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Clínica

Cirúrgica
Cabeça e
pescoço

15ª edição
Equipe SJT Editora
Clínica Cirúrgica – Cabeça e pescoço. São Paulo: SJT Editora, 2015.
ISBN 978-85-8444-047-4

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Editora assistente: Letícia Howes
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Apresentação à 15ª edição

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sUMÁRIO
1 Distúrbios da tireoide 9
2 Tireoidites 35
3 Hipertireoidismo 42
4 Bócio 51
5 Nódulos Tireoidianos (NT) 55
6 Câncer da tireoide 72
7 As glândulas paratireoides 86
8 Massas cervicais congênitas 99
9 Torcicolo congênito 106
10 Glândulas salivares 118
11 Tumores da cabeça e pescoço 127
12 Traqueostomias 135
13 Questões para treinamento –
Cirurgia da cabeça e pescoço 153
13 Gabarito comentado 185

253 Questões Comentadas


1
Capítulo

Distúrbios da Tireoide
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Anatomia e fisiologia
da tireoide
O principal primórdio da glândula tireoide desen-
volve-se sob a forma de crescimento endodérmico me-
diano, a partir da primeira e da segunda bolsas farínge-
as. Quando atinge a posição que ocupa no adulto, logo
abaixo da cartilagem cricoide, a tireoide divide-se em
dois lobos ligados por um istmo. O caminho percorrido
pela glândula, durante a sua migração, pode deixar re-
manescentes tireoglossos (tireoide lingual). A presença
de lobo piramidal é documentada em cerca de 40% das
pessoas e representa uma porção persistente da extre-
midade inferior do ducto tireoglosso (figura 1.1).
A glândula tireoide localiza-se profundamente
nos músculos esternotireoideo e esternoioideo, alta-
mente vascularizada, com peso aproximado de 20 a
25 g, tendo como unidade funcional o folículo (figura
1.2). É relativamente maior e mais pesada em mu-
lheres, nas quais se torna um pouco maior durante a
menstruação e a gravidez.
Figura 1.1  Desenho de uma glândula tireoide com um processo del-
O suprimento arterial de glândula se faz por gado e alongado conhecido como lobo piramidal, estendendo-se do ist-
meio de duas artérias relativamente grandes: as arté- mo da glândula ao osso hioide. Nesse caso, ele contém tecido tireoideo
rias tireoideas superior e inferior. A artéria tireoi- acessório (em cinza). Em outros casos, o lobo piramidal é composto de
dea superior, o primeiro ramo da carótida externa, tecido fibroso e/ou muscular.
desce para a extremidade superior da glândula, per-
fura a lâmina pré-traqueal da fáscia cervical e então
se divide em dois ou três ramos. A artéria tireoidea Forame cego
inferior, ramo do tronco tireocervical, segue supe- da língua
romedialmente atrás da bainha carótida para atingir
a face posterior da glândula. Ela se divide em vários Língua
ramos que perfuram a lâmina pré-traqueal da fáscia
para suprir a extremidade inferior da glândula tireoi-
de (figura 1.3). Às vezes, um terceiro vaso, a artéria
tireoidea ínfima única, supre a glândula tireoide;
esta pequena artéria pode originar-se do arco da Osso
aorta, do tronco braquiocefálico (mais comumen- hioide
te) ou da artéria carótida comum esquerda. Ele
ascende na frente da traqueia e supre o istmo da
glândula. A artéria tireoidea ínfima normalmente
Ducto tireogiosso
está presente no embrião e persiste em cerca aproxi-
madamente 10% dos adultos. Numerosos outros pe-
quenos vasos dirigem-se para a glândula tireoidea a Lobo piramidal
partir das artérias que suprem a faringe e a traqueia.
Todas as artérias tireoideas anastomosam-se entre si Glândula tireoide
sobre e na substância da glândula, mas há pouca anas-
tomose através do plano mediano, exceto nos ramos
da artéria tireoidea superior.
A drenagem venosa se faz por meio de três pa-
res de veias. As veias tireoideas superiores drenam as Figura 1.2  Desenho mostrando o percurso da glândula tireoide à
extremidades superiores da glândula tireoide e as veias medida que ela se desenvolve e desce através do pescoço. O ducto ti-
tireoideas médias, suas partes laterais. As veias tireoi- reoglosso geralmente degenera, mas às vezes persiste e forma um lobo
deas superiores e médias desembocam nas veias jugu- piramidal. Remanescentes dele também podem dar origem a cistos ou
lares internas. As veias tireoideas inferiores drenam as a uma fístula.
extremidades inferiores da glândula e desembocam nas
veias braquiocefálicas. Os vasos linfáticos acompanham as artérias e se-
guem para os linfonodos cervicais profundos inferio-
Como cobrem a face anterior da traqueia, abaixo
res e paratraqueais.
do istmo da glândula tireoide, as veias tireoideas infe-
riores são fontes em potencial de hemorragia durante A inervação da glândula é derivada dos gânglios
uma traqueostomia (figura 1.3) simpáticos cervicais superior, médio e inferior.

10 SJT Residência Médica - 2015


1 Distúrbios da tireoide

o músculo platisma e estende-se às regiões supraclaviculares, peitorais


v. jugular cartilagem
e, posteriormente, até a linha média. As fáscias profundas dividem-se
interna tireoidea em: lâmina de revestimento, lâmina pré-traqueal (que se limita à por-
ção anterior do pescoço e bainha que envolve a tireoide) e lâmina pré-
m. cricotireoideo -vertebral. Uma camada adicional, a fáscia alar, situa-se entre as lâminas
v. tireoidea
superior pré-traqueal e pré-vertebral.

a. tireoide m. omoioideo
superior
tireoide
Nervo laringe recorrente
v. tireoidea
média m. esternotireoideo Os nervos laríngeos recorrentes ascendem de
cada lado da traqueia, e cada um se localiza lateral-
mente ao ligamento de Berry quando entra na tra-
v. tireoideas
inferiores
m. esternoioideo queia. Existe certo número de importantes variações.
traqueia Em aproximadamente 25% dos pacientes, o nervo
laríngeo recorrente está contido no ligamento quan-
Figura 1.3 Secção longitudinal do pescoço, aspecto e forma da tireoi-
de. A face medial dos lobos e a face posterior do istmo relacionam-se do entra na laringe. No lado direito, o nervo laríngeo
com a laringe (músculos cricotireoideos) a traqueia, com a faringe (mús- recorrente separa-se do vago quando cruza com a
culo constritor inferior) e o esôfago, com os nervos laríngeos externo
e recorrente, este último ocasionalmente lesado durante as tireoidecto-
artéria subclávia, passando posteriormente e ascen-
mias, causa de graves sequelas como a rouquidão por paralisia das cor- dendo na posição lateral à traqueia ao longo do sulco
das vocais. A superfície posterior está relacionada com a bainha carotí- traqueoesofágico. O nevo laríngeo recorrente direito
dea, os músculos pré-vertebrados, o tronco simpático e, medialmente,
com as glândulas paratireoides. pode quase sempre ser encontrado a não mais de 1
cm lateralmente, ou dentro do sulco traqueoesofági-
co, no nível da borda inferior da tireoide. Entretanto,
ao passo que o nervo ascende para a porção média da
tireoide, assume sua posição dentro do sulco traqueo-
esofágico. Nessa localização, o nervo poderá dividir-
-se em um, dois ou mais ramos quando entra no pri-
meiro ou no segundo anel da traqueia. O ramo mais
m. esternocleidomastoideo importante desaparece por baixo da borda inferior do
m. estiloioideo
n. vago músculo cricotireoideo. O nervo pode ser encontrado,
osso hioide
carótida
normalmente nesse nível, em posição imediatamente
glômus carotídeo
anterior ou posterior a um tronco arterial principal da
v. jugular m. omoiodeo
artéria tireoidea inferior. Raramente o nervo laríngeo
tireoide
direito não recorrente poderá originar-se diretamente
Figura 1.4 Vista lateral da tireoide e estruturas adjacentes. A artéria no vago e seguir medialmente para dentro da larin-
tireoidea superior é o primeiro ramo da carótida externa, logo em sua
origem junto à comum. A artéria tireoidea inferior é ramo do tronco ti- ge. Essa anatomia não recorrente é encontrada entre
rocervical, originado da artéria subclávia após a emergência da vértebra. 0,5% e 1,5% dos pacientes. Ainda mais infrequente-
Pode haver ramo inconstante, chamado de artéria tireoide ínfima, as- mente, pacientes poderão ter à direita um nervo larín-
cendente para a borda inferior ístmica, bifurcando-se em vários ramos.
A drenagem venosa é variável, porém geralmente há um plexo venoso geo recorrente e um não recorrente. Esses dois nervos,
pré-tireoideo que drena para as veias jugulares internas. A drenagem em geral, se unem em uma posição abaixo da borda
linfática dá-se para os gânglios linfáticos profundos e paratraqueais.
inferior da tireoide.
fáscia Do lado esquerdo, o nervo laríngeo recorrente se-
m. plastisma pré-traqueal tireoide
para-se do vago quando aquele nervo ultrapassa o arco
m. esternocleidomastoideo traqueia da aorta. O nervo laríngeo recorrente esquerdo pas-
esôfago
sa, então, inferior e medialmente pela aorta e começa
a ascender para a laringe, encontrando seu caminho
fáscia a. carótida para o sulco traqueoesofágico à medida que ascende
pré-traqueal comum até o nível do lobo inferior da tireoide. Ambos os ner-
v. jugular vos laríngeos recorrentes são encontrados consisten-
comum
n. vago temente dentro do sulco traqueoesofágico quando es-
corpo
vertebral tão dentro de 2,5 cm da sua entrada na laringe. Esses
nervos passam inferior ou posteriormente a um ramo
da artéria tireoide inferior e, finalmente, entram na
laringe ao nível da articulação cricotireoidea sobre a
Figura 1.5 Secção transversal do pescoço na altura de C-7. O pesco-
borda caudal do músculo cricotireoideo. Neste ponto,
ço apresenta os planos anatômicos delimitados pelas fáscias cervicais o nervo está imediatamente adjacente glândula para-
superficial e profunda. A fáscia superficial inclui o tecido subcutâneo e tireoide superior, à artéria tireoidea inferior e à par-

11
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

te mais posterior da glândula tireoidea. Na dissecção


cirúrgica dessa área, é necessário um grande cuidado
porque o nervo está essencialmente ligado à medida
que mergulha no músculo cricotireoideo e pode ser
colocado em distensão por uma dissecção declarada-
mente vigorosa.
O nervo laríngeo tem função mista motora, sen-
sitiva e autonômica. A lesão do nervo laríngeo recor-
A C
rente resulta em patologias associadas, sendo a parali-
sia da corda vocal do lado afetado a mais importante.
Essa lesão pode resultar em permanência da corda em B
uma posição medial ou lateralmente linha média. Se as
cordas contralaterais funcionantes forem capazes de Figura 1.6  Variações anômalas no trajeto do nervo laríngeo recorrente
aproximar-se da corda paralisada, poderá ser mantida direito. A: um nervo laríngeo não recorrente origina-se do vago; B: o
trajeto normal do nervo laríngeo recorrente começa no vago depois que
uma voz normal, apesar de enfraquecida. Se a corda
ele passa por baixo da artéria subclávia; C: o nervo não recorrente in-
lesada permanecer paralisada em uma posição de ab-
comum e o nervo laríngeo recorrente juntam-se para formar um nervo
dução e for inviável o fechamento, poderá ocorrer uma distal comum.
grave perturbação da voz e uma tosse ineficiente. Se os
nervos laríngeos recorrentes forem danificados bilate-
ralmente, poderá ocorrer a perda completa da voz ou
obstrução das vias aéreas, requerendo intubação e tra- Fisiologia
queostomia de emergência. Ocasionalmente, o dano
A unidade funcional básica da glândula tireoi-
bilateral poderá fazer com que as cordas tomem uma
posição de abdução que, embora permita o movimen- de é o folículo, composto de células que se reúnem
to das vias aéreas, poderá resultar em infecção respi- em esferas de tamanho variável, com 15 a 500 µm de
ratória superior em virtude da ineficiência da tosse. diâmetro, circundadas por membrana basal. A parede
folicular é constituída de uma única camada de células
com formato cuboidal, quando relativamente quies-
Nervo laríngeo superior centes, e assumindo padrão colunar quando mais esti-
muladas. O lúmen folicular contém coloide, gel visco-
O nervo laríngeo superior separa-se do nervo
so que, primariamente, preenche o espaço de armaze-
vago na base do crânio e desce para o polo superior
da tireoide ao longo da artéria carótida interna. No nagem da tireoglobulina secretada pela célula folicular
corno hioide, divide-se em dois ramos. O ramo inter- tireoidea (figura 1.7). Adjacentes à célula folicular,
no, maior, tem função sensitiva e entra na membrana encontram-se as células C (parafoliculares), que
tireo-hioidea, onde inerva a laringe. O ramo externo, são relativamente maiores, colorem-se de forma
menor, continua a percorrer a superfície lateral do diferente nos procedimentos usuais e são secreto-
músculo faríngeo inferior e, em geral, desce anterior e ras de calcitonina. Os folículos são circundados por
medialmente em conjunto com a artéria tireoidea su- rede capilar extremamente rica, com fluxo sanguíneo
perior. Dentro de 1 cm da entrada da artéria tireoidea bastante elevado (aproximadamente 5 mL/g de teci-
superior na cápsula da tireoide, o nervo geralmente do). Além disso, na região parafolicular encontram-se
segue um trajeto medial e entra no músculo cricoti- as terminações nervosas simpáticas e parassimpáti-
reoideo. Essa é uma relação extremamente importan- cas, cuja ação fisiológica é ainda discutível, mas, apa-
te porque, durante a execução de uma lobectomia ti- rentemente, possuem papel de menor importância na
reoidea, o ramo externo não é, em geral, visualizado, regulação da síntese de hormônios pré-formados. A
uma vez que já entrou na fáscia do músculo faríngeo
presença de microvilos na zona apical da célula foli-
inferior. Entretanto, se os vasos do polo superior fo-
cular é de fundamental importância na endocitose da
rem ligados a uma grande distância acima do polo su-
tireoglobulina armazenada no coloide. A tireoglobu-
perior da tireoide, este nervo corre o risco de ser sec-
cionado ou ligado. Um dano ao ramo externo poderá lina (75% do conteúdo proteico da glândula), cap-
resultar em grave perda da qualidade ou da potência tada pelos microvilos, passa a constituir vesículas (1,5
da voz. Embora isto não seja tão clinicamente devas- a 3 µm de diâmetro) que se fundem com lisossomos,
tador quanto um dano do nervo laríngeo recorrente, é ainda na zona apical da célula, constituindo o primei-
extremamente incômodo para o paciente cuja função ro passo para a hidrólise da tireoglobulina e posterior
exige adequada utilização da voz. secreção de hormônios tireoideos.

12 SJT Residência Médica - 2015


1 Distúrbios da tireoide

Membrana plasmática
Transportador membranal
Extracelular (fosfolipídico) Intracelular
Membrana basal
I- I- I- I-

Na+ Na+ Na+


Coloide Na+
TSH
Célula folicular K+
Bomba de sódico
(ATPase dependente)
Na+ Na+
Célula parafolicular
K+ K+ K+
(célula C) + -
Capilar
Potencial negativo - 59 mV

Microvilos Figura 1.8 O iodeto é ativamente transportado do meio extracelular


para o interior da célula tireoidea, contra um gradiente eletroquímico,
o qual requer energia. A energia necessária para transporte de iodeto é
derivada da passagem de sódio. Admite-se que exista o transporte cole-
Figura 1.7 A unidade funcional básica da glândula tireoide é o folí-
tivo de iodeto e sódio por um transportador membranal fosfolipídeo e
culo, composto de células que se reúnem em formações esféricas, de
que a cisão de ATP por enzima ATPase proveria a energia necessária. No
tamanho variável, em cujo interior se encontra o coloide, local de ar-
defeito de transporte de iodeto poderia haver ausência ou modificações
mazenamento da tireoglobulina, que contém os hormônios tireoideos.
estruturais do transportador membranal. O TSH, além de exibir efeito
Adjacentes ao folículo, encontram-se células C (parafoliculares) secreto-
no potencial membranal, pode controlar o transporte de iodeto via alte-
ras de calcitonina. Os microvilos, além de serem o ponto de iodação da
rações na capacidade do sistema Na+K+ ATPase.
tireoglobulina, também são responsáveis pela adaptação desta molécula
proteica, fazendo-a retornar ao interior da célula sob a forma de gotícu-
las a serem hidrolisadas. Uma vez dentro da glândula, o iodo passa por uma
série de reações até a etapa final de formação dos hor-
A função da glândula tireoide é sintetizar, mônios tireoideanos biologicamente ativos. A primeira
armazenar e secretar os hormônios tiroxina (T4) dessas reações envolve a oxidação do iodo mediada pela
e triiodotironina (T3). O adequado suprimento de peroxidase. Essa reação pode ser inibida por agentes an-
iodo é fundamental para o funcionamento normal titireoidianos e pelo perclorato. Uma vez organificado, o
da glândula. A quantidade diária recomendada é de iodo é rapidamente incorporado à molécula de tirosina
100-150 µg/dia, embora níveis de 50 µg/dia consigam (proteína sintetizada na tireoide) dando origem à for-
prevenir o bócio por deficiência de iodo em adultos. O mação das iodotirosinas, que por sua vez se combinam
nível de iodo no sal atinge hoje cerca de 15 a 30 mg/kg, e formam as iodotironinas, cujas formas biologicamen-
suficiente para um nível médio de ingestão de iodo, tes ativas são: monoiodotironina (MIT) e diiodotironina
por pessoa, da ordem de 150 a 300 µg/dia. O iodo, (DIT). Duas moléculas de DIT formam a tetraiodotiro-
absorvido pelo TGI, entra no fluxo extracelular (FEC) nina ou tiroxina (T4). A triiodotironina (T3) é formada
sob a forma de iodeto. Na presença de função renal pela combinação de uma molécula de MIT com uma de
normal o iodeto é rapidamente depurado do FEC, com DIT. A oxidação do iodo e a reação de acoplamento são
meia-vida de 2 horas. A este espaço de iodeto extra- catalisadas pela peroxidase tireoidiana.
celular vêm se juntar duas outras fontes internas de As iodotironinas são formadas dentro da molé-
iodeto: 1- o iodeto liberado na metabolização dos hor- cula de tireoglobulina, glicoproteína precursora dos
mônios tireoideos na periferia (cerca de 60 µg/dia); 2- hormônios da tireoide. Cerca de 90% a 95% do iodo
a perda de iodo pela glândula tireoide (“vazamento”) ligado à proteína, na glândula, se encontra no coloide,
que pode atingir 10 a 15 µg/dia. A glândula tireoide e como parte de tireoglobulina.
os rins são os principais depuradores do iodo extrace-
Uma parte da MIT e da DIT sofre deiodinação pela
lular. Quanto mais elevado o consumo diário de iodo,
enzima de-halogenase, e o iodo é parcialmente reutiliza-
maior a participação renal na depuração do halogênio,
do pela tireoide. Essa possui a propriedade de armazenar
decrescendo proporcionalmente à captação de iodo grande quantidade de hormônio, o que lhe confere uma
pela tireoide. prolongada proteção contra a depleção de hormônios
A síntese dos hormônios da tireoide está na de- nos casos em que a síntese deles seja prejudicada.
pendência do iodo exógeno (inorgânico), o qual é ati- Após hidrólise da tireoglobulina, a T4 e a T3
vamente transportado para a tireoide sob ação do TSH. são secretadas no plasma (ligando-se quase ime-
O transporte do iodo pode ser inibido pelo perclorato diatamente às proteínas plasmáticas) e são biolo-
(inibidor competitivo no transporte do iodo), provo- gicamente inativas. Apenas uma pequena fração
cando uma descarga do iodo que ainda não foi orga- dos hormônios tireoidianos circula livre (0,03% do
nificado. Esse dado é utilizado para realização do teste T4 e 0,3% do T3). A ligação é feita com proteínas es-
do perclorato no diagnóstico da dis-hormoniogênese. pecíficas: 75% com a globulina (thyroid hormone-

13
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

-binding globulin TBG – globulina transportadora Comparação das principais proteínas de


do hormônio tireoidiano) e o restante com a pré- ligação aos hormônios tireoidianos
-albumina (atualmente denominada transtirretina
TBG Transtirretina Albumina
– TTR) e a albumina. A ligação é firme, porém re-
versível, e confere aos hormônios uma vida média Peso molecular da 54.000 54.000 66.000
mais longa (tabela 1.1). holoproteína (κDa) (4 subunidades)
Concentração plas- 0,27 4,6 640
Várias doenças e fármacos provocam altera-
mática (µmol/L)
ções quantitativas e/ou qualitativas nas proteínas
carreadoras dos hormônios tireoidianos, resultan- Capacidade de liga- 21 350 50.000
do em aumento ou diminuição da fração total dos ção do T4, como µg
de T4/dL
hormônios, sem alterar, contudo, a fração livre
(metabolicamente ativa). Fração de sítios 0,31 0,02 < 0,001
ocupados por T4 no
plasma eutireoideo
Fatores que influenciam os níveis séricos das Distribuição das iodotironinas (%/proteínas)
proteínas de ligação dos hormônios tireoidianos
T4 68 11 20
A- Aumento da TBG
T3 80 9 11
1- Congênito Tabela 1.2
2- Estados hiperestrogênicos: gravidez, estrogenioterapia
3- Doenças: hepatite infecciosa aguda, hipotireoidismo Condições associadas à diminuição
da conversão de T4 em T3
B- Redução da TBG
Vida fetal
1- Congênito
Restrição calórica
2- Drogas: androgênios, glicocorticoides, L-asparaginase Doença hepática
3- Doenças: cirrose, desnutrição proteica, síndrome nefróti- Doenças sistêmicas graves
ca, hipertireoidismo Drogas*
Deficiência de selênio
C- Aumento da transtirretina
Tabela 1.3  (*) Propiltiouracil, propranolol, glicocorticoides, ácido io-
1- Congênito panoico, ipodato de sódio, amiodarona.
2- Doenças: glucagonoma, carcinoma de ilhotas pancreáticas
D- Drogas que afetam a ligação dos HT às proteínas de li-
gação em quantidade normal de TBG I I NH2
3’ 3
HO O CH2 CH COOH
1- Salicilatos, fenilbutazona, fenclofenac 5’ 5

I I
2- Fenitoína, diazepan Tiroxina (T4)
3,5,3’,5’- tetraiodotironina
3- Mitotano, furosemida
Deiodinases 1 ou 2 Deiodinase 3 > 2
4- Heparina* (5’-deiodinação) (5-deiodinação)
Tabela 1.1  (*) Estimula a lipase lipoproteica, liberando ácidos graxos I I NH2
I I NH2
livres que deslocam os HT das proteínas de ligação. HO O CH2 CH COOH HO O CH2 CH COOH

I I
O hormônio livre é o metabolicamente ativo,
Triiodotironina (T3) T3 reversa (rT3)
sendo que o T3 possui uma atividade biológica 4 3,5,3’- triiodotironina 3,3’,5’- triiodotironina
vezes superior à do T4 (o T3 é o hormônio ativo,
e o T4, um “pró-hormônio”). A maior parte do Figura 1.9  Estrutura dos hormônios tireoidianos. A tiroxina (T4)
contém quatro átomos de iodo. A desionização (deionização) resulta
T3 nos indivíduos eutireoideos é produzida por na produção do potente hormônio triiodotironina (T3) ou o hormônio
conversão extratireoidea de T4 em T3, principal- T3 reverso inativo.
mente no fígado e nos rins. Apenas 20% provêm
da tireoide. O T4 é o principal hormônio secretado A função da glândula tireoide é regulada por um
pela tireoide, em proporção de aproximadamente 10 mecanismo de retroalimentação que envolve o eixo
vezes maior que o T3. Sua produção diária varia de hipotálamo-hipófise-tireoide. O T4 tireoidiano e a
80 µg a 100 µg/dia, sendo proveniente com exclusivi-
síntese e secreção de T3 são estimulados pelo TSH
dade da secreção tireoidiana. Os níveis de estoque de
(tireotrofina), glicoproteína composta de duas subu-
T4 são de aproximadamente 1.000 µg, estando assim
disponível por vários dias sem que haja produção ti- nidades (alfa e beta), que, na de tireoide estimula a
reoidiana. Cerca de 80% do T4 é metabolizado por captação de iodo, biossíntese e secreção dos hormô-
deiodinação (40% são convertidos em T3 e 40% em nios da tireoide. O TSH tem vida média de 54 mi-
T3R – figura 1.9). Os 20% restantes sofrem metabo- nutos e obedece a um ritmo circadiano, com pico
lização por meio da conjugação com sulfato e glicuro- pouco antes do sono (pico entre as 22 h às 4 h). A
nídeo, deaminação oxidativa e descarboxilação para dopamina inibe a secreção do TSH e possivelmente
formar ácido tetraiodotiroacético. contribui para sua flutuação durante o dia. Noradre-

14 SJT Residência Médica - 2015


1 Distúrbios da tireoide

nalina, ao contrário da dopamina, estimula a secre- Fármacos e drogas que interferem tanto no metabolismo,
ção do TRH-TSH. O efeito da serotonina é discutível. na ação e na secreção dos hormônios tireoidianos (HT)
Os hormônios da tireoide, por sua vez, no nível da quanto na secreção do TSH
hipófise, inibem a secreção do TSH. 1. Efeito sobre metabolismo extratireoideo dos HT

Nos primeiros quatro meses de gravidez há um (a) Inibição da conversão periférica do T4 em T3: glicocorti-
coides, amiodarona, propranolol, agentes iodados
aumento dos níveis de T4 e T3 em cerca de 30 a 50%. (b) Aumento da depuração do T4 e T3: hidantoína, rifampi-
Esse aumento se dá pela elevação sérica da TBG (thyro- cina, carbamazepina, fenobarbital, sertralina
xine binding globulin). No feto, os níveis de T4 e T3 são (c) Diminuição da absorção do T4 ingerido: hidróxido de alu-
baixos. Ao nascimento, atingem valores semelhantes mínio, sucralfate, sulfato ferroso, colestiramina, raloxifeno
ao soro materno, e a concentração sérica de TSH au- 2. Efeito sobre as proteínas transportadoras dos HT
menta rapidamente algumas horas após o parto, po- (a) Competição na ligação dos HT à TBG: salicilatos, hepari-
rém tende a normalizar até o quarto dia de vida. na, furosemida, sulfonfureias, fenilbutazona
(b) Aumento da TBG: estrogênio, heroína, clofibrato, 5-fluorou-
Hipotálamo T3 T4
racil
TSH-R (c) Diminuição da TBG: androgênios, glicocorticoides, ácido
Basal nicotínico, L-asparaginase
NIS
I-
3. Efeito sobre síntese e secreção dos HT
I- (a) Inibição da secreção: iodo, lítio, glicocorticoides, hepari-
TRH cAMP na, furosemida, sulfonilureias, fenilbutazona
(b) Alteração na síntese: tionamidas, sulfonfureias, sulfona-
Tg
midas, cetoconazol
Hipófise Apical (c) Bloqueio do transporte do iodo: lítio, minerais, ânions
monovalentes, etionamida
DIT
\ Célula
Tg-MIT folicular 4. Efeito sobre a ação dos HT
Tg + I -
Ac

TSH pl (a) Amiodarona, fenitoína


o

ag Iodação
em
5. Agentes que inibem a secreção de TSH

Tireoide
(a) Dopamina, glicocorticoides, dobutamina, L-tiroxina,
Folículo tireoidiano triiodotironina e ácido triiodotiroacético
6. Agentes que modificam a função imunológica
T3 T4
(a) Terapia com anticorpos monoclonais, interleucina-1 e
interferon α e β
Ações
Tabela 1.4
periféricas

Figura 1.10 Regulação da síntese dos hormônios tireoidianos. À es-


querda. Os hormônios tireoidianos T4 e T3, através de um mecanismo
de feedback, inibem a produção hipotalâmica do hormônio liberador Manifestações clínicas de acordo com ingestão de iodo
de tireotropina (TRH) e produção hipofísária do hormônio tireoesti-
mulante (TSH), o qual estimula a produção pela tireoide de T4 e T3.
Ingestão deficiente de iodo Ingestão excessiva de iodo
À direita. Os folículos tireoidianos são formados por células epiteliais Bócio endêmico Diminuição da captação do
tireoidianas que circundam o coloide proteico, o qual contém tireoglo- iodo
bulina. As células foliculares, polarizadas, sintetizam a tireoglobulina e
Aumento da captação do Bloqueio da síntese dos hor-
realizam a biossíntese dos hormônios tireoidianos. TSH-R: receptor do
iodo mônios da tireoide: efei-
hormônio tireoestimulante; Tg: tireoglobulina; NIS: simportador do io-
to Wolff-Chaikoff pelo RH
deto de sódio; TPO: peroxidase tireoidiana; DIT: diiodotirosina; MIT:
(thryrotropin-releasing hor-
monoiodotirosina.
mone)*
Aumento da relação T3/T4
Medicamentos contendo iodo podem alterar os
níveis de T3, T4 e TSH; os mais comuns são os con- Tabela 1.5 (*) Ao passo que se eleva a concentração de iodeto, ad-
ministrado em animais experimentalmente, ocorre a inibição da in-
trastes radiológicos, ácido iopanoico e amiodarona. O corporação em determinado nível crítico de iodeto, com subsequente
mecanismo de ação se faz no bloqueio da transforma- queda da halogenação da tireoglobulina e da síntese de T3 e T4. Na
ção de T4 em T3 nos tecidos, reduzindo a concentração glândula tireoide normal, o efeito Wolff-Chaikoff é de curta duração,
pois a célula folicular ativa outro mecanismo de defesa, ou seja, o io-
de T3 no plasma e consequentemente aumento da se-
deto acumulado intracelularmente inibe a captação de novo iodeto do
creção do TSH. O lítio é outra droga que, concentrada plasma. Subsequentemente, a razão T:S declina e ocorre a suspensão do
pela tireoide, inibe a liberação dos hormônios tireoi- efeito Wolff-Chaikoff. Em glândulas de reduzida capacidade funcional,
dianos; ocorre elevação do TSH em 20% dos pacientes como na tireoidite crônica de Hashimoto, a célula folicular não conse-
gue se livrar do excesso de iodeto intracelular e o persistente bloqueio
com doses terapêuticas de carbonato de lítio; há dimi-
da incorporação leva ao hipotireoidismo. Tal fenômeno é frequente no
nuição dos níveis de degradação do T4, sem que haja uso de medicamentos que contenham iodo na molécula (amiodarona,
queda da produção de T3 extratireoidiano (tabela 1.4). contrastes iodados).

15
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Hormônio Valores Ligação à Meia- Ações dos hormônios da tireoide


Normais Proteína -vida Consumo de oxigênio e termorregulação
Ligação (%) Crescimento e diferenciação dos tecidos
T4 4,5-12,5 µg/dL 99,97 7 dias Metabolismo da água e eletrólitos
Metabolismo lipídico
T3 80-220 µg/dL 99,7 1 dia
Metabolismo proteico
Tabela 1.6 Metabolismo dos hidratos de carbono
Sistema nervoso
Sumário da biossíntese dos hormônios da tireoi- Sistema cardiovascular
de: etapas e secreção dos hormônios: Tabela 1.7
1. Iodo é ativamente transportado para dentro
da glândula (ação do TSH).
2. Iodo inorgânico é oxidado e ligado à tirosina
(ação da peroxidase). Resistência aos hormônios
3. As tirosinas iodenadas se combinam para for-
mar as iodotironinas-tireoglobulina.
tireoidianos (RHT)
4. Proteólise da tireoglobulina (ação do TSH) A RHT é um distúrbio autossômico dominan-
com liberação de T3-T4-MIT e DIT. te caracterizado por níveis elevados desse hormônio
5. Deiodinação de MIT e DIT com parcial reutili- e um TSH inadequadamente normal ou elevado. Em
zação do iodo. geral, os indivíduos com RHT não exibem sinais e sin-
tomas típicos do hipotireoidismo, pois a resistência
hormonal é parcial e acaba sendo compensada pelos
maiores níveis de hormônio tireoidiano. As caracterís-
Ação dos hormônios ticas clínicas da RHT podem incluir bócio, distúrbio
tireoidianos com deficit de atenção, ligeira redução no QI, matura-
ção esquelética retardada, taquicardia e respostas me-
Os hormônios tireoidianos circulantes (fração tabólicas prejudicadas ao hormônio tireoidiano.
livre) penetram nas células por difusão passiva. Após A RHT é causada por mutações no gene do re-
penetrarem nas células, atuam principalmente através ceptor de TRβ. Essas mutações, localizadas em regiões
de receptores nucleares, apesar de poderem estimular restritas do domínio de acoplagem do ligante acarre-
também a membrana plasmática e as respostas enzi-
tam a perda da função dos receptores.
máticas mitocondriais.
Na maioria dos pacientes não existe indicação
para qualquer tipo de tratamento; a importância de
T3 Núcleo fazer o diagnóstico reside em evitar o tratamento ina-
propriado de um hipertireoidismo equivocado e pro-
T4 porcionar aconselhamento genético.
T3 CoR
1
2
CoA
T3

RXR TR
CoA 3
Avaliação laboratorial da
Citoplasma
TRE Gene tireoide
4
Expressão gênica 1. Testes relacionados à ação periférica dos hor-
mônios da tireoide;
2. Testes para estabelecer o nível da função ti-
Figura 1.11  Mecanismo de ação dos receptores dos hormônios tireoi-
dianos. O receptor do hormônio tireoidiano (TR) e o receptor X do ácido reoidiana;
retinoico (RXR) formam heterodímeros que se unem especificamente 3. Outros testes:
aos elementos de resposta do hormônio tireoidiano (TRE) nas regiões
promotoras dos genes-alvo. Na ausência de hormônio, TR se une às pro- €€ dosagem de tireoglobulina;
teínas correpressoras (CoR) que silenciam a expressão gênica. Os núme-
ros se referem a uma série de reações ordenadas que ocorrem em respos-
€€ testes imunológicos;
ta ao hormônio tireoidiano: (1) T4 ou T3 penetra no núcleo; (2) a ligação €€ punção aspirativa por agulha fina (PAAF);
de T3 dissocia CoR de TR; (3) os coativadores (CoA) são recrutados para
o receptor ligado à T3; (4) a expressão gênica é alterada. €€ diagnóstico por imagem.

16 SJT Residência Médica - 2015


1 Distúrbios da tireoide

Testes para estabelecer nível de Fatores que levam à diminuição dos níveis
séricos de T3 total
função da tireoide Jejum de 24 a 48 horas
A investigação inicial de um paciente com dis- Doenças crônicas
função tireoidiana deve ser feita com o emprego da Glicocorticoides
dosagem do T4-livre (T4-L) e do TSH ultrassensível. A Amiodarona
dosagem do T4-livre é mais específica no diagnós- Tabela 1.8
tico do hipertireoidismo, enquanto o TSH é mais
específico para o hipotireoidismo (atenção!). Embora sofra muito menos as variações dos níveis
de TBG, a dosagem sérica de T3 total é tecnicamente
Além de o TSH ser o melhor teste para o diag- mais difícil e seus níveis variam muito com a idade, sen-
nóstico de hipotireoidismo, detectando uma falência do mais elevados nos primeiros anos de vida. A dosagem
precoce - hipotireoidismo subclínico - é também útil sérica isolada de T3 total não é um teste aconselhável
na diferenciação de uma falência primária da tireoide para ser usado isoladamente quando se deseja afastar o
ou de uma secundária (hipofisária) ou terciária (hipo- diagnóstico de hipotireoidismo. A triiodotironina (T3)
talâmica), quando então se faz necessário o teste de é cerca de 3 vezes mais ativa metabolicamente que a T4
estimulação com TRH (atualmente esta é a única in- e é intermediária da maioria das ações dos hormônios
dicação deste teste). Os ensaios ultrassensíveis (imu- tireoideos no nível molecular.
nométricos) alcançam uma sensibilidade em torno de
0,05-0,01 µm/L. De um modo geral, o TSH é o mais As dosagens de T4 e T3 livres são potencialmen-
te muito mais sensíveis do ponto de vista diagnóstico.
sensível indicador da função tireoidiana. A elevação
É importante lembrar, mais uma vez, que a dosagem
do TSH é a primeira anormalidade vista no hipotireoi-
do T4 livre é mais específica no diagnóstico do hiper-
dismo primário (valores acima do limite superior de
tireoidismo. A concentração do T4 livre é aproximada-
6 µU/mL) e de maneira análoga, o TSH suprimido ou
mente mil vezes menor que o T4 total. A dosagem do
indetectável é o mais sensível indicador de hipertireoi-
T3 reverso (isômero do T3, com concentração sérica
dismo primário (valores abaixo do limite normal infe-
de 20-40 ng/dL) e seu nível sérico dependem prima-
rior de 0,3 µU/mL).
riamente dos níveis de T4, uma vez que todo o T3R
Níveis moderadamente elevados no TSH têm do soro é produzido a partir do T4 fora da tireoide. Al-
sido observados em pacientes aparentemente euti- terações no TBG sérico têm pouco efeito sobre o T3R
reoideos em recuperação de doenças graves e mesmo sérico devido à baixa afinidade dessas proteínas com o
em pacientes hipertireoideos (síndrome da secreção T3R. Seus níveis plasmáticos não têm grande signifi-
inadequada de TSH). cado clínico, pois fornecem poucas informações sobre
O TSH é o indicador mais sensível do estado tireoideo a secreção da tireoide, uma vez que podem apresentar
O LT4 é o segundo teste principal na avaliação do estado ti-
grandes variações em doenças extratireoidianas. Cli-
reoideo (T4 livre) nicamente, sua dosagem está indicada nos casos de
doenças sistêmicas graves, “síndrome do doente euti-
reoideo”, ou no uso de algumas drogas pelos pacientes.
Devido aos níveis diminuídos de T4 e T4 livre, assim
Dosagem de T4 e T3 como de T3 em alguns desses pacientes, sua determi-
Sendo a tiroxina (T4) a principal forma de hor- nação pode ajudar a distinguir a síndrome do doente
mônio circulante de produção exclusivamente tireoi- eutireoideo do hipotireoidismo. Nestes últimos, os ní-
diana, a dosagem sérica de T4 total seria, em princí- veis de T3 reversa encontram-se diminuídos.
pio, o melhor teste de função da tireoide; no entanto, Níveis séricos do hormônio tireoide em indivíduos
o fato de circular quase totalmente ligada à proteína a normais e em pacientes com doença tireoidiana
torna suscetível a alterações em função da presença de Normal Hipertireoidis- Hipotireoi-
certas condições clínicas e do uso de algumas drogas. mo dismo
T4 (µg/dL) 4,5- > 12,5 < 4,5
12,5
Fatores que interferem na determinação
T4 livre (µg/ 0,9-2 >2 < 0,9
dos níveis de T4 total
dL)
Aumentam a TBG Diminuem a TBG
T3 (ng/dL) 80-220 > 220 < 80
Contraceptivos Testosterona
TSH (µU/mL) 0,3-6 < 0,3 >6
Gestação Corticosteroides
Estrógenos Doença de Graves Tabela 1.9
Hepatite viral Cirrose
Hepatite crônica ativa Síndrome nefrótica TSH e T4L normais constituem, por sua vez, confirmação
Porfiria Síndromes hereditárias segura de eutireoidismo.

17
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Teste do TRH c. variação interensaio acima do desejável, em


especial se levarmos em consideração o intervalo de
O desenvolvimento de métodos de alta sensi- tempo entre a coleta de amostras utilizado habitual-
bilidade na dosagem do TSH sérico tem colocado em mente para o seguimento dos pacientes com carcino-
desuso o teste de estímulo com o TRH. Em pacientes ma diferenciado (6 a 12 meses);
com função hipotálamo-hipofisária normal, esse teste
d. possibilidade de efeito “gancho”, especialmen-
não sobrepuja a medida do TSH sérico.
te em ensaios imunométricos, o que causa a obtenção
Protocolo: TRH bovino na dose de 200 a 400 µg de valores inapropriadamente baixos em pacientes
intravenoso. Obtém-se amostra plasmática de TSH com concentrações de Tg especialmente elevadas;
antes da administração do TRH e após o uso deste em
e. presença de anticorpos endógenos anti-Tg no
intervalos de 30-60-120 e, em casos especiais, 180 mi-
soro do paciente, o que pode determinar resultados
nutos.
falsamente baixos nos ensaios imunométricos e falsa-
Resposta normal: uma elevação do TSH de 12 ± 3 mente elevados nos radioimunoensaios.
(mU/L). O pico ocorre entre 20 e 30 minutos após TRH.
Aplicação clínica: sua maior indicação seria para
A aplicação clínica mais importante da dosagem de Tg é o
o diagnóstico dos casos dúbios de hipotireoidismo acompanhamento pós-operatório dos pacientes com carcino-
central. No hipotireoidismo secundário (hipofisário) ma diferenciado da tireoide.
não há elevação do TSH, e no terciário (hipotalâmica)
pode haver uma elevação entre os 120 a 180 minutos
do TRH. Este procedimento pode ser acompanhado de
náuseas, urgência urinária e, algumas vezes, hiperten- Calcitonina
são arterial. A calcitonina é um produto das células “C” da
glândula tireoide. O carcinoma medular da tireoide
(CMT) representa o crescimento neoplásico das célu-
las “C”, portanto, as mensurações dos níveis da calci-
Tireoglobulina tonina são usadas para acompanhar os pacientes com
É uma proteína de alto peso molecular sinte- CMT e para identificar os familiares sob risco de de-
tizada nos ribossomos das células foliculares. É a senvolver CMT. Um teste mais sensível é o que mede
mais importante proteína da glândula tireoide, pois os níveis de calcitonina em resposta à estimulação
funciona como matriz para a síntese dos hormônios pela pentagastrina, isolada ou combinada com o cál-
tireoidianos e como veículo para as suas estocagens. cio. O teste consiste na infusão de gluconato de cálcio
Em indivíduos normais, o tratamento da tireoide é o (2 mg/kg/1 min.), seguido imediatamente pela pen-
principal fator que controla a concentração sérica de tagastrina (0,5 µg/kg, durante cinco segundos g/kg/5
tireoglobulina. seg), com medidas de calcitonina antes e 2, 5, 10 e 15
minutos após a injeção. Considera-se como normal a
resposta que não ultrapassa 100 pg/dL nas mulheres
Tireoglobulina sérica: 20-25 ng/dL
e 350 pg/dL nos homens. Quando um ou mais mem-
bros de uma mesma família são sabidamente portado-
Apesar de sua grande utilidade no seguimento res de CMT ou da síndrome de neoplasias endócrinas
do câncer de tireoide, a dosagem sérica de Tg não é, no múltiplas tipo 2 (NEM -2), o rastreamento de todos os
entanto, uma dosagem simples. Uma série de limita- membros da família ganha maior importância.
ções tornou-se evidente desde a descrição dos primei-
ros métodos radioimunológicos, apesar de seu uso ter
comprovado a utilidade prática potencialmente espe- A maioria dos pacientes (70%) com carcinoma medular apre-
rada. Algumas dessas limitações técnicas foram, pelo senta calcitonina sérica elevada.
menos teoricamente, contornadas com a adoção, em
rotina, dos métodos imunométricos. No entanto, uma
série de problemas pode interferir na determinação,
a saber:
Testes imunológicos
€€ Anticorpo antitireoglobulina (anti-Tg)
a. sensibilidade funcional inadequada numa
série de métodos disponíveis comercialmente, o que €€ Anticorpo antiperoxidase (anti-TPO) ou anti-
limita a detecção de pequenas massas de tecido tireoi- corpo antimicrossomial
diano, especialmente quando o TSH está suprimido; €€ Anticorpo antirreceptor de TSH (TRAb)
b. falta de um padrão internacional, o que deter- O anticorpo de ocorrência mais frequente é o
mina grande variabilidade entre os diversos métodos antimicrossomial (antiperoxidase), cujo antígeno
disponíveis; é a enzima peroxidase. Esse anticorpo está presen-

18 SJT Residência Médica - 2015


1 Distúrbios da tireoide

te em aproximadamente 50% e 90% dos pacien- RAIU de 24 horas suprimido é o teste mais sensível no diag-
tes portadores de doenças autoimunes da tireoide nóstico da tireoidite subaguda.
como tireoidite de Hashimoto, e menos frequente-
mente na doença de Graves.
Anticorpos antitireoglobulinas são mais especí-
Uma vez que os carcinomas diferenciados da tireoi-
ficos, no entanto menos sensíveis (presentes em cer- de não concentram iodo tão bem quanto o resto da glân-
ca de 50% dos casos). Anticorpos antitireoglobulina dula normal, deve-se considerar a possibilidade de os
positivos somados ao achado clínico de um bócio ou nódulos não funcionantes (frios) serem malignos. A
de hipotireoidismo são compatíveis com diagnóstico presença de um nódulo frio é significativa, porém não é
de tireoidite de Hashimoto. Níveis acima de 1:100 são específica de malignidade. Cerca de 10% dos nódulos
considerados elevados, sendo taxados de positivos. não captantes são malignos, mostrando a baixa especi-
ficidade do método no diagnóstico de carcinoma.
A determinação desses anticorpos pode ser de uti-
lidade no diagnóstico diferencial do hipertireoidismo
e no seguimento de pacientes com doença de Graves. Captação de iodo radioativo (123I, 131I – RAIU)
O TRAb é um anticorpo contra o receptor de TSH que
Captação aumentada
estimula a formação do hormônio tireoideo, ocorrendo
• Doença de Graves
em mais de 90% dos casos de doença de Graves. Pacien-
• Bócio multinodular tóxico
tes com doença de Graves em tratamento clínico em
longo prazo e mantendo títulos elevados de TRAb não • Nódulo autônomo tóxico (Plummer)
terão provavelmente um estágio eutireoideo contínuo • Adenoma hipofisário produtor de TSH
após interrupção da medicação antitireoidea. • Tumor trofoblástico
Captação diminuída

Prevalência dos anticorpos antitireoidianos Tireoidite subaguda


Tireotoxicose factícia
Anticorpo População Tireoidite de Doença Struma ovarii
geral Hashimoto de Graves
Tabela 1.11
Anti-Tg 3% 35% a 60% 12% a 30%
Anti-TPO 10% a 15% 80% a 89% 45% a 80% O tálio (T1-201) tem sido utilizado com o objetivo
TRAb 1% a 2% 6%a 60% 70% a de diferenciar as neoplasias foliculares. Ele incorpora-
100% -se em lesões celulares bem vascularizadas, com afini-
Tabela 1.10 dade especial para tumores malignos. A comparação en-
tre a cintilografia precoce (5 a 10 minutos após injeção
venosa de 1,5 a 2 mCi) e a tardia (4-5 horas após) tem
se mostrado de valor diagnóstico entre o adenoma e o
Diagnóstico por imagem carcinoma folicular da tireoide. Na avaliação do teste
precoce, todos os nódulos apresentam-se como hiper-
captantes; entretanto, na avaliação tardia, apenas os
Avaliação da tireoide mediante nódulos malignos mantêm a hipercaptação pela afini-
exames com radioisótopos dade das células malignas pelo radioisótopo. A sensibi-
Atualmente, três radioisótopos são largamente lidade e a especificidade são superiores a 95%.
empregados no diagnóstico e/ou tratamento das afec-
ções da glândula tireoide: o tecnécio (Tecnécio 99 m),
o iodo radioativo (123I, 131I) e o tálio (Tálio 201).
O iodo radioativo é utilizado em dois testes dis-
tintos: a captação radioativa total (RAIU) e a cintilo-
grafia da tireoide. Ambos são contraindicados durante
a gestação. A captação de 24 horas varia amplamente
- de 5% a 20%. Os pacientes com tireoidite subaguda
exibem redução acentuada ou ausência de captação, em
virtude da lesão das células foliculares e supressão do
TSH. A tireotoxicose factícia, causada por autoadmi-
nistração de hormônio tireoidiano, também está as-
sociada à captação baixa, enquanto os pacientes com
a doença de Graves ativa apresentam captação normal
ou aumentada. No bócio multinodular tóxico, a glân-
dula está aumentada e há múltiplas áreas de aumento Figura 1.12 Cintilografia tireoidiana com I. Aspecto cintilográfico
123

ou redução relativa da captação do marcador. normal.

19
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Figura 1.17   Nódulo solitário de aspecto frio em lobo direito da ti-


reoide.

Figura 1.13  Cintilografia evidenciando nódulo no lobo direito (seta)


hipocaptante.

Figura 1.18  Cintilografia tireoidiana com I123 mostrando uma extensa


área não captante que corresponde a um nódulo solitário não funcionan-
te. A PAAF mostrou tratar-se de um carcinoma papilífero da tireoide.

Figura 1.14  Ultrassonografia evidenciando nódulo tireoidiano sólido.


Ultrassonografia
A ultrassonografia é usada, na maioria das vezes,
para avaliação de um nódulo tireoidiano (isto é, para
distinguir lesões sólidas de lesões císticas). Ela revela
nódulos tão pequenos quanto os de 2 mm e frequente-
mente mostra multinodularidade em glândula na qual
se supunha existir um único nódulo. Ela também é útil
na orientação da biópsia de nódulo com agulha e na
monitoração periódica de tamanho do nódulo. Veja
maiores detalhes no capítulo 5.
Figura 1.15  Bócio multinodular tóxico. Observam-se nódulos quentes e
nódulos frios (áreas rodeladas) e inibição parcial do parênquima glandular.

Figura 1.19  Ultrassonografia da tireoide (corte transversal) mostran-


Figura 1.16  Adenoma tóxico à direita com hipercaptação do radioisó- do uma lesão de 2 cm com numerosas septações de conteúdo cístico e
topo e inibição parcial do lobo esquerdo. elementos sólidos. Essa lesão apresenta probabilidade de malignidade.

20 SJT Residência Médica - 2015


1 Distúrbios da tireoide

Características ultrassonográficas das lesões de


tireoide
Lesão Característica ultrassônica
Adenoma Massas hiper, hipo e isoecoides; podem
folicular apresentar “halo” e ser císticas
Bócio Aumento do volume, múltiplos nódulos sim-
ples (50%); Glândula difusamente nodular
não homogênea (50%)
Tireoidite Ecos de baixa amplitude difusamente anor- Figura 1.20 Técnica da PAAF. O examinador imobiliza o nódulo, in-
mais (100%). Nódulos simples (50%) troduz a agulha e aspira a seringa em sucções repetidas.

Cisto Massa cística com bordas irregulares e sep-


hemorrágico tações internas múltiplas
Cisto Sem ecos internos, paredes lisas, transmis-
simples são completa
Carcinoma Quase sempre hipoecoides, “halo” usual-
mente não presente
Tabela 1.12

Tomografia computadorizada
(TC) e ressonância magnética Figura 1.21 Técnica da PAAF, evidenciando o procedimento de rota-
ção para a aspiração. Note que o dedo indicador da mão direita mantém
(RM) a sucção, enquanto a mão esquerda pratica a rotação da seringa.

A TC e a RM são úteis na identificação das lesões Achados citológicos mais importantes na PAAF
recorrentes ou metastáticas do câncer de tireoide. Elas
também são úteis na avaliação do bócio subesternal Bócio coloide
ou “mergulhante” e para avaliar alterações em linfono- Coloide abundante; células foliculares pequenas; material
cístico; macrófagos
dos ou massas tireoideas residuais ao longo do tempo.
Deve-se preferir a RM à TC uma vez que há a possibi- Carcinoma anaplásico
lidade do uso de contraste na realização da TC, pois o Granulócitos; células bizarras sem componente folicular; mi-
contraste da tomografia contém iodo em sua compo- toses frequentes; fragmentos necróticos
sição. Esse fato pode prejudicar posteriormente a ca- Tumor folicular
pacidade de utilizar a cintilografia e o tratamento com Grupos de células foliculares de tamanho igual; pouco coloi-
isótopo radioativo, durante semanas ou meses. de; sangue abundante
Tireoidite subaguda

Punção aspirativa por agulha Células foliculares pequenas; células histiocitárias gigantes;
linfócitos e macrófagos, células epitelioides

fina (PAAF) Tireoidite crônica


Células foliculares grandes e oncocíticas; numerosos linfóci-
A PAAF, juntamente com o estudo citológico ob- tos; raras células histiocitárias gigantes
tido por meio de PAAF, constitui o exame mais im- Bócio tóxico
portante na investigação diagnóstica e na indica-
Pouco coloide; sangue abundante; células foliculares gran-
ção terapêutica dos nódulos da tireoide. des; vacúolos marginais
O procedimento é de fácil execução (figuras 1.19 Carcinoma papilífero
e 1.20). O sangramento no nódulo aspirado constitui
Células foliculares em papilas; inclusões intranucleares; ma-
o único efeito indesejado, geralmente sem consequên- crófagos; coloide viscoso; corpos psamomatosos
cia clínica. O procedimento apresenta sensibilidade de
68% a 98% (média de 83%) e especificidade de 72% a Tireoidite aguda
100% (média de 92%). Há indicação do procedimento Granulócitos; necrose, material proteico
para todos os nódulos > 1 cm ou com características Linfoma
ultrassonográficas que indiquem malignidade (inde-
pendente do tamanho), exceto quando houver suspei- Grande quantidade de células linfoides monomórficas; nú-
cleos redondos e uniformes com inclusão citoplasmática
ta de nódulo funcionante. Atualmente a PAAF guiada
por US (US-PAAF) veio reduzir a taxa de falso negati- Carcinoma medular
vos que antes tinha média de 5% hoje é de aproxima- Células parafoliculares em blocos ou isoladas; amiloide, ne-
damente 1% a 2%, diminuindo ainda mais quando o crose e células inflamatórias; componentes papilares
procedimento é repetido. Tabela 1.13 Guarde esta tabela.

