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A situação do imigrante ilegal hoje: o
ressurgimento do homo sacer*
The illegal immigrant situation today: the
resurgence of homo sacer
Resumo
O presente artigo tem como objetivo discutir a formulação de docu-
mentos internacionais que contemplem a imigração contemporânea, princi-
palmente quando a mesma se dá de maneira voluntária pelo agente, desta-
João Carlos Jarochinski Silva1 cando as tendências que esses textos apresentam, com suas respectivas con-
sequências. Destaca-se essa situação com o objetivo de se analisar o avanço
dos Direitos Humanos em uma área que tem se mostrado de fundamental
importância para um significativo segmento social.
Abstract
This paper aims to discuss the international norms formulation re-
garding the contemporary immigration, mainly when it occurs voluntarily
by the immigrant, highlighting the trends presented on the norms, as well as
its respective consequences. This situation is emphasized in order to analyze
the Human Rights progress in a field that has shown to be of fundamental
importance to a significant segment of society.
* Recebido em 05.10.2011
Aprovado em 11.06.2012
1
Doutorando em Relações Internacionais pela
PUC/SP. Mestre em Direito Internacional pela
UNISANTOS. Email: jcsilva98@hotmail.com
João Carlos Jarochinski Silva
O autor justifica a sua opção por esse protagonista indocumentados estaria entre 35 e 38 milhões.
através de sua suscetibilidade a ser eliminada do meio so- informações, os efeitos das cadeias migratórias, as restri-
cial através de sua morte. ções de orçamento e quase tudo aquilo que afeta o desejo
de viver e trabalhar no destino, por oposição ao país de
Diversas outras figuras no mundo contemporâneo origem, desde o aspecto étnico ou a violência política.
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com evidentes consequências sociais, além da expectativa melhorar a sua condição. Chiswick (2000) e Figueiredo
de melhoria do nível de vida, gera migrações. Principal- (2005) destacam que a migração voluntária possui como
mente para os locais que possam oferecem uma melhoria motivação essencial o interesse econômico, pois possi-
na condição de vida. bilita ao indivíduo a decisão de emigrar ou não, sendo,
sem dúvida, a motivação que maior relevância possui no
Nesse sentido, Kurz (2005), ao colocar a Migração
mundo. Eles colocam ainda, em contrapartida, que os re-
como um processo causado pela terceira revolução indus-
fugiados migram em consequência de decisões tomadas
trial, complementa o raciocínio ao salientar que esta revo-
por terceiros, descaracterizando aquele aspecto funda-
lução que desmobilizou a força de trabalho demonstraria
mental que é a voluntariedade do movimento.
a tendência atual do sistema econômico de gerar lugares
privilegiados, que conseguiriam altos índices de rentabi- Com essas considerações fica evidente que a imi-
lidade e de produtividade. Porém, essa característica que gração guarda uma relação de causa e efeito com os diver-
privilegia certos lugares exigiria do ser que não é benefi- sos conflitos sociais e, principalmente, econômicos, real-
ciado com a vivência em um local como este a necessida- çando que, enquanto persistirem situações de brutal desi-
de de buscá-lo a fim de melhorar a sua subsistência. gualdade entre os locais, a imigração será utilizada pelas
pessoas como uma forma de solução para essas questões.
Vale ressaltar que essa análise corrobora parte do
pressuposto que interessa a este estudo, que é a dos movi- Nessa perspectiva, a discussão sobre o fenômeno
mentos migratórios que são realizados pela busca de uma migratório do mundo contemporâneo, que se dá essen-
melhoria material por parte do imigrante. cialmente por motivos econômicos, guarda conotações
políticas, pois se dá em um mundo marcado pelos Esta-
Por esse motivo, nós nos preocupamos com a par-
dos-nação que alegam possuir poder de representar o in-
cela do fenômeno que hoje ganha maior relevância nos
teresse de seu povo. Isto, apesar de no mundo atual exis-
debates mundiais, pois são caracterizadas pela situação
tirem 200 Estados e aproximadamente 2000 populações
acima descrita. Kurz (2005, p. 31), ao debater esses movi-
com capacidade de se diferenciarem em nações.
