele homem que, mesmo fazendo sempre o bem, possivelmente
sempre queira o mal, o homem dos motivos sub-reptícios, que não se torna mais conhecido pelo
fato de termos aformoseado em sua espécie de divertimento social. Por isso, em nenhum caso
a necessidade se apresenta tão nítida de, se não reconciliar, pelo menos tornar compreensível
e viável o dilema da duplicidade do mundo. (DAHRENDORF, Ralf. Homo sociologicus: ensaio
sobre a história, o significado e a crítica da categoria social. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1991, p, 37-38).
148 O maior dos problemas enfrentados pelo direito na sociedade contemporânea decorre da
ausência de um conjunto de valores válidos como padrão de comportamento em todas as esfe-
ras da vida social. Desta ausência decorre a exigência do surgimento de uma sociedade pluralis-
ta caracterizada por diversas visões de mundo, retirando a possibilidade de uma fundamentação
inquestionável do direito, trazendo, como consequência, de um lado, o problema de sua redução
à mera facticidade da imposição coercitiva e, de outro, da pretensão de legitimidade que agora
não pode mais estar fundada em pressupostos legitimadores dados. Interessante o resgate feito
pelo autor no que tange à autocomposição dos conflitos, a partir de procedimentos com poten-
cialidade normativa universal. Tais observações contribuem com a pretensão consensualista do
modelo habermasiano, que impõe ao horizonte dos agentes comunicativos. No que tange à in-
dicação de um racionalismo idealista incompatível com a complexidade da sociedade, caso con-
cebido o consenso como um ideal regulativo, discordo da opinião exarada pelo autor, haja vista
que é possível sim uma releitura do modelo habermasiano à luz de sua teoria, na hipótese em
que o conceito de “mundo da vida” seja considerado uma esfera social na qual a comunicação é
reproduzida por meio da linguagem natural cotidiana e não a partir da especialização que pauta
a linguagem dos sistemas funcionais. (NEVES, Marcelo. Entre Têmis e o Leviatã: uma relação
difícil: o Estado democrático de direito a partir e além de Luhmann e Habermas. E ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2008).
149 MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico. Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 19.

64 Dhieimy Quelem Waltrich


da fazer-se recear. Para formar uma comunidade humana, os homens
são chamados a manter entre si relações de reciprocidade baseadas
na partilha e na dádiva. Digamo-lo já, antecipadamente, o lugar da
hospitalidade é o lugar da bondade.150

Na realidade, qualquer situação política é conflituosa, quanto mais não


seja de forma potencial. A coexistência entre os homens e os povos deve tornar-
se pacífica, mas permanecerá sempre conflituosa. A paz não é, nem pode ser,
sem nunca será a ausência de conflitos, mas o domínio151, a gestão e a resolu-
ção dos conflitos por meios diferentes da violência destruidora e mortífera.152

2.2 Classificação dos meios de tratamento de conflitos

Desenvolvendo uma análise da sociedade a partir do período da história


moderna, o ser humano, para que pudesse ter uma relação de convivência mais
ordenada, encontrou uma forma organizativa, que é o Estado. Uma relação que
ajudou na segurança, mas com a condição de que o ser humano fizesse parte
do Estado como membro contribuinte. Como a sociedade evoluiu desde então,
permitiu-se a compreensão das mudanças e dos fenômenos de massa e seus
reflexos no Direito.153
Todavia, contemporaneamente existem grupos sociais que não aceitam a
instrumentalização da liberdade em troca da segurança; e criam suas próprias
regras de regulação social. Neste contexto, o direcionamento da pesquisa deixa
de dar atenção às ações reformistas e altamente formalizadas que operam com
a manutenção da ordem, encaminhando-se para a prática social cotidiana de

150 MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico. Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 20.
151 A relação entre o mando e a obediência faz com que todo o domínio seja exercido por um
pequeno número, minoria que impõe, desta ou daquela maneira, seus pontos de vista à maioria.
Não existe governo de todos sobre todos, nem mesmo de maior número sobre o menor. O regime
democrático pode eventualmente facultar o revezamento graças às eleições ou a outras formas
de consulta à maioria, mas de fato é sempre uma minoria que decide e orienta segundo suas
diretrizes a atividade política geral do agrupamento. Disso resulta uma segunda consequência:
desde que o aparelho de domínio consiga assegurar sua continuidade, tende inevitavelmente a
cercar de segredo suas intenções e algumas de suas gestões e decisões. Aí está uma condição
indispensável de toda atividade coerentemente eficaz. A natureza e o número dos atos que os
governos dissimulam podem variar de um regime para o outro, ou ainda de um Estado para o
outro, mas não existe absolutamente domínio que não mantenha segredo em torno de alguns
pontos essenciais. (FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Tradução: Luiz Claudio e Castro
e Costa, revisão de Paulo Guimarães do Couto. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2003, p, 162).
152 MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico. Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 18-19.
153 BATISTA, Keila Rodrigues. Acesso à justiça: instrumentos viabilizadores. São Paulo: Letras
Jurídicas, 2010, p. 12.

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65
rupturas e mudanças, propiciando a construção das bases de um novo ajuste de
convivência, através de movimentos extrajudiciais que viabilizam a autocompo-
sição dos conflitos, e que será objeto desta abordagem.
A impossibilidade de tratamento adequado a todos os problemas que hoje de-
mandam acesso à Justiça e que visam a que essa justiça seja efetiva na consecução
dos propósitos prometidos, elucida um descompasso e um desajuste que acabam
por ocasionar uma perda de poder do Estado; consequentemente, traz desprestígio
e deslegitimação do próprio Poder Judiciário, como Poder Público Estatal.154
Efetivamente, a estrutura procedimental da justiça brasileira foi idealizada
para tratar conflitos individuais, e, ao que se percebe, estes não representam a
totalidade dos conflitos de interesses atualmente existentes. Portanto, é exata-
mente por ser marcado pelo individualismo que o sistema processual vigente
está capacitado – se tal fosse verdadeiro – para administrar apenas uma parte
dos conflitos de interesse na sociedade.155
Admite-se que atualmente estamos em um momento de desacomodação
interna, no qual há um aumento extenso e intenso de reivindicações de acesso à
Justiça, quantitativa e qualitativamente falando, em contraposição a instrumentos
jurisdicionais notoriamente insuficientes e ineficientes para atender e satisfazer
subjetiva e objetivamente o conjunto de demandas que lhe são apresentadas.156
Conforme já constatado, enfrentamos, atualmente, crescentes falhas na
direção de condutas que, desde o surgimento do Estado, sempre foram de sua
competência por exercício e imposição do direito. É aqui, pois, que se fala em cri-
se da Justiça e em suas prováveis causas, como também na busca de subsídios
para a obtenção de soluções factíveis que, pelo menos, possam amenizá-las.157
Essa “crise” parece ser não só do Poder Judiciário, mas do próprio ensino
jurídico que forma os trabalhadores, servidores e operadores do Direito. No Brasil,
o ensino jurídico é moldado pelo sistema do embate, que forma profissionais com-
bativos e treinados para a guerra, para a batalha, em torno de uma lide, onde duas
forças opostas lutam entre si e só pode haver um vencedor. Todo caso tem dois
lados polarizados, ou seja, quando um ganha, necessariamente o outro perde.158
É o que Bacellar resgata:

Durante muitos anos, afirmou-se que o objetivo do processo ou da


própria jurisdição é a justa composição da lide – aquela porção cir-
cunscrita do conflito que a demanda polarizada evidencia. Descabe
ao magistrado, na técnica processual, conhecer de qualquer fato, ar-
gumento, justificativa ou razão que não constituam objeto do pedido,

154 MORAIS, José Luis Bolzan. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alterna-
tiva à jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 105.
155 Ibidem, 105.
156 Ibidem, p. 106.
157 Ibidem, p. 106.
158 BACELLAR, Roberto Portugal. O Poder Judiciário e o paradigma da guerra na solução dos
conflitos. . In: RICHA, Morgana de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar; (Coord). GRINOVER, Ada
Pellegrini...[et.al.]. Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de
Janeiro: Forense, 2011, p. 32.

66 Dhieimy Quelem Waltrich


competindo-lhe apenas decidir a lide nos limites em que foi proposta.
Assim, continuamos a repetir: “O que não está nos autos do processo
não está no mundo!” 159

Pelo raciocínio proposto na presente obra, procura-se deixar para trás aquela
visão de que um sistema só é eficiente quando para cada conflito há uma intervenção
jurisdicional e passa-se a construção da ideia de que um sistema de tratamento de con-
flitos é eficiente quando conta com instituições e procedimentos que procuram prevenir
e resolver controvérsias a partir das necessidades e dos interesses das partes. Afinal,

[...] aquela visão de holofote, restrita aos limites do pedido, poderá não
enxergar os verdadeiros interesses. Muitas vezes, essa visão focada
não alcançará o postulado maior, princípio e finalidade do direito, do
processo e do próprio Poder Judiciário, que é a pacificação social. O
holofote, ao iluminar a lide processual, deixa de iluminar fatos, argu-
mentos, justificativas e razões que na perspectiva do jurisdicionado
representariam a verdadeira justiça (justa composição do conflito).160

Assim, a provocação dos tribunais, que se dá em nível inicial, passaria


a ter um caráter substituto. O sistema judicial só seria útil depois de tentados
outros métodos de tratamento, a não ser que a questão envolvesse direitos não
disponíveis, e quando a jurisdição fosse absolutamente necessária.
Na esteira da tomada de consciência da crise que assola a administração
da justiça, impõe-se uma revisão das posturas atuais, que apontam o instrumen-
talismo excessivo e a necessária readequação de seus quadros, já que

o momento pós-moderno é uma caracterização dos tempos atuais, de


transição entre os paradigmas dominantes em crise e a emergência de
novos paradigmas. Esta tensão entre a Modernidade dos problemas e
a pós-modernidade das possíveis soluções requer uma teoria que seja
capaz de reinventar a emancipação social fora dos limites da Moderni-
dade: a pós-modernidade de oposição. 161

Sabe-se que a processualística atual organiza-se em torno da heterocom-


posição, que enseja a resolução de disputas por meio de imposição de uma deci-
são de um terceiro a qual as partes encontram-se vinculadas – assim como ocorre
no processo judicial e na arbitragem, bem como a autocomposição. Métodos au-
tocompositivos, conforme bem exposto por Foley, podem ser entendidos como 162

159 Ibidem, p. 32.


160 Ibidem, p. 32.
161 [...] nesse sentido, a síntese presente na pós-modernidade de oposição considera neces-
sários o reconhecimento da pluralidade de ordens jurídicas e a repolitização do direito para a
renovação da tensão dialética entre regulação e emancipação, em equilíbrio que penda a favor
da emancipação, a fim de reinventar a dimensão utópica do direito. (FOLEY, Gláucia Falsarella.
Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 64).
162 FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 66.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
67
aqueles em que a resolução do conflito decorre da vontade dos pró-
prios envolvidos na situação, sem a intervenção vinculativa de um
terceiro, ou seja, sem a emanação de uma decisão unilateral. Essa
autocomposição pode ser impulsionada pela aplicação de técnicas de
negociação, conciliação e mediação. Como todos estes instrumentos
podem ser judiciais ou extrajudiciais, a primeira delimitação a ser fei-
ta em relação ao objeto da presente análise é a de que nem sempre
os meios aucompositivos de solução de conflitos correspondem aos
meios extrajudiciais – por vezes denominados “alternativos” – ao Sis-
tema Judiciário.163

Com base nessas informações, cumpre salientar que o critério de classi-


ficação que diferencia os meios autocompositivos de solução de conflitos entre
judiciais e extrajudiciais pode ser útil para análises que levem em consideração a
jurisdição como referência oficial, mas não em pesquisas que pretendam inves-
tigar os métodos passíveis de geração de emancipação.
Antes, porém, é mister traçar um panorama dos principais instrumentos de
resolução de disputas colocados à disposição dos cidadãos em conflito.

2.2.1 A jurisdição

É a Constituição da República a sede normativa em que os poderes do


Estado são tratados, sua independência e convivência harmônica assegurada,
bem como suas competências estabelecidas. Desde a primeira Constituição
do Brasil, reserva-se um capítulo próprio para o Poder Judiciário, encarregado
de administrar a justiça. Na Constituição da República Federativa do Brasil de
05/10/1988, o Poder Judiciário está contemplado no Título IV, Capítulo III, arts.
92 a 126.164
A esse respeito, a prestação jurisdicional é vista dentro do Estado liberal
de direito, que é caracterizado por sua função de garantidor dos direitos e liber-
dades fundamentais. Concretizou, desse modo, como um dos seus pilares a
ideia de lei como expressão da vontade geral, uma vez que esta se manifestava
pela participação de todos no processo de elaboração das leis, subordinando a
administração e seus atos à legalidade. Nesse contexto, evidencia-se equilíbrio
entre os poderes, valendo-se o princípio da legalidade.165
Todavia, não podemos esquecer que

estas características do Estado liberal de direito foram essenciais para

163 Ibidem, p. 65-66.


164 NALINI, José Renato. A rebelião da toga. Campinas: Millennium, 2008, p. 31.
165 MIGLIAVACCA, Luciano de Araújo et.al A crise na prestação jurisdicional. In: Revista Bra-
sileira de Direito. Faculdade Meridional – ano 1, n. 1 (jul./dez.2005). Passo Fundo: IMED, 2005
–, p. 203.

68 Dhieimy Quelem Waltrich


a formação da estrutura do Estado moderno, especialmente no que
compete à concretização da democracia, enquanto instituto que defen-
de a participação de todos os cidadãos na Administração do Estado e a
garantia dos direitos fundamentais, suas funções e formas de atuação
na sociedade. Nesse caso, tratar-se-á, particularmente, da estrutura
do Poder Judiciário, enfocando o acesso à justiça enquanto forma de
assegurar os direitos e garantias fundamentais e suas peculiares.166

O conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante,


correspondente a uma mudança no estudo e no ensino do processo civil. Nos
estados liberais “burgueses” dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos
adotados para a solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente
individualista. A proteção judicial significava essencialmente a possibilidade do
indivíduo agravado propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora
o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, este, logo, não precisava de
uma ação estatal para sua proteção. Eles eram, portanto, considerados ante-
riores ao Estado; e sua preservação exigia apenas que aquele não permitisse
que eles fossem infringidos por outros. Desta forma, permanecia passivo com
relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus
direitos e defendê-los adequadamente, na prática.167
Embora o acesso à justiça venha sendo crescentemente aceito como um
direito social básico nas modernas sociedades, o conceito “efetividade” é, por
si só, algo vago. A efetividade perfeita, no contexto de uma situação hipotética,
poderia ser expressa como a completa “igualdade de armas” – a garantia de que
a conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes an-
tagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao caso concreto e
que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos.168
Neste quadro ampliado de transformações, readequações e repercus-
sões, o sistema jurídico passa a privilegiar novas práticas de tratamento de con-
flitos, momento em que

a jurisdição formal é por excelência, palco da justiça da modernidade,


já que inspirada em princípios universais baseados em imperativos de
uma razão profundamente intrínseca a todos os seres humanos. Essa
é a justiça que codificada, aplica o mesmo procedimento a casos tão
diferentes com base em deduções racionais advindas da autoridade da
lei e dos precedentes169.

A Constituição de 1988 prestigiou a Justiça, mas de forma principiológi-


ca, propícia a reforçar o simbolismo, sem alterações pragmáticas. Reafirmou a
inafastabilidade do controle judicial, criou novos instrumentos, procedeu a uma
exaustiva enunciação dos direitos fundamentais. Tudo a pressupor um Judiciário

166 Ibidem, p. 204.


167 CAPELLETI, Mauro. Acesso à justiça. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 09.
168 CAPELLETI, Mauro. Acesso à justiça, 1988, p. 15.
169 FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 73.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
69
que pudesse concretizar tais declarações enfáticas.170
Nestas condições, é necessário que o Poder Judiciário incorpore fórmulas
que permitam a agilização dos procedimentos, bem como que estes sejam efi-
cazes a dar respostas suficientes e eficientes para a solução dos litígios que lhe
são apresentados. Porém, o que de fato acontece

é que o design da justiça perdura com alterações mí-


nimas. É praticamente impossível exigir-se um progresso
per saltum. Muitas gerações ainda reclamarão, entoarão
suas lamentações contra o sistema. Em vão. Não se vis-
lumbra qualquer possibilidade de maneira brusca. O lento
processo de renovação da comunidade mediante projeto
permanente e consequente de educação integral é que po-
derá trazer alguma esperança de alteração. Antes disso,
cumpre administrar aquilo que se dispõe.171

Na realidade, em nosso país, persiste uma certa acomodação, de forma que


haja a adoção de um novo design de justiça, o que talvez até possa ser conside-
rado compreensível, diante da imaturidade política que se vê instaurada. Sabe-se
também que é necessário o contínuo repensar e aperfeiçoamento das instituições,
desta forma, necessárias às discussões das propostas tendentes a reestruturar a
atual justiça, bem como os instrumentos viabilizadores de seu acesso, que cons-
tantemente se aperfeiçoam e ganham nova roupagem no cenário conflitivo.

2.2.2 A violência

Com o encolhimento das instituições, em razão da centralidade do mer-


cado, outros núcleos de poder e resolução dos conflitos surgem. Neste cenário
onde se vê instalado o pluralismo jurídico, as razões oscilam entre a prevalência
da regulação e/ou a emancipação.
Mesmo que se considerem os grandes avanços registrados no transcorrer
da história, tanto no aspecto social, como no político e jurídico, é inegável que
os rastros da violência são deixados como marcas prementes, e que cada dia
fazem um número incontável de vítimas.
Ainda que existam divergências entre as teorias psiquiátricas, psicoló-
gicas e sociológicas, quando da abordagem do agente causador da violência,
existe, sim, uma unanimidade no que tange aos possíveis efeitos da violência na
personalidade da vítima. Por certo que

170 NALINI, José Renato. A rebelião da toga, 2008, p. 33.


171 Ibidem.

70 Dhieimy Quelem Waltrich


vivemos em um período no qual nos deparamos com problemas mo-
dernos para os quais não há soluções modernas. A tensão entre regu-
lamentação e emancipação há de ser reinventada, sob um equilíbrio
dinâmico que possa pender em favor da emancipação, nos marcos da
teoria da pós-modernidade172 inquietante de oposição.173

Diante do enfraquecimento da regulação estatal, o Estado é hoje um cam-


po de disputas de diferentes projetos e interesses, no qual novas formas de
fascismo societal174 buscam consolidar suas relações despóticas, privatizando a
esfera estatal.
Para que seja possível vislumbrar os meios pelos quais imperam a violên-
cia e a coerção, em decorrência da retórica, basta nos determos aos modelos do
apartheid social e do estado paralelo, que

são experiências que ora são efetivadas em uma esfera não estatal,
muito embora com uma anuência passiva do Estado, ora sob a sua
cumplicidade ativa. Tais práticas têm assento em um pilar regulatório,
na medida em que funcionam por meio de mecanismos de controle,
tutela e coerção.175

Diante desse quadro, é necessário ressaltar que,

172 As promessas da Modernidade foram cumpridas para poucos. O pacto social constituía um
acordo entre aqueles que decidiram submeter-se a um poder superior cedendo parte da liberda-
de individual, a fim de que todos pudessem usufruir das potencialidades de uma vida plena. Na
prática, contudo, o que se verificou para a grande maioria dos indivíduos, foi o pagamento do
tributo do pacto, sem a fruição da contrapartida. Esse processo configurou uma perda do poder
persuasivo do contrato social e a legitimidade, antes dele extraída, entrou também em colapso
(FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 36).
173 SOUSA SANTOS. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 2000, p. 34.
174 1) Apartheid social: a segregação do espaço urbano, dos excluídos que vivem em zonas
consideradas “selvagens”. Neste espaço, o Estado age de maneira predatória, sem qualquer
observância aos princípios do Estado de Direito. 2) Estado Paralelo: os cidadãos incluídos no
contrato social buscam proteção do constante perigo que emana das zonas segregadas, fechan-
do-se em guetos nos quais se faz presente a ação estatal por meio do fornecimento dos serviços
públicos garantidores do bem-estar social, ainda que muitas vezes de forma insatisfatória. 3) Pa-
raestatal: usurpação das funções regulatórias estatais por agentes privados. 4) Populista: são as
promoções de incentivo ao consumismo e a apologia a um estilo de vida absolutamente inaces-
sível à maior parte da população. Esta busca pela realização dos sonhos pessoais “a qualquer
preço” desintegra as possibilidades de criação de redes de solidariedade e de desenvolvimento
de uma ética da alteridade. 5) Insegurança: é o déficit das expectativas futuras em relação às ex-
periências do presente. Este fenômeno gera uma ansiedade que se resolve no setor privado, que
comercializa a segurança. 6) Financeiro: refratários a uma intervenção democrática, os agentes
controladores do mercado financeiro podem provocar abalos econômicos irreversíveis e definir
rumos políticos de vários países (SANTOS, Boaventura de Sousa. Reinventar a democracia:
entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. In Os sentidos da democracia: Política do dis-
senso e hegemonia global. Organização: FRANCISCO DE OLIVEIRA e MÁRCIA CÉLIA PAOLI,
Petrópolis, Vozes, 1999, p. 102)
175 FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 75.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
71
a violência como meio de resolução de conflitos pode assumir diversas
colorações. No seu extremo temos aquela realizada por um fascismo
social local, que opera segundo as regras da denominada sociedade
civil não civil. Não há qualquer exercício da retórica e o poder de de-
cisão acerca dos conflitos é monopólio dos membros da comunidade
que a controlam pela imposição do silêncio, do medo e das armas.
Como exemplo, os chefes do tráfico de drogas nas favelas brasileiras
que destroem o sentido da comunidade a partir da negação do outro.176

Assim, a tese da justiça, desenvolvida segundo os ditames do fascismo


social, opera por meio da violência, e sua retórica é a arma. Sendo que o julga-
dor, terceiro a substituir a vontade das partes, não se pretende imparcial. Ao con-
trário, trata-se de uma justiça politizada e parcial, na medida em que o julgador
não atua seguindo orientação da justiça, mas do controle da política. Além disso,

[...] pode-se encontrar os movimentos/grupos sociais não identificados


com as ações civis e políticas justas, e com os interesses do povo
espoliado, marginalizado e oprimido, cuja legitimidade é questionada,
uma vez que nem toda manifestação legal não-estatal ou nem todo
“direito” aí produzido pode ser justo, válido, ético, pois um corpo social
intermediário ou grupo dirigente qualquer pode criar regras perversas,
objetivando atender interesses contrários à comunidade, expressan-
do diretamente intentos contrários à comunidade, expressando direta-
mente intentos de minorias identificadas com o poder, a dominação, a
ambição e o egoísmo. É nesse sentido que a “ausência de eticidade e
do valor “justo” esvaziam a legitimidade desse “direito”. 177

Portanto, a justiça do fascismo societal não oferece um segundo grau de


jurisdição e qualquer questionamento da decisão pode implicar eliminação física
do queixoso, mesmo porque este modelo adota, muitas vezes, a pena de morte
como uma das formas de punição. A violência –estatal ou não – é, pois, a mani-
festação mais extremada da justiça, praticada sob um viés regulatório.