21
2
Capítulo

ROTEIRO
PROPEDÊUTICO
Tireoidites
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
2 Tireoidites

Definição tanto impermeável às infecções a partir das estruturas


locais, assim como o elevado teor de iodo da tireoi-
Grupo heterogêneo de processos inflamatórios, de pode produzir um ambiente desfavorável para o
que vão das infecções bacterianas agudas até a doen- crescimento bacteriano. Todos esses fatores expli-
ça autoimune crônica. Consideradas em conjunto, a cam a raridade desse distúrbio.
doença inflamatória da tireoide pode ser a anor- A infecção pode chegar à tireoide por várias vias,
malidade tireoidea mais comumente encontrada incluindo a disseminação hematogênica a partir de
na prática clínica. locais distantes (como o sistema urinário), ou canais
Em geral, a tireoidite é classificada de acordo com linfáticos em consequência de infecções locais, como
a rapidez de início, a gravidade dos sinais e dos sinto- faringite ou mastoidite. Como fontes de infecção,
mas e sua duração. também têm sido relatadas: persistência do cisto tire-
oglosso, fístula interna próxima da tireoide, infecção
de estruturas adjacentes e até mesmo lesões de per-
Classificação e Etiologia furação.
Tipos Etiologia Os pacientes imunocomprometidos podem ser
1. Aguda ou supurativa Bacteriana particularmente suscetíveis ao desenvolvimento da
2. Subaguda infecção. A doença é mais comum nas mulheres, ge-
Granulomatosa ou de De Quervain* Viral ralmente entre 20 e 40 anos, embora também ocor-
ra em crianças e pacientes idosos. Nas crianças,
Linfocítica ou indolor Autoimune
está associada principalmente aos defeitos anatô-
Pós-parto Autoimune micos congênitos do pescoço.
3. Crônica
Tireoide de Hashimoto Autoimune
Manifestações clínicas
Tireoide de Riedel Idiopática
Os sintomas de tireoidite aguda em geral in-
cluem início súbito de dor cervical anterior unilate-
ral, febre, sudorese e outros sintomas de toxicida-
de bacteriana. Com desenvolvimento de septicemia
Tabela 2.1 (*) Alguns autores conside- o quadro pode ocasionalmente se agravar. A dor no
ram esta doença como a única tireoidite pescoço pode irradiar-se para o ouvido, ou mandíbula,
subaguda. no lado da infecção. Também pode haver sintomas de
faringite e disfagia. O exame físico revela uma infla-
mação extremamente dolorosa, que pode ser flutu-
Tireoidite aguda ante. Em geral, há sinais flogísticos locais.
Sintomas de hipertireoidismo estão habitual-
mente ausentes, mas podem ser detectados excep-
Sinônimos cionalmente, sobretudo quando a tireoidite é difusa
(mais comum em infecções fúngicas ou por micobac-
€ Supurativa aguda térias). Resultam da liberação de uma grande quanti-
€ Bacteriana dade de hormônios tireoidianos na circulação.
€ Piogênica
Diagnóstico laboratorial
É uma doença inflamatória incomum, geral- A leucometria geralmente está elevada, com
mente de origem bacteriana, mas que também pode desvio para a esquerda (a sua ausência pode indicar
ser causada por fungos como o Pneumocystis jiroveci. infecção por anaeróbio). A VHS é geralmente elevada,
Os agentes etiológicos mais comuns são Strepto- refletindo o processo infeccioso. Caracteristicamente,
coccus pyogenes, Staphylococcus aureus e Pneu- os pacientes são eutireoideos, embora possam ocorrer
mococcus pneumoniae, embora outras bactérias, elevações transitórias nos níveis séricos de tiroxina
incluindo Escherichia coli, Haemophilus influen- (T4). As concentrações aumentadas de T4 decorrem
zae e meningococos, bem como anaeróbios podem da liberação do hormônio pré-formado pela glândula
ser causadores da infecção. tireoide inflamada. O hipertireoidismo propriamente
A irrigação sanguínea abundante e a drena- não ocorre. A captação de iodo radioativo pela tireoide
gem linfática generosa da glândula tireoide podem (RAIU) quase sempre está normal, embora possa estar
torná-la relativamente resistente à instalação da “co- reduzida se a inflamação for difusa. A cintilografia da
lonização“ bacteriana. Sua cápsula pode torná-la um tireoide revela uma falha “fria” no lobo envolvido.

23
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

O tratamento deve consistir na internação


Achados clínicos e laboratoriaiscomuns na tireoidite aguda do paciente com administração de antibióticos pa-
Características Tireoidite renterais e, quando houver flutuação, drenagem da
aguda lesão. Em alguns casos, é necessário excisar a área
História Infecção prévia do trato 17% a 20% envolvida. A demora no diagnóstico ou no trata-
respiratório mento pode resultar na ruptura de um abscesso,
com agravamento da bacteremia e sepse.
Febre 100%
Sintomas de tireotoxicose Incomum As sequelas irreversíveis da tireoidite aguda são
raras. A infiltração grave e difusa pode causar des-
Sintomas de hipotireoidismo Incomum
truição de toda a glândula, com hipotireoidismo re-
Exame Dor tireoidiana 100%
sultante.
físico Sinais flogísticos 80% a 85%
As recidivas da tireoidite aguda ocorrem quando
Irradiação da dor Possível há uma anomalia anatômica não diagnosticada, como
Envolvimento do LE 80% a 85% a persistência do ducto tireoglosso ou uma fístula
Laboratório Leucocitose 50% a 60% branquial. Quando essas anomalias forem diagnosti-
VHS (> 30 m 1ª hora) 100% cadas, o tratamento cirúrgico é imperativo.
Alteração dos hormônios 5% a 10%
Elevação da FA e Rara Causas de tumoração dolorosa na região
aminotransferases cervical anterior
Exames de RAIU suprimida Infrequente €€ Tireoidite granulomatosa €€ Cisto infectado
imagem subaguda €€ Abscesso de partes moles
Cintilografia com gálio positiva 100%
€€ Hemorragia aguda em €€ Hashimoto dolorosa
Exame com bário mostrando Comum
nódulo tireoidiano
fístula
€€ Tireoidite aguda
Evolução Resposta a corticoides Transitória
€€ Neoplasia tireoidiana
Necessidade de incisão e dre- 80% a 90%
Tabela 2.3
nagem
Recidiva pós-cirúrgica 16%
Detecção de fístula do seio pe- 96%
riforme
Tabela 2.2 Tireoidite subaguda
granulomatosa (TGSA)
Diagnóstico diferencial
e tratamento Sinônimos
A apresentação da tireoidite aguda é dramática, €€ Tireoidite de De Quervain
embora possa ser simulada por outros distúrbios dolo-
€€ Tireoidite subaguda dolorosa
rosos da tireoide, em particular pela tireoidite granu-
lomatosa subaguda ou pela hemorragia para o interior €€ Tireoidite de células gigantes
de um nódulo, cisto ou carcinoma da tireóide, em cres-
Caracteriza-se como uma doença autolimitada,
cimento rápido e com necrose central.
relativamente comum (5% de todos os casos de do-
A tireoidite granulomatosa subaguda em geral é ença da tireoide), sendo a causa mais comum de ti-
menos grave do que a tireoidite aguda em sua apre- reoide dolorosa. Histologicamente se caracteriza por
sentação clínica, e a hemorragia de um cisto ou neo- ser um processo inflamatório granulomatoso com
plasia da tireoide não são acompanhadas de febre ou células gigantes.
de outras manifestações da toxicidade bacteriana. Os Incidência máxima entre as 2ª e 5ª décadas de
pacientes imunossuprimidos podem não ter febre. vida, acometendo preferencialmente as mulheres na
Se houver suspeita de tireoidite aguda, deve-se proporção de 3 a 6:1, sendo mais frequente nos me-
realizar uma aspiração da lesão com agulha fina. A ses de verão. Apenas 9% dos casos ocorrem antes dos
presença de material purulento, que deve ser enviado 30 anos.
para bacterioscopia com Gram e cultura, confirma essa
hipótese. Na histologia, encontra-se um infiltrado de
polimorfonucleares e linfócitos que pode vir associado Tireoidite granulomatosa subaguda (De Quervain) é a causa
mais comum de tireoide dolorosa.
à necrose tireoidiana e à formação de abscesso.

24 SJT Residência Médica - 2015


2 Tireoidites

Etiologia Hipertireoidismo transitório com T4 > T3 (pro-


teólise com liberação de hormônio pré-formado).
Provavelmente viral (associação mais marcante),
Tireoglobulina sérica elevada (ruptura folicular
sendo forte a associação com alguns agentes virais tais
em consequência do processo inflamatório).
como: coxsackie, Epstein-Barr, adenovírus, Influenza,
Echovirus. Frequentemente, ela surge após infecção TSH habitualmente suprimido devido à elevação
aguda do trato respiratório superior, e sua incidên- dos hormônios circulantes.
cia é maior no verão, correlacionando-se com o pico A concentração sérica dos anticorpos antitireoi-
de incidência do enterovírus. Predisposição genética: dianos está geralmente normal, mas pode se elevar
associação com HLA-BW35. transitoriamente em alguns pacientes. Isso se deve a
uma resposta imunológica secundária a antígenos li-
berados pela tireoide.
Quadro clínico Caracteristicamente, a RAIU nas 24 horas
Costuma ocorrer após um pródromo viral (ge- é muito baixa (geralmente < 1% e sempre < 5%)
ralmente em aparelho respiratório), que consiste durante o processo inflamatório agudo, conforme
em sintomas de mialgia, febre baixa, indisposição, já mencionado. Nessa fase, a cintilografia com iodo
dor de garganta, e, muitas vezes, disfagia. Após es- radioativo mostra um padrão irregular de distribui-
ses pródromos, surge dor cervical anterior com ti- ção do radioisótopo ou mesmo a glândula totalmente
reoide muito sensível à palpação. A dor é incialmen- “apagada”. A captação de tecnécio pela tireoide pode,
te abrupta, geralmente unilateral, com irradiação para entretanto, estar normal, observando-se a cintilo-
o ouvido e a mandíbula, e pode se propagar para o lobo grafia, área de hipocaptação no local afetado. Na US,
contralateral. O exame físico demonstra, tipicamente, observa-se uma tireoide aumentada de volume e focal
um paciente com febre baixa e uma lesão nodular mal- ou difusamente hipoecogênica.
-definida, muito dura e extremamente dolorosa na Histologicamente, a TGSA é caracterizada por
tireoide, que por vezes dificulta o exame físico local. infiltração de polimorfonucleares, mononucleares e
Adenopatia cervical é rara. células gigantes, com formação de microabscessos e
fibrose. Isso resulta em destruição dos folículos e pro-
Características clássicas (guarde estes aspectos)
teólise da tireoglobulina.
€ Hipertireoidismo transitório
€ RAIU suprimida
€ Bócio doloroso (característica marcante)
Tratamento
€ Fases evolutivas (duração de 4 a 6 meses) Principais objetivos:
€ Hipertireoidismo transitório (ruptura folicular), duração € Alívio do quadro doloroso;
de 3 a 6 semanas € Diminuição dos sintomas adrenérgicos.
€ Eutireoidismo, duração de várias semanas
Anti-inflamatórios não hormonais :devem ser
€ Hipotireoidismo, duração de 4 a 8 semanas
tentados inicialmente, mas só se mostram eficazes nos
€ Recuperação assintomática casos mais brandos. Pode-se usar aspirina (500 mg a
Tabela 2.4 cada 4-6 horas) ou outros anti-inflamatórios mais po-
tentes (nimesulida, naproxeno, piroxicam etc.), nas
A duração total do quadro situa-se entre 4 e 6 doses usuais. Se não houver melhora em dois ou três
meses. Alterações persistentes são incomuns e, em dias, inicia-se o uso de um glicocorticoide.
5% dos casos, ocorre hipotireoidismo persistente. Glicocorticoides. Estão indicados nos casos com
Em cerca de 90% dos casos, a morfologia da glân- dor refratária aos anti-inflamatórios não hormonais.
dula está normal após dois anos. Nem todos os pa- O alívio dos sintomas ocorre dentro das primeiras 24-
cientes seguem essa evolução, e alguns deles podem 48 horas. Caso contrário, o diagnóstico deve ser ques-
cursar apenas com um leve hipertireoidismo, seguido tionado. Em geral, emprega-se a prednisona, na dose
de recuperação funcional da glândula. inicial de 30 a 40 mg ao dia, ou um outro glicocorti-
coide, em dose equivalente, com diminuição gradual
durante 4 a 6 semanas (iniciar uma semana após o
Diagnóstico laboratorial desaparecimento da dor e da hipersensibilidade local).
Anemia normocrômica e normocítica. Discreta Em caso de recidiva ou agravamento da dor, a dose da
elevação de aminotransferases e fosfatase alcalina. prednisona deve ser aumentada e, posteriormente,
tenta-se uma nova redução gradual. Se houver repe-
VHS caracteristicamente elevada (> 100 mm/h).
tidas recidivas, o uso de hormônio tireoidiano tem
Uma VHS normal praticamente exclui o diagnóstico.
se mostrado benéfico. Em cerca de 20% dos casos
Leucometria normal ou discretamente aumenta- observa-se recidiva após supressão do corticoide e
da em 50% dos casos. então se retorna e o tratamento inicial.

25
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Controle dos sintomas de hipertireoidismo disso, a TI pós-parto frequentemente ocorre depois


Betabloqueadores. Representam a opção de de sucessivas gestações e também até um ano após o
escolha. Mais comumente, usa-se o propranolol, cuja parto. A associação com outros distúrbios autoimu-
dose habitual é de 40 mg, 2 a 4 vezes ao dia. nes, como lúpus eritematoso sistêmico e insuficiência
adrenal primária (síndrome de Addison), tem sido re-
Antitireoidianos de síntese (metimazol, pro-
latada. A história familiar para doença autoimune da
piltiouracil). Não estão indicados porque não há sín-
tireoide tem sido relatada em 50% dos pacientes com
tese hormonal excessiva, mas liberação demasiada dos
TI pós-parto (TIPP).
hormônios estocados dentro da glândula, devido à
destruição dos folículos tireoidianos, ou seja, a hiper-
função resulta da ação de hormônios pré-fabricados. Manifestações clínicas
A tireoidite indolor caracteriza-se pelo início re-
Prognóstico lativamente súbito dos sintomas de hipertireoidismo,
como taquicardia, palpitações, intolerância ao calor,
Cerca de 20% dos pacientes podem ter recidiva
nervosismo e emagrecimento (hormônios pré-fabri-
da TGSA após alguns meses de remissão.
cados).
Recorrências tardias são raras. Menos de 5% dos
Em geral, as alterações físicas revelam um bócio
casos evoluem para hipotireoidismo permanente.
indolor e pequeno, de consistência moderadamente
sólida. O bócio pode estar ausente em até 50% dos
Figura 2.1  Evolução clínica da tireoidite subaguda. A liberação dos pacientes com TI esporádica. As pacientes com TIPP
hormônios tireoidianos inicialmente está associada a uma fase tireotóxi-
ca e ao hormônio tireoestimulante (TSH) suprimido. Instala-se, a seguir, podem ter sintomas e anormalidades bioquímicas
uma fase hipotireoidiana, com a T4 baixa e níveis de TSH inicialmente indicativas de hiper ou hipotireoidismo. Este último
baixos, mas que aumentam gradualmente. Durante a fase de recupera- pode ser diagnosticado como uma anormalidade ini-
ção, os níveis de TSH aumentados, juntamente com a resolução da lesão
folicular da tireoide, resultam em normalização da função tireoidiana, cial em algumas pacientes com TIPP, nas quais a fase
com frequência vários meses após o início da enfermidade. VHS, velo- hipertireoidea passou despercebida. A TI esporádica
cidade de hemossedimentação; UT4, T4 livre. tem predileção por mulheres (80% dos casos) entre 30
e 40 anos.

Tireoidite linfocítica subagu- Características clássicas

da (Indolor) - TI €€ Hipertireoidismo transitório


€€ RAIU suprimida
€€ Bócio indolor

Sinônimos Atenção: guarde estes dados para o diagnóstico


€€ Tireoidite indolor (TI) Tabela 2.5

€€ Tireoidite silenciosa
Diagnóstico laboratorial
Classificação Os níveis séricos de T4 e T3 estão aumentados (a
não ser na TIPP com hipotireoidismo) e, como acon-
€€ Esporádica tece com a TGSA, há uma elevação desproporcional
€€ Pós-parto (provavelmente autoimune) de T4 em relação a T3, devido à ruptura folicular e à
liberação do hormônio pré-formado para a circulação.
Os autoanticorpos tireoideos, especialmente os AMA
Etiologia e patogenia (microssomial), quase sempre são positivos. Títulos de
Mecanismo autoimune. Há uma elevada prevalên- anticorpos antimicrossomiais acima de 1:100 são en-
cia de Ac antimicrossomiais (AMA), assim como sinais de contrados entre 10% e 13% das mulheres e em 3% dos
infiltração linfocítica, ambas características da tireoidite homens; somente 1% possui títulos acima de 1:6.400.
de Hashimoto. Além disso, tem-se descrito associação de Ao contrário da TGSA, a velocidade de hemossedimen-
TI com outros distúrbios autoimunes. Acredita-se que a tação é normal ou ligeiramente elevada. A RAIU está
TI tenha duas etiologias prováveis: autoimune e outra suprimida e, a menos que haja uma contraindicação
possivelmente infecciosa, visto que em 50% dos casos para a realização do teste, deve-se efetuá-lo a fim de
não há evidência sorológica de autoanticorpos. excluir a possibilidade da doença de Graves. É preciso
A TI pós-parto está mais intimamente asso- enfatizar que é essencial diferenciar entre a doença de
ciada à etiologia autoimune, havendo nesta maior Graves e a TI, já que o primeiro distúrbio requer trata-
prevalência de Ac antimicrossomiais (80%); além mento específico, enquanto o último não.

26 SJT Residência Médica - 2015


2 Tireoidites

Se não houver exoftalmia infiltrativa no pa- inicialmente teste positivo para anticorpos antitireoi-
ciente com doença de Graves, o médico pode não dianos, TSH acima de 6 mU/L e T4 livre normal, o
conseguir diferenciar clinicamente essas duas con- ritmo de progressão para hipotireoidismo franco é de
dições. O quadro a seguir relaciona aspectos clínicos e 4,3% por ano.
laboratoriais que ajudam a diferenciar a TI da doença
A evolução clínica da TI (incluindo a TIPP) cor-
de Graves.
relaciona-se diretamente com as fases observadas na
Diferenças entre tireoidite TSA, a não ser pela ausência do bócio doloroso com a
silenciosa e doença de Graves
TI. Por exemplo, a recuperação pode ocorrer depois da
Tireoidite Doença de fase hipertireoidea, pulando o hipotireoidismo. Como
silenciosa Graves
na TSA, quanto mais grave a tireotoxicose no início da
Início Abrupto Gradual doença, maior a probabilidade de progredir para as fa-
Gravidade da Fraca-moderada Moderada- ses subsequentes do distúrbio. Em virtude das várias
tireotoxicose marcante semelhanças clínicas, tem sido sugerida uma etiologia
Duração dos sintomas Menos de 3 meses Mais de 4 comum a essas duas condições, embora isso pareça
meses improvável.
Oftalmopatia e Ausentes Quase sem- A recidiva de TI pós-parto em gravidezes subse-
dermopatia pre presentes
quentes parece ser comum (50% a 70% dos casos).
Razão T3 (ng/mL)/ Menor de 20/L Maior de
T4 (ng/mL) 20/L Características laboratoriais durante as fases da
tireoidite subaguda
Captação de Iodeto-131 Muito baixa Elevada
Fases da Valores de Concentração de Valores
TRAb Negativo Positivo Doença T3 e T4 no TSH no soro de cap-
Tireotoxicose clínica Transitória Persistente soro tação de
Tabela 2.6 T3: tri-iodotironina; T4: tiroxina; TRAb: anticorpo antir- Iode-
receptor de TSH. to-131
Tireotóxica Elevados Baixa Suprimi-
Diferenciação entre tireoidite indolor e tireoidite da
granulomatosa subaguda (TGSA)
Hipotireói- Baixos Baixa, normal ou Normal
Característica Tireoidite TGSA dica elevada ou ele-
Indolor vada
Etiologia Autoimune Viral Recuperação Normal Elevada ou normal Elevada
Dor cervical anterior Ausente Presente ou nor-
mal
Evolução com 4 fases Presente Presente
Tabela 2.8
Disfunção tireoidiana permanente Comum Rara
VHS > 50 mm/h Raro Frequente
Anticorpos antitireoidianos Frequentes Pouco co-
muns
Tireoidite linfocítica crônica
Relação T3/T4 < 20:1 < 20:1 (Hashimoto - TH)
RAIU Suprimida Suprimida
Tabela 2.7

Sinônimos
Tratamento e evolução clínica € Estruma linfomatoso
O tratamento da TI é orientado para o alívio dos € Tireoidite crônica linfocítica
sintomas de hipertireoidismo, com a administração de € Tireoidite crônica autoimune
bloqueadores beta-adrenérgicos como o propranolol.
Noventa e cinco por cento dos casos acometem
Os medicamentos antitireoideos não estão indicados,
o sexo feminino. A ocorrência familiar de TH sugere
e são inúteis. Quando a TIPP se apresentar com hipo-
a existência de uma predisposição genética para essa
tireoidismo, haverá indicação para reposição da tiro-
doença. Maior incidência em torno dos 30-50 anos.
xina. Somente uma pequena proporção de pacientes
torna-se hipotireóidica definitiva; o risco, no entanto, A tireoidite linfocítica crônica foi relatada pela
do desenvolvimento de disfunção tireoidiana perma- primeira vez em 1912 por Hakaru Hashimoto, que
nente é maior na TI do que na TGSA. Nos pacientes descreveu infiltração linfocítica, fibrose, atrofia das
com títulos de anticorpos antimicrossomiais (antipe- células epiteliais e alterações eosinofílicas em algumas
roxidase) de 1:100.000, o hipotireoidismo se instala células parenquimatosas das glândulas tireoides de
em 25% dos pacientes por ano. Nos pacientes que têm quatro pacientes.

27
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Corresponde à principal causa de hipotireoidis- rara caracterizada por mioclonias e uma atividade
mo com bócio em adultos (atenção). de ondas lentas no EEG, que pode evoluir para con-
fusão, coma e morte, sendo responsiva aos corti-
coides (96% de melhora) e pode ocorrer na presen-
Etiologia e patogenia ça da tireoidite sem evidência de hipotireoidismo.
Esta condição foi descrita recentemente, tendo preva-
A tireoidite de Hashimoto tem etiologia autoi-
lência estimada de 2,1:100.000.
mune.
Caracteristicamente, o exame físico revela um
Predisposição genética: tem sido encontrada a
bócio difuso, muito duro e até pétreo, muitas ve-
associação com genes HLA da classe II. Em caucasoi-
zes bocelado ou lobulado. O lobo piramidal também
des, a TH bociogênica tem sido relacionada com HLA-
pode estar aumentado. Raramente há um nódulo
-DR3 e HLA-DR5, e a forma atrófica, com HLA-DR3 e duro ou firme isolado. O crescimento dos gânglios
B8. Genes reguladores das citocinas também têm sido linfáticos regionais tem sido descrito, embora pare-
implicados. ça ser raro, e quando presente é diminuto. A presen-
ça de bócio diminui com a idade e a prevalência de
Associação com diversas doenças autoimunes
hipotireoidismo.
Doença de Graves LES; Artrite reumatoide
Doença de Addison Síndrome de Sjögren Diagnóstico laboratorial
Diabetes mellitus tipo I Miastenia grave A tireoidite de Hashimoto quase sempre está asso-
Vitiligo Cirrose biliar primária ciada aos autoanticorpos tireóideos positivos, e os an-
Anemia Perniciosa Síndrome de Schimidt (síndrome ticorpos antiperoxidases podem ser detectados no soro
de deficiência poliglandular tipo II de aproximadamente 90% ou mais dos casos. Os anti-
de ocorrência no adulto, envolven- corpos antitireoglobulina (ATA) são menos frequentes
do o córtex adrenal, tireoide e ilho-
e estão presentes entre 20% e 50% dos casos, no entanto
tas pancreáticas induzindo diabetes
mellitus) são mais específicos. Sob o aspecto clínico, a realização
do teste antiperoxidase é suficiente para confirmar o
Atenção: Há relatos de associação com prolapso de
válvula mitral e síndrome do pânico em pacientes com diagnóstico de TH. Embora o teste antiperoxidase seja
tireoidite de Hashimoto. A associação mais comum é menos específico que para o ATA, ele é significativa-
com a doença de Addison. mente mais sensível. Se ambos os anticorpos forem soli-
Tabela 2.9 citados, a taxa de positividade chega a 97%. Os níveis sé-
ricos T4, T3 e TSH dependem do estado metabólico do
paciente. A RAIU da tireoide varia de baixa a elevada
Quadro clínico e possui pouca utilidade, como auxiliar para o estabe-
A tireoidite de Hashimoto é muito mais co- lecimento ou confirmação do diagnóstico. Em geral, a
mum nas mulheres (95% dos casos) e, na maioria cintilografia da tireoide com iodo-123 demonstra cap-
dos casos, é diagnosticada entre 30 e 50 anos. Em tação difusa e variada e costuma proporcionar pouca
geral, é detectada com a descoberta acidental do informação adicional. Clinicamente, os únicos exames
bócio durante um exame físico de rotina. A maioria necessários nos pacientes sob suspeita de TH são T4 se-
das pacientes está assintomática e, quando há sinto- rico livre, nível de TSH e teste para antiperoxidase (em
mas, pode haver uma sensação de plenitude cervical títulos elevados, ≥ 1/1600, enquanto títulos ≥ 1/102.400
anterior indolor. Ocasionalmente, alguns pacientes são quase patognomônicos).
apresentam desconforto cervical e disfagia leve, es- Se o paciente apresentar um nódulo tireoideo
pecialmente se a glândula tireoide estiver crescendo simples, pode-se realizar uma biópsia por aspiração
rapidamente. Se a tireoide for suficientemente volu- com agulha fina, a fim de excluir o carcinoma da ti-
mosa para deslocar ou comprimir o nervo laríngeo re- reoide. Nesse aspecto, deve-se assinalar que o linfoma
corrente, pode haver rouquidão. O desconforto local tireoideo primário parece estar associado ao TH, es-
ou a modificação da voz são raros. A dor associada pecialmente nos indivíduos idosos. A existência de um
à TH é raríssima. Os sintomas de hipotireoidismo bócio volumoso, firme ou duro no paciente idoso, com
ocorrem como manifestação inicial em aproxima- autoanticorpos positivos, deve alertar o médico para a
damente 20% dos pacientes. Por outro lado, quan- possibilidade de linfoma e, nesses casos, deve-se consi-
do os pacientes se apresentarem com queixas rela- derar a realização de biópsia, especialmente se o bócio
cionadas ao hipotireoidismo, a TH quase sempre aumentar durante um período de observação, ou se
é a causa. Menos de 5% dos pacientes apresentam houver sintomas de compressão (atenção!). Lembrar
hipertireoidismo como primeira manifestação da que a TH representa a principal causa de resultados
TH. A encefalopatia de Hashimoto é uma síndrome falso-positivos para neoplasias à PAAF.

28 SJT Residência Médica - 2015


2 Tireoidites

Avaliação diagnóstica da tireoidite autoimune pressivos, entretanto tal apresentação é bastante in-
frequente.
Dosagem laboratorial
€ Anticorpos antitireoperoxidase (anti-TPO) A cirurgia pode ser necessária para atenuar os
€ Anticorpos antitireoglobulina (anti-Tg) sintomas compressivos, ainda que raramente haja
€ TSH compressão significativa ou do refratário ao tratamen-
€ T4 livre to medicamentoso.
Ultrassonografia
Cintilografia
Punção aspirativa com agulha fina (PAAF) Tireoidite fibrótica invasiva
Tabela 2.10
(Tireoidite de Riedel, estroma de Riedel, tireoidi-
Critérios utilizados no diagnóstico citológico de te esclerosante)
tireoidite de Hashimoto (PAAF)
A tireoidite de Riedel, a mais rara das tireoidites,
Critério Morfológico % caracteriza-se pela substituição de parênquima tireoi-
1. Infiltração linfo-histoplasmática 100 deo por tecido fibroso denso. Esse distúrbio atinge
2. Esboço de folículo linfoide 100 principalmente mulheres (relação homem:mulher é de
3. Coloide 100 3:1), entre os 30 e 60 anos, e apresenta-se com histó-
4. Hiperplasia folicular com atividade cromatínica 89,4
5. Células oxifílicas 80,0
ria de crescimento cervical anterior indolor, há várias
6. Células gigantes multinucleadas 72,9 semanas ou anos, que pode progredir gradativamente
7. Granulomas epitelioides 65,8 e acarretar sintomas de compressão, incluindo disfa-
8. Células foliculares modificadas com atipias nucleares 49,4 gia ou, ocasionalmente, obstrução respiratória.
(Askanazy)
O exame físico revela uma massa tireóidea ex-
Tabela 2.11 Guarde esta tabela.
tremamente dura, ou mesmo “lenhosa”, que pode en-
volver um lobo apenas, embora o comprometimento
difuso seja encontrado em mais de 50% dos casos. A
Tratamento invasão e a fixação nos tecidos adjacentes são carac-
Quando houver hipotireoidismo, há indica- terísticas, assim como sua associação a outras sín-
ção para o tratamento de reposição crônica com dromes esclerosantes localizadas, incluindo fibrose
L-tiroxina (L-T4). Alguns autores questionam se os retroperitoneal e mediastínica, fibrose periorbitária e
pacientes assintomáticos com T4 sérica normal e con- retro-orbitária e colangite ascendente.
centrações séricas elevadas de TSH (denominado hi- Os pacientes com tireoidite de Riedel costu-
potireoidismo subclínico) devem receber L-T4. Reco- meiramente são eutireóideos, a menos que tenha
menda-se que eles devam ser tratados, especialmente ocorrido a substituição total da glândula, resultando
quando houver crescimento significativo da tireoide, em hipotireoidismo. Não existem exames labora-
já que o tratamento crônico com L-T4, nesses casos, toriais típicos desse distúrbio, embora os autoan-
pode resultar em uma redução na dimensão do bócio. ticorpos tireóideos tenham sido descritos em alguns
Se não forem tratados, os pacientes com níveis eleva- pacientes. Não parece haver uma relação direta entre a
dos de TSH desenvolvem hipotireoidismo clínico com tireoidite de Riedel e as doenças autoimunes da tireoi-
frequência de 5% ao ano. O objetivo do tratamento de; as sugestões prévias de que ela poderia ser um tipo
com L-T4 é a normalização da T4 e do TSH séricos. de tireoidite autoimune não são mais aceitáveis.
A disponibilidade de ensaios altamente sensíveis
para TSH possibilita ao médico administrar hor- O diagnóstico da tireoidite de Riedel preci-
mônio tireoide, sem produzir supressão excessiva sa ser estabelecido pela biópsia aberta, que revela
do TSH. as alterações histológicas típicas da fibrose densa. A
biópsia por agulha não é adequada devido à extre-
O tratamento com hormônio tireoide, quando ma rigidez da glândula. O diagnóstico histológico é
houver um bócio pequeno e níveis normais de T4 e essencial, a fim de excluir o carcinoma, que também
TSH, não parece estar justificado. A dose recomenda- costuma ser pétreo à palpação. Os critérios histoló-
da é aquela suficiente para reduzir o TSH para níveis gicos são: destruição completa do tecido tireoidiano
entre 0,3 e 1 µU/mL (75-125 µg/dia em mulheres e com ausência de lobulação normal; ausência de reação
125-200 µg/dia em homens). Uma vez iniciada, a re- granulomatosa; extensão da fibrose além da tireoide,
posição de tiroxina, em geral, se faz necessária indefi- comprometendo estruturas adjacentes.
nidamente (cerca de 20% dos pacientes posteriormen-
O tratamento da tireoidite de Riedel é cirúr-
te passam a ter função tireoidiana normal).
gico; o objetivo é aliviar os sintomas compressivos.
O uso de corticoide é raramente recomendado A ressecção cuneiforme da tireoide sobre o istmo
e fica restrito aos casos que apresentarem dor e cres- é efetuada (istmectomia), a fim de atenuar a com-
cimento rápido da glândula, gerando sintomas com- pressão traqueal. Cirurgias mais extensas são perigo-

29
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

sas, devido ao obscurecimento das marcas anatômicas reoidismo, ou simplesmente positivar os anticorpos
normais pelo processo fibrótico infiltrativo. Curiosa- antitireoidianos. Se o paciente já tinha anticorpos
mente, apesar da natureza invasiva do distúrbio, as antitireoidianos previamente positivos, a probabili-
recidivas após a ressecção são raras, e o prognósti- dade de desenvolver alguma tireopatia é maior. As al-
co em geral é favorável. O tratamento com hormônio terações ocorrem, em média, após três meses de uso,
tireoideo não está indicado, a menos que haja hipoti- e geralmente as alterações laboratoriais são mais evi-
reoidismo concomitante. dentes que os aspectos clínicos. Recomenda-se que,
Mais recentemente, o uso de tamoxifeno foi des- em vigência do uso de interferon alfa, a função tireoi-
diana seja avaliada antes e após a interrupção desse
crito como eficaz em um número limitado de pacien-
medicamento.
tes, podendo ser, no futuro, uma droga promissora no
tratamento desta tireoidite. O uso de metotrexato, Em torno de 2% dos pacientes que usam inter-
assim como glicocorticoides, também já foi relatado. leucina-2 para o tratamento de leucemia ou outras
malignidades desenvolvem tireoidite não dolorosa e
10% desenvolvem hipotireoidismo.
Tireoidite medicamentosa Pacientes em uso de 200 mg/dia de amiodaro-
na ingerem mais de 200 vezes a dose diária de iodo
As evidências etiopatogênicas são mais convin- (35% da amiodarona é iodo). Esta droga pode causar
centes na tireopatia induzida por interferon alfa, in- hipertireoidismo induzido por iodo, principalmente
terleucina-2 e amiodarona. em pacientes com bócio multinodular ou tireoidite su-
Cerca de 1% a 5% dos pacientes com hepatite B baguda, como o hipotireoidismo. Após a suspensão da
ou C que utilizam interferon-alfa desenvolvem tireoi- amiodarona, os efeitos tireoidianos podem ser dura-
dite. Podem desencadear tanto hipo quanto hiperti- douros, evoluindo por muitos meses.

Resumo da etiologia, características clínicas, dados laboratoriais e tratamento das tireoidites


Tireoidite Etiologia Patologia Início Febre Bócio VHS TPOAc Tratamento
Subaguda Viral Células gigantes Geralmente, Sim Difuso e Muito Negativo Anti-inflamató-
e linfócitos após IVAS dolorido elevada ou pouco rios, corticoeste-
elevado roides (nos casos
mais intensos)
Aguda ou Bacteriana Infiltrado Poli- Súbito Sim Aumento Elevada Negativo Antibióticos
Supurativa morfo nuclear local, dor loca-
(purulento) lizada, edema
e eritema
Silenciosa Autoimune Infiltrado Geralmente Não Difuso, firme e Normal Positivo β-bloqueadores ou
linfocítico súbito indolor levotiroxina
Pós-parto Autoimune Infiltrado Após o Não Difuso, firme e Normal Positivo β-bloqueadores ou
linfocítico parto indolor levotiroxina
Tireoidite de Autoimune Infiltrado Insidioso Não Difuso, firme e Normal Positivo L-tiroxina
Hashimoto linfocítico indolor
Tabela 2.12  VHS: hemossedimentação; TPOAc: anticorpo antiperoxidase e tireoidiana, IVAS: infecção do trato respiratório superior.

30 SJT Residência Médica - 2015


32
Capítulo

ROTEIRO
PROPEDÊUTICO
Hipertireoidismo
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Definição tro a cinco vezes mais comum em mulheres na faixa


etária de 20 a 40 anos. É rara antes dos 10 anos. A
associação com outras doenças autoimunes endócrinas
Hiperatividade da glândula tireoide, produzindo
(diabetes mellitus tipo 1, Addison, ooforite autoimune,
tireotoxicose, definida como síndrome clínica decor-
etc.) e não endócrinas é plenamente documentada.
rente da exposição a altos níveis circulantes de hormô-
nios tireoidianos. Entre 10% e 20% dos pacientes apresentam
remissão espontânea, enquanto 50% tornam-se
hipotireóidicos (destruição autoimune) após 20 a
30 anos, na ausência de tratamento adequado.
Etiologia
Causas de Tireotoxicose
Etiologia
Na doença de Graves, o hipertireoidismo de-
Distúrbios associados à hiperfunção tireoidiana*
corre de síntese, pelos linfócitos B, de Ac contra o
Produção excessiva de TSH (muito rara) receptor do TSH (TRAb). Existem TRAb inibitórios
Tumor hipofisário produtor de TSH (tireotrofinoma)
Resistência hipofisária ao T3 e T4
e estimulatórios, predominando estes últimos na
Estimulação anormal da tireoide doença de Graves.
Doença de Graves (forma mais comum: 70% a 90%) Associação com HLA B8, DR3, Bw25, Bw46, Bw40.
Tireoidite de Hashimoto (raramente cursa com hipertireoidis-
mo) Predisposição familiar :15% dos pacientes
Tumor trofoblástico apresentam parentes portadores da mesma doença, e
Autonomia tireoidiana intrínseca 50% dos parentes de indivíduos com doença de Graves
Adenoma hiperfuncionante (doença de Plummer: 5% dos ca- apresentam anticorpos antitireoidianos circulantes.
sos)
Bócio multinodular tóxico Fatores ambientais e endógenos: ingestão ex-
Distúrbios não associados à hiperfunção tireoidiana**
cessiva de iodo, pós-parto, infecção viral, suspensão da
terapia com glicocorticoides parecem estar implicados.
Excessiva liberação de T3 e T4 (por destruição dos folículos)
Tireoidite subaguda
Tireoidite de Hashimoto
Fonte extratireoidiana de hormônios tireoidianos
Patogênese
Tireotoxicose factícia (ingestão de T3 ou T4) O hipertireoidismo da doença de Graves é cau-
Tecido tireoidiano ectópico sado por uma desordem autoimune. Primeiro, pare-
Struma ovarii (teratoma ovariano com tecido ce haver uma alteração dos linfócitos T supressores,
tireoidiano ectópico) permitindo que os linfócitos T auxiliares estimulem
Metástase funcionante de carcinoma folicular
os linfócitos B a sintetizar os anticorpos antitireoidia-
Tireotoxicose por hambúrguer
Secundário a drogas** nos. Um desses anticorpos é direcionado ao recep-
Amiodarona tor do TSH (TRAb) e possui capacidade de estimular
Iodo (Jod-Basedow) a função e o crescimento das células tireoidianas.
Tabela 3.1  (*) Associados com elevada captação do 131I (RAIU); Outras respostas autoimunes tireóideas coexistem
**Associados com baixa RAIU. Atenção!
nesses pacientes, portanto não há relação direta entre os
níveis de TSI (anticorpos) e os hormônios tireoideos.
As três causas mais comuns de Hipertireoi dismo
1. Doença de Graves (90%)
As manifestações de oftalmopatia e dermo-
patia decorrem da ativação mediada imunologi-
2. Bócio multinodular tóxico
camente por fibroblastos nos músculos extrao-
3. Adenoma uninodular tóxico (5%) culares e na pele, com acúmulo de glicosamino-
Tabela 3.2 glicanos, acarretando retenção de água e edema, e
posteriormente proeminente fibrose.
Produção pelos linfócitos B de imunoglobulinas (TSI)
Doença de Graves que se ligam e ativam o receptor do TSH

Secreção excessiva dos


Sinonímia hormônios tireoidianos
Aumento de volume
da tireoide
€€ Doença de Basedow
€€ Doença de Parry Ausência de feedback Supressão da
negativo sobre o TSI secreção de TSH
A doença de Graves é uma doença autoimune de
causa desconhecida. Há uma nítida influência ge-
Hipertireoidismo com bócio difuso, T3 e T4 elevados. TSH suprimido
nética e uma forte predisposição familiar. Acomete
aproximadamente 1% da população, sendo de qua- Figura 3.1

32 SJT Residência Médica - 2015


3 Hipertireoidismo

Histopatologia variavelmente, de aumento da excreção urinária


de cálcio e fósforo (hipercalcemia e hiperfosfatemia)
Glândula tireoide: hiperplasia, hipertrofia de cé- mesmo em indivíduos que possuem dieta pobre
lulas foliculares com conteúdo coloide diminuído e infil- em cálcio. Há tanto um aumento no processo de rea-
tração linfocitária. bsorção como de formação do osso, com o predomínio
Tecido orbitário: infiltração de linfócitos, mas- do primeiro. Esta remodelação é tanto cortical como
tócitos e plasmócitos juntamente com a quantidade trabecular. O tratamento do hipertireoidismo leva a
aumentada de mucopolissacarídeos, sobretudo o áci- uma diminuição na reabsorção óssea, porém não total
do hialurônico. e, em alguns casos, não se observa reconstituição da
Mixedema pré-tibial: infiltração proeminente densitometria óssea, mesmo após dois anos de euti-
de linfócitos e deposição de mucopolissacarídeos. reoidismo.
O excesso de hormônio tireoidiano pode induzir
Quadro clínico o consumo exagerado de gorduras com diminuição do
colesterol total e LDL-c, o balanço negativo de nitro-
O paciente hipertireóidico francamente expres- gênio com diminuição da massa muscular e o aumento
so se apresenta com pele quente e úmida devido ao na produção de glicose. Há um aumento da absorção
aumento do fluxo sanguíneo e da sudorese decorren- intestinal de glicose e uma tendência para o desenvol-
te do aumento da produção de calor. O aumento do vimento ou agravamento de diabetes mellitus. Os ní-
metabolismo do cortisol pode levar a uma elevação veis basais de insulina estão aumentados para níveis
do ACTH, ocasionando hiperpigmentação. A pre- de glicemia semelhantes aos de indivíduos normais, o
sença de vitiligo sugere associação autoimune. que pode significar um estado de resistência insulíni-
Do ponto de vista neuropsiquiátrico, são comuns ca. O excesso de hormônios tireoideos tende a suplan-
irritabilidade, choro fácil, tremores de extremida- tar a ação do betabloqueador na diminuição da secre-
des e eventualmente fraqueza muscular, miopatia e
ção de insulina.
até mesmo atrofia muscular, que provavelmente é
devida ao aumento do catabolismo proteico. Muito Do ponto de vista endócrino, observa-se altera-
raramente, pode haver paralisia periódica hi- ção do eixo somatotrófico, que apresenta maior fre-
pocalêmica. quência de amplitude na análise dos pulsos, levando
a uma secreção de hormônio de crescimento quatro
Os efeitos cardiovasculares são dependentes dos
vezes maior do que no indivíduo sadio. A secreção de
efeitos inotropo e cronotropo positivos no miocárdio,
prolactina está diminuída e há aumento na secreção
por meio de receptores específicos independentes das
de cortisol, assim como aumento da sua degradação, o
catecolaminas, com expressão clínica variável de ta-
que leva a um quadro de hipocortisolismo relativo. Os
quicardia, fibrilação atrial, HAS sistólica e bloqueio
indivíduos do sexo masculino podem apresentar ní-
cardíaco de primeiro e segundo graus. Sopro sistólico
veis elevados basais de testosterona, di-hidrotestoste-
pode ser auscultado em todos os focos cardíacos. A fi-
rona e LH, além da diminuição de volume de esperma-
brilação atrial é observada em até 10% dos casos
tozoides, sem, no entanto, haver prejuízo significativo
e pode ser o primeiro sinal de hiperfunção tireoi-
da fertilidade. A mulher com tireotoxicose apresenta
diana, especialmente em idosos.
uma hiper-resposta ao LHRH, porém mais evidenciá-
No que diz respeito ao aparelho geniturinário, é vel na fase lútea.
comum o relato de oligomenorreia e infertilidade nas
Uma série de fatores parece contribuir para a disp-
mulheres. Nos homens, perda da libido e, menos fre-
neia de repouso com aumento da frequência respirató-
quentemente, ginecomastia.
ria. Três mecanismos principais estão envolvidos:
Pode ser encontrada anemia por doença crôni-
1. aumento da produção de CO2, derivado do
ca, embora possa haver incremento da eritropoiese.
hipercatabolismo e que age via centros respiratórios;
Diante de um quadro de anemia, se o padrão for
macrocítico megaloblástico, lembre-se da pos- 2. a fraqueza da musculatura da caixa torácica,
sibilidade de associação com anemia perniciosa componente do quadro geral da fraqueza muscular ge-
(doença autoimune associada). neralizada;
As alterações osteoarticulares podem ser mar- 3. o engurgitamento do leito vascular pulmo-
cantes, observando-se um aumento da reabsorção ós- nar devido a uma insuficiência relativa do VE, na
sea; a grande destruição de tecido ósseo pode levar a compatibilização da aceleração do fluxo sanguíneo.
quadros histológicos semelhantes à osteíte fibrosa e à Há um incremento das trocas gasosas e do consumo
osteoporose (diminuição trabecular e adelgaçamento de oxigênio, levando a um aumento da ventilação
ósseo). A tireotoxicose é acompanhada, não in- pulmonar.

33
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Frequência dos sintomas da doença de Graves Geralmente, o aumento é difuso e de consistên-


cia fibroelástica, associado a sopro sistólico de hiper-
Sintomas % Sintomas %
função. Nódulos tireoidianos são incomuns e nesses
Nervosismo 99 Aumento do apetite 65
casos a biópsia deve ser recomendada, visto que, em-
Sudorese excessiva 91 Queixas oculares 54 bora raro, o câncer de tireoide pode coincidir com a
Intolerância ao calor 89 Edema de MMII 35 doença de Graves.
Palpitação 89 Hiperdefecação 33
Fadiga 88 Diarreia 23
Perda de peso 85 Distúrbios menstruais 20
Oftalmopatia infiltrativa (OI)
Dispneia 75 Anorexia 9 A oftalmopatia infiltrativa ocorre entre 20% e
Fraqueza 70 Ganho ponderal 2 40% dos pacientes com doença de Graves, embora não
Constipação 4
seja exclusiva desta, havendo um distúrbio chamado
de oftalmopatia associada à tireoide, que ocorre na
Tabela 3.3
ausência da doença de Graves em 10% dos pacientes.
Frequência dos sintomas da doença de Graves A maioria desses pacientes possui hipotireoidismo au-
toimune ou anticorpos tireoideos.
Sintomas % Sintomas %
Taquicardia 100 Alterações oculares 71
Bócio 97 Fibrilação atrial* 10 Fisiopatologia da OI
Tremor nas mãos 97 Esplenomegalia 10
Condição autoimune, que precede a doença de
Pele quente e úmida 90 Ginecomastia 10
Graves em 20%, surge concomitantemente em 40%
Sopro sobre a tireoide 77 Eritema palmar 8 dos casos e sucede a doença em outros 40%. Resulta
Tabela 3.4 da proliferação de fibroblastos, infiltração de linfóci-
tos e deposição excessiva de colágeno e de glicosami-
Uma situação que deve ser destacada diz respeito noglicanos (GAG). Essas alterações levam ao aumento
aos pacientes idosos que podem apresentar um qua- da massa muscular e do tecido conjuntivo orbitário,
dro de hipertireoidismo modificado, denominado hi- com consequente elevação da pressão no interior da
pertireoidismo apatético ou apático, caracterizado órbita. Há uma associação de maior risco com o ta-
por depressão, prostração e manifestações periféricas bagismo sem que haja uma explicação objetiva para
de hipertireoidismo, particularmente as manifesta- tal. Do ponto de vista clínico, os sinais oftalmoló-
ções cardiovasculares (por exemplo, fibrilação atrial). gicos mais marcantes são: retração da pálpebra su-
Não se esqueça desta possibilidade diante de um idoso perior, proptose, edema periorbital e injeção conjun-
com FA refratária ao tratamento convencional; solici- tival. O diagnóstico é determinado pela medida com
te TSH ultrassensível e T4 livre; você pode estar pe- o exoftalmômetro de Hertel, levando-se em conta que
rante um quadro de hipertireoidismo. a medida normal máxima na raça branca é menor que
Menos de 5% dos pacientes podem apresen- 20 mm e na raça negra menor que 22 mm.
tar acidose tubular renal e nefrite por imunocom-
plexos.
Exoftalmômetro de Hertel
Muito raramente, a DG pode manifestar-se em
Medida anormal > 20 mm na raça branca e > 22 mm na raça
homens orientais e latinos com quadro súbito de pa- negra
ralisia flácida e hipocalemia (paralisia periódica tireo-
Proptose leve > 3-4 mm
tóxica ou hipocalêmica). Tal paralisia é geralmente de
resolução espontânea e pode ser prevenida com a su- Proptose moderada 5-7 mm
plementação de potássio e uso de betabloqueadores. Proptose grave > 7 mm
Ela é curada pelo tratamento adequado do hipertireoi- Tabela 3.5
dismo.
Alterações observadas na exoftalmia endócrina
1. Retração palpebral – aumento da fenda palpebral
Exame clínico na doença 2. Diminuição da convergência
de Graves 3. Protrusão do globo ocular
4. Brilho ocular. Olhar fixo
Bócio 5. Enrugamento da fronte ausente
6. Lagoftalmo: paciente não fecha totalmente as pálpebras
É a manifestação mais constante na doença de
7. Tremores palpebrais
Graves, estando presente em 98% dos pacientes.

34 SJT Residência Médica - 2015


3 Hipertireoidismo

Alterações observadas na exoftalmia endócrina (cont.) mento imunossupressor com corticoide em altas doses
8. Paralisia da musculatura extrínseca do globo ocular. Di- (prednisona 40-80 mg/dia), associada ou não com ci-
plopia closporina; em quadros mais agressivos, pode-se lançar
9. Lid-lag (atraso palpebral). Falta de sincronismo entre a ro- mão da pulsoterapia com metilprednisolona (1 g em
tação do globo ocular e a queda palpebral 250 mL de solução salina em infusão de 2 h/dia durante
10. Edema palpebral, conjuntivite, quermose uma semana) com posterior uso de corticoide oral. A
11. Necrose corneal – infecção purulenta associação com a radioterapia pode ser necessária. Nas
12. Diminuição da acuidade visual progressiva formas não responsivas ao tratamento exposto, uma ci-
13. Pressão intraocular aumentada verificada à palpação rurgia corretiva pode ser necessária.
Tabela 3.6

Oftalmopatia infiltrativa Principais indicações para corticoidoterapia


Classificação 1. Infiltração acentuada e progressiva das conjuntivas, asso-
ciada às lagoftalmia e à oftalmoplegia progressivas
Classe 0 Ausência de sinais e sintomas
2. Comprometimento da córnea devido à proptose rapida-
Classe I Apenas sinais (retração ou atraso palpebral) de
mente progressiva (ceratite)
envolvimento de tecido mole
3. Diminuição progressiva da visão
Classe II Sinais e sintomas de envolvimento de tecido
mole (edema periorbitário) Contraindicações
Classe III Proptose de 3 mm ou > que 22 mm Oftalmologia crônica, estável e fibrótica
Classe IV Envolvimento do músculo extraocular (diplo- Retração palpebral e diplopia crônicas e estáveis
pia) Neuropatia óptica compressiva rápida e intensa
Classe V Envolvimento da córnea Tabela 3.9
Classe VI Perda da visão (envolvimento do nervo óptico)
Tabela 3.7 Tratamento cirúrgico na oftalmopatia de Graves
• Descompressão orbitária (deve preceder os seguintes,
Escores de atividade clínica (CAS)da oftalmopatia de quando indicada)
Graves • Correção da motilidade muscular e da dipoplia
Dor 1. Dor ou pressão retrobulbar nas últimas 4 se- • Tarsorrafia ou correção da retração palpebral
manas • Blefaroplastia ou retirada de pele e excesso de gordura das
2. Dor à movimentação dos olhos (para cima,
pálpebras
para baixo ou para os lados), nas últimas 4 sema-
nas Tabela 3.10

Hiperemia 3. Hiperemia palpebral


4. Hiperemia difusa das conjuntivas, cobrindo
Outras modalidades de tratamento não estabele-
pelo menos um quadrante cidas podem ser úteis na doença refratária, tais como
Escores de atividade clínica (CAS)da oftalmopatia de o uso de análogos da somatostatina, imunoglobulina
Graves (Cont.) endovenosa, plasmaférese, colchicina, pentoxifilina,
Edema 5. Edema palpebral antagonistas das citocinas e antioxidantes (alopuri-
6. Quemose nol, nicotinamida).
7. Aumento das carúnculas
8. Aumento da proptose > 2 mm em um perío-
do de 3 meses
Disfunção 9. Diminuição dos movimentos dos olhos em
ocular qualquer direção ≥ 5° durante 3 meses
10. Diminuição da acuidade visual ≥ 1 linha no
gráfico de Snellen, em um período de 3 meses
Tabela 3.8 Para cada item presente é dado um ponto; pacientes com
CAS ≥ 4 têm 80% de chances de responder favoravelmente ao trata-
mento na fase inflamatória.