mentos, especifica o mesmo como aquele em que os fluxos
se dirigem do leste para o oeste, do sul para o
norte; em direção à União Europeia e a toda Eu-
Torpey (2000), ao discorrer sobre a invenção do todo, muitos podem ser pegos em contravenção e terem
passaporte a partir da Revolução Francesa, marco, para o o status de ilegais.
autor, da construção do conceito de Estado-nação, salien-
Essa situação foi agravada nos últimos anos, pois
ta que a adoção desse documento como obrigatório por
é possível observar que essa não receptividade com rela-
todo o mundo, marca a imposição das maneiras ociden-
ção ao imigrante faz parte de uma política de Estado que,
tais sobre o resto do mundo, o que é, sem dúvida, uma
por conta de problemas próprios, na maioria das vezes de
das características da contemporaneidade. Essa adoção
origem econômica, não deseja ver em seus quadros um
do passaporte não deixa de ser um dos mais caracterís-
sujeito que ele não considera como seu cidadão, isto é,
ticos elementos de manifestação do poder estatal sobre
como alguém que ele tenha obrigação, seja por um Con-
as pessoas, seja do local que o indivíduo deixou, seja do
trato Social, seja por outra forma qualquer de assegurar
local aonde ele chegou, pois este também exige que o in- esse poder, como o da cidadania ativa, de assumir a res-
divíduo esteja munido de um passaporte. ponsabilidade pela manutenção da dignidade humana do
Porém, em muitos casos, não é só o passaporte que mesmo.
é exigido, já que em diversos Estados, há a necessidade Isso significa que, para o Estado que recebe esse
de uma prévia autorização por parte dos agentes estatais imigrante, o conceito de cidadania passa de uma visão de
para a permissão de entrada. São os famosos “Vistos” ou Direito, liberal em sua essência, para uma visão de iden-
“Visas”, mas que também podem aparecer sobre outras tidade comunitária, o que sem dúvida alguma representa
formas, pois, o simples fato de possuir um passaporte não um retrocesso do ponto de vista da proteção da pessoa
lhe assegura o direito de entrada. humana.
Essa documentação – condição necessária para Joseph Carens (1987, p. 251), um conhecido li-
a aceitação do indivíduo – inclui prévia autorização do beral, assinala que “a cidadania nas democracias liberais
Estado receptor para que o Imigrante possa livremente ocidentais é o equivalente moderno do privilégio feudal”.
exercer a cidadania dentro desta localidade. Nesse mo- A frase com forte impacto, advém da constatação de que
mento, estamos diante do conceito de cidadania como a restrição à entrada de pessoas tem como principal ob-
um direito, pois, a partir do momento em que o sujeito é jetivo distinguir pessoas de acordo com o seu critério de
aceito, ele adquire muitos dos direitos dos nacionais.
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tório e o Estado em que ela se encontra não o considera em favor das pessoas. No direito de asilo, essa é uma ten-
um cidadão. Encontramos aí o nosso Homo Sacer. dência que os textos internacionais demonstram.
âmbito geográfico de sua aplicação. O asilo é um instituto o número de ilegais entre 40 e 50 milhões3, encontrando-
jurídico regional, estando instituído apenas na América se nos últimos anos do século XX e começo do século
Latina, enquanto que o estatuto do Refugiado é aplicado XXI em crescimento abrupto.
internacionalmente”. Luís Paulo Barreto salienta outras
Esses imigrantes voluntários não foram contem-
diferenças entre os institutos, mas salienta que a predo-
plados com um estatuto tão benéfico e que regulasse tão
minância desse instituto ocorre na América, quando des-
bem a sua situação, ficando à mercê de normas esparsas e
taca que na Europa são
da atuação unilateral dos Estados para os quais ele se diri-
Esporádicos casos de asilo diplomático ainda
ge. Isso gera situações em que as pessoas não são contem-
ocorreram na Europa, nos séculos XIX e XX,
em proteção a criminosos políticos, geralmen- pladas na sua dignidade humana pelo simples fato de se-
te sob intensos protestos dos países de onde se rem estrangeiros. A regularização passa necessariamente
originavam as perseguições. Isso fez com que
o instituto praticamente deixasse de existir no e unicamente pela atuação desse Estado.