2.2.3 A conciliação

Um dos instrumentos alternativos na solução dos conflitos é a concilia-


ção. O povo não quer decisões eruditas, recheadas de citações doutrinárias e
jurisprudenciais, mas soluções objetivas simples e, acima de tudo, que resolva
o caso concreto de forma descomplicada, atendendo às expectativas de uma
justiça rápida e eficaz. Realmente, facilitar o acesso do cidadão à justiça e que
possa apresentar a reclamação de um direito, tendo resposta imediata do Esta-

176 Ibidem, p. 78.


177 SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 95.

72 Dhieimy Quelem Waltrich


do, representa um anseio da sociedade.178
O Poder Judiciário não pode ser inacessível, elitista, ficando distante do
povo, sem cumprir com seu principal papel de distribuidor de justiça, sob pena
das angústias e emoções reprimidas crescerem, o descrédito se instalar, geran-
do revoltas e insatisfações. A todo o momento, principalmente quem integra o
Poder Judiciário, sente na pele as críticas que são realizadas sobre a ineficiência
do aparelho judiciário e, muitas vezes, são apresentados exemplos próximos e
de pessoas conhecidas que se mostram frustradas. As reclamações e afirma-
ções são no sentido de que é melhor obter um acordo mesmo sem atendimento
da totalidade das pretensões, do que aguardar por um resultado final que pode
demorar e chegar em época não mais propícia para o atendimento do direito
reclamado. O rumo da conciliação deve ser valorizado, porque busca a solução
amigável do problema existente entre as partes.179
A Resolução n.º 125 do Conselho Nacional de Justiça institui a conciliação
e a mediação como políticas públicas de tratamento adequado aos conflitos,
porém não estabelece as diferenças, tratando-as como se iguais fossem. No
entanto, honrarias devem ser dadas a sua edição, já que foi somente com ela

que estão sendo criados os Núcleos de Gerência e Centrais de Conci-


liação, no âmbito de todas as modalidades jurisdicionais do país – Fe-
deral, Estadual e Trabalhista -, visando a implantar mecanismos para
dar atendimento e resolver as questões apresentadas informalmente,
no mais das vezes pela próprias partes interessadas, objetivando um
modelo alternativo aos métodos da “justiça” tradicional, que se vale ex-
clusivamente do processo e da sentença judiciais para dirimir o conflito
de interesses emergente no dia a dia das pessoas, independentemen-
te do grau de complexidade que eles apresentam.180

Assim, a conciliação pode ser vista como uma zona intermediária de re-
solução de conflitos e já que dispensa o pronunciamento unilateral do juiz
sobre o mérito da causa, a condução da audiência é feita por um terceiro, juiz
leigo ou conciliador privado – com poderes para sugerir, ponderar, aconselhar as
partes quanto à melhor solução para o conflito.
Sem prejuízo de que a conciliação pode ocorrer em uma esfera privada, a
tentativa de conciliação judicial está prevista na legislação brasileira como uma
etapa obrigatória, tanto no procedimento ordinário – art. 331 do Código de Pro-
cesso Civil – quanto no rito previsto na Lei dos Juizados Especiais – art. 21 da
Lei n. 9.099/95 - bem assim, no art. 846 da CLT. Além disso, em geral, o que se
verifica é que o objeto da conciliação judicial encontra seus limites no próprio
objeto da lide. De qualquer sorte, sendo ou não judicial, a atuação do conciliador
é interventiva, na medida em que seu papel é o de estimular as partes para que

178 TORRES, Jasson Ayres. O acesso à justiça e soluções alternativas. 2005, p. 160.
179 Ibidem, p. 161.
180 BUZZI, Marco Aurélio. Movimento pela Conciliação. In: RICHA, Morgana de Almeida; PE-
LUSO, Antonio Cezar; (Coord). GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.]. Conciliação e mediação: es-
truturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 43.

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
73
cheguem a um acordo, sugerindo alternativas e condições para a resolução do
conflito, interferindo, assim, na composição amigável.181
Várias são as contribuições da Justiça de Conciliação ao processo de paz
social. Primeiro, contribui para implantar uma cultura do diálogo entre os cida-
dãos e as instituições entre si, para a prática de uma cultura do saber ceder, para
disseminar uma cultura de cooperação,em que ambas as partes possam ganhar.
Segundo, contribui para a maior efetividade da justiça, já que as decisões atingi-
das por comum acordo são mais sólidas e têm mais chance de serem obedeci-
das e implementadas. Finalmente, em terceiro lugar, possibilita uma justiça mais
ágil e mais econômica.182

2.2.4 A arbitragem

O Poder Judiciário, não ocupando todos os espaços possíveis na solução


de conflitos, não desempenhando o amplo papel que constitucionalmente lhe é
assegurado, não estará cumprindo efetivamente sua missão diante da realidade
e, então, outros segmentos do Estado e da sociedade, como um todo, encar-
regar-se-ão de fazê-lo. A Lei n.o 9.037/96 é exemplo de uma iniciativa para
implantar um sistema de Justiça Privada, em que as partes podem livremente
escolher quem vai resolver uma questão e de que forma será feito.183
Sem deixar de reconhecer que a origem das competências dos árbitros é
o consentimento das partes, os laudos emitidos são revestidos de verdadeiros
poderes jurisdicionais, sendo que o fato de os árbitros atuarem por vontade das
partes não nega caráter público a sua atividade, já que

o instituto, segundo previsão na lei brasileira, é definido como um pro-


cesso formal pelo qual as partes, de comum acordo, aceitam submeter
o litígio envolvendo direito patrimonial disponível a um terceiro, cuja
decisão terá observância obrigatória. A sentença arbitral produzirá os
mesmos efeitos que a sentença proferida pelos órgãos do Poder Judi-
ciário, constituindo, inclusive, título executivo, quando condenatória.184

É antiga a discussão sobre a natureza jurídica da arbitragem, já que


alguns defendem seu caráter jurisdicional, outros preferindo prestigiar apenas
sua faceta contratual. Não é possível negar a origem contratual da arbitragem,
que nasce da vontade das partes no sentido de retirar a competência do
juiz estatal, outorgando-a ao juiz privado. Manifestada, porém, esta vontade

181 FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 79.
182 MORAES, Germana de Oliveira. A bandeira da paz na justiça brasileira (Nascimento, berço
e vida durante a gestão inicial do CNJ), 2011, p. 79.
183 TORRES, Jasson Ayres. O acesso à justiça e soluções alternativas, 2005, p. 138.
184 FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 80.

74 Dhieimy Quelem Waltrich


(e sendo certo que no Brasil não há arbitragens obrigatórias), põe-se em
movimento uma função, uma atividade e um poder que não diferem daqueles
entregues aos magistrados: a função é de pacificar o conflito entre os
contendentes; a atividade é tipicamente processual, utilizando-se o árbitro
de um encadeamento de atos que pode ser diferente daquele empregado
pelo juiz estatal, mas cumpre o mesmo objetivo; e o poder é o de decidir
imperativamente, impondo às partes sua decisão.185
No entanto, a obrigação do estado de zelar pela melhor forma de admi-
nistrar a justiça não importa necessariamente em monopolizar sua atividade,
momento em que é possível conceber que

a arbitragem é uma das formas de exercer a jurisdição, de modo


que entendo perfeitamente coerentes todas as consequências
que decorrem desta inclusão (inclusão ou assemelhação!). Não
me perturba, portanto, o fato de que a sentença arbitral tenha a
mesma eficácia da sentença estatal, muito menos que produza
coisa julgada material (da mesma forma que a sentença estatal), ou
que possa encabeçar cumprimento de sentença (se tiver conteúdo
condenatório). Parece-me natural, enfim, que o árbitro (no exercício
da função de julgador) seja juiz de fato e de direito, como afinca o
art. 17 da Lei de Arbitragem.186

A arbitragem, portanto, não evolui à sombra do mau funcionamento


deste ou daquele tribunal, desta ou daquela justiça especializada, mas en-
contra seu espaço natural como meio de solução de controvérsias de deter-
minada feição, em que possa imperar a autonomia da vontade, na qual haja
a necessidade de solução mais técnica e mais rápida. Não é a panaceia para
todos os males, apenas mais um meio adequado à solução de algumas con-
trovérsias.187
Tendo em vista que o papel do árbitro é o de adjudicação, este ins-
trumento será pouco abordado no presente estudo, visto que sua estrutu-
ra segue o padrão da jurisdição, tratado no item 1.3.1 deste capítulo. “O
paradigma que se revela na arbitragem é o de uma estrutura piramidal-
coercitiva, sendo que no vértice desta relação, em vez de estado-juiz, está
o árbitro escolhido pelas partes nos contratos celebrados à luz do direito
privado”. 188

185 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem como meio adequado de resolução


de litígios. 2011, p. 207.
186 Ibidem.
187 Ibidem, p. 210.
188 FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 80.

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75
2.2.5 A mediação

É possível definir sinteticamente que mediação é necessariamente um


procedimento voluntário, no qual um terceiro coordena a negociação entre as
partes, não tendo vinculação decisória, tampouco sugerindo soluções. A par
destas condições, é possível afirmar que ela é voltada para a construção do
consenso. Sendo assim, os mediandos não apoiam suas soluções na letra da
lei, mas eles inventam seus próprios remédios para que seja possível observar
a particularidade do caso concreto.
Seu desenvolvimento se deu precipuamente nos Estados Unidos da Amé-
rica, como técnicas alternativas ao sistema oficial, sendo que

é possível reafirmar que as duas últimas décadas do século passado


foram as da mediação. Especialmente entre os anos de 1980 e 1990
pôde-se vislumbrar a sua explosão: em todos os lugares falava-se de
mediação. O que ocorreu foi a banalização do termo, empregando-o
para todo o propósito, a torto e a direito. A função “mediação”, não se
exprime somente nas relações interpessoais, mas naquelas que cada
um pode ter das instituições e, entre outras, com as administrações
destas últimas. Assim, não há somente o emprego – bastante
intempestivo – do termo “mediação”; existe uma preocupação cada
vez mais expressa de encontrar meios para resolver ao problema real:
uma enorme dificuldade de se comunicar; dificuldade esta paradoxal
numa época em que a mídia experimenta um desenvolvimento
extraordinário.189

A mediação, enquanto espécie do gênero justiça consensual, pode-


ria ser definida como a forma ecológica de resolução dos conflitos sociais
e jurídicos, na qual o intuito de satisfação do desejo substitui a aplicação
coercitiva e terceirizada de uma sanção legal. 190 Na mediação todos somos
iguais enquanto humanos, respeitando as características de cada indiví-
duo, não sendo possível qualquer espécie de julgamento; as partes não
são nominadas como autor, réu, vítima,agressor e, sim, são denominadas
“mediandos”.
Muitas são as “fortalezas” da mediação, já que o mediador poderá au-
xiliar as partes a apropriarem-se do poder de gerir o seu conflito, ao contrário
do sistema oficial, no qual este poder é delegado aos profissionais do direito.
Na realidade, a mediação não é um fenômeno novo. Ele sempre existiu e
atualmente foi redescoberto, talvez sob nova roupagem, sendo que no cená-
rio brasileiro,

189 SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 316.
190 WARAT, Luis Alberto (org). Em nome do acordo: A mediação no direito. Florianópolis: AL-
MED, 1998, p.05.

76 Dhieimy Quelem Waltrich


a mediação é geralmente definida como interferência – em uma nego-
ciação ou em um conflito – de um terceiro com poder de decisão limi-
tado ou não autoritário, que ajudará as partes envolvidas a chegarem
voluntariamente a um acordo, mutuamente aceitável com relação às
questões em disputa.191

A cooperação faz parte do procedimento, devolvendo às partes o poder de


falar, de escutar, para que eles sejam os atuantes na sessão, para que de fato
façam alguma coisa para a satisfação de seus interesses. O mediador não está
ali para resolver nada, mas sim para fazer com que os mediandos sintam suas
emoções e toquem seus corações. Justamente por isso, a mediação surge como
espaço democrático

uma vez que trabalha com a figura do mediador que, ao invés de se po-
sicionar em local superior às partes, se coloca no meio delas, partilhan-
do de um espaço comum e participativo, voltado para a construção do
consenso num pertencer comum. Isso se dá porque a mediação não é
uma ciência, mas uma arte na qual o mediador não pode se preocupar
em intervir no conflito, oferecendo às partes liberdade para discuti-lo.
A mediação, porém, suscita um paradoxo composto pelo fato de dizer
ao juiz que não desempenhe o papel que disseram ser seu, isto é, dei-
xar de decidir e adjudicar para propô-la. Consequentemente, o que se
pede é que pacifique sem decidir, quando seu papel é tradicionalmente
o de decidir sem, necessariamente, pacificar. 192.

A decisão judicial tem por base uma linguagem terceira normativamente


regulada. Ao contrario sensu, a mediação procura desmanchar a lide, decom-
pondo seus limites conflituosos, avizinhando os conflitantes que, portanto, per-
dem as suas identidades construídas pela rivalidade. A mediação pretende aju-
dar as partes a desdramatizar seus conflitos, para que se transformem em algo
de bom à sua vitalidade interior.193
Assim sendo,

o tratamento do conflito pela mediação pode acontecer mediante uma


pluralidade de técnicas, que vão da negociação à terapia. Os contextos
nos quais é possível aplicá-la são vários: mediação judicial, mediação
no Direito do Trabalho, no Direito Familiar, na escola, dentre outros.
Possuem como base o princípio de religar aquilo que se rompeu, resta-
belecendo uma relação para, na continuidade, tratar o conflito que deu
origem ao rompimento.194

191 MOORE, Christipher W. O processo de Mediação: estratégias práticas para a resolução dos
conflitos. Porto Alegre: ArTmed, 1998, p. 28.
192 RESTA, Eligio. Il Dirittofrateno. Roma-Bari: Laterza, 2005, p. 83-84.
193 SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 320.
194 Ibidem, p. 319.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
77
O Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 8046/2010195, cuja origem
é do Senado Federal n.º 166/2010196, que tende a alterar o Código de Processo
Civil, prevê a submissão de todos os processos de matéria cível à mediação;
desta forma, não se vai mais prezar pela qualidade das sessões, e sim pela
quantidade, desvirtuando, dessa maneira, o método.
As alterações vêm na Seção V - Dos conciliadores e dos mediadores ju-
diciais, artigos (do relatório geral do Senador Valter Pereira) 144 a 149197. Cum-
pre referir, que se o Tribunal quer quantidade ao invés de qualidade, não deve
adentrar na mediação, pois corre sério risco de ter o retorno da maioria de seus
acordos descumpridos para que seja realizada sua execução.
Quando se trata de definir o conjunto de informações e técnicas que com-
põem a mediação, pode-se traçar um panorama das “escolas” que deram funda-
mentação ao seu surgimento. Existe a mediação acordista/Harvard, que define
que a comunicação para ser efetiva deve ser negociada, privilegiando o bom
senso; trabalhando com as pessoas a partir de seus discursos e motivações, as
motivações de ordem subjetiva e emocionais não costumam ser abordadas. Não
envolve relacionamentos, e é indicada para relações comerciais e contratuais.198
Já a mediação transformativa/comunicacional, necessariamente envolve
um relacionamento. Nestas sessões, o mediador deve ser gentil com as pessoas
e firme com os problemas, deve-se tentar dar às partes a possibilidade de supe-
rar os impasses, separar as pessoas do problema, redefinindo os interesses que
se pretende com a solução do conflito. Aqui, o acordo é tido como uma possibi-
lidade e não mais como o modelo harvardiano, que tem o acordo como objetivo
principal.199
Cumpre salientar que, na data de 21 de julho de 2012, o Tribunal de Jus-

195 A última ação legislativa se deu em 09/05/2012, na qual houve o envio à Comissão Especial
destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 6025, de 2005, ao Projeto de Lei nº 8046, de
2010, ambos do Senado Federal, e outros, que tratam do “Código de Processo Civil” (revogam
a Lei nº 5.869, de 1973) (PL602505). Ademais, foi aprovado requerimento do Sr. Paulo Teixeira
que requer a prorrogação do prazo do Relator-Geral, nos termos do art. 211 do RICD. Dispo-
nível em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267>
Acesso em 13 nov. 2012.
196 O último movimento foi em 20/12/2010, no qual foi remetido À CÂMARA DOS DEPUTADOS,
ocorrendo a remessa do Ofício SF nº 2428 de 21/12/2010, ao Primeiro-Secretário da Câmara
dos Deputados, encaminhando o projeto para revisão, nos termos do art. 65 da Constituição
Federal (fls. 5701). SENADO FEDERAL. Disponível em:<http://www.senado.gov.br/atividade/
materia/detalhes.asp?p_cod_mate=97249&p_sort=DESC&p_sort2=A&p_a=0&cmd=sort> Aces-
so em: 02 set. 2012.
197 Quadro comparativo entre a redação original do projeto de Lei do Senado n.º 166, de 2010,
o Código de Processo Civil em vigor e as alterações apresentadas no substitutivo do Senador
Valter Pereira. SENADO FEDERAL. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/mate-
ria/getPDF.asp?t=84496> Acesso em: 03 out. 2012.
198 WALTRICH, Dhieimy Quelem. A mediação comunitária como instrumento democratizador
da justiça. In: SPENGLER, Fabiana Marion. SPENGLER, Theobaldo Neto. Mediação enquanto
política pública [recurso eletrônico]: o conflito, a crise da jurisdição e as práticas mediativas /
organizadores: Fabiana Marion Spengler, Theobaldo Spengler Neto - 1.ed. - Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2012.
199 Ibidem.

78 Dhieimy Quelem Waltrich


tiça do Rio Grande do Sul, visando a dar celeridade e efetividade na resolução
das demandas, criou o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solu-
ção de Conflitos, o qual estabelece a utilização de métodos como a conciliação
e a mediação. A Resolução nº 04/2012-OE - Institui o Núcleo Permanente de
Métodos Consensuais de Resolução de Conflitos e as Coordenadorias de Con-
ciliação e Mediação de 1º e 2º graus. Já a Resolução nº 05/2012-OE - dispõe
sobre os conciliadores e mediadores no âmbito das Centrais de Mediação e
Conciliação do Poder Judiciário.
Ademais, cerca de 24 inscritos, dentre servidores do Judiciário Estadual
e profissionais de outras áreas, com experiência em mediação, participaram do
1º Curso de Capacitação de Mediadores do Tribunal de Justiça. O curso ocor-
reu nas dependências da Escola da AJURIS, no período de 9 a 13 de julho de
2012, em horário integral. Foi coordenado pela Desembargadora Vanderlei Te-
resinha Tremeia Kubiak e ministrado pelas Mediadoras e servidoras do TJRS
Izabel Cristina Peres Fagundes, Liziane Camboim de Souza e Gisela Wurlitzer,
que estão sendo capacitadas pelo CNJ como instrutoras em mediação.
O evento foi promovido pelo Núcleo Permanente de Métodos Consen-
suais de Solução de Conflitos TJRS, com a parceria da Associação dos Juízes
do Rio Grande do Sul (AJURIS) por meio do Núcleo de Estudo de Mediação. O
curso conta com 40 horas teóricas e um estágio prático supervisionado. Objetiva
capacitar novos mediadores para atuar junto às Centrais de Conciliação e Me-
diação do Poder Judiciário.
Segundo os organizadores, o Curso de Capacitação de Mediadores apre-
senta uma metodologia seguida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de
técnicas autocompositivas de resolução de controvérsias. Segue as diretrizes
da Resolução 125 do CNJ, de 29/11/2010, que dispõe sobre a Política Judiciária
Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, no âmbito do Po-
der Judiciário.
Além de consolidar uma política pública permanente de incentivo e aper-
feiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios, possui, como
objetivos, ampliar o número de Mediadores que atuam nas Centrais de Concilia-
ção e Mediação, aprimorar a qualidade dos serviços prestados, bem como disse-
minar uma cultura de pacificação social, oferecendo aos jurisdicionados outros
meios consensuais de resolução de conflitos, entre eles, a mediação.
No Art.7º, § VIII, tal Resolução coloca como uma das atribuições dos Tri-
bunais de Justiça a criação de Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de
Solução de Conflitos e as Coordenadorias de Conciliação e Mediação de 1º e
2º graus, instituídos pelo TJRS, bem como a realização de cursos e seminários
sobre mediação e conciliação e outros métodos consensuais de solução de con-
flitos.200

200 Informações retiradas do sítio do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Disponível
em: <http://www.tjrs.jus.br/site/imprensa/noticias/#../../system/modules/com.br.workroom.tjrs/
elements/noticias_controller.jsp?acao=ler&idNoticia=185953>. Acesso em: 12 de jul. 2012.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
79
2.3 A mediação comunitária como política pública
eficiente no tratamento dos conflitos

A mediação já é conhecida na maior parte do mundo como o procedimento


que, associado ou não ao sistema judicial tradicional, pode ser usado na abordagem
dos conflitos interpessoais. É possível, desta forma, concebê-la como um método
que se vale da sua informalidade para diferenciar-se dos outros procedimentos, já
que é baseada no diálogo, na cooperação e no respeito entre os participantes.
Na abordagem inicial deste capítulo traçaram-se alguns apontamentos acerca dos
procedimentos públicos e privados à disposição dos cidadãos para o tratamento de seu
conflito, demonstrando-se a evidência formal, adversarial e impositiva do processo judicial
e as facilidades dos demais procedimentos com objetivo resolutivo e autocompositivo.
Nesse sentido, Juan Carlos Vezzulla ao elaborar seu estudo acerca da
mediação de conflitos defende que:

É permitido conceitualizar e definir a mediação de conflitos como proce-


dimento privado e voluntário coordenado por um terceiro capacitado, que
orienta seu trabalho, para que se estabeleça uma comunicação coopera-
tiva e respeitosa entre os participantes, com o objetivo de aprofundar na
análise e compreensão do relacionamento, das identidades, necessida-
des, motivações e emoções dos participantes para que possam alcançar
uma administração satisfatória dos problemas em que estão envolvidos.201

A mediação é uma maneira de estabelecer a comunicação comunitária rom-


pida entre os cidadãos ou grupos em virtude da oposição instituída pelo conflito.
Tratando-se de uma troca, na qual os conflitantes estipulam o que compete a cada
um no tratamento do conflito em questão, a mediação facilita a expressão da diver-
gência, definindo um veículo que pode administrar a discordância e chegar a um en-
tendimento comunicativo. De fato, o principal desafio que a mediação enfrenta não
é o de gerar relações calorosas e aconchegantes, sociedades isentas do litígio ou
uma ordem de mundo harmoniosa. Ao invés disso, seu principal desafio é encontrar
mecanismos que possibilitem uma convivência comunicativamente pacífica.202
Para encontrar algum caminho neste emaranhado de “modelos” e “me-
diadores”, podemos partir do ideário de dois tipos de mediação: a institucional e
a autônoma. Estas duas correntes podem ser esclarecidas seguindo duas dis-
tinções: uma conforme a origem203 dos diferentes mediadores e a segunda, de

201 VEZZULA, Juan Carlos. A mediação de conflitos com adolescentes autores de ato infracio-
nal. Editora: Habitus, 2006, p. 80.
202 SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos políticos da mediação comunitária. Editora
Unijuí, 2012, p. 94.
203 Pode-se fazer a primeira distinção a partir da origem dos mediadores: aqueles que estão estabe-
lecidos no alto e aqueles que se colocam embaixo. De um lado os que são “funcionários” do Estado,
do município ou de um organismo; e, de outro lado, aqueles que são propostos por associações
livres, por cidadãos a outros cidadãos. De um lado mediações institucionais, “monárquicas”, se assim
se pode dizer, aquelas que vêm de um poder estabelecido; de outro, as mediações cidadãs. (SIX,
Jean François Dinâmica da mediação. Editora: Del Rey, 2001 p. 29).