A oftalmopatia não exige tratamento ativo


quando leve ou moderada, pois, em geral, há me-
lhora espontânea, devendo-se recomendar para os
fumantes o abandono do tabagismo. Para alívio do
desconforto, recomenda-se lágrimas artificiais. A oftal-
mopatia grave com envolvimento do nervo óptico ou
quemose, resultando em lesão da córnea, exige trata- Figura 3.2 Exoftalmômetro de Hertel.

35
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Figura 3.6  Ressonância magnética de órbitas de paciente com oftal-


mopatia de Graves, notando-se o grande espessamento de toda a mus-
culatura ocular extrínseca.

Condições que podem cursar com exoftalmia:


diagnóstico diferencial
Oftalmopatia de Graves
Tumores primários orbitais (exemplo: glioma)
Linfomas
Displasia fibrosa dos ossos
Tumores lacrimais
Hematomas (secundários a traumas)
Figura 3.3  A e B: retração palpebral unilateral antes do tratamento. Hematoma subdural
Trombose da veia oftálmica
Enfisema do seio nasal
Celulite
Adenomas hipofisários
Doença de Cushing
Triquinose
Pseudotumor ou cisto da órbita
Tumores metastáticos
Doença de Paget
Meningioma
Carcinoma nasofaringeano
Hemorragia subaracnoide
Trombose do seio cavernoso
Figura 3.4  A: oftalmopatia de Graves congestiva com quemose; retra-
Aneurisma carotídeo
ção da pálpebra inferior e proptose; B: observa-se lagoftalmo ao tentar
Doenças granulomatosas
fechar as pálpebras. Histiocitose
Acromegalia
Arterite
Tabela 3.11

Mixedema pré-tibial ou dermopatia


Encontrado exclusivamente no hipertireoi-
dismo da doença de Graves, visto entre 10% e 20%
dos casos e quase sempre associado à oftalmopatia
infiltrativa e altos títulos de TRAb. Caracteriza-se
por espessamento da pele, particularmente na tíbia
inferior de forma focal ou difusa com aspecto de cas-
ca de laranja e coloração violácea. Está relacionada ao
acúmulo de glicosaminoglicanos. Geralmente não re-
Figura 3.5  Tomografia computadorizada de órbitas mostrando es- quer tratamento e, quando necessário, a orientação
pessamento fusiforme do músculo reto medial esquerdo, típico da of- consiste em aplicação tópica de pomada de glicocorti-
talmopatia de Graves. coide de alta potência sob um curativo oclusivo.

36 SJT Residência Médica - 2015


3 Hipertireoidismo

Anticorpos antitireoidianos
Anticorpos antitireoglobulina (anti-Tg) e, so-
bretudo, os antitireoperoxidase (anti-TPO) estão
presentes em muitos pacientes com DG. Seus títu-
los geralmente são mais baixos que na tireoidite de
Hashimoto.
Em pacientes hipertireóidicos, a presença dos
anticorpos antirreceptor do TSH (TRAb) é específi-
ca para a DG, indicando doença ativa (presente entre
70% e 100% dos casos). A determinação dos TRAb é
importante em algumas situações específicas, tais
como:
€ no diagnóstico da doença de Graves eutireóidea;
Figura 3.7 Formas de mixedema pré-tibial. € no diagnóstico do hipertireoidismo apatético;
€ na distinção entre doença de Graves e tireoidite
pós-parto;
Onicólise e acropaquia € na avaliação do risco de recidiva do hipertireoi-
Caracteriza-se pela separação da unha do leito dismo após a suspensão do tratamento com as
ungueal dando um aspecto de envelhecimento à porção tionamidas.
distal da unha (sinal de Plummer), costuma reverter es-
pontaneamente com a melhora do hipertireoidismo. O
Captação do iodo radioativo (RAIU)
termo acropaquia refere-se ao espessamento das falan-
nas 24 horas
ges distais (este achado é bem mais raro).
Encontra-se elevada em praticamente 100%
dos casos de DG, o que permite facilmente sua dife-
renciação com os casos de tireotoxicose secundária à
tireoidite subaguda linfocítica e tireoidite pós-parto,
situações em que a RAIU está caracteristicamente
muito baixa ou ausente. RAIU somente deve ser soli-
citada, portanto, quando houver dúvida diagnóstica
entre a doença de Graves e as doenças mencionadas.

Alterações hematológicas e bioquímicas


Podemos observar: leucopenia (comum), hiper-
Figura 3.8 Acropaquia tireoidea em paciente com doença de Graves. calciúria e hipercalcemia (ocasionais) e hiperbilirru-
binemia (nos casos mais graves). Redução do coleste-
rol total pode, também, ser encontrada.
Diagnóstico laboratorial na DG
Biópsia de aspiração com agulha fina
Função tireoidiana
Estará indicada quando forem encontrados nó-
Classicamente, encontramos TSH suprimido, as- dulos tireoidianos maiores que 1 cm. Foi sugerido,
sociado à elevação do T4 e T3. Ocasionalmente, ape- por alguns estudos, que tais nódulos teriam maior
nas o T3 está elevado, acompanhando a supressão do risco para malignidade em pacientes com DG, mas
TSH (T3 toxicose). Tal situação é mais comum na fase outros autores não confirmaram essa possibilidade.
inicial da doença ou em casos de recidiva. Além dis- Além disso, é preciso estar atento à existência de
so, inicialmente pode haver apenas supressão do TSH, pseudonódulos que revertem após a correção do hi-
com T4 e T3 normais, caracterizando o hipertireoidis- pertireoidismo. É importante que a punção seja reali-
mo subclínico. zada após a normalização da função tireoidiana.

37
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Tratamento Subsequentemente, o paciente passa a fazer uso


de uma combinação de MMI (10-20 mg/dia) e tiro-
As três opções terapêuticas para a doença de Gra- xina (100 µg/dia) por mais 12 a 24 meses, quando
ves são: então todos os sinais da doença de Graves ativa de-
€€ drogas antitireoidianas: tionamidas (propiltiou- saparecem.
racil; carbimazol; metimazol);
€€ iodo radioativo;
Esquema com doses ajustáveis de tionamidas
€€ cirurgia. Droga Dose inicial Manutenção Tomadas/
dia
Metimazol 20-40 5-15 1
Tratamento medicamentoso na DG Carbimtazol 20-40 5-15 1
Propiltiouracil 200-400 50-200 2-3
€€ Propiltiouracil (PTU: Propiltiouracil, comp.
Tabela 3.12
50 e 100 mg)
Mecanismo de ação: Atenção!
Inibe a síntese dos hormônios, bloqueando as €€ 1ª revisão clinicolaboratorial: 4 a 6 semanas;
etapas da organificação (formação de MIT e DIT) e €€ tempo habitual de tratamento: 12 a 24 meses;
acoplamento (junção de MIT e DIT para formar T3 e
T4 (doses > 600 mg/dia) por meio da inibição da pe- €€ recidiva média: 40% a 50% (1° ano).
roxidase tireoidiana (TPO), enzima responsável pela
iodinação dos resíduos tirosínicos na tireoglobulina.
Comparação entre PTU e METIMAZOL
Inibe a conversão periférica de T4 em T3 (evi-
Critério Drogas
denciado por uma queda aguda nos níveis séricos de
T3 e aumento do T3 reverso). Há relatos de uma pos- PTU MMI
sível ação imunossupressora. Rapidez de resposta 6-8 semanas 4-8 semanas
€€ Metimazol (MMI: Tapazol®, comp. 5 a 10 mg) Vida média 1-2 horas 4-6 horas

Mecanismo de ação: Passagem através da placen- Baixa Alta


ta e leite materno
Os mesmos do PTU, exceto pela ausência do efei-
Toxicidade + frequente - frequente
to periférico na conversão do T4 em T3.
Tabela 3.13
Tanto o PTU como o MMI atravessam a placenta
(o MMI mais que o PTU) e podem interferir na função
da tireoide fetal. Em geral, são necessárias duas a três
Toxidade das tionamidas
semanas para que haja melhora dos sintomas tireotó-
xicos. O estado eutireóideo pode ser alcançado entre 4 Efeito Frequencia Associação
e 6 semanas. Os níveis dos hormônios tireoidianos são Poliartrite 1% a 2% -
avaliados, portanto, após 4 a 6 semanas do início da Vasculite ANCA Rara PTU
terapêutica, caso não haja redução dos valores, pode- Agranulocitose 0,1% a 0,5% PTU
-se aumentar a dose para 30-40 mg de MMI ou mais
Hepatite 0,1% a 0,2% PTU
100 mg de PTU. Uma vez normalizados os níveis do
hormônio, diminui-se a dose. Na maioria dos casos, os Colestase Rara Metimazol
pacientes podem ser mantidos com dose baixa, da or- Tabela 3.14
dem de 5-15 mg de MMI e 50-200 mg de PTU durante
12-24 meses. Na prescrição com PTU após melhora clí- Os efeitos colaterais ocorrem em aproximada-
nica e laboratorial, pode-se reduzir progressivamente mente 5% dos casos e não parecem estar associados
as doses de PTU e então passar para o MMI uma vez ao à dose-dependência, idade e duração do tratamento,
dia. Após a visita de revisão e estando o paciente eu- embora sejam mais comuns nos primeiros 3 a 6 me-
tireóideo, as visitas subsequentes serão trimestrais. A ses de tratamento. A agranulocitose representa a
maioria das recidivas ocorre nos primeiros 3 a 6 meses principal e mais temível reação adversa às tiona-
após a suspensão da terapia antitireoidiana. Somente midas e se caracteriza por uma contagem de leu-
cerca de 50% dos pacientes permanecerão em remis- cócitos abaixo de 0,5 x 109/L, exigindo a interrup-
são. Na recidiva, dá-se preferência ao tratamento ção da droga e a administração de antibióticos de
com iodo radioativo. amplo espectro e terapia de suporte.
Mais recentemente, um regime de bloqueio e re- A despeito dessa reação adversa, não é reco-
posição passou a ser utilizado obedecendo às seguintes mendado o leucograma rotineiro para os pacientes
orientações: dose inicial alta de metimazol 40-60 mg/ em uso de DAT, devendo-se obter uma contagem dos
dia até que o paciente atinja um estado eutireóideo. leucócitos antes do início da terapêutica.

38 SJT Residência Médica - 2015


3 Hipertireoidismo

Fatores associados à maior chance Possui modesta redução nos níveis do T3 sérico,
de remissão definitiva por bloqueio na conversão periférica de T4 em T3. A
Bócio pequeno
dose recomendada é de 80-120 mg/dia.
Idade > 40 anos
Relação T3-T4 < 20 Diltiazem
TRAb em títulos baixos (< 30 U/L) ao final do tratamento 240-360 mg/dia, nos pacientes que não podem
Uso das drogas por 12-24 meses usar betabloqueador.
Supressão normal da tireoide ao T3
Terapia combinada (?)
Iodo
Tabela 3.15
O iodo é empregado raramente como droga
Fatores associados à maior chance de recidiva isolada no tratamento do hipertireoidismo, pois sua
resposta terapêutica é frequentemente incompleta
Bócio volumoso; crianças e adolescentes
ou temporária. Seu principal mecanismo de ação é
História familiar de doença da tireoide
Oftalmopatia; rinite alérgica; tabagismo a inibição da secreção de hormônio previamente ar-
Relação T3-T4 > 20 mazenado na tireoide. Hoje em dia, suas aplicações
Presença de HLA B8 ou DR3, alelos DQA2U terapêuticas estão restritas ao preparo de pacientes
Títulos de TRAb (> 30 U/L) ao final do tratamento candidatos à cirurgia (em associação com as tireou-
Persistência do volume do bócio durante o tratamento reias) ou em doentes com “crise tireotóxica” (também
Uso de DAT por menos de 1 ano em associação com as tireoureias). O iodo pode ser ad-
Tabela 3.16 ministrado na forma de solução saturada de iodeto de
potássio ou de solução de lugol (5 gramas de iodo e
10 gramas de iodeto de potássio em cada 100 mL), na
Alternativas terapêuticas com outras dose de 5 a 10 gotas diárias.
drogas antitireoidianas
Iodo radioativo
Reservado para os pacientes sem resposta tera-
Indicações:
pêutica favorável aos antitireoidianos, ou nas reci-
€ paciente com resposta insatisfatória às tionami- divas pós-tratamento e aos pacientes idosos. Em al-
das e aos betabloqueadores; guns centros, corresponde ao tratamento de escolha.
€ nas formas graves; Dose: o cálculo da dose administrada envolve a
€ no preparo cirúrgico. determinação do tamanho da glândula, por cintilo-
grafia ou palpação, e a captação de 131I na 24ª hora.
Drogas
Emprega-se habitualmente entre 70 e 100 µCi/grama
Iodeto de potássio: o iodo possui múltiplos efei- de tecido tireoidiano; doses menores estão ligadas à
tos inibitórios sobre a função da tireoide, diminuindo o incidência diminuída de hipotireoidismo, porém a in-
transporte e a organificação do iodo (efeito Wolff-Chai- cidência elevada da persistência de hipertireoidismo
koff ) e a secreção dos hormônios tireoidianos. Está con- faz necessária uma segunda dose. As doses maiores
traindicado aos pacientes com bócio multinodular, por- são mais efetivas no tratamento do hipertireoidismo,
que pode exacerbar o hipertireoidismo. porém aumentam a incidência de hipotireoidismo
Ácido iopanoico: inibe a síntese e a liberação dos pós-tratamento. As recomendações abaixo devem ser
hormônios tireoidianos, bem como a conversão perifé- seguidas rigorosamente:
rica de T4 em T3. As reações adversas podem ser graves,
incluindo hipertireoidismo devido ao efeito Jod-Base-
dow (hipertireoidismo induzido pela ingestão de iodo). Revisão laboratorial: após 1 mês e, posteriormente,
Glicocorticoide: inibe a conversão periférica de T4 de forma regular
em T3, a captação do iodo e a liberação dos hormônios es- € Contraindicações ao uso de iodo:
tocados na glândula. € Gravidez, amamentação
Lítio: efeitos similares aos observados com o uso € Bócios muito volumosos (risco de tempestade tireoidia-
de iodeto. na)
Colestiramina: reduz os níveis de T4 por ligação € Recusa do paciente
com este no intestino. € Oftalmopatia infiltrativa importante (há piora da oftal-
Barbitúricos: aceleram o metabolismo do T4, mopatia)
reduzindo assim os seus níveis séricos. € Complicações:
€ Hipotireoidismo (secundário à ablação química)
Betabloqueador
€ Tireoidite actínica
Seu objetivo é frear as manifestações adrenérgi-
cas na periferia. Essa droga é contraindicada aos pa- € Crise tireotóxica (liberação de hormônio pré-fabricado)
cientes com ICC. Tabela 3.17

39
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Em virtude do risco de crise tireotóxica após o uso das decisões adequadas e enérgicas frente às compli-
de radioiodo, recomenda-se, no pré-tratamento, drogas cações, o paciente poderá chegar até ao óbito. Nunca
antitireoidianas durante o mínimo de um mês, especial- é demais lembrar que, também aqui, é muito melhor
mente nos pacientes idosos e naqueles com problemas prevenir que tratar. É esperado, nos bons serviços,
cardíacos. Os antitireoidianos devem ser suspensos de 3 que aproximadamente 0,1% dos pacientes tireoidec-
a 5 dias (metimazol) a dois meses, PTU antes da admi- tomizados faleça em consequência das complicações
nistração de radioiodo, para que se possa assim atingir cirúrgicas. Estas podem ser comuns a qualquer ato
a captação ideal de iodo (essa recomendação não é con- cirúrgico ou específicas, e ocorrem no per ou no pós-
senso e, portanto, é motivo de controvérsias). -operatório (tabela 3.19).

Indicações cirúrgicas na DG Complicações da tireoidectomia


Graves: cirurgia Tempestade tireóidea
€€ Pacientes que não controlam a doença com drogas e que Abrasão da córnea
recusem 131I Embolia gasosa
Pneumotórax
€€ Bócios volumosos não controlados com drogas (geralmen-
Hemorragia
te acima de 150 g)
Seroma
€€ Hiperparatireoidismo primário associado Obstrução das vias aéreas
€€ Em crianças e adolescentes não responsivos às drogas Lesão do nervo laríngeo inferior (NLI)
Lesão do nervo laríngeo superior (NLS)
Tabela 3.18
Traqueomalácia
Fístula quilosa
Infecção da ferida
Cicatriz hipertrófica e antiestética
Pré-operatório Tabela 3.19
€€ Usar uma tionamida até atingir o eutireoidismo
(4 a 6 semanas).
€€ Solução saturada de iodeto de potássio (10 gL/
dia, com o propósito de tornar a glândula mais Tempestade tireoidea
consistente e com menor risco de sangramento) A tempestade tireóidea, ou crise tireotóxica,
nos 10 dias que antecedem a cirurgia.
constitui uma complicação rara do hipertireoidismo,
€€ Um esquema alternativo para os casos que re- visto que os pacientes operados por doenças de Base-
querem um procedimento cirúrgico mais urgen- dow-Graves, Goetsch e Plummer (nódulo solitário tó-
te consiste no uso das seguintes drogas, por um
xico) são bem preparados no pré-operatório. Os sinais
período de 5 dias:
precoces da tempestade são: febre, que pode atingir
€€ decadron: 0,5 mg de 6/6 h; até 41°C, taquicardia e hiperatividade do sistema ner-
€€ propranolol: 40 mg de 8/8 h; voso central. Outras manifestações como sonolência,
€€ ácido iopanoico: 500 mg de 6/6 h. estupor e coma podem ocorrer. Com frequência há
náuseas, vômitos e dor abdominal intensa, sugerindo
€€ O procedimento cirúrgico de escolha é a tireoi-
um abdome agudo. Insuficiência cardíaca congestiva
dectomia subtotal deixando resíduo glandular
de 4-7 g para o adulto e < 3 g na criança, devido e edema pulmonar não são raros. O tratamento deve
ao maior risco nestes de recidiva do hipertireoi- ser intensivo (para melhor apreciação desse tema veja
dismo. O índice de mortalidade associado ao final do capítulo). O prognóstico dessa complicação é
procedimento cirúrgico é extremamente baixo ruim, com elevada taxa de mortalidade.
(inferior a 0,1%).

Abrasão da córnea
Complicações pós-operatórias
Apesar de todos os procedimentos preventi- A abrasão da córnea constitui uma grande pre-
vos, as complicações das tireoidectomias ocorrem, ocupação em pacientes com exoftalmia. A prevenção
aumentando a morbidade. Grande ênfase é colocada é feita por meio da proteção das pálpebras com fitas
nas seguintes medidas preventivas: suspensão do uso adesivas e uso de compressas úmidas oculares. O tra-
de cigarro por 4 semanas antes da operação, tubagem tamento compete ao oftalmologista e consiste no uso
orotraqueal atraumática, adequada monitorização de antibióticos tópicos e proteção ocular. Em condi-
peroperatória e rigorosa observação clínica durante ções normais, os sintomas desaparecem em 48 horas e
o primeiro dia pós-operatório. Se não forem toma- a cura sem sequela é a regra.

40 SJT Residência Médica - 2015


3 Hipertireoidismo

Embolia gasosa seringa, uma ou mais vezes, soluciona o problema.


É importante ressaltar que o seroma não deve ser
A embolia gasosa ocorre raramente, porque a drenado, apenas puncionado. Seromas que requerem
ventilação com pressão positiva controlada constitui aspiração ocorrem em aproximadamente 2,5% das
método de prevenção. Manifesta-se por meio de arrit- tireoidectomias, sendo proporcionalmente mais fre-
mia ou parada cardíaca. Quando se suspeita de embo- quentes nos pacientes submetidos à tireoidectomia
lia gasosa, a cabeceira da mesa é abaixada e o paciente, total, provavelmente em razão do maior espaço vazio
colocado em decúbito lateral esquerdo, para que o ar provocado pela ressecção.
possa acumular-se no ápice do ventrículo direito, ao
mesmo tempo que é aspirado via cateter.
Obstrução das vias aéreas
Pneumotórax Os sintomas e sinais incluem dispneia, estridor,
cianose, inquietude, agitação, desorientação e retração
Esta complicação ocorre muito raramente na ti- intercostal. A obstrução pode ser aguda ou crônica. É
reoidectomia e é consequente à lesão da cúpula pleu- causada por aspiração, hematoma cervical, edema de
ral, na base do pescoço. Como o paciente se encontra laringe e paralisia bilateral das cordas vocais. O edema
sob anestesia geral e tubagem traqueal, não haverá de laringe é provocado por dificuldades na tubagem
maiores problemas no peroperatório. O tratamento endotraqueal, alergia, hemorragia pós-operatória,
consiste na sutura da abertura pleural, enquanto o tentativa de retirar o tubo endotraqueal com o balo-
anestesiologista hiperinsufla o pulmão. Embora haja nete inflado e infecção prévia na via aérea superior. A
dúvidas, a drenagem pleural de curta duração sob selo traqueostomia é o tratamento salvador para os casos
d’água deve ser instalada antes da retirada do tubo moderados e graves.
orotraqueal.

Lesão do nervo laríngeo inferior


Hemorragia
A lesão do NLI, também conhecido por nervo la-
Para minimizar a hemorragia operatória, o pa- ríngeo recorrente ou simplesmente nervo recorrente,
ciente é posicionado com a cabeça e o tórax levanta- está relacionada a 12 fatores: sua não identificação,
dos de 15° a 30°. A prevenção está na boa técnica de sua identificação distal ao sulco tráqueoesofágico, sua
dissecção e hemostasia. Os vasos, mesmo minúsculos, não recorrência, sua posição imediatamente lateral
devem ser ligados. Os vasos maiores serão ligados e à traqueia, sua bi ou trifurcação a mais de 0,5 cm da
transfixados. A hemorragia pós-operatória normal- cartilagem cricoide, tração excessiva do ligamento de
mente se manifesta nas primeiras 16 horas. Se o pa- Berry, ligadura em massa dos vasos tireóideos inferio-
ciente estiver drenado, haverá eliminação excessiva res, desatenção ao liberar o tecido tireóideo junto ao li-
de secreção sanguinolenta. A distensão do pescoço é gamento de Berry, extensão da operação, cirurgia para
a regra. Cerca de 50 a 100 mL de sangue na região câncer, reoperação e inexperiência cirúrgica.
cervical são suficientes para causar edema da larin- O NLI deixa o mediastino superior, sobe pelo
ge e obstrução das vias aéreas, o que pode provo-
sulco traqueoesofágico, passa por trás, pela frente ou
car o óbito. O tratamento consiste em descompressão
entre os ramos da artéria tireóidea inferior, estabelece
imediata, soltando os pontos da pele, tela subcutânea íntima relação com o ligamento de Berry e penetra na
e fáscia cervical superficial, no próprio leito. A traque- membrana cricotireóidea para inervar a musculatura
ostomia encontra ampla indicação nessa complicação. intrínseca da laringe. Em menos de 1% das vezes não
A seguir o paciente deve ser levado ao centro cirúrgico é recorrente, o que aumenta a possibilidade de ser le-
e deve ser feita uma revisão completa da hemostasia, sado. A lesão unilateral é acompanhada de pouca al-
apesar de, muitas vezes, não ser possível identificar o teração da voz, a não ser pelo aspecto bitonal.
vaso responsável pela hemorragia.
Na lesão unilateral do NLI, associada à lesão
também unilateral do NLS, a rouquidão e a incapaci-
Seroma dade de realizar uma tosse produtiva constituem os
sintomas principais. Com o passar do tempo, a voz
O seroma é uma complicação pouco importan- chega quase ao normal. Se ocorrer lesão bilateral do
te, resultando, conforme o próprio nome sugere, do NLI com o NLS intacto, o paciente terá obstrução qua-
acúmulo de líquido seroso, ou serossanguinolento se completa das vias aéreas e a traqueostomia ime-
sob a pele, o que causa um abaulamento local. Quan- diata é obrigatória. Curiosamente, a lesão bilateral
do pequeno, pode apenas ser observado; quando do NLI e do NLS é acompanhada de uma voz rouca e
volumoso, a aspiração, com o emprego de agulha e sussurrada, que melhora com a instalação da fibrose.

41
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Entretanto, essa melhora da voz é traiçoeira, pois o Fístula quilosa


paciente muitas vezes vai apresentar, posteriormente,
obstrução das vias aéreas e exigir uma traqueostomia. A não ligadura de pequenos vasos linfáticos du-
Para se evitar a lesão do NLI, este deve obviamente ser rante a tireoidectomia não traz maiores problemas. A
drenagem linfática resultante, se ocorrer, geralmen-
identificado e visualizado durante as tireoidectomias.
te regride em poucos dias. Quando o cirurgião não
Não se pode usar cautério nas suas proximidades e a
identifica um vaso linfático calibroso, pode advir uma
técnica cirúrgica necessita ser delicada e meticulosa. grande fístula quilosa, de alto débito. A lesão do ca-
nal torácico é mais grave que a do tronco linfático di-
reito, pois este drena um território menor. O débito
Lesão do nervo laríngeo superior da fístula linfática pode chegar a 1.500-2.000 mL/24
O NLS tem origem no nervo vago e se divide em horas. Esse líquido contém lípides em concentração
ramos interno e externo. O ramo interno é respon- maior que a do plasma; já as dosagens de eletrólitos,
glicose e proteínas possuem valores semelhantes aos
sável pela inervação sensitiva da membrana mucosa
plasmáticos. A prevenção se faz por meio da ligadura
da laringe e da epiglote. O ramo externo propicia a
peroperatória dos linfáticos. Se a fístula não regredir
inervação motora do músculo constritor inferior da com a terapêutica de apoio, como reposição hidroele-
laringe e do músculo cricotireóideo, sendo este últi- trolítica, dieta hiperproteica e hipolipídica, e curativo
mo tensor das cordas vocais. A lesão do ramo externo compressivo, após poucas semanas, deve-se pensar
do NLS produz alterações da voz que podem passar na possibilidade da exploração cirúrgica cervical para
despercebidas e que variam desde uma leve rouquidão identificação e ligadura do vaso linfático lesado. Se
até a incapacidade de emitir os sons agudos mais altos persistir a fístula, pode-se tentar a ligadura intrato-
ou fácil fadiga ao falar alto. Por isso, a lesão do NLS rácica do canal, por toracotomia ou cirurgia torácica
assume grande importância quando o paciente utiliza videoassistida.
muito a voz, como no caso de cantores, professores,
comunicadores, etc. Quando a lesão é bilateral, esses
sintomas são mais intensos. A lesão do ramo interno Infecção da ferida
do NLS provoca, em casos raros, incapacidade de a la- A tireoidectomia é uma ferida cirúrgica limpa e
ringe detectar a entrada de corpos estranhos e sinto- o percentual de infecção não deve ultrapassar 1,5%.
mas de aspiração ao deglutir, o que poderá resultar em Corpos estranhos, como gazes e fios não absorvíveis
pneumonia por aspiração. A lesão do NLS ocorre prin- peas ligaduras, podem ser responsáveis pela supura-
cipalmente quando os vasos do pedículo superior da ção. A formação de seroma, sem posterior ocorrência
glândula são ligados em bloco, longe do polo superior de pus, não é infecção. O tratamento é simples e con-
da glândula. Por isso, a prevenção dessa complicação siste na remoção do corpo estranho, se houver, e cui-
é feita por meio da ligadura isolada de cada vaso do dados locais com a ferida.
pedículo superior, bem junto ao polo glandular, e tam-
bém pela identificação do nervo.
Cicatriz hipertrófica e antiestética
Ocorre especialmente na população negra. É
Traqueomalácia necessário aguardar entre 6 meses e 1 ano, contados
a partir da operação, para se instituir o tratamento,
Traqueomalácia é o enfraquecimento do esque- pois muitas cicatrizes regridem nesse prazo. Os que-
leto cartilaginoso da traqueia, o que a torna amoleci- loides podem responder muito bem às injeções locais
da. Pode ocorrer nas doenças que promovem grande de triancinolona e apenas os casos difíceis, felizmente
aumento da tireoide. Antes da operação não há sin- raros, exigem o auxílio do cirurgião plástico.
tomas, uma vez que o túnel existente na massa tire-
óidea impede o colapso traqueal. Após a extirpação
da tireoide doente, a palpação traqueal pode mostrar Hipoparatireoidismo
amolecimento local. Imediatamente após a retirada do
Interrupção do fluxo dos vasos tireóideos para as
tubo, por parte do anestesiologista, o paciente apre-
glândulas paratireoides, ligadura em massa dos vasos
sentará insuficiência respiratória. A manutenção do tireóideos superiores e/ou inferiores, osteodistrofia
tubo endotraqueal por poucos dias, nos casos leves, tireotóxica, falha em reconhecer e/ou transplantar pa-
ou uma traqueostomia temporária, nas situações mo- ratireoide, extensão da operação, cirurgia para câncer,
deradas e graves, resolverá o problema. Excepcional- reoperação e inexperiência cirúrgica são os principais
mente haverá necessidade de procedimentos técnicos fatores responsáveis pelo hipoparatireoidismo pós-
mais complexos. -tireoidectomia.

42 SJT Residência Médica - 2015


3 Hipertireoidismo

O hipoparatireoidismo pode ser transitório ou intolerância ao frio, queda de cabelo e fraqueza, ocorrem
definitivo. Pode atingir até 50% dos pacientes sub- também no hipotireoidismo, dificultando o raciocínio
metidos à tireoidectomia total, quando não se tenta clínico. Qualquer que seja a causa do hipotireoidismo, o
preservar as paratireoides ou não se faz o autotrans- tratamento com hormônio tireóideo é necessário.
plante de paratireoide. O hipoparatireoidismo, após
tireoidectomia subtotal para tratamento de doen-
ça de Basedow-Graves, é quase sempre transitório, Exoftalmia
ocorre mais precocemente – dentro de 24 horas – e
o laboratório mostra hipocalcemia e hipofosfate- Pacientes com doença de Graves submetidos à ti-
mia. É causado pela rápida deposição de cálcio nos os- reoidectomia subtotal, e aqueles tratados com drogas
sos, após a exérese glandular. O hipoparatireoidismo antitireóideas ou iodo radioativo, podem apresentar
por distúrbios tireoideos diferentes da doença de Ba- piora da exoftalmia, por causa do estado de hipoti-
sedow-Graves é consequência da exérese ou isquemia reoidismo pós-tratamento. Por isso, é importante
das glândulas paratireoides. A manifestação ocorre 2 a manter esses pacientes em esquemas terapêuticos
3 dias após a cirurgia e se caracteriza por hipocalcemia que impeçam a ocorrência de hipofunção tireóidea no
e hiperfosfatemia. pós-operatório. Em pacientes tratados com tireoidec-
As manifestações clínicas da hipocalcemia va- tomia subtotal, a oftalmopatia permanece inalterada
riam desde ansiedade, fraqueza, cefaleia, nervosismo, em 77,8%, piora em 5,6% e melhora em 16,7%.
dormências, parestesias periorais e das extremidades
digitais, cãibras musculares, sinais de Chevostek e
Trousseau positivos, até estridor laríngeo, convulsões
e coma, podendo ocorrer o óbito se a terapêutica ade-
Avaliação da função tireoidea
quada não for instituída. após tireoidectomia por bócio
O tratamento deve ser ditado pelas manifesta- simples ou tóxico
ções clínicas e não pelo laboratório. O hipoparatireoi- Após a tireoidectomia total, pode haver neces-
dismo leve responde bem ao suplemento dietético de sidade de reposição hormonal exógena (levotiroxina
cálcio na forma de leite, comprimidos de carbonato de sódica), e a função tireóidea deve ser avaliada, inde-
cálcio, gluconato de cálcio a 10% por via oral ou gel de pendentemente de sua extensão. Cerca de 50% dos
hidróxido de alumínio, que fixa o fosfato inorgânico
pacientes submetidos à tireoidectomia parcial ou
no trato gastrointestinal. Eventualmente, poderá ser
unilateral necessitam de reposição hormonal. A dose
administrada vitamina D. Esta acelera a absorção de
recomendada é de 1,5 a 2 microgramas por quilo de
cálcio pelo aparelho digestivo. No hipoparatireoidis-
peso, sempre introduzindo a medicação de forma gra-
mo grave, além da vitamina D, o paciente deve receber
dual, com aumento a cada semana, até alcançar a dose
infusão venosa de gluconato de cálcio a 10%.
máxima em 3 ou 4 semanas. Após 40 dias de uso da
A incidência de hipoparatireoidismo após as dose máxima pretendida, devem ser dosados TSH e T4
tireoidectomias foi reduzida para menos de 2%, livre, e o reajuste da dose deve ser feito conforme a
por refinamento nas técnicas e pelo autotransplan- necessidade. Nos casos de tireoidectomia parcial, de-
te de paratireoide. Este é bastante simples e deve vem-se dosar os hormônios após 40 dias da cirurgia,
ser adotado de rotina. Os implantes criarão um novo e, somente após a identificação do hipotireoidismo,
suprimento sanguíneo e a função paratireoidea geral- iniciar a reposição.
mente retornará ao normal dentro de 3 meses.

Hipotireoidismo
O hipotireoidismo é normal quando se segue à ti-
reoidectomia total, e esta é sua principal causa. Embora
não desejável, também ocorre em uma pequena porcen-
tagem de pacientes submetidos à tireoidectomia subto-
tal, para tratamento da doença de Graves e de outras
afecções. Uma causa evitável, porém nem sempre, de
hipotireoidismo, é a retirada excessiva de tecido tireói-
deo para tratamento de distúrbios benignos da tireoide.
O diagnóstico de hipotireoidismo costuma ser difí-
cil no paciente idoso. Muitos dos sintomas do envelheci-
mento, como cansaço, fadiga, dificuldade de concentra-
ção, pele seca, constipação intestinal, cãibras nas pernas, Figura 3.9 Tireoidectomia. Local da incisão cirúrgica.

43
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Figura 3.10  Tireoidectomia. Incisão de pele e tela subcutânea, que


contém o músculo platisma, expondo-se a fáscia cervical superficial.

Figura 3.13  Tireoidectomia. Ligadura isolada dos vasos do pedículo


superior da glândula.

Figura 3.11  Tireoidectomia. Abertura da rafe mediana.

Figura 3.14  A: tireoidectomia. Tração medial e anterior do lobo, o


que permite a identificação do nervo laríngeo inferior e da artéria tire-
Figura 3.12  Tireoidectomia. Rotação em direção anterior e medial do óidea inferior, além das paratireoides; B: tireoidectomia: ligadura das
lobo tireóideo. veias tireóideas médias.

44 SJT Residência Médica - 2015


3 Hipertireoidismo

Figura 3.18 Tireoidectomia subtotal. Passagem de gaze entre o istmo


Figura 3.15 Tireoidectomia. Secção do ligamento de Berry, tendo-se e a face da traqueia.
sempre, sob visão direta e constante, o nervo laríngeo inferior.

Figura 3.16 Tireoidectomia. Secção das fibras que unem o lobo e o


istmo à traqueia.

Figura 3.19 Tireoidectomia. Rotação em direção anterior e medial do


lobo tireóideo.

Figura 3.17 Tireoidectomia subtotal. Observam-se a coroa de pinças


no lobo esquerdo e o nervo laríngeo inferior, reparado com fio. Figura 3.20 Tireoidectomia. Aspecto final.

45
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Doença de Graves e gravidez No que diz respeito ao tratamento, as tionami-


das são a terapia de escolha, e o PTU é a droga reco-
Hipertireoidismo transitório na gestação (1ª me- mendada, na posologia máxima de 300 mg/dia, com
tade), secundário à secreção inapropriada de hCG, é hoje dose de manutenção de 50-150 mg/dia. O metimazol
a causa mais comum de hipertireoidismo na gravidez, é proibitivo, visto sua maior concentração transpla-
constituindo a doença de Graves a segunda causa. A pre- centária e sua associação com uma anomalia congêni-
valência estimada é de um caso para cada mil gestações. ta do couro cabeludo fetal (aplasia cutis). Estudos mais
recentes têm demonstrado similaridade na passagem
A gravidez apresenta aumento (entre 15% e 20%) transplacentárea para PTU e MMI; dessa forma, não
dos níveis do metabolismo basal. Esse aumento é grada- se pode considerar mais contraindicação formal de
tivo, medido até o oitavo mês da gestação. Entre 70% e MMI na gravidez.
80% deste aumento é devido à unidade fetoplacentária.
O uso de propranolol deve ficar restrito aos ca-
Esta observação leva à conclusão de que a grávida não
sos graves enquanto se aguarda o início da ação te-
apresenta aumento da função tireóidea, o que é refor-
rapêutica do PTU (7-15 dias), uma vez que o seu uso
çado pela observação de que sua produção hormonal é prolongado pode acarretar riscos fetais como cresci-
cerca de 97 µg/dia, comparada a 90 µg/dia nas mulhe- mento intrauterino retardado, hipoglicemia, bradi-
res normais. Outra alteração observada na grávida é o cardia e abortamento.
aumento da depuração renal de iodeto, levando a per-
das importantes de iodo. Como consequência, há um Quando da indicação de iodeto, não prescrevê-lo
aumento da depuração tireóidea de iodeto e da cap- por mais de duas semanas, posto que estes podem cau-
tação de iodo radioativo, e incremento do volume da sar bócio e dificuldade respiratória no neonato.
glândula. Em cerca de 20% das pacientes, nota-se, no Para os casos em que não foi possível a compen-
primeiro trimestre da gravidez, um aumento de F-T4, sação clínica, fica reservada a indicação cirúrgica, e o
acompanhado da diminuição de TSH medido por mé- procedimento de escolha é a tireoidectomia subtotal, a
todo sensível. Uma ação estimuladora da gonadotrofina ser realizada preferencialmente no segundo trimestre
coriônica sobre a tireoide durante o primeiro trimestre da gestação.
é responsabilizada por estas alterações. Por outro lado, a O prognóstico da doença de Graves na gestação é
ação estrogênica leva a um aumento da proteína trans- habitualmente bom com 80% a 90% das gestantes apre-
portadora de T3 e T4, resultando em níveis plasmáticos sentando desfecho da gravidez, desde que orientadas
não invariavelmente altos. Apesar destas pequenas dife- adequadamente. É aconselhável a manutenção do tra-
renças bioquímicas, a grávida normal pode apresentar tamento pelo menos até a 32ª semana, para prevenir
sintomas e sinais que lembram o hipertireoidismo e que recidivas.
dificultam o diagnóstico. Assim, a grávida pode também
Quanto ao aleitamento materno, é proibitivo o uso
apresentar nervosismo, palpitação, intolerância ao ca-
de MMI, e a dose máxima de PTU recomendada é de 150-
lor, cansaço, hiperfagia, bócio, taquicardia e dispneia.
200 mg/dia, com seguimento periódico do recém-nato.

Potenciais complicações materno-fetais do


hipertireoidismo não controlado Doença de Graves (DG)
DHEG
Maternas
em crianças
Parto pré-termo
Insuficiência cardíaca A DG representa a principal etiologia de hiperti-
Crise tireotóxica reoidismo infantil. Causas mais raras incluem bócio uni
Abortamento espontâneo ou multinodular tóxico, tireoidites subagudas, tireoi-
Placenta prévia dite de Hashimoto e mutações ativadoras do receptor
Infecção
do TSH. A DG juvenil primariamente afeta meninas
Potenciais complicações materno-fetais do entre 11 e 15 anos, sendo incomum abaixo dos 5 anos.
hipertireoidismo não controlado (Cont.)
A maioria das crianças se apresenta com labilidade
Fetais emocional, hiperatividade, nervosismo, dificuldades de
Hipertireoidismo neonatal aprendizagem e um estirão puberal acelerado.
Retardo do crescimento intrauterino
Prematuridade
Natimortalidade Tratamento
Malformações congênitas
Anencefalia A maioria dos endocrinologistas inicia o trata-
Ânus imperfurado mento com tionamidas, mas, em crianças, essas medi-
Lábio leporino cações são menos eficazes (taxa de remissão em longo
Tabela 3.20 prazo de 20% a 40%) e causam mais reações adversas

46 SJT Residência Médica - 2015


3 Hipertireoidismo

(20% a 30%). O tratamento cirúrgico propicia a cura em


90% dos casos e, se acompanha de incidência de efeitos
Bócio nodular tóxico
colaterais, de 1% a 5% e taxa de mortalidade de 0,08%. (doença de Plummer)
Mais de mil crianças já foram tratadas com radio-
€ Maior frequência em mulheres após 5ª década.
iodo, algumas com idade de um ano. Contudo, ele está
mais bem indicado no grupo etário > 5 anos. Uma única € Maior incidência em indivíduos oriundos de
dose de 150-200 µCi/g de tecido tireoidiano é capaz de áreas carentes de iodo.
curar de 85% a 90% dos pacientes. € No Brasil, sua frequência é de cerca de 6%.
€ Muito raramente, o bócio nodular tóxico pode
Graves infantil: cirurgia
ser a apresentação de um carcinoma papilífero
ou folicular.
Complicação Incidência (%)
€ Nódulo que excede 3 cm (ou 16 mm) tem maior
Dor 100
probabilidade de tornar-se tóxico, assim como
Hipocalcemia transitória (1-7 dias) 10
Queloide 2,8 indivíduos mais idosos (> 60 anos) têm maior
Hipoparatireoidismo permanente 2 chance de expressar a doença.
Paralisia de cordas vocais 2
Rouquidão transitória
Traqueostomia temporária
1
0,7
Patogênese
Hemorragia/hematoma 0,2 Mutações que ocorrem no gene que expressa o re-
Morte 0,08 ceptor de TSH acoplado à proteína G provocam ativação
Tabela 3.21 do AMP cíclico em cascata, com crescimento folicular e
posterior hiperatividade e autonomia do nódulo.
Doses maiores devem ser evitadas porque podem
implicar aumento no risco de câncer (CA) de tireoide.
Um estudo recente avaliou a eficácia do 131I após 26-
Quadro clínico e diagnóstico
36 anos, em 116 pacientes cuja idade ao tratamen- Hipertireoidismo, menos exuberante que a
to variou de 3,7 anos a 19,9 anos. Nenhum paciente doença de Graves, muitas vezes predominam as
manifestações cardiovasculares, tais como FA e IC
desenvolveu câncer de tireoide ou leucemia, mas 114
refratárias ao tratamento clínico usual.
tornaram-se hipotireóidicos. Tampouco se observou
incremento na frequência de malformações congêni- A confirmação diagnóstica do bócio tóxico se dá
tas nos filhos de indivíduos que tomaram o 131I. pela comprovação de nódulo hipercaptante (quente) à
cintilografia com 131I, com supressão da atividade do
restante da glândula.
Doença de Graves neonatal Pré-Plummer ou adenoma pré-tóxico: os casos
em que só há alterações cintilográficas.
A prevalência estimada é de 1% a 5% nascidos Síndrome de Marine-Lenhart: coexistência da
vivos de mães com DG durante ou algum tempo antes doença de Graves com o bócio nodular tóxico.
da gravidez.
Nos quadros subclínicos, encontra-se um TSH
persistentemente suprimido e níveis de T3 e T4 (par-
ticularmente frações livres) normais ou já elevados.
Forma autolimitada (4 a 12 semanas de Em alguns casos, o nódulo secreta primariamente
duração) mais T3 que T4.
Um recém-nascido pequeno, com tireoide au-
mentada, sinais cardiovasculares de hipertireoidismo
é resultado da passagem transplacentária de TRAb
estimulatórios da mãe para o feto. O tratamento con-
siste em PTU (5-10 mg/kg/dia 3x ao dia); solução de
lugol (1 g 8/8 horas); propranolol (2 mg/kg/dia); pred-
nisona (2 mg/kg/dia nas formas mais graves).

Forma de DG neonatal mais lenta


Insidiosa, diagnóstico por vezes tardio (3-6 me-
ses de vida). Parece ser uma síndrome de herança ge-
nética, com maior gravidade e taxa de mortalidade de
20%. Requer tratamento duradouro. Figura 3.21 Nódulo autônomo no lobo esquerdo da tireoide.

47
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Tratamento Alcoolização ou IPE (injeção percutânea


Deve-se controlá-lo inicialmente com antitireoi-
de etanol)
dianos (metimazol ou propiltiouracil). O tratamento Esse método consiste na injeção de etanol es-
medicamentoso dificilmente induz a cura do hiperti- téril diretamente no nódulo sob orientação ultras-
reoidismo, uma vez que não inibe os efeitos prolifera- sonográfica, o que determina necrose coagulativa e
tivos causados pelo defeito na célula folicular, deven- consequente destruição da função celular. O proce-
do ser sempre seguido de tratamento ablativo. dimento é executado em seis a oito sessões, uma a
duas vezes por semana. Os melhores resultados são
observados em um nódulo que não ultrapasse 15 mL
Cirurgia (bócio > 3 cm e
(diâmetro médio de 3 cm), e o resultado terapêuti-
contraindicações para radioiodo)
co parece ser semelhante ao obtido com o radioiodo.
Também recomendada no bócio multinodular tóxi- Como complicações, mencionamos: dor local, disfo-
co volumoso. As vantagens do tratamento cirúrgico são nia transitória, hematoma local e hipertireoidismo
a rápida restauração do eutireoidismo, disponibilidade transitório (lesão folicular com liberação de hormô-
de tecido para exame histológico e a completa remoção nios pré-fabricados).
do nódulo. As complicações são as mesmas associadas ao
tratamento cirúrgico da doença de Basedow-Graves.

Radioiodo (bócio < 3 cm e


contraindicação à cirurgia)
Tem como grande vantagem o fato de ser um tra-
tamento simples e de baixo custo. A dose do 131I re-
comendada é de 20-30 mCi (7.400 a 11.100 MBq). O
bócio multinodular tóxico é relativamente resistente
ao radioiodo, o que faz com que a dose calculada seja
aumentada em 20%-50% da dose original. Quando a
escolha recai neste procedimento, deve-se suspender
o tratamento medicamentoso cerca de 5 dias antes e
dar preferência ao metimazol, uma vez que o efeito
radioprotetor do propiltiouracil dura cerca de dois me-
ses. A complicação mais frequente é hipotireoidismo Figura 3.22  Cintilografia evidenciando nódulo hipercaptante sem
transitório ou definitivo (3,8% a 58%). visualização do lobo contralateral.

Diagnóstico diferencial do Hipertireoidismo


TSH T3 T4 T4 livre RAIU/24 h Tireoglobu-
lina
Doença de Graves; bócio nodular tóxico Suprimido Elevado Elevado Elevado Elevada Normal
T3 toxicose Suprimido Elevado Normal Normal Elevada Normal
Hipertireoidismo subclínico Suprimido Normal Normal Normal Elevada ou Normal
normal
Tirotropinoma Elevado ou Elevado Elevado Elevado Elevada Normal
normal
Struma ovarii Suprimido Elevado Elevado Elevado Baixa Baixa
Tireoidites subagudas Suprimido Elevado Elevado Elevado Muito Elevada
baixa
Tireotoxicose factícia (uso de T3) Suprimido Elevado Baixo Baixo Baixa Baixa
Tireotoxicose factícia (uso de T4) Suprimido Elevado Elevado Elevado Baixa Baixa
Anticorpo anti-T3 Normal Elevado Normal Normal Normal Normal
Excesso de TBG Normal Elevado Elevado Normal Normal Normal
Tabela 3.22

48 SJT Residência Médica - 2015


3 Hipertireoidismo

Fatores relevantes na escolha entre as tionamidas e o radioiodo como terapia inicial da doença de Graves
Fator Tionamidas lodo Radioativo
Tempo usual para melhora inicial 2 a 4 semanas em mais de 90% dos pacientes 4 a 8 semanas entre 70% e 80% dos
pacientes
Possibilidade de recidiva após o 50% (em média) 5% a 20%
tratamento
Possibilidade de hipotireoidismo 10% a 15%, 15 anos após o tratamento 10% a 30% nos primeiros 2 anos;
5%/ano a partir de então
Possibilidade de efeitos colaterais Sim (raramente) Não
graves (agranulocitose, hepatite etc.)
Possibilidade de reações adversas leves Em 5% dos pacientes Em até 3% dos pacientes*
Bócio muito grande Alta possibilidade de recidiva do hipertireoidismo Doses elevadas são necessárias para
evitar a recidiva
Gravidez ou amamentação Com riscos mínimos para o feto (PTU em doses Contraindicação para o 131I
baixas)
Mulheres planejando engravidar PTU (em doses baixas) Gravidez deve ser evitada por, ao
menos, 4 meses após o tratamento
Presença de oftalmopatia grave Sem efeitos adversos Pode ser agravada, sobretudo em
fumantes; piora pode ser preveni-
da pelo uso de glicocorticoides
Crianças Tratamento prolongado frequentemente é neces- Aparentemente seguro; inconve-
sário; menor eficácia que em adultos niente de hipotireoidismo precoce
Interferência nas atividades Nenhuma Contato íntimo com crianças ou
cotidianas gestantes deve ser evitado nos pri-
meiros dias após o tratamento
Tabela 3.23 (*) Tireoidite actínica.

Diferenças entre BG, BNT e Tireotoxicose Destrutiva


Basedow-Graves Bócio nodular tóxico Tireotoxicose destrutiva
Autonomia funcional por mutação
Etiologia Autoimune Viral; autoimune; excesso de iodo
no receptor de TSH
Bócio Difuso Nodular Difuso, nodular ou sem bócio
Exoftalmo Sim Não Não
Hiperfunção glandular Sim Sim Não
Concentração de T4 livre Muito alta Alta Alta
Captação de 131I Muito alta Normal ou alta Suprimida
Antitireoidianos, 131I Antitireoidianos, 131I, cirurgia ou Betabloqueadores, corticoesteroides,
Tratamento
ou cirurgia alcoolização perclorato de potássio (se puser iodo)
Tabela 3.24

tipicamente é associada à doença de Graves, embora


Tempestade tireoideana alguns casos em pacientes com bócio multinodular tó-
xico tenham sido relatados.
A tempestade tireoidiana (também conhecida
O diagnóstico da tempestade tireoidiana é ba-
como hipertireoidismo acelerado ou síndrome do hi-
sicamente clínico; os achados hormonais da tireoide
pertireoidismo descompensado) caracteriza-se como
não permitem diferenciar tireotoxicose simples de
manifestação extrema e acentuada da tireotoxicose. uma tempestade tireoidiana. A identificação imedia-
Apesar de incomum, é de suma importância o reconhe- ta é importante, já que tem mortalidade associada de
cimento da síndrome devido ao fato de seu apareci- 10% a 70% em algumas séries.
mento ser relativamente súbito e ameaçador à vida.
Médicos inexperientes podem exagerar na importância Etiologia e fatores precipitantes
dos sintomas, fazendo diagnóstico errôneo de tempes- A tempestade tireoidiana é muito mais frequen-
tade tireoidiana em pacientes com manifestações crô- te em pacientes com doença de Graves, embora, rara-
nicas de hipertireoidismo. A tempestade tireoidiana mente possa associar-se ao bócio multinodular tóxico.