continente. (BARRETO, 2012, p. 2)
Isso não significa dizer que não consideramos esse
O Estatuto dos Refugiados, de alcance global, foi instrumento bastante importante, fundamental para pro-
realmente um marco na construção dos Direitos Huma- teger as pessoas vítimas de perseguição, mas, dentro da
nos, pois, além de se constituir em um instrumento de realidade moderna, ele é visivelmente insuficiente para
proteção efetiva as pessoas descritas naquela situação, responder a questão da imigração ilegal, pelo simples fato
criou um organismo internacional para uma melhor apli- de não regular a maior parcela desse movimento.
cação dos instrumentos previsto no texto, que é o Alto
Além disso, vem se assistindo nos últimos anos
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
uma desconstrução abrupta desse Estatuto, sob a alega-
(ACNUR).
ção dos países da Europa de que a pressão nas fronteiras
Porém, esse documento não é um instrumento a se tornou insustentável, pois o número de pedidos para
ser utilizado no caso em questão, que é o das migrações o reconhecimento é muito alto. Esse número elevado de
voluntárias, pois, como já diferenciamos, os motivos que pedidos revelaria, segundo esse discurso, a ilegitimidade
levam as pessoas a pedirem Asilo ou Refúgio é uma situa- e a impertinência desse pedido de asilo. Esses países ten-
ção que elas não deram causa, isto é, elas foram obrigadas tam veicular o argumento de que há, hoje, poucos locais
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a deixar os locais aonde viviam. que apresentem uma situação capaz de gerar um pedido
Nisso reside o primeiro fato que nos impede de de refúgio, o que é uma inverdade.
afirmar que o Estatuto do Refugiado é um marco regu- Essa posição ficou evidente no documento apre-
lador nos movimentos migratórios, pois, apesar dele ofe- sentado pela Áustria a União Europeia em 1998, quan-
recer uma maneira de se retirar a ilegalidade da situação do afirma a inexatidão dos critérios de 1951 para nossa
do indivíduo, suas hipóteses são bastante específicas e por realidade, sugerindo “uma nova abordagem que deixe
isso mesmo atingem uma pequena parcela dos imigran- de ter por base um direito individual e subjetivo, mas se
tes ilegais de todo o mundo. A sua força normativa não é fundamente na oferta política partindo dos Estados que
empregada a outros sujeitos que não sejam os refugiados. recebam os asilados” (MORICE, 2004).
Não que o número de refugiados seja pequeno, Trata-se da afirmação de um bordão político eu-
muito pelo contrário, pois como apontam os números do ropeu, de que muito asilo acaba com o asilo. Percebe-se
relatório tendências globais de 2009 a população de pes- claramente nessas frases a criação de estigmas sobre a
soas forçadas a deslocar devido a conflitos e perseguições figura do que faz o pedido de asilo, colocando a princí-
no mundo totalizava, ao final de 2009, 43,3 milhões. En- pio uma desconfiança sobre a boa-fé daquele que pede o
tre elas estão 15,2 milhões de refugiados, o que é bastante refúgio. Mais interessante ainda de se observar é que essa
significativo, 27,1 milhões de deslocados internos e cerca
de um milhão de solicitantes de refúgio. A questão fica
no tratamento recebido pelo outro indivíduo, o migrante
3
Vale ressaltar que a referência a esses números é complexa e
econômico, este que em 2010, segundo números da pró- de difícil comprovação, pois a própria situação de ilegalidade
84 pria OIM, atingiu a cifra de 214 milhões de pessoas sendo somente permite a realização de projeções.