80 Dhieimy Quelem Waltrich


acordo com seu respectivo modo de ação.204
No que tange à origem dos mediadores, temos

[...] os mediadores institucionais – e entre eles, honra seja feita, o


mediador da República, estabelecido justamente pela própria Repú-
blica – cumprem um trabalho específico a serviço ao mesmo tempo
de sua instituição e dos clientes desta. A própria Justiça quis insti-
tuir mediadores que atenuassem o congestionamento dos tribunais,
tentando que tal ou qual litígio não chegasse justamente a esses
tribunais, sendo prévia e amigavelmente regulado, sob o controle de
um mediador “penal” e do juiz.205

Por certo que atualmente temos o reconhecimento da soberania do povo,


quando o cidadão é tido como um “cliente”, frente às mazelas do Estado e deve
ser tratado, por isso, como um rei. Afinal, também é eleitor. Neste contexto em
que o anonimato cresce, as instituições veem cada vez maior a necessidade de
estabelecer intermediários para o tratamento dos problemas internos.
Nesta ótica, a figura dos mediadores cidadãos contrasta fortemente, já
que sua origem é totalmente diferente, e eles não são fabricados pelas institui-
ções, são de origem natural. Nos dizeres de Six, os mediadores cidadãos

[...] são como secretados por eles para as necessidades da comunidade.


Eles não têm poder como tal, não são juízes que vão sentenciar, nem árbi-
tros aos quais se delega a conclusão de uma contenda; eles não têm mais
do que autoridade moral. Se alguém se dirige a eles é porque considera que
são, não gurus que decidem, mas ao contrário, sábios que sugerem. Eles
abrem uma nova via em relação ao impasse em que alguém se perdeu, há
um dilema no qual se quer sair, envolvendo a si mesmo ou aos outros.206

No que tange ao modo de agir do mediador institucional e do cidadão,


pode-se se dizer que são distintos já que a forma de agir do mediador cidadão
conta sempre com o tempo, uma vez que o mediador institucional é coagido pelo
organismo que o colocou no lugar, para encontrar resultados, para chegar a so-
luções o mais rápido possível, e então ele deve apresentar rendimento. O media-
dor cidadão deve tomar tempo, afastar o simplismo, os atalhos, a precipitação;
deve guardar o senso da duração e do recuo, da paciência e da distância.207
A par dessas considerações, pretende-se, na presente obra, elaborar um estudo
no qual seja possível apresentar a mediação comunitária como um método alternativo à
resolução dos conflitos, já que ela se apresenta como uma política pública com resulta-
dos eficazes, e principalmente porque difere das práticas tradicionais institucionalizadas.
Levando em consideração as especificidades da mediação comunitária é que
se pretende analisá-la como uma política pública eficaz no tratamento dos conflitos.

204 Ibidem, p. 28.


205 Ibidem.
206 Ibidem, p. 31.
207 Idem, p. 35.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
81
Quando realizada sob um modelo comunitário, ou seja, para e pela comunidade,
a mediação para a emancipação está inserida na teoria política, na medida em que trata
de autodeterminação, de participação nas decisões políticas e, ainda, porque reelabora
o papel do conflito na sociedade, desenhando um futuro sob novos paradigmas.208
Dentre os inúmeros critérios utilizados para distinguir os modelos de me-
diação – que veiculam vertentes ideológicas diferenciadas – destacam-se omo-
delo de agência,cujo enfoque é voltado para a satisfação das partes, geralmente
operado em práticas de mediação vinculadas ao sistema judicial oficial, e modelo
comunitário, que oferece uma perspectiva transformadora, porque direcionado à
organização comunitária.209
Muitos são os programasque serviram de base para a estruturação e cria-
ção da justiça comunitária no Brasil. A este respeito, resgatam-se as experiências
americanas: a primeira é do Conselho Comunitário Americano de São Francisco
(SFCB), a segunda, do Centro de Justiça de Vizinhança de Atlanta (NJCA). A ver-
tente dos estudos de ambos os programas tem o escopo de identificar como cada
qual concebe as finalidades da mediação. A par do estudo realizado foi possível
verificar as seguintes conclusões:
Consoante o estudo realizado por Foley210, as duas experiências muito
têm a revelar, senão vejamos:

Conselho Comunitário de São Centro de Justiça de


Francisco Vizinhança de Atlanta
O problema Alienação social. O sistema oficial O sistema oficial não responde
desconsidera o desenvolvimento à demanda e às necessidades.
comunitário.
A sociedade ideal Descentralizada, democrática, Expansão do uso formal e in-
igualitária popular. Resolução autô- formal da mediação. Cidadãos
noma das disputas. responsáveis e organizados.
Transformação social Criação de novas linguagens so- Treinamentos para aptidões.
ciais. Organizações de base. Educação.
Solução Reconstruir a capacidade de a co- Resolução dos problemas e
Organizacional munidade resolver seus próprios efetividade. Ponte entre as cor-
problemas. tes e comunidades.
Partes e mediadores Mediadores são membros da mesma Mediadores são voluntários
comunidade que as partes. treinados.
Conflito Oportunidade para crescimento or- Deve ser administrado e me-
ganizacional e transformação social. diado pelo meio-termo.
Poder Emponderamento no sentido so- Concepção individual de em-
cial. É o “poder com”. ponderamento.
Lei Distante da realidade. A interpretação da lei deve ser
individual.

208 FOLEY, Glaucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça da emancipação. Belo Ho-
rizonte: Fórum, 2010, p. 95.
209 Ibidem, p. 96.
210 Ibidem.

82 Dhieimy Quelem Waltrich


Ao analisar as equações propostas no quadro ilustrativo, verifica-se a
abordagem transformadora que a mediação comunitária desenvolvida pelo Cen-
tro Comunitário da São Francisco veicula, em contraposição ao tratamento mais
pragmático desenvolvido pelo Centro de Justiça e Vizinhança da Atlanta, voltado
à resolução de problemas e ao atendimento das necessidades individuais dos
disputantes.
No Brasil, o projeto piloto de Justiça comunitária foi desenvolvido no Dis-
trito Federal, e nasceu a partir da experiência advinda do Juizado Especial Cível
Itinerante do TJDFT, que busca atender as comunidades do Distrito Federal com
dificuldades de acesso à justiça.
O projeto foi criado no ano de 2000, em outubro, com o objetivo de demo-
cratizar a realização da justiça, restituindo ao cidadão e à comunidade a capaci-
dade de gerir seus próprios conflitos com autonomia e solidariedade. O progra-
ma encontra-se instalado nas regiões administrativas da Ceilândia, Taguatinga
e Samambaia, com 332.455, 22.452 e 147.907 habitantes respectivamente e
contacom cerca de 80 Agentes Comunitários que, na qualidade de membros das
comunidades nas quais atuam, compartilham a linguagem e o código de valores
comunitários.211
Atualmente, diversos são os programas instalados em todo o país,
podendo-se dar como exemplo as experiências dos Núcleos Comunitários
existentes no Estado do Rio Grande do Sul, nas cidades de: Porto Alegre
(Bairro Lomba do Pinheiro) 212, Pelotas, Turuçu 213 e Caxias do Sul 214. Em
especial, a experiência no município de Passo Fundo, com a instalação de
dois Núcleos Comunitários, projeto que será detalhadamente abordado no
capítulo que segue.
Diante da instituição da Política Judiciária Nacional de tratamento dos con-
flitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos
por meios adequados à sua natureza e peculiaridade, o Conselho Nacional de
Justiça editou a Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010.
Por meio dela, foi reforçado o caráter emergencial da instituição de polí-
ticas públicas[ ] por parte do Poder Judiciário, que garantam o efetivo acesso à
justiça, bem como o tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos confli-
tos que ocorrem em grande e crescente escala na sociedade.
A esse respeito, o tema das políticas públicas vem se consolidando
como um dos mais ardentes assuntos que marcam a pauta de discussões
do Estado Democrático de Direito, tanto no Brasil quanto no exterior. Fatores
como a relevância da atuação do Poder Executivo no atual arranjo federati-

211 Ibidem, p. 137.


212 Maiores informações junto ao site:<http://www.cpca.franciscanos-rs.org.br/cpca/?page_
id=102>
213 Maiores informações junto ao site:<http://conciliacaopelotas.blogspot.com.br/2012_05_01_
archive.html>
214 Consoante informação do site;<http://www.redesul.am.br/rsradios/Noticias/Geral/08/11/2011/
Balcao-de-Conciliacoes-sera-instalado-em-Caxias/89326/>

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
83
vo nacional, bem como as repercussões da atuação política em um mundo
marcado pela interconexão global – que maximiza o diálogo entre as diversas
instâncias estatais e não estatais – auxiliam este processo de teorização e
problematização das políticas públicas. 215
Há algumas razões gerais que favorecem o interesse pelas políticas
públicas e por seu estudo. Um primeiro é o fato de que a crescente escala
da intervenção do Estado e a complexidade dos governos nos dias atuais
colocam problemas mais complexos aos responsáveis pelas decisões, seja
no setor público, seja na sociedade civil e na iniciativa privada. Amplos seg-
mentos da sociedade percebem que os assuntos públicos não são simples,
que as soluções para as graves dificuldades são multifacetadas e que não
se resolvem apenas pela boa vontade dos governantes ou através de formas
simplistas baseadas em alguma solução rápida.216
Outra, de ordem mais acadêmica, é que a política pública tem sido mais
analisada do ponto de vista dos resultados do que das estruturas e instituições.
Face à multiplicidade de modelos políticos institucionais e à constatação de que
nenhum deles se aplica universalmente, comprovado pelo fracasso das tentati-
vas de exportar os modelos dos países desenvolvidos para os demais, tem ha-
vido uma atenção toda especial aos resultados da ação política. Ligado a isso,
há uma ênfase crescente sobre como as decisões são tomadas e as técnicas
utilizadas para resolver problemas.217
O processo de elaboração de uma política pública possui inúmeras eta-
pas, que vai desde a percepção e definição do problema, até a sua avaliação,
que consoante doutrina Costa,

éa fase mais importante, pois não basta apenas criá-la, implementá


-la, sem se estar disposto a fazer uma análise minuciosa dos seus
resultados, dos êxitos e das dificuldades apresentadas no estudo de
sua efetividade e eficiência. O ideal nesse processo de avaliação, é
justamente delinear se a política atingiu os objetivos no qual se propôs,
assim como determinar se é conveniente que determinada política se
mantenha ou se modifique.218

No que tange à conceituação de política pública, João Pedro Schmidt le-


ciona que ela

215 SCHMIDT, João Pedro. MENEGAZZI, Piero Rosa. Bases teóricas para o desenvolvimento
de políticas públicas sobre a informação ambiental. In: REIS, J. R.; LEAL, R.G..(org.) Direitos
Sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 10. Santa Cruz do Sul: Edunisc,
2010, p. 3123.
216 Ibidem.
217 Ibidem.
218 COSTA, Marli da. A transversalidade das políticas públicas na perspectiva de gênero. In:
REIS, J. R.; LEAL, R.G..(org.) Direitos Sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos.
Tomo 11. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2011, p. 199.

84 Dhieimy Quelem Waltrich


remete para a esfera do público e seus problemas. Ou seja, diz
respeito ao plano das questões coletivas, da polis. O público distin-
gue-se do privado, do particular, do indivíduo e de sua intimidade.
Por outro lado, o público distingue-se do estatal: o público é uma
dimensão mais ampla, que se desdobra em estatal e não-estatal.
O Estado está voltado (deve estar) inteiramente ao que é público,
mas há igualmente instâncias e organizações da sociedade que
possuem finalidades públicas expressas, às quais cabe a denomi-
nação de não-estatais. 219

O termo política pública por vezes é utilizado com significados dis-


tintos, e, dependendo de sua abrangência, pode indicar um campo de
atividade, um propósito político, ou até mesmo um programa e seus re-
sultados.
No caso da mediação comunitária como política pública, ela cumpre com
um objetivo que é tratar de maneira adequada os conflitos sociais pelos mem-
bros da própria comunidade. Para ser implementada, ela necessita da aloca-
ção dos meios (recursos humanos, treinamento adequado e estrutura) por par-
te da administração pública. Assim, a mediação comunitária pode ser apontada
como uma política pública, uma vez que se trata de um conjunto de programas
de ação governamental. Tais conjuntos são identificados com a distribuição e
redistribuição de bens e posições que oferecem condições para cada pessoa
viver dignamente e exercendo seus direitos, de modo a assegurar-lhe recursos
e condições para promover a ação, bem como liberdade de escolha para faze-
rem uso de tais recursos.220
Na realidade, a mediação comunitária enquanto política pública é uma
alternativa que pretende mais do que simplesmente desafogar o judiciário. O
que se espera dela é uma forma de tratamento dos conflitos mais adequada,
em termos qualitativos, uma vez que será realizada por mediadores comunitá-
rios, ou seja, sujeitos que conhecem a realidade social e o contexto de espaço
e tempo onde o conflito surgiu.221

219 SCHMIDT, João Pedro. MENEGAZZI, Piero Rosa. Bases teóricas para o desenvolvimento
de políticas públicas sobre a informação ambiental. In: REIS, J. R.; LEAL, R.G..(org.) Direitos
Sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 10. Santa Cruz do Sul: Edunisc,
2010, p. 2311.
220 SPENGLER, Fabiana Marion. A mediação comunitária enquanto política pública eficaz no
tratamento dos conflitos. In: REIS, J. R.; LEAL, R.G..(org.) Direitos Sociais e políticas públicas:
desafios contemporâneos. Tomo 11. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2011, p. 182.
221 Ibidem, p. 183.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
85
2.4 Instituição da política judiciária nacional de tratamento
adequado dos conflitos pela resolução n.º 125 de 29 de
novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça

Como abordado no capítulo anterior, o Poder Judiciário Nacional está enfren-


tando uma intensa conflitualidade e sobrecarga de processos, o que vem desenca-
deando uma crise em seu desempenho e a consequente perda de sua credibilidade.
Tal situação é decorrente das transformações por que vem passando a socie-
dade brasileira, que se configura de forma extremamente conflituosa, decorrente de
inúmeros fatores, um dos quais é a economia de massa. Alguns desses conflitos são
levados ao judiciário em sua configuração molecular, por meio de ações coletivas,
mas a maioria é judicializada individualmente, o que dá ensejo ao fenômeno dos
processos repetitivos, que vem provocando a sobrecarga de serviço do judiciário. 222
A esse respeito, a crise mencionada deve-se também pela

falta de uma política pública de tratamento adequado dos conflitos de in-


teresses que ocorrem na sociedade. Afora os esforços que vêm sendo
adotados pelo Conselho Nacional de Justiça, pelos Tribunais de Justiça de
grande maioria dos Estados da Federação Brasileira e pelos Tribunais Re-
gionais Federais, no sentido da utilização dos chamados Meios Alternativos
de Solução de Conflitos, em especial da conciliação e da mediação, não
há uma política nacional abrangente, de observância obrigatória por todo o
Judiciário Nacional, de tratamento adequado dos conflitos de interesses.223

A esse respeito, se o escopo é debater um meio compartilhado, adequado


e eficiente de tratar conflitos, a mediação e a conciliação, conforme já visto, sur-
gem como hipóteses viáveis a tal intento. Isso se dá porque elas são destinadas
a criar e fortalecer laços entre indivíduos, prevenindo e tratando conflitos. Essa
tarefa tem como fomentador o conciliador/mediador, que é uma pessoa inde-
pendente, cujo objetivo é despertar no cidadão o sentimento de inclusão social
através da possibilidade de tratamento de seus conflitos de maneira autônoma.
Diante de tais institutos, é possível, então, a criação de vínculos e o fortaleci-
mento do sentimento de cidadania e de integração/participação da vida social.224
Foi com base nessas premissas que restou cristalino e imperioso o esta-
belecimento, pelo próprio Poder Judiciário, de uma política pública adequada ao
tratamento dos conflitos de interesse, que o estimulasse e induzisse a sua ampla
utilização, em nível nacional, dos meios consensuais de solução de conflitos.
A competência para seu estabelecimento é do Conselho Nacional de Justiça

222 WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para Tratamento Ade-
quado dos Conflitos de Interesses. In: RICHA, Morgana de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar;
(Coord). GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.]. Conciliação e mediação: estruturação da política
judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 03.
223 Ibidem, p. 04.
224 MORAIS, José Luis Bolzan. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alterna-
tiva à jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 166.

86 Dhieimy Quelem Waltrich


(CNJ) 225, consoante o art. 103-B, da Constituição Federal, que criou o CNJ e estabe-
leceu suas competências, sendo que seu parágrafo 4o, inciso II226 prevê a necessidade
de zelar pela observância do art. 37, que faz referência à administração pública.
Foi então, no discurso de posse na Presidência do Supremo Tribunal Fe-
deral, que o Ministro Cezar Peluzzo expressou com clareza o seu entendimento
acerca dos problemas que acometem o Judiciário Brasileiro. Para melhor eluci-
dação, buscamos alguns trechos de seu discurso:

[...] é tempo, pois, de, sem prejuízo doutras medidas, incorporar ao siste-
ma os chamados meios alternativos de resolução dos conflitos, que, como
instrumental próprio, sob rigorosa disciplina, direção e controle do Poder
Judiciário, sejam oferecidos aos cidadãos como mecanismos facultativos
de exercício da função constitucional de resolver conflitos. Noutras pa-
lavras, é preciso institucionalizar, no plano nacional, esses meios como
remédios jurisdicionais facultativos, postos alternativamente à disposição
dos jurisdicionados, e de cuja adoção o desafogo dos órgãos judicantes
e a maior celeridade dos processos, que já serão avanços muito por fes-
tejar, representarão mero subproduto de uma transformação social ainda
mais importante, a qual está na mudança de mentalidade em decorrência
da participação decisiva das próprias partes na construção de resultado
que, pacificando, satisfaça seus interesses.227

Há de se referir que, tão logo o Ministro assumiu a Presidência do


Supremo Tribunal Federal, nomeou comissão especial para concretizar a

225 É sabido que o Conselho Nacional de Justiça foi criado com o objetivo de garantir o contro-
le da atuação administrativa, financeira, o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, bem
como elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação
do Poder Judiciário no país, bem como as atividades realizadas no decorrer do ano. Ora, estando
o Conselho Nacional de Justiça zelando pela autonomia do Poder Judiciário, bem como tendo
a competência para expedir atos regulamentares e recomendando providências, nos termos do
art. 103- B, § 4o, inciso I, ele também deve elaborar semestralmente relatórios estatísticos sobre
processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder
Judiciário (art. 103- B, § 4o, inciso VI). A título de esclarecimento, para que seja possível a elabo-
ração de relatórios estatísticos, são necessários números denominados como “metas”, que atual-
mente correspondem às sentenças judiciais, como forma de avaliação dos magistrados. Todos os
magistrados do país estão sujeitos aos regulamentos expedidos pelo Conselho, logo, agindo em
desacordo estarão condicionados ao respectivo julgamento e à consequente penalidade.
226 BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consti-
tuicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 04 out. 2012.
[...]
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário
e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições
que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
[...]
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade
dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo des-
constituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União.
227 WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para Tratamento Ade-
quado dos Conflitos de Interesses. In: RICHA, Morgana de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar;
(Coord). GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.]. Conciliação e mediação: estruturação da política
judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 08.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
87
política pública anunciada. Diante desta iniciativa, o Conselho Nacional de
Justiça institucionalizou a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado
dos conflitos de interesse no Poder Judiciário.
Com base nos estudos realizados pela então comissão, a Resolução nº 125,
de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, veio controlar a atua-
ção administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pela observância
do art. 37 da Constituição da República; sendo que a eficiência operacional, o acesso
ao sistema de Justiça e a responsabilidade social são objetivos estratégicos do Poder
Judiciário, nos termos da Resolução/CNJ nº 70, de 18 de março de 2009.228

228 Resolvendo:
CAPÍTULO I- DO PLANEJAMENTO E DA GESTÃO ESTRATÉGICA
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1° Fica instituído o Planejamento Estratégico do Poder Judiciário, consolidado no Plano Estra-
tégico Nacional consoante do Anexo I desta Resolução, sintetizado nos seguintes componentes:
I - Missão: realizar justiça.
II - Visão: ser reconhecido pela Sociedade como instrumento efetivo de justiça, equidade e paz social.
III - Atributos de Valor Judiciário para a Sociedade:
a) credibilidade;
b) acessibilidade;
c) celeridade;
d) ética;
e) imparcialidade;
f) modernidade;
g) probidade:
h) responsabilidade Social e Ambiental;
i) transparência.
IV - 15 (quinze) objetivos estratégicos, distribuídos em 8 (oito) temas:
a) Eficiência Operacional:
Objetivo 1. Garantir a agilidade nos trâmites judiciais e administrativos;
Objetivo 2. Buscar a excelência na gestão de custos operacionais;
b) Acesso ao Sistema de Justiça:
Objetivo 3. Facilitar o acesso à Justiça;
Objetivo 4. Promover a efetividade no cumprimento das decisões;
c) Responsabilidade Social:
Objetivo 5. Promover a cidadania;
d) Alinhamento e Integração:
Objetivo 6. Garantir o alinhamento estratégico em todas as unidades do Judiciário;
Objetivo 7. Fomentar a interação e a troca de experiências entre Tribunais nos planos nacional
e internacional;
e) Atuação Institucional:
Objetivo 8. Fortalecer e harmonizar as relações entre os Poderes, setores e instituições;
Objetivo 9. Disseminar valores éticos e morais por meio de atuação institucional efetiva;
Objetivo 10. Aprimorar a comunicação com públicos externos;
f) Gestão de Pessoas:
Objetivo 11. Desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes dos magistrados e servidores;
Objetivo 12. Motivar e comprometer magistrados e servidores com a execução da Estratégia;
g) Infraestrutura e Tecnologia:
Objetivo 13. Garantir a infraestrutura apropriada às atividades administrativas e judiciais;
Objetivo 14. Garantir a disponibilidade de sistemas essenciais de tecnologia de informação;
h) Orçamento:
Objetivo 15. Assegurar recursos orçamentários necessários à execução da estratégia (BRASIL.
Resolução n. 70, do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/gestao
-e-planejamento/gestao-e-planejamento-do-judiciario/resolucao-n-70> Acesso em: 03 out. 2012).