49
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Hoje, com a adequação do preparo cirúrgico e a Outro fator complicador na patogênese da tempes-
liberação para procedimento cirúrgico eletivo apenas tade tireoidiana é que a resposta ao estímulo catecola-
de pacientes eutireoidianos, a incidência diminuiu. minérgico parece ser particularmente exagerada nestes
Anteriormente, as crises eram classicamente precipi- pacientes. Os níveis de catecolaminas, apesar de não es-
tadas por procedimento cirúrgico, aparecendo poucas tarem aumentados em relação a outros pacientes critica-
horas após o procedimento em pacientes preparados mente doentes, apresentam dramática resposta terapêu-
com iodeto de potássio sem antitireoidianos. tica ao uso de betabloqueadores sugerindo este efeito.
Os pacientes costumam referir história prévia de Fatores precipitantes da tempestade tireotóxica
hipertireoidismo (tratado ou não), apresentam outros Infecção
sintomas como exoftalmia e apresentam os sintomas al- Parto
gum tempo antes de procurar o serviço de emergência. Radioiodoterapia
Oferta de iodo (constante iodato, amiodarona)
Algumas condições precipitam o desenvolvimen- Acidente vascular cerebral
to de tempestade tireoidiana, cujas causas principais Traumas
são as infecções. Outras causas são traumas, pro- Cirurgias
cedimentos cirúrgicos, toxemia gravídica, parto, Retirada de medicações antitireoidianas
irradiação de tireoide com tireoidite secundária, Tabela 5.1
eventos cardiovasculares ou cerebrovasculares, au-
mento de oferta de iodo para a glândula (uso de ra-
diocontrastes ionizados e amiodarona) e retirada
Manifestações clínicas e
abrupta de drogas para o controle da doença. laboratoriais
Os achados clínicos são de aparecimento usual-
Fisiopatologia mente abrupto, embora a maioria dos pacientes relate
sintomas de hipertireoidismo leves a moderados, dias
Os mecanismos específicos que levam à crise ti- a semanas antes de a crise ser precipitada.
reotóxica permanecem incertos. É interessante obser-
Os pacientes apresentam-se com uma grave sín-
var que a tempestade tireoidiana raramente ocorre em drome hipermetabólica. Febre é quase que invariavel-
pacientes com concentrações séricas extremamente ele- mente presente, a temperatura média de apresentação é
vadas de hormônios tireoidianos após ingestão acidental de 39,3° C (90% dos pacientes apresentam temperatura
de tiroxina exógena. Assim, apesar de os níveis de T4 e maior que 38,5° C). A sudorese costuma ser profusa. Sin-
T3 serem usualmente maiores que na tireotoxicose não tomas cardiovasculares com taquicardia sinusal e ar-
complicada, esses níveis não permitem a diferenciação ritmias cardíacas, assim como congestão pulmonar,
entre ela e a tempestade tireoidiana. Por esta razão, não podem evoluir para edema agudo de pulmão e insufi-
podemos caracterizar que o aumento agudo na liberação ciência cardíaca congestiva franca. Sintomas do trato
de hormônios tireoidianos pela glândula represente o gastrointestinal também podem ocorrer com náuseas,
único mecanismo fisiopatológico explicando a crise tire- vômitos, dor abdominal e diarreia. Alguns pacientes
apresentam icterícia, sendo esse sinal de prognóstico
otóxica, embora a liberação aguda de hormônios tireoi-
ruim. Conforme o quadro clínico se deteriora, os pa-
dianos após radioiodoterapia e descontinuação de drogas cientes começam a apresentar sintomas de alterações
antitireoidianas possam precipitar crise tireotóxica. do sistema nervoso central, com manifestações va-
De importância maior que as concentrações séri- riadas como agitação, labilidade emocional, confusão
cas de T3 e T4 é a concentração de hormônios tireoidia- mental e quadros de delirium, caracterizando o que é
nos livres. A concentração de T4 livre sérico relaciona-se denominado de encefalopatia tireotóxica. Alguns pa-
diretamente com a capacidade de união com proteínas cientes, durante a evolução, podem entrar em estado de
coma. Tremores e incapacidade de permanecer parado
ligadoras, como a proteína ligadora da tiroxina (TBG),
são outros sintomas característicos.
albumina e a transtirretina. Assim, condições que inter-
firam na ligação proteica hormonal podem aumentar As manifestações podem ser variadas e dramáti-
níveis de hormônios tireoidianos livres. cas, já sendo descrito caso de apresentação como sín-
drome de disfunção de múltiplos órgãos. Os achados
Doenças agudas, infecções e procedimentos cirúr- laboratoriais mais comuns são TSH indetectável,
gicos podem diminuir a afinidade destas proteínas pe- T3 e T4 livre aumentados, elevação de cálcio e fosfa-
los hormônios tireoidianos, aumentando sua fração li- tase alcalina (aumento de atividade osteoclástica),
vre, a qual apresenta atividade biológica; a acidose tam- hiperglicemia, leucocitose (mesmo sem evidência de
bém apresenta esses efeitos nas proteínas carreadoras. infecção) e, ocasionalmente, os pacientes com reserva
adrenal inadequada podem precipitar o aparecimen-
Uma segunda hipótese é que efeitos da acidose to de crise addisoniana e seus achados laboratoriais
ou da liberação de mediadores inflamatórios durante característicos (mais comum nos casos de doença de
o estresse metabólico podem agir em receptores de Graves). Deve-se salientar que os achados destes pa-
hormônios tireoidianos em tecidos-alvo, aumentando cientes não são diferentes daqueles com tireotoxicose
a ação de hormônios tireoidianos. sem tempestade, conforme já comentado.

50 SJT Residência Médica - 2015


3 Hipertireoidismo

O diagnóstico é clínico, não dependendo de acha- Tratamento


dos laboratoriais para sua realização; esse diagnóstico
Os princípios do tratamento são:
pode ser feito de forma subjetiva, mas recomendamos
o uso dos critérios de Bursch e Wartofsky para definir
€ Diminuição da produção de hormônios pela
glândula tireoide.
a síndrome. Uma pontuação maior que 45 confirma
uma tempestade tireotóxica.
€ Bloqueio dos efeitos periféricos dos hormô-
nios.
Critérios de Burch e Wartofsky para o diagnóstico
€ Suporte clínico.
de crise tireotóxica
Disfunção termorreguladora € Tratamento da causa precipitante.
Temperatura O primeiro passo para o tratamento é o blo-
37,2-37,7 5 queio da produção e liberação de hormônios tireoi-
37,8-38,1 10 dianos. Os medicamentos usados são: metimazol ou
38,2-38,5 15
o propiltiouracil. No Brasil, não dispomos de prepa-
38,6-38,8 20
38,9-39,2 25 ração intravenosa, e, por isso, podemos prescrevê-las
> 39,3 30 apenas por via oral ou retal. O propiltiouracil (PTU) é
Efeitos sobre o sistema nervoso central usado na dose de 200 a 250 mg de 4/4 horas (1.200 a
1.500 mg/dia). Alternativamente, o metimazol é pres-
Ausentes 0
Ligeiros 10 crito na dose de 20 mg de 4/4 horas.
– Agitação Teoricamente, o propiltiouracil é o medica-
Moderados 20 mento de escolha, devido ao fato de que essa me-
– Delírios
– Psicose
dicação apresenta a vantagem adicional de inibir
Severos 30 a conversão periférica de T4 em T3, conseguindo,
– Crise convulsiva assim, diminuir, com maior velocidade, os níveis
– Coma séricos de T3. Entretanto, alguns estudos mostraram
Disfunção gastrointestinal e hepática que não houve diferença, com o uso de metimazol em
Ausente 0 vez do propiltiouracil, na velocidade de normalização
Moderada 10 dos níveis de hormônios tireoidianos, mas deve-se
– Diarreia salientar, entretanto, que não existem estudos deste
– Náuseas e vômitos tipo em situações de tempestade tireoidiana.
– Dor abdominal
Severa 20 O PTU e o metimazol apresentam como prin-
– Icterícia inexplicável cipais efeitos colaterais: agranulocitose (0,3% dos
Disfunção cardiovascular casos) e hepatite medicamentosa (necessita de mo-
Taquicardia nitorização).
99-109 5 Apesar de dessas medicações diminuírem a for-
110-119 10 mação de hormônio tireoidiano, elas não impedirão a
120-129 15
130-139 20 secreção de hormônio tireoidiano pré-formado, o que
> 140 25 exige outras formas de tratamento.
Insuficiência cardíaca congestiva O uso de soluções iodadas é indicado e apre-
Ausente 0 senta vários mecanismos de ação: inibir a captura de
Ligeira 5 T4 pelo fígado, inibir a conversão de T4 em T3, blo-
– Edema pedioso quear a liberação de hormônio pela glândula, diminuir
Moderada 10 a porcentagem livre de T4 e T3, além de bloquear a
– Estertores nas bases pulmonares
ligação de T4 e T3 com receptores celulares. Há duas
Intensa 15
– Edema pulmonar preparações:
Fibrilação atrial € ácido iopanoico: medicamento de escolha, a
Ausente 0 dose usual é de 1 g a cada oito horas no primeiro
Presente 10 dia de tratamento; posteriormente, a dose é de
História desencadeante 500 mg a cada 12 horas;
Negativa 0 € iodeto de potássio (2ª opção): dose de quatro
Positiva 10 a oito gotas de seis em seis horas, via oral.
Tabela 5.2 Após somar os pontos, os pacientes são divididos em: crise É importante lembrar que as soluções iodadas só
tireotóxica: > 45 pontos; crise iminente: 25 a 44 pontos; crise impro- devem ser prescritas após duas a três horas do início do
vável: < 25 pontos. PTU ou metimazol.

51
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

O carbonato de lítio representa uma alternativa recomendada nestes casos; doses um pouco menores,
como agente para inibir a liberação hormonal, princi- como 50 mg a cada 6 horas, são provavelmente de efi-
palmente em pacientes com alergia ao iodo. A dose ini- cácia comparável.
cial é de 300 mg a cada 6 horas, devendo ser usado com O suporte clínico é extremamente importante.
cuidado, devido a seus efeitos colaterais e ao fato de ain- Estes pacientes encontram-se em estado hipermeta-
da não ser bem estudado. A dose deve ser ajustada para bólico, febris, diaforéticos, muitas vezes com vômitos
manter litemia sérica em torno de 1 mg/dL. e diarreia. A reposição volêmica deve ser agressiva e,
O bloqueio dos efeitos periféricos do hormônio caso a hipotensão não seja corrigida pela hidratação,
tireoidiano é o próximo passo terapêutico. Conside- deve-se prescrever vasopressores e corticosteroides.
rando-se que a meia-vida dos hormônios tireoidianos Deve-se ficar atento à glicemia capilar; eles podem
é de 3 a 6 dias, fica claro que não ocorrerá melhora apresentar hipoglicemia. Alguns autores recomendam
rápida dos sintomas; a não ser que sejam bloqueados a adição de dextrose a 10% na solução de hidratação
os efeitos periféricos destes, o PTU e o ácido iopanoi- para restaurar o glicogênio hepático depletado. Re-
co, bloqueando a conversão de T4 em T3, conseguem posição vitamínica poderia corrigir deficiências coe-
parcialmente neutralizar estes efeitos. Para esse fim, xistentes, mas não representa indicação consensual.
deve-se associar o propranolol (teoricamente, todos Alguns pacientes apresentam hipercalcemia na apre-
os betabloqueadores são capazes de melhorar os sinto- sentação, mas facilmente corrigível com a hidratação
mas de uma crise tireotóxica, porém o propranolol é a parenteral.
primeira escolha devido à inibição da conversão perifé- A hipertermia deve ser tratada prontamente,
rica de T4 em T3). A dose inicial é de 20 a 40 mg a cada 6 de preferência com dipirona sódica ou paracetamol.
horas, com aumento progressivo, de acordo com pulso O uso de salicilatos nestes pacientes deve ser evitado
e pressão arterial. por causa de sua propriedade de deslocar os hormô-
Dependendo da gravidade, pode-se prescrever o nios tireoidianos para forma livre, piorando assim a
betabloqueador por via IV: propranolol na dose de 0,5 tireotoxicose. Medidas externas para diminuição de
a 1 mg a cada 15 minutos, até se conseguir o contro- temperatura podem ser usadas e existe relato de caso
le da frequência cardíaca do paciente. Alguns autores com resposta importante ao dantrolene, porém, con-
preferem o uso de esmolol, devido a sua ação mais rá- siderando seus efeitos colaterais, essa medicação só
pida, sendo usado em bomba de infusão intravenosa deve ser usada em casos de exceção.
contínua em dose de 0,05 a 1 mg/kg/min. Em nosso Em todos os pacientes, deve-se procurar algum
meio, encontramos disponível o metoprolol que pode fator desencadeante e tratá-lo imediatamente. Por-
ser usado em dose de 5 mg a cada 10 a 15 minutos, até tanto, culturas de sangue e urina tipo 1, radiografia de
conseguir o controle da frequência cardíaca. tórax, hemograma e eletrocardiograma são exames de
Os corticosteroides em doses altas também rotina nestes pacientes. Antibioticoterapia empírica
diminuem a conversão periférica de T4 em T3; normalmente não é necessária, reservando-se o uso
deve-se considerar ainda, que, ocasionalmente, esses de antibióticos para casos com evidência clínica ou la-
pacientes apresentam insuficiência adrenal associada, boratorial de infecção.
principalmente aqueles com doença de Graves. Deve- A melhora do paciente com tempestade tireoi-
-se considerar, também, que a tempestade tireoidiana diana costuma ser rápida, ocorrendo nas primeiras 12
pode precipitar o quadro de insuficiência adrenal re- a 24 horas. A falha em controlar o quadro clínico neste
lativa em pacientes com reserva adrenal diminuída. A período indica a necessidade de condutas agressivas
hidrocortisona em dose de 100 mg a cada oito horas é como hemoperfusão e plasmaférese.

52 SJT Residência Médica - 2015


3 Hipertireoidismo

Suspeita clínica:
• Febre
• Taquicardia (sinusal, supraventricular, fibrilação atrial), ICC
• Disfunção de SNC
• Sintomas gastrintestinais (náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal, icterícia)

Fatores precipitantes:
• Infecção, cirurgia, radioiodoterapia (I131), sobrecarga de iodo, interrupção de antitireoidianos, uso de
amiodarona, excesso de hormônios tireoidianos exógenos, cetoacidose diabética, IC, toxemia gravídica,
parto, embolia pulmonar, acidente vascular cerebral, isquemia mesentérica, trauma

SISTEMA DE PONTUAÇÃO DE BURCH E WARTOFSKY ≥ 45 PONTOS

Exames Complementares (não devem retardar o início do tratamento):


• Hiperglicemia, hipercalcemia, aumento de enzimas hepáticas e bilirrubinas
• Aumento de T3, T4 e T4 livre e TSH suprimido

TRATAMENTO

PTU ORAL IODO CORTICOIDES β-BLOQUEADORES SUPORTE FATOR


PRECIPITANTE
• Ataque: 600 a • Iodeto de • Hidrocortisona: • Preferência • Oxigênio
1.000 mg via oral potássio: 5 ataque de 200 a 300 por propranolol • Colher culturas
gotas de 6/6 mg EV seguido de • Hidratação
• Manutenção: • EV: 1mg em 5
horas OU 100 mg de 8/8 • Procurar e tratar
200 a 300 mg min; pode ser • Correção de
• Lugol: 8 a 10 horas OU fatores precipitantes
de 6/6 a 4/4 • Dexametasona: repetida se eletrólitos
gotas de 6/6 • Suspeita de
horas (1.200 a 2 a 4 mg EV de necessária
horas OU • Monitorização
6/6 horas • VO: 40 a 120 mg infecção:
1.500 mg/dia) • Ácido de glicemia
de 6/6 horas antibióticos
iopanoico: • Dipirona: 1 a 2g
0,5 a 1,5g de EV de 6/6 horas
12/12 horas
• Resfriamento
externo
• Tratamento da
IC e arritmias

Figura 3.23 Orientação diagnóstica e terapêutica da crise tireotóxica. PTU: propiltiouracil.

53
42
Capítulo

ROTEIRO
PROPEDÊUTICO
Bócio
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
4 Bócio

Introdução do bócio juvenil. Em geral, o bócio é mais comum em


mulheres que em homens, provavelmente em virtude
Refere-se ao aumento da massa da glândula ti- da maior prevalência de doença autoimune subjacente
reoidea causada pela multiplicação excessiva de célu- e das maiores demandas de iodo associadas à gravidez.
las epiteliais benignas.
Os defeitos de síntese, a deficiência de iodo, a
deficiência autoimune e as doenças nodulares podem
Bócio multinodular atóxico
resultar em bócio, porém através de mecanismos di- Dependendo da população estudada, o BMN
ferentes. Os defeitos de síntese e a deficiência de iodo ocorre em até 12% dos adultos, sendo mais comum em
estão associados a uma eficiência reduzida da síntese mulheres que em homens e aumenta de prevalência
dos hormônios tireoidianos, a qual é responsável por com a idade. É mais comum nas regiões com deficiên-
um maior TSH, que estimula o crescimento da tireoi- cia de iodo, porém ocorre também nas regiões com su-
de como um mecanismo compensatório destinado a ficiência de iodo, refletindo múltiplas influências ge-
superar o bloqueio na síntese hormonal. A doença de néticas, autoimunes e ambientais sobre a patogenia.
Graves e a tireoidite de Hashimoto também estão as- Existe tipicamente ampla variação no tamanho
sociadas ao bócio. Na doença de Graves, o bócio resul- dos nódulos. A histologia revela um espectro de mor-
ta principalmente dos efeitos mediados pelo TSH-R da fologias que oscilam desde as regiões hipercelulares até
TSI. A forma bociosa da tireoidite de Hashimoto ocor- áreas císticas cheias de coloide. A fibrose costuma ser
re por causa dos defeitos adquiridos na síntese hormo- extensa, podendo ser observada área de hemorragia
nal, dando origem a níveis elevados de TSH e aos seus ou de infiltração linfocítica. Com a utilização de técni-
efeitos sobre o crescimento. A infiltração linfocítica e cas moleculares, a maioria dos nódulos dentro de um
os fatores de crescimento induzidos pelo sistema imu- BMN é de origem policlonal, sugerindo uma resposta
ne também contribuem para o aumento de volume da hiperplásica aos fatores de crescimento produzidos lo-
tireoide na tireoidite de Hashimoto. A doença nodu- calmente e as citocinas. O TSH, que não costuma estar
lar caracteriza-se pelo crescimento desordenado das elevado, pode desempenhar um papel permissivo ou
células tireoidianas, combinado frequentemente com acessório. As lesões monoclonais ocorrem também
o desenvolvimento gradual de fibrose. Como o trata- dentro de um BMN, refletindo as mutações nos genes
mento do bócio depende da etiologia, a identificação que conferem uma vantagem seletiva de crescimento
de um aumento de volume da tireoide pelo exame físi- à célula progenitora.
co deve induzir-nos a realizar uma avaliação adicional
destinada a identificar sua causa.
Bócio multinodular tóxico
Incidência e prevalência A patogenia do BMN tóxico parece ser seme-
lhante à do BMN atóxico; a principal diferença é a
€ 3-5 vezes mais comum em mulheres; presença de autonomia funcional no BMN tóxico. A
base molecular para a autonomia no BMN tóxico con-
€ sua frequência aumenta com a idade.
tinua sendo desconhecida. Como nos bócios atóxicos,
muitos nódulos são policlonais, enquanto outros são
Classificação monoclonais e variam em suas origens clonais. As
anormalidades genéticas que convertem sabidamente
a autonomia funcional, como as mutações ativantes
de TSH-R ou Gsα, não são encontradas habitualmente
Bócio endêmico nas regiões autônomas do bócio BMN tóxico.
Fatores ambientais, como deficiência de iodo ou
presença de agentes bociogênicos na cadeia alimentar
(raiz de mandioca, couve-flor, repolho). Em âmbito Aspectos clínicos
mundial, o bócio difuso é causado mais comumente
Do ponto de vista clínico, o principal problema é
pela deficiência de iodo e recebe a designação de bócio
a massa cervical, com possíveis sintomas obstrutivos
endêmico quando afeta mais de 5% da população.
e possível função tireóidea anormal. Apesar de poder
ser observado carcinoma papilar e anaplásico em pa-
cientes portadores de bócio endêmico, a incidência
Bócio esporádico de neoplasia é muito baixa. O problema mais sério
Nas regiões não endêmicas, ocorre o bócio espo- associado ao bócio endêmico é o de cretinismo en-
rádico, e a causa costuma ser desconhecida. O aumen- dêmico; a deficiência de T4 e iodo dietético mater-
to de volume da tireoide em adolescentes é denomina- nos causa comprometimento intrauterino grave do

55
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

desenvolvimento neurológico, resultando na “for- com doença autoimune. Os exames de imagem são ne-
ma neurológica de cretinismo, com retardo mental, cessários quando houver, ao exame físico, a suspeita
marcha espástica, distúrbios auditivos, estrabismo de nódulo palpável.
e atraso no crescimento”. O cretino mixedematoso
apresenta sintomas de hipotireoidismo grave. Es-
sas alterações são preveníveis pela profilaxia com iodo. Tratamento
Problemas associados aos bócios nodulares
€€ Sintomas obstrutivos
Bócio endêmico
€€ Hipotireoidismo
€€ Hipertireoidismo Reposição de iodo ou hormônio tireóideo como
€€ Malignidade indutores de regressão do bócio (se crônicos e com fi-
Tabela 4.1 brose, a regressão é variável).

Os bócios subesternais são, mais frequentemen-


te, responsáveis por sintomas compressivos resultan- Bócio esporádico
do em compressão da traqueia e sintomas, quando há
redução entre 20% e 30% do seu diâmetro. Reposição com hormônio tireoidiano na posolo-
gia de 50 a 100 µg/dia (em pacientes idosos começar
O envolvimento do nervo laríngeo recorrente com 50 µg/dia); essas doses também são recomenda-
pode acarretar rouquidão; no entanto, a presença des- das para a forma endêmica). A regressão ocorre em
se achado deve nos levar a pensar na associação com um período de 3 a 6 meses de tratamento; caso não
carcinoma. O bócio subesternal pode tornar-se evi- haja resposta neste período, é improvável que venha a
dente quando o paciente eleva ambos os braços acima ocorrer posteriormente.
da cabeça, fazendo o bócio ir para cima, na entrada
torácica, o que acarreta obstrução do retorno venoso
jugular, resultando em sufusão parcial e desconforto
Indicações cirúrgicas
do paciente; a este achado dá-se o nome de sinal de
Pemberton. Sintomas compressivos.

Sistema de Graduação do Bócio da Organização Mun-


Grandes bócios (estética).
dial da Saúde O procedimento de escolha é a tireoidectomia
Estágio 0a Ausência de bócio subtotal, seguida de reposição de levotirotoxina com o
Estágio Ia Bócio detectável apenas pela palpação objetivo de suprimir novo crescimento do bócio.
e não visível, mesmo quando o pescoço
está totalmente estendido
Ib Bócio palpável. Visível apenas quando o Bócio multinodular atóxico
pescoço está totalmente estendido
Estágio II Bócio visível quando o pescoço está em 1% a 12% da população geral.
posição normal; a palpação não é neces- Maior incidência em mulheres e aumenta com
sária para o diagnóstico a idade.
Estágio III Bócio volumoso, que pode ser reconheci-
do a uma distância considerável
Mais comum em regiões deficientes de iodo, em-
Tabela 4.2
bora ocorra em regiões com suficiência de iodo.
Fatores genéticos, deficiência de iodo e fatores
autoimunes estão implicados na patogenia dessa con-
dição. O TSH parece exercer um papel permissivo para
Abordagem diagnóstica que fatores de crescimento e citocinas produzidas local-
mente induzam crescimento multinodular da glândula.

Avaliação da função tireoidiana No que diz respeito ao quadro clínico, os sinais e


sintomas predominantes são de ordem compressiva,
No bócio por deficiência de iodo é comum encon- estando, a maioria dos pacientes, eutireóideos.
trar-se uma T4 total baixa, com T3 e TSH normais, em
decorrência da conversão aumentada de T4 em T3. A A avaliação laboratorial segue a mesma orienta-
dosagem do iodo urinário com níveis < 100 µg/L firma ção recomendada ao bócio atóxico simples (endêmico
o diagnóstico de deficiência de iodo. Se o TSH estiver e esporádico).
baixo, pode sugerir a possibilidade de tireotoxicose A orientação terapêutica reside no tratamento
subclínica, assim como a solicitação dos anticorpos com radioiodo, ou cirurgia para os casos não responsi-
anti-TPO (antiperoxidase) sustentam a associação vos ao radioiodo.

56 SJT Residência Médica - 2015


4 Bócio

Bócio multinodular tóxico -function mutations”, ou seja, mutações “ganho de fun-


ção” do tipo somáticas no receptor de TSH que causam
Mais frequente em indivíduos idosos, mas ge- sua estimulação constitutiva.
ralmente não é tóxico antes dos 60 anos. As mulhe- O quadro clínico se constitui em manifestações
res apresentam nódulos solitários autônomos mais comuns ao bócio multinodular atóxico, acrescidas de
frequentes que os homens, em uma proporção de até sinais e sintomas de hipertireoidismo, com predomí-
15:1, mas a proporção do nódulo solitário tóxico é me- nio das manifestações cardiovasculares.
nor, cerca de 4 a 6:1.
Laboratório: TSH suprimido, T4 normal ou
O bócio multinodular torna-se tóxico quando pouco elevada, com T3 muitas vezes mais elevado.
conglomerados de células foliculares adquirem autono-
Cintilografia: captação heterogênea com múlti-
mia e começam a produzir hormônios tireoidianos em
plas áreas de captação elevada (hiperfunção) e outras
proporção maior que o restante do parênquima. Assim
áreas com captação reduzida. RAIU nas 24 horas: cap-
como para o bócio uninodular, a tireotoxicose é uma
tação variável.
complicação frequente quando os nódulos têm diâme-
tro > 2,5 a 3 cm, principalmente em pessoas mais ido- Tratamento: antitireóideos e betabloqueadores
sas. Nesse grupo a sobrecarga de iodo exógeno também com o objetivo de tornar o paciente temporariamen-
pode ser um fator desencadeante do hipertireoidismo. te eutireoideo. A terapêutica com radioiodo pode ser
efetiva para reduzir a autonomia dos nódulos, assim
Quase todos os nódulos autônomos são benig- como redução do tamanho do bócio. O procedimen-
nos, sendo relatados raros casos de malignidade, ge- to cirúrgico é a opção terapêutica mais desejável para
ralmente encontrados no parênquima extranodular. tornar estes pacientes eutireóideos; o preparo pré-
Quanto à patogênese, os nódulos autônomos, -operatório segue as mesmas recomendações já relata-
ao menos em parte, resultam da presença de “gain-of- das no hipertireoidismo.

57
52
Capítulo

ROTEIRO
Nódulos
PROPEDÊUTICO
Tireoidianos
BÁSICO eM (NT)
GINECOLOGIA
5 Nódulos tireoidianos (NT)

Prevalência e incidência Avaliação clínica (cont.)


Critérios de alta suspeita de malignidade
Acometem 5% da população, podendo ser en- • Crescimento nodular rápido
contrados em 9,1% dos indivíduos na faixa etária • Consistência nodular firme ou endurecida
acima de 60 anos. Em achados de ultrassom, a preva- • Fixação em planos adjacentes
lência pode chegar a 50% nessa faixa etária. • Gânglios satélites
Doença mais frequente no sexo feminino, cuja • História familiar (particularmente câncer medular)
incidência aumenta de forma progressiva com a idade. • Envolvimento de corda vocal
Estima-se que um em cada vinte nódulos (5%) Tabela 5.2
sejam malignos, o que torna este tópico de uma im-
portância maior, dada a possibilidade de ser sede de
um câncer. Nódulos em pacientes com idade > 60 anos e < 20 anos prin-
Os nódulos tireóideos devem ter pelo menos 1 cipalmente do sexo masculino: forte índice de suspeição para
cm de diâmetro para que possam ser palpáveis. O ade- malignidade. Nódulo em indivíduos menores de 14 anos: ma-
lignidade em cerca de 50% dos casos.
noma se constitui na lesão benigna mais comum da
tireoide (tabela 5.1).
Características dos nódulos tireoidianos malignos
História
Causas de nódulos tireoidianos • Câncer da tireoide prévio
Bócio coloide ou adenomatoso • História familiar de câncer de tireoide ou MEN 2A, 2B
Cistos simples ou secundários a outras lesões da tireoide
• Nódulo em criança menor de 14 anos
Tireoidites (Hashimoto, linfocítica, granulomatosa, aguda
e Riedel) • Exposição a radioterapia no pescoço e na face
Doenças granulomatosas • Rouquidão
Neoplasias: adenomas, carcinomas, linfomas, tumores ra- • Nódulo de crescimento rápido
ros, lesões metastáticas
• Nódulo doloroso
Tabela 5.1 • Nódulo recente no sexo masculino
• História de metástases a distância
Exame físico
• Nódulo de consistência pétrea

Fisiopatologia (multifatorial) •

Nódulo fixo às estruturas vizinhas
Adenopatia cervical
• Paralisia de corda vocal
Ainda não está bem esclarecida, porém alguns fa-
Achados de laboratório
tores são descritos como importantes na sua formação:
• PAAF positiva para câncer (99% de chance)
€ Estimulação crônica de TSH. • PAAF suspeita para câncer (33% de chance de carcino-
€ Fatores como mutações de oncogenes. ma folicular)
€ Fatores estimuladores do crescimento (imuno- • Nódulo “frio” solitário (10% a 20% de chance)
globulinas estimuladoras do crescimento, fator • Nódulo que avança sobre estruturas extratireoidianas à
de crescimento insulina like). ultrassonografia
• Calcitonina e CEA elevados em pacientes com risco de
câncer medular
Avaliação clínica Tabela 5.3
Critérios sugestivos de benignidade
• História familiar de bócio benigno
• Bócio multinodular
• Tamanho nodular constante Quadro clínico
• Cisto simples à ultrassonografia
Critérios de moderada suspeita de malignidade Os nódulos tireoidianos, em sua maioria, são
• Idade superior a 60 anos e inferior a 20 anos descobertos em exame físico de rotina. A ocorrência
• Sexo masculino
de sangramento no interior do nódulo pode resultar

em dor aguda e aumento de volume. A grande maio-
História de irradiação prévia
ria dos pacientes é eutireoidea, visto que 85% a
• Diâmetro nodular maior que 4 cm
95% dos nódulos concentram muito pouco iodo e
• Nódulos parcialmente císticos (sistemas compressivos) não sintetizam ativamente o hormônio tireoideo.

59
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Exames complementares Linfonodos com diâmetro > 5 mm que apre-


sentam calcificações finas e/ou degeneração cística
em seu interior têm quase sempre uma etiologia
Avaliação da função tireoidiana maligna. O achado de forma arredondada, ausência
de hilo e contornos irregulares ou epiculados são tam-
€€ T4 livre, TSH, anticorpos antitireoidianos.
bém fortes indicativos de malignidade.
€€ Avaliar estado eutireóideo, hipotireóidico ou hi-
Na presença de linfonodos “suspeitos” à US,
pertireóidico.
a combinação de citologia por PAAF e dosagem de
A maioria dos pacientes com Ca de tireoide se apre- tireoglobulina (Tg) no aspirado possibilitam uma
senta eutiróidea. O achado de hipertireoidismo em pa- definição etiológica com elevada sensibilidade e es-
ciente com bócio nodular é um forte indicativo contra o pecificidade de até 100%.
diagnóstico de neoplasia maligna. Anticorpos antitireo-
peroxidase (anti-TPO), em títulos elevados, confirmam
o diagnóstico de TH (tireoidite de Hashimoto), mas não Classificação ultrassonográfica do NT
descartam a concomitância de uma neoplasia tireoidiana.
A elevação da calcitonina é o achado mais carac- Esta classificação foi baseada nas seguintes carac-
terístico do Ca medular da tireoide (CMT). A mensura- terísticas ultrassonográficas: conteúdo (sólido, cístico ou
ção de rotina da calcitonina sérica em todos os pacien- misto), ecogenicidade (isoecoico, hipoecoico ou hipere-
tes com nódulos tireoidianos (NT) não selecionados coico), contornos (regular ou irregular), presença de cal-
ainda é motivo de debate, principalmente devido à cificações, parênquima tireoidiano adjacente ao nódulo
raridade do CMT. Dosagem da calcitonina é impera- que pode se apresentar com textura homogênea ou hete-
tiva em pacientes com histórico ou suspeita clínica rogênea e presença de outras imagens nodulares.
de CMT familiar MEN-2. Também é recomendada se
De acordo com a ecogenicidade, os nódulos sólidos
os resultados da PAFF forem sugestivos de CMT e
podem ser classificados como isoecoicos (com amplitude
em pacientes com bócio nodular a serem submeti-
de ecos igual à do parênquima tireoidiano normal), hipo-
dos à tireoidectomia, para que seja evitado o risco
de tratamento cirúrgico inadequado.
ecoicos (com amplitude de ecos menor que o parênquima
tireoidiano normal) ou hiperecoicos (amplitude de ecos
maior que o parênquima tireoidiano normal).
Ultrassonografia De acordo com estas características, os nódulos
A ultrassonografia (USG) é considerada, no mo- foram agrupados em quatro grupos, correspondentes,
mento, a mais importante imagem de pacientes progressivamente, à maior probabilidade de maligni-
com doença nodular tireoidiana. Permite a detecção dade da lesão.
de nódulos não palpáveis, muito pequenos ou poste-
riores, avalia com precisão o volume desses, além de 1) Grau I (benigno): imagem anecoica arredon-
caracterizá-los como sólidos, mistos ou císticos e iden- dada, de paredes lisas e de conteúdo líquido.
tifica a presença de calcificações.
2) Grau II (benigno):
A presença de nódulos sólidos, hipoecoicos, com
contornos imprecisos ou anfractuosos e microcalci- €€ nódulo misto, predominantemente sólido ou
ficações, é considerada como altamente suspeita de líquido;
malignidade, principalmente carcinoma papilífero. €€ nódulo sólido isoecoico ou hiperecoico com ou
Nas neoplasias ditas foliculares, os adenomas sem calcificações grosseiras, com ou sem com-
com maior frequência mostram padrão de vasculari- ponente líquido e com o restante do parênquima
zação periférica, diferindo dos carcinomas, que se de textura heterogênea, podendo estar associado
apresentam com vascularização central e periféri- a outras imagens nodulares sólidas, mistas ou
ca. Em estudo recente, os nódulos malignos se apre- cistos. A presença do artefato “cauda de come-
sentavam como sólidos e hipoecoicos em 87% dos ta”, indicativo de coloide espesso, é indício de
casos, tinham contornos irregulares em 77%, vascu- benignidade para o nódulo.
larização central em 74,2% e microcalcificações em 3) Grau III (indeterminado):
29%. As três últimas características foram considera-
€€ nódulo sólido isoecoico ou hiperecoico, único;
das fatores de risco independentes para malignidade.
Nódulo grande (≥ 4 cm) não foi considerado fator de €€ nódulo sólido hipoecoico;
risco isolado para malignidade. €€ nódulo sólido com área líquida central;
Na exploração dos linfonodos cervicais, a confi- €€ cisto com tumor parietal.
guração de sua forma, e seu padrão ecotextural, po-
dem auxiliar na identificação de lesões suspeitas. Lin- 4) Grau IV (suspeito para malignidade):
fonodos de forma alongada com mediastino ecogênico €€ nódulo sólido hipoecoico, de contornos irregu-
sugerem benignidade (linfonodo reativo). lares e com microcalcificações em seu interior.

60 SJT Residência Médica - 2015


5 Nódulos tireoidianos (NT)

São sinais suspeitos de malignidade em um nódulo na Classificação de Chammas


ultrassonografia I. Ausência de vascularização
• Nódulos sólidos, de contornos irregulares e imprecisos. II. Vascularização periférica
• Presença de microcalcificações.
III. Vascularização periférica maior que ou igual a central
• Hipoecogenicidade.
IV. Vascularização central maior que a periférica
• Presença de vascularização periférica e central (nódulos
benignos usualmente possuem-na perifericamente). V. Vascularização apenas central
Tabela 5.4 Obs.: os nódulos com maior risco de malignidade são os
com padrão de vascularização Chammas IV/V.
Tabela 5.6

Sensibilidade e especificidade de achados de US para


risco de malignidade
Microcalci- Vascularização Margens
ficações central impreci-
sas
Sensibilidade 29,0% 74,2% 77,5%
Especificidade 95,0% 80,8% 85,0%
As calcificações grosseiras, sejam em “casca de ovo” ou anela-
res, são indicadoras de benignidade, assim como os nódulos
totalmente císiticos (principalmente se apresentarem foco
ecogênico com artefato posterior em cauda de cometa, que
indica a presença de coloide espesso).
Tabela 5.7

Elastografia
Exame não invasivo para avaliação da elasticida-
de dos tecidos, diferenciando tecido de consistência
normal daquele de consistência aumentada, rígida.
A sua principal indicação reside na diferenciação
dos nódulos benignos e cancerígenos da glândula
tireoide e das mamas. A avaliação do fígado é outra
grande indicação, permitindo o estadiamento não in-
vasivo da hepatite crônica, importante na orientação
Figura 5.1 Nódulo no lobo direito (setas), hipocaptante à cintilogra-
do tratamento.
fia (A) e sólido à ultrassonografia (B). Não mais de 15% dos nódulos A Elastografia Shear-Wave é um exame que iden-
com essas características são malignos.
tifica muitos dos nódulos benignos, evitando assim a
Características de US e Doppler colorido do nódulo punção biópsia dos mesmos. Por outro lado, o elevado
tireoidiano benigno e maligno grau de rigidez dos nódulos malignos tem sido corre-
Ecogenicidade Benigno lesão Maligno lesão tamente identificado pelo método, elevando a especi-
anecoica (cística) hipoecogênica ficidade no diagnóstico dos nódulos cancerígenos.
ou hiperecogênica
Em comparação com a US convencional, a elasto-
Margens regulares irregulares
grafia mostrou-se menos sensível porém mais especí-
Microcalcificação ausente presente fica na distinção entre nódulos benignos e malignos.
Halo hipoecogê- presente ausente
nico
Vascularização intra- Chammas I-III Chammas IV-V
nodular (Doppler) Punção aspirativa
A presença de microcalcificação apresenta maior especifici-
dade para malignidade (95%) que o achado de margem irre-
com agulha fina (PAAF)
gular (85%) e vascularização intranodular (80%), porém sua € Padrão-ouro na avaliação de um nódulo tireoidiano.
sensibilidade é inferior. Já o achado de margens imprecisas é
o que tem melhor acurácia para malignidade (melhor combi- A PAAF é indiscutivelmente o melhor método
nação de sensibilidade e especificidade). para diferenciar entre lesões benignas e malignas da
Tabela 5.5 tireoide, sendo tecnicamente simples e de fácil exe-

61
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

cução ambulatorial. É o método mais sensível e es- Achados citológicos mais importantes na PAAF
pecífico para o diagnóstico etiológico dos nódulos (cont.)
tireoidianos, com sensibilidade de 68% a 98% e Tumor folicular Tireoidite aguda
especificidade de 72%a 100% (média de 92%). A Grupos de células foliculares
PAAF tem como principal limitação diagnóstica a Granulócitos; necrose, ma-
de tamanho igual; pouco coloi-
terial proteico
distinção das neoplasias foliculares e as de células de; sangue abundante
de Hurthle quanto à sua natureza benigna ou ma- Tireoidite subaguda Linfoma
ligna. Essa limitação também ocorre com frequência Grande quantidade de cé-
Células foliculares pequenas;
pelo exame de congelação. Para atestar a segurança lulas linfoides monomór-
células histiocitárias gigantes;
diagnóstica da PAAF, é fundamental a experiência do ficas; núcleos redondos e
linfócitos e macrófagos, células
uniformes com inclusão
citologista em patologias da tireoide, reduzindo os epitelioides
citoplasmática
percentuais de falso-positivos e falso-negativos por
Tireoidite crônica Carcinoma medular
falhas de interpretação. Em grande parte dos serviços,
costuma-se repetir a PAAF após 6 a 12 meses, se o re- Células parafoliculares em
Células foliculares grandes e
blocos ou isoladas; ami-
sultado da primeira punção for benigno. oncocíticas; numerosos linfó-
loide, necrose e células
citos; raras células histiocitá-
A imuno-histoquímica para a peroxidase tireoi- inflamatórias; componentes
rias gigantes
papilares
diana com um anticorpo monoclonal (MoAb 47) pa-
rece promissora para melhorar a acurácia da PAAF nas Tabela 5.8
lesões foliculares. Na experiência de alguns autores,
sensibilidade de 100% e especificidade de quase 70%
foram obtidas com essa técnica.
Da mesma forma, um número de marcadires
Sistematização do diagnóstico na PAAF segundo Kini
imuno-histoquímicos e genéticos foi recentemente
Categoria Diagnósticos ou observações
desenvolvido para melhorar a acurácia da PAAF nos
casos em que o diagnóstico citológico é indetermina- Inadequado 16% (15% a I – Amostra acelular
20%) II – Amostra mal fixada
do ou suspeito, particularmente quando se está em
III – Amostra hemorrágica
dúvida na indicação cirúrgica. Nesse contexto, as mu- IV – Esfregaço espesso
tações no gene BRAF, a galectina-3 e o HBME-1 têm Benigno 70% (53% a 90%) I – Bócio nodular, bócio co-
sido os mais avaliados. Outros marcadores são RAS, loide
PAX8-PPARγ, microRNA, citoqueratina 19 e perda de II – Adenoma macrofolicular
heterozigosidade. III – Tireoidite linfocítica - cé-
lulas de Hurthle e linfócitos*
Atenção: todos os nódulos palpáveis devem ser IV – Tireoidite granulomatosa
investigados. O grande problema recai sobre os cha- – células linfoides e numero-
mados incidentalomas: nódulos não palpáveis, detec- sas células gigantes multinu-
cleadas
tados ao acaso por exames de imagem da região cer-
vical. Quando prosseguir a investigação? Alguns cen- Indeterminado (tumor foli- I – Lesões de padrão folicular
cular) 10% (5% a 23%) II – Lesões de células de Hur-
tros só investigam nódulos não palpáveis quando
thle
maiores que 1,5 cm, mas a maioria considera hoje
Maligno 4% (1% a 10%) I – Carcinoma papilífero
1 cm, já que tem sido demonstrado que as taxas de II – Carcinoma medular
câncer, invasão e mortalidade são semelhantes em III – Carcinoma indiferen-
nódulos de 1 cm e de 1,5 cm. ciado
IV – Carcinoma pouco diferen-
Achados citológicos mais importantes na PAAF
ciado
(ATENÇÃO!)
V – Linfoma
Bócio coloide Bócio tóxico VI – Metástase
Coloide abundante, células Pouco coloide; sangue (*) Quando há disponibilidade de informações clínicas como
foliculares pequenas; material abundante; células foli- dados de imagem e laboratoriais é possível fazer o diagnóstico
cístico; macrófagos culares grandes; vacúolos de tireoidite de Hashimoto.
marginais Citologia indeterminada frequentemente reportada como “ne-
Carcinoma anaplásico Carcinoma papilífero oplasia folicular”, “tumor folicular” ou “lesão suspeita” é encon-
trada em 15% a 30% dos resultados de PAAF. Nesta situação,
Células foliculares em pa- alguns dados podem ser considerados para auxiliar na decisão
Granulócitos; células bizar-
pilas; inclusões intranucle-
ras sem componente folicular; quanto à indicação da cirurgia como sexo, idade, tamanho do
ares; macrófagos; coloide
mitoses frequentes; fragmentos nódulo, grau de atipia, porém o valor preditivo é baixo.
viscoso; corpos psamoma-
necróticos
tosos.
Tabela 5.9

62 SJT Residência Médica - 2015


5 Nódulos tireoidianos (NT)

Sistema Bethesda para classificar a Entre 80% e 85% dos nódulos são frios, 10%
citopatologia tiroidiana mornos e 5% quentes. Cerca de 5% a 15% dos nó-
Insatisfatório ou não diagnóstico (líquido císti-
dulos frios são malignos. O nódulo quente raramen-
Classe I te está associado à malignidade. Um carcinoma pode
co, espécime acelular, sangue)
aparecer “quente” com 99Tc e “frio” com 131I, motivo
Benigno (nódulo coloide, bócio adenomatoso, pelo qual pacientes com nódulos quentes, detectados
Classe II
tiroidite de Hashimoto, tiroidite subaguda)
pelo 99Tc, devem repetir a cintilografia com 131I.
Atipia de significado indeterminado ou lesão
folicular de significado indeterminado (grupo
Classe III
heterogêneo: microfolículos sem critérios para
NF (7%)
Neoplasia folicular ou suspeita para neoplasia
Classe IV folicular (citoarquitetura alterada com células
em arranjos microfoliculares ou trabeculares)
Suspeita para malignidade (citoarquitetura para
Classe V PTC, difícil o diagnóstico diferencial entre PTC
e FTC)
Classe VI Maligno
Tabela 5.10 PTC: carcinoma papilífero da tireoide; FTC: carcinoma
folicular da tireoide.

Risco de malignidade e recomendação de conduta


clínica conforme a classificação Bethesda
Figura 5.2 Cintilografia tireoidiana com nódulo hipocaptante (frio)
Classe Risco de Conduta clínica realizada 24 horas após a administração de 100 µ Ci de 131I por via oral.
diagnóstica malignidade (%) A palpação do nódulo é representada pela linha interrompida.
I 1-4 Repetir punção guiada
por ultrassonografia
II 0-3 Seguimento clínico
III 5-15 Repetir punção
IV 15-30 Lobectomia Conduta terapêutica
V 60-75 Tiroidectomia total ou
ATENÇÃO!
lobectomia
1. Nódulos maiores que 1 cm devem ser sempre avaliados (re-
VI 97-99 Tiroidectomia
comendação A).
Tabela 5.11 2. Nódulos menores que 1 cm devem ser avaliados se apresen-
tarem características ultrassonográficas sugestivas de malig-
nidade ou história clínica de risco (recomendação B).

Cintilografia: tecnécio (99Tc) e 1. A PAAF definiu malignidade. Conduta cirúr-


gica (tireoidectomia quase total ou total). Ablação do
iodo radioativo (¹³¹I, ¹²³I) tecido tireoidiano remanescente, 6 a 8 semanas após
a cirurgia.
A única indicação atual para se fazer cintilografia 2. A PAAF definiu benignidade. US a cada ano.
diante de um nódulo de tireoide é a evidência labora- Repetir PAAF se crescimento nodular > 20% ou mu-
torial de tireotoxicose (TSH suprimido e/ou T3 e T4 danças nas características ultrassonográficas (achados
aumentadas). Ela é feita para excluir se o nódulo em sugestivos de malignidade).
questão é ou não funcionante (exemplo: doença de 3. A PAAF definiu neoplasia folicular ou o re-
Plummer). Em caso afirmativo, a PAAF deve ser adia- sultado é suspeito. Caso a cintilografia mostre lesão
da, e o tratamento com iodo, cirurgia ou injeção com hipercaptante, trate a tireotoxicose, caso contrário,
etanol deve ser realizado. cirurgia (radioiodo).
4. A PAAF documentou resultado insatisfatório.
Se a amostra foi de um nódulo sólido, repetir o exame
Resultados guiado por US. A definição diagnóstica é documentada
€ nódulo frio (não concentra o radioisótopo); em 50% dos casos. Caso a indefinição persista, discu-
tir a cirurgia, levando em consideração fatores de alto
€ nódulo morno (normofuncionante); risco: sexo masculino, tamanho > 4 cm ou aspectos
€ nódulo quente (maior concentração do isótopo). ultrassonográficos suspeitos. Se a amostra foi de um

63
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

nódulo cístico, repetir a PAAF-US. Persiste indefinição? Se sim, leve em consideração os achados ultrassonográfi-
cos e a recidiva do cisto para definir a conduta cirúrgica. A solicitação de marcadores imuno-histoquímicos é uma
perspectiva promissora para amostras insatisfatórias, já que podem orientar para o diagnóstico de malignidade
nas lesões cujo resultado da PAAF foi inicialmente insatisfatório.

Mutações do oncogene BAAF apontam para carcinoma papilífero. Galectina-3 ou HBME-1 para carcinoma folicular.

Uma modalidade terapêutica mais recente e promissora é a injeção percutânea com etanol (IPE) já utilizada
no tratamento do nódulo quente autônomo (doença de Plummer). Sua aplicação prática se estendeu para os nó-
dulos císticos e sólidos considerados benignos pela PAAF. Em quem aplicar? Naqueles com sintomas compressivos
e/ou por decisão estética.

Protocolo de avaliação do nódulo da tireoide

Ultrassonografia e avaliação da função tireoidiana

Nódulo < 1 cm Nódulo > 1 cm*


Se US suspeito *sem hipertireoidismo

PAAF
T3, T4 Livre ↑ T3 e T4 livre e TSH ↓
e TSH
Normais Cintilografia
Benigno Maligno Suspeito Amostra
insatisfatória
Observação Funcionante
Observação Cirurgia
Repetir PAAF,
Iodo/cirurgia
guiada por US
PEI

Neoplasia Lesão Amostra


folicular Benigna Insatisfatória

Paciente Paciente
Cintilografia Observação*
de alto risco de baixo risco

Nódulo Nódulo
“frio” “quente” Tireoidectomia Observação
total ou quase total US periódica

Figura 5.3  Algoritmo para conduta em pacientes com um ou mais nódulos da tireoide. Se a ultrassonografia cervical mostrar nódulo menor que 1
cm e não houver qualquer fator de suspeita, seja na história e exame físico, seja na ultrassonografia, o paciente poderá ser seguido apenas clinicamen-
te. Nódulos acima de 1 cm ou suspeitos à clínica e/ou ultrassonografia devem ser sempre puncionados. Pacientes com TSH diminuído ou suprimido e
nódulo hipercaptante não precisam ser puncionados. *Na maioria dos serviços, costuma-se não repetir a PAAF; se a lesão inicial for benigna, somente
se durante o seguimento ocorrer crescimento nodular > 20% ou surjam alterações ultrassonográficas sugestivas de malignidades.

64 SJT Residência Médica - 2015


62
Capítulo

ROTEIRO
PROPEDÊUTICO
Câncer da Tireoide
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Introdução Classificação histológica e comportamento biológico


(cont.)

Corresponde a cerca de 1% de todos os cânce- Medular Todas Moderado Linfonodos e dis-


tância
res, sendo, no entanto, a neoplasia endócrina mais
comum, com predominância no sexo feminino; Indiferen- Idosos Rápido Local e distância
ciado
para as formas diferenciadas (papilífero e folicular),
Tabela 6.3
observa-se uma baixa frequência de mortalidade (4
a 9 mortes por milhão de habitantes ou de 0,4% a
0,9% de todas as mortes por câncer). Apesar das bai-
xas frequências e mortalidade, existem, entretanto,
várias razões para justificar a importância clínica do
câncer da tireoide. Etiologia
Primeiramente, a neoplasia tireoidiana apre-
senta-se, em geral, como um nódulo da tireoide, Fatores hereditários
achado clínico extremamente comum, presente entre €€ HLA-DR1: associação com outras síndromes
4% e 5% da população adulta, mas também é sinal
genéticas (síndrome de Gardner e de Cowden)
de várias outras doenças tireoidianas benignas; desta
– câncer papilífero.
maneira, o diagnóstico diferencial do nódulo tireoi-
diano, com o objetivo de discriminar os casos malig- €€ Fatores de crescimento e estimulação crônica
nos, sempre em menor número do que os benignos, é pelo TSH (para os tumores diferenciados).
um problema importante da clínica médica.