A situação do imigrante ilegal hoje: o ressurgimento do homo sacer
desconfiança realmente tem marcado a atuação dos Esta- importante conquista dos Direitos Humanos em favor de
dos na adoção de medidas frente a esse tema. uma visão de mundo que encontra na necessidade de con-
trole seletivo da imigração a resposta para os problemas
Observa-se exatamente isso no Comunicado da
sociais dos países. Caso isso ocorra, o refugiado acabará
Comissão Europeia do dia 26 de março de 2003, quando
se encontrando na mesma situação que o imigrante ilegal,
coloca que o
isto é, ser um sujeito não contemplado por Direitos.
a Comissão reconhece que o sistema de asilo
está em crise, cada vez mais aguda em determi- Porém, essa não deveria ser a situação de nenhum
nados Estados-Membros, e gera um mal-estar
crescente na opinião pública. Nota que o abuso imigrante no mundo, haja vista a existência de uma
dos procedimentos de asilo está a aumentar, da Convenção que surgiu para regular os movimentos mi-
mesma forma que os fluxos migratórios mis-
gratórios voluntários. Este texto que é conhecido como
tos, frequentemente alimentados por tráficos
que dizem simultaneamente respeito a pessoas a Convenção Internacional sobre a proteção dos direitos
que têm legitimamente necessidade de protec- de todos os trabalhadores migrantes e de seus familiares,
ção internacional e a migrantes que recorrem
aos procedimentos de asilo para acederem aos foi estabelecido em 1990 e adotado através da resolução
Estados-Membros e melhorarem as suas condi- 45/158 da Assembleia Geral da ONU.
ções de vida.
Essa convenção é fruto da luta do Comitê Inter-
Isso é absolutamente lamentável, pois generaliza a
nacional de Direitos Humanos, que em 1986 estabeleceu
figura do refugiado com o objetivo de impedir o seu aces-
a Recomendação Geral nº 15, na qual afirma não poder
so aos territórios.4 O que se tem visto são processos lon-
existir diferença ou discriminação entre os nacionais e os
guíssimos para a concessão desse status, além da defesa
estrangeiros no que se refere à aplicação dos direitos hu-
de que essas pessoas podem buscar asilo em locais mais
manos previstos no Pacto Internacional de Direitos Civis
próximos do seu país de origem, ou no próprio país, em
e Políticos.
um local seguro. Esta opção se deve ao fato desses locais
serem mais condizentes com a realidade daquele que está Trata-se de uma convenção bastante extensa, com
interessado no asilo. O princípio do “não no meu quintal” 93 artigos, divididos em nove partes, os quais são: Seu
é o que vem regulando as políticas europeias nessa área. escopo e definições, o princípio da não discriminação no
que diz respeito aos direitos, os direitos humanos de to-
Outra postura, igualmente inaceitável, é o questio-
por esse motivo, não estão autorizados a lá ingressar, per- nmental Committee for European Migration (ICEM) e
manecer e trabalhar. Tirando os artigos 36 a 56, específi- renomeada, tal como é hoje em 1989, não é contemplada
cos dos migrantes legais, os outros artigos contemplam o como um foro privilegiado para o recebimento das de-
ilegal com direitos, tentando estabelecer um mínimo de núncias, o que demonstra o seu esvaziamento e enfraque-
Direitos a essa pessoa, além de buscar retirar as pessoas cimento. Como coloca Figueiredo (2005, p. 78-79)
dessa situação. ao nível da cooperação institucional, nomeada-
mente em termos de organizações internacio-
Vale ainda destacar como fizeram Medeiros, Mat- nais, não se verificaram grandes desenvolvimen-
tar e Gonçalves (2008, p. 420) que: tos para a resolução de conflitos e remoção de
barreiras à mobilidade do fator trabalho. A OIM,
a Convenção estabelece em seu artigo 72 a com um objetivo eminentemente operacional,
criação de um órgão responsável pelo moni- não desempenhou um papel dinamizador
toramento da implementação da Convenção.
Trata-se de um comitê apto a receber e anali- capaz de regulamentar ou de gerir em nível internacional
sar os relatórios periódicos dos Estados-partes,
comunicações interestatais com denúncia de
as migrações, assim como estabelecer termos para o de-
violação a direitos, que serão avaliadas em reu- senvolvimento político do tema.
niões fechadas, a fim de evitar problemas diplo-
máticos entre os Estados, e petições individuais Tanto que, nesse sentido, só a Organização
que denunciem a violação a direitos previstos Internacional do Trabalho (OIT), foi contemplada pela
na Convenção por determinado Estado-parte.