88 Dhieimy Quelem Waltrich


O direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição
Federal além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à
ordem jurídica justa; desta forma, cabe ao Judiciário estabelecer política pública
de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses,
que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar,
em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais,
como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de
conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação.
Considerando, portanto, a necessidade de se consolidar uma política pú-
blica permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais
de solução de litígios, foi sendo sedimentado o entendimento de que a conci-
liação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e
prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina em programas já imple-
mentados nos país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de inte-
resses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças. Nesse sentido,
justifica-se o ensinamento de Bolzan e Spengler:

Além disso, a formulação de políticas públicas enquanto atividade de


planejamento sempre leva em consideração o objetivo que pretende
atingir, bem como a finalidade almejada. Em se tratando de solucionar
conflitos sociais, as políticas públicas podem correr paralelas ao Poder
Judiciário ou serem anteriores ao processo judicial. Exemplo aqui é a
conciliação e a mediação, uma vez que podem acontecer antes ou de-
pois do processo, e em se alcançando um acordo entre os conflitantes,
este poderá ser homologado judicialmente se for objetivo produzir um
título executivo judicial.229

Desta forma, torna-se imprescindível estimular, apoiar e difundir a sistematiza-


ção e o aprimoramento das práticas já adotadas pelos tribunais. Ademais, a relevân-
cia e a necessidade de organizar e uniformizar os serviços de conciliação, mediação
e outros métodos consensuais de solução de conflitos, se fazem mister para evitar
disparidades de orientação e práticas, bem como para assegurar a boa execução da
política pública, respeitadas as especificidades de cada segmento da Justiça.
Fica, pois, claro que a Política Judiciária Nacional

trata-se do primeiro marco oficial, institucional, e não apenas político


-programático, ou de mera gestão, versando sobre o reconhecimento
da existência de uma nova modalidade, em que pese ressurgente, de
se solucionar contendas, e nisso inaugura o novo formato da verda-
deira Justiça Nacional, a qual nasce, ou como Fênix, ressurge sob o
signo da missão cidadã de implantar métodos que detenham a real ca-
pacidade de dar pronta solução, em tempo útil razoável, aos conflitos
de interesses apresentados no seio das populações, a bem de imen-
sidões de jurisdicionados que a cada dia mais querem e necessitam
se valer desses serviços, demonstrando que é de fato relevante para
o Estado o elemento mais significativo integrante do teorema da ação

229 MORAIS, José Luis Bolzan. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alterna-
tiva à jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p.168.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
89
judicial, qual seja, “o tempo de vida”, durante o qual as partes, pacífica
e resignadamente, aguardam a solução do conflito sem recorrer, para
tanto, a métodos marginais, até mesmo ilícitos. 230

Assim, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a organização dos


serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de
conflitos deve servir de princípio e base para a criação de Juízos de resolução
alternativa de conflitos, verdadeiros órgãos judiciais especializados na matéria.
Os novos métodos consensuais de resolução dos conflitos são modelos
de interação social que fogem daquele modelo impositivo, antagônico e dão es-
paço para o vínculo participativo, dialógico e cooperativo.
O que se pretende é repensar a jurisdição num sentido mais amplo, haja vista
que o conflito assume uma dinâmica negativa a qual deixa de conduzir ao cresci-
mento, e que deflagra a necessidade de procedimentos eficientes para tratá-lo. As
sentenças proferidas pelos juízes muitas vezes desagradam uma ou as duas partes,
o que ocasiona a mágoa, e diante dela, os laços jamais se reabilitarão.
Diluir é eliminar, e o diálogo assertivo, conduzido pelo mediador, que tem
técnicas apropriadas, pode conseguir este intento, administrando, dessa forma,
um consenso.
Nesse sentido, a reflexão proposta visa a defender o modelo da ação
orientada ao entendimento, o que deixa de privilegiar aquela atitude objetiva em
que o sujeito se dirige a ele mesmo como entidade do mundo. Ao contrário, a
mediação pautada na comunicação231 defende que o entendimento recíproco é
fundamental, haja vista que a atitude dos participantes na interação que coorde-
nam visa ao entendimento entre si, sobre algo no mundo.
À medida que os ditames da referida resolução vão tomando forma e aplicabi-
lidade, pode-se traçar alguns comentários acerca dos seus pontos mais relevantes232:
1) Houve a atualização do conceito de acesso à justiça, que não pode

230 BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Movimento pela conciliação – um breve histórico. In: RICHA,
Morgana de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar; (Coord). GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.]. Conci-
liação e mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 47.
231 A técnica habermasianasomente pode se efetivar num dado contexto social, manifestando-
se na prática quotidiana, sob a forma de “ação comunicativa”, que permite uma relação crítica
com os três mundos simultaneamente (mundo dos objetos, mundo social e mundo subjetivo).
Para validação desse conceito, parte-se da elucidação de três vias possíveis. A primeira consisti-
ria na elaboração formal-pragmática desse conceito, a segunda optaria pela validação empírica,
e a terceira, a reelaboração, com intenções sistemáticas, da história da teoria.
232 O artigo 6o da Resolução nº 125, diga-se de passagem, traça toda a metodologia de trabalho
a ser instituída no Poder Judiciário. Tendo em vista que engloba: a) as diretrizes para implementa-
ção da política pública de tratamento adequado de conflitos a serem observadas pelos Tribunais;
b) conteúdo programático mínimo e ações voltadas à capacitação dos mediadores, conciliadores,
servidores e demais facilitadores; c) cooperação dos órgãos públicos; d) interlocução com a Ordem
dos Advogados do Brasil, Defensorias Públicas, Procuradorias e Ministério Público, estimulando
a participação junto aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania; e) gestão junto
às empresas e às agências reguladoras de serviços públicos. No entanto, a aplicabilidade de tais
competências merece um minucioso acompanhamento, por parte dos próprios Tribunais, já que
atualmente se encontram em situação de disparidade frente à proposta primeiramente ventilada.
Tal disparidade é no sentido de não reconhecer os cursos de capacitação não vinculados ao CNJ.

90 Dhieimy Quelem Waltrich


mais ser compreendido como mero acesso aos órgãos judiciários e aos proces-
sos contenciosos, e, sim, como acesso à ordem jurídica justa;
2) Definiu-se o direito de todos os jurisdicionados à solução dos conflitos
de interesses pelos meios mais adequados a sua natureza e peculiaridade, in-
clusive com a utilização dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos,
como a mediação e a conciliação;
3) Há, portanto, a obrigatoriedade de oferecimento de serviços de orienta-
ção e informação e de mecanismos alternativos de resolução de controvérsias,
além da solução adjudicada por meio de sentença;
4) Nasceu a preocupação pela boa qualidade desses serviços de resolu-
ção dos conflitos, com a adequada capacitação, treinamento e aperfeiçoamento
permanente dos mediadores e conciliadores;
5) Constatou-se a necessidade de disseminação da cultura da pacifica-
ção, com apoio do CNJ aos tribunais na organização dos serviços de tratamento
adequado aos conflitos, e com a busca da cooperação dos órgãos públicos e das
instituições públicas e privadas da área de ensino, com vistas à criação de dis-
ciplinas que propiciem o surgimento da cultura da solução pacífica dos conflitos
de interesses;
6) Foi imposta aos Tribunais a obrigação de criar: Núcleos Permanentes de
Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, Centros Judiciários de Solução
de Conflitos e Cidadania, Cursos de capacitação, treinamento e aperfeiçoamen-
to de mediadores e conciliadores, com observância do conteúdo programático e
carga horária mínima estabelecida pelo CNJ, Banco de dados para a avaliação
permanente do desempenho de cada Centro e Cadastro dos mediadores que
atuem em seus serviços. 233
Muitas são as renovações propostas pela extensa produção legislativa de
nosso país, por vezes evasivas e sem cunho prático, ou outras por ausência de
políticas públicas que garantam sua efetividade; porém, nada é alterado. Desde
que seja adequadamente implementada a Resolução,

certamente assistiremos a uma transformação revolucionária, em ter-


mos de natureza, qualidade e quantidade do serviços judiciários, com
o estabelecimento de filtro importante da litigiosidade, com o atendi-
mento mais facilitado dos jurisdicionados em seus problemas jurídicos
e conflitos de interesses e com maior índice de pacificação das partes
em conflito, e não apenas solução dos conflitos, isso tudo se traduzin-
do em redução da carga de serviços de nosso Judiciário, que é sabida-
mente excessiva, e em maior celeridade das prestações jurisdicionais.
A consequência será a recuperação do prestígio e respeito de nosso
judiciário. E assistiremos, com toda a certeza, à profunda transforma-
ção do nosso país, que substituirá a atual “cultura da sentença” pela

233 WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para Tratamento Ade-
quado dos Conflitos de Interesses. In: RICHA, Morgana de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar;
(Coord). GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.]. Conciliação e mediação: estruturação da política
judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 09.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
91
“cultura da pacificação”, disso nascendo, como produto de suma rele-
vância, a maior coesão social. 234

Neste ponto, como bem exposto por Nalini,235“nada impede que se persiga a
utopia. As utopias continuam com seu lugar no século XXI. A convenção cronológica
não elimina a substância humana, cujo principal componente é o sonho. Tirem tudo
do homem e ele sobreviverá. Só não subsistirá sem a capacidade de sonhar”.
Ao instituir a proposta de uma nova cultura dos “juízes”, a da solução
pacífica dos conflitos, o que se pretende é proporcionar ao magistrado um exer-
cício estimulante; já que ele é considerado individualmente como integrante do
Poder Judiciário, por óbvio, este órgão é suscetível de constante aperfeiçoamen-
to. Para tanto, cada juiz pode influir nas estratégias de alteração da estrutura e
atividade de seu universo profissional.
Logo, a cooperação dos órgãos públicos competentes e das instituições
públicas e privadas da área de ensino contribuirá diretamente para a aceleração
no movimento de revitalização da justiça, tanto que a Resolução prevê, inclusive,
que nas Escolas da Magistraturahaja módulo voltado aos métodos consensuais
de solução de conflitos, no curso de iniciação funcional e no curso de aperfei-
çoamento.
Desta forma, tudo quanto foi dito se mostra altamente eficiente para a ace-
leração da proposta, já que oferece contributo para aperfeiçoar a justiça.
Todas essas observações vêm dar respaldo à interlocução proposta com
a Ordem dos Advogados do Brasil, Defensorias Públicas, Procuradorias e Minis-
tério Público, estimulando suas participações nos Centros Judiciários de Solu-
ção de Conflitos e Cidadania236, bem como valorizando a atuação na prevenção
dos litígios.
Como se pode observar, o sucesso dos “Centros” somente se verificará
com a efetiva participação dos advogados, que poderão tanto auxiliar na escolha
do melhor método de solução de conflito, quanto na atuação de terceiro facilita-
dor (conciliação ou mediação). Ademais, essa atuação confere maior segurança

234 Ibidem.
235 NALINI, Jose Renato. A rebelião da Toga. Campinas, SP: Millennium Editora, 2008, p. XXI.
236 Os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (“Centros”) são unidades do
Poder Judiciário às quais cabe, preferencialmente, a realização das sessões e audiências de
conciliação e mediação a cargo de conciliadores e mediadores, no âmbito de determinado
território definido pela organização judiciária do Estado, e o atendimento e orientação aos
portadores de dúvidas e problemas jurídicos (art. 8o). Os parâmetros utilizados para a criação
dos “Centros” foram o gerenciamento do processo e os Setores de Conciliação e Mediação do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e o fórum de Múltiplas Portas ou Tribunal Multi-
portas (MultidoorCourthouse) do direito norte-americano. (LUCHIARI, Valéria Ferioli Lagrasta.
A Resolução n.125 do Conselho Nacional de Justiça: Origem, objetivos, Parâmetros e Diretri-
zes para Implantação Concreta. In: RICHA, Morgana de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar;
(Coord). GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.]. Conciliação e mediação: estruturação da política
judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 239).

92 Dhieimy Quelem Waltrich


às partes, já que poderão aconselhar juridicamente, bem como indicar a utiliza-
ção de termos necessários, a fim de que o acordo seja exequível, em caso de
descumprimento.
No que tange à atuação dos Promotores de Justiça e dos Defensores Pú-
blicos, suas participações serão o estágio ideal, já que analisam os encaminha-
mentos a partir dos atendimentos realizados, e fazem uma espécie de triagem
pré-processual, evitando-se demandas desnecessárias. Ainda, exercem dupla
função, seja na fiscalização dos acordos, bem como no acompanhamento das
partes, quando de sua lavratura.
Nalini237 já apresentava em sua obra A Rebelião da Toga, a enfermidade
social refletida na atividade judiciária, sendo que atualmente “multiplicam-se as
críticas, e seria reducionista enxergar em todas elas teorias conspiratórias ou
expressão de iniquidade, afinal, elas vêm de todos os setores”.
Ao lado desta grande possibilidade de mudança, é importante mantermos
o debate acerca da necessidade de instituição de novas políticas públicas que
garantam o acesso a uma justiça adequada, para fins de aparar as arestas238 e
ajustar a implementação das mesmas evitando distorções, descaminhos e con-
fusões de /entre ambos os institutos (mediação e conciliação). “O pior pecado é
instituir mecanismos chamados mediativos ou conciliativos que na prática não
possuem nada, ou muito pouco, em comum com a mediação e a conciliação.
Afinal, um dos meios de evitar o engano é manter aceso o debate”.239

237 NALINI, Jose Renato. A rebelião da Toga. Campinas, SP: Millennium Editora, 2008, p. 198).
238 No entanto, há algumas dificuldades a serem suplantadas, por ora, pela boa vontade e
pelo voluntarismo dos conciliadores e mediadores, qual seja, a falta de indicação de fonte de
custeio para o pagamento das respectivas atividades profissionais. De todo o modo, é de meri-
diana clareza que conciliadores e mediadores profissionalmente capacitados não poderão per-
manecer sem retribuição ou ao alvedrio dos tribunais, no exercício de função voluntária e ho-
norífica. Acresce que as dificuldades de implantação, a cargo dos tribunais estaduais, através
de Provimentos ou Resoluções, e desde que não suplantadas as dificuldades orçamentárias,
capacitação de profissionais e sua remuneração, poderão conduzir a novo fracasso. (NETO,
Caetano Lagrasta. A conciliação judicial- avanços, retrocessos e esperança. In: RICHA, Morgana
de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar; (Coord). GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.]. Conciliação
e mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 104).
239 MORAIS, José Luis Bolzan. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alterna-
tiva à jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p.166.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
93
3 A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO
POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA
DE ACESSO À JUSTIÇA: o projeto de
Justiça Comunitária da cidade de Passo
Fundo-RS240
O escopo deste capítulo é desenvolver uma abordagem teórica acerca
da mediação comunitária, bem como descrever o processo de implantação do
Projeto Justiça Comunitária no município de Passo Fundo – RS, e, consequente-
mente, a avaliação de seus resultados de forma que seja possível, de antemão,
afirmar que a metodologia democrática da mediação comunitária é uma eficiente
política pública no tratamento dos conflitos.

3.1 Considerações teóricas acerca da mediação comunitária

A sociedade atual vivencia cada vez mais o surgimento de novos conflitos,


frutos das transformações políticas sociais, econômicas, além de um enorme
crescimento populacional urbano, o que gera um aumento no desemprego e,
como consequência, no nível de violência. Essas mudanças causam a amplia-
ção dos tipos e na quantidade de conflitos interpessoais, especialmente nas ca-
madas sociais menos favorecidas, que são privadas dos direitos fundamentais
garantidos pela nossa constituição, tais como direito à saúde, à educação, à
alimentação, à moradia e ao acesso à justiça.241
A revisão permanente de nossa sociedade revela que

todas as relações sociais da atualidade experimentam conflitos em de-


terminado momento. Esses conflitos, por uma série de fatores, dentre
os quais se podem citar a distribuição e o desenvolvimento dos papéis
sociais, o ritmo frenético imposto pela economia globalizada, a facilida-
de de comunicação que – paradoxalmente – afasta os seres humanos
e faz artificiais os laços comunitários, tornaram-se mais complexos do

240 Cumpre esclarecer que, com exceção das informações referenciadas, todas as demais
constantes neste capítulo foram retiradas Blog Justiça Comunitária. Disponível em:<http://justi-
cacomunitariapf.blogspot.com.br/> Acesso em 02 out. de 2012.
241 SALES, Lilia Maia de Morais. MIRANDA, Ana Karine P.C. COLARES, Elisabeth Fialho. Casa
de mediação comunitária – um instrumento eficaz na solução participativa e pacífica dos confli-
tos. In: MIRANDA, Ana Karine Pessoa Cavalcante...[et al]. Estudos sobre a efetivação do direito
na atualidade: a cidadania em debate. Lilia Maia de Morais Sales, organizadora. Fortaleza: Uni-
versidade de Fortaleza, 2005, p. 180.

94 Dhieimy Quelem Waltrich


que aqueles existentes há poucas décadas atrás. Desse modo, cons-
tata-se que a atual complexidade conflitiva é um traço contemporâneo
avistado nas esferas mundial e local.242

Deve-se, pois, antes de tudo, recordar que até o término da era industrial,
o homem tinha que se adaptar aos produtos oferecidos e se contentar com uma
demanda maior que a oferta. Hoje, na era do conhecimento, o foco deixa de ser
o produto e passa a ser a necessidade do homem. Dentre as suas necessidades
contemporâneas está o aprendizado e a prática do diálogo produtivo na compo-
sição de diferenças. São imprescindíveis nesse momento os métodos que facili-
tam e favorecem esse diálogo e buscam co-autoria responsável pelo que se vive
e se proporciona ao outro viver. É nesse cenário que os métodos extrajudiciais
de tratamento de conflitos, como a mediação243 comunitária, surgem em nossa
cultura, afinal, 244

falar em conflito tornou-se um inevitável lugar comum, especialmente


quando se verifica que a resposta “sólida” – que deveria ser oferecida
por instituições como o Judiciário – aos poucos esmaeceu corroída
pela incompatibilidade entre as complexas relações comunitárias e es-
tratégias hegemônicas atuais.245

Nessas condições, é importante que se mencione a noção exata do que


se pretende ao discutir a justiça comunitária como meio democrático de aces-
so à justiça, bem como instrumento eficaz no tratamento dos conflitos de uma
determinada comunidade, “como possível resposta à incapacidade estatal de

242 SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos políticos da mediação comunitária. Ijuí: Ed.
Unijuí, 2012, p. 197.
243 O termo mediação procede do latim mediare que significa mediar, dividir ao meio ou
intervir. Estas expressões sugestionam o entendimento do vocábulo mediação, que se des-
vela um método pacífico de solução de conflitos. Numa acepção moderna, mediação é um
processo voluntário de ajuste de conflitos, no qual uma terceira pessoa atua no sentido de
encorajar e facilitar a resolução de uma disputa sem determinar qual a solução. Dessa for-
ma, a mediação é um meio consensual e não adversarial de resolução de conflitos, no qual
as partes escolhem um terceiro imparcial e capacitado, no caso o mediador, que servirá de
canal de diálogo e pacificador entre as partes, não interferindo no mérito das decisões. Na
mediação, as partes são protagonistas, tendo em vista que elas [ ] conhecem desde a ori-
gem aquela controvérsia e que terão corresponsabilidade de decidir o que será melhor para
ambas às partes. Contudo, sempre deverá se priorizar a boa-fé das partes envolvidas, a
possibilidade e igualdade no diálogo, a autonomia das partes no processo e a visão positiva
do conflito. Além disso, a utilização da mediação, normalmente, é mais adequada aos confli-
tos familiares, de vizinhança e entre empresas. (MIRANDA, Ana Karine Pessoa Cavalcante.
A mediação de conflitos como instrumento de acesso à justiça, inclusão social e pacificação
social. In: MIRANDA, Ana Karine Pessoa Cavalcante...[et al]. Estudos sobre a efetivação do
direito na atualidade: a cidadania em debate. Lilia Maia de Morais Sales, organizadora. For-
taleza: Universidade de Fortaleza, 2005, p. 08).
244 Ibidem, p. 07.
245 SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos políticos da mediação comunitária. Ijuí: Ed.
Unijuí, 2012, p. 197.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
95
oferecer uma jurisdição quantitativa e qualitativamente adequada”.246
A mediação comunitária tem como objetivo principal, por meio do diálogo,
fazer com que as pessoas administrem bem seus conflitos. Assim, ela contribui
para preveni-los, conscientizando-os da importância de sua participação na dis-
cussão de seus problemas, o que dá a elas o sentimento de inclusão na socie-
dade. Dessa maneira, a mediação comunitária se mostra como um importante
meio de solução de disputas, principalmente se levarmos em consideração os
indivíduos que vivem à margem da sociedade, desolados pela desigualdade so-
cial que atinge todo o país. 247
Lilia Maia de Morais Sales salienta que

a mediação comunitária possui como objetivo desenvolver entre a po-


pulação valores, conhecimentos, crenças, atitudes e comportamentos
conducentes ao fortalecimento de uma cultura político-democrática e
uma cultura de paz. Busca ainda enfatizar a relação entre os valores
e as práticas democráticas e a convivência pacífica e contribuir para
um melhor entendimento de respeito e tolerância e para um tratamento
adequado daqueles problemas que, no âmbito da comunidade, pertur-
bam a paz.248

Ademais, à medida que a sociedade se conscientiza de que o homem evo-


lui a partir de contraposições, percebe que os conflitos devem ser administrados
positivamente, e que a técnica da mediação está prevenindo a má administração
das controvérsias, bem como o surgimento de futuros conflitos. A técnica da
mediação incentiva a prevenção dos conflitos individuais, pois estimula a prática
do diálogo, a conscientização dos indivíduos acerca de seus direitos e deveres,
a responsabilização pela concretização dos mesmos, a mudança de uma visão
negativa para uma percepção positiva do conflito, a comunicação pacífica entre
as partes, a busca pelo consenso.249
É sabido que os conflitos podem ser interpessoais, intrapessoais,
intracoletivos, intercoletivos e internacionais. Sempre que existir um conflito
pode-se questionar de que modo seus participantes – bem como suas
características individuais (força, meios de cognição, personalidade, estado
emocional, etc.) e as eventuais relações prévias de um com o outro – afetam

246 SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos políticos da mediação comunitária. Ijuí: Ed.
Unijuí, 2012, p. 198-199.
247 MIRANDA, Ana Karine Pessoa Cavalcante. A mediação de conflitos como instrumento
de acesso à justiça, inclusão social e pacificação social. In: MIRANDA, Ana Karine Pessoa
Cavalcante...[et al]. Estudos sobre a efetivação do direito na atualidade: a cidadania em de-
bate. Lilia Maia de Morais Sales, organizadora. Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 2005,
p. 17-18.
248 SALES, Lilia Maia de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Editora Belo Horizonte: Del
Rey, 2003, p. 135.
249 COSTA, Andreia da Silva. ANDRADE, Denise Almeida de. Mediação de conflitos: outras
possibilidades. In: MIRANDA, Ana Karine Pessoa Cavalcante...[et al]. Estudos sobre a efetiva-
ção do direito na atualidade: a cidadania em debate. Lilia Maia de Morais Sales, organizadora.
Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 2005, p. 37.

96 Dhieimy Quelem Waltrich


o desenvolvimento e o andamento do processo conflituoso. Assim, tal tese
conforma a hipótese de que o ambiente no qual ocorreu o conflito também
pode influenciar sua resolução. 250
Nesse ponto, a mediação comunitária atua com a lógica de um media-
dor independente, membro desta mesma comunidade, que pretende levar
aos demais moradores o sentimento de inclusão social. Essa inclusão dos
componentes da comunidade pode ser concretizada mediante a autonomi-
zação e a responsabilização por suas escolhas e por suas decisões, seja no
concernente a conflitos vivenciados ou a conflitos ocultos. Assim, criam-se
vínculos, fortalecendo o sentimento de cidadania e de participação da vida
social da comunidade.251
Nesse sentido, a mediação comunitária, cumpre com duas funções:

primeiro oferece um espaço de reflexão e busca de alternativas na


resolução dos conflitos nas mais diversas esferas: família, escola,
no local de trabalho e de lazer, entre outros. Em segundo lugar o
indivíduo possui um ganho que, não obstante parecer secundá-
rio, assume proporções políticas importantes quando ao resolver
autonomamente seus conflitos passa a participar mais ativamen-
te da vida política da comunidade. Assim, ele estimula e auxilia
os indivíduos a pensarem como conjunto (nós) e não mais como
pessoas separadas (eu-tu). A resolução do conflito é boa quando
satisfatória para todos. Nesse contexto, a maior lição é valorizar
o bem comum mais do que os bens ou ganhos individuais. Con-
sequentemente a cidadania acontece de modo efetivo quando os
“conflitantes comunitários”, com o auxílio do mediador, entendem
e usufruem de seu poder de decisão, respeitando e zelando pelo
bem-estar social. 252

Mais do que um meio de acesso à justiça fortalecedor da participação


social do cidadão, a mediação comunitária é uma política pública que vem
ganhando fomento do Ministério da Justiça, da Secretaria de Reforma do
Judiciário, do CNJ brasileiros, uma vez que comprovada está sua eficiência
na administração e resolução de conflitos. 253 É o que se pretende demons-
trar através da análise pormenorizada do Projeto Justiça Comunitária da
cidade de Passo Fundo- RS, iniciando a abordagem com breves comen-
tários acerca da necessidade de estudo e entendimento das comunidades
envolvidas.