Fatores ambientais
Classificação simplificada dos tumores da tireoide
€€ Deficiência de iodo (Ca folicular).
Benignos Malignos
€€ Irradiação cabeça e pescoço (Ca papilar e foli-
1- Bócio endêmico 1- Carcinoma papilífero cular).
2- Bócio esporádico 2- Carcinoma folicular
Atenção:
3- Adenoma folicular 3- Carcinoma medular
€€ Síndrome de Gardner (herança autossômica
4- Outros 4- Carcinoma indiferenciado dominante) caracteriza-se por polipose adeno-
5- Outros matosa, osteomas, tumores de partes moles, tu-
Tabela 6.1 mores desmoides, fibromatose mesentérica e alto
risco para câncer de cólon; há relato de maior
Tipos e frequência relativa dos tumores tireoidianos incidência de câncer papilífero de tireoide nesta
malignos população.
Classificação % €€ A síndrome de Cowden (síndrome de múltiplos
Papilífero 80 hamartomas) se caracteriza por pólipos hamar-
Puro tomatosos, tricolemomas faciais, ceratose das
Misto (papilífero-folicular) mãos e pés e alta taxa de malignidade sistêmica.
Variante folicular
Folicular 10
Fatores de risco para carcinoma tireoideo em
Células de Hurthle 3 pacientes com nódulo tireoideo
Medular 5 História de irradiação História familiar de câncer tireoi-
Anaplásico 1 da cabeça e do pescoço deo ou NEM-2
Outros 1 Idade < 20 ou > 60 anos Paralisia das cordas vocais, voz
Linfoma rouca
Teratoma Nódulo de tamanho Nódulo fixado a estruturas adja-
Carcinoma metastático maior (> 4 cm) centes
Células escamosas
Massa cervical nova ou Suspeita de acometimentos de
Tabela 6.2 crescente linfonodos
Sexo masculino Deficiência de iodo (câncer foli-
Classificação histológica e comportamento biológico
cular)
Tumor Idade Crescimento Metástase
Tabela 6.4  NEM 2A (síndrome de Sipple): carcinoma medular, fe-
Papilífero Todas Lento Linfonodos ocromocitoma e hiperparatireoidismo; NEM 2B (síndrome dos neu-
romas mucosos): carcinoma medular, feocromocitoma e neuromas
Folicular Acima de Lento Distantes
mucosos e por vezes aspecto marfanoide, neurofibromatose e síndro-
40 anos
me de Von Hipel Lindau (angiomatose retiniana e cerebelar).

66 SJT Residência Médica - 2015


6 Câncer da tireoide,

Carcinoma papilífero te, o que permite o aparecimento da forma alterada


do RET nas células foliculares, local em que este gene
(75% a 80% dos casos) normalmente não se expressa. Todas as formas de re-
arranjos identificadas apresentam uma característica
A causa mais comum do carcinoma papilífero em comum, ou seja, a perda do domínio extracelular
CP é uma única mutação no gene BRAF, presente e parte do domínio transmembrana de RET, devido à
em 50% dos casos na dependência da idade e do quebra que ocorre sempre dentro do éxon 11 que co-
subtipo histológico. Há três isoformas da quinase difica para o domínio transmembrana. Consequente-
serina-treonina RAF nas células de mamíferos, A-RAF, mente, a proteína aberrante sofre sublocalização da
B-RAF e C-RAF; C-RAF é expressa de modo ubíquo, membrana para o citoplasma. Da mesma forma, to-
enquanto B-RAF é altamente expressa em neurônios e dos os rearranjos RET/CP são genes quiméricos cons-
testículos e, em níveis menores, nas células hematopo- titutivamente ativados que apresentam sinalização
éticas e na tireoide. Seu interesse em oncologia deriva- controlada pelo fragmento N-terminal presente nos
-se da observação da presença de mutações ativadoras diversos genes parceiros nas correspondentes fusões.
do gene BRAF em diversos tipos de câncer, dos quais
o mais prevalente é o melanoma, que apresenta mu-
tação em aproximadamente 70% dos casos. Quadro clínico
Vários estudos nos últimos anos demonstraram, Incide em indivíduos mais jovens (entre a ter-
depois da observação pioneira de Kimura e cols., que ceira e quarta décadas) podendo acometer inclusive
uma mutação no gene BRAF está presente na maio- crianças e corresponde, nas diversas séries atuais, a
ria dos casos de carcinoma papilífero (29% a 83%). Tra- mais de 70% de todos os carcinomas tireoidianos.
ta-se de uma mutação somática do tipo transversão de Seu crescimento é lento e apresenta baixo grau de
timina para adenina (T1799A) no éxon 15 de BRAF, malignidade, de modo que períodos longos são neces-
que causa a substituição, na proteína, do aminoácido sários para o seu aparecimento. De maneira geral, o
valina por glutamato (V600E). Essa mutação produz prognóstico é bom e pelo menos 80% dos pacientes
a ativação constitutiva da BRAF quinase, pois insere estão vivos 10 anos após o diagnóstico. As grandes
um resíduo carregado negativamente adjacente a um séries da literatura indicam que o carcinoma papilífe-
sítio de fosforilação (Ser599), o que causa a ruptura de ro é um processo essencialmente benigno nos adultos
interações hidrofóbicas entre resíduos exatamente no jovens, raramente levando ao óbito em pacientes
local de ligação de ATP que mantinha a conformação abaixo dos 40 anos. Sua disseminação se dá por
inativa. Além disso, demonstrou-se o valor biológico meio dos linfáticos intraglandulares, evoluindo do
desta mutação, pois a superexpressão do BRAF muta- foco inicial para as outras partes da tireoide e para os
do em células tireoidianas de camundongos transgêni- linfonodos pericapsulares e cervicais. Dessa forma, le-
cos causa carcinoma papilífero da tireoide. sões multicêntricas na tireoide são comuns e, por oca-
sião da apresentação, 25% dos pacientes têm metás-
A pesquisa da mutação pode melhorar a qualida-
tases cervicais, 20% têm invasão extratireoidiana
de da citologia aspirativa do nódulo de tireoide, pois
e 5% apresentam metástases a distância, especial-
além de confirmar os casos com diagnóstico citológico
mente para o pulmão.
sugestivo de CP, pode discriminar, com certeza, casos
duvidosos. Além disso, a presença de BRAF está re- De maneira curiosa, por motivos não comple-
lacionada a um pior prognóstico, como a associa- tamente esclarecidos, a presença de metástases em
ção com invasão extratiroideana, estádio avançado linfonodos cervicais não está relacionada a um pior
e metástases. prognóstico nos indivíduos jovens. Em crianças
pode haver comprometimento ganglionar ao tempo
A segunda causa mais comum na patogênese
do diagnóstico em até 90% dos casos. As metástases
do carcinoma papilífero da tireoide é o rearran-
pulmonares podem ter distribuição miliar ou apresen-
jo RET/CP, presente em até 30% dos casos na de-
tar-se na forma de imagens numulares.
pendência de idade, subtipo histológico e grau de
radiação. O gene RET não é expresso normalmente Os 5% a 10% dos casos de carcinoma papilífero,
nas células foliculares da tireoide; porém, a expressão que apresentam pior prognóstico são constituídos
aberrante de várias formas de RET pode ocorrer exclu- pelo grupo de pacientes, apresentam um ou mais
sivamente no CP. A ativação de RET deve-se a rearran- dos seguintes fatores: idade mais avançada ao diag-
jos cromossômicos entre o gene RET e os genes hete- nóstico, presença de lesões aderentes às estruturas
rólogos, fato que causa a fusão destes novos parceiros vizinhas, presença de metástases invasivas cervicais
com a formação de genes quiméricos denominados ou a distância e variantes celulares do carcinoma pa-
RET/CP. A característica comum aos genes que se fun- pilífero mais agressivas, como as de células altas e es-
dem ao RET é a capacidade de expressão onipresen- clerosante difusa.

67
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Patologia festar com metástases a distância. Diferentemente


do carcinoma papilífero, o folicular raramente mostra
Usualmente não são encapsulados e apresen-
metástases para linfonodos cervicais. Apesar de não
tam corpos de psamomas em 40% dos casos. Os nú-
existirem estudos tão sistemáticos dos fatores prog-
cleos, geralmente, são grandes, irregulares, com in-
clusões intranucleares (orphan Anne eye change). As nósticos no carcinoma folicular, a maioria dos auto-
variantes de células altas, ou colunares, são formas res considera que a idade é o fator mais importante,
mais agressivas de CP. apresentando melhor evolução os pacientes com
idade ao diagnóstico abaixo dos 45 anos. Outro fa-
tor importante é a invasividade do tumor, pois aqueles
com alto grau de invasão dos vasos e da cápsula da ti-
reoide têm pior prognóstico. Finalmente, a presença
de metástases ao diagnóstico está também associa-
da à pior evolução.

Patologia
É um tumor bem encapsulado, e nesse estágio
é difícil fazer o diagnóstico diferencial entre o ade-
noma folicular benigno e o carcinoma folicular bem
diferenciado. A principal característica para firmar
Figura 6.1  Carcinoma papilífero. Células arranjadas em padrão
o diagnóstico é a invasão da cápsula e/ou dos vasos.
papilífero bem delineado, notando-se uma célula gigante. Coloide (Atenção!)
presente. Os núcleos geralmente são grandes, irregulares, com
inclusões intranucleares “orphan Anne eye change”. Coloração de
Leishman, x1900.

Carcinoma folicular
A patogênese do carcinoma folicular (CF) não
é tão bem esclarecida como a descrita no papilífero.
Algumas alterações genéticas, entretanto, têm sido
evidenciadas, como o gene decorrente da fusão en-
tre PAX8 e PPARg e mutações no gene RAS, além da
expressão ou perda de uma série de genes demonstra-
dos por técnicas de expressão diferencial de genes. Figura 6.2  Carcinoma folicular. Células arranjadas em padrão foli-
cular com núcleos irregulares e polimórficos. Neste caso o diagnóstico
citológico de carcinoma folicular pode ser feito. Coloração de Leish-
Quadro clínico man, x1200.
O carcinoma folicular ocorre em um grupo etá-
rio mais avançado que o papilífero, tendo seu pico de
incidência na quinta década de vida, sendo também
três vezes mais frequente em mulheres. Corresponde
a cerca de 20% de todos os carcinomas tireoidianos,
Carcinoma de células
apresentando maior prevalência em áreas deficien- de Hurthle
tes de ingestão de iodo. Da mesma maneira que o pa-
pilífero, o carcinoma folicular é geralmente diagnos- Cerca de 3% dos casos de câncer de tireoide.
ticado pela presença de nódulo único na tireoide. Variante do câncer folicular, com comportamento
Outras vezes, porém, apresenta-se com crescimento mais agressivo. Comportamento multifocal e bila-
recente de um nódulo, em bócio, de longa data ou pela teral, ao contrário do folicular.
presença de metástases a distância (15% a 20% dos
casos), principalmente para pulmão e ossos. Me- Cerca de 90% de suas metástases não captam
tástases cerebrais são menos comuns. Vale ressaltar 131
I (ao contrário do que se observa no câncer folicu-
que o CF mesmo com tamanho < 1 cm pode se mani- lar), portanto não está associado à tireotoxicose.

68 SJT Residência Médica - 2015


6 Câncer da tireoide,

Carcinoma medular (CMT) ma medular, cuja progressão é variável e pode levar


muitos anos. O carcinoma medular pode apresentar
Mutações germinativas do oncogene RET cau- metástases locais para os linfonodos das cadeias
sam predisposição para todas as formas de carcino- centrais, laterais, cervicais e mediastinais, além de
ma medular da tireoide familiar, seja quando estas metástases a distância, especialmente para o pul-
fazem parte de MEN2, seja quando se apresentam mão, fígado e ossos. O produto principal secretado
como manifestação isolada. As diferentes formas clí- pelo carcinoma medular é a calcitonina, que funciona
nicas de MEN2 estão associadas a mutações distintas como excelente marcador tumoral para a persistência
do RET que causam alteração de apenas um aminoáci- ou recorrência da moléstia. Os valores de calcitonina
do. Todas essas mutações de ponto provocam um efei- são habitualmente elevados nos casos de carcino-
to de “ganho de função” que causam, por sua vez, uma ma medular; além disso, estímulos com pentagas-
ativação descontrolada da atividade tirosina-quinase trina ou cálcio provocam a elevação da calcitonina
(TK) do receptor. O mecanismo molecular dessas alte- em indivíduos com carcinoma medular. Pode apre-
rações é uma homodimerização constitutiva que afeta sentar-se de duas formas, esporádica (75% a 80%
as cisteínas extracelulares; apesar de a estrutura tridi- dos casos) ou familiar (até 25% dos casos transmi-
mensional do domínio extracelular do RET ainda ser tidos de modo autossômico dominante, com alta pe-
desconhecida, essas cisteínas formam, provavelmen- netrância e expressão variável). Em 80% a 85% dos
te, pontes dissulfeto, no receptor mutado, que resul- pacientes com carcinoma medular familiar, este
tam numa cisteína não pareada que forma uma ponte se apresenta em associação com outras alterações
intermolecular ativadora. A explicação dos diferentes endócrinas, constituindo a neoplasia endócrina múl-
fenótipos encontrados na prática clínica é dada pelas
tipla tipo 2, por sua vez dividida em neoplasia endó-
intensidades variadas de indução da dimerização ob-
crina múltipla tipo 2A (NEM 2A) e neoplasia endó-
servadas nas diversas mutações. Assim, mutações de
crina múltipla tipo 2B (NEM 2B), e em 10% a 15%
RET associadas a FMTC apresentam uma dimerização
o carcinoma medular é transmitido de forma isolada
possivelmente menor, e isso explicaria por que suas
atividades quinase e oncogênicas seriam menores do (carcinoma medular familiar, FMTC). Entre as for-
que as apresentadas pelos mutantes de MEN 2A. mas familiares do carcinoma medular, a NEM 2A é
a doença mais comum (tabela 6.4), sendo o resultado
No caso de MEN 2B, as mutações causam uma de um traço dominante que dá 100% de penetrância
ativação constitutiva do potencial transformador do
de carcinoma medular, 50% de feocromocitoma e 25%
RET, pois, além das alterações quantitativas da ativi-
de hiperparatireoidismo. A NEM2B é uma doença
dade basal e da atividade quinase, a mutação mais fre-
menos frequente, na qual os pacientes têm uma
quente (Met918Thr) induz modificações conformacio-
forma mais agressiva e mais precoce de carcino-
nais do núcleo catalítico do domínio da quinase e ativa
ma medular (menos de 10 anos). Poucos pacientes
o RET sem dimerização, mudando a especificidade do
com MEN 2B sobrevivem além dos 20 anos quando
substrato da TK de uma quinase típica de receptor
o CMT é detectado clinicamente e não por rastre-
(RTK) (sempre com metionina na posição 918) para
amento genético. Outras manifestações da NEM2B
uma quinase típica do citoplasma (com a treonina na
posição 918), o que causa ativação sem a necessidade incluem feocromocitoma, habitus marfanoide, neu-
de dimerização, pois esse resíduo localiza-se na região romas múltiplos da língua, pálpebras e mucosa oral,
da ligação do substrato. Dessa forma, o mecanismo acompanhados de ganglioneuromas espalhados pelo
molecular pelo qual a mutação Met918Thr altera a trato digestivo que provocam quadros clínicos varian-
função de RET é, provavelmente, múltiplo; por um do de megacólon a diverticulite.
lado, a mutação causa uma ativação independente do
ligante sem promover a dimerização constitutiva das
Tipos de carcinoma medular de tireoide (CMT)
moléculas de RET; por outro lado, o Met918Thr mo-
difica a especificidade do substrato RET, o que causa a I. Forma esporádica (75% a 95%)
modificação da autofosforilação, assim como o padrão II. Forma familiar (10% a 25%)
1. Neoplasia endócrina múltipla do tipo 2A (MEN-2A)
intracelular de fosforilação das proteínas. A quinase – CMT
do MEN 2B pode ser ainda mais ativada pelo ligante e – Feocromocitoma
por essa razão a estimulação é mais forte que a causa- – Hiperparatireoidismo primário
da pelas mutações MEN 2A. 2. Neoplasia endócrina múltipla do tipo 2B (MEN-2B)
CMT
O carcinoma medular da tireoide é um tumor Feocromacitoma
das células C ou parafoliculares da tireoide produ- Fenótipo anormal
toras de calcitonina, que representa cerca de 10% a) Neuromas mucosos
de todos os tumores da tireoide. Habitualmente, an- b) Hábito marfanoide
tes da transformação em tumor, ocorre a hiperplasia 3. CMT familiar isolado
multifocal das células C, lesão precursora do carcino- Tabela 6.5

69
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Patologia Carcinoma anaplásico


É um tumor não encapsulado, e uma de suas ca-
racterísticas histológicas é a presença de depósito ou indiferenciado
amiloide no estroma. Na maioria das vezes, é multi-
cêntrico e bilateral. A hiperplasia das células C pode Representa até 5% (1% a 3%, na maioria das sé-
preceder ao CMT. ries) dasneoplasias malignas da tireoide. É mais pre-
valente em áreas de deficiência de iodo, predomi-
nando em mulheres (M:H = 3:1) e em idosos (pico en-
Quadro clínico tre 65 e 70 anos). É muito rara a ocorrência em pessoas
com menos de 50 anos. Trata-se de uma das formas
O carcinoma medular da tireoide acomete ambos
mais agressivas e resistentes de câncer, com cresci-
os sexos e se apresenta em qualquer faixa etária. A for-
ma esporádica apresenta pico de incidência durante mento rápido, invasão local precoce e prognóstico
a quinta e a sexta décadas de vida, enquanto as for- extremamente desfavorável (6-12 anos).
mas familiares se apresentam mais precocemente. As mutações BRAF e do RAS são encontradas
A forma familiar isolada tem a idade típica de apareci- em até 10% dos casos.
mento na terceira década, NEM 2A na segunda déca-
A mortalidade é muito alta, e a sobrevida rara-
da e NEM 2B em indivíduos com menos de 10 anos. O
mente ultrapassa seis meses após o diagnóstico. Os
carcinoma medular que se apresenta na NEM 2B é mui-
to mais agressivo que aquele observado na NEM 2A e pacientes geralmente apresentam tumores de cresci-
frequentemente está associado à extensão extracapsu- mento muito rápido. A rouquidão está presente em
lar da glândula e à presença de metástases linfonodais 80% dos casos, seguida de disfagia (60%), paralisia da
e a distância ao diagnóstico. Poucos casos de NEM 2B corda vocal (50%), dor cervical (30%) e dispneia (20%).
sobrevivem acima de 20 anos. É importante referir que, As estruturas vizinhas, como músculos, traqueia, esô-
com o início do rastreamento genético do carcinoma fago, nervo laríngeo recorrente e laringe, geralmente
medular familiar, o diagnóstico e o tratamento do carci- estão acometidas. Mais de 40% dos pacientes apresen-
noma medular têm sido cada vez mais precoces. tam metástases a distância ao diagnóstico, sendo a
metade para os pulmões, 15% para os ossos e 10%
Os pacientes com carcinoma medular, seja da
forma esporádica, seja da familiar, apresentam-se para o cérebro. Metástases cardíacas podem estar
geralmente com um nódulo palpável, duro, locali- presentes. O tumor cresce além da tireoide por ex-
zado nos dois terços superiores da tireoide, onde tensão direta. As metástases ganglionares podem es-
estão as células parafoliculares. Metástases linfo- tar presentes, mas nem sempre são reconhecidas de-
nodais estão presentes em 50% dos pacientes ao vido à extensa invasão da região cervical pelo tumor.
diagnóstico e podem ser o primeiro achado ao exame
físico. Metástases para o fígado, pulmão e ossos es- Patologia
tão presentes em 20% dos pacientes ao diagnósti-
co. Outras manifestações clínicas que podem acompa- O carcinoma anaplásico pode se desenvolver a par-
nhar a doença são a diarreia aquosa e flush cutâneo, tir de um carcinoma papilar ou folicular preexistente.
presentes em um terço dos pacientes e, mais frequen-
te, naqueles com grandes massas tumorais. Sintomas Folicular
referentes ao feocromocitoma, diarreia e história fa- Célula folicular Carcinoma ou Carcinoma anaplásico
miliar de tumor tireoidiano devem sempre ser averi- Papilar
guados no paciente com nódulo tireoidiano.
Figura 6.4  Possíveis transformações da célula folicular através de
mutações.

Figura 6.3  Carcinoma medular. Células ovais ou poligonais, com nú- Figura 6.5  Carcinoma indiferenciado. Células grandes, isoladas ou
cleo redondo ou oval situado excentricamente. O citoplasma contém agregadas, de formato fusiforme, associadas a outras, ovais, com núcle-
grânulos azurrófilos, característica de tumores tipo APUD; observa-se os excêntricos. Vê-se também um bloco de células com características
depósito de amiloide (seta). Coloração de Leishman, x1900. normais. Coloração de Leishman, x1900.

70 SJT Residência Médica - 2015


6 Câncer da tireoide,

Linfoma primário pescoço ou observados numa radiografia de tórax, ou,


ainda, em virtude de fratura patológica consequente a
O linfoma raramente surge na glândula tireoide, metástases nos ossos longos ou de paralisias decorren-
tipicamente se apresentando nas pessoas mais idosas, tes de metástases na coluna torácica ou lombar. Seguem
como um bócio difuso e doloroso, de crescimento rá- as características dos nódulos com aspecto maligno.
pido. Os pacientes muitas vezes têm uma história
precedente de tireoidite autoimune (Hashimoto). Características dos nódulos tireoidianos malignos
Suspeita-se ainda mais desse diagnóstico quando a História
aspiração por agulha fina rende abundantes linfócitos
Câncer de tireoide prévio
sem outras características celulares de tireoidite autoi-
mune. A coloração imuno-histoquímica e a citometria História familiar de câncer de tireoide
do material coletado podem servir para caracterizar Nódulo em criança menor de 14 anos
uma população linfocítica monoclonal. A biópsia ci- Exposição a radioterapia no pescoço e na face
rúrgica às vezes é necessária para estabelecer o diag- Rouquidão
nóstico. Em 50% dos casos, o linfoma é primário à
Nódulo de crescimento rápido
glândula tireoide, geralmente um linfoma de grau
intermediário de tipo não Hodgkin.. Nódulo doloroso
Nódulo recente em homem abaixo de 30 ou numa pessoa aci-
ma de 65 anos
História de metástases a distância
Exame físico
Nódulo de consistência pétrea
Nódulo fixo às estruturas vizinhas
Adenopatia cervical
Paralisia de corda vocal
Achados laboratoriais
PAAF positiva para câncer (99% de chance)
PAAF suspeita para câncer (33% de chance de carcinoma fo-
licular)
Nódulo “frio” solitário
Figura 6.6 Linfoma da tireoide. Tumor composto de inúmeras células
pequenas e uniformes. Hematoxilina - eosina, x400. Nódulo que avança sobre estruturas extratireoidianas ao ultras-
som
Calcitonina e CEA elevados em pacientes com risco de cân-
cer medular

Tumores metastáticos (raros) Tabela 6.6

Metástases para a tireoide ocorrem raramente.


As neoplasias mais comuns que podem lever a metás- Exames complementares
tases tireoidianas são: PAAF (padrão-ouro para o diagnóstico).
€ mama; Limitação principal da PAAF: incapacidade de
€ hipernefroma; distinguir o adenoma do carcinoma folicular.
€ câncer de pulmão de pequenas células;
€ melanoma. Análise da biópsia por agulha fina
Atualmente, um marcador molecular específico
para o câncer tireóideo, que permita um diagnósti-
Diagnóstico do câncer co preciso de amostras obtidas pela PAAF, ainda não
de tireoide foi encontrado Avaliação de alterações genéticas no
DNA ou RNA parecem ser promissoras, especialmente
A apresentação clínica usual é sob a forma de mutações pontuais do ras ou um rearranjo do PAX8-
um nódulo descoberto acidentalmente no pescoço PPAR� para carcinoma folicular e metilação do TSH-R
pelo próprio paciente, pela sua família ou pelo médi- para câncer tireoideo bem diferenciado. No entanto,
co. Mais raramente, o doente é visto pela primeira vez esses estudos estão evoluindo e estão sem nenhum re-
devido à presença de nódulos metastáticos palpáveis no sultado estabelecido.

71
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Galectina-3 Ultrassonografia com Doppler colorido (avaliar


a natureza da lesão, se cística ou sólida, e o padrão de
A galectina-3 (GAL-3) é uma proteína de liga- vascularização. Veja capítulo 5.). Cintilografia com
ção betagalactosil, de interação célula-célula e célula- 131
I ou Tecnécio (distinguir nódulo “frio” e “quente”).
-matriz. Pensava-se que as galectinas estavam asso-
ciadas com a iniciação do crescimento celular e trans- Cerca de 20% dos nódulos frios, únicos ou domi-
formação maligna. Houve um entusiasmo com o uso nantes, são malignos, ao passo somente 1% a 2% dos
da GAL-3 como marcador de malignidade na PAAF e nódulos quentes o são.
amostras cirúrgicas; no entanto, pode aparecer, tam- Avaliação hormonal (geralmente os pacientes
bém, na tireoidite de Hashimoto. Se a tireoidite de são eutireoideos).
Hashimoto for excluída, a GAL-3 pode ser um mar-
cador importante de malignidade. A dosagem de calcitonina (CT) sérica está indicada
em pacientes com nódulos tireoidianos que apresentam
história familiar de carcinoma medular de tireoide (CMT)
Rearranjo RET/PTC ou de MEN tipo 2, história pessoal de feocromocitoma,
diarreia inexplicável ou rubor facial, bem como diante
O cromosomo 10q11-2 é o locus do proto-on- de citologia suspeita de CMT. Quando solicitada, valores
cogene RET. A ativação do RET foi documentada em basais de CT < 10 pg/mL são considerados normais, en-
células do CP, e logo ficou conhecida como RET/CP. tre 10 e 100 pg/mL sugerem CMT, especialmente após
Cinco variantes de RET/CP foram descritas. Um estu- exclusão de outras condições que determinam elevação
do recente relatou que três das mais comuns dessas de calcitonina.
variantes (RET/CP 1, 2, e 3) foram encontradas em
amostras de BAF de CP sem resultados falso-positi- Na presença de linfonodos cervicais palpá-
vos. A despeito do entusiamo dessa possibilidade de veis ou calcitonina > 400 pg/mL, deve-se solicitar
diagnóstico, outros relatos mostraram rearranjos de tomografia axial computadorizada (TAC) de tórax,
RET/CP também em tecidos benignos. pescoço e abdome, em função do alto risco para me-
tástases. No pré-operatório, deve ser feita a dosagem de
catecolaminas ou metanefrinas (excluir MEN2).
CD44 Cromogranina emolase (origem neuroendócri-
A família CD44 de glicoproteínas de membrana na) é também utilizada como marcador tumoral para
está associada a adesão, ativação de linfócitos e cresci- o carcinoma medular.
mento tumoral e metástases. Foi mostrado o aumento €€ Condições que podem cursar com calcitonina
da expressão de isoformas variantes (CD44v), espe- sérica elevada, além do CMT:
cialmente v6 até v10, no CP. Foi relatada a presença de €€ câncer de mama;
CD44 em amostras aspiradas pela PAAF. No entanto,
outros acharam CD44 em tecidos benignos. A detec- €€ feocromocitoma;
ção por PAAF da combinação de GAL-3 e variantes de €€ carcinoma de pequenas células do pulmão;
CD44 no RNA é uma grande promessa para um diag-
nóstico pré-operatório mais acurado. Em função da €€ Zollinger-Ellison.
já estabelecida excelente especificidade de amostras €€ Tireoglobulina, marcador tumoral para os
convencionais de PAAF no CP, o valor adicional do cânceres diferenciados (papilífero e folicu-
CD44v6 ou outras isoformas em tecidos oriundos da lar). A tireoglobulina é uma glicoproteína pro-
PAAF necessita ser estabelecidos futuramente. duzida exclusivamente pelas células normais e
neoplásicas, ainda diferenciadas, da tireoide.
Devem ser dosados de forma concomitante aos
Mutação BRAF anticorpos antitireoglobulina. Eles interferem
tanto nos ensaios imunométricos (IMA) quan-
A passagem de sinalização da proteína quinase
to em radioimunoensaio (RIA) da Tg, levando
de ativação mitogênica (MAPK) Ras/Raf é um cons-
a resultados falso-negativos ou falso-positivos,
tituinte importante do crescimento celular, prolife-
ração, e divisão. De todas as isoformas dessa quinase respectivamente. Na avaliação da Tg, outro fator
RAF, o tipo B (BRAF) é aparentemente o mais impor- importante é a observação dos níveis de TSH.
tante estimulador de sinalização de MAPK. Parece O TSH estimula a produção de Tg pelas células
que ativando mutações da BRAF ativa a passagem de tireoidianas, não sendo possível comparar dosa-
MPAK e inicia uma transformação maligna. Muitos gens realizadas durante supressão do TSH com
grupos relataram que mutações da BRAF são encon- aquelas durante estímulo endógeno (hipotireoi-
tradas em 70% de amostras cirúrgicas. Cohen e co- dismo) ou exógeno (TSH recombinante huma-
legas apontaram concordância em 98% na avaliação no, rhTSH). O uso de rhTSH (Thyrogen®) ou a
de amostras pré-operatórias de BAF com resultados suspensão da L-T4 aumentam em 3-20 vezes o
pós-operatórios em casos documentados de CP. Xing valor da Tg. Comparado à dosagem da Tg reali-
e colaboradores descobriram que o gene BRAF estava zada durante o tratamento supressivo com L-T4;
associado ao aumento da probabilidade de recor- tais procedimentos melhoram a sensibilidade do
rência tumoral pós-operatória. ensaio para Tg.

72 SJT Residência Médica - 2015


6 Câncer da tireoide,

Uma Tg sérica < 10 ng/mL, por ocasião da histológico associado ao comportamento mais agres-
ablação do tumor, geralmente indica prognóstico sivo ao exame histológico. Além disso, a tireoidecto-
favorável. Valores elevados podem estar relacionados mia total possibilita o seguimento do paciente por
à persistência da doença. Em estudo, foi observado meio da dosagem sérica da Tg, como veremos adiante.
que a presença de Tg > 70 ng/mL no pós-operatório,
antes da dose terapêutica de ¹3¹I, indicava a presença Metástases linfonodais ao diagnóstico ocor-
de metástases em mais de 90% dos casos. rem em aproximadamente 20% a 90% dos pacien-
tes com câncer papilífero, sendo ligeiramente me-
€ CEA possui pouca sensibilidade e nenhuma es-
nor nos outros tipos histológicos. Como na maioria
pecificidade, estando associado ao carcinoma
dos casos, o exame físico não revela anormalidades e
medular.
deve ser solicitada a US cervical. Se a US sugerir aco-
metimento linfonodal, o paciente deverá ser subme-
Causas de Tireoglobulina (Tg)Elevada e PCI Negativa tido à tireoidectomia total e à exploração linfonodal,
Contaminação com iodo mesmo que o tumor tenha menos de 1 cm de diâme-
tro, pois a ressecção total melhora o prognóstico.
Níveis de TSH suficientes para induzir síntese de Tg, mas não
suficientes para estimular captação do 131I Em casos de carcinoma papilífero com evidência
Presença de tecido tireoidiano remanescente clínica de envolvimento de linfonodos centrais, ou de
Elevação falso-positiva da Tg (anticorpos, efeito hook)
suspeita de carcinoma de Hurthle, a ressecção profilá-
tica/terapêutica de linfonodos do compartimento cen-
Metástases difusas e muito pequenas para serem detectadas,
tral (nível VI) é recomendada; linfonodos pré-larínge-
porém capazes de produzir Tg
os, pré-traqueais e peritraqueais deve ser considerada,
Transformação para uma forma mais indiferenciada de cân-
pois eles são frequentemente acometidos. A ressecção
cer, levando à menor captação do 131I
profilática pode ser dispensada se não houver linfono-
Tabela 6.7 PCI: cintilografia de corpo inteiro.
dos suspeitos detectados na US, em casos de carcino-
ma papilífero de baixo risco (T1 ou T2, não invasivo);
se ART estiver sendo planejada; e também na maioria
dos tumores foliculares. Quando realizada em tumo-
Tratamento do carcinoma res de baixo risco, a ressecção profilática pode tornar
a ART (ablação do remanescente tireoidiano) desne-
diferenciado cessária. Recomenda-se a dissecção dos linfonodos
laterais (II-IV) e do triângulo posterior em pacientes
A tireoidectomia total, ou quase total, é o trata- com metástases diagnosticadas por exame citológico,
mento recomendado para todos os tipos de tumores Tg detectável no aspirado, ou com alta suspeita na US.
tireoidianos. Entretanto, a American Thyroid Asso-
Os linfonodos do compartimento lateral (II–IV)
ciation, assim como a European Thyroid Cancer Task
e do triângulo posterior também podem ser sítios de
Force, admite apenas lobectomia para pacientes com
tumores papilíferos menores que 1 cm, únicos e iso-
metástases no câncer diferenciado de tireoide. A dis-
lados, sem acometimento linfonodal e sem prévia secção dos linfonodos laterais (II–IV) e do triângulo
irradiação sobre a cabeça e pescoço, considerados posterior é recomendada em pacientes com metásta-
pacientes de muito baixo risco. Embora o risco au- ses diagnosticadas por exame citológico, Tg no aspira-
mente estatisticamente em tumores papilíferos acima do ou com alta suspeita na ultrassonografia.
de 1 cm e em foliculares acima de 4 cm, pequenos tu-
mores também podem produzir metástases, e o risco
atribuído a cada fator preditivo é relativamente pe-
queno quando considerado isoladamente.
Acredita-se que a tireoidectomia total é, neste
momento, a melhor opção para todos os pacientes,
IB IIB
independentemente do tamanho inicial do tumor, IA IIA
pois, atualmente, nenhum fator clínico, cirúrgico,
anatomopatológico, laboratorial ou molecular é III
capaz de predizer com segurança o comportamento VA
do tumor. Embora o microcarcinoma papilífero tenha VI
um excelente prognóstico (mortalidade ≈ 1%), a chan- IV
VB
ce de metástases a distância alcança 2,5%, e a recor-
rência linfonodal, 5%. A tireoidectomia total no mo-
mento do diagnóstico elimina a necessidade de even-
tual reintervenção cirúrgica (para totalização) no caso Figura 6.7 Desenho representativo dos diferentes níveis e subníveis
de identificação de linfonodos comprometidos ou tipo dos linfonodos cervicais.

73
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Estadiamento dos pacientes Estratificação de risco pós-operatório dos pacientes


após a cirurgia com carcinoma diferenciado da tireoide
Risco / Fator T N M Ressec-
Atualmente, é consenso a necessidade de padro- prognóstico ção tu-
nização do sistema de estadiamento e prognóstico, e o moral
sistema TNM é o mais aceito e usado, ainda que peque- Muito baixo risco T1a ou T1b, N0 M0 Com-
nas adaptações possam ser feitas nas atuais diretrizes. único pleta
Baseado no exame anatomopatológico e na descrição Baixo risco T1 multifocal N0 M0 Com-
cirúrgica, recomenda-se a estratificação dos pacientes. ou T2 pleta
O estadiamento do paciente deve ser de acordo Alto risco T3 ou T4 N1 M1 Incom-
com o sistema TNM. pleta
Tabela 6.10  Estratificação de risco pós-operatório dos pacientes com
carcinoma diferenciado da tireoide, baseada na ressecção tumoral e nas
características do tumor definidas pela classificação do TNM.
Parâmetros utilizados na classificação TNM para
câncer da tireoide
T (tumor) N (metástases lin- M (metástases
fonodais) distantes) Terapia com 131I após a
T1 ≤ 2 cm (T1a < 1 N0 ausentes M0 ausentes
cm T1b 1-2 cm)
tireoidectomia total
T2 2-4 cm N1a metástases no M1 metástases O Consenso Brasileiro recomenda a ART em to-
nível VI distantes dos os pacientes submetidos a TT, exceto nos casos de
T3 > 4 cm limitado N1b metástases muito baixo risco (T1N0M0), com ressecção comple-
à tireoide ou com cervicais (laterais) ta. Não há dúvida quanto à necessidade de ART em
invasão extratireoi- ou em mediastino casos com ressecção tumoral incompleta, metástases
diana mínima superior clinicamente detectáveis, ou com alto risco de recidi-
T4a invasão de va. É aceitável que pacientes com tumores < 2 cm,
subcutâneo, laringe, intratireoidianos, sem Tg elevada, sem metástases
traqueia, esôfago na US, ou com captação < 2% no leito tireoidiano
ou recorrente la- (dose traçadora de 100 mcCi) não sejam submeti-
ríngeo
dos à ART, ou recebam doses menores (30 mCi) de
T4b invasão de radioiodo. Para os demais pacientes de baixo risco, a
fáscia pré-vertebral dose recomenada é de 100 mCi. Em pacientes de alto
ou envolvimento de
carótida ou vasos
risco, 100 a 150 mCi são recomendados. Doses > 200
mediastinais mCi raramente são indicadas, exceto para pacientes
com metástases a distância.
Tx tamanho desco- Nx linfonodos não Mx não ava-
nhecido, sem inva- avaliados liado
são extratireoidiana
Tabela 6.8 Preparo para a terapia 131I
Classificação TNM
Níveis de TSH > 30 mUI/L otimizam a captação
do I pelas células tireoidianas normais e/ou tumo-
131
Câncer diferenciado (Papilífero e Folicular)
rais diferenciadas, aumentando a chance de sucesso da
Estágio I < 45 anos > 45 anos ablação, e são geralmente obtidos após três a quatro
Estágio II Qualquer T, N, M0 T1, N0, M0
semanas sem levotiroxina (L-T4) em pacientes tireoi-
Estágio III Qualquer T, N, M1 T2 ou T3, N0,
– M0 dectomizados. Em pacientes com baixo risco, ou seja,
Estágio IV – T4, N0, M0 quando o objetivo é apenas a ablação tireoidiana, exis-
Qualquer te a opção do uso do TSH recombinante (rhTSH), que
T,N1,M0 deve ser administrado seguindo o mesmo protocolo
Qualquer T, usado para testes diagnósticos (Tg e PCI). A utilização
N,M1
do rhTSH também deve ser considerada em pacientes
Câncer Anaplásico com comorbidades, nas quais o hipotireoidismo pro-
Estágio IV Todos os casos são estágio IV longado pode agravar o quadro, como por exemplo do-
Câncer Medular ença arterial coronariana, insuficiência renal crônica,
Estágio I T1, N0, M0
doenças cerebrais isquêmicas ou depressão severa, ou
Estágio II T2-T4, N0, M0 ainda nos indivíduos com hipopituitarismo e incapa-
Estágio III Qualquer T, N1, M0 cidade de elevação suficiente do TSH endógeno. Fique
Estágio IV Qualquer T, qualquer N, M1 atento às recomendações da tabela abaixo. Dieta po-
Tabela 6.9 bre em iodo durante 7 a 14 dias é a regra.

74 SJT Residência Médica - 2015


6 Câncer da tireoide,

Alimentos permitidos e não permitidos na dieta pobre em iodo recomendada


no preparo de pacientes que se submetem à terapia com 131I
Não permitido Permitido
Sal Sal iodado, salgadinho, batata frita industrializada Sal não iodado
Peixes Peixes, frutos do mar, camarão, ostras, algas Peixes de água doce (ex: pintado, truta, salmão)
Leite, sorvete, queijo, requeijão, iogurte, leite de soja,
Laticínios Leite em pó desnatado e margarina sem sal
tofu
Carne defumada, carne de sol, caldo de carne, presun-
Carnes Carnes frescas (de aves, porco e boi), salsicha, chucrute
to, embutidos, bacon
Molhos, ovos Gema de ovo, maionese, molho de soja Clara de ovo, temperos, óleo, azeite e vinagre
Frutas frescas e sucos, frutas secas sem sal (amendoim,
Frutas Frutas enlatadas ou em calda, frutas secas salgadas
nozes, castanhas)
Alface, batata sem casca, beterraba, brócolis, cenoura,
Enlatados (azeitonas, picles, cogumelos etc.), agrião,
Vegetais cebola, cogumelo fresco, couve, ervilha, espinafre, nabo,
aipo, couve de bruxelas, feijão, batata chips
pepino, tomate, repolho
Pão caseiro, pão francês, bolacha integral ou cream cra-
Pães, massas, Pães industrializados, pizza, cereais em caixas (sucri-
cker, macarrão e massas simples, arroz, aveia, cevada, fa-
cereais e grãos lhos, corn flakes), feijão vermelho, granola
rinha, feijão, milho e trigo
Doces com gema de ovo, chocolate e leite, sorvetes, pu-
Doces Açúcar, mel, geleia, balas (exceto balas vermelhas)
dim
Bebidas Café instantâneo solúvel, bebidas lácteas, leite em pó Água, café de filtro, suco e refrigerantes, vinho
Tabela 6.11 Recomendações adicionais: não usar medicamentos e suplementos alimentares que contenham iodo; informar ao médico o uso de
comprimidos, cápsulas ou remédios de cor vermelha; alimentos e bebidas com corante vermelho podem conter iodo (exemplo: balas, uísque); não
usar cosméticos de coloração escura, batom, esmalte, tintura de cabelo etc.

Complicações de terapêutica 131I Recomenda-se massagem glandular, agentes sialogo-


gos, boa higiene oral e hidratação adequada. Outro es-
tudo recente sugere que o uso de balas de limão deve
ser evitado nas primeiras 24 horas após o uso do 131I,
Efeitos agudos pois elas podem diminuir a incidência de sialoadenite,
O iodo radioativo (131I) captado pela tireóide, disfunções do gosto, boca seca e xerostomia se usadas
por ação da proteína cotransportadora NIS (Natrium nos 5 dias consecutivos ao 131I. Agentes colinérgicos
Iodine Symporter), apresenta um papel importante no podem ser úteis na prevenção ao dano às glândulas
tratamento do câncer diferenciado da tireoide. Tireoi- salivares e, eventualmente, nas complicações crônicas
dite actínica com edema e desconforto pode ocorrer como boca seca e cáries dentárias.
na ablação de grandes remanescentes, mas pode ser
limitado com o uso de corticosteroides. Entretanto,
como a proteína NIS é também expressa em outros Efeitos crônicos
tecidos como glândulas salivares, estômago e mama,
o 131I também é captado nesses sítios após dose tera- Os efeitos crônicos associados ao uso do 131I no
pêutica, embora não seja organificado. Apesar de o tratamento do CDT (carcinoma diferenciado da tireoi-
tratamento com 131I ser relativamente seguro, existem de) são difíceis de avaliar, uma vez que o número de
riscos precoces e tardios que são dose-dependentes. O pacientes com câncer diferenciado da tireoide tratados
131
I captado e concentrado pelas glândulas salivares é em cada centro é muito variável. Avaliações em longo
secretado na saliva, e os danos ao parênquima salivar prazo demonstram um risco pequeno de malignida-
são dependentes da atividade do 131I utilizado. Usual- des secundárias (osso, partes moles, câncer colorretal,
mente, observam-se aumento de volume e dor envol- rumores salivares e leucemia), aparentemente dose-
vendo a parótida. Os sintomas podem se desenvolver -relacionadas. Mulheres de raça branca com câncer de
imediatamente após a dose terapêutica de 131I e/ou tireoide parecem ter risco maior de câncer de mama,
meses mais tarde e progredir em intensidade com o principalmente na pré-menopausa. Como, o câncer de
tempo. Além da sialoadenite, outras complicações in- mama e de tireoide são muito frequentes em mulhe-
cluem xerostomia, alterações do gosto, obstrução dos res, não se pode excluir a possibilidade de algum viés
ductos nasolacrimais, aumento nas cáries, estomatite de triagem ou outros fatores. Doses elevadas de 131I
e candidíase. Amifostina foi recentemente sugerida podem levar a alterações, normalmente transitórias,
como uma opção para evitar os efeitos radioativos. na contagem de hemácias e leucócitos.

75
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Embora amenorreia transitória ou irregula- Tireoidectomia

ridades menstruais sejam frequentes em mulheres


Ressecção incompleta e/ou M1
após dose terapêutica de 131I, o risco de dano perma- Ressecção completa e M0
(TSH ≤ 0.1 mUl/L)
nente aos ovários ou anormalidades congênitas no
feto é igual ao da população geral. Mulheres que re- Muito baixo risco 131I e PCI pós-dose
(TSH 0.5-2 mUl/L)
ceberam dose terapêutica de 131I devem evitar a gra-
videz nos 6 a 12 meses seguintes. Em adultos jovens Negativa Metástase
com câncer diferenciado de tireoide tratados com (TSH ≤ 0.1 mUl/L) (TSH ≤ 0.1 mUl/L)
131
I, tem-se observado hipospermia transitória, em-
bora usualmente não apresentem alterações perma- Avaliação de controle
(após 6-12 meses)
nentes ao epitélio germinativo e risco de infertilida-
de. Doses cumulativas de 131I, entre 500 e 800 mCi,
podem ser acompanhadas de azoospermia. Nestes Metástase e/ou Tg elevada Sem doença aparente e Tg indetectável
casos, aconselha-se o armazenamento de esperma (TSH ≤ 0.1 mUl/L)

em banco apropriado.
Baixo risco Alto risco/intermediário
(TSH 0.1-0.5 mUl/L) (TSH < 0.1 mUl/L)

Avaliação laboratorial, pós-131I


Após 5 anos sem doença
Seis meses após a terapia com 131I, recomenda-se (TSH 0.3 - 2 mUl/L)
a solicitação de dosagens séricas da Tg[T4], TgAc e US Figura 6.8  PCI: cintilografia de corpo inteiro; Tg: tireoglobulina. Al-
cervical nos pacientes com PCI pós-dose sem captação goritmo para administração de levotiroxina em pacientes submetidos à
ectópica. A maioria dos pacientes apresenta Tg[T4] ≤ tireoidectomia por neoplasia tireoidiana de acordo com a avaliação de
risco individual. Observe os valores de TSH desejáveis.
1 ng/mL e US negativo. Nesses casos, deve-se obter
uma Tg estimulada de 9 a 12 meses após a ablação.
Aproximadamente 20% dos pacientes, aparentemen-
te sem doença e com níveis séricos de Tg[T4] < 1 ng/
mL, apresentam níveis positivos de Tg estimulada (> Conduta na doença
2 ng/mL), sendo que em um terço desses indivíduos
pode ser identificada a lesão responsável pela doença metastática
persistente por métodos de imagem.
Em pacientes considerados de baixo risco com
TgAc negativo, a PCI diagnóstica não é recomendada, Doença metastática
ficando reservada àqueles com Tg[T4] ≤ 1 ng/mL com locorregional
TgAc positivo ou de alto risco. A PCI deve ser realizada Entre 5% e 20% dos pacientes com carcinoma
com 123I ou 2 mCi de 131I para evitar o stunning. Alguns diferenciado de tireoide apresentam recorrências
autores sugerem que a dose traçadora de 5 mCi de 131I locais ou regionais, o que corresponde a cerca de
pode ser utilizada caso a terapia com 131I seja disponi- duas vezes a frequência de metástases a distância.
bilizada entre 3 e 5 dias. No entanto, a importância da presença de metástases
linfonodais no prognóstico é discutível. Metástases
linfonodais detectadas no seguimento inicial devem
Terapêutica com L-T4 ser interpretadas mais provavelmente como doença
A terapia supressiva com L-T4 está associada à persistente. A combinação da US cervical e da Tg sé-
menor chance de progressão da doença em pacientes rica tem um papel central na detecção da persistência
de alto risco e uma meta-análise confirmou a redução ou recorrência cervical. O tratamento mais indicado
do risco de eventos clínicos adversos com a supressão para doença locorregional é a excisão cirúrgica, es-
do TSH. Em pacientes de muito baixo risco, como não pecialmente na ausência de metástases a distância,
há indicação do 131I, a reposição de L-T4 deve ser inicia- sendo que aproximadamente 30% a 50% dos pa-
da imediatamente no pós-operatório. Para os demais, cientes ficam curados a curto prazo. A maioria dos
havendo a perspectiva desta terapia no prazo máximo cirurgiões recomenda a exploração ipsilateral comple-
de 4 a 6 semanas, o paciente pode ser mantido sem ta do compartimento envolvido com persistência/re-
L-T4. No entanto, se a previsão superar este intervalo, corrência do câncer, poupando as estruturas vitais, em
a reposição de L-T4 deve ser iniciada após a cirurgia função das metástases linfonodais serem comumente
e posteriormente suspensa, para evitar o hipotireoi- mais extensas que o sugerido pelas imagens. Pacientes
dismo prolongado. Nos casos nos quais for utilizado com ausência de captação de 131I fora do leito tireoi-
o rhTSH, deve-se iniciar a reposição precocemente no diano na PCI pós-dose terapêutica e níveis da Tg es-
pós-operatório. timulada indetectáveis apresentam um baixo risco de

76 SJT Residência Médica - 2015


6 Câncer da tireoide,

recorrência de linfonodos cervicais. Para tumores que Metástase óssea


invadem o trato aéreo e/ou digestivo superior, deve-
-se recomendar cirurgia agressiva, com retirada mais Metástases ósseas podem ser a primeira mani-
completa possível da lesão, procurando preservar a festação do câncer diferenciado de tireoide. A sobre-
função. A cirurgia pode incluir ressecção traqueal com vida do paciente com metástase(s) óssea(s) é geral-
anastomose ou esofagofaringectomia. mente reduzida devido às dificuldades terapêuticas
enfrentadas em função da localização e da extensão
Metástases a distância da(s) lesão(ões) que, frequentemente, não captam
131
I. Não é incomum o paciente desenvolver fraturas
Metástase pulmonar patológicas que, especialmente em vértebras, podem
levar a quadros neurológicos graves, com dor incapaci-
No caso de metástases pulmonares 131I-cap- tante ou quadros de paraplegia. Quando a metástase
tantes, usualmente micronodulares, o tratamento óssea é isolada, a ressecção cirúrgica completa da
consiste em doses empíricas de 100 a 150 mCi de lesão melhora significativamente o prognóstico de
131
I após suspensão de T4. A dose terapêutica deve sobrevida. Do mesmo modo, a lesão óssea iodocap-
ser repetida a cada 6 a 12 meses pelo prazo de dois tante também está associada a uma sobrevida maior.
anos e depois anualmente, se as lesões continuarem
A dose terapêutica empírica de 131I recomendada varia
131
I-captantes. As PCIs pós-dose terapêutica e os ní-
entre 150 e 300 mCi. Em lesões ósseas localizadas em
veis séricos de Tg fornecem informações sobre a res-
posta ao tratamento. Nestas condições, as remissões regiões mais críticas, perto de estruturas nervosas, o
costumam ocorrer com doses cumulativas de 600 mCi edema decorrente da captação do 131I pode produzir
ou menos. Doses superiores a 600 mCi e evidências de compressão nervosa com dor ou incapacidade funcio-
baixa captação de 131I são fatores que devem ser ques- nal importante. Nesses casos ou em lesões não io-
tionados na avaliação dos benefícios da radioiodote- docaptantes, a radioterapia externa com uso con-
rapia. O uso do lítio pode ser útil devido ao aumento comitante de corticosteroides deve ser considera-
da retenção do 131I nas lesões metastáticas. Em geral, da. Outros procedimentos locais, como embolização
as metástases pulmonares progridem lentamente, intra-arterial, infusões periódicas de pamidronato ou
e os pacientes podem ser seguidos com dosagem sé- zoledronato ou injeções de cimento, podem ser úteis.
rica da Tg e TC, sendo mantidos sob supressão do
TSH. Pneumonite actínica e fibrose são complicações
muito raras. Os pacientes com macrometástases no- Metástase cerebral
dulares, que sejam iodocaptantes, devem ser tratados
de forma semelhante. No entanto, como essas lesões Metástases cerebrais são complicações raras
frequentemente não captam o 131I, alternativas tera- no câncer diferenciado da tireoide, sendo mais fre-
pêuticas devem ser consideradas, como exérese da(s) quentes em pacientes idosos com doença avançada.
metástase(s), radioterapia externa paliativa para le- Podem, no entanto, ser a primeira manifestação ou
sões intratorácicas sintomáticas e drenagem pleural, a primeira metástase no curso do câncer da tireoide.
ou pericárdica, em derrames sintomáticos, ou tenta- Exames de imagem como TC sem contraste ou, pre-
tiva de rediferenciação do tumor. Em pacientes com ferencialmente, RNM com gadolíneo de crânio, costu-
Tg elevada ou com tendência de elevação, nos quais mam revelar de forma clara a localização e a extensão
a PCI e outros métodos de imagem foram incapazes da lesão. Frequentemente, uma biópsia é necessária
de localizar a doença metastática, o uso empírico de para confirmar ser uma metástase do câncer da tireoi-
doses de 131I entre 100 e 150 mCi pode identificar e
de. O tratamento inicial deve ser cirúrgico, visando
tratar focos metastáticos previamente não detectáveis
à ressecção completa da metástase, que se acompa-
em aproximadamente 50% dos casos. Em metásta-
nha de maior sobrevida do paciente. As lesões usu-
ses não iodocaptantes, mesmo com uso de doses te-
rapêuticas empíricas, a utilização do PET-FDG ou o almente não captam 131I, e o tratamento deve incluir a
sestamibi está indicada na tentativa de localização da radioterapia externa.
lesão. O estímulo com TSH endógeno ou rhTSH pode Qual é o papel da quimioterapia convencional no
aumentar sensibilidade e especificidade do PET-FDG. tratamento do câncer diferenciado da tireoide?
Estes pacientes não se beneficiam de radioiodotera-
Dados sobre possíveis efeitos da quimioterapia
pia, e doses adicionais devem ser evitadas. Em uma
grande porcentagem de pacientes com micrometásta- no câncer de tireoide metastático são limitados. Al-
ses pulmonares, a evolução da doença é muito lenta, guns estudos sugerem uma resposta parcial (doença
frequentemente sem alterações à TC. Esses pacientes estável) em cerca de 40% dos pacientes com a utiliza-
podem ser mantidos sob observação, com TSH supri- ção de monoterapia com doxorrubicina. A utilização
mido (< 0,1 mU/L). Quimioterapia tradicional não de mais de um agente parece não melhorar a resposta
tem demonstrado utilidade nos pacientes com lesões ao tratamento, com o inconveniente do aumento da
não 131I-captantes e não acessíveis cirurgicamente. toxicidade.