Convenção dos Trabalhadores Migrantes, pois quando
Percebe-se claramente que assim, a convenção das reuniões do comitê previsto no artigo 72, ela deve ser
tenta estabelecer um patamar jurídico mínimo para a fi- convidada a apontar representantes para atuar de forma
gura do imigrante voluntário, seja ele legal ou ilegal. Por consultiva, como prevê o artigo 77, (8).
esse motivo, ele integra o rol das principais convenções
Esse papel relevante dado a OIT tem respaldo no
que protegem os direitos humanos no âmbito da ONU.
fato desse órgão possuir desde 1949 convenções relativas
Essa convenção só conseguiu entrar em vigor mais ao trabalho dos migrantes e de ser o principal órgão de
de 13 anos depois, realçando a posição adotada pelos paí- discussão internacional na questão mais importante que
ses, que insistem em não fazer parte de uma convenção que as imigrações tem levantado no aspecto econômico, que
regule o tema, por se contrapor aos interesses nacionais. é o emprego. A convenção 97 de 1949, conhecida como
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Em março de 2009 ele contava com apenas 40 ratificações, a Convenção Relativa ao Trabalho de Migrantes e a con-
sendo em sua grande maioria países em que o movimento venção 143, de 1975, conhecida como Convenção Sobre
migratório era predominantemente de emigração. Previsões Complementares Relativas a Trabalhadores
Migrantes são os dois principais documentos produzidos.
Aqui reside uma das maiores infelicidades para a
Conforme Medeiros, Mattar e Gonçalves (2008, p. 417)
humanidade, pois a convenção poderia, dado ao seu teor
salientam, “Ambas, tratam da problemática de imigran-
altamente comprometido com os direitos humanos, ser
tes ilegais e prevêem medidas para erradicar o tráfico e
um importante instrumento de proteção jurídica, só que,
a migração clandestina, sempre com foco na punição de
devido à baixa adesão, o tratado não tem obtido eficácia
empregadores de trabalhadores ilegais”.
no mundo real. Impressiona o fato de que um dos mais
importantes instrumentos que articulam Direitos para os Além dessas Convenções, merece destaque a Re-
seres humanos promovidos no cenário internacional nos comendação nº 86 da própria OIT que também discute o
últimos 20 anos não consiga se estabelecer. Isso demons- tema. Portanto, muito antes do tema vir a se tornar efe-
tra que o tema não é dos mais confortáveis para serem tivamente debatido nos outros órgãos internacionais, a
discutidos entre os países. OIT já contemplava o tema em suas reuniões.
Além disso, é bastante sintomático o papel que os Isso é mais um indicativo de que a maioria dos
atuais órgãos de defesa dos migrantes possuem no tex- imigrantes que circulam pelo mundo emigra em busca de
to. A Organização Internacional para as Migrações, em uma melhor condição de vida, buscando em outras loca-
inglês conhecida como IOM e em português com OIM, lidades uma oportunidade de trabalho para alcançarem
86 instituição que foi criada em 1951 sob a sigla Intergover- os seus objetivos. Atento a essa realidade, a OIT procurou
A situação do imigrante ilegal hoje: o ressurgimento do homo sacer
equiparar essa figura aos cidadãos nacionais, evitando as- to que contrata essa mão-de-obra ilegal, o próprio em-
sim qualquer forma de exploração e de desigualdade para pregado é punido, porque ficará sujeito a ser expulso do
esses imigrantes. território em que se encontra pelo fato de não possuir as
condições legais necessárias para isso. Isso significa que
Porém, os textos da OIT são bastante genéricos no
dizer que o imigrante não vê nenhuma vantagem com a
tratamento da questão, não impondo aos Estados obriga-
punição de seu patrão, por mais que conheça a situação
ções específicas para a proteção e melhoria da realidade
de exploração em que se encontra.
desses migrantes. Eles não possuem imposições tão claras
como aquelas apresentadas no Estatuto dos Refugiados. Ainda assim, vale ressaltar que na recomendação
O que se percebe nas Convenções é que elas fazem uma 100 de 1955 a OIT estabelece que:
série de recomendações, como a prestação de serviço de 16. A política geral deveria consistir em dissua-
informação, a prestação de serviços médicos e sanitários, dir os trabalhadores de empreender migrações,
quando se considerem indesejáveis para os tra-
a possibilidade de o migrante levar a sua família jun- balhadores migrantes e para as suas coletivida-
to consigo. Essas garantias sempre se apresentam tendo des e países de origem, mediante disposições
que permitam melhorar as condições de exis-
como base o fato deste trabalhador ser, por vontade do tência e elevar o nível de vida das regiões onde
Estado que o recebe, legalizado em sua situação jurídica. normalmente partem as migrações.