250 SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos políticos da mediação comunitária. Ijuí: Ed.
Unijuí, 2012, p. 199.
251 Ibidem, p. 200.
252 SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos políticos da mediação comunitária. Ijuí: Ed.
Unijuí, 2012, 227- 228.
253 Ibidem, p. 228.

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
97
3.2 Locus: comunidade e seu conceito.

É sabido que a humanidade aspira a uma sociedade que não seja unica-
mente uma sociedade civil, senão que chegue a ser uma boa sociedade. Diante
disso, deve-se reconhecer que em uma sociedade onde nada é desrespeitado,
e se trata todos com idêntico respeito, todos somos capazes de alcançar o mais
completo potencial humano.254
Diz-se com frequência que o conceito de comunidade é vago e equívoco. Ocor-
re que as comunidades têm sido frequentemente menosprezadas como fator social
de importância, mas pendente de conseguir um equilíbrio entre o estado e o mercado.
Se buscarmos seu sentido etimológico, o vocábulo “comunidade” expres-
sa a associação de pessoas que têm os mesmos objetivos [...] 255
Assim, é possível conceber que o locusfavorece a convivência, bem como
a comunhão de esforços, já que todos estarão voltados ao mesmo objetivo, fa-
zendo da união a condução ao entendimento, à confiança e à segurança.
Spengler, ao tecer considerações acerca dos efeitos da vivência em co-
munidade, diz que “independentemente e não obstante as alterações/interpreta-
tivas do significado da palavra “comunidade”, sem sombra de dúvida, é bom “ter
uma comunidade” ou “estar numa comunidade”.256
Cultivar as comunidades onde já existem e ajudar a formar as novas onde
foram esquecidas, é essencial para a formação de um futuro que preserve os
bens sociais. Para promover as comunidades, os chefes de governo devem pe-
dir aos seus ministros que lhes facilitem informes anuais sobre como comprome-
ter mais as comunidades em seus trabalhos.
Uma boa sociedade se sustenta melhor em base de organização de ser-
viços mútuos e a renovação comunitária pode ser facilitada se for proporcionado
o intercâmbio social.
Ademais, para o florescimento das comunidades, as políticas públicas de-
vem ter em conta muitas vezes, que os limites geográficos das comunidades não
correspondem aos limites administrativos.257

254 Entendiendo que una buenasociedad es aquellaenla que las personas se tratan mutua-
mente como fines ensímismas y no como meros instrumentos; corno totalidades Iersonales
y no como fragmentos; como miembros de una comunidad, unidos por lazos de afecto y
compromiso mutuo, y no sólo como empleados, comerciantes, consumidores o, incluso, con-
ciudadanos. (ETZIONI, Amitai. La terceravíahacia uma buenasociedad. Propuestas desde
elcomunitarismo. Prólogo de José Pérez Adán. Madri: Editorial Trotta, 2001, p. 15.)
255 BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da Língua Portuguesa. Editora FTD S.A.: São
Paulo, 2010.
256 SPENGLER, Fabiana Marion. A mediação comunitária enquanto política pública eficaz no
tratamento dos conflitos. IN: LEAL, R; REIS, J.R. Direitos Sociais e Políticas Públicas 11. Santa
Cruz do Sul: Edunisc, 2011, p. 178.
257 ETZIONI, Amitai. La terceravíahacia uma buenasociedad. Propuestas desde elcomunitaris-
mo. Prólogo de José Pérez Adán. Madri: Editorial Trotta, 2001, p. 38.

98 Dhieimy Quelem Waltrich


As políticas que pretendem renovar e apoiar os espaços locais precisam
ter presente que estes se fortalecem, sobretudo, nos espaços públicos e não na
intimidade da casa própria e do próprio veículo. Portanto, as culturas morais das
comunidades são um recurso básico para edificar a boa sociedade e também
há de se defender que a cultura moral comunitária requer que seja examinada e
controlada pelos próprios membros e por observadores externos.
É forçoso reconhecer que uma boa sociedade combina o respeito com
os direitos individuais, bem como a satisfação das necessidades básicas dos
homens, com expectativa de que seus membros vivam com respeito e respon-
sabilidade consigo mesmos, suas famílias, amigos e a comunidade em geral.
Diante desse contexto, é na esfera territorial que as pessoas estabelecem
suas relações e se reconhecem como pertencentes a uma mesma comunidade.
Com base nesse sentido o Projeto de Justiça Comunitária da cidade de Passo
Fundo adota a comunidade como esfera de atuação. Já que é na

instância da comunidade que os indivíduos edificam suas relações so-


ciais e podem participar de forma mais ativa das decisões políticas. É
nesse cenário que se pode estimular a capacidade de autodetermina-
ção do cidadão e de apropriação de sua própria história.258

Para possibilitar o entendimento da prática comunitária, apresentam-se


algumas considerações acerca de cada comunidade objeto de aplicação do Pro-
jeto Justiça Comunitária, bem como as principais informações relacionadas ao
projeto e aos convênios estabelecidos pela política pública, ora em análise.

3.3 Política Pública de Justiça Comunitária

A justiça comunitária visa a levar a comunidade a construir e escolher seus


caminhos para a realização própria, de maneira pacífica e solidária, tendo como
principal meio a mediação. O Núcleo de Justiça Comunitária de Passo Fundo foi
implantado em março de 2011, entre uma parceria do Governo Federal, através
do Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário, com a Prefeitura de
Passo Fundo, através da Secretaria de Segurança Pública259.

258 FOLEY, Glaucia Falsarella. Justiça Comunitária: por uma justiça da emancipação. Belo Ho-
rizonte: Fórum, 2010, p. 139-140.
259 A Secretaria de Segurança Pública de Passo Fundo foi criada em outubro de 2010. É uma
conquista bastante importante para o desenvolvimento de nosso município, pois permite que
mais benefícios sejam levados à população na área de segurança e prevenção à violência e
criminalidade. O projeto Justiça Comunitária, realizado em parceria com a Escola de Direito da
IMED (com o apoio e participação das outras Escolas da faculdade), já está entrando em funcionamento,
e com certeza representará um grande avanço na segurança pública passo-fundense. Márcio Patussi é

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
99
Esta é uma das ações do PRONASCI, e objetiva auxiliar na pacificação
da sociedade, fortalecendo as bases comunitárias de apoio social e facilitando
o acesso à justiça por meio de informação, prevenção, e da própria mediação.
O projeto contempla dois bairros: José Alexandre Zachia e Valinhos. O Núcleo
visa promover a coesão social, a solidariedade, a intensificação da paz, por meio de ati-
vidades e informações jurídicas, mediação comunitária e animação das redes sociais260.
O Projeto Justiça Comunitária: “A Interface sistêmica entre Estado e Sociedade
Civil para elaboração de políticas públicas visando à gestão de conflitos e a efetivação
do acesso à justiça”, da Escola de Direito da IMED261, ocorreu de março de 2011 a
março de 2012262, na cidade de Passo Fundo- RS, nos bairros Zachia e Valinhos.
O projeto263 buscou examinar o papel do Estado e da sociedade civil na

o secretário municipal responsável pela Secretaria de Segurança Pública. Em matéria publicada pelo
Jornal Diário da Manhã, ele comenta: “O nosso momento inicial é trabalhar com a violência, com rela-
ção às causas e a prevenção da violência. Já temos os recursos do Pronasci (Programa Nacional de
Segurança com Cidadania) que são oriundos do Ministério da Justiça, através do governo federal, onde
se incentiva um novo olhar no tratamento da violência. Os municípios brasileiros não podem trabalhar
com policiamento ostensivo, com aquela repressão, que é típica, das polícias constituídas, sejam elas
as polícias militares, ou as polícias civis que são de obrigação dos estados, sejam elas da polícia fede-
ral, ou até mesmo do exército brasileiro que tenham o seu comando na união. O município tem que fa-
zer uma atividade diferente, e o município de Passo Fundo que foi habilitado com recursos, vem a ser o
nosso carro chefe. Nós temos inicialmente aprovado no Pronasci R$ 2 milhões e 600 mil, ainda no ano
de 2009, estes recursos já estão disponíveis para a prefeitura. Temos três projetos importantíssimos,
no tratamento a prevenção das causas de violência, um deles é “Mulheres da Paz”, outro deles é “Pro-
tejo”, e outra “Justiça Comunitária”, onde estaremos inserindo nas comunidades mais carentes, onde
haja um determinado índice de violência estaremos inserindo uma cultura de paz, formando pessoas,
ajudando aquele adolescentes que cometem atos infracionais a mudar um pouco a sua visão, e se
tornarem pessoas de bem.” A Justiça Comunitária é um modelo que vem sendo adotado com sucesso
em vários lugares do Brasil. Agora, Passo Fundo também irá adotar projetos inovadores de prevenção
da violência. (Disponível em: <http://justicacomunitariapf.blogspot.com.br>. Acesso em 05 nov. 2012.
260 As redes sociais são a expressão dos contornos da contemporaneidade. O padrão de organi-
zação em rede caracteriza-se pela multiplicidade dos elementos interligados de maneira horizontal.
Os elos de uma rede se comunicam voluntariamente sob um acordo intrínseco que revela os traços
de seu modus operandi. A animação das redes sociais tem por objetivo promover o capital social,
cujo grau, embora não possa ser mensurado, pode ser avaliado a partir da presença dos seguintes
elementos na comunidade: sentimento de pertença, cooperação, confiança mútua, elaboração de
respostas locais, emergência de um projeto comum, repertório compartilhado de símbolos, ações,
conceitos, rotinas, ferramentas, estórias e gestos, relacionamento, comunicação, realização de coi-
sas em conjunto. Nesse sentido, é fundamental que os Agentes Comunitários e equipe multidiscipli-
nar mantenham em suas agendas permanentes contatos com a comunidade, por meio de reuniões
previamente organizadas. Essas reuniões devem propiciar que o tema que as ensejaram seja objeto
de reflexão, abordagem e troca de saberes diferenciados, incluídos os técnicos que eventualmente
participem e daqueles produzidos localmente. Também deve haver um espaço para falar do futuro
que é sempre um norteador dos esforços comunitários. Ao propiciar esses encontros e promover
esses diálogos, os Agentes Comunitários agem como tecelões contribuindo para que essa teia social
se fortaleça e integre a construção de uma comunidade coesa. (FOLEY, Glaucia Falsarella. Justiça
Comunitária: por uma justiça da emancipação. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 143-144).
261 Obs.: O projeto envolveu professores que atuam em diferentes Escolas na IMED.
262 Mesmo após o término do convênio com o Ministério da Justiça, a PMPF subsidiou a conti-
nuidade do projeto até o mês de Junho de 2012.
263 Equipe executora: Professor Doutor Mauro Gaglietti Coordenação do Projeto de Pesquisa,
Prof. Ms. Marcelino Meleu, Coordenação e Execução, Profa. Ms. Sabrina Francio – Coordena-
ção do Grupo de Estudo- Desenvolvimento Humano e Formação de Líderes Mediadores.

100 Dhieimy Quelem Waltrich


gestão de conflitos e acesso à justiça. Para tanto, se propôs a elaborar um es-
tudo de caso junto ao município de Passo Fundo, mapeando em um primeiro
momento a natureza dos conflitos existentes nos bairros Zachia e Valinhos em
Passo Fundo, e as redes que atuam nestas comunidades, bem como oferecer
subsídios ao poder público e os demais órgãos responsáveis pela implementa-
ção do Projeto Justiça Comunitária no município de Passo Fundo, para elabora-
ção de políticas públicas de democratização do acesso à Justiça.
A justificativa do projeto se deu em virtude de tratar-se de um projeto multidis-
ciplinar de relevância social pela oportunidade de estudar a formação de líderes no
processo de implantação da mediação comunitária dos conflitos em dois bairros “de
risco” em Passo Fundo. Tal ação contribuiu com a formação, capacitação e com o
desenvolvimento do ser humano à medida que se amplia a qualidade de vida.
Além disso, do ponto de vista acadêmico,264 fomentou o conhecimento e
as publicações nas áreas envolvidas. Soma-se ao exposto a implantação de uma
prática multidisciplinar, colocando-se na vanguarda o que se refere ao acesso à
justiça e à administração da justiça, o que envolve professores e alunos de dife-
rentes cursos da instituição. A pesquisa revelou-se importante para a implemen-
tação dos dois projetos em que a IMED ganhou os editais (Pacificar e Justiça
Comunitária), angariando, assim, recursos mínimos e uma excelente projeção
social e científica para a instituição em âmbito estadual e nacional.
O objetivo geral do projeto foiexaminar as formas utilizadas pelos morado-
res dos Bairros Zachia e Valinhos para o acesso à justiça.
Dentre os objetivos específicos, podemos citar os seguintes:
1) Detectar e mapear a ação das organizações sociais presentes nos re-
feridos bairros;
2) Estudar a natureza dos conflitos na região em foco, sobretudo aqueles
relacionados ao ambiente escolar e às brigas envolvendo casais e vizinhança;
3) Identificar as lideranças de ambos os bairros e examinar suas trajetórias
e as formas inventadas para encaminhar as demandas das comunidades citadas;
4) Avaliar as representações sociais dos líderes comunitários acerca do
cotidiano dos Bairros Zachia e Valinhos, principalmente no que se refere às me-
todologias de resolução de conflitos, da ação do Poder Judiciário, da Prefeitura,
da Câmara de Vereadores, do Ministério Público, do Conselho Tutelar, da Escola
e das Organizações com forte atuação naquela região.
Ademais, a base teórica do projeto foi desenvolvida de forma que fosse
possível a execução da melhor abordagem e construção da temática, bem como

264 Projeto de Extensão vinculado ao Projeto: Cartografia dos conflitos nos Bairros Zachia e
Valinhos em Passo Fundo (RS) e mapeamento das organizações existentes na área pesquisa-
da: sustentando ações de democratização do acesso à justiça. Objetivos: O projeto pretende
em linhas gerais identificar e mapear os tipos de conflitos que afetam os moradores dos bairros
Zachia e Valinhos e, especificamente, identificar as pessoas envolvidas. Ao mesmo tempo, visa
constituir uma equipe composta de voluntários, e das entidades que compõe a rede de atuação
junto às comunidades pesquisadas, bem como, encaminhar proposta de resolução destes
conflitos tendo em vista as práticas de resolução de conflitos tais como a mediação e a justiça
restaurativa dentro de um projeto maior denominado de Justiça Comunitária.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
101
o problema de pesquisa, e algumas hipóteses de investigação. São elas:
1) A descoberta da crise do Estado e da jurisdição como crise.
2) A Jurisdição e os institutos processuais no Estado Democrático de Di-
reito para a democratização do acesso à justiça.
3) Superação da crise jurisdicional com a participação da comunidade e
elaboração de políticas públicas.
O projeto de pesquisa fez uso de três métodos teóricos relacionados e, ao
mesmo tempo complementares, para dar conta da realização de 20 entrevistas265
com os líderes comunitários dos bairros Valinhos e Zachia em Passo Fundo (RS).
O objetivo das entrevistas era verificar junto aos mediadores o domínio
das situações desafiadoras de cada comunidade que se viam inseridos.
Os métodos e técnicas de análise justificam-se na medida em que se per-
cebe que, nas sociedades modernas, somos diariamente confrontados com uma
grande massa de informações. As novas questões e os eventos que surgem no
horizonte social exigem - por nos afetarem de alguma maneira -, que busquemos
compreendê-los, aproximando-os daquilo que já conhecemos, usando palavras
que fazem parte de nosso repertório.
Nas conversações diárias, em casa, no trabalho, com os amigos, somos

265 ROTEIRO DA ENTREVISTA


1) NOME
2) IDADE
3) FORMAÇÃO ESCOLAR
4) EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
5) TEMPO DE MORADIA NA COMUNIDADE E HISTÓRIA DE VIDA
6) EXPERIÊNCIA EM ENTIDADES, GRUPOS, IGREJAS, ESPORTE, ESCOLA, ASSOCIAÇÃO
DE MORADORES outros...
7) CARACTERÍSTICAS DE UM LÍDER DA COMUNIDADE
8) CARACTERÍSTICAS DE UM MEDIADOR DA COMUNIDADE
9) IDEIA A RESPEITO DO BAIRRO
10) IDEIA COM RELAÇÃO AOS ASPECTOS POSITIVOS DO BAIRRO
11) IDEIA ACERCA DOS PONTOS CONSIDERADOS NEGATIVOS EXISTENTES NO BAIRRO
12) VISÃO SOBRE AS PESSOAS QUE NÃO PARTICIPAM DAS REUNIÕES E ENCONTROS
VOLTADOS A DEBATER AS QUESTÕES QUE DIZEM RESPEITO À COLETIVIDADE
13) OCORRÊNCIAS DE SENTIMENTOS DE AMIZADE, ANTIPATIA OU SIMPATIA QUE PER-
MEIAM AS PESSOAS NO BAIRRO
14) OS MOTIVOS E INTERESSES PARA PARTICIPAR DAS REUNIÕES E DA ASSOCIAÇÃO
DE MORADORES
15) COMO FICOU INFORMADO ACERCA DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA
16) POR QUE SE INTERESSOU EM PARTICIPAR
17) QUAIS SÃO AS REGRAS QUE OS MORADORES COSTUMAM SEGUIR
18) IDEIA DE JUSTIÇA
19) IDEIA DE LEI
20) IDEIA DE ORDEM
21) IDEIA DE DIREITO
22) IDEIA ACERCA DO PODER JUDICIÁRIO
23) IDEIA ACERCA DA BRIGADA MILITAR, POLÍCIA CIVIL, CONSELHOS TUTELARES
24) IDEIA ACERCA DA PREFEITURA MUNICIPAL
25) IDEIA SOBRE A PRESENÇA DE ALUNOS E PROFESSORES DA IMED NO BAIRRO
26) QUAIS AS EXPECTATIVAS CRIADAS COM O PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA
27) O QUE SE ENTENDE POR MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA

102 Dhieimy Quelem Waltrich


instados a nos manifestar sobre eles, a procurar explicações, fazendo julgamen-
tos e tomando posições. Estas interações sociais criam “universos consensuais”
sobre a violência, a criminalidade, os conflitos e o papel das famílias, da socie-
dade e do Poder Judiciário e Ministério Público no âmbito dos quais as novas
representações vão sendo produzidas e comunicadas, o que passa a fazer parte
desse universo não mais como simples opiniões, mas como verdadeiras “teo-
rias” do senso comum, construções esquemáticas que visam a dar conta da
complexidade do objeto, facilitar a comunicação e orientar condutas.
Essas “teorias” ajudam a forjar a identidade grupal e o sentimento de per-
tencimento do indivíduo ao grupo. Assim, vamos buscar apoio do suporte meto-
dológico e teórico da Observação Participante266, da Análise de Conteúdos267 e

266 Essa técnica coloca o pesquisador numa tensão permanente entre a necessidade de se adequar
às características do grupo e a necessidade de manter o necessário espírito crítico e a isenção cien-
tífica. Assim, a observação participante é uma técnica de investigação social em que o observador
partilha, na medida em que as circunstâncias o permitam, as atividades, as ocasiões, os interesses
e os afetos de um grupo de pessoas ou de uma comunidade. É, no fundo, uma técnica composta, à
medida que o observador não só observa como também tem de se socorrer de técnicas de entrevista
com graus de formalidade diferentes. O objetivo fundamental que subjaz à utilização desta técnica é a
captação das significações e das experiências subjetivas dos próprios intervenientes no processo de
interação social. Como o observador tem de se integrar num grupo ou comunidade que, em princípio,
lhe é estranho, ele sofrerá um processo de “ressocialização”, tendo, frequentemente, de aprender no-
vas normas e linguagens ou gírias e de representar novos papéis, o que coloca problemas particulares
relativos à objetividade científica. A técnica possibilita graus diversos de integração no grupo observado
e de sistematização dos procedimentos de recolha de informação, de acordo com os objetivos que o
investigador estabelece para a investigação, e adequa-se particularmente a fenômenos ou grupos de
reduzida dimensão, pouco conhecidos e/ou pouco visíveis, como é o caso, por exemplo, de atividades
que uma sociedade define como ilícitas e às quais dificilmente se poderia aceder de outro modo. Toda-
via, pelas suas próprias características, a observação participante apresenta algumas vantagens, como
o risco, sempre presente, do investigador resvalar para a subjetividade, devido ao seu envolvimento
pessoal com o objeto, e a possibilidade da sua presença perturbar o normal decurso da interação social
267 A Análise de Conteúdo se define como um “conjunto de técnicas de análise das comunicações”
que aposta grandemente no rigor do método como forma de não se perder na heterogeneidade de
seu objeto. Nesses termos, como em qualquer outro procedimento de investigação, também neste
o investigador deve assegurar-se e deve assegurar os seus leitores “que mediu o que pretendia me-
dir”.O método das entrevistas está sempre relacionado com um método de análise de conteúdo. Os
métodos de entrevista são uma aplicação dos processos fundamentais de comunicação que quando
são corretamente utilizados permitem ao investigador retirar das suas entrevistas elementos de reflexão
muito ricos. Nos métodos de entrevista, contrariamente ao inquérito por questionário, há um contato
direto entre o investigador e os seus interlocutores. Esta troca permite o interlocutor do investigador
exprimir as suas ideias, enquanto que o investigador, por meio das suas perguntas, facilita essa ex-
pressão e não deixa fugir dos objetivos de investigação. No âmbito da análise de histórias de vida, o
método de entrevista é extremamente aprofundado e detalhado com muito poucos interlocutores, o que
leva a que as entrevistas sejam divididas em várias sessões. O método de entrevista é especialmente
adequado na análise que os atores dão às suas práticas, na análise de problemas específicos e na
reconstituição de um processo de ação, de experiências ou acontecimentos do passado. Tem como
principais vantagens o grau de profundidade dos elementos de análise recolhidos, a flexibilidade e a
fraca ação do dispositivo que permite recolher testemunhos dos interlocutores. Quanto às desvanta-
gens, a questão de flexibilidade também pode contribuir. Isto porque o entrevistador tem que saber
jogar com este fator, de forma a estar à vontade, mas também de forma a não intimidar o interlocutor, o
que poderia ocorrer caso por exemplo a linguagem ou a postura do entrevistador fossem de tal forma
flexíveis. Outra desvantagem comparativamente ao método de inquérito por questionário é o fato de os
elementos recolhidos não se apresentarem imediatamente sob uma forma de análise particular.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
103
das Representações Sociais.268
A gestão do projeto se deu em parceria com oMinistério da Justiça (MJ),
que forneceu informações acerca da temática, suporte financeiro para auxiliar na
viabilização da pesquisa, fiscalização do andamento por intermédio da análise
minuciosa dos relatórios e acompanhamento no local por meio de visitas perió-
dicas. Também pela:
Secretaria da Reforma do Judiciário (SRJ) – PRONASCI: que forneceu
informações sobre a implantação dos Projetos Pacificar e Justiça Comunitária
de outras cidades do País, suporte financeiro para auxiliar na viabilização da
pesquisa, suporte técnico e teórico acerca do acesso à justiça por meio da ex-
periência internacional no que se refere às práticas restaurativas, à mediação e
outras metodologias como a justiça comunitária.
Poder Judiciário: através do convênio entre a Vara de Família e o NUJUR,
priorizando os casais oriundos dos bairros Valinhos e Zachia, bem como forne-
cendo informações relacionadas à pesquisa.
Ministério Público Estadual: que forneceu as informações sobre os confli-
tos que têm origem nos bairros Valinhos e Zachia, no que se refere aos proces-
sos em tramitação.
Prefeitura Municipal de Passo Fundo (PMPF): que forneceu informações
acerca dos entrevistados selecionados na amostra de 40 líderes comunitários,
suporte financeiro para auxiliar na viabilização da pesquisa, como também fis-
calização do andamento da pesquisa por intermédio da análise minuciosa dos
relatórios e acompanhamento no local por meio de visitas periódicas.
Escola Municipal de Ensino Fundamental Guaracy Marinho, a União das
Associações Comunitárias de Passo Fundo (UAMPF), a Escola de Pais do Bra-
sil, a ONG Leão XIII: que forneceram informações acerca dos entrevistados se-
lecionados na amostra de 40 líderes comunitários, bem como deram suporte
humano e técnico em apoio aos pesquisadores.
Associação de Voluntários de Passo Fundo (AVOCE), o Núcleo de Prática
Jurídica - NUJUR/IMED: que deram suporte humano e técnico em apoio aos
pesquisadores.
Escola de Direito, Psicologia, Gestão Pública e Administração da IMED:
dando suporte técnico por meio do NUJUR, dos bolsistas e dos pesquisadores.