77
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Terapêutica alvo em Pacientes de risco intermediário:


câncer avançado €€ Idade maior que 45 anos.
€€ Carcinoma papilífero; carcinoma folicular que
As terapias-alvo são geralmente citostáticas e não de células de Hurthle.
não citotóxicas, o que pode ser um problema, uma €€ Tamanho menor que 3 cm.
vez que o câncer da tireoide requer tratamento pro-
€€ Tumor intraglandular.
longado. A terapia pode ser satisfatória se a droga
apresentar baixa toxicidade e for bem tolerada. No €€ Ausência de metástases a distância.
entanto, sempre existe uma alta possibilidade de que
as células neoplásicas residuais desenvolvam vias Ou:
compensatórias, geralmente por apresentarem ou- €€ Idade menor que 45 anos.
tras mutações que levam à progressão da doença.
€€ Carcinoma de células de Hurthle.
Os inibidores das tirosinaquinases como a ti- €€ Tamanho maior que 3 cm.
rosinaquinase do receptor do fator de crescimento
€€ Tumor extraglandular.
epidérmico (EGFR), RAF kinase, receptor do fator de
crescimento endotelial (VEGFR), receptor do fator €€ Presença de metástases a distância.
de crescimento derivado de plaquetas (PDGFR), tiro-
sinaquinases do RET e outros agentes que têm como Pacientes de alto risco:
alvo a vascularização, parecem ter atividade no cân- €€ Idade maior que 45 anos.
cer de tireoide, resultando em remissão parcial em
alguns pacientes e estabilidade da doença em aproxi-
€€ Carcinoma de células de Hurthle
madamente 50% dos pacientes. €€ Tamanho maior que 3 cm.

Estudos clínicos no CMT têm incluído imatini- €€ Tumor extraglandular.


be, motesanibe, sorafenibe, vandetanibe e o XL184. €€ Presença de metástases a distância.
Vandetanibe (ZD6474) é um ITQ oral que se mostra Dessa forma, o tratamento dos pacientes porta-
ativo em múltiplos alvos da sinalização celular, como dores de CBDT deve ser orientado pelo grupo de risco
as proteínas RET, EGFR (epidermal growth factor re- em que o paciente se enquadra.
ceptor - receptor do fator epidérmico de crescimento)
e o VEGFR (vascular endotelial growth factor recep-
Pacientes de baixo risco:
tor - receptor do fator de crescimento do endotélio
vascular). Células do CMT tratadas com vandetanibe €€ Lobectomia + istmectomia.
perdem sua proliferação autônoma, conferida pela €€ No caso de linfonodos cervicais positivos, esva-
mutação RET/PTC3. Além disso, vandetanibe inibe a ziamento cervical seletivo níveis II, III, IV e V e
proliferação e sobrevida celular mediadas pelo EGFR, linfonodos do compartimento central (nível VI).
como também bloqueia a angiogênese mediada pelo
VEGFR. Essa ação sobre vários alvos faz do vandeta- Pacientes de alto risco:
nibe um fármaco importante para a avaliação de vá- €€ Tireoidectomia total.
rias neoplasias, como o CMT. A FDA aprovou o van-
€€ Em casos de linfonodos cervicais metastáticos
detanibe para o tratamento do CMT avançado.
proceder ao esvaziamento cervical seletivo níveis
INCA: Classificação de risco versus conduta II, III, IV e V e dos linfonodos do compartimen-
terapêutica: to central (nível VI).
€€ Alguns autores defendem a adoção de esvazia-
mento cervical profilático de rotina no compar-
timento central nos casos de alto risco ou em
Pacientes de baixo risco:
tumores T4.
€€ Idade menor que 45 anos. €€ Complementação terapêutica cp, 131I.
€€ Carcinoma papilífero; carcinoma folicular que €€ Radioterapia externa para tumores não captantes
não de células de Hurthle. de iodo, e o tratamento deve englobar as regiões
€€ Tamanho menor que 3 cm. cervical e mediastinal, sendo requerida dose de
70 Gy para controle local de doença microscópi-
€€ Tumor intraglandular.
ca. A dose na medula espinhal tem de ser limi-
€€ Ausência de metástases a distância. tada a 45 Gy.

78 SJT Residência Médica - 2015


6 Câncer da tireoide,

€ Metástases a distância: 131I em tumores captan- conduta para os pacientes portadores de mutação. Na
tes de iodo ou radioterapia externa em tumores última reunião de consenso, estratificou-se o risco e
não captantes. uma série de decisões foi recomendado de acordo com
as mutações conhecidas.
A ATA (Associação Americana de Tireoide) criou
Pacientes de risco intermediário: um sistema de categorias de risco para a tireoidectomia
profilática, com base na mutação identificada. O nível
€ Abordagem terapêutica individualizada.
D inclui pacientes com mutação nos códons 883 e 918
€ Cada paciente deverá ser tratado de acordo com do RET, cuja doença se manifesta em uma idade mais
o grupo de risco a que mais se aproxime (baixo jovem, tem alto risco de metástases, e o seu fenótipo
risco ou alto risco). é a MEN-2B. Quando identificada de modo precoce, a
indicação de tireoidectomia profilática deve ser fei-
ta no primeiro ano de vida. O nível C é um pouco
menos agressivo e inclui a mutação mais frequente da
Tratamento do MEN-2A, no códon 634. Nessa situação, a tireoidec-
carcinoma medular tomia profilática deve ser feita antes dos cinco anos
de vida. O nível B inclui mutações com caráter menos
Por tratar-se de tumor agressivo, multifocal, bi- agressivo, localizadas nos códons 609, 611, 618, 620 e
lateral e que não responde a radioiodo, a recomenda- 630. Para esses casos, deve-se considerar a cirurgia an-
tes dos 5 anos, porém ela pode ser realizada algum
ção é tireoidectomia total. Isto inclui os pacientes
tempo depois, conforme algumas condições, como
com a forma esporádica e familiar. A retirada de todo
uma CT estimulada anual normal, US anual normal,
o tecido tireroidiano deve ser meticulosa, sem lesar as história familiar de doença menos agressiva e pre-
paratireoides. Além disso, recomenda-se a dissecção ferência familiar. O nível A é considerado a mutação
profilática dos linfonodos da região central do pes-
de menor risco, o CMT se manifesta com níveis mais
coço. Uma vez que o feocromocitoma é uma possibili-
baixos de CT, estágios tumorais mais leves e taxas mais
dade naqueles pacientes com doença familiar (MEN2), elevadas de cura após a tireoidectomia profilática.
deve-se afastá-lo antes de se decidir pela cirurgia.
Como o iodo não é captado pelos tumores medulares,
o seu emprego é inútil. A terapêutica supressiva tam-
bém não é efetiva, em termos de diminuir ou retardar
a evolução do tumor, mas deve ser empregada como
Tratamento do
terapêutica substitutiva. O seguimento deve ser fei- carcinoma anaplásico
to por meio de dosagens periódicas de CEA e cal-
citonina (após 3 meses e, depois, a cada 6 meses). A melhor perspectiva de cura para esses pacien-
Se os níveis de CT forem indetectáveis, o paciente tes é o diagnóstico precoce e a ressecção completa da
está em remissão bioquímica, e o seguimento será rea- lesão. Entretanto, somente em uma minoria (< 10%)
lizado com dosagens semestrais ou anuais de CT. Com dos casos conseguem-se resultados satisfatórios, de
CT < 150 pg/mL, recomenda-se US cervical e, se ne- modo que a sobrevida média não ultrapassa, na maio-
cessário, outros exames de imagem. Diante de valores ria das vezes, 4 a 6 meses do diagnóstico. Hoje em dia,
de CT > 150 pg/ML, estão recomendadas US cervical e o tratamento para o CAT é principalmente cirúrgico,
imagens adicionais, como TAC de tórax, pescoço e abdo- combinado com quimioterapia e radioterapia. Em uma
me, RNM de abdome, coluna e pelve, cintigrafia óssea e análise multivariada, não foi possível isolar nem a R x
F-FDG PET. Sempre que a doença residual estiver loca- T e/ou Q x T como fatores que tenham influenciado a
lizada no pescoço, existe a orpotunidade e indicação de sobrevida dos pacientes. Em contrapartida, nesse es-
uma cirurgia cervical. tudo, sexo feminino, idade < 60 anos, tumor < 7 cm
e tumor ainda restrito à tireoide foram fatores de
bom prognóstico.

Carcinoma medular familiar


(MEN 2A, 2B)
Tem-se recomendado recentemente a indicação
Tratamento do
da tireoidectomia profilática baseada no diagnóstico linfoma primário
genético, pois o códon mutado do RET correlaciona-se
com a variante do MEN2, incluindo-se a agressividade O uso do esquema CHOP (ciclofosfomida, doxor-
do MTC. Assim, o códon mutado e os achados clínicos rubicina vincristina e prednisolona) tem levado a uma
da família devem ser considerados na planificação da excelente taxa de sobrevida. O uso da ressecção cirúr-

79
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

gica, incluindo a tireoidectomia quase total ou total,


parece facilitar esses resultados, principalmente para
Linfoma primário de tireoide
linfomas MALT. Poderão ocorrer significativos edema €€ doença confinada à glândula – sobrevida entre
e inchaço pericapsular, com perda dos planos de tecido 75% e 85%;
normal. Os linfomas MALT são geralmente diagnosti- €€ doença extratireoidiana cervical – sobrevida en-
cados em um estádio precoce e têm curso indolente. tre 35% e 40%;
Linfomas de células largas, difusas e mistas têm com- €€ doença disseminada – 5% de sobrevida.
portamento mais agressivo e frequentemente tem
envolvimento disseminação. A taxa de sobrevida em
cinco anos do linfoma MALT aproxima-se dos 100%,
enquanto as taxas para linfomas de células largas e de
células mistas são de 71% a 78%.

Prognóstico
Classificação do risco prognóstico em pacientes com
cânceres bem diferenciados da tireoide
(AMES ou AGES)
Baixo risco Alto risco
Idade < 40 anos > 40 anos
Sexo Feminino Masculino
Extensão Sem extensão local, Invasão escapular,
intratideoide, extensão
sem invasão escapular intratideoide
Metástase Nenhuma Local ou distante
Tamanho < 2 cm > 4 cm
Grau Bem diferenciado Pouco diferenciado
Tabela 6.12  AGES: idade, grau de diferenciação patológica do tumor,
extensão e tamanho do tumor primário; AMES: idade, metástases a
distância, extensão do tumor primário e tamanho do tumor primário.

Os 5 a 10% dos casos de CP que evoluem para mor-


te são constituídos pelo grupo de pacientes com idade
superior a 40 anos que apresentam lesões aderentes às
estruturas adjacentes, com metástases invasivas cervi-
cais ou a distância e que apresentam variantes histo-
Figura 6.9  Carcinoma papilífero. A: nódulo hipoecoide relativamente
lógicas mais agressivas, como a variante de células
bem definido, com vascularização periférica e central no estudo com
altas ou colunares ou com invasão vascular. Doppler colorido; B: padrão fluxométrico de alta resistividade (veloci-
dade sistólica desproporcionalmente elevada em relação à velocidade
diastólica).

Carcinoma medular
€€ Prognóstico reservado.
€€ As metástases não respondem a iodo radioativo
e geralmente se fazem para:
– linfonodos regionais; pulmão; fígado; ossos.
A forma esporádica é mais agressiva que a forma
familiar (aqueles associados às síndromes endócrinas
múltiplas).

Carcinoma anaplásico
€€ prognóstico bastante sombrio;
€€ sobrevida média 6 a 8 meses.

80 SJT Residência Médica - 2015


6 Câncer da tireoide,

Figura 6.11 Carcinoma medular. A: nódulo sólido, hipoecogênico,


sem margens definidas, com microcalcificações na margem anterior,
hipervascularizado no estudo com Doppler colorido (B).

Figura 6.12 Radiografia panorâmica da bacia mostrando grande lesão


lítica no osso ilíaco direito. Paciente portador de carcinoma folicular.

Figura 6.10 Metástase de carcinoma papilífero da tireoide. Avaliação


do leito cirúrgico. A: PCI (8 horas) caracterizando hipercaptação no
leito cirúrgico à esquerda e no mediastino; B-C: avaliação ecogáfrica.
Note que as lesões nodulares têm características ecográficas sobrepos- Figura 6.13 Radiografia de tórax em PA mostrando lesões nodulares
tas àquelas descritas para o carcinoma papilífero; D-E: sequências de metastáticas nos campos pulmonares inferiores. Paciente portador de
RM demonstrando as lesões mediastinal (D) e cervical (E). carcinoma folicular.

81
72
Capítulo

ROTEIRO
As Glândulas
PROPEDÊUTICO
Paratireoides
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
7 As glândulas paratireoides

Introdução meio das artérias tireoideas inferiores, na grande


maioria dos casos, com a artéria tireoidea superior
As paratireoides têm origem nas terceira e quar- podendo irrigar as paratireoides superiores. Uma
ta bolsas branquiais. A proliferação celular na terceira glândula que veio localizar-se no mediastino, durante
bolsa branquial desenvolverá a glândula paratireoide in- sua migração embriológica, pode ser irrigada pela ar-
ferior, por alguns identificada como paratireoide III ou 3. téria tireoidea inferior, vasos tímicos, artéria mamária
Junto a ela desenvolve-se o timo. A proliferação celular interna ou, raramente, por ramo direto da aorta.
na quarta bolsa branquial ocasiona o surgimento da pa-
ratireoide superior. Por analogia, ela pode ser denomina-
da paratireoide IV ou 4. Há relato do desenvolvimento
de tecido tímico também na quarta bolsa branquial, mas
que em geral atrofia-se e desaparece. Desse modo, quan-
do se menciona o timo, refere-se ao tecido desenvolvido
a partir da terceira bolsa branquial.
A paratireoide III e o timo apresentarão seu de-
senvolvimento com aparente migração caudal. Na
maioria das vezes, a paratireoide III irá se situar na
proximidade do polo inferior da glândula tireoide. O
timo tende a posicionar-se no mediastino anterior. Os
primórdios do timo de cada lado se reúnem medial-
mente, justificando o caráter bilobado observado após
o nascimento. Em geral, esses lobos têm sua porção
cranial localizada na região cervical. Essas porções
cervicais são denominadas cornos tímicos. Os prolon-
gamentos do timo mantêm-se muitas vezes em cone-
xão com o polo inferior da glândula tireoide, através Figura 7.1 Sítios ectópicos de localização das glândulas para tireoides.
do ligamento tireotímico. A paratireoide IV também
apresenta aparente migração caudal, porém mais cur-
ta que a da paratireoide III. Dessa forma, na maioria
dos casos, a paratireoide IV terá situação final mais
Estrutura do PTH
cranial que a paratireoide III. O PTH é um peptídio com uma única cadeia de
As glândulas paratireoides apresentam localiza- 84 aminoácidos. A porção correspondente aos amino-
ções simétricas em grande proporção de casos. A si- ácidos, PTH (1 a 34), é altamente conservada, sendo
metria foi mais frequente nas glândulas superiores, essencial às ações biológicas da molécula. Fragmentos
observada em cerca de 80% dos casos. Nas inferiores, sintéticos modificados da sequência aminoterminal
a simetria foi de 70%. tão pequenos quanto o PTH (1 a 11) são suficientes
Além da inconstância na sua localização, o nú- para ativar o receptor principal. A região carboxiter-
mero de paratireoides também é variável. Embora minal do PTH se liga a um receptor distinto (cPTH-R),
haja descrições com o achado de apenas 2 ou 3 glân- porém ainda não foi clonada. Os fragmentos encur-
dulas paratireoides, o mais comum é o encontro de 4 tados ao nível do aminoterminal se ligam ao cPTH-R
glândulas paratireoides. Não é infrequente haver al- e inibem as ações dos fragmentos ativos do PTH de
gumas paratireoides a mais em um mesmo indivíduo. comprimento pleno (1 a 84) ou PTH (1 a 34).
Akerstrom et al. descreveram ocorrência de 13% de
paratireoides supranumerárias em estudo anatômico. Sua ação é basicamente hipercalcemiante. No in-
Há relatos de múltiplos focos de paratireoide, o que é testino, atua indiretamente por estimular a produção
denominado paratireomatose. de vitamina D que aumenta a absorção intestinal de
Cada paratireoide normal apresenta colora- cálcio. Nos rins, aumenta a reabsorção de cálcio nos
ção acastanhada, pesa em torno de 30 a 40 mg, o túbulos distais e na alça ascendente de Henle e, no
suprimento sanguíneo das paratireoides é feito por osso, estimula a reabsorção de cálcio.

Osso Rim Intestino


PTH aumenta a reabsorção de aumenta a reabsorção de cálcio e a não tem efeitos diretos (efeito indireto pela
cálcio e fosfato conversão da vitamina D ação da vitamina D convertida no rim)
Vitamina D aumenta o transporte de diminui a reabsorção de cálcio aumenta a absorção de cálcio e fosfato
cálcio
Calcitonina diminui a reabsorção de cál- diminui a reabsorção de cálcio e não tem efeitos diretos
cio e fosfato fosfato
Tabela 7.1

83
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

PTH estimula postos à radiação do pescoço são mais predispostos a


Reabsorção desenvolver hiperparatireoidismo.
Reabsorção tubular
O hiperparatireoidismo pode também se apre-
óssea
sentar fazendo parte da neoplasia endócrina múlti-
ão inte
pla tipo I (NEM I ou síndrome de Werner), quando
orç
A bs se associa a tumores de hipófise e/ou de pâncreas, ou

st
ina
NEM 2A (Síndrome Sipple), quando se associa a um

l
1,25(OH)2D3 carcinoma medular e/ou ao feocromocitoma, além de
estimula poder se apresentar como forma familiar isolada.
Hiperparatireoidismo secundário ocorre nos
casos de insuficiência renal crônica, raquitismo e
osteomalácia, sendo, nestes pacientes, uma resposta
Aumento do nível
sérico de cálcio
apropriada à hipocalcemia. A persistência por muito
tempo nestes quadros induz o hiperparatireoidismo
terciário, quando as paratireoides se tornam autôno-
Figura 7.2  Homeostasia do cálcio e paratormônio (PTH). 1,25
(OH)2D3, 1,25-diidroxicolecalciferol. mas. Tiazídicos aumentam a reabsorção renal de
cálcio e o lítio aumenta a secreção de PTH. Deve-
-se, então, repetir dosagens de cálcio e PTH após pe-
ríodo sem uso destas medicações. (Atenção!)

Hiperparatireoidismo Etiologia do hiperparatireoidismo


primário primário entre 20.225 pacientes
Etiologia Frequência
Adenoma único 88,90%
Prevalência Hiperplasia 5,74%
Deve existir uma correlação inversa (feedback Adenoma duplo 4,14%
negativo) entre a calcemia e a secreção de PTH. O Carcinoma 0,74%
hiperparatireoidismo primário caracteriza-se pelo Tabela 7.2
aumento inapropriado do PTH na presença de uma
calcemia elevada ou normal alta. Causas de hiperparatireoidismo primário familiar
Hiperparatireoidismo primário acomete 27 Neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (MEN 1) e tipo 2A (MEN
pessoas em cada 100.000 por ano, sendo que a inci- 2A)
dência é aumenta com a idade e maior no sexo femi- Síndrome de hiperparatireoidismo-tumor de mandíbula
nino (3:1), também é mais frequente entre os 40 e
Hipercalcemia hipocalciúria familiar
65 anos. É uma doença que preocupa mais pela sua
morbidade que pela mortalidade. É responsável por Hiperparatireoidismoo familiar isolado
75% dos casos de hipercalcemia diagnosticados Tabela 7.3
ambulatorialmente, geralmente em exames de ro-
tina, e por 25% dos casos de diagnóstico hospita-
lar, em que a maioria das hipercalcemias decorre Quadro clínico
de neoplasias. A maioria é assintomática. Quando presentes, os
sintomas decorrem da hipercalcemia, da nefrolitía-
Etiologia se ou doença óssea, sendo que o esqueleto apendicular
é mais acometido do que a coluna, e o osso cortical
Os adenomas constituem a mais frequente
mais do que o trabecular. Crise hipercalcêmica inclui
causa de hiperparatireoidismo, sendo em sua maio- anorexia, polidipsia, poliúria, fadiga, fraqueza muscu-
ria únicos (80% dos casos). Alterações genéticas nos lar, artralgia, náuseas, vômitos, dor abdominal, déficit
cromossomos 1 e 11 (relocação e deleções) predis- de memória, constipação e depressão, com relatos até
põem ao seu desenvolvimento. O aumento de todas as de suicídio.
glândulas paratireoides (hiperplasia) é a segunda cau-
sa mais frequente e quando este aumento é assimétri- Cerca de 20% dos casos de hiperparatireoidis-
co, pode ser confundido com adenoma. Os carcino- mo apresentam nefrolitíase (principalmente aqueles
mas são raros (1% dos casos) e, apesar de indolentes casos de evolução lenta), mas apenas 5% dos casos de
e de evolução lenta, apresentam maior morbidade nefrolitíase têm hiperparatireoidismo.
em decorrência da hipercalcemia severa que podem Quando as glândulas paratireoides são clara-
induzir (> 14 mg/dL); as metástases são linfáticas ou mente palpáveis, este achado é habitualmente in-
hematogênicas (fígado, osso, pulmão). Pacientes ex- dicativo de malignidade.

84 SJT Residência Médica - 2015


7 As glândulas paratireoides

Pacientes com hiperparatireoidismo são mais pro- Hipomagnesemia pode eventualmente estar pre-
pensos a apresentar úlcera péptica (presente em 15% dos sente, já que a reabsorção tubular de magnésio, ainda
pacientes), hipertensão, insuficiência cardíaca e pancrea- que estimulada pelo PTH, é inibida pela hipercalce-
tite (hipercalcemia e hipertrigliceridemia são duas causas mia. A magnitude de elevação do PTH e das demais
metabólicas de pancreatite aguda). O uso de antiácidos e alterações bioquímicas é mais pronunciada em pacien-
de diuréticos tiazídicos pode piorar a hipercalcemia. tes com envolvimento esquelético que naqueles com a
Hipercalcemia grave: calcemia > 14 mg/dL ou iô- forma assintomática.
nico > 7 mg/dL exige atendimento imediato e agressivo.
Exames de imagem
Manifestações clínicas no HPT primário
Nos estágios iniciais, a radiografia simples é de
Indivíduos assintomáticos valor limitado, pois as alterações só aparecerão após
Elevação da calcemia e/ou do nível de PTH, sem sintomas re- algum tempo de evolução. Osteoclastomas ou tumores
lacionados ao HPT marrons são lesões semelhantes àquelas da malignida-
Indivíduos sintomáticos de e ocorrem nos casos avançados de osteíte fibrosa cís-
tica. O PTH age preferencialmente no osso cortical
Aparelho Dor óssea Fratura
(isto ocorre em função de o PTH ter ação catabólica
locomotor Dor articular Tumor marrom
no esqueleto apendicular – sobretudo nos terços mé-
Osteopenia Osteoporose
dio e distal do rádio – e anabólica no esqueleto axial
Sistema Nefrolitíase Nefrocalcinose e insufici- [vértebras]), de modo que o estudo densitométrico
urinário Polidipsia ência renal crônica deve incluir sítios com predominância de osso cortical,
Poliúria com hipercalci-
como o terço medial do rádio, no qual se demonstrará
úria
osteoporose. Devido ao elevado turnover ósseo, a cinti-
Aparelho Dor articular Pancreatite lografia óssea mostrará hipercaptação focal ou difusa.
digestivo Anorexia Úlcera péptica
Náusea Obstipação A densitometria óssea pode mostrar osteopenia e/
ou osteosporose. A cintilografia com 99Tc-sestamibi é clas-
Neuropsí- Depressão Perda de memória sicamente considerada o exame mais sensível. Na presen-
quicos Astenia Fraqueza muscular
ça de doença óssea importante, devido ao maior volume
Irritabilidade Coma
do adenoma, o exame tende a ser sempre positivo.
Outros Hipertensão Risco aumentado de cân-
Gota e pseudogota cer?
Risco aumentado para
óbito?
Tabela 7.4

Diagnóstico
A rotina diagnóstica do HPTP inclui a dosagem sé-
rica do cálcio, fósforo, albumina, fosfatase alcalina, PTH
intacto (de preferência, com ensaios multissítios por
quimioluminescência ou imunorradiometria), 25(OH)-
-vitamina D (25-OHD) e creatinina. A urina de 24 h
deve ser coletada para dosagem de cálcio. A maioria dos
pacientes com HPTP têm níveis de PTH elevados, mas
em até 20% a 25% dos casos, eles se encontram nor- Figura 7.3 Hiperparatireoidismo primário. Reabsorção subperiostal
mais (em geral, no limite superior da normalidade). (alteração radiológica mais precoce e comum). As áreas de insuflação
correspondem ao tumor marrom.
Outras alterações bioquímicas do HPTP, com me-
nor valor diagnóstico, incluem hipofosfatemia (detecta-
da em aproximadamente 25% dos pacientes), hipercalci-
úria (em cerca de 40% e em 100% quando há nefrolitía-
se), aumento da 1,25(OH)2 vitamina D (em um terço dos
casos), elevação do AMP cíclico urinário e, com menos
frequência, acidose metabólica hiperclorêmica. Esta últi-
ma é vista nos casos com níveis muito altos de PTH, com
consequente inibição da reabsorção tubular de fosfato.
Portanto, hipercloremia e diminuição do bicarbonato
sérico são achados úteis na diferenciação entre HPTP e
outras causas de hipercalcemia. No HPTP, os marcado-
res bioquímicos da formação óssea (exemplo: fosfatase
alcalina e osteocalcina séricas) e reabsorção óssea, como Figura 7.4 Hiperparatireoidismo primário. Raio X de crânio. Aspecto
o C-telopeptídio, com frequência estão aumentados. em “sal e pimenta”.

85
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

casos. Já nos casos de hiperparatireoidismo primário,


a associação dos dois métodos localiza corretamente
o tumor em 95% dos casos. Nos pacientes que não
foram submetidos a qualquer exame de imagem no
pré-operatório, os tumores podem ser corretamente
identificados no peroperatório, por um cirurgião ex-
periente, em até 95% das vezes Os casos de insucesso
na localização da lesão durante a cirurgia devem ser
submetidos à cateterização venosa seletiva com dosa-
gem de PTH, o que localiza o tumor em até 80% dos
casos. A tomografia e a ressonância nuclear magnética
apresentam baixa sensibilidade para localização do tu-
mor. Podem ser utilizadas para localização de tumores
ectópicos, como os localizados no mediastino. A bióp-
Figura 7.5  Hiperparatireoidismo primário. Lesões císticas.
sia com agulha fina pode ser útil para diferenciação
entre a glândula paratireoide e linfoadenopatia.

Diagnóstico diferencial
As neoplasias podem causar hipercalcemia
por dois mecanismos: a) produção de PTH-rp (PTH-
related peptide) pelo tumor (pulmão, rim, ovário, esô-
fago), que se liga ao mesmo receptor do PTH e aumen-
ta calcemia; b) destruição direta do osso adjacente ao
tumor (mieloma, linfoma, carcinoma metastático de
mama). A dosagem de PTH intacto não sofre inter-
ferência do PTH-rp, de modo que estará suprimida
nestes casos.
Na hipercalcemia hipocalciúrica familiar, um de-
feito ativador no receptor do cálcio faz com que haja um
estímulo na liberação de PTH independentemente dos
níveis de cálcio sérico. O PTH está normal alto ou alto,
existe história familiar e a calciúria é < 100 mg/dL.
Como os sintomas de hipercalcemia são muitas
vezes inespecíficos, o hiperparatireoidismo deve sem-
pre ser considerado no diagnóstico diferencial de ou-
tras patologias como depressão e fibromialgia.
Figura 7.6  Cintilografia com sestamibi marcada com 99Tc, eviden-

Tratamento ciando hipercaptação (seta) na topografia de um adenoma de parati-


reoide ectópico (topografia aortopulmonar).

Localização do adenoma
Em 75% dos casos é possível localizar o tumor
com ultrassonografia cervical e em 80% dos casos
com a cintilografia com sestamibi.
A sestamibi é uma proteína de baixo peso mo-
lecular marcada com tecnécio-99. Após a adminstra-
ção via endovenosa, é captada somente pelo tecido da
paratireoide hiperprodutora de PTH. Como as para-
tireoides normais estão suprimidas, elas não captam
o radiofármaco. No caso de hiperparatireoidismo se-
cundário, que cursa com hiperplasia das glândulas, a
ultrassonografia e a cintilografia com sestamibi iden- Figura 7.7  Cintilografia com sestamibi marcada com 99Tc, eviden-
tificam corretamente as lesões em somente 35% dos ciando um adenoma de paratireoide inferior esquerda (seta).

86 SJT Residência Médica - 2015


7 As glândulas paratireoides

Figura 7.8 Ultrassonografia evidenciando imagem hipoecoica parati- Figura 7.9 MRI mostrando um hipersinal no lado esquerdo da região
reoidiana compatível com adenoma de paratireoide esquerda. cervical consistente com adenoma de paratireoide (seta).

Imagenologia pré-operatória em pacientes com hiperparatireoidismo primário


Sensibilidade Especificidade Custo Segurança
Não Invasivo
Sestamibi Moderada Moderada Moderado Segura
SPECT Sestamibi Alta Alta Moderado Segura
Ultrassonografia Moderada Moderada Baixo Segura
TC Baixa Moderada Moderado Radiação
RM Baixa Moderada Moderado Segura
PET-TC ? ? Alto Radiação
Invasivo
Angiografia Moderada Moderada Muito alto Hematoma, AVC, nefropatia*
Localização venosa Alta Alta Muito alto Hematoma, nefropatia*
Biópsia por ultrassonografia Alta Alta Moderado Hematoma, infecção
Tabela 7.5 (*) Nefropatia por contraste intravenoso; TC: tomografia computadorizada; AVC: acidente vascular cerebral; RM: ressonância magné-
tica; PET: tomografia por emissão de pósitrons; SPECT: tomografia computadorizada por emissão de fóton único.

Tratamento da crise hipercalcêmica Tratamento da hipercalcemia (cont.)

Na crise hipercalcêmica a hidratação é a medi- Terapia farmacológica


da terapêutica mais importante, que, associada aos Inibidores da reabsorção óssea
diuréticos de alça (furosemida), faz com que haja um Bifosfonatos
aumento na perda urinária renal. Bifosfonatos (pami- Calcitonina
dronato venoso) diminuem a reabsorção óssea, con- Plicamicina
trolando então a hipercalcemia. Glicocorticoides tam- Nitrato de gálio
bém podem ser usados. Recentemente, foi aprovado o
Glicocorticoides*
uso de cinacalcet, que atua sobre o recpetor de cálcio.
Tabela 7.6 (*) Nas doenças granulomatosas, intoxicação por vitamina
D e malignidades hematológicas.
Tratamento da hipercalcemia
Medidas gerais Os bifosfonatos são análogos ao pirofosfato que
apresentam alta afinidade pela hidroxiapatita do osso.
Hidratação com solução fisiológica
Esses compostos inibem, de maneira potente, a ativida-
Diuréticos de alça
de dos osteoclastos por até 1 mês. Na hipercalcemia por
Diálise
lesões malignas, o pamidronato (90 mg IV) ou o ácido
Mobilização
zoledrônico (4 mg IV, como tratamento inicial, 8 mg

87
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

no tratamento recidivo) normaliza o nível de cálcio na A grande frequência de doença uniglandular no


maioria dos pacientes. Embora a dose única de pamidro- HPT primário e o aperfeiçoamento dos métodos de lo-
nato seja capaz de reduzir os níveis de cálcio, evidências calização pré-operatórios determinaram a proposição
recentes sugerem que o ácido zoledrônico possa tornar- de exploração unilateral ou direcionada. A operação
-se o bifosfonato de escolha, devido ao seu início rápido pode ser realizada sob anestesia local.
de ação e à capacidade de duplicar o tempo até a recidiva. Em algumas situações utiliza-se a informação de
Entretanto, o ácido zoledrônico também tem sido asso- um método de imagem de localização e a operação é
dado a um comprometimento da função renal. realizada apenas no lado suspeito do pescoço. Outra
proposta é a utilização de sonda de prospecção de ra-
diação intraoperatória, denominada cirurgia ou ope-
Tratamento cirúrgico ração radioguiada. Sugeriu-se que a excisão de tecido
O hiperparatireoidismo primário é trata- suspeito com emissão de radiação 20% superior à ra-
do com paratireoidectomia. A maioria dos autores diação de fundo caracterizaria o adenoma e dispensa-
concorda com a indicação de cirurgia nos pacientes ria a identificação de outras glândulas. A experiência
sintomáticos ou nos pacientes com idade inferior a dos presentes autores não confirma essa suposição. A
50 anos. Existe controvérsia em relação aos assinto- cirurgia radioguiada parece ter sua melhor aplicação
nas reoperações por HPT, onde poderá diminuir a área
máticos, principalmente pela falta de consenso em
de trauma cirúrgico.
relação a sua definição. O NIH (National Institutes of
Health) define como assintomática a ausência dos si- A associação da dosagem do PTH durante a ma-
nais e sintomas comuns do hiperparatireoidismo pri- nipulação cirúrgica, o chamado PTH intraoperatório
mário, incluindo distúrbios renais, ósseos, intestinais (ioPTH), permitiu maior aderência às operações dire­
e neuromusculares. Alguns autores demonstraram cionadas. Entre os recursos auxiliares para as opera-
que pacientes assintomáticos permaneceram estáveis ções direcionadas, o ioPTH mostrou maior acurácia e
após 10 anos de seguimento. No entanto, o consenso sensibilidade.
do NIH considerou alguns pacientes assintomáticos Na utilização do ioPTH é importante que seja
como candidatos ao tratamento cirúrgico.. coletada uma amostra, que será a linha de base para
Indicações cirúrgicas para o hiperparatireoidismo comparação dos resultados subseqüentes, antes do
primário de acordo com o Terceiro Workshop início da exploração cervical. Admite-se que a opera-
Internacional dos NIH sobre o Manuseio do ção é eficaz se ocorre queda de 50% desse nível basal
Hiperparatireoidismo Primário Assintomático 10 minutos após a retirada da paratireoide anormal.
Nefrolitíase Outros autores utilizam uma queda superior a 50%
Osteíte fibrosa cística após 5, 10 ou 15 minutos da extirpação.
HPTP assintomático, associado a uma ou mais das seguintes
situações: A utilização do ioPTH é frequente e talvez pos-
Cálcio sérico > 1 mg/dL acima do limite superior da norma- sa evitar o exame anatomopatológico intraoperatório
lidade pelo método da congelação. Entretanto, a técnica não
Clearence de creatinina < 60 mL/min./1,73 m2 está isenta de falhas. Uma indicação bastante útil da
Escore T < -2,5 na coluna lombar, quadril e/ou antebraço
técnica do ioPTH é na reexploração cirúrgica por HPT
Idade < 50 anos
Pacientes cujo acompanhamento médico não seja possível ou persistente ou recidivado. O ioPTH pode aumentar o
desejado grau de confiança de que determinado tecido retirado
Tabela 7.7 seja da paratireoide hiperfuncionante, e dessa forma
permitir o término da dissecção e minimizar traumas
Acompanhamento dos pacientes e riscos às demais estruturas. Além disso, a queda do
sem indicação de cirurgia nível de PTH nesse momento pode fundamentar a
Parâmetro Solicitação decisão de autoimplante imediato de parte do tecido
retirado, com diminuição do risco de hipoparatireoi-
Cálcio sérico Anualmente
dismo definitivo.
Cálcio urinário nas 24 h Não recomendado
Observou-se que a taxa de recidiva do HPT foi
Clearence de creatinina (amos-
Não recomendado se­melhante entre os doentes tratados por exploração
tras urinárias de 24 h)
bilateral e aqueles tratados de forma focalizada com
Acompanhamento dos pacientes uso do ioPTH, ocorrendo em 1,5% dos casos, mas
sem indicação de cirurgia (Cont.)
utilizou-se apenas a eucalcemia como critério de cura.
Creatinina sérica Anualmente Nesse ponto, convém salientar que a normocalcemia
Densitometria óssea A cada 1 a 2 anos (3 sítios) é um critério de cura questionável. Com o uso do ioP-
Raio X abdominal (e/ou ultras- TH, muitos grupos não se valem apenas da calcemia
Não recomendado
sonografia) para controle pós-operatório e passaram a realizar
Tabela 7.8 dosagem do PTH sistemática, mesmo com calcemia

88 SJT Residência Médica - 2015


7 As glândulas paratireoides

normal. Observaram 15% de elevação do PTH, com Reoperação de Paratireoidectomia


normocalcemia, relatando variação na literatura de
8% a 40% dos casos. A reoperação de paratireoidectomia é indicada
para o HPT persistente e recorrente. O HPT persis-
A elevação do PTH após paratireoidectomia por tente é definido como uma incapacidade de alcançar
HPT primário pode ocorrer de forma transitória. Essa a normalização dos níveis séricos de cálcio após a ex-
elevação pode prolongar-se por meses e parece estar ploração inicial e representa a ocorrência de uma falha
relacionada ao processo de remineralização óssea. Há técnica imediata. A doença recorrente é definida pela
também a hipótese de diminuição da sensibilidade re- normalização inicial dos níveis séricos de cálcio, mas
nal ao PTH. Entretanto, a elevação do PTH pode ser seguida por hipercalcemia tardia, após 6 meses de eu-
persistente. Nesse caso, causas de HPT secundário, calcemia.
como deficiência de vitamina D ou alteração de função A localização pré-operatória e o uso de ensaio
renal, devem ser pesquisadas. A outra possibilidade é imunométrico rápido para dosagem de PTH intraope-
a recidiva do HPT. ratório são procedimentos coadjuvantes importantes
Outra proposta de inovação na abordagem do para melhorar as taxas de sucesso durante a reinter-
HPT é a utilização do acesso por vídeo. Essa aborda- venção cirúrgica das paratireoides. Uma nova explo-
gem pode propiciar uma incisão um pouco menor. ração cervical sempre será um procedimento mais
A técnica já foi empregada com sucesso também em complexo, devido ao tecido cicatricial e à alteração na
hiperplasia familiar, que seria uma das contraindica- conformação dos planos teciduais normais. O proce-
ções para o método. Outra contraindicação relativa é dimento envolve um risco maior devido a uma proba-
a doença associada da tireoide, observada em cerca de bilidade maior de lesão nos nervos laríngeos superior
e recorrente. Portanto, a revisão dos dados da explo-
40% dos casos. A abordagem vídeoassistida deve ser
ração inicial (levando-se em conta a observação das
evitada nos pacientes com características clínicas pré-
paratireoides encontradas, biopsiadas ou excisadas,
-operatórias que sugiram carcinoma de paratireoide.
de relatórios cirúrgicos e do exame histopatológico)
Nesses casos, a operação inicial é muito importante e a obtenção de imagens pré-operatórias adequadas
para a cura do paciente. Ela inclui a ressecção do lobo são procedimentos essenciais para a exploração cirúr-
tireóideo ipsilateral e esvaziamento da cadeia linfono- gica guiada. Nos casos de reexploração, pode ser útil
dal recorrencial. ter um sistema de criopreservação disponível, pois o
No HPT associado à NEM tipo 1, a intervenção único tecido de paratireoide remanescente pode ser,
cirúrgica envolve a exploração das quatro glândulas de fato, o sítio da doença persistente ou recorrente.
e do timo, que é ressecado pelo acesso cervical. A hi- A experiência com a cirurgia das paratireoides
perplasia é assimétrica na maioria dos pacientes, po- ainda é o fator preditivo mais importante de sucesso
dendo propiciar o falso diagnóstico de adenoma ou na reoperação de paratireoidectomia. A abordagem la-
de duploadenoma. A ressecção simultânea do timo é teral para a paratireoidectomia, descrita primeiro por
recomendada pela possibilidade de uma paratireoide Feind – especificamente, dissecção entre a margem an-
supranumerária (15%) e pelo risco de tumores carci- terior do músculo esternocleidomastóideo e a margem
noides. posterior dos músculos pré-tireoideanos – pode ser de
grande valor. Essa abordagem fornece um plano de
A situação mais complexa de tratamento do HPT
dissecção que tem maior probabilidade de estar livre
primário são as recidivas ou persistências. Podem ser
de tecido cicatricial da exploração prévia, com relação
operações extremamente trabalhosas e demoradas, ao que ocorre com as abordagens tradicionais por via
com maiores riscos de lesões de estruturas cervicais, anterior. Algumas vezes, é necessário realizar uma es-
de hipoparatireoidismo definitivo ou de persistência ternotomia mediana parcial ou (raramente) total, no
da doença. momento da reexploração, para paratireoides localiza-
A frequência da doença e o incremento do diag- das no mediastino. A taxa de sucesso de 85% a 95%
nóstico acarretarão o aumento dos casos com falha na pode ser alcançada por cirurgiões com experiência em
operação inicial. Independentemente da experiência cirurgia endocrinológica, em casos de reoperação.
do cirurgião, na intervenção cirúrgica por HPT a ati-
tude deve ser de humildade. A exploração inicial por
HPT pode parecer uma operação elementar, mas em Complicações
potencial é uma cirurgia complexa. Desse modo, cada Entre as complicações da paratireoidectomia,
operação sobre as glândulas paratireoides deve ter re- a principal é a hipocalcemia temporária (10%) ou
gistros muito claros dos achados, com descrição do ta- permanente (2%), com lesão do nervo laríngeo infe-
manho e da localização das glândulas encontradas, de rior, formação de hematoma e infecção de sítio cirúr-
biópsias ou de excisões realizadas. gico sendo de ocorrência eventual.

89
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

A hipocalcemia é identificada por meio do


exame clínico e da dosagem periódica de cálcio no
Autotransplante de paratireoide
pós-operatório, realizada de rotina na 6ª hora de O autotransplante de paratireoide deve ser reali-
pós-operatório e na manhã seguinte à cirurgia. A zado quando o cirurgião opta pela paratireoidectomia
manifestação de hipocalcemia pode incluir pares- total para o tratamento de hiperplasia de paratireoides.
tesia perioral ou dos dedos, contrações musculares A técnica é facilitada pela colocação da glândula em so-
e laringoespasmo. Os sinais de hipocalcemia mais lução salina a 4°C, pois o esfriamento permite que a pa-
importantes são os de Chvostek e o de Trousseau, ratireoide seja cortada em pequenas fatias de 1 a 3 mg,
embora possam estar presentes em pessoas nor- com 10 a 20 dessas sendo implantadas no músculo esco-
mais, especialmente o primeiro. Suplementos veno- lhido pelo cirurgião, sendo recomendado como padrão a
sos de cálcio, como o gluconato de cálcio, devem ser musculatura anterior do antebraço não dominante.
prescritos apenas para pacientes sintomáticos ou com Cada pequeno fragmento é implantado em uma
cálcio sérico abaixo de 7,5 mg/dL, pois a presença de bolsa muscular, feita por divulsão, e marcada após com
níveis elevados de cálcio inibe o tecido paratireoideo fio de sutura não absorvível, devendo ser usados de 20
remanescente. A preferência, no tratamento de hipo- a 40 mg de tecido paratireoideo. As paratireoides extir-
calcemia leve, é pela reposição oral de cálcio e vitamina padas para tratamento de hiperplasia devem ser enca-
D, que são mantidos até que haja evidência de norma- minhadas para criopreservação, podendo ser utilizadas,
lização persistente do nível sérico de cálcio e normali- mais tarde, em caso de insucesso do autotransplante.
zação do PTH. Cerca de dois meses após o autotransplante, o tecido
implantado já se apresentará neovascularizado e fun-
cionante, fato que é confirmado pelo exame clínico do
paciente e pela detecção de níveis adequados de PTH.

Acompanhamento dos pacien-


tes não submetidos à cirurgia
Os pacientes devem ser acompanhados regular-
mente, para se detectar precocemente alguma com-
plicação. Aqueles não operados devem ter avaliação
semestral da calcemia e anualmente devem avaliar a
creatinina e a densidade óssea lombar, do quadril e
do antebraço. Deve-se controlar a pressão arterial e,
Figura 7.10  Sinal de Trousseau.
se o paciente for hipertenso, evitar o uso de tiazídicos
(aumentam a calcemia), a desidratação e a imobiliza-
ção (que elevam cálcio) e manter uma ingestão normal
Síndrome da fome óssea (SFO) de cálcio, pois a dieta pobre em cálcio estimula ainda
mais o PTH. A reposição de fosfato não é indicada de-
Pode acontecer no pós-operatório de uma para- vido ao risco de calcificações metastáticas (o fosfato
tireoidectomia bem sucedida em pacientes com hiper- se liga ao cálcio e se deposita em partes moles). Nas
paratireoidismo primário (mais comum naqueles com mulheres menopausadas, a reposição estrogênica al-
envolvimento ósseo intenso). Resulta da ávida capta- gumas vezes já é suficiente para diminuir a calcemia
ção de cálcio e fósforo pelos ossos. Caracteriza-se por a valores toleráveis. Radiografias de abdome podem
sintomas de hipocalcemia associados à hipocalcemia e detectar cálculos renais.
à hipofosfatemia. Em geral, pode ser diferenciada do
hipoparatireoidismo pós-cirúrgico pelos níveis séricos
de fosfato (elevados no HPT e baixos na SFO). SFO foi
também descrita em casos de metástases osteoblásti- Hiperparatireoidismo
cas de câncer de próstata.
A ocorrência da SFO pode ser prevenida ou mi-
secundário
nimizada pela administração de cálcio e altas doses A insuficiência renal crônica é a causa mais fre-
de vitamina D no pós-operatório. Também bastan- quente do HPT secundário. Em geral, os doentes apre-
te útil na nossa experiência é o uso de bisfosfonatos sentam doença renal de longa evolução e tempo prolon-
antes da cirurgia: pamidronato (90 mg IV, 5 a 7 dias gado de diálise. De modo diferente do HPT primário,
antes) ou alendronato (140 mg VO, a cada 7 dias, por os portadores de HPT secundário são ainda muito sin-
4 semanas). tomáticos, quadro esse que está, felizmente, mudando.

90 SJT Residência Médica - 2015


7 As glândulas paratireoides

No hiperparatireoidismo secundário existe au- A terapia invasiva engloba a paratireoidectomia e


mento da secreção de PTH em resposta ao nível sé- as injeções percutâneas de etanol ou calcitriol guiadas
rico diminuido de cálcio secundário a doenças renais por ultrassonografia. A injeção percutânea de etanol
ou a doenças intestinais que cursam com má absorção. foi empregada com bons resultados. Ela depende de
Nessa situação, ocorre hiperplasia reacional de todas profissional experiente.
as glândulas paratireoides em resposta ao baixo nível A paratireoidectomia ainda é a técnica que pro-
sérico de cálcio. picia melhores resultados no tratamento do HPT
secundário não responsivo ao tratamento clínico.
Diagnóstico Existem diferentes opções técnicas. Na paratireoi-
dectomia subtotal, parte de uma glândula é deixada
A osteodistrofia renal é uma denominação que com seu pedículo na região cervical. Na paratireoi-
engloba o conjunto de doenças ósseas no indivíduo dectomia total são ressecadas todas as glândulas de-
renal crônico, desde retardo do crescimento até qua- tectadas. A mais utilizada atualmente é a técnica
dros histológicos bem definidos. Existem doenças de paratireoidectomia total com autoimplante
com alto remanejamento ósseo (osteíte fibrosa), imediato heterotópico.
baixo remanejamento ósseo (osteomalácia, doença
Diferentes autores têm discutido a superioridade
óssea adinâmica) e a doença mista, que tem simul-
de determinada técnica sobre outra. A paratireoidec-
taneamente características morfológicas de baixo e
tomia no HPT secundário busca menor risco de reci-
alto remanejamento ósseo. Além delas, o doente dia-
diva com longo tempo de evolução e menores taxas de
lítico pode apresentar intoxicação óssea pelo alumí-
hipoparatireoidismo.
nio e amiloidose. A sintomatologia pode ser muito
semelhante entre essas diferentes afecções, mas seu No paciente dialítico, submetido à paratireoidec-
tratamento pode ser substancialmente diferente. En- tomia por HPT secundário, o cuidado imediato após a
quanto na osteíte fibrosa há indicação de paratireoi- operação é muito importante. Muitas vezes há neces-
dectomia, a intoxicação alumínica deve ser tratada sidade de reposição de grandes quantidades de cálcio e
clinicamente com desferrioxamina. calcitriol, logo após as primeiras horas da abordagem
cirúrgica. No transplantado renal, o desenvolvimento
Os exames laboratoriais do doente renal crônico
da hipocalcemia após a paratireoidectomia parece ser
com HPT secundário mostram o PTH bastante eleva-
um pouco mais tardio e menos intenso do que no do-
do. Admite-se que o hormônio esteja pelo menos mais
ente em diálise. A reposição pode ser feita com doses
de três vezes acima do limite superior da normalidade
menores de cálcio e vitamina D. Mesmo assim, reco-
para o método, pois até esse nível considera-se au-
menda-se a monitorização diária do nível de cálcio,
mento compensatório para o paciente em diálise.
pelo menos nos três primeiros dias. A seleção do mate-
A maioria dos doentes dialíticos apresenta eleva- rial a ser implantado é um ponto técnico importante,
ção do fósforo no sangue. A calcemia pode ser normal, pois as áreas nodulares têm capacidades proliferativas
diminuída e, mais raramente, elevada. A fosfatase al- maiores e apresentam maiores taxas de recidiva do
calina também está frequentemente elevada nesses HPT, em longo prazo.
casos. Algumas vezes, porém, o estabelecimento do Demonstrou-se que o implante de áreas nodula-
exato diagnóstico da causa da osteodistrofia renal so- res associa-se à taxa de recidiva de 60% em 10 anos,
mente é possível com a biópsia óssea. enquanto para implante de área de hiperplasia difusa
No indivíduo com transplante renal, o quadro essa taxa é de 20%.
metabólico é semelhante ao do HPT primário. O diag- A preferência pelo implante heterotópico no an-
nóstico de HPT estará relacionado à elevação do PTH tebraço é justificada pela possibilidade de dosagem
com hipercalcemia. Pode ocorrer hipofosfatemia e ele- do PTH no membro com o implante e sem o implan-
vação da calciúria de 24 horas. te (nível sistêmico). A comparação das medidas pode
servir de referência ao funcionamento do implante.
Tratamento cirúrgico Em caso de recidiva, o nível de PTH no membro com
implante é significativamente maior em relação ao
O paciente renal crônico, em tratamento dialí- chamado nível sistêmico. Quando os níveis são muito
tico, cujo HPT não foi controlado com o tratamento semelhantes, a suspeita maior é de recidiva por uma
clínico necessita de terapia invasiva. O mesmo vale glândula supranumerária. Em doentes com recidiva
para o indivíduo cujo HPT persistiu ou desenvolveu-se do HPT em razão do autoimplante, Arap observou
após o transplante renal bem sucedido. que a média do nível de PTH no membro com im-
Há evidência de que existe uma fase de prolife- plante foi de 2.235 pg/mL e a média do nível do hor-
ração policlonal no HPT secundário e posteriormen- mônio foi de 400,5 pg/mL no membro sem implante.
te uma proliferação monoclonal, que caracterizaria o Entretanto, outros autores preferem o implante pré-
HPT terciário. -esternal, com bons resultados.