Com relação ao trabalhador ilegal, as recomen- Realmente, essa recomendação apresenta a so-
dações, notadamente a última, estabelecem que um dos lução para o problema da migração clandestina. Assim
objetivos dos Estados-membros é o de lutar para supri- como afirmamos acima, o movimento migratório é re-
mir as migrações clandestinas e o emprego ilegal de imi- alizado por conta da grave diferença entre os países, que
grantes. Mais uma vez, percebe-se um texto que em nada acabam gerando locais privilegiados e carentes no cená-
acrescenta aos trabalhadores ilegais, pois não dá garantia rio internacional. Porém, o que é expresso no texto é tão
alguma a esse sujeito. Ele simplesmente deve ser evitado. óbvio e, ao mesmo tempo tão difícil de ser alcançado, que
Resta evidente que as convenções propõem uma luta con- parece que os membros da OIT não estão conectados a
tra aqueles empregadores que fazem uso da mão-de-obra realidade mundial colocando uma afirmação que nada
ilegal, mas isso é insuficiente e já é feito pela maioria dos acrescenta em termos normativos.
Estados em suas legislações nacionais.
Estado onde reside a possibilidade ser atingido negativa- em Desenvolvimento e Cooperação Internacional)-
mente pela atuação estatal. Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade
Técnica de Lisboa, Lisboa, 2005.
Isso demonstra que, apesar dos avanços que os
Direitos Humanos obtiveram nos últimos anos, notada- GLOVER, S. et al. Migration: an economic and social
mente através da atuação das Organizações Internacio- analysis, The Research, Development and Statistics
Directorate: occasional paper, London, n. 67, p.1-68, 2001.
nais, o imigrante, dito ilegal, ficou fora dessa cobertura,
o que é inaceitável. HOBSBAWN, Eric. A era do capital: 1848 – 1875. 9. ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2002.
Tal ausência se dá pelo fato de os Estados visuali-
zarem, no controle da entrada e da saída de pessoas, um KURZ, Robert. Barbárie, migração e guerras de
dos mais resistentes marcos da soberania, levando-os a ordenamento mundial. In: SERVIÇO PASTORAL DOS
não aceitar uma determinante política nesse tema que MIGRANTES (Org.). Travessias na desordem global:
fórum social das migrações. São Paulo: Paulinas, 2005.
não seja de sua autoria, o que impede, diversas vezes, a
implementação de direitos para os imigrantes que estão MORICE, Alain. O enterro do direito de asilo. Le
irregulares administrativamente, deixando-os fora da Monde Diplomatique, São Paulo, ano 5, n. 50, mar. 2004.
vida política e jurídica. Por esse motivos a afirmação se Disponível em: <http://diplo.dreamhosters.com/2004-
03,a886.html> Acesso em: 12 de maio de 2012.
faz óbvia, o Homo Sacer está de volta.
PIOVESAN, Flavia. Código internacional dos direitos
humanos anotado. São Paulo: DPJ, 2008.
88
A situação do imigrante ilegal hoje: o ressurgimento do homo sacer
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fatalidade ou utopia? 2. ed. Porto: Afrontamento, 2002. ZOLBERG. Aristide. The next waves: migration theory
for a changing world. International Migration Review,
SILVA, João Carlos Jarochinski. Uma análise sobre Nova York, v. 23, n. 3, p. 403-430, 1989.
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RODRIGUES, Gilberto; ALMEIDA, Guilherme (Org.)
60 anos de ACNUR: perspectivas de futuro. São Paulo:
CLA, 2011.
89
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