268 Parte-se da premissa de que não existe separação entre o universo externo e o universo interno do
sujeito: em sua atividade representativa, ele não reproduz passivamente um objeto dado, mas, de certa
forma, o reconstrói e, ao fazê-lo, se constitui como sujeito, pois, ao apreendê-lo de uma dada maneira,
ele próprio se situa no universo social e material. Além disso, afirma que as representações sociais, tal
como as opiniões e as atitudes, são “uma preparação para a ação”, mas, ao contrário dessas, não o
são apenas porque orientam o comportamento do sujeito, mas principalmente porque reconstituem os
elementos do ambiente no qual o comportamento terá lugar, integrando-o a uma rede de relações às
quais está vinculado o seu objeto. Finalmente, observa que os conceitos de opinião, atitude e imagem
não levam em conta o papel das relações e interações entre as pessoas: os grupos são considerados
a posteriori e de maneira estática, apenas enquanto selecionam e utilizam as informações que circulam
na sociedade e não como as instâncias que as criam e as comunicam. Os contextos, bem como os
critérios, as intenções e as propensões dos atores sociais não são considerados.

104 Dhieimy Quelem Waltrich


No que tange aos recursos financeiros269 aplicados ao projeto,

o Ministério da Justiça fez um investimento de R$ 312.467,00 para o


Núcleo de Justiça Comunitária no município, conforme consta no site
da Secretaria de Reforma do Judiciário. O projeto foi realizado pela Se-
cretaria de Segurança Pública da Prefeitura Municipal de Passo Fun-
do – RS, que, por meio de licitação, firmou contrato com a Faculdade
Meridional – IMED para a implantação do projeto, numa parceria que
durou até junho de 2012, consolidando-se a primeira etapa do projeto
no município.270

Responsáveis pelo projeto Justiça Comunitária:


Márcio Patussi - Secretário de Segurança Pública da Prefeitura Munici-
pal de Passo Fundo (Advogado e Professor Universitário)
Marisa Ré De Rocco - Gestora Local do Projeto Justiça Comunitária
junto à Secretaria de Segurança Pública da Prefeitura Municipal de
Passo Fundo
Coordenador da Equipe Técnica
Prof. Dr. Mauro Gaglietti

Equipe técnica responsável pelo projeto:


Assistente Social: Isabel Frosi Benetti
Psicólogo: Luiz Ronaldo Freitas de Oliveira (Coordenador da Escola de
Psicologia da IMED, Mestre em Psicologia/UNISINOS)
Advogado: Marcelino da Silva Meleu (Professor Universitário (IMED),
Mestre em Direito (URI – SANTO ÂNGELO) e Doutorando em Direito
(UNISINOS)
Laura Teston Machado: Estudante do Curso de Direito da IMED e Es-
tagiária no Núcleo de Justiça Comunitária no Bairro Zachia
Morgana Giacomini - Estudante do Curso de Direito da IMED e Esta-
giária no Núcleo de Justiça Comunitária no Bairro Valinhos.

269 Cumpre salientar que a equipe executora captou recursos externos para a execução do
projeto, cerca de R$270.000,00, desdobrados em dois projetos: “Pacificar e Justiça Comunitá-
ria”. Saliente-se que a IMED ganhou o edital do Projeto Pacificar junto ao Ministério da Justiça,
ficando em quarto lugar no âmbito nacional. Essa verba está na PMPF desde janeiro de 2010 e
foi liberada para a utilização em meados do ano de 2011. Além disso, a IMED atingiu a primeira
colocação junto ao edital da PMPF no que se refere a implementação do Centro de Mediação
Comunitária nos Bairros Zachia e Valinhos em Passo Fundo. A PMPF repassou para a IMED, no
primeiro caso, cerca de R$100.000,00 e no segundo R$170.000,00.
270 ZANTEDESCHI, Jader Mateus. Mediação de conflitos extrajudiciais: O caso do Projeto Jus-
tiça Comunitária em Passo Fundo (RS). (Monografia do curso de Direito) - Faculdade Meridional-
IMED, Passo Fundo, 2012.

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105
3.4 Projeto Justiça Comunitária em Passo Fundo

O que é Núcleo de Mediação nos bairros Zachiae Valinhos em Passo


Fundo?
É o instrumento de mediação de conflitos implantado pelo Ministério da Justiça
(PRONASCI, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Secretaria da Reforma do
Judiciário), Prefeitura Municipal de Passo Fundo (Secretaria de Segurança Pública)
e IMED (Faculdade IMED) visando promover a pacificação social, o fortalecimento
das bases comunitárias e a prevenção e solução de conflitos.

O que é Mediação Comunitária?


É uma técnica de administração de conflitos de caráter informal, não
adversarial, na qual um terceiro, chamado mediador, que não tem poder sobre
as partes (não decide, nem sugere), facilita a comunicação entre estas e ajuda
a criar opções para chegar a um acordo consensual e mutuamente satisfatório.
A mediação comunitária promove uma maior responsabilidade e participação da
comunidade na solução dos seus conflitos, abrindo novos caminhos para uma
positiva transformação sociocultural.

Quem pode ser atendido no Núcleo de Mediação Comunitária?


Qualquer pessoa física ou jurídica. O Núcleo de Justiça Comunitária não
cobra pelos serviços prestados.
Consoante o exposto, muitos colaboraram para a correta execução e anda-
mento do projeto, sendo que o início dos trabalhos in loco ocorreu em março de
2011, quando a equipe estruturante do Projeto buscou os líderes do Bairro José
Alexandre Zachia para que fosse possível a implantação do Núcleo de Justiça Co-
munitária, bem como a escolha do local que melhor atendesse a demanda.
Assim que houve a locação, iniciaram-se os trabalhos de cadastramento
dos interessados em realizar a seleção. Em maio de 2011, iniciou-se a capacita-
ção dos agentes comunitários.
A escolha dessas duas comunidades foi através de um consenso, que
identificou os bairros com maiores necessidades sociais e com alto índice de
violência. “A escolha dos bairros partiu de um acordo com os órgãos envolvidos.
Nessas comunidades, 90% das pessoas são da classe trabalhadora e que ne-
cessitam muito desse núcleo”, disse Gaglietti, Coordenador do Projeto271.

271 Mauro Gaglietti, Cientista Político e Doutor em História. Professor e Pesquisador do Mestrado
em Direito da URI (Santo Ângelo, RS); Professor do Curso de Direito da IMED (Passo Fundo, RS);
Professor do Curso de Direito da FAI/UCEFF (Itapiranga, SC) e Coordenador do Projeto Justiça
Comunitária em Passo Fundo. O evento, que fez parte da programação do Mês do Advogado, foi
promovido pela Comissão de Mediação e Práticas Restaurativas. A secretária-geral da OAB/RS,
Sulamita Santos Cabral, fez a abertura do Seminário Os Caminhos da Mediação no RS, em 16 de
agosto de 2011, no Auditório Guilherme Schültz Filho. O evento, que faz parte da programação do
Mês do Advogado, foi promovido pela Comissão de Mediação e Práticas Restaurativas. Em sua
fala, o presidente da Comissão, conselheiro seccional Ricardo Dornelles, destacou que a media

106 Dhieimy Quelem Waltrich


Mensalmente, ocorreram reuniões junto às lideranças, para que fosse
possível traçar o mapa de trabalho, bem como adequar o projeto às necessida-
des das comunidades atendidas.
Como a maioria da população não conhece, tampouco participou de uma
sessão de mediação, houve a distribuição da cartilha272: “O que é Justiça Comu-
nitária?” Ela explica de maneira bem fácil e rápida o que é a Justiça Comunitária
e por que é tão importante.
Primeiramente, estava prevista a data de 24 de março de 2011 para a as-
sinatura do contrato que daria início ao Projeto de Justiça Comunitária, mas ela
foi adiada para 31 de março de 2011.
O lançamento do projeto ocorreu na escola Guaracy Barroso Marinho,
no bairro Zachia e foi um sucesso, contando com a presença de muitos alunos,
voluntários, pessoas da comunidade, autoridades, apoiadores e imprensa. Com-
pareceram cerca de 260 pessoas. O contrato entre a IMED e a Prefeitura foi
assinado.
Em agosto de 2011, houve a visitação aos bairros Integração, Professor
Schisler, Jaboticabal e Zachia pelos Integrantes do Gabinete e Gestão Integra-
da Municipal, coordenadores do Programa Estadual de Segurança Pública com
Cidadania da Secretaria de Segurança Pública do Estado, delegado Carlos Ro-
berto Santana e Coronel Júlio Cezar Marobin.
Estes bairros foram denominados “Territórios de Paz”, através do PRO-
NASCI, e possuem em funcionamento o Centro de Referência de Assistência
Social, Núcleo de Justiça Comunitária, ginásio construído com verbas do Progra-
ma de Prevenção à Violência e Posto Móvel de Polícia Comunitária do 3oRPMon.
Estiveram presentes durante a visita, Delegados da Policia Civil, Oficiais
e Praças da Brigada Militar, Policiais Rodoviários Federais e o Secretário de Se-
gurança do município Sr. Márcio Patussi.
Na data de 17 de setembro, o Núcleo de Justiça Comunitária recebeu a
visita do 3º BOE de Passo Fundo. Na oportunidade, houve um bate-papo com
o objetivo de conhecer mais sobre o trabalho do Batalhão de Operações Espe-
ciais, além de aproximar a comunidade das forças policiais da cidade, dialogan-
do e atuando para a promoção de uma cultura de paz.
O Batalhão tem como missão apoiar os Comandos Regionais de Polícia
Ostensiva do Planalto, Serra, Fronteira Noroeste e Missões, que no total com-
preendem 256 municípios em eventos especiais. Além disso, busca controlar
os distúrbios sociais, garantindo a segurança física e patrimonial da população
e atuar na repressão ao crime organizado e aos criminosos com maior poten-
cial de agressividade e que trazem maior intranquilidade à região, como, por
exemplo, assaltos a bancos, situações com reféns localizados (procedimentos
preliminares, até a chegada do Grupo Tático da Capital), entre outras situações

ção é muito mais do que um modelo teórico. “Temos a Casa de Mediação, um projeto pioneiro, que
visa auxiliar a população em situação de vulnerabilidade social”, afirmou. Durante o evento, houve
a abordagem da experiência vivenciada em Passo Fundo, pelo seu Coordenador.
272 Disponível para download no sítio do Ministério da Justiça:
http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={597BC4FE-7844-402D-BC4B-06C93AF009F0}

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
107
(invasões de terra, controle de distúrbios civis, etc.).
Importante salientar que, na data de 22 de novembro de 2011, houve o
lançamento do RS na PAZ, Programa de Segurança Pública com Cidadania do
Estado do Rio Grande do Sul. Passo Fundo foi o primeiro município do interior
do Estado a receber o programa, implementando nos bairros José Alexandre
Zacchia e Integração.
O programa é composto por um conjunto de políticas públicas baseadas
no diálogo entre as ações sociais e policiais, fundamental para a redução dos
índices de violência e criminalidade e da vulnerabilidade das pessoas.
A ideia do projeto é que, juntamente com a implantação do RS na PAZ,273
criem-se alternativas para que o jovem deixe o mundo do crime e possa ingres-
sar na sociedade como um profissional capacitado. Segundo o Governador, “o
projeto274 tem o objetivo de cortar as veias alimentadoras de recrutamento do
crime, porque ao mesmo tempo em que tem um trabalho policial de alto nível,
abre um leque de oportunidades para os jovens não serem captados pelas qua-
drilhas”.
De acordo com o secretário de Segurança Pública de Passo Fundo, Már-
cio Patussi, essa cidade foi beneficiada com esse primeiro modelo do Território
da Paz, que ainda é contemplado pelos núcleos de justiça comunitária, graças a
um conjunto de ações da Prefeitura Municipal de Passo Fundo com o Governo
do Estado. Ele explicou que os bairros Integração e Zachia estão inseridos no
projeto em função de problemas de criminalidade e vulnerabilidade social. “Após
efetivarmos o Território da Paz, com certeza esses índices serão diminuídos, e
com isso a tranquilidade será devolvida a essas comunidades”, disse.
No encontro ainda estiveram representantes de várias secretarias do Go-
verno Estadual, como Educação, Saúde, Esporte e Lazer e Ação Social, além do
coordenador Estadual do RS na Paz, o delegado Carlos Roberto Santana, e o
coronel Júlio César Marobin, responsáveis pelas ações de lançamento do Terri-
tório da Paz e dos núcleos de polícia comunitária em Passo Fundo.
Várias ações foram implantadas com o objetivo de combater e reduzir os

273 No viés de promover a paz e a cidadania, a IMED e a Prefeitura Municipal de Passo Fundo,
desenvolvem o projeto da Justiça Comunitária, vinculado ao PRONASCI (Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania). O projeto é uma ação que visa contribuir para a democrati-
zação do acesso à justiça por meio da mobilização e capacitação de agentes comunitários pre-
parados na gestão de conflitos. O Núcleo de Justiça Comunitária está inserido no bairro Zachia.
274 RS na Paz, programa de segurança pública com cidadania do Estado do Rio Grande do Sul,
inaugura uma nova fase na consolidação do princípio de que segurança pública não é sinônimo
de polícia. “É um conjunto de políticas públicas baseadas no diálogo entre ações sociais e poli-
ciais, fundamental para a redução dos índices de violência e criminalidade e da vulnerabilidade
das pessoas”, apontou Carlos Sant`Ana. Os Territórios da Paz possibilitam, além do controle
preventivo da violência, a convivência pacífica nas comunidades. As atividades do RS na Paz
começam com o diagnóstico das áreas de maior concentração de violência e criminalidade. A
etapa seguinte é a ação policial intensa e qualificada contra o crime. A partir daí, a permanência
da polícia nos locais críticos garante a ordem pública e possibilita a implantação de ações sociais
que materializem a presença do Estado nessas áreas. O RS na Paz atua prioritariamente com
jovens entre 12 e 24 anos, faixa etária em que é possível trabalhar com a prevenção do uso e
dependência de drogas e também do envolvimento com o tráfico de entorpecentes.

108 Dhieimy Quelem Waltrich


números de violência e da criminalidade, além do oferecimento de projetos so-
ciais à população em situação de vulnerabilidade.
A comitiva do Governo Estadual apresentou as ações que foram desen-
volvidas nos territórios e, após, todos visitaram os locais que receberam os Ter-
ritórios da Paz. O delegado Carlos Sant`Ana ainda se reuniu com o diretor da
Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo
(UPF), Marcio Leiria, a coordenadora do curso de Educação Física, Lorita Wes-
chenfelder, e professores do projeto Atleta do Futuro. Sant`Ana apresentou o RS
na Paz e conheceu os programas da universidade voltados a crianças e adoles-
centes em situação de vulnerabilidade.
Depois de ocorrida a seleção dos agentes comunitários, houve o início
dos trabalhos. Esses agentes passaram a atuar junto às suas comunidades, de
forma que houve o mapeamento do local, com a visitação residencial e o levan-
tamento dos principais conflitos.
Os agentes comunitários definiram este momento como “pré-mediação”,
já que era o momento inicial da abordagem, e o eventual encaminhamento, com
o respectivo agendamento, para a equipe multidisciplinar, advogados, psicólo-
gos, assistente social.
Dali em diante eram definidas as mediações, onde teria a presença de um
técnico - advogado, psicólogo ou assistente social - e do mediador.
O Projeto “Mulheres da Paz” contribui bastante com o trabalho dos agen-
tes comunitários. Afinal, trabalhavam de maneira interligada, já que também
realizavam encaminhamentos, em virtude das estatísticas revelarem um grande
número de ocorrência de violência doméstica na cidade.
A ideia inicial era a capacitação de 40 mediadores, mas foram capacitados
20; destes, 15 atuaram efetivamente.
Como já referido anteriormente, para o melhor desenvolvimento dos traba-
lhos, dois núcleos275 foram instalados: um no bairro Zachia e outro no Valinhos.
Conforme o IBGE, essas duas regiões abrangem quase oito mil habitantes. Os
serviços oferecidos gratuitamente estavam associados aos encaminhamentos à
área jurídica, social e psíquica em parceria com a Secretaria de Segurança, a
Secretaria de Educação, Agentes Comunitários de Saúde e os CRAS.
Além disso, o principal trabalho referiu-se à mediação dos problemas en-
frentados pelas famílias, casais, vizinhos e os dependentes do crack. O projeto
atuou no serviço de mediação de conflitos através de sua equipe técnica e dos
agentes comunitários.
Os mediadores foram preparados para auxiliar na solução dos problemas
que surgem nos respectivos bairros, com apoio do Ministério da Justiça, da Pre-
feitura, da Imed, do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e das
forças policiais, do Conselho Tutelar e da OAB. O objetivo era reduzir os conflitos
domésticos, familiares e escolares, bem como evitar a distribuição de demandas

275 Os Núcleos de Justiça Comunitária funcionavam de segunda à sexta-feira das 13h30 às


17h30 e aos sábados entre 8h30 e 12h.

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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
109
perante o Poder Judiciário.
Como referido anteriormente, a escolha dos bairros se deu em virtude do
mapeamento das áreas que demonstravam carência em diversos aspectos e em
níveis consideráveis.
Na década de 1980, foi criado no Brasil um banco para financiamento de
moradias, o BNH (Banco Nacional da Habitação). Mas esse tipo de financiamen-
to,só beneficiava trabalhadores com renda entre cinco a dez salários mínimos.
Então, dentro do BNH, foi criado um órgão denominado COHAB (Cooperativa
Habitacional), beneficiando trabalhadores com renda salarial entre dois a cinco
salários mínimos.
Em Passo Fundo, foram construídos quatro conjuntos habitacionais, fi-
nanciados pela Cohab-RS. No bairro Planaltina, (popularmente conhecido como
as casas do BNH), o bairro Lucas Araújo (popularmente conhecido como as ca-
sas populares), o bairro Edmundo Trein (popularmente conhecido como Cohab
I), e o bairro Luís Sechi (popularmente conhecido como Cohab II).
Mas e os assalariados (com renda de um salário mínimo), onde se encai-
xavam nesses benefícios? Deste modo, foi criado, dentro da Cohab, um departa-
mento denominado de Promorar, beneficiando famílias com rendimentos de zero
a dois salários mínimos.
O bairro José Alexandre Zachia foi o último conjunto habitacional cons-
truído pela Cohab-RS em Passo Fundo. O objetivo da construção do Zachia foi
tentar realocar famílias que residiam nas margens dos trilhos de Trem, os deno-
minados beira-trilhos, para o novo bairro.
Mas por que bairro José Alexandre Zachia? Como pelo interior do estado
do RS houve cerca de uma dezena de construções do projeto Promorar, os mo-
radores do novo bairro passo-fundense, pleitearam pela mudança do seu nome.
Primeiramente, vários nomes foram cogitados, inclusive o nome da família que
era proprietária da área (família Barbosa), até que o vereador Afrânio Peixoto
levou à votação o nome do fundador do projeto Promorar, Sr. José Alexandre
Zachia, que foi aceito pelos moradores do bairro e aprovado pela Câmara de
Vereadores de Passo Fundo, através do projeto nº 2098/84.
Ocorre que, até os dias atuais tratar do tema moradia, o acesso a projetos
habitacionais para pessoas de baixa renda é uma loteria, e quando se é “sortea-
do” na maioria das vezes o “projeto” fica em um local distante da cidade, onde
não há escola, posto de saúde, área de lazer, etc.
Normalmente, a desistência dos primeiros moradores é grande, (como foi
no projeto Promorar, onde cerca de 80% das pessoas que vieram morar no início
desistiram) e isso se deve a vários fatores, como:
1- Violência: são centenas de famílias, sem nenhum vínculo, que de uma
hora para outra vão morar no mesmo bairro. Aí os conflitos aumentam e surgem
espaços para alguns se sobreporem pela força.
2- Distância dos parentes: a maioria dos casais com filhos trabalha, e nes-
ses loteamentos raramente há uma creche pública para deixar os pequenos. Se
morassem próximos dos parentes se ajudariam.