91
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Em cerca de 24% dos casos a recidiva ocorre O Hipoparatioreoidismo pode ocorrer após
devi­do a uma glândula supranumerária e sua de- a realização de paratireoitomias, quando há des-
tecção na primeira operação evitaria a recidiva. Há vascularização ou trauma das glândulas ou, mais
opinião de que o ioPTH pode auxiliar na suspeita de comumente, após a realização de tireoidectomia
glândula supranumerária. Também no HPT secun- total, quando as paratireoides são removidas inad-
dário não há unanimidade quanto à confiabilidade vertidamente.
no ioPTH. A reoperação não relacionada ao autoim- Hipoparatireoidismo transitório pode ser obser-
plante deve ser precedida por exames de localização. vado após a remoção de adenoma em razão de supres-
Esses exames devem analisar adequadamente o pes- são das paratireoides remanescentes. Também ocorre
coço e o mediastino. após paratireoidectomia subtotal ou autotransplan-
Outra modalidade de reoperação em HPT secun- te de paratireoide para o tratamento de hiperplasia,
dário é no tratamento do hipoparatireoidismo, com a quando ocorre interferência com o suprimento san-
utilização de paratireoide criopreservada. A utilização guíneo do tecido remanescente.
de material criopreservado pode reverter o quadro de O hipoparatireoidismo deve ser diferenciado
hipoparatireoidismo, mesmo após longo tempo de da “fome óssea”. Essa situação ocorre quando existe
criopreservação. desmineralização óssea intensa consequente ao hiper-
paratireoidismo e o paciente é tratado com paratireoi-
dectomia. No pós-operatório ocorre deposição intensa
do cálcio no osso, causando hipocalcemia. Podem-se
Hiperparatireoidismo diferenciar as duas situações pelo nível sérico de fós-
terciário foro. No hipoparatireoidismo ocorre diminuição do
nível sérico de cálcio e elevação do nível sérico de fós-
O hiperparatireoidismo terciário ocorre nas foro. Na fome óssea ocorre diminuição tanto do nível
situações de hiperparatireoidisrno secundário em sérico de cálcio quanto do nível sérico de fósforo.
que a hiperplasia glandular torna-se autônoma, ou A hipocalcemia aguda resulta em diminuição do
seja, independente do nível sérico de cálcio. nível sérico de cálcio ionizado e excitabilidade neuro-
O hiperparatireoidismo terciário geralmente muscular. A manifestação clínica inclui a presença de
ocorre em pacientes submetidos a transplante renal. parestesia, ansiedade, confusão mental e depressão. O
Normalmente observa-se controle adequado do hi- exame físico demonstra o sinal de Chvostek e o sinal
perparatireodismo secundário após o transplante. No de Trousseau. O sinal de Chvostek é a contração dos
entanto, em alguns casos as paratireoides tornam-se músculos faciais após a estimulação do nervo facial
autônomas e não ocorre diminuição do nível sérico de através de percussão na região anterior à orelha. O si-
cálcio e o nível sérico de fósforo permanece diminuí- nal de Trousseau é o espasmo do carpo desencadeado
do. Isso pode levar a nefrocalcinose e litíase renal no pela oclusão do fluxo sanguíneo decorrente da insufla-
rim transplantado, além de manifestação clínica seme- ção de um manguito de esfigmomanômetro durante
lhante ao hiperparatireoidismo primário. A paratireoi- dois a três minutos. Na grande maioria dos casos o
dectomia subtotal ou a paratireoidectomia total com tratamento é realizado com administração via oral de
autoimplante estão indicadas nos casos sintomáticos cálcio e suplementos com vitamina D.
ou quando o quadro persiste por período superior a
um ano. Na grande maioria dos casos não se trata de Manifestações do hipoparatireoidismo
uma real autonomia das glândulas paratireoides, mas
Neuromusculares: cãibras, tetania, mialgias (inclusive
sim de demora para involução da hiperplasia. Com o dor torácica) e fraqueza muscular; sinais de Trousseau e de
decorrer do tempo, ocorre diminuição progressiva da Chvostek
produção de PTH e o nível sérico de cálcio e fósforo Pele e fâneros: pele seca, queda de cabelo, alopecia
retorna ao normal.
Neurológicas: parkinsonismo, disartria; alterações da mar-
cha, instabilidade postural
Oculares: pseudopapiledema; catarata
Cardiovasculares: prolongamento do segmento ST e in-
Hipoparatireoidismo tervalo QT; alterações no ECG sugestivas de IAM; arritmias,
insuficiência cardíaca etc.
O hipoparatoreoidismo é definido como a di- Dentárias: hipoplasia do esmalte, defeitos da dentina, re-
minuição total ou parcial da secreção de PTH pelas tardo na erupção dentária, cáries, encurtamento das raízes
glândulas paratireoides. A causa mais comum é ia- dos molares e, eventualmente, perda de todos os dentes
trogênica. Tabela 7.9

92 SJT Residência Médica - 2015


7 As glândulas paratireoides

Tratamento do hipoparatireoidismo Menos frequentemente são observados os tumo-


res adrenocorticais, os carcinoides, os angiofibromas
Crise hipocalcêmica (tetania, convulsões, laringoespasmo)
faciais, os colagenomas e os tumores lipomatosos as-
10 a 20 mL de gluconate de cálcio a 10% EV em 10-20 min.
sociados à NEM-1. O diagnóstico de NEM-1 é conside-
Hipocalcemia crônica ro nos pacientes que apresentem pelo menos 2 dos 3
Carbonato de cálcio (1,5 a 3 g/dia de cálcio elementar, em principais tumores relacionados à síndrome – pituitá-
doses divididas) + calcitriol (0,25 a 1,0 µg/dia VO) ou ergo- ria, pâncreas e paratireoide.
calciferol (50.000 a 100.000 UI VO)
O HPT é a ocorrência mais comum (95%), sen-
Tabela 7.10 Entre as perspectivas terapêuticas estão o PTH1-34, o
alotransplante de paratireoides e a terapia gênica. do geralmente a primeira manifestação glandular, e
ocorre tipicamente entre a terceira e a quinta décadas
de vida. As glândulas paratireoides encontram-se au-
mentadas de volume assimetricamente, e existe uma
Novas perspectivas alta incidência de glândulas supranumerárias (até
20%). A cirurgia das paratireoides em pacientes com
terapêuticas NEM 1 é considerada um procedimento citorredutor
ou paliativo, pois a recorrência é inevitável se a sobre-
vida for ilimitada. O procedimento é indicado para
PTH1-34 tratar e prevenir as complicações do HPT. Existem
O uso do paratormônio humano 1-34 sintéti- controvérsias com relação ao momento adequado para
co, que se tem mostrado como uma eficaz opção te- o procedimento. Embora a paratireoidectomia precoce
rapêutica para a osteoporose, foi também testado em possa reduzir a exposição ao HPT em longo prazo e a
hipoparatireoideos. Em um estudo comparativo com osteopenia associada, também pode predispor a uma
calcitriol e CaCO3, o emprego do PTH1-34, em duas recorrência mais precoce do HPT e à possibilidade de
injeções subcutâneas diárias por 3 anos, resultou em reoperações difíceis.
níveis similares de calcemia, enquanto hipercalciúria O procedimento cirúrgico inicial de escolha
apenas ocorreu nos pacientes tratados com calcitriol. em um paciente com NEM 1 e HPT é a paratireoi-
dectomia subtotal ou a paratireoidectomia total
com autotransplante heterotópico de tecido para-
Alotransplante de Paratireoides tireoideo ressecado. A timectomia transcervical é re-
alizada também no procedimento cirúrgico inicial. A
A inserção, no músculo braquiorradial, de mi- paratireoidectomia subtotal requer a identificação de
crocápsulas semipermeáveis contendo tecido de pa- todas as paratireoides e um remanescente de tamanho
ratireoide cultivado mostrou-se bem-sucedida em de uma paratireoide normal é deixado in situ e marca-
alguns pacientes submetidos à paratireoidectomia to- do com um clipe cirúrgico, para facilitar a realização
tal. Assim, essa técnica poderia representar uma nova de uma nova intervenção cirúrgica futura. A parati-
alternativa para o tratamento em longo prazo de algu- reoidectomia total é acompanhada por transplante
mas formas de hipoparatireoidismo. heterotópico de 12 a 18 fragmentos com 1 mm de pa-
ratireoide fresca, implantados em bolsas individuais,
criadas tipicamente no músculo braquiorradial do an-
Terapia Gênica tebraço não dominante. Uma nova cirurgia citorredu-
Um estudo recente mostrou cura do HPT em ca- tora do enxerto do antebraço poderá, então, ser reali-
mundongos submetidos à terapia gênica com células- zada quando for necessário, sob anestesia local. Como
-tronco hematopoiéticas recombinadas com o gene do os remanescentes de paratireoide podem tornar-se
PTH humano. isquêmicos ou necróticos e resultarem em hipopara-
tireoidismo permanente, a criopreservação do tecido
paratireoideo é realizada no momento da paratireoi-
Doença hereditária das dectomia total, sempre que for possível.

paratireoides
Neoplasia endócrina múltipla tipo 2
A NEM 2A (síndrome de Sipple) é caracteriza-
Neoplasia endócrina múltipla tipo I
da por achados de câncer medular de tireoide (95%),
A síndrome NEM 1 (síndrome de Werner) con- feocromocitoma (30% a 50%) e HPT primário (10% a
siste em HPT primário resultante de hiperplasia das 20%). Outras associações raras com NEM 2A incluem
paratireoides, associado a lesões do pâncreas (40%) e a presença de líquen amiloide cutâneo e doença de
da hipófise (30%). Hirschsprung.

93
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

O HPT na NEM 2A é a manifestação menos co-


mum e ocorre entre 20% e 30% dos pacientes. O HPT
Carcinomas das
da NEM 2A difere daquele da NEM 1 por várias ca-
racterísticas importantes, e as indicações para a pa-
paratireoides
ratireoidectomia e os critérios diagnósticos são mais
Carcinomas das paratireoides são tumores ra-
similares aos do HPT primário esporádico. Quando
comparado ao HPT em casos de NEM 1, o HPT na ros, vistos geralmente na quarta década de vida. São,
NEM 2A tende a ser mais leve e mais frequentemente em geral, de difícil diagnóstico. Aproximadamente
assintomático, devido a um adenoma único, embora 1% a 2% dos casos de hiperparatireoidismo estão
possa ocorrer uma hiperplasia multiglandular. Por- relacionados a esse tipo de tumor, sendo que pacien-
tanto, a ressecção curativa pode ser menos agressiva. tes com hiperparatireoidismo familiar apresentam
As paratireoides com volume aumentado, encontra- risco aumentado para o desenvolvimento da doen-
das durante a tireoidectomia para o câncer medular de ça. A mortalidade é de aproximadamente 30%, com
tireoide em um paciente normocalcêmico, devem ser uma taxa de recidiva que varia entre 30% e 65% após
ressecadas. A maioria, mas não todos os cirurgiões en- a cirurgia. A persistência de hipercalcemia após o tra-
docrinologistas, mantém as paratireoides de aparên- tamento cirúrgico é um indicador de mau prognóstico.
cia normal in situ, embora a paratireoidectomia total
com autotransplante para o antebraço seja defendida
por alguns especialistas. Fatores de risco
Hiperparatireoidismo familiar autossômico do-
minante, neoplasia endócrina múltipla tipo 1 e expo-
Hiperparatireoidismo familiar sição à radiação.
Outras formas menos comuns de HPT familiar
incluem a síndrome HPT-tumor de mandíbula (HPT-
-TM); o hiperparatireoidismo familiar isolado (HPTFI)
Quadro clínico
e um grande número de síndromes caracterizadas por Deve-se estar atento às queixas relacionadas à
mutações em CaR, incluindo o HPT autossômico do- hipercalcemia severa (astenia, polaciúria, náuseas, vô-
minante leve (HADL), ou hipercalcemia hipercalciúri- mitos, constipação e dor óssea). Dois a 7% dos pacien-
ca familiar, e o HPT neonatal severo (HPTNS). As re- tes são assintomáticos.
comendações para a cirurgia das paratireoides, nesses
casos, ainda precisam ser estabelecidas totalmente, As metástases a distância se fazem mais frequen-
embora existam alguns princípios gerais. O HPT é a temente no pulmão (40%) e fígado (10%).
característica mais comum da HPT-TM e está associa- Há presença de massa cervical palpável em 50%
do a uma alta incidência de hipercalcemia grave e ao dos casos; comprometimento do nervo laríngeo recor-
risco de carcinoma de paratireoide. Em geral, o HPT rente sem outra patologia que o justifique.
pode ser tratado de maneira similar à NEM 2A, com
ressecção das paratireoides que apresentem grande
aumento de volume, a menos que haja suspeita de
câncer das paratireoides. Uma estratégia alternativa é Diagnóstico
a paratireoidectomia total, para alcançar um risco teo-
ricamente menor de carcinoma.
Em casos de HPTFI, se for detectada a presença de Exames laboratoriais
doença uniglandular, a ressecção do adenoma pode ser Hipercalcemia (cálcio > 14 mg/mL), paratormô-
realizada, enquanto a hiperplasia multiglandular é tra- nio (PTH) aumentado mais de cinco vezes acima do
tada por paratireoidectomia subtotal. Nesse caso, o en- limite superior da normalidade (podendo refletir a se-
saio imunométrico rápido para dosagem de PTH intra-
veridade da doença), são os achados mais habituais.
operatório pode ser útil para assegurar que uma ressec-
ção adequada seja realizada. A cirurgia das paratireoides Pode haver comprometimento renal (nefroli-
para síndromes associadas a anormalidades do CaR é va- tíase) e reabsorção óssea subcortical. O diagnóstico
riável. O HPTNS se manifesta em neonatos como hiper- é confirmado por exame anatomopatológico. É im-
calcemia grave, sendo tipicamente letal, a menos que se portante evitar punção por agulha fina, devido ao
realize a paratireoidectomia total nos primeiros meses risco de disseminação local. Um segundo momento
de vida. Para pacientes com HADL, pode ser realizada a
do diagnóstico é durante o transoperatório, em que as
ressecção radical subtotal das paratireoides ou a parati-
reoidectomia total com autotransplante. Ao exame pa- características do tumor podem indicar ao cirurgião
tológico, encontrou-se uma neoplasia de padrão difuso a a presença ou não do carcinoma. Exames de imagem
nodular e a hipercalcemia persistente foi observada em devem ser realizados para localização do tumor em
60% dos pacientes submetidos a procedimentos menos pacientes com recidiva local, a distância ou com per-
radicais, participantes de um estudo. sistência tumoral.

94 SJT Residência Médica - 2015


7 As glândulas paratireoides

Métodos de imagem: a ultrassonografia cervical Estadiamento


(sensibilidade de 55% e especificidade de 95%) é útil
para diferenciar adenoma de carcinoma. A TC tem sen- Não há estadiamento pelo AJCC. Os pacientes
sibilidade de 68% e especificidade de 97%; a RM tem são classificados como tendo doença localizada ou me-
sensibilidade de 57% e especificidade de 87%. Radio- tastática.
grafias ósseas devem ser realizadas. A cintilografia com Doença localizada: acometimento das glândulas
tálio e tecnécio possui sensibilidade de 73% e especifi- paratireoides com ou sem invasão dos tecidos adjacentes.
cidade de 94%. Há um aumento da sensibilidade com Doença metastática: frequentemente acomete
a combinação de cintilografia e tomografia. A cintilo- linfonodos regionais ou outro local a distância (pul-
grafia com MDP (metileno disfosfonado) é um método mão, osso, pâncreas e fígado).
bastante sensível, mas não específico. A captação tumo-
ral com 99mTc MIBG (metiliodobenzilguanidina) é rela-
cionada ao aumento do fluxo sanguíneo, ao metabolis- Fatores prognósticos
mo celular, à atividade de bomba ATPase e à atividade DNA aneuploide e inativação do gene supressor do
mitocondrial e tem sido o método mais utilizado. retinoblastoma (falta determinar seu valor no futuro).
Citometria de fluxo: o DNA é aneuploide nas Doença localizada: o tumor deve ser retirado
lesões invasivas. Esse método pode ajudar nos casos em bloco, sem ruptura da cápsula, para evitar a im-
duvidosos, mas, em até 44% dos casos, os resultados plantação de células tumorais. A excisão deve ser cura-
podem ser falso-negativos, sem diferenciação entre tiva, por meio de paratireoidectomia com a remoção
do istmo da tireoide e do seu lobo ipsilateral; também
benignidade e malignidade.
deve-se proceder a excisão de qualquer tecido aderido
Gene supressor do retinoblastoma: costuma ao tumor (timo, músculos cervicais). É recomendada
estar inativado nos carcinomas, o que não ocorre nos a retirada dos linfonodos paratraqueais, traqueoeso-
adenomas. fágicos, mediastinais superiores e todos os que esti-
Gene p53: alterações raramente encontradas. verem aumentados de tamanho. No caso de o nervo
laríngeo recorrente estar comprometido ou aderido,
HRPT2 (gene que codifica a proteína parafi- ele deve ser extirpado. A dissecção cervical extensa só
bromina): tem potencial para uso no diagnóstico de é indicada nos casos de invasão local extensa e na pre-
carcinomas da paratireoide, já que não é identificado sença de linfonodos aumentados de tamanho.
em adenomas.
Quando o diagnóstico é realizado posterior-
mente à cirurgia (após avaliação histopatológica da
peça tumoral), a ocorrência de invasão vascular ou da
Patologia cápsula na presença de hipercalcemia persistente ou
O diagnóstico histopatológico pode ser difícil e, a ocorrência de doença residual na avaliação por ima-
às vezes, é realizado apenas após a recidiva tumoral. gens indicam a realização de nova intervenção cirúrgi-
Na macroscopia, o tumor é branco, de consistência fir- ca cervical, com ressecção de estruturas adjacentes ao
me, aspecto ovoide e, ao corte, lobulado e aderente a local do tumor, uma vez que o leito tumoral é o princi-
estruturas adjacentes. Na microscopia, são utilizados pal local de recidiva.
os critérios de Shantz e Castleman para diferenciar Deve-se monitorar a calcemia no pós-operatório,
adenoma de carcinoma: visto que pode ocorrer hipocalcemia grave após a remo-
€ células tumorais com aspecto uniforme, orga- ção do tumor, necessitando de altas doses intravenosas
nizadas com arquitetura sólida, trabecular, for- de cálcio e de calcitriol oral. A radioterapia adjuvante
mando septos no interior do tumor a partir da não tem demonstrado melhora na sobrevida. Pode ser
cápsula fibrosa (80$ a 95% dos casos); indicada se houver alto risco de recidiva local, como nos
casos de ruptura da cápsula ou de cirurgia incompleta,
€ presença de mitose dentro das células parenqui- ou de forma paliativa se a cirurgia não for possível.
matosas (45% a 81%) – critério mais importante;
Doença metastática ou recidivada: recidiva tu-
€ invasão capsular (67%);
moral pode ocorrer em até 20 a 30 anos após o trata-
€ invasão vascular. mento do tumor primário. Se for detectada recidiva
Nenhuma dessas características é patognomônica local ou a distância, o tratamento deve ser cirúrgico
de carcinoma, incluindo a invasão vascular, que pode (metastasectomia). O local mais comum de metásta-
ses a distância é o pulmão, sendo indicada a metas-
ser encontrada nos adenomas das paratireoides. Quan-
tasectomia de todas as possíveis lesões, incluindo as
to mais características relacionadas ao tumor, maior a
bilaterais e as múltiplas. A ressecção cirúrgica está
probabilidade de que se trate de um carcinoma.
sempre indicada nos casos de metástases, uma vez
A imunoistoquímica para PTH, cromogranina e que proporciona melhor controle da hipercalcemia e
enolase neuroespecífica (NSE) é utilizada para dife- aumento da sobrevida, com maiores chances de cura
renciar os tumores da tireoide e das paratireoides. da doença.

95
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Tratamento farmacológico: quando a doença torna-se disseminada e não é mais possível a ressecção cirúr-
gica, o prognóstico é desfavorável. Nessa situação, deve-se controlar a hipercalcemia com hidratação, utilização
de diuréticos de alça e outros agentes, como pamidronato (90 mg IV em 90 minutos), zoledronato (4 mg IV em 15
minutos), plicamicina, nitrato de gálio e octreotide.
Quimioterapia: estudos isolados mostram curto período de remissão. O uso de dacarbazina (250 mg/m2 IV
nos dias 1 a 5) apresenta resposta curta, porém com significativa diminuição do cálcio sérico.

Acompanhamento pós-cirúrgico
Determinar cálcio e PTH a cada 3 meses.

96 SJT Residência Médica - 2015


82
Capítulo

ROTEIRO
Massas Cervicais
PROPEDÊUTICO
Congênitas
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Introdução O 1º arco a se formar é o mandibular. É o que


tem desenvolvimento mais rápido e intenso, sendo se-
Exceto pelas adenopatias cervicais benignas, as guido pelo arco hioideo e pelos 3º, 4º, 5º e 6º arcos,
massas cervicais congênitas são as causas mais co- todos menos desenvolvidos. Os arcos são responsá-
muns de edema cervical em crianças. Frequentemen- veis pela formação das estruturas osteocartilaginosas,
te têm aparência característica e geralmente refletem musculares, neurais e vasculares do pescoço. Seu de-
anomalias cervicais no desenvolvimento de músculos, senvolvimento faz com que as fendas e as bolsas sejam
pele, vasos sanguíneos, linfáticos e aparato branquial. ocluídas ou ocupadas por estruturas sólidas. A única
Nem todas elas estão presentes ao nascimento, e po- fenda a não desaparecer é a 1ª. Ela formará o con-
dem permanecer latentes até que uma infecção de vias duto auditivo externo.
aéreas superiores, por exemplo, cause seu aumento. A
A 1ª bolsa faríngea vai dar origem à cavidade tim-
terapêutica deve ser individualizada dependendo do
pânica. Já na 2ª bolsa será observado o aparecimento
tipo de anomalia presente.
de brotos linfoides que darão origem às amígdalas fa-
Assim, essas lesões entram no diagnóstico di- ríngeas. A 3ª bolsa acaba por invaginar no mesênqui-
ferencial de qualquer abaulamento cervical, que de- ma vizinho, formando as paratireoides inferiores e o
pende principalmente da história e do exame físico. timo, enquanto a 4ª bolsa dará início às paratireoi-
Exames radiológicos e estudos laboratoriais podem des superiores e à glândula tireoide.
ser úteis, mas algumas massas necessitam de exame
anatomopatológico para estabelecer o diagnóstico. Tudo isto acontece entre a 3ª e a 10ª semana de
gravidez, sendo um período de intensa atividade em-
briológica, mas bastante curto. É justamente nesse
período que possíveis fatores teratogênicos devem
ser evitados. Infelizmente, é também um momento
Embriologia em que a mãe nem sempre está alerta quanto à possi-
bilidade de estar grávida, ou mesmo ainda não tenha
São diversas as afecções cervicais de característi-
recebido orientação médica, podendo incorrer em ati-
cas tumorais que podem se apresentar na região cer-
tudes de consequências imprevisíveis para o desenvol-
vical da criança ou do adulto jovem. Elas podem ser
representadas como variações anatômicas, funcionais vimento do feto.
e mesmo virem a ser neoplasias de desenvolvimento Para melhor sistematizar o estudo das afecções
intrauterino. tumorais de origem congênita do pescoço, podem-se
Quaisquer dos folhetos de formação embriológi- separá-las de acordo com sua proveniência embrioló-
ca da região podem ser fonte destas, portanto, encon- gica, ou seja, ectodérmica, mesodérmica e endodérmi-
tram-se distúrbios vasculares, de epitélio de revesti- ca. Dessa maneira, poderá se discorrer sobre distúr-
mento, musculares, neurais e osteocartilaginosos. bios do epitélio de revestimento (cistos, fístulas) de
origem ectodérmica, também sobre anomalias vas-
Como toda infecção congênita, para que se com-
culares, neurais, musculares e osteocartilaginosas de
preenda melhor o contexto de sua geração, deve-se ter
origem mesodérmica e as anomalias glandulares de
um bom conhecimento da embriologia regional.
origem endodérmica.
A partir da 3ª semana de vida intrauterina, co-
meçam a surgir as estruturas que formarão o pes-
coço do embrião. No seu conjunto, essas estruturas
são apelidadas de aparelho branquial, pois é composto
por faixas espessas de tecido misto (ectodérmico, me- Anomalias ectodérmicas
sodérmico e endodérmico) entremeado por fendas,
que são verdadeiras calhas na parte externa do feto, São aquelas que evoluem a partir de inadequações
revestidas por ectoderma, e que se assemelham em sua no fechamento das fendas branquiais. Tirando-se
aparência às guelras dos peixes. Essas calhas (fendas) e a 1ª fenda, todas as outras devem ser preenchidas
gomos externos (arcos) têm uma distribuição oblíqua por mesênquima no momento do nascimento.
de trás para frente em sentido inferior. São quatro as teorias que pretendem explicar o
Interiormente, na futura cavidade da faringe, eles aparecimento dos cistos cervicais laterais.
têm seu correspondente nos arcos e bolsas faríngeas ASCHERON (1832) sugeriu que os cistos surgem
(revestidas por endoderma). Como essas fendas e as de uma obliteração incompleta da mucosa da fenda
bolsas estão localizadas nos mesmos níveis da região branquial, que ficará adormecida até um período mais
cervical do embrião, o espaço que as separa tem pouco tardio da vida e, por algum estímulo externo, se ex-
mesoderma, sendo bastante fino. Aqui será formada a pande. HIS (1886) acreditava que os cistos eram vestí-
membrana obturadora, que não existe nos peixes. gios do seio pré-cervical.

98 SJT Residência Médica - 2015


8 Massas cervicais congênitas,

WENGLOWSKI (1912) entendia que o ducto ti- ramente descrito por PONCET, em 1967, tendo como
mofaríngeo (3ª bolsa faríngea) era a origem dos cistos, limites o conduto auditivo externo superiormente, a
e alguns investigadores a partir do século XIX, a co- região mentoniana anteriormente e o osso hioide in-
meçar por LUSCHKA (1848), notaram a relação dos feriormente.
cistos com tecido linfoide sofrendo degeneração císti- Uma segunda característica notável da entidade
ca. Modernamente, KING (1949), a partir de grande é a chamada trave timpânica.
número de casos, confirmou essa teoria que vem sen-
do bastante debatida até os dias de hoje, sem grande É uma prega epidérmica que se estende do asso-
conclusão de parte a parte. alho do conduto até o umbigo do martelo. Foi citada
por diversos autores, sendo considerada por alguns
uma continuação do trato fistuloso e patognomônico
As anomalias branquiais têm sido tradicionalmente defini- da doença.
das como:
Um terceiro sinal que pode ser sugestivo desse
Cistos: estruturas circundadas por epitélio sem abertura externa
Trajeto: trato de fundo cego que se abre externamente para a tipo de fístula é a imagem de tomografia computado-
pele ou internamente para uma cavidade. rizada apresentando uma lesão cística com um halo de
Fístula: é um trato que comunica uma cavidade internamente características cartilaginosas ao seu redor.
à pele externamente
Alguns dos casos relatados na literatura apre-
sentavam história de secreção purulenta crônica na
orelha externa, proveniente do trato fistuloso para o
local.
O tratamento das anomalias de 1ª fenda bran-
quial pode variar de expectante, nos casos em que
há apenas uma alteração cosmética da região ma-
lar, cervical ou pré-auricular, até a exérese cirúrgi-
ca do seio, cisto ou trato fistuloso. A opção cirúrgica
A B C D E deve levar em conta o grau de inflamação local, pois a
região é rica em estruturas nobres, e a manipulação
Figura 8.1 Cistos e fístulas da 1ª fenda branquial.
intempestiva pode provocar danos irreversíveis.
As anomalias da 1ª fenda branquial foram clas- A principal preocupação na ressecção é com
sificadas em dois tipos por ARNOT, em 1971, e por o nervo facial, de difícil dissecção na infância, que
WORK, em 1972. Ambas as classificações são seme- pode ter sua identificação prejudicada por quadros
lhantes. Prefere-se a de ARNOT por ser mais próxima infecciosos de repetição ou agudos.
da clínica habitual. Nela, os cistos da 1ª fenda bran- Tem-se por norma aguardar o resfriamento de
quial podem ser do tipo I, de situação pré-auricular, na qualquer processo infeccioso local e o uso de estimu-
região parotídea, e do tipo II, que são seios ou cistos ladores do nervo facial durante os procedimentos na
que partem do triângulo cervical anterior e se esten- região parotídea de crianças.
dem até a região do conduto auricular, com ou sem co-
municação com ele.
É uma anomalia da infância, com cerca de 90%
dos casos descritos abaixo dos 10 anos.
A apresentação clínica de ambas pode ser dife-
rente. No primeiro caso, tem-se um abaulamento da
região parotídea sem sinais flogísticos e sem sintoma-
tologia mais significativa. Já a do tipo II pode ser de
difícil diagnóstico, levando o paciente a apresentar di-
versos episódios de quadros infecto-inflamatórios da
região cervical antes que surja a suspeita diagnóstica.
Estranhamente, esses casos, não raramente, fis- Tipo 1
tulizam para a pele, fato não muito habitual em outros
tipos de infecção cervical, o que deveria alertar o otor-
rinolaringologista para a possibilidade de um cisto de
1ª fenda.
Os casos relatados na literatura apresentam fis- Tipo 2
tulização com predominância nítida para a região do
triângulo submandibular. Esse triângulo foi primei- Figura 8.2 Cistos e fístulas da 2ª fenda branquial.

99
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

A fenda que fornece o maior número de casos O diagnóstico dos cistos é feito pela história
clínicos é a segunda. Aparentemente, isto ocorre pelo característica de uma massa de crescimento relativa-
crescimento assimétrico entre o 2º arco branquial e o 3º mente rápido, de uma a quatro semanas, na região
e 4º arcos que são menos exuberantes e crescem mais cervical lateral, com dor local e sinais flogísticos leves
vagarosamente. Essa diferença pode levar à formação a moderados, associado a um processo infecto-infla-
de uma cavidade composta pelo 2º arco como parede matório de boca e orofaringe.
anterior e o 3º arco como assoalho, ficando a 2ª fenda
enclausurada entre ambos, formando o seio branquial. O principal exame radiográfico é a tomogra-
fia, que pode mostrar uma massa cística, de cápsula
O exame clínico geralmente encontra uma lesão fina, com conteúdo líquido que se cora levemente com
lisa, fibroelástica, com mobilidade lateral, porém com contraste e que pode formar septos. Geralmente, a
redução de sua movimentação vertical. Sua localização massa está circundada por linfonodos inflamatórios.
preferencial é na parte mais alta da região juguloca-
rotídea, abaixo do ângulo da mandíbula e em frente Alguns estudos mostram que o cisto branquial
aos grandes vasos. Essas características podem estar aparece na tomografia computadorizada e na resso-
bastante alteradas se houver histórias de infecções de nância magnética nuclear como massas heterogêneas,
repetição ou infecção recente, pois as linfadenopatias ao passo que as imagens ultrassonográficas são mais
inflamatórias regionais provocam um aglomerado de semelhantes a um cisto, sem septações e com sua cáp-
lesões dolorosas à palpação e de mobilidade bastante sula fina. Quando se punciona a massa, encontra-se
reduzida. Quando há fístula, sua abertura está, em ge- um líquido amarelo citrino, que, ao exame de micros-
ral, localizada anteriormente ao músculo esternoclei- copia, apresenta grânulos de colesterol.
domastóideo, na sua porção médio-inferior.
Outra modalidade de exame diagnóstico é a
Os cistos branquiais (da 2ª fenda), apesar de fistulografia. Pouco utilizada de rotina, pode ser de
congênitos, raramente são visíveis ao nascimento, grande valia na identificação do trato fistuloso em
pois, neste momento, não há líquido no seu inte- seios branquiais. Pode ser feita de maneira retrógrada
rior para distendê-lo. A idade de predileção para o por punção do cisto, retirada de quantidade de mate-
aparecimento clínico desses cistos está entre os 10 rial de seu interior e infiltração de pequena quantida-
e os 20 anos, em geral, após um quadro infeccioso de de Hypaque®, sob radioscopia.
da cavidade oral.
Há algum ceticismo quanto à possibilidade de
Muitas vezes, o cisto aparece e se mantém de as-
transformação neoplásica do epitélio de revestimen-
pecto inalterado por toda a vida, sem infectar ou fistu-
to dos cistos de 2ª fenda branquial. Dos 43 descritos
lizar. Há estudos de séries que mostram cerca de 20%
de fístulas nos cistos branquiais. Entretanto, não se na literatura, apenas 7 satisfaziam o critério de se
sabe se a história natural da doença é assim, uma vez originarem em cisto com epitélio normal, para serem
que poucos são os casos que, ora diagnosticados, não considerados degeneração maligna. A literatura consi-
cheguem à cirurgia. dera que a grande maioria desses casos é composta de
metástases de tumores primários na região e sofreu
Acredita-se que as chances de fistulização ou degeneração cística em evolução.
mesmo fixação em tecido subcutâneo sejam grandes,
e que as sequências operatórias depois que isto ocorre De toda maneira, independentemente da con-
sejam maiores, principalmente do ponto de vista es- trovérsia existente, considera-se que, havendo epitélio
tético. escamoso e estando esse epitélio em situação ectópica,
Os cistos podem ter comunicação com a base da sempre haverá a chance de degeneração maligna, mes-
loja amigdaliana e se estender desde a fossa supracla- mo que remota.
vicular até a base do crânio. No entanto, não é isso o O tratamento de seios e cistos branquiais é
habitual; no geral, os cistos se apoiam na bainha ca- eminentemente cirúrgico. Deve-se extirpar com-
rotídea, sem infiltrá-la ou aderir a ela, e se espraiam pletamente o cisto e suas comunicações, seja com a
anteriormente, diante da borda do músculo esterno- orofaringe ou a pele, após a remissão da resposta in-
cleidomastóideo, na bifurcação da carótida. flamatória. Os cuidados intraoperatórios devem ser
Quanto ao trato fistuloso, pode passar entre as quanto aos possíveis danos aos pares cranianos que
artérias carótidas interna e externa e acima do nervo se espalham pela região. Geralmente, será encontra-
hipoglosso, perfurando a musculatura constritora da do o nervo espinal atrás do cisto na sua porção pos-
faringe e chegando à base 5 da loja amigdaliana. Há terior, dirigindo-se obliquamente na borda posterior
tratos que se estendem por trajetos diferentes, mas do músculo esternocleidomastoide. O nervo hipo-
este é o mais encontrado. glosso pode estar com o cisto em sua profundidade
Raramente, os cistos branquiais podem ter dis- da porção anterossuperior e o nervo mandibular
tribuição parafaríngea ou retrofaríngea, tendo como pode estar na superior da porção mais lateral do
seus primeiros sintomas a disfagia e a odinofagia. Na cisto. A lesão também guarda relações com os gran-
literatura, foram relatados 23 desses cistos, e suas re- des vasos do pescoço. Em geral, empurra a veia jugu-
moções cirúrgicas ocorreram sem dificuldades em to- lar posterolateralmente e se apoia na artéria carótida
dos os casos. em relação íntima com a artéria tireoidea.

100 SJT Residência Médica - 2015


8 Massas cervicais congênitas,

O tratamento pode ser bastante difícil quando a


fístula penetra profundamente na glândula e há qua-
dro inflamatório associado, uma vez que a ressecção,
geralmente em crianças, pode levar a lesões do nervo
facial em sua porção intraparotídea.
O seio da 4ª bolsa branquial é uma anomalia do
desenvolvimento bastante rara que se apresenta usu-
almente como infecção recorrente do lado esquerdo
do pescoço. Seu diagnóstico é feito a partir de um alto
grau de suspeita associado ao exame radiológico bari-
A B
tado. Como é um cisto com ar em seu interior, a ma-
Figura 8.3 Cistos da 3ª e 4ª fendas branquiais. nobra de Valsalva pode fazê-lo crescer. Seu tratamento
preferencial é a ressecção externa com lobectomia ti-
São extremamente raros, estima-se que 95% reoidea esquerda. Uma parte deles pode se apresentar
das anomalias das fendas branquiais sejam da 2ª como cistos intratireoideos.
fenda; das 5% restantes, quase todas são da 1ª ou
Os cistos linfoepiteliais intratireoideos são ex-
3ª fenda. Há aproximadamente 45 casos de cistos da
tremamente incomuns, tendo sido relatados apenas
4ª fenda relatados na literatura.
quinze na literatura até o ano 2000. Suas características
Suas características de apresentação podem ser ultrassonográficas são tão semelhantes às dos cistos
desde a existência de uma massa cística na parte in- branquiais e dos cistos do tireoglosso que esse exame
ferior do pescoço, na fúrcula, até a presença de massa pode ser de grande ajuda. Os cistos e seios da 4ª bol-
cervical associada a desconforto respiratório agudo na sa faríngea devem ser tratados cirurgicamente. Assim
idade perinatal, a infecções de repetição dos espaços como as anomalias da 3ª e 4ª fendas branquiais, deve-se
cervicais em pacientes adultos. ser extremamente cuidadoso em sua exérese, apresen-
O habitual é que sejam formados seios da 4ª fen- tando todo o trajeto do nervo laríngeo recorrente, pois
da, mas já foram relatados tanto cistos quanto fístulas. a anomalia costuma se apoiar nesse par craniano.
pm 1ab
Quando o seio se comunica com a faringe, o faz
2ab
no assoalho do seio piriforme, no caso dos da 3ª fenda 3ab
e no seu ápice, quando proveniente da 4ª fenda. Essa 4ab
A
abertura pode ser averiguada por endoscopia faríngea,
sendo facilmente cateterizável para sua comprovação.
O diagnóstico pode ser feito com tomografia
B
computadorizada que vai mostrar massa de conteúdo
aéreo na porção anterior do pescoço, diante da tireoi-
de e traqueia, podendo comprimir esta última, cau- 1ab
sando dificuldade respiratória na infância.
1bb
O teste de Valsalva pode aumentar o seio, favore- 1 fb
cendo o diagnóstico clínico.
O tratamento é cirúrgico, podendo ser feito por 2bb
via endoscópica para a cauterização do orifício junto 2ab
ao seio piriforme quando o seio é pequeno, ou por via 3ab
2fb
externa, quando o seio tem maior magnitude. 3bb
4ab 3fb
sc
4bb 5ab 4fb

Anomalias endodérmicas sc

Cistos e fístulas da 1ª bolsa


faríngea Figura 8.4 Embrião humano na quinta semana de desenvolvimento.
(A) Aspecto externo em visão lateral, mostrando, entre outras estrutu-
As anomalias embrionárias da 1ª bolsa branquial ras, o processo maxilar (pm), o primeiro (1ab), o segundo (2ab), o tercei-
ro (3ab) e o quarto (4ab) arcos branquiais. A depressão existente abaixo
são bastante raras. Sua apresentação pode ser bastante de cada arco branquial recebe o nome de fenda branquial. A linha inter-
similar a de outras condições clínicas da região, portan- rompida mostra o local do corte coronal, que gerou a Fig. 29.1B. (B) Em-
brião humano na quinta semana de desenvolvimento. Aspecto ventral da
to, seu diagnóstico pode ser facilmente deixado de lado. faringe embrionária, após corte coronal realizado em A. Observam-se: o
Quando a bolsa forma fístula em direção à glândula primeiro (lab), o segundo (2ab), o terceiro (3ab), o quarto (4ab) e o quin-
parótida, pode-se ter apenas uma pequena tumefação to (5ab) arcos branquiais, este último de existência duvidosa; a primeira
(1fb), a segunda (2fb), a terceira (3fb) e a quarta (4fb) fendas branquiais;
local, que apresenta, de tempos em tempos, quadros in- a primeira (lbb), a segunda (2bb), a terceira (3bb) e a quarta (4bb) bolsas
fectoinflamatórios frustos. branquiais; e o seio cervical (se), também denominado seio de His.

101
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Linfangiomas cervicais
O linfangioma, também conhecido como higro-
ma cístico, é um tumor benigno infrequente, que se
compõe de formações císticas desenvolvidas a partir
do endotélio linfático e ilhas de linfa e sangue. Em
crianças, essa malformação congênita predomina em
áreas cervicofaciais. O envolvimento das vias respira-
tórias e digestivas altas pode comprometer o prognós-
tico vital. Cada caso exige considerações terapêuticas
individualizadas.

Figura 8.5  Incisão cutânea englobando todo o orifício externo da fís-


tula branquial.
Definição
O linfangioma cervicofacial é uma malformação
congênita do sistema linfático. Ele compõe-se de cis-
tos limitados por endotélio vascular, ilhas de linfa e,
em ocasiões, de sangue. Esses cistos encontram-se ro-
deados por tecido fibroadiposo com formações linfáti-
cas e fibras musculares lisas. São descritos três tipos:
1. O linfangioma capilar, formado por cistos
de aproximadamente 1 mm de diâmetro, localizados
principalmente sobre pele e mucosas;
2. O linfangioma cavernoso, ou microcístico,
constituído por cistos de menos de 5 mm;
3. O linfangioma cístico ou macrocístico, forma-
Figura 8.6  Dissecção do trajeto da fistula branquial; direção ascendente.
do por cistos de mais de 10 mm.
Em virtude da frequente coexistência dos três
tipos, consideramos mesma entidade patológica, e o
aspecto histológico depende da natureza dos tecidos
onde se localiza o linfangioma. Na atualidade, o he-
mangioma se classifica como uma malformação linfá-
tica de baixo fluxo.
A presença de sangue no interior do linfangioma
pode ser secundária a uma hemorragia intracística ou
a uma comunicação entre um cisto e uma veia. No en-
tanto, não deve ser confundido com um hemangioma
capilar, cuja constituição, o aspecto e a evolução são
muito diferentes.
Figura 8.7  Incisões cervicais escalonadas, utilizadas para ressecção
do trajeto de algumas fistulas branquiais. São relacionados quatro tipos de linfangioma
cervical adquirido: traumático, infeccioso, iatrogênico
e neoplásico. É uma ectasia linfática que afeta princi-
palmente os adultos, o que ajuda a explicar sua apre-
sentação tardia em alguns casos.

Patogenia
O sistema linfático embrionário origina-se inicial-
mente do endotélio venoso. Existem duas teorias que
explicam a origem dos vasos linfáticos: proliferação
centrífuga a partir dos sacos linfáticos, ou crescimento
centrípeto a partir das células mesenquimatosas.

Figura 8.8  Dissecção do cisto branquial (1) e suas relações com a veia
Existem três teorias que tentam explicar a ori-
jugular interna (2), carótida (3), nervo hipoglosso (4) e músculo digás- gem do linfangioma congênito. Alguns autores acham
trico (5). que provêm de um defeito de comunicação entre os

102 SJT Residência Médica - 2015


8 Massas cervicais congênitas,

vasos linfáticos periféricos e os sacos linfáticos, ou O diagnóstico é puramente clínico: tumefa-


entre esses dois e o sistema venoso. Segundo outros, ção cervical indolor, da consistência de lipoma, em
o linfangioma é uma malformação hamartomatosa uma criança ou adulto jovem. A transiluminação é
originada de um sequestro anatômico e funcional de patognomônica, mas sua ausência não permite des-
células linfáticas normais, que se desenvolvem inde- cartar o diagnóstico. A pele sobre o tumor costuma
pendentemente do resto do sistema linfático. Por fim, ser normal ou tem uma aparência ligeiramente azu-
em vista do comportamento localmente invasivo e re- lada, e pode parecer inflamada em caso de infecção.
cidivante, que às vezes apresenta esse tumor, outros Nesses casos, a punção por agulha é desaconselhável
autores o tem considerado como uma verdadeira ne- pelo risco de sépsis. O diagnóstico clínico torna-se
oplasia embrionária, com capacidade proliferativa de mais fácil se observamos macroglossia com língua em
vasos linfáticos e secreção ativa. aspecto de framboesa e vesículas com linfa e sangue.
Estudos recentes suportam argumentos a fa- O diagnóstico pode ser feito de forma precoce,
vor desta última teoria. Existem evidências de uma por meio da ultrassonografia durante o pré-natal, no
linfangiogênese ativa a partir de cultivos celulares segundo semestre de gestação. De acordo com a loca-
provenientes de linfangiomas. Estudos de expressão lização, existe risco de distorcia e dificuldade respira-
com ratos transgênicos têm revelado uma hiperpla- tória neonatal.
sia linfática induzida por fator de crescimento do
endotélio vascular. Outros estudos sugerem a hiper-
secreção de outro fator de crescimento no tecido lin-
Estudos complementares
fangiomatoso, o fator de crescimento fibroblástico. Tornam-se necessários exames de imagem quan-
Essas evidências abrem perspectivas para um trata- do existe dúvida diagnóstica, quando precisamos ava-
mento farmacológico com fatores angiogênicos e in- liar a extensão e a profundidade da lesão e sua rela-
clusive para uma futura terapia genética dos linfan- ção com outras estruturas anatômicas. Na tomografia
giomas cervicofaciais. computadorizada, as lesões císticas apresentam den-
sidade líquida. A ressonância magnética é considerada
técnica de escolha, e o higroma cístico apresenta um
Epidemiologia hipersinal característico em T2.
Se considerarmos todas as faixas etárias, o lin-
fangioma corresponde a 0,8% de todos os tumores
benignos e 0,1% de todos os tumores cervicofaciais. Tratamento
Quase a metade dos linfangiomas é visível desde o A literatura favorece a cirurgia como tratamen-
nascimento, e cerca de 70% a 90% antes dos 2 anos. to de escolha para linfangiomas cervicais. O sítio da
A região cervical lateral, abriga aproximadamente lesão é o fator mais importante na determinação
75% dos linfangiomas. De 3% a 18% dos linfangio- do sucesso da cirurgia, pois higromas presentes em
mas têm predomínio cavernoso e são muito extensos. muitos sítios anatômicos recorrem mais facilmente
De 2% a 19% dos casos têm extensão para o mediasti- do que lesões confinadas a um único local. Alguns au-
no. Não existe predomínio de nenhum dos lados. Não tores mostram também um aumento na taxa de re-
se conhecem fatores de risco relacionados ao sexo, à corrência, morbidade e complicações nas lesões que
origem étnica e a outras malformações. se apresentam em localização supra-hioidea. A idade
em que a cirurgia é realizada parece não alterar mui-
Clínica to o sucesso do procedimento.
Métodos alternativos de tratamento incluem
A apresentação clínica mais frequente constitui
aspiração, injeção de agentes esclerosantes, radiação
uma tumoração cervical assintomática. Em 50% dos
e observação. Aspiração sozinha raramente é cura-
casos, o diagnóstico é feito ao nascimento. Cerca de
65% dos pacientes têm diagnóstico confirmado aos 5 tiva, a não ser que uma infecção sobreposta cause a
anos. Os linfangiomas de predomínio cavernoso ou esclerose da lesão. Além disso, como a maioria das
microcístico afetam principalmente os recém-nasci- lesões é multicística, torna-se difícil curá-las somen-
dos e os lactentes de pouca idade. Estes são os que te com aspiração.
se estendem mais e provocam sintomas relacionados Essa crítica também é pertinente ao uso de agen-
às vias respiratória e digestiva alta, como dispneia, tes esclerosantes, uma vez que seriam necessárias vá-
postural ou não, disfagia, roncos e apneia do sono. rias injeções. Alguns agentes utilizados: álcool, sulfato
A hemorragia, subclínica ou maciça, é característica de bleomicina, tetraciclina, corticoides e, mais recente-
do linfangioma lingual. Embora um pouco menos mente, OK-432. Esse último é um agente esclerosante
comum, a inflamação e a infecção dessas estruturas derivado de cepas de baixa virulência de Streptococcus
podem acontecer. Quando isso ocorre, há o aumento pyogens, tratadas com penicilina. Recentes estudos su-
súbito da massa. portam sua efetividade na diminuição de linfangiomas.

103
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Febre, dor e edema são alguns dos efeitos colaterais


da injeção desse agente. Deve ser considerado para pa-
Apresentação clínica
cientes de risco e de pobre prognóstico. O cisto do ducto tireoglosso é a mais comum
massa cervical benigna, excetuando-se as adeno-
Radioterapia era bastante utilizada no passado, patias cervicais benignas. A maioria dos cistos apre-
mas, em virtude de suas potenciais complicações em senta-se antes de o paciente completar 5 anos, mas
crianças, têm seu uso limitado. Tem sido utilizada em pode surgir em qualquer idade, tendo sido relatados
casos de doença persistente ou recorrente, que perma- inclusive aos 80 anos. Apresenta-se como uma mas-
nece sintomática e impossível de tratar com outros mé- sa em linha média que se eleva à protrusão da lín-
todos. A regressão espontânea tem sido ponto de dis- gua e deglutição, sendo essa última sua mais cons-
cussão em muitos estudos. Existem evidências suficien- tante característica.
tes para considerá-la como opção terapêutica, em casos
Apesar de serem lesões comumente de linha mé-
em que uma massa assintomática é o único problema.
dia, podem ter localização paramediana. Os cistos po-
No entanto, a observação cuidadosa é mandatória.
dem localizar-se em qualquer lugar ao longo do ducto e
Quando uma massa é o único sinal ou sintoma, comumente sobrepõem-se ao osso hioide (67% dos
recomenda-se observação de 18 meses a 2 anos. Se in- casos). Podem ter várias apresentações: nódulo firme
fecções são infrequentes e a massa não mostra sinais implantado entre o milo-hioideo, um abaulamento pa-
de aumento, o tratamento expectante deve ser conti- ramediano, que parece estar sobre a tireoide, enormes
nuado. Até os cinco anos, devemos esperar sinais de re- tumefações de pele tensa, na região anterior do pesco-
gressão em relação ao tamanho da criança. Se isso não ço. Diante disso, tudo que não é nitidamente lateral e
ocorre, tentamos outra modalidade terapêutica. Abor- está situado no istmo da tireoide deve ser considera-
dagem cirúrgica e o uso de agentes esclerosantes devem da lesão suspeita. Em algumas situações, o cisto pode
ser considerados. Se as lesões estão abaixo do hioide, drenar intraoralmente. O aumento do cisto frequente-
a cirurgia deve ser considerada. Agentes esclerosantes mente segue-se de infecções de vias aéreas superiores.
são melhor escolha para os grandes linfangiomas acima O diagnóstico diferencial deve incluir linfadenopatia
do hioide e que invadem a mucosa oral e faríngea. cervical, cisto dermoide, lipoma, hemangioma, nódu-
Para os pacientes que desenvolvem linfangiomas lo tireoideano, tecido salivar ectópico, rânula mergu-
tardios, costuma-se esperar de 6 meses a 1 ano antes lhante, cisto branquial, tecido tireoideano ectópico e
de recomendar a cirurgia. cisto sebáceo. Nos casos de suspeita de cisto do ducto
tireoglosso, é importante diferenciar o cisto de tecido
tireoideano ectópico. Embora apenas 10% dos casos
Cistos do ducto tireoglosso de tireoide ectópica sejam encontrados no pescoço, ela
pode representar o único tecido tireoideano em 75%
dos pacientes. Por isso, ultrassom ou uma cintilografia
Embriologia de corpo inteiro devem ser realizados para diferenciar
tireoide ectópica de cisto do ducto tireoglosso.
A glândula tireoide desce na frente da faringe
como um divertículo bilobulado patente, o ducto tireo-
glosso. Ela adquire sua posição normal ao redor da séti- Histologia
ma semana de vida intrauterina, e o ducto tireoglosso, Histologicamente, encontramos um canal unido
por sua vez, desaparece na décima semana. A persistên- ao cisto, intimamente relacionado ao corpo do osso
cia de uma porção do ducto, com seu epitélio, resultará hioide e revestido por epitélio escamoso glandular.
em lesão cística preenchida por material coloide. O osso Em casos de infecção repetida, o epitélio pode estar
hioide, que se origina do segundo e terceiro arcos, está ausente.
intimamente envolvido com o ducto tireoglosso. Como Em alguns casos encontramos ilhas de tecido ti-
resultado, o ducto pode estar localizado anteriormente, reoideano associado à malformação.
na sua substância ou atrás do osso hioide.
Existem alguns casos de carcinoma do trato do
ducto tireoglosso relatados. São relatados 162 casos
na literatura. Existe uma predominância feminina
(1,5:1), e a média de idade é de 40 anos. Clinicamen-
te, apresenta-se idêntico a um cisto benigno do trato
tireoglosso, ou seja, uma massa cervical anterior, indo-
lor em 70% dos casos. O aumento rápido do volume da
massa faz suspeitar de malignidade. Essa apresentação,
entretanto, deve ser diferenciada da superinfecção.
Histologicamente, o câncer é geralmente localizado na
Figura 8.9   Cisto tireoglosso: tumoração na linha média cervical que parede do cisto, e o carcinoma papilar é o mais frequen-
se eleva com a protusão da língua te, correspondendo a 80% dos casos, seguido pelo tipo

104 SJT Residência Médica - 2015


8 Massas cervicais congênitas,

folicular. A etiopatogenia do carcinoma do trato do duc-


to tireoglosso é obscura. Alguns autores sugerem que
seja advinda da metástase de um carcinoma tireoidea-
no subclínico. Outros acham que possa surgir da malig-
nização das ilhotas de tecido tireoideano. Ao contrário
dos carcinomas de tireoide, a metastização ganglionar
está em torno de 10%. O tratamento de base é o mes-
mo para o cisto do ducto tireoglosso – cirurgia de
Sistrunk. A tireoidectomia total é indicada em casos
de nódulo tireoideano ou adenopatia associada, diag- Figura 8.10 Exérese de cisto tireoglosso. Incisão cervical.
nosticada na palpação cervical ou com tomografia pré-
-operatória. As recidivas devem ser tratadas com cirur-
gia, radio e quimioterapia. O prognóstico para os tipos
papilares costuma ser favorável.