110 Dhieimy Quelem Waltrich


3-Falta de acesso a serviços básicos como saúde, educação, segurança.
Na verdade os projetos habitacionais pouco mudaram ao longo dos anos.
Continuam a segregar famílias de baixa renda, sendo que talvez um dos objeti-
vos seja esconder a pobreza. Ademais, não é possível concebermos que habita-
ção é só um imóvel; por vezes o acesso a serviços essenciais é negligenciado, e
a fiscalização peca, uma vez que surgem problemas até de estrutura nas cons-
truções por uso de material de baixa qualidade.
Quando o bairro Zachia foi criado, como projeto Promorar no início dos
anos 80, o objetivo era proporcionar moradia às pessoas de baixa renda. O
bairro foi construído afastado do centro da cidade, não havia ônibus, escola,
posto de saúde, saneamento básico. As pessoas recebiam as casas de 4 x 5m e
tinham de se adaptar, independentemente do número de familiares.
De lá pra cá muita coisa mudou no bairro, devido à mobilização dos mora-
dores. O quadro hoje é outro, afinal já possuem posto de saúde, uma escola que
compreende aprendizado até o final do ensino médio, transporte coletivo urbano.
Ao longo dos anos, seguiram-se diversas ocupações por moradia: a primeira área
a ser ocupada foi no lado do bairro próximo ao rio Passo Fundo, depois a área
próxima onde hoje funciona o posto de saúde, tudo isso no início dos anos 90.
Em 2005, foi ocupada uma área da Corsan por aproximadamente 200
famílias, uma das maiores mobilizações por moradia que já aconteceu na cida-
de. Devido à mobilização, essas pessoas conseguiram, após quase dois anos,
o acesso à energia elétrica e rede de água. Mas, passados sete anos, ainda
aguardam pela regularização fundiária.
Em outra área ocupada por 90 famílias há mais de dois anos, próximo à
escola Guaracy Barroso Marinho, a situação ainda é pior: as famílias não têm
acesso à rede de água e de energia elétrica. Alguns utilizam água cedida pela
escola, outros cavaram poços e podem estar consumindo água contaminada. O
acesso à energia elétrica é feita através de “gatos”, o que representa um risco
de choques e incêndios.
Constata-se, assim, que o estado continua tratando os moradores do bair-
ro da mesma forma que há quase trinta anos atrás: com descaso.
Na data de 12 de novembro do corrente ano, um jornal local276veiculou em
sua edição um mapeamento dos pontos com maior índice de violência em Passo
Fundo. (Anexo 10)
Em todas as estatísticas dos órgãos de segurança pública do Estado,
Passo Fundo figura entre aquelas com maiores índices de criminalidade no Rio
Grande do Sul. Os indicativos da criminalidade no município preocupam a ponto
de duas iniciativas da Secretaria de Segurança do Estado terem sido instaladas
no local; no caso, os Territórios da Paz, localizados nos bairros Integração e José
Alexandre Zachia e a Força Tarefa de Combate aos Homicídios, que atuou por
120 dias entre julho e outubro deste ano, dando origem à Equipe Especializada

276 Levantamento aponta que Vera Cruz é o bairro mais violento. Disponível em: <http://www.
onacional.com.br/policia/2552/levantamento+aponta+que+vera+cruz+e+o+bairro+mais+violen-
to>. Acesso em 12 nov. 2012.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
111
em Homicídios da 1ª Delegacia de Polícia.
Atualmente, os furtos e roubos são os crimes mais comuns, especialmen-
te a estabelecimentos comerciais. Contabilizando apenas as prisões realizadas
pela Brigada Militar, até o final de outubro deste ano, 741 pessoas haviam sido
presas com o crime de furto e ocorrências relacionadas à Lei Maria da Penha
como os que tiveram maior incidência. Foram abordadas mais de 23 mil pessoas.
O bairro Vera Cruz e Zachia registraram mais homicídios: em 2011, com
um total de 40 homicídios. Os locais que registraram maior índice de assassina-
tos foram o Centro, com quatro ocorrências e a Vila Donária, também com qua-
tro. Neste ano, o panorama teve uma mudança, sendo que o bairro Vera Cruz
já registra seis homicídios em 2012 e o bairro José Alexandre Zachia, quatro,
sendo os pontos que registram maior incidência desde janeiro.
Até o momento já foram 38 homicídios em 2012, bem próximo do número
total registrado em todo o ano passado. Considerando as médias mensais de
ocorrências deste tipo, é muito provável que 2012 termine com um número maior
de pessoas assassinadas.
Ademais, no final do ano passado foram instalados dois Territórios da Paz
em Passo Fundo277, em regiões em que a criminalidade era considerada alta, no
bairro Integração, que congrega nove bairros e no bairro José Alexandre Zachia.
Com exceção dos homicídios, que no bairro Zachia tiveram um acréscimo em
2012, os outros tipos de delitos reduziram-se nestes locais.
Prestes a completar um ano de atividades, a iniciativa, antes vista como um
projeto que traria mais tranquilidade e qualidade de vida à população, hoje, pelo
menos aos olhos das lideranças destes bairros, há algumas carências a serem
supridas. “Teve bastante resultado no início, mas ultimamente tem deixado a de-
sejar. Acredito que o policiamento tem que estar mais presente dentro do bairro.
No início, a viatura ficava somente dentro do bairro e agora ela tem saído para
atender outras ocorrências fora do Zachia”, disse o presidente da Associação de
Moradores do bairro José Alexandre Zachia, Nilson Santa Helena da Silva.
Apesar desta leitura da situação, o presidente do bairro afirma que houve
melhorias na região, a qual reúne outras ações como o projeto Mulheres da Paz.
“A criminalidade tem diminuído bastante em função da atuação das Mulheres da
Paz, que tem realizado um ótimo trabalho junto à comunidade. Só queremos que
aquilo que foi prometido no início seja cumprido”, observou Nilson.
O outro Território da Paz, instalado no bairro Integração, que reúne os
bairros Jaboticabal, Parque Recreio, Professor Schisler, Alvorada, Loteamento
Boqueirão, Ipiranga, Xangri-lá, Morada do Sol e Parque do Sol, também regis-
trou queda na criminalidade.
Mesmo assim, para João Otacílio Pereira de Mello, presidente da Asso-
ciação de Moradores do Bairro Jaboticabal, a observação quanto ao trânsito das
viaturas no local é a mesma que a do presidente do bairro Zachia. “Quando o
projeto foi implantado, seria por 24 horas. Antes de vir a viatura, diziam que era
277 Ver item 3.2.2 O Programa Justiça Comunitária em linhas gerais, onde é realizada uma me-
lhor abordagem da temática: Territórios da Paz, programa desenvolvido pelo Governo do Estado
do Rio Grande do Sul.

112 Dhieimy Quelem Waltrich


esse o motivo, e que a viatura utilizada antes era utilizada também para atender
ocorrências fora do bairro Integração. Com a viatura própria, continuou a mesma
coisa. Até os fios da câmera de vigilância foram cortados. Se saíres pela cidade,
encontrará a viatura do Território da Paz em todos os locais, menos no bairro
Integração onde o projeto foi implantado”, disse.
O major Eriberto discorda das reclamações dos líderes dos bairros. “É
difícil ter policiamento 24 horas por dia em todos locais. Nenhum ponto de Passo
Fundo tem policiamento o tempo inteiro. Realmente, em alguns momentos, as
viaturas do Território da Paz tinham que atender ocorrências em outros locais.
Mas agora temos um oficial e um sargento para coordenar estes efetivos, não
houve mais este tipo de problema. Mesmo com estes contratempos os índices
de criminalidade nestas regiões caíram”, declarou.
No que tange ao bairro Valinhos, a realidade é bastante aproximada, tanto
que devido a tais circunstâncias é que foram os dois escolhidos para a implanta-
ção do Projeto Justiça Comunitária.
Depois do mapeamento local, buscou-se o agregamento de agentes inte-
ressados em atuar nas comunidades, lembrando que os mesmos devem integrar
a área atendida.
De outro lado, cumpre definir o que é o Mediador Comunitário.Ele é uma
pessoa da comunidade, escolhida pelas partes para facilitar e estimular o diálo-
go, atuando no sentido de ajudar na prevenção e solução do conflito, sem indicar
a solução, para que essas sejam capazes de, por si próprias, chegarem a um
acordo que proteja os seus reais interesses. O mediador comunitário desenvolve
ações voltadas às pessoas necessitadas, tais como:
• Identificar as suas necessidades, interesses e desejos;
• Compreender as necessidades, interesses e desejos do outro;
• Identificar os pontos fundamentais do conflito;
• Incentivar a cooperação entre eles para resolver o problema;
• Explorar várias vias de solução;
• Analisar de forma realista as possibilidades de concretizar as op-
ções por elas pensadas.
Dentre as contribuições diretas da mediação para a comunidade nos bair-
ros Valinhos e Zachia, destacam-se:
• O reforçoda cultura de paz, por meio do estímulo ao diálogo e da
solução pacífica dos casos em disputa;
• O reforço a democracia direta por intermédio da participação ci-
dadã em temas que envolvam interesses coletivos e o monitoramento do poder
público;
• A aproximação do discurso dos direitos à realidade da comunida-
de, respeitando as diferenças e fazendo destas um potencial de crescimento;
• O estímulo e o surgimento de novas formas de tratamento de di-
ferenças, produzindo transformações culturais em âmbito coletivo e individual;
• A atuação de maneira interdisciplinar e autônoma;

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
113
• O desenvolvimento de ações preventivas de conflitos;
• Incentivou o trabalho voluntário, como atividade não remunerada,
prestada por pessoa física, cuja missão é contribuir para ajudar os cidadãos a
resolverem problemas pessoais ou sociais e a melhorar a qualidade de vida da
comunidade;
• Celeridade e privacidade no processo, que não há custos.
Os agentes comunitários que atuaram junto ao projeto ora em análise,
passaram por uma seletiva pública, sendo que para ser selecionado, o interessa-
do deveria reunir algumas qualidades, tais como: honestidade, residência por um
longo período na comunidade, ter a confiança dos vizinhos. Também se desejou
a atuação de jovens bem integrados com os moradores, para que fosse possí-
vel a influência positiva nos conflitos, por pessoas mais novas. Após a seleção,
todos os agentes foram submetidos ao treinamento278, de forma a sensibilizá
-los para a transmissãodas informações necessárias à função. Os selecionados
cumpriam uma carga horária de oito horas semanais e recebiam uma ajuda de
custo no valor de R$ 140,00 (cento e quarenta reais), para suprir despesas com
transporte e alimentação.
Após a realização de todos os trâmites, foram selecionados 20 media-
dores (Anexo 11). Ademais,mensalmente ocorriam reuniões de capacitação e
renovação dos primados do trabalho.
A capacitação dos agentes esteve sob responsabilidade do Ministério da
Justiça. A preparação dos mediadores contou com o apoio de especialistas inter-
nacionais que estão assessorando o Ministério da Justiça a desenvolver projetos
desta natureza em todo o país.
Além disso, entra também a atuação das secretarias municipais que, atra-
vés do Pronasci, desenvolverão suas atividades, tais como assistência social ou
em saúde, por exemplo.
O curso de formação dos agentes comunitários selecionados foi ministra-
do por Juan Carlos Vezzulla279. Junto dele, atuaram professores da Imed.

278 Formados por orientadores vindos de Brasília. A equipe foi formada por profissionais que
têm grande experiência e atuação fora do Brasil, em outros países onde já se desenvolve proje-
tos semelhantes.

279 Coordenador Científico do Curso – Mediador de Conflitos – Presidente do Conselho Cientí-


fico do IMAP – Ex-Secretário-Geral do Fórum Mundial de Mediação – Coordenador do Conselho
Assessor do Fórum Mundial de Mediação e do Conselho Nacional das Instituições de Mediação
e Arbitragem (CONIMA) – Presidente do Conselho Científico do Instituto de Mediação e Arbitra-
gem do Brasil (IMAB) – Ex-Coordenador Científico da Associação de Mediadores de Conflitos –
Formador em Meios de Resolução de Conflitos – Formador designado pelo Ministério da Justiça
de Portugal para ministrar cursos aos Mediadores Familiares e aos Mediadores dos Julgados
de Paz no momento da sua criação – Formador de mediadores na Argentina, Brasil, Alemanha,
Chile, Panamá, Paraguai, Portugal, México e Angola.
Autor dos livros:Teoria e Prática da Mediação. Mediação, Guia para Usuários e Profissionais.
Mediação, Teoria e Prática, Guia para Utilizadores e Profissionais, Editado pelo Ministério da
Justiça de Portugal. Mediação de Conflitos com Adolescentes Autores de Ato Infrator, publicado
em espanhol pela Universidade de Sonora, México e em português pelo Ministério da Justiça
de Portugal e pela Ed. Habitus de Brasil. Coautor do Sistema de Ensino a Distância para Con-

114 Dhieimy Quelem Waltrich


Para que seja possível entender a linha de estudo deste pesquisador, bus-
cou-se analisar alguns de seus ensinamentos, tidos como referencial para a for-
mação dos agentes, e requisitos para a realização dos procedimentos.

PRÉ – MEDIAÇÃO 1:
-Acolhimento;
-Explicação do que é mediação e como é o processo;
-Tomada de conhecimento da situação que levou a pessoa a procurar a
mediação e se a mesma pode ser objeto de mediação;
-Diagnóstico (verificar se no caso existe algum tipo de violência, doença,
etc., sendo que, se constatado algo, deve ser comunicado ao mediador);
-Constatação se a pessoa tem o efetivo interesse em participar da media-
ção;
-Avaliação da conveniência da mediação, do mediador que conduzirá
(perguntar se pode ser um agente comunitário, ou terceiro de outro bairro ou,
ainda alguém da equipe técnica) e das possíveis datas das sessões (ainda, se
serão individuais ou conjuntas).
Documentos: termo de confidencialidade e carta convite (com horário
marcado).

PRÉ-MEDIAÇÃO 2
-Acolhimento;
-Explicação do que é mediação e como é o processo;
-Tomada de conhecimento da situação que levou a pessoa a procurar a
mediação e se a mesma pode ser objeto de mediação;
-Diagnóstico (verificar se no caso existe algum tipo de violência, doença,
etc., sendo que, se constatado algo, deve ser comunicado ao mediador);
- Constatação se a pessoa tem o efetivo interesse em participar da me-
diação;
-Avaliação da conveniência da mediação, do mediador que conduzirá
(perguntar se pode ser um agente comunitário, ou terceiro de outro bairro ou,
ainda alguém da equipe técnica) e das possíveis datas das sessões (ainda, se
serão individuais ou conjuntas).
Documentos: termo de confidencialidade.
Antes da sessão de mediação, quando os participantes chegam ao Nú-
cleo, serão recebidos pelo mediador que fez a pré-mediação, e neste momento
deverá ser lido e explicado o Termo de Compromisso de Mediação. Com a as-
sinatura, o mediador (que realizou a pré-mediação) os conduz à sala onde será
realizada a sessão de mediação (onde já deverão estar os mediadores e ob-
ciliadores e Mediadores das Casas da Cidadania.Autor de diversos artigos de livros editados
no Brasil, na Argentina, na Itália, no México e em Portugal. Instituto de Mediação e Arbitragem
de Portugal- IMAP. Disponível em: <http://imap.pt/oimap/membros/juan-carlos-vezzulla/> Acesso
em 01 out. 2012.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
115
servadores). Obs.: Caso seja possível, a pré-mediação deve ser realizada com
todos os participantes; o termo é assinado na pré-mediação.

MEDIAÇÃO
- Dar boas-vindas. Deixar os participantes à vontade para sentar onde
quiserem.
- Uma vez acomodados:
- Apresentar-se;
- Perguntar seus nomes e como gostariam de ser chamados;
- Cumprimentar pela escolha da mediação, bem como agradecer a opor-
tunidade de mediar;
- Explicar o funcionamento e as regras que permitirão o diálogo na sessão;
- Esclarecer, detalhadamente, a função do mediador e das partes;
- Perguntar se existe alguma dúvida acerca da mediação e do que foi ex-
plicado.
- Entregar o Termo de Compromisso de Mediação ao mediador;
- Convidar as partes a falarem, sendo que a escolha de quem fala primeiro
é feita livremente pelos participantes.
- NECESSIDADE DE CAUCUS: Ouvir as partes em separado. E depois
voltar à sessão conjunta.
- Após a exposição das partes, tendo sido apresentada a situação objeti-
va, parcial e pontual, iniciar a investigação;
- Investigação (conhecer a inter-relação):
Perguntas: Abertas, fechadas, circulares, de cadeira vazia, de responsabi-
lização, a futuro (de responsabilização), do milagre.
Resumos: Linear e cooperativo.
Técnicas: Reformulação positiva e legitimação.
DEFINIR: estrutura da relação e do conflito, controvérsias, posições, mo-
tivações, expectativas, interesses, intenções, dificuldades e diferenças de per-
cepções.
• Uma vez definidos os fatores acima, passa-se à agenda.
• AGENDA (objetivação):
Colaboração do mediador para identificar os temas (sendo-lhes atribuídos
valores, prioridades);
Estabelecer o consenso com base na motivação das partes;
Criar opções para cada um dos temas (simplesmente gerar ideias de so-
lução/soluções);
- Levantar o compromisso de somente criar ideias e não avaliá-las, nem
criticá-las/julgá-las (por enquanto);
- Usar e abusar da criatividade do mediador e das partes;
Cumprida a tarefa, passa-se à análise das opções;

116 Dhieimy Quelem Waltrich


- Avaliação contemplando futuro próximo e longínquo;
- Levar em conta a funcionalidade, praticidade e viabilidade, cuidar para
que haja consenso;
Após, escolhem-se as opções;
- Critérios objetivos;
- Assessoramento legal;
Solução:
- Construção conjunta do termo de acordo. Deve contemplar tudo que os
mediados escolheram e identificaram como resolução/transformação do conflito
(Quem, faz o que, como, quando, onde);
- O termo deve ser redigido de forma clara e com as palavras dos mediados
Documentos: RELATÓRIO DE MEDIAÇÃO E TERMO DE ACORDO (3x)
(o mediador deverá ter em mãos o termo de compromisso de mediação entregue
no início).
Ademais, mensalmente ocorriam encontros com os voluntários, como
propósito de esclarecer dúvidas acerca do desenvolvimento do referido projeto,
bem como comprovar os resultados obtidos até o referido momento, tentando
sempre angariar mais voluntários. Para tal, lembrava-se que toda e qualquer
pessoa poderia atuar como voluntário, desde que tivesse simpatia pelo ser hu-
mano, soubessem ouvir e orientar as pessoas que procurassem assistência so-
cial, jurídica e psíquica.
Reuniu-se o depoimento de alguns voluntários, que demonstraram afinco
e orgulho do trabalho realizado:

Para Pedro Iorczeski, acadêmico de Direito do 1º semestre da IMED,


ser voluntário significa ajudar as pessoas que precisam de assistência;
ele espera aprender muito sobre o direito na prática, além de estreitar
envolvimento com as pessoas dos bairros.

Moisés Santo Visentin, formando de Direito pela IMED, acredita que


sua participação no projeto como voluntário é uma maneira de ajudar
as pessoas a solucionar problemas e conflitos, as quais não encontram
saídas sozinhas. “Melhorar a comunidade em que vivemos é seu prin-
cipal objetivo”, analisa.

Além do atendimento realizado pelos agentes, os Centros Comunitários


contavam com atendimento multidisciplinar, com atendimento psicológico, jurídi-
co e de assistência social.
A abordagem multidisciplinar é uma alternativa à redução do saber, ine-
rente à epistemologia positivista. Trata-se de uma ferramenta apropriada para
a construção de um conhecimento integrado que rompa com as fronteiras e a
doutrina das disciplinas.280

280 FOLEY, Glaucia Falsarella. Justiça Comunitária: por uma justiça da emancipação. Belo
Horizonte: Fórum, 2010, p. 154.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
117
Na esfera do trabalho social, a multidisciplinaridade permite o diálogo per-
manente acerca dos compromissos entre as diferentes perspectivas de um mes-
mo objeto. Foi com esse escopo que se formou a rede de atendimento multidisci-
plinar do Programa de Justiça Comunitária de Passo Fundo- RS, que dá suporte
administrativo e técnico às atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários.
A realização do trabalho, de forma articulada e construída sob a ótica de
diversos saberes, possibilita a adequação do conflito às diversas possibilidades
de encaminhamento.
Como já referido diversas vezes, dois foram os Centros Comunitários de
Justiça e Cidadania, instalados na cidade de Passo Fundo.
O projeto inicial foi no bairro Zachia, com a atuação completa de toda a
equipe, incluindo o atendimento multidisciplinar.
Já na data de 21 de marco de 2012, a prefeitura entregou mais uma sede
do Núcleo de Justiça Comunitária em Passo Fundo. Essa veio para atender às
demandas do bairro Valinhos, onde a equipe multidisciplinar realizava o atendi-
mento aos moradores.
Cumpre salientar que até a instalação no novo núcleo, a sede do bairro
Alexandre Zachia atendia os dois bairros, mas em função da demanda do bairro
Valinhos, a prefeitura municipal disponibilizou a nova sede aos moradores, que
não mais precisariam dirigir-se ao Zachia para receber o atendimento.
A nova estrutura contava com duas salas de mediação, refeitório, recep-
ção, almoxarifado e banheiros. A equipe era formada por 10 agentes de me-
diação comunitária, capacitados pelo Ministério da Justiça, sendo 1 assistente
Social, 1 psicólogo, 1 advogado e estagiários da equipe multidisciplinar da Imed,
parceira da prefeitura municipal no programa do Núcleo de Justiça. O Núcleo fica
na Travessa Osório, nº 20, Bairro Valinhos, estando atualmente desativada.281
Dentre as principais demandas das mediações estavam o pagamento do
aluguel, desavenças entre vizinhos, pagamento de faturas, desentendimentos
de menores, débito de prestações, término de relacionamento, conflito referente
a alimentos, entre outros. Nos atendimentos psicológicos, as principais consul-
tas foram referentes às crianças com comportamento agressivo ou introspectivo
e bullying entre colegas, filhos envolvidos com drogas e homens com problemas
de alcoolismo.
Cumpre ressaltar que todo o desenvolvimento do projeto se deu de forma
voltada à cidadania, afim de que fosse possível o fortalecimento dos laços so-
ciais comunitários, como por exemplo, o trabalho das duas escolas dos bairros
(Cel. Sebastião Rocha e Guaracy Barroso Marinho), da Leão XIII e das duas
Associações de Moradores.
Muitos são os tipos de conflitos que podem ser solucionados no Núcleo de
Mediação Comunitária, tais como:

281 Mais um Núcleo da Justiça Comunitária entregue à comunidade. Disponível em: http://
rdplanalto.com/mais-um-nucleo-da-justica-comunitaria-entregue-a-comunidade/> Acesso em 02
out. 2012.

118 Dhieimy Quelem Waltrich


• Conflito Familiar
• Conflito Vizinhança
• Pensão Alimentícia
• Reconhecimento Paternidade
• Separação Consensual
• Dissolução de União estável
• Conflito de Imóvel
• Conflito de Locação
• Conflito Trabalhista
• Cobrança de Dívida
• Conflito do Consumidor
• Conflito Societário
• Conflito escolar
• Difamação
• Injúria
• Calúnia
• Lesão Corporal Leve
• Ameaça
• Apropriação Indébita

O objetivo, portanto, foi cumprido, já que o que se pretendia com o projeto


era a resolução local dos conflitos, sem que estas questões fossem encaminha-
das ao Judiciário.
Segundo o professor e cientista político, Mauro Gaglietti, coordenador do
projeto Justiça Comunitária:

“Todos estes conflitos, como brigas entre colegas, desentendimentos


entre vizinhos, disputa de guarda dos filhos ou problemas de paga-
mento de pensão acabam parando no Judiciário. Com a ação dos me-
diadores, o objetivo é que se resolvam e sejam encaminhados dentro
da própria comunidade”.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
119
3.5 Resultados e discussões

Consoante referido inicialmente, o convênio com o Ministério da Justiça


findou em março de 2012. Ocorre que a Prefeitura Municipal de Passo Fundo
financiou os trabalhos (aluguel, água e luz), até o mês de junho/2012, momento
em que se apresentam os resultados, conforme quadro a seguir:

Procedimentos Atendimentos Encaminhamentos Ações Comunitá- Sessões de Acordo exi-


rias coletivas, rea- mediação toso
lizadas com outras
instituições

976 (número de 591 329 (para o NUJUR 21 53 (entre agosto 82%


pessoas que pas- (Psicologia, - Núcleo de Prática de 2011 e maio
saram pelo Nú- Jurídicos e de Jurídica da IMED, de 2012)
cleo de Justiça Assistência So- para a Clínica de
Comunitária (bair- cial): Psicologia da IMED,
ros Zachia e Vali- para o CRAS, para
nhos) entre julho a rede de saúde pú-
de 2011 e maio de blica)
2012)

É sabido que no Brasil o processo de avaliação das políticas públicas


ainda é muito frágil. Afinal, esse momento se resume em uma manobra dos
políticos, que se utilizam de pseudo-resultados com o propósito de campanha
para as novas eleições, a fim de sua manutenção no poder. Diante desta temida
constatação, os processos atuais avaliativos acabam tendo pouca credibilidade
perante a sociedade.282
É necessário, pois, a conscientização da importância que esta fase assu-
me no processo de elaboração e análise de uma política pública. Nesta estei-
ra, as políticas públicas não podem ser compreendidas como meros programas
que se dividem em setores, conforme a necessidade do Estado, mas sim como
maneiras interligadas, para que possam ser compreendidas a partir da própria
construção, da instituição e do processo político, os quais estão interligados com
todas as questões que regem a sociedade.
“O Projeto Justiça Comunitária é uma das mais importantes políticas
públicas de acesso à justiça implementadas pela Secretaria de Reforma
do Judiciário do Ministério da Justiça. Trata-se de devolver para a comu-
nidade o poder e a legitimidade de resolver seus próprios problemas;
uma experiência recente, mas que em seus primeiros resultados, já de-
monstrou ter um caráter fortemente emancipatório e libertador.
(Marcelo Sgarbossa Coordenador de Democratização do Acesso à
Justiça (2009-2010) Secretaria de Reforma do Judiciário - MJ).

282 COSTA, Marli da. A transversalidade das políticas públicas na perspectiva de gênero. In:
REIS, J. R.; LEAL, R.G..(org.) Direitos Sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos.
Tomo 11. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2011, p. 199.

120 Dhieimy Quelem Waltrich


A imprensa local destacou os trabalhos realizados no decorrer da vigência
do programa, dando ênfase à cultura de paz inserida no cotidiano da comunidade.
No caso do Projeto Justiça Comunitária em Passo Fundo, observou-se
que, apesar dos desafios encontrados, o projeto conseguiu alinhar-se com os
objetivos que revestem a justiça comunitária, tais como as noções de responsa-
bilidade e autonomia dos sujeitos, que passam a se envolver mais ativamente
nas decisões de seus próprios conflitos, não depositando mais todo o poder de
decisão nas mãos de um terceiro.283
Consoante as considerações teóricas, é possível conceber que este pro-
jeto beneficiou uma gama considerável da população, atendendo os ideários de
um acesso à justiça democrático e eficaz.
Nesse sentido, a expectativa da população, sem dúvidas, foi atendida, na
medida em que demonstrou grande interesse e capacidade de envolvimento, re-
cebendo, assim, muito bem a ideia inicial dos propósitos do Projeto, justamente
por perceberem uma possibilidade bastante ampla devalorização das comunida-
des envolvidas no projeto. Ademais, os voluntários foram fundamentais para dar
energia ao Projeto e agregarem sua experiência de vida, curiosidades e ideias
novas ao que já está estabelecido pelo Ministério da Justiça.
Para auxiliar na divulgação do projeto, na comunicação com a comunidade
externa e na manutenção da memória do projeto, foi criado um blog de internet.

No blog Justiça Comunitária em Passo Fundo – RS era realizada uma


cobertura das atividades do projeto, a divulgação de fotos e eventos
e o compartilhamento de textos sobre assuntos como a mediação de
conflitos. Este blog foi um dos principais meios para a realização da
presente pesquisa, além dos livros, artigos e observações realizadas.284

Com o projeto, outros ideários ganharam tonicidade. Foi o caso do grupo


de estudos sobre Justiça Restaurativa, o qual reúne um grupo de profissionais
que foram capacitados no ano de 2010 para realização de círculos restaurativos,
embasados nos princípios da Justiça para o século XXI.
Todos os encontros debatiam uma proposta de temáticas teóricas, que
estariam associadas à prática de cada equipe em seu ambiente de trabalho, em
que ficava acordado um cronograma quinzenal para se reunirem e aprofunda-
rem o tema.
No segundo semestre de 2012, o mesmo grupo realizou um evento para
a comunidade de Passo Fundo e região, com a presença de lideranças atuantes
na Justiça Restaurativa.
As entidades que se fizeram representadas neste encontro foram: FA-
SE-CASE, Secretaria Municipal de Educação, Leão XIII, CEDEDICA, COMADI,

283 ZANTEDESCHI, Jader Mateus. Mediação de conflitos extrajudiciais: O caso do Projeto


Justiça Comunitária em Passo Fundo (RS). (Monografia do curso de Direito) - Faculdade Meri-
dional- IMED, Passo Fundo, 2012.
284 Ibidem.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
121
IMED, CASEMI e 7ª Coordenadoria Regional de Educação.
O Secretário Municipal de Segurança Pública, Márcio Patussi, avaliou
como positiva essa primeira experiência que é pioneira, afirmando que já tem
demanda para essa mesma linha de atuação em outras comunidades. Porém,
Passo Fundo só terá o alcance de novos recursos junto ao Ministério da Justiça
no encaminhamento final dessa ação, momento em que o município deve reque-
rer a solicitação de renovação desse convênio para, aí sim, atuar nas mesmas
ou em outras comunidades do município.
Ocorre que o projeto não teve renovação, os agentes comunitários per-
deram o auxílio financeiro, e dos 15 atuantes, somente 03 se manifestaram no
sentido de prosseguir sem a ajuda de custo.
Quanto à Secretaria de Segurança Pública, apresentou o balanço das ati-
vidades e trouxe o levantamento de todas as abordagens e intervenções feitas
pela polícia. Os bairros que fizeram parte do projeto foram escolhidos por apre-
sentar índices de criminalidade e vulnerabilidade diferenciadas.
Segundo o major Angelo, o Território da Paz é um novo modelo de segu-
rança pública. “É uma política do Estado e depende de uma série de agentes
que agrega todas as secretarias, como Saúde, Educação, Infraestrutura e Se-
gurança”, destaca. O projeto alcançou resultados expressivos, principalmente
pelo trabalho efetivo da Brigada Militar. Um dos índices destacados pelo major
Angelo é o de homicídios, que ficou em zero nos dois bairros, um importante
passo na conquista pela paz, que iniciou em 22 de novembro de 2011, quando
foi implantado.
Ainda, na esteira dos investimentos, houve o lançamento do Projeto Mu-
lheres da Paz em Passo Fundo. O Projeto também faz parte das ações do Pro-
nasci (Programa Nacional de Segurança com Cidadania), do Governo Federal,
através do Ministério da Justiça, em parceria com o município e coordenado pela
Secretaria de Segurança Pública. Com duração de 15 meses, o projeto é desti-
nado à prevenção e controle da criminalidade.Através de um processo licitatório,
foi habilitada a Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo para selecionar,
capacitar e acompanhar as 200 Mulheres da Paz, através de uma Equipe Multi-
disciplinar, composta por Assistente Social, Psicólogo, Advogado e Educadores
Sociais. A capacitação foi de 150 horas, envolvendo assuntos como Lei Maria
da Penha, Acesso à Justiça, Mediação de Conflitos, Conhecimentos básicos de
Informática, Direitos Humanos, Ações do PRONASCI e Apoio Psicossocial Cole-
tivo. Além da formação, as Mulheres receberão auxílio financeiro no valor de R$
190,00, uniforme e material para a capacitação.
Ainda, houve o oferecimento do curso ‘Mediação de Conflitos: Perspecti-
vas Teóricas e Processos de Intervenção’, ministrado pelo Dr. Juan Carlos Ve-
zzulla. A iniciativa foi coordenada pelos professores da IMED Me. Leda Rúbia
Maurina e Me. Marcelino Meleu.
No primeiro dia do curso, Vezzulla apresentou a evolução da mediação
familiar, que segundo ele, tem sofrido evoluções nos dias de hoje. Vezzulla sa-
lientou ainda a importância do trabalho do mediador. “A mediação familiar é a
construção do futuro. Ela deve começar pela problemática e não pela solução”.

122 Dhieimy Quelem Waltrich


No segundo dia, o professor respondeu a dúvidas e falou sobre o tema da ado-
lescência e a mediação de conflitos.
Engajados com a defesa dos princípios da cidadania, a Faculdade Meri-
dional- IMED, promoveu Mutirões da Cidadania, nos bairros Bairro José Alexan-
dre Zachia, Victor Isler e na Vila Ipiranga. Os serviços foram prestados de forma
gratuita à comunidade.
Durante o Mutirão da Cidadania foram realizadas atividades de orientação
jurídica e mediação de conflitos, orientação para escovação e saúde bucal, rea-
lização de atividades ligadas à inclusão social e digital, brincadeiras envolven-
do trânsito, orientações sobre nutrição, diálogos sobre transtornos psicológicos,
bem como realização de testes de glicose e medição de pressão arterial.
O Mutirão é uma realização da Faculdade Meridional – IMED, da UAMPAF,
da Escola de Nutrição e Estética da Leão XIII, Escola de Enfermagem do HSVP
e Brigada Militar. O projeto proporcionou um espaço para que os acadêmicos se
tornem agentes de mudanças, contribuindo para a inclusão social.
De fato, a avaliação que pode ser feita do projeto na cidade de Pas-
so Fundo- RS é positiva, já que prestou assistência a centenas de famílias,
propiciando o acesso democrático à justiça, bem como dando noções de
cidadania e inclusão social.
O contrato para a realização desta primeira etapa do projeto compreendeu
o período de maio de 2011 a junho de 2012. Após este período, iniciou-se outra
etapa, com a saída da equipe executora, devido ao encerramento do contrato
com a IMED. Iniciou-se um novo debate sobre como seriam os novos rumos do
projeto, que ainda estavam em discussão no momento da realização desta obra.
Constatou-se, assim, que após os 15 meses de execução do projeto, houve o
corte do recurso do Ministério da Justiça de R$190,00 que era repassado pela
Secretaria de Segurança Pública da Prefeitura Municipal de Passo Fundo para
cada um dos 20 mediadores. Cerca de 12 mediadores continuaram atuando vo-
luntariamente junto à comunidade, porém se dedicando às mediações de conflito
de forma menos intensa. Houve a inserção de quase todas as mulheres media-
doras dos bairros Valinhos e Zachia (Projeto Justiça Comunitária) no Programa
Mulheres da Paz, programa esse também associado ao PRONASCI.285
Em notícia veiculada pela mídia local, a partir de 24 de outubro do presen-
te ano, os Núcleos de Justiça Comunitária de Passo Fundo passaram a atuar em
parceria do curso de Direito da Faculdade Anhanguera.
Na data de 22 de outubro, os alunos e coordenadores do curso foram
recepcionados pelas mediadoras de conflitos do bairro Zachia, onde puderam
conhecer o trabalho, que começou em 2011.
O programa teve inicialmente a parceria do município com a Imed, contra-
to que teve a duração de 15 meses.
Marisa Ré de Rocco, coordenadora das ações da Secretaria de Seguran-

285 ZANTEDESCHI, Jader Mateus. Mediação de conflitos extrajudiciais: O caso do Projeto Jus-
tiça Comunitária em Passo Fundo (RS). (Monografia do curso de Direito) - Faculdade Meridional-
IMED, Passo Fundo, 2012.

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
123
ça, falou que o programa tem dado ótimos resultados nas comunidades assis-
tidas, tendo em vista a disciplina dos mediadores na condução de cada caso,
que vão desde brigas entre famílias e vizinhos até discussões de cunho judicial,
como atraso em aluguéis e outras dívidas.
Os Núcleos voltaram a funcionar de segunda a sábado, pela manhã, quan-
do moradores podem tirar dúvidas, acompanhar o andamento de suas solicita-
ções e ter suas mediações agendadas. A partir de agora, os assistentes sociais
e psicólogos serão disponibilizados pela prefeitura municipal, e atenderão nos
CRAS (Centro de Referência em Assistência Social) e a parte jurídica fica por
conta da Anhanguera, que no primeiro momento, atenderá na própria faculdade,
com horário agendado pelas mediadoras dos Núcleos.286
Ademais, necessário salientarmos a presença constante dos Agentes Co-
munitários frente à sociedade.
Portanto, claro está que as ações devem continuar. Com este escopo que
na data de 16 de outubro os agentes de mediação Comunitária, acompanhados
por técnicos da Secretaria de Segurança Pública, participaram de uma ativida-
de na Faculdade Anhanguera. O encontro teve como objetivo uma interlocução
entre as ações realizadas por ambas as partes, com troca de experiências, apre-
sentação de ações e da demanda de cada bairro.
Através de uma parceria realizada entre o Governo Federal e o município,
a Secretaria de Segurança Pública coordena as ações do Núcleo de Justiça
Comunitária.
Para os agentes, esta é uma ação que merece continuidade porque foi
bem aceita nos dois bairros e percebe-se a diferença em cada um deles, após
a instalação do Núcleo. As ações com maior procura são na área de psicologia
e jurídica.
Finalizando, o município ampliou sua rede de parcerias através de ações
que promovem atitudes de cidadania na comunidade. O trabalho em rede, e o
estabelecimento de parcerias constituem um dos pilares fundamentais na orga-
nização das ações em sociedade.287

286 Núcleo de Justiça Comunitária recebe apoio da Faculdade Anhanguera. <http://www.rdui-


rapuru.com.br/noticias/nucleo-de-justica-comunitaria-recebe-apoio-da-faculdade-anhanguera>
Acesso em 24 out. 2012.
287 Projeto Justiça Comunitária inicia nova fase. Disponível em: <http://www.onacional.com.br/
geral/cidade/1803/projeto+justica+comunitaria+inicia+nova+fase> Acesso em 20 nov. 2012.

124 Dhieimy Quelem Waltrich


CONCLUSÃO

Primeiramente se faz necessário um resgate histórico acerca da história


da humanidade, em que a comunidade era considerada nociva e de medo, pri-
meiro do ‘outro’, haja vista a ausência de regramentos estatais que regulassem
as relações sociais, depois do monstro-estado que veio a regrar e punir os com-
portamentos presentes na comunidade.
Desta forma, o homem foi estabelecendo os primeiros vínculos comuni-
tários, foi formando círculos de convivência em que foram criadas regras para
garantia da segurança coletiva. Foi nesse momento que o homem abriu mão de
sua autonomia, pois qualquer um matava ou morria, para que fosse, portanto,
estendida a segurança de forma coletiva, garantindo-se proteção para a comu-
nidade como um todo.
Diante deste aspecto protetivo instalado, a comunidade veio a conce-
ber o estado como um monstro (leviatã), dando início aos primeiros confli-
tos que envolviam a concepção de comunidade e a intervenção estatal em
sua integridade e organização. A parcela do estado no surgimento destes
conflitos se dá em parte pelo surgimento do poder judiciário, que tira da
comunidade a capacidade de resolver os conflitos e passa para o estado/
Poder Judiciário, pessoa extracomunidade, a competência para a resolução
dos conflitos.
De fato, o escopo da presente obra é abordar a mediação comunitária
como política pública eficaz no tratamento de conflitos, demonstrando que é pos-
sível, através da inclusão social, a devolução da capacidade às comunidades no
tratamento de seus conflitos, com a utilização das regras, hábitos, costumes e
linguajar local.
Destarte, discutir a crise do estado moderno gera a instabilidade do
cidadão frente aos poderes constituídos na República. Novos mecanis-
mos, portanto, indicam formas viáveis de reversão dessa situação, dando
possibilidade à cidadania de tomar espaço centralizado no processo de-
mocrático.
Desta forma, as reformas do poder judiciário priorizam o acesso à
justiça e estimulam fórmulas alternativas de resolução de conflitos, novas
iniciativas que não se contrapõem ao sistema clássico de justiça.Ao con-
trário, o complementam e desoneram da litigiosidade excessiva, além de
promover a coesão social.
Em suma, é visível que a sociedade não pode mais contar tão somente
com o auxílio da justiça estatal, tendo em vista a realidade contemporânea, plu-
ral e fragmentada em que se vive, que exige cada vez mais uma concepção de
direito que se adeque a estas características.
No tocante à realização da justiça, a mediação comunitária é capaz
de oferecer uma justiça cidadã, alterando-se a visão negativa que se tem
acerca do conflito, com fundamento da alteridade e na percepção do todo.
Ademais, é possível, a partir da mediação, desenvolver o senso no ser hu-

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
125
mano de que ele faz parte de um contexto maior, bem como que é capaz de
reconhecer seus direitos e deveres, chegando, por conseguinte, à resolu-
ção dos conflitos.
Sob este prisma, a jurisdição, enquanto modelo estatal regulatório, é ne-
cessária à manutenção da ordem, contudo não pode ser encarada como única
possibilidade de resolução de conflitos. Desta forma, é preciso que se reconheça
que o monopólio da jurisdição deve ceder espaço às alterações promovidas por
métodos adequados de resolução dos conflitos, para que se “devolva” à comuni-
dade parte desta competência, nos espaços onde os cidadãos constroem suas
relações.
De fato, a solidariedade está inserida no diálogo, pois as pessoas discu-
tem seus problemas e o conflito deixa de ser algo negativo, que afasta as pes-
soas, e passa a ser algo pelo qual as pessoas lutam para mudar.
Ao contrário dos ritos da justiça instituída pelo estado, que se mostra
aos olhos dos membros da sociedade como lenta, burocrática, sem huma-
nidade, a mediação comunitária promove a participação direta da comuni-
dade, resgatando e valorizando o perfil cidadão, bem como o poder de voz
da comunidade.
É por isso que novos mecanismos estão sendo utilizados como forma
autêntica e democrática na resolução de litígios. A mediação fomenta a
participação dos cidadãos na tomada de decisões, facilita o acesso à justiça,
como também promove a responsabilização dos sujeitos e auxilia o diálogo
assertivo.
Portanto, a mediação é uma prática emancipatória, na medida em que
revela no cidadão a capacidade que o mesmo possui de, por si só, reconhecer
direitos e deveres e administrá-los.
Nesse sentido, coloca os mediandos como corresponsáveis pelo
conflito existente e pela harmonia coletiva, devolvendo a noção e a res-
ponsabilidade de que são atores de suas próprias vidas e de que fazem
parte de uma coletividade, fomentando, em suma, os contornos da cida-
dania plena.
Deve-se, contanto, ter bem claro que a mediação não vem inibir a atuação
do Poder Judiciário, nem mesmo fortalecer a ideia do estado mínimo. Pelo con-
trário, o judiciário é essencial à considerável parcela dos conflitos.
O que a mediação comunitária preza é o estímulo ao diálogo, a cons-
ciência de que o cidadão pode solucionar seu conflito de forma amigável,
sem necessidade de recorrer ao judiciário. Daí ser mais fácil o cidadão cum-
prir o acordo que ele mesmo firmou, já que é mais conveniente que cumprir
uma decisão que um terceiro – juiz- que pouco ou nada conhecia de sua
realidade prolatou.
Os objetivos da mediação são eminentemente quatro: a solução dos
conflitos, a prevenção da má administração dos conflitos, a inclusão social e
a paz social. A prioridade imediata é a própria solução do conflito, aparente
e oculto, levado à mediação. O que é preciso se destacar é que somente se

126 Dhieimy Quelem Waltrich


chega à solução do conflito com o estabelecimento de um diálogo.
A busca pelo diálogo para a solução do conflito deve ser considerada
com um ponto de extrema importância, tendo em vista que é a partir da dis-
cussão sobre seus direitos e o tratamento realizado pelas próprias pessoas
da comunidade que se faz possível construir uma justiça realmente cidadã.
É por isso que, no processo de mediação, o mediador esclarece que as
pessoas envolvidas têm o poder de decisão do conflito que foi levado ao
debate, não o mediador.
É exatamente por esta razão que os acordos tendem a ser cumpridos,
porque são as próprias partes envolvidas que decidem o que é melhor, em
uma relação em que ambas saem ganhando, em que o foco da questão
é retirado de si e transferido para uma situação geral: família, bairro,
sociedade.
Assim, a mediação comunitária não surge em razão da procura suprimida,
mas em razão da consciência dos direitos, e, mais ainda, da consciência de que
tais direitos podem ser satisfeitos de forma autocompositiva, ou seja, quem irá
decidir serão as próprias pessoas envolvidas.
Nessa esteira é que a mediação comunitária se apresenta como forma
que ultrapassa a simples eficácia no tratamento de conflitos, sendo capaz
de gerar o diálogo cidadão, o que dá ensejo ao surgimento de uma justi-
ça cidadã. A percepção do outro, a aceitação, a informalidade, a oitiva são
características que garantem a viabilidade de uma justiça baseada no fomento
da cidadania
Baseada nessa ideia da solução tradicional, bem como da possibilida-
de de se estabelecer uma justiça eficaz, que fomente a cidadania, surgiu, em
diversas comunidades, organizações em que pessoas da própria localidade,
líderes, se propõem, em regra voluntariamente, a colaborar com a pacifica-
ção social e cidadania, como facilitadores do diálogo na busca da pacifica-
ção. Como exposto no decorrer da presenteobra, o estado do Rio Grande do
Sul possui muitas experiências que comprovam estas benesses.
Ao trabalhar com o exemplo prático da cidade de Passo Fundo- RS, veri-
ficou-se que o propósito principal do projeto foi garantir o acesso à justiça, num
território vulnerável como são os bairros Zachia e Valinhos, por meio de medidas
de descentralização, urbanização e recuperação dos espaços públicos com a
efetiva participação dos agentes políticos da própria comunidade.
Ao sensibilizar, mobilizar e selecionar os agentes comunitários, for-
mando-os a partir da ação integrada de uma equipe multidisciplinar com
sustentação da Prefeitura Municipal de Passo Fundo e do Ministério da
Justiça, o projeto proporcionou a solução de conflitos envolvendo vizinhos,
casais, adultos e jovens, sobretudo aquelas brigas e polêmicas que ocor-
rem junto ao ambiente escolar.
Nesses termos, a justiça comunitária é uma ação que visa a contribuir
para a democratização do acesso à justiça por meio da mobilização e capacita-
ção de agentes comunitários preparados na gestão de conflitos. A execução do
projeto do Núcleo de Justiça Comunitária em Passo Fundo/RS teve por objetivo

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA:


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA EM PASSO FUNDO (RS)
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oferecer à comunidade dos bairros Zachia e Valinhos um serviço de mediação
de conflitos desenvolvido por agentes comunitários; sendo que o presente proje-
to vinculou-se ao PRONASCI, na medida em que seus fundamentos teóricos, e
a respectiva base instrumental relacionam-se ao enfrentamento da criminalidade
em Passo Fundo e que vincula as políticas de segurança às ações sociais en-
volvendo várias Secretarias da PMPF, bem como a prioridade à prevenção dos
atos infracionais, buscando alcançar as causas que levam a população à prática
de tais delitos.
Logo, possível conceber que a elaboração e a implementação de po-
líticas públicas que garantam o efetivo acesso à justiça são de extrema
importância para o desenvolvimento social, bem como refletem a busca
pelo aperfeiçoamento, o que dáao Estado uma roupagem responsável e
consciente, implementando e provocando uma maior organização social e
fortalecimento das relações entre os indivíduos, bem como a efetiva parti-
cipação do cidadão.
Nesses termos, a repercussão do projeto, entre tantas outras, está centra-
da na promoção dos direitos humanos, intensificando uma cultura de paz, sem
preconceitos de gênero, étnico, geracional, de orientação sexual e de diversida-
de cultural.
Além disso, o projeto fortaleceu as redes sociais e comunitárias já
existentes na região em foco, tal como: o trabalho já desenvolvido pelas
Associações de Moradores, pelos Agentes Comunitários de Saúde, pela
direção, professores e funcionários da Escola Municipal, buscando sempre
criar mecanismos comunitários de promoção da segurança e da convivên-
cia pacífica entre os moradores.
Por fim, o projeto estabeleceu interfaces com as famílias expostas
às práticas de violências, cujos filhos são os adolescentes e os jovens,
respectivamente egressos do CASE- Centro de Atendimento de Sócio-Edu-
cação - e do sistema prisional, com o objetivo de dialogar com as políticas
públicas existentes no município no sentido da inclusão das mesmas em
projetos educativos, esportivos e profissionalizantes, ou seja, participação
e inclusão em programas capazes de responder, de modo consistente e
permanente, às demandas das vítimas da criminalidade por intermédio de
apoio psicológico, jurídico e social.
A presente obra não visou esgotar seu objeto, mas apenas, como dito,
fomentar o debate acerca dele, firmando as premissas acerca do caráter
emancipatório e democrático da mediação comunitária como instrumento eficaz
de acesso à justiça.

128 Dhieimy Quelem Waltrich


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Dhieimy Quelem Waltrich
Bacharel em Direito pela Faculdade Meridional – IMED,
com ênfase em Direitos Humanos, Mestre em Direito na li-
nha de pesquisa em Políticas Públicas e Inclusão Social, pela
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Autora da obra
“Um retrato da Lei Maria da Penha no interior do estado do
Rio Grande do Sul: Passo Fundo, Carazinho, Marau e Getú-
lio Vargas", publicado pela editora IMED. Professora do Curso
de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul- UNIJUÍ. Advogada.
E-mail: dhieimy@yahoo.com.br

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