Tratamento
Uma alta taxa de incidência era inicialmente
observada com a excisão isolada do cisto. Em 1920,
Sistrunk recomendou a retirada de um bloco de tecido
desde a base da língua envolvendo o ducto, o cisto e
parte do osso hioide. Com essa técnica, a taxa de reci-
diva gira em torno de 3%.
A operação é realizada sob anestesia geral em
posição supina. A incisão é feita na linha média do
pescoço sobre uma linha de tensão. Se existe trato
fistuloso para a pele ou se o cisto foi previamente in- Figura 8.11 Exérese de cisto tireoglosso. Aspecto esquemático do
fectado, e a pele está aderida ao cisto, uma incisão cisto (dissecado), da parte anterior do osso hioide (seccionada) e do
restante do ducto tireoglosso (reparado com pinça de Allis e dissecado
elíptica deve ser feita. A incisão é aprofundada até até a base da língua).
que se entre o subcutâneo.
O flap de tecido inferior não precisa ser muito ex-
tenso, ao passo que, superiormente, deve-se expor até
o osso hioide. A musculatura é identificada e separada
do cisto. O cisto é então dissecado e separado da car-
tilagem tireoide, membrana tireo-hióidea, outros te-
cidos, mas permanece aderido ao osso hioide. Em pa-
cientes sem infecção prévia, os planos são facilmente
identificáveis, fazendo a dissecção simples. O contrá-
rio ocorre em pacientes previamente infectados, por
esse motivo a cirurgia deve ser realizada pelo menos
Figura 8.12 Exérese de cisto tireoglosso. Aspecto final, mostrando a
após um mês do último episódio infeccioso. O osso sutura intradérmica.
hioide é então isolado dos tecidos adjacentes e resse-
cado com um osteótomo, aderido ao cisto. Um abridor
de boca deve ser colocado transoralmente, com o final
do retrator na valécula, e a base da língua descolada
na direção da lesão para a correta dissecção da muscu-
latura supra-hióidea, e a porção retro-hióidea do duc- Hemangiomas
to deve ser excisada no nível do forame cécum. Nesse
Os hemangiomas são as neoplasias de cabeça e
momento, deve-se ter cuidado para não adentrar na
pescoço mais comuns na infância. Alguns os conside-
hipofaringe. Realiza-se sutura por planos e deixa-se
um dreno de penrose. A peça cirúrgica deve constar do ram mais como malformações vasculares que como
cisto, a porção média do osso hioide, parte da muscu- neoplasias propriamente ditas, outros como um ha-
latura da base da língua com ou sem mucosa da área martomatoso crescimento de capilares. Embora se-
do forame cécum. A peça deve ser sempre enviada para jam predominantemente localizados em superfícies
exame anatomopatológico. O dreno deve ser deixado cutâneas, podem ser também vistos em mucosas e
por 24 a 48 horas. Complicações são pouco usuais, vísceras. Chegam a acometer 10% das crianças. Meni-
pode haver formação de hematoma, seroma e infecção nas são discretamente mais acometidas que meninos
de ferida. Outros problemas podem ser a recidiva e a (2:1), e esses tumores são mais frequentemente solitá-
descoberta de carcinoma. rios que multifocais.

105
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Cerca de um terço dos hemangiomas já estão T2 e isodensa em T1. Hemangiomas em involução têm
presentes ao nascimento, mas eles tipicamente são áreas de tecido fibrogorduroso e, em T1, têm hipersinal,
notados durante o primeiro mês de vida e progressi- se comparados aos hemangiomas em proliferação.
vamente aumentam durante o primeiro ano, passan-
A TC mostrará uma massa que aumenta pro-
do a involuir com 18 a 24 meses (pico de involução),
fundamente. Angiograficamente, hemangiomas são
continuando a involuir dos 5 aos 7 anos. Depois, pas-
lesões lobulares bem circunscritas, de tecido denso e
sa a haver depósito fibrogorduroso em seu sítio. Em
supridas por múltiplas artérias alargadas. Shunts arte-
quase 90% dos casos, a involução ocorre e não neces-
riovenosos não são comuns. A aparência angiográfica
sitam de tratamento.
reflete o tipo de vaso que compõe o hemangioma.
Do ponto de vista histológico é composto por um
acúmulo de células endoteliais, com um alto índice de Hemangiomas localizados profundamente no te-
canais sanguíneos e sinusoides. Podem ser definidos cido subcutâneo, fáscia e músculos do pescoço tendem
como um processo não reativo, benigno, no qual exis- a ser infiltrativos e difíceis de tratar. Embora essas le-
te um aumento na relação anormal-normal de vasos sões não se tornem malignas, o controle local é difícil
sanguíneos. Além disso, são divididos em duas catego- e frequentemente não adquirido. Os hemangiomas
rias: ativos e inativos hemodinamicamente, de acordo musculares são um exemplo de tais lesões infiltrativas.
com a presença de fístulas arteriovenosas, prolifera- No pescoço, o tipo mais comum é o hemangioma
ção vascular e seu comportamento clínico. capilar, que envolve o esternocleidomastóideo, o esca-
Hemangiomas capilares: formados por capila- leno e o trapézio. Essa lesão está associada com 30%
res compostos de células endoteliais e rodeados por de recorrência a despeito do tratamento correto. He-
pericitos. Nas lesões iniciais, as células endoteliais mangiomas intramusculares cavernosos são o segun-
podem preencher o lúmen dos capilares. O nevus cor do tipo mais comum e apresentam recorrência de 9%.
de morango é considerado uma forma hipertrófica de Tipos mistos são também incomumente encontrados
hemangioma capilar. e apresentam recorrência de 25%. A terapia para essas
Hemangiomas cavernosos: são formados por lesões deve incluir a ligação dos vasos que nutrem a
grandes canais vasculares, tortuosos, compostos por lesão e a excisão da massa.
células endoteliais. Costumam envolver estruturas Em virtude da história natural de involução
mais profundas que o hemangioma capilar e não cos- dos hemangiomas, terapia conservadora é regra para
tumam involuir espontaneamente, principalmente se a sua maioria, mas observação está indicada para o
não estão presentes ao nascimento. Fibrose da adven- possível desenvolvimento de complicações. Cerca de
tícia costuma ocorrer. 10% a 20% dos hemangiomas requerem tratamento
Hemangiomas arteriovenosos: frequentemen- por várias razões. Se a tumoração demonstra rápidos
te ocorrem em partes moles da cabeça e pescoço e são sinais de crescimento, hemorragia, ou infecção recor-
referidas como malformações arteriovenosas. Além das rente, a biópsia está indicada, e outra terapia deve
características dos hemangiomas cavernosos, apresen- ser instituída. Nesse caso, o tratamento deve ser
tam espessamento de veias. Embora os achados histo- individualizado e baseado em vários fatores, como
patológicos sejam característicos, igualmente impor- idade, sítio da lesão, extensão profunda e caracte-
tante para o diagnóstico é a presença clínica de massa rísticas gerais da massa. Glicocorticoides são usual-
pulsátil com manifestações de um shunt arteriovenoso. mente a primeira linha medicamentosa escolhida,
As duas técnicas de imagem mais frequentemen- seja isoladamente ou em associação com o tratamen-
te utilizadas para o exame de anomalias vasculares to cirúrgico. Corticoides sistêmicos ou intralesionais
são a ressonância magnética (RM) e a ultrassonogra- costumam ser efetivos em 30% a 60%. Supõe-se que
fia (US). Outros exames utilizados são a ressonância os corticoides interrompam a proliferação dos he-
magnética angiográfica, a venografia, linfangiografia, mangiomas por bloqueio dos receptores de estradiol,
e a tomografia computadorizada (TC). Os objetivos interferência na liberação de heparina e de fatores
primários nos exames de imagem são caracterizar a angiogênicos liberados pelos mastócitos. Quando os
lesão, determinar a extensão anatômica da lesão e de- esteroides falham, injeções subcutâneas de interfe-
terminar quais tecidos e estruturas adjacentes estão ron alfa-2 A e 2 B podem ajudar. O tratamento deve
envolvidos. Quando o exame suspeita de uma anoma- ser continuado por 6 a 9 meses, se efetivo. Neuro-
lia vascular, o mais crítico elemento a ser caracteriza- toxicidade tem sido reportada. Nos pacientes que
do é a diferenciação de lesões de alto e baixo fluxo, e o falham em responder ao uso de corticoides, devem
Doppler, nesse caso, é frequentemente útil. ser consideradas embolização, terapia com laser e/
Na RM, o hemangioma em proliferação vai se ou cirurgia. O planejamento terapêutico para essas
apresentar como uma massa discretamente lobulada, malformações vasculares deve ser individualizado e
que apresenta um hipersinal em relação ao músculo em abordado por uma equipe multidisciplinar.

106 SJT Residência Médica - 2015


8 Massas cervicais congênitas,

Teratomas Tipicamente, cistos dermoides apresentam-se


como massas em linha média do pescoço, frequente-
Teratomas são lesões de desenvolvimento que mente em região submentoniana. Movem-se com o
contêm elementos tissulares das três camadas germi- deslocamento da pele e são indolores, a não ser quan-
nativas. As células encontradas nessa lesão contêm do infectados.
elementos tissulares em qualquer estágio de diferen- Ao contrário dos cistos do ducto tireoglosso, não
ciação e, quando as células são totalmente imaturas,
se movem com a protrusão da língua. O tratamento é
malignidade pode existir, apesar de ser pouco usual.
feito com excisão completa.
São raros na cabeça e pescoço, compreendendo 3,5%
de todos os teratomas. Em outras regiões do corpo, a
relação mulher-homem é de 6:1, embora na cabeça e
no pescoço seja aproximadamente semelhante. Tera-
tomas cervicais geralmente apresentam-se como uma Cistos tímicos
massa no pescoço descoberta ao nascimento, e rara-
mente apresentam-se após o primeiro ano de vida. O O timo desenvolve-se da 3ª bolsa faríngea e des-
diagnóstico intrauterino pode ser feito pelo US quan- ce até o tórax. Um implante de tecido tímico ao longo
do uma massa cervical é demonstrada, deslocando a desse trato descendente pode resultar em um cisto
traqueia posteriormente e apresentando ecogenici- tímico no pescoço. Quase todos são unilaterais (mais
dade mista. Calcificações podem ser vistas. Pode, às
comumente à esquerda que à direita) e de consistência
vezes, ser confundido com higroma cístico, mas esse
cística em 90% dos casos.
último é multiloculado, não calcificado e cístico. Essas
lesões são encapsuladas e são parcialmente císticas, Tipicamente, apresenta-se como uma massa as-
tendo várias aparências aos cortes seccionais. Histo- sintomática, na região baixa do pescoço, ou na região
logicamente são compostas por mistura de elementos supraclavicular, que pode tornar-se dolorosa se infec-
do ectoderma, mesoderma e endoderma. tada ou se rapidamente aumenta de tamanho. Deve-
Algumas vezes, são referidos como teratomas da mos ainda considerar a possibilidade de essa massa
glândula tireoide. Eles causam sintomas de pressão e, tratar-se de um timoma ou raramente um linfossar-
frequentemente, resultam em obstrução de vias aéreas coma tímico. TC ou RM ajudam a diferenciá-lo do hi-
superiores, apresentando estridor, cianose e dispneia. groma cístico que é frequentemente múltiplo. O tra-
Além disso, podem provocar de disfagia secun- tamento é preferentemente cirúrgico, e o diagnóstico
dária à compressão do esôfago. Radiografias revelam é confirmado pela presença de corpúsculos de Hassall
uma massa de partes moles com espículas calcificadas nos cortes histológicos.
em 50% dos casos; a traqueia e o esôfago podem estar
deslocados posteriormente e podem estar associados
à atelectasia pulmonar.
Não observamos associação com outras malfor- Tumores do
mações congênitas cervicais, mas tem sido associado ao
polidrâmnio materno (em 18% dos casos). O diagnóstico esternocleidomastoideo
diferencial é feito com outras malformações cervicais.
Neonatos com tumores do esternocleidomastóideo
Uma vez que o diagnóstico de teratoma cervical é
apresentam-se com massas cervicais que, usualmente,
feito, excisão cirúrgica é mandatória para prevenir obs-
não aparecem ao nascimento, mas por volta da 1ª a 8ª
trução de vias aéreas superiores, obstrução e compro-
metimento pulmonar. Sem intervenção, a maioria dos semana de vida. Patologicamente, a massa é caracteri-
pacientes morre, quando as lesões são muito grandes. zada por um tecido fibroso, denso na ausência de mús-
culo estriado normal. A verdadeira etiologia dessa lesão,
também conhecida como torcicolo congênito, é incerta.
Entretanto, trauma de parto, isquemia muscular e mau
Cistos dermoides posicionamento intrauterino podem explicá-la.
A maioria dos pacientes é primogênita. O torci-
Similarmente ao teratoma, ao qual estão relacio-
colo congênito apresenta-se como uma massa firme,
nados patologicamente, os cistos dermoides advêm
de epitélio retido durante a embriogênese ou por im- dolorosa, discreta e fusiforme, dentro do esternoclei-
plantação traumática. Cistos dermoides consistem de domastóideo, que lentamente regride de tamanho
uma cavidade formada por epitélio e preenchida por dentro de 2 ou 3 meses, e continua a regredir até os 8
apêndices de pele. Além do pescoço, podem ser encon- meses. A massa desaparece em mais de 80% dos casos,
trados na órbita nasofaringe e cavidade oral. portanto recomenda-se apenas fisioterapia.

107
92
Capítulo

ROTEIRO
PROPEDÊUTICO
Torcicolo Congênito
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
9 Torcicolo congênito

Definição Exame clínico


Tumor de consistência dura, fusiforme, algumas
Doença caracterizada pela posição viciosa da ca-
vezes doloroso à palpação, medindo 2 a 3 cm de exten-
beça e pescoço e aparecimento progressivo de assime-
tria facial e craniana decorrentes de displasia fibrosa e são, superfície lisa, não aderido à pele, com bordos late-
encurtamento do músculo esternocleidomastóideo. A ral e medial bem definidos, porém com bordos superior
orelha parece tracionada para baixo em direção à cla- e inferior imprecisos, localizado no terço inferior ou
vícula do lado ipsilateral e a face olha para frente em médio do músculo ECM, encontrando-se no seu inte-
direção ao lado contralateral. rior (dentro da substância do músculo).
Na fase inicial o torcicolo nem sempre está pre-
sente.
Epidemiologia
€ Sem predisposição sexual.
Forma de apresentação de fi-
€ Predomínio de torcicolo à direita (75%).
brose muscular (35%)
€ Essa forma de apresentação é mais tardia, surge
€ Em 2% a 3% pode ser bilateral.
após o desaparecimento do tumor (que pode ter
€ Prevalência: 0,4% de todos os nascimentos. sido notado ou não clinicamente) e ocupa toda a
€ Apresentação pélvica em 20% dos casos. extensão do músculo, tornando-o mais espesso
€ Mais comum no primogênito e após uso de fórcipe. do que o normal.
€ Doenças associadas: problemas da coluna cervi- € História da presença de tumor no período neo-
cal, displasia dos quadris (até 20% dos casos). natal em 10% a 20%.
€ Costuma aparecer nos primeiros dois a três me-
ses de vida. Efeitos secundários do torcicolo
€ Plagiocefalia: deformidade caracterizada pelo
aplanamento das regiões frontal (do lado da fi-
Etiologia brose muscular) e occipital contralateral e arre-
dondamento das regiões contralaterais, causadas
Etiologia mais provável: posição anormal da ca- pela ação de forças gravitacionais. No lado em
beça fetal produzindo necrose por pressão do músculo que a região frontal é plana (lado da fibrose mus-
esternocleidomastóideo (síndrome compartimental cular), a orelha e a eminência parietal estão colo-
do músculo esternocleidomastóideo [ECM]) e fibro- cadas mais posteriormente e a face é mais larga.
se ao cicatrizar. Antigamente, pensava-se que a lesão É uma deformidade que afeta todos os quadran-
muscular fosse por trauma de parto. tes do crânio. A plagiocefalia costuma estabele-
cer-se após três meses de evolução. Após cura do
torcicolo (antes dos 12 meses), a plagiocefalia
Quadro clínico costuma regredir lentamente retornando ao nor-
mal em dois anos, podendo nunca desaparecer
€ Inclinação da cabeça em direção ao músculo completamente. Após os 12 meses as alterações
encurtado e clavícula correspondente e o mento são definitivas.
rotado em direção ao ombro do lado oposto. € Hemi-hipoplasia facial: observa-se hipoplasia
€ Limitação dos movimentos de rotação do pesco- de uma das hemifaces. O mecanismo é inexpli-
ço para o lado da deformidade e o movimento cado. É progressiva enquanto o torcicolo persis-
lateral para o lado oposto. te, mas essas alterações param tão logo a tensão
do músculo ECM seja aliviada pela cirurgia ou
fisioterapia. O retorno em direção ao normal é
Forma de apresentação lento, provavelmente ocorrendo enquanto exis-
tumoral (65%) te crescimento ativo do esqueleto facial (até 18
O aparecimento da lesão costuma ocorrer entre a a 20 anos). Após os 12 meses, as alterações são
2ª e a 8ª semana de vida. A explicação para esse apareci- definitivas.
mento tardio decorre do excesso de hormônios maternos
€ Atrofia do trapézio ipsilateral corresponde a
na circulação sanguínea do recém-nascido, tornando a
área de fibrose muscular menos visível e palpável. Inicial- uma atrofia de desuso e costuma recuperar-se
mente, a lesão muscular apresenta-se com o aspecto de entre 2 e 6 meses após a cura.
um tumor palpável no interior do músculo ECM. € Escoliose compensadora.

109
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Histopatologia €€ Controle clínico mensal.


€€ Existe regressão completa da fibrose muscular
Trata-se de uma fibrose endomisial. Há depó- ou do tumor muscular entre 90% e 95% dos ca-
sitos de colágeno e fibroblastos em torno das fibras sos tratados no 1º ano de vida. Raramente o tra-
musculares individuais. A gravidade e a distribuição tamento clínico ultrapassa 6 meses de duração.
da fibrose diferem amplamente em cada paciente e €€ Nos casos de torcicolo persistente, tem sido pre-
fascículo muscular. conizada, antes do tratamento cirúrgico, a injeção
O tecido fibroso maturo, encontrado nos recém- do músculo afetado com Botox® (toxina botulíni-
-nascidos, sugere que a doença tenha começado bem ca). As toxinas bloqueiam a junção neuromuscu-
antes do nascimento e, provavelmente, é a causa e não lar impedindo a liberação do neurotransmissor
o resultado das dificuldades obstétricas. acetil-colina, enfraquecendo o músculo tempora-
riamente, facilitando o alongamento muscular. A
A maior frequência de apresentação pélvica suge- injeção faz efeito em 2 a 7dias e seu efeito dura,
re que a fibrose pode prevenir a insinuação normal da aproximadamente, três meses. Antes da injeção,
cabeça na pelve materna. usa-se o anestésico tópico Emla®.

Tratamento cirúrgico
Diagnóstico diferencial €€ Insucesso do tratamento clínico.
€€ Torcicolo postural: síndrome de assimetria con- €€ Apresentação em crianças > 1 ano.
gênita que inclui torcicolo e um ou mais dos se-
guintes: plagiocefalia, escoliose infantil e assime-
tria do tórax. Presente ao nascimento, melhora O procedimento cirúrgico
durante os primeiros 6 meses, não acompanhado
por anomalia óssea, sem fibrose muscular e sem €€ Secção da inserção clavicular e esternal no nível
redução da rotação passiva do pescoço. Causa do terço inferior (tenotomia a l cm da inserção
provável: persistência de posição viciosa intrau- clavicular e esternal) ou do terço médio (na al-
terina. tura em que os ramos esternal e clavicular con-
vergem, ou seja, 1 a 1,5 cm abaixo do nervo aces-
€€ Incoordenação neuromuscular: podendo causar
sório), fáscias do pescoço, aponeurose posterior
inclinação da cabeça para um lado em crianças
e tecidos profundos com fibrose residual. Antes
com paralisia cerebral, espasticidade ou atetose.
de completar o procedimento cirúrgico, a cabe-
€€ Hemivértebra cervical e fusão ou subluxação ça é rotada para o lado operado e pesquisada a
atlantooccipital. presença de bandas fibróticas residuais, princi-
€€ Síndrome de Klippel-Feil. palmente junto ao trapézio, escaleno, platisma e
membranas carotídeas.
€€ Torcicolo ocular (estrabismo, nistagmo): dese­
quilíbrio dos músculos extrínsecos do olho. Não €€ Outras técnicas pouco utilizadas, mas com ex-
aparece antes dos 6 a 12 meses. celentes resultados estéticos, são aquelas que se
baseiam no alongamento muscular, com teno-
€€ Síndrome de Sandifer: posição viciosa da cabeça
tomia do ramo clavicular e zetaplastia do ramo
para evitar o refluxo intermitente de conteúdo
esternal. Mantêm a coluna do músculo ECM na
gástrico até a faringe.
região cervical baixa, evitando o aparecimento
€€ Tumor (rabdomiossarcoma, neuroblastoma). de um desnível em forma de buraco na área do
€€ Adenite e/ou fascite cervical. músculo seccionada.
€€ Excisões parciais ou totais do músculo não apre-
sentam resultados estéticos bons, pois há perda
da coluna do músculo, limitação dos movimen-
Tratamento tos da cabeça para o lado afetado e maiores riscos
de lesão do nervo espinhal acessório. Outras téc-
€€ Massagens sobre o músculo ECM afetado com
nicas, com incisões mínimas e até endoscópicas,
creme de hialuronidase ou pomada heparinoide.
têm sido descritas para correção dessa doença.
€€ Fisioterapia com movimentação passiva da cabe- €€ Pós-operatório imediato: nas primeiras 48 ho-
ça com o tronco fixo, geralmente efetuada pelos
ras deve ser conservada a posição supina sem
pais, 15 a 20 vezes, 3 a 4 vezes por dia após as travesseiros e a cabeça mantida sem rotação por
massagens. São realizados movimentos de rota- dois sacos grandes de areia. No 10º dia pós-ope-
ção e flexão lateral da cabeça e pescoço. ratório reiniciar fisioterapia. Reeducação dos re-
€€ Estimulação luminosa, alimentar, afetiva pelo lado flexos cervicais para manter o pescoço retificado
em que existe dificuldade de rotação da cabeça. sem ro­tação no mínimo por três meses.

110 SJT Residência Médica - 2015


9 Torcicolo congênito

€ Crianças > 2 anos necessitam colocação de colete


ortopédico removível no pós-operatório por 5 a
6 semanas (evita o retorno à posição viciosa da
cabeça). O colete é removido a cada 4 horas para
exercícios ativos.
€ Há relatos recentes do tratamento de torcicolo
muscular com o uso de toxina botulínica e fisio-
terapia associada naqueles pacientes menores de
2 anos em que a fisioterapia não está resolvendo.
O músculo deve ser identificado por palpação,
seguro entre os dedos de uma mão e injetado
com 1 mL de toxina botulínica, tendo o cuidado
de evitar a injeção inadvertida nos músculos e
estruturas adjacentes. A dose recomendada está
entre 25 UI e 50 UI (dependendo da idade da
criança). A substância é injetada através de uma
agulha 25 G inserida entre 3e 4 locais e distribu-
ída ao longo da extensão do músculo.
Figura 9.3 Hemi-hipoplasia facial direita como complicação de torci-

Complicações cirúrgicas colo congênito.


€ Insucesso da liberação completa.
€ Mau resultado estético.
€ Lesão do nervo espinhal acessório e grande au-
ricular.
Estenocleidomastoideo

Clavícula

Figura 9.1 Aparência tumoral do esternocleidomastóideo em criança


com torcicolo. Figura 9.4 Incisão da pele baixa para divisão do estenocleidomastoideo.

Estenocleidomastoideo

nervo acessório

Trapézio

Plexo braquial

Figura 9.2 Torcicolo causado por subluxação atlanto-occipital após


tonsilectomia. Figura 9.5 Imediatamente abaixo da fáscia.

111
10
2
Capítulo

ROTEIRO
PROPEDÊUTICO
glândulas salivares
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
10 Glândulas salivares

Anatomia Adenoma pleomórfico é considerado o tumor


mais comum das glândulas salivares. Histopatolo-
As glândulas salivares são divididas em 2 grandes gicamente apresenta-se com um padrão altamente di-
grupos: glândulas salivares maiores (em número de 3 versificado e é derivado de uma proliferação simultâ-
pares – submandibular, sublingual e parótida); e glân- nea de elementos ductais e mioepiteliais. Dentre todas
dulas salivares menores – distribuídas ao longo de toda as glândulas salivares, a parótida é a mais acometida.
mucosa do tracto aéreo digestivo superior. Esta divisão A área afetada apresenta uma tumefação de cresci-
é anatômica e funcional, pois as glândulas menores pro- mento lento e, normalmente indolor. O tratamento
duzem uma secreção mucoide, aquosa, com função de consiste na excisão cirúrgica com margem de seguran-
lubrificação, enquanto as maiores produzem também ça. O risco de recidiva é bastante baixo quando se faz o
enzimas digestivas (exemplo: ptialina, amilase produzi- tratamento adequado e o risco de transformação ma-
das pela parótida). As glândulas salivares maiores têm ligna varia em alguns estudos. Nos primeiros 5 anos,
relações anatômicas importantes com várias estruturas é de 1,5% de malignização, mas aumenta para 9,5% se
nervosas, o que torna sua cirurgia bastante complexa, o tumor benigno estiver presente a mais de 15 anos.
obrigando a presença de um especialista para aborda-
gem. A glândula parótida tem íntima relação com o Dos neoplasmas das glândulas salivares, o ade-
nervo facial, e todos os seus ramos (nunca esquecer que noma pleomórfico, também conhecido por tumor mis-
o nervo facial sai pelo forâmen estilomastoideo da base to benigno, é, de longe, o mais comum, constituindo
do crânio, portanto sua identificação intraoperatória se aproximadamente 90% de todos os casos de tumores
faz a partir do conduto auditivo, em direção ao espaço benignos das glândulas salivares e 50% de todas as ne-
entre mastoide e estiloide da base do crânio). Já a glân- oplasias (incluindo as malignas) originárias das glân-
dula submandibular tem íntima relação com o soalho da dulas salivares maiores e menores.
boca, o que demonstra a necessidade de identificação de Apesar de os valores percentuais variarem em
3 estruturas nervosas em sua ressecção: n. facial (ramo
alguns estudos, não restam dúvidas que a sede mais
marginal mandibular), n. hipoglosso e n. lingual, além
acometida por esta lesão é a glândula parótida que,
de seu íntimo contato com os vasos faciais (tanto artéria
quanto veia). A glândula sublingual se relaciona com as segundo NEVILLE, é afetada entre 53% e 77% dos
mesmas estruturas nervosas. A drenagem das glândulas casos, seguida pela glândula submandibular com 44%
maiores se faz para a cavidade oral, a parótida na mucosa a 68% e pelas glândulas menores, acometidas entre
jugal junto ao primeiro e segundo pré-molares, através 38% e 43%. Dentre estas últimas, as mais frequentes
do ducto de Stenon ou Stensen. A glândula submandibu- localizam-se no palato (60%), lábio superior (20%) e
lar drena para o soalho da cavidade oral através do ducto mucosa jugal (10%).
de Warton, e as submandibulares pelos ductos de Rizzi-
nius, também para o soalho da boca.
Características clínicas
A maioria das lesões diagnosticadas como tumor
Tipos de afecções misto benigno é encontrada em pacientes com idade
entre 30 e 60 anos, e em adultos jovens, mas podem
€ Inflamatórias – sialadenites virais, bacterianas se desenvolver em qualquer idade, inclusive em crian-
ou litiásicas; doença autoimune (síndrome de ças e recém-nascidos. É um pouco mais frequente a
Sjögren) ocorrência no sexo feminino, numa proporção de 6:4,
€ Neoplasias benignas podendo mostrar diferenças estatísticas em outros le-
vantamentos.
€ Neoplasias malignas (estas serão discutidas pos-
teriormente) Na glândula parótida, os tumores tipicamente
não apresentam fixação nem aos tecidos profundos
nem à pele suprajacente. Inicialmente surge como
uma lesão móvel, porém perde essa mobilidade com
Neoplasias benignas o crescimento. Ocorrem mais frequentemente no
lobo superficial (90%) com rara paralisia do nervo fa-
Patologia cial e se apresentam como uma tumefação no ramo
mandibular à frente da orelha, formando uma massa
Parótida
nodular irregular de consistência firme, tipicamente
Benignas – 80% Malignas – 20% lobulada e é envolvida por uma pseudocápsula. Tem
Adenoma pleomórfico – 80% CA mucoepidermoide uma superfície lisa e bocelada e que dificilmente so-
Tumor de Warthin fre ulceração secundária, a menos que a superfície seja
Tabela 10.1 (*) Câncer mucoepidermoide – neurotropismo – invasão traumatizada. Por vezes podem ser palpadas áreas de
e progressão neural precoces degeneração cística.

113
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

A grande maioria possui um tamanho que varia O prognóstico é considerado excelente quando a
entre 2 e 6 cm, porém, se negligenciada pode crescer a cirurgia é feita de maneira adequada, com um índice
proporções grotescas. de cura de aproximadamente 95%.

Características histopatológicas Tumor de Warthin


Ocorre quase exclusivamente na glândula paró-
Um dos aspectos mais característicos desse neo- tida, representando entre 2% e 10% de seus tumores,
plasma é a sua diversidade no que se refere ao padrão ou seja, é o segundo em maior frequência podendo ser
histológico. Frequentemente, o epitélio forma ductos bilateral (7,5% a 10%) ou múltiplo (4%). Ocorre prin-
e estruturas císticas, ou pode-se apresentar como ilhas
cipalmente em homens brancos, entre a sexta e sétima
ou ninhos de células. Ele é composto de uma mistura
décadas de vida. O aparecimento de um carcinoma
de epitélio glandular e células mioepiteliais dentro de
em um tumor de Whartin preexistente é bastante
um fundo semelhante ao mesênquima podendo a pro-
raro, mas pode surgir adenocarcinoma, carcinoma
porção desses elementos ser altamente variável.
epidermoide e carcinoma indiferenciado, sendo
Acredita-se que as mudanças “estromais” sejam que alguns podem ser radioinduzidos. Ao corte do
produzidas pelas células mioepiteliais. Estas incluem tumor podemos observar cistos papilíferos, com líqui-
uma mescla de aspecto mixoide (pelo extenso acúmulo do marrom e mucoso no seu interior. Existe forte as-
de material mucoide entre as células do tumor), con- sociação com infecção pelo HIV, e também é conhecido
droide (pela degeneração vacuolar das células), hialino com tumor cistoadenoma papilífero linfomatoso.
e, raramente, tecido adiposo e ósseo.
Devido ao conteúdo mitocondrial alto nos oncó-
O adenoma pleomórfico é um tumor tipicamente citos, o tumor de Warthin rico em oncócitos e os on-
encapsulado, bem circunscrito, no entanto, a cápsula
cocitomas incorporarão tecnécio 99m Tc e terão aspecto
pode ser incompleta ou mostrar infiltração pelas célu-
de manchas quentes na cintilografia. Se a punção as-
las tumorais;
pirativa sugerir um tumor de Warthin de crescimento
lento com técnicas confirmatórias pelo tecnécio em
um paciente com contraindicações para cirurgia, o
Tratamento e Prognóstico tumor poderá ser acompanhado de perto, porque não
O tratamento mais aceito para o adenoma ple- tem potencial maligno. O tratamento é a parotidecto-
omórfico consiste na excisão cirúrgica com margem mia superficial com conservação do nervo facial.
de segurança.
Para as lesões que atingem o lobo superficial da Glândula Benigno – 50% Maligno – 50%
glândula parótida, recomenda-se a parotidectomia submandibular Adenoma pleomórfico CA adenoide cís-
superficial com a preservação do nervo facial não en-
tico
volvido. A enucleação não é aconselhável devido ao
risco de recidiva. Para os tumores do lobo profundo Glândula Benigno – 20% Maligno – 80%
sublingual Adenoma pleomórfico CA adenoide cís-
da parótida, usualmente, se faz a parotidectomia to-
tal, com preservação do nervo facial, se possível, pois tico
a paralisia deste nervo é considerada como um sinal Tabela 10.2
extremamente desfavorável.
Para o tumor que atinge a glândula submandibular
o ideal é a remoção completa da glândula com o tumor.
Doenças inflamatórias
Lesões no palato ou gengiva envolvem frequen-
As doenças inflamatórias cursam com sinais flogís-
temente periósteo e osso, tornando a remoção difícil.
ticos e aumento global da glândula, podendo estar asso-
As lesões do palato duro devem ser excisadas com a
mucosa suprajacente, enquanto as da mucosa de re- ciadas febre e poliadenomegalia reacional. Os tumores
vestimento, como as dos lábios, do palato mole e da benignos são bem localizados e delimitados, consistêni-
mucosa jugal, muitas vezes, podem ser tratadas com cia firme ou cística, sem dor e sem sinais de paresia/pa-
êxito pela enucleação ou excisão extracapsular. Visto ralisia nervosa. As lesões malignas são mais endurecidas,
que estes tumores são radioresistentes, a radioterapia e frequentemente com sinais de paresia/pralisia nervosa
não traz benefícios e, portanto, é contraindicada. (invasão de nervos). A neoplasias malignas costumam
também ter maior propensão à ulceração na pele.
A taxa de recorrência do tumor na parótida varia
de acordo com a técnica cirúrgica utilizada, sendo esti- No grupo das doenças inflamatórias, chamamos
mada entre 20% e 45% depois de uma simples enucle- atenção para a síndrome de Sjögren (síndrome seca de
ação, e entre 2% a 5% depois de uma parotidectomia natureza autoimune), lembrando o risco de linfoma
parcial, mas é somente 0% a 0,4% quando a parotidec- nessa população, cujo risco relativo é 44 vezes maior
tomia total é utilizada. do que a população geral.

114 SJT Residência Médica - 2015


10 Glândulas salivares

Diagnóstico Tumores das glândulas


Exames: nos processos inflamatórios de paróti- salivares
da observa-se elevação de amilase. Aumentos excessi-
vos podem estar relacionados a neoplasias malignas; As estatísticas mostram que 95% dos nódulos
Imagem: USG ou CT (esta última de maior esco-
palpáveis da glândula parótida são de origem tumo-
ral, sendo esta glândula a mais frequentemente aco-
lha para as lesões de lobo profundo de parótida – me-
metida. O palato é o sítio mais comum dos tumores
lhora a tática cirúrgica);
de glândulas salivares menores. Aproximadamente
Sialografia: para afastar cálculos e localizá-los. 25% dos tumores da parótida, 50% dos tumores da
submandibular, 81% dos tumores das salivares meno-
res são malignos.
Tratamento O tumor maligno mais comum da glândula pa-
rótida é o carcinoma mucoepidermoide. O carcinoma
Antibioticoterapia: germes da boca (gram posi- adenoide cístico é o tumor maligno mais frequente da
tivos e anaeróbios – Clavulim® e Flagyl®, por exemplo). glândula submandibular e das glândulas salivares meno-
Cirurgia: nunca operar com processo inflamató- res. O padrão de crescimento é indolente e há uma pro-
rio agudo, pois o risco de lesão neurológica é muito alto. pensão inexorável para invasão perineural. Os tumores
malignos das glândulas salivares, de baixo grau de ma-
Acesso por cervicotomia para os tumores de glândulas
lignidade e em estádios iniciais, são usualmente curáveis
submandibulares e sublinguais, acesso de Patey (incisão
por ressecção adequada como único tratamento.
pré-auricular com prolongamento cervical) para os tu-
mores de parótida. As lesões de lobo profundo de paró- Este prognóstico também é influenciado pela lo-
calização da lesão: melhor na parótida que na glândula
tida podem necessitar de mandibulotomias para acesso
submandibular, e menos favorável na glândula sublin-
à região do trígono retromolar e parede lateral de orofa-
gual ou nas glândulas salivares menores.
ringe. O acesso intraoral para tumores de lobo profun-
do de parótida podem ser arriscados para lesão nervosa
e ressecções não completas, devendo ser evitados. Diagnóstico
O diagnóstico dos tumores das glândulas sali-
Complicações do tratamento cirúrgico vares maiores e menores é clínico. Sinais como a fixa-
ção do tumor, a indefinição em relação às estruturas
Paralisias nervosas – paresias por manipula- adjacentes e a presença de paralisia facial são fatores
ção: (ramo mandibular do nervo facial) com recupe- indicativos de malignidade. Dentre os exames de ro-
ração em no máximo 6 meses até paralisias definiti- tina utilizados para se avaliar as lesões de glândulas
vas por lesão no nervo inadvertida ou oncológica (de salivares maiores, não se pode prescindir da punção
princípio), podendo nestes casos ser reconstruído com aspirativa com agulha fina para diagnóstico citopa-
técnicas de anastomose microcirúrgica. tológico. Para diagnóstico dos tumores das glândulas
salivares menores, pode ser necessária a punção com
Sudorese gustatória – síndrome de Frey: trata- agulha fina, ou biópsia incisional. É importante ressal-
-se de sintoma que incomoda o paciente, pois, no mo- tar que a biópsia incisional só deve ser realizada quan-
mento da salivação, apresenta uma sodurose excessi- do o diagnóstico histopatológico for definir a extensão
va apenas da pele na região parotídea. Esta síndrome da cirurgia.
ocorre por comunicações anômalas na inervação das
glândulas sudoríparas com ramos nervosos do nervo
facial (que fica exposto no subcutâneo após ressecção Extensão da doença
de lobo superficial de parótida), e através da via do Os critérios de extensão dos tumores das glân-
Nervo corda do tímpano (que é um ramo da parte pe- dulas salivares são descritos de acordo com o tama-
trosa do nervo facial), há comunicação destas termi- nho, a mobilidade e, no caso dos tumores parotídeos,
nações nervosas com nervo glossofaríngeo, levando à o comprometimento do nervo facial.
relação da gustação e salivação com sudorese desta re- € Raio X simples de mandíbula (para avaliação de
gião da face. O tratamento inicialmente é clínico com invasão mandibular pelos tumores de glândula
soluções tópicas de antitranspirantes, e, nos casos submandibular ou parótida).
graves, é necessário reoperação e rotação de retalhos € Tomografia computadorizada (para avaliação de
musculares locais para separação dos ramos do nervo invasão das estruturas profundas e tumores do
facial com o subcutâneo. lobo profundo da parótida).

115
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

€€ Radiografia simples dos seios da face (em tumo- A radioterapia complementar será sempre indi-
res de palato). cada em casos de tumores de alto grau de malignidade,
€€ Estudo radiológico de osso temporal (tumores ou em casos de margens cirúrgicas insuficientes ou em
malignos da parótida). tumores de difícil acesso (lobo profundo).
€€ Ultrassonografia para diagnóstico diferencial A radioterapia exclusiva é indicação de exceção
entre linfonodo cervical, processos inflamató- ou como tratamento paliativo, em casos considerados
rios, cálculos e tumores. sem indicação para a cirurgia.
€€ Ressonância magnética (exclusivamente quando
a extensão da lesão for de difícil determinação
clínica), principalmente nos tumores de lobo Estádio III
profundo da parótida. Neoplasias de baixo grau ou alto grau de malig-
nidade. O tratamento de escolha é sempre o cirúrgico.
Estadiamento O nervo facial deverá ser preservado quando possível
(ausência de invasão macroscópica).
Os tumores salivares malignos são estadiados de
acordo com o tamanho: T1 é inferior a 2 cm, T2 tem 2 O esvaziamento cervical deve ser associado em
a 4 cm, T3 é maior que 4 cm ou qualquer tumor com casos de invasão cervical por tumores de alto grau de
extensão extraparenquimatosa macroscópica e T4 en- malignidade ou em tumores que apresentem alto ín-
volve invasão de tecidos ao redor. dice de metástase cervical (carcinoma epidermoide,
carcinoma indiferenciado).
O volume de tratamento radioterápico inclui o
Tratamento leito operatório com 2 cm de margem, região nodal
subdigástrica ipsilateral, em caso de carcinoma ade-
noide cístico, sendo que todo o trajeto do nervo facial
Tumores benignos é incluído no volume de tratamento. Lesões profundas
são abordadas com distribuição de campos laterais,
com filtros compensadores para melhoria de isodose,
Parótida
ou feixe de elétrons de 12-17 Mev de forma isolada ou
€€ Tumor do lobo superficial: parotidectomia su- em combinação com feixe de fótons. A dose prescrita é
perficial parcial ou completa, com conservação de 55-60 Gy diárias de 1.8 a 2 Gy.
do nervo facial.
Os linfonodos cervicais ipsilaterais são irradia-
€€ Tumor do lobo profundo: parotidectomia total dos, em caso de doença residual e tumores de alto grau
com conservação do nervo facial. (com exceção de carcinoma adenoide cístico pelo baixo
risco de recidiva cervical), com dose prescrita, de 50
Gy em 25 sessões.
Submandibular
€€ Submandibulectomia.
Estádio IV
Os tumores avançados das glândulas salivares
Outros deverão ser tratados de acordo com a avaliação de ope-
€€ Ressecção da lesão com margem de segurança rabilidade do tumor e do paciente.
podendo incluir partes ósseas, nos casos de tu- Nos casos em que existe possibilidade clínica
mores no palato.
para o paciente se submeter ao tratamento cirúrgico,
este deverá ser realizado sempre com a indicação de
radioterapia complementar.
Tumores malignos

Parótida
Submandibular

Estádios I e II Estádios I e II

Neoplasias de baixo grau ou alto grau de malig- Neoplasias de baixo grau de malignidade
nidade. O tratamento será sempre cirúrgico, buscando €€ Submandibulectomia e esvaziamento da região
preservar o nervo facial. submandibular.

116 SJT Residência Médica - 2015


10 Glândulas salivares

Neoplasias de alto grau de malignidade – esva- anual de raios X de tórax deverá ser efetuada no segui-
ziamento cervical supraomo-hioideo + radioterapia. mento de tumores malignos de alto grau de maligni-
Os critérios para indicação e aplicação de radioterapia dade. A laringoscopia deverá ser realizada em casos de
pós-operatória são os mesmos mencionados para os queixas relativas à laringe ou à hipofaringe.
tumores da parótida.
O seguimento deverá ser feito bimestralmente no
primeiro ano; quadrimensalmente, no segundo ano; se-
Estádio III mestralmente no terceiro ano; e anualmente a partir do
quarto ano. Os doentes tratados de tumores benignos e
Neoplasias de baixo e alto grau de malignidade
de baixo grau de malignidade podem, depois de um ano,
€ Esvaziamento supraomo-hioideo + radioterapia. receber alta e ser orientados para retorno.

Estádio IV Prognóstico
Os tumores avançados das glândulas salivares O prognóstico, portanto, depende da localização,
deverão ser tratados de acordo com a avaliação de ope- do tipo histológico, do grau de diferenciação e do está-
rabilidade do tumor e do paciente. Nos casos em que dio clínico do tumor.
existe possibilidade clínica para o paciente se subme-
ter ao tratamento cirúrgico, este deverá ser realizado
Estádios Sobrevida em 10 anos (%)
sempre com a indicação de radioterapia complemen-
tar. A radioterapia pré-operatória é indicação de exce- I 90
ção, pois ela deve ser feita como única arma terapêuti- II 65
ca para os tumores neste estádio. Os critérios para in- III / IV 22
dicação e aplicação de radioterapia pós-operatória são Tabela 10.3
os mesmos mencionados para tumores da parótida.

Glândulas salivares menores Sobrevida local por localização de tumor maligno


Anos Parótida Submandibu- Glândulas salivares
Os tumores das glândulas salivares menores terão (%) lar (%) menores (%)
sempre indicação de tratamento cirúrgico, que será a 5 55 31 48
ressecção alargada da lesão, e radioterapia complemen-
10 47 22 37
tar nos casos em que houver margem cirúrgica acometi-
da ou nos tumores de alto grau de malignidade. 15 40 15 23
20 33 14 15
O volume de tratamento radioterápico vai de-
Tabela 10.4
pender do epicentro do tumor e segue os mesmos
princípios do tratamento dos tumores epiteliais desta
área, com exceção do carcinoma adenoide cístico, que
requer irradiação de seguimentos nervosos até a base
do crânio. As doses prescritas são: 60 Gy para irradia-
ção profilática, 66 Gy em caso de doença residual mi-
croscópica, 70 Gy para doença residual macroscópica,
em frações de 1.8 a 2 Gy.

Tumores recidivados
Os tumores recidivados das glândulas salivares
serão tratados conforme o tipo histológico, tratamen-
to prévio, sítio da recidiva e extensão tumoral e “sta-
tus” clínico do paciente.

Seguimento
Figura 10.1 Carcinoma epidermoide da cavidade oral à esquerda –
Os exames clínicos de seguimento incluem o exa- TC. Espessamento e realce do espaço mucoso faríngeo e obliteração do
me da cavidade oral, além da palpação da região pa- espaço parafaríngeo adjacente. Linfonodomegalia heterogênea retrofa-
rotídea ou submandibular e do pescoço. A realização ríngea lateral à esquerda (seta).

117
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço


Figura 10.2  Carcinoma indiferenciado da rinofaringe. RM mostra lesão infiltrativa na rinofaringe à esquerda, com extensão intracraniana no seio
cavernoso deste lado.

Figura 10.3  Linfoma. RM mostra invasão de faringe com hipersinal em T2 e realce pós-contraste.

118 SJT Residência Médica - 2015


112
Capítulo

ROTEIRO
Tumores da
PROPEDÊUTICO
Cabeça e Pescoço
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Biologia molecular
De acordo com as pesquisas atuais, o carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço (CECP), apresenta alterações
complexas do ponto de vista molecular, não havendo um mecanismo simples e único de carcinogênese. Entre as al-
terações moleculares encontradas nos CECP, destacamos as alterações em p53, no receptor do fator de crescimento
epidérmico (EGFR), no fator nuclear Kappa B (nFkB) e no fator de crescimento transformante beta (TGF-β).

Alterações moleculares no CECP


Em p53 Em EGFR No nFkB No TGF-β
Localizado na região Proteína com atividade tiro- Complexo proteico que atua Papel original: morfogênese e
cromossômica 17p13. Sua per- sina-quinase. Hiperexpressão como fator transcricional. homeostase tecidual, agindo
da leva ao descontrole prolife- no CECP (90% dos casos). A sinalização aberrante deste como inibidor da proliferação
rativo e ao acúmulo de Exerce papel relevante na marcador é crítica no proces- celular do epitélio normal.
alterações genéticas. Esta al- regulação da proliferação dos so de carcinogênese: No CECP há uma inversão
teração é observada em 50% tecidos epiteliais. Sua hiperex- ↑ Proliferação celular de ação: age como indutor de
dos casos. Fator prognóstico pressão acarreta: ↑ Angiogênese, ↓ apoptose ↑ proliferação celular e de inva-
adverso. ↑ Proliferação resistência à radio e são tecidual.
↑ Invasão quimioterapia
↑ Metástases
↑ Angiogênese
↓ Apoptose
Tabela 11.1

Como será discutido ao longo deste capítulo o Regiões anatômicas


CECP é o tipo histológico mais comum (90% dos casos) e
A cavidade bucal está dividida nas seguintes áreas:
sua gênese está relacionada, principalmente à exposição
€€ Lábio
ao fumo álcool, ao HPV e ao vírus de Epstein-Barr (tam-
€€ Dois terços anteriores da língua
bém é fator de risco para carcinoma de nasofaringe).
€€ Mucosa jugal
Estes agentes causam mutações e/ou modifica-
€€ Assoalho da boca
ções epigenéticas nos chamados oncogenes e genes
€€ Gengiva inferior
supressores de tumor, tendo como resultado final o
€€ Gengiva superior
fenótipo tumoral.
€€ Área retromolar
Em relação ao HPV (HRV16, alto risco), este é
€€ Palato duro
o agente etiológico de pelo menos 25% dos casos de
CECP (no câncer de nasofaringe a associação é de 60% Tabela 11.2
dos casos). Este vírus (vírus DNA) codifica as oncopro-
teínas E6 e E7 que por sua vez inativam as proteínas
supressoras de tumor p53 e pRb, tendo como resulta-
parte nasal da faringe
do final o fenótipo maligno. maxilas palato mole
túnica mucosa da boca
palato duro tonsilas palatinas
Mais detalhes a respeito dos fatores de risco se-
rão abordados no decorrer desta leitura.
tonsila lingual
vestíbulo da boca

Câncer de cavidade oral dentes


parte oral da faringe

O carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço é parte laríngea da


considerado um problema de saúde pública mundial, faringe

uma vez que seus dois principais fatores de risco, o


cigarro e o consumo de álcool, possuem alta preva- língua
lência. Mais de 500 mil novos casos são anualmente esôfago

diagnosticados no mundo, ocupando o sexto lugar


dentre as neoplasias mais comuns. As áreas da ca- mandíbula
osso hioide
epiglote laringe

vidade oral mais frequentemente acometidas são, em


ordem de frequência, língua, assoalho da boca, gengi-
va, palato duro, bochecha, lábio e trígono retromolar. Figura 11.1  Anatomia da cavidade oral.

120 SJT Residência Médica - 2015


11 Tumores da cabeça e pescoço

Todas estas áreas apresentam drenagem linfática para o pescoço, sendo que a primeira estação de drenagem
inclui os linfonodos, jugulodigástricos, jugulo-omo-hioideos, submandibulares e submentonianos. Linfonodos
do segundo escalão de drenagem são os parotídeos, jugulares e cervicais posteriores superior e inferior. A grande
maioria dos tumores malignos da cavidade bucal é constituída pelo carcinoma epidermoide, que se classifi-
ca como: bem diferenciado, moderadamente diferenciado e pouco diferenciado.

IB IB
IA
IB
II B
II A

VI
IA
III VA

IV VB
VII

Figura 11.2 Classificação em níveis segundo a American Joint Committee on Cancer. Na figura à esquerda observamos o diagrama dos níveis I a V
dos linfonodos cervicais. O nível II divide-se em regiões A e B pelo nervo espinhal acessório. Na figura à direita observamos o diagrama dos níveis dos
linfonodos anteriores I, VI, e VII. Embora com área grande, a maioria dos linfonodos níveis VI fica confinada à região paratraqueal.

As bacias ganglionares linfáticas cervicais con- 5. O nível V é posterior à borda posterior do mús-
têm entre 50 e 70 linfonodos por lado e dividem-se culo esternocleidomastóideo, anterior ao músculo tra-
em 7 níveis. pézio, superior à clavícula e inferior à base do crânio.
1. O nível I está subdividido. 6. O nível VI é limitado pelo osso hioide supe-
€ Nível IA, limitado pelo ventre anterior do mús- riormente, pelas artérias carótidas comuns lateral-
culo digástrico, o osso hioide e a linha média. mente e pelo esterno inferiormente. Embora o nível
VI tenha um aárea grande, os poucos linfonodos que
€ Nível IB, limitado pelos ventres anterior e poste- contém estão principalmente nas regiões paratraque-
rior do músculo digástrico e a borda inferior da ais, perto da glândula tireoide.
mandíbula. O nível IB contém a glândula sub-
mandibular. 7. O nível VII (mediastino superior) situa-se en-
tre as artérias carótidas comuns e é superior ao arco
2. O nível II é limitado superiormente pela base
aórtico e inferior à borda superior do esterno.
do crânio, anteriormente pelo músculo estilo-hioideo,
inferiormente por um plano horizontal que se estende Os padrões de drenagem linfática, em geral,
ocorrem em direção superior para inferior e se-
posteriormente a partir do osso hioide e, posterior-
guem padrões previsíveis, baseados no sítio pri-
mente, pela borda posterior do músculo esternocleido-
mário. Os tumores primários do lábio e da cavidade
mastóideo. O nível II também se subdivide.
oral, comumente, metastatizam para os linfonodos
€ Nível IIA, que é anterior ao nervo acessório es- nos níveis I, II e III, embora possam ocorrer metás-
pinhal. tases de pele para níveis mais baixos. O lábio supe-
€ Nível IIB ou triângulo submuscular, que é poste- rior metastatiza primariamente para o mesmo lado,
rior ao nervo. enquanto o lábio inferior tem drenagem ipsilateral e
contralateral. Os tumores da orofaringe, da hipofa-
3. O nível III começa na borda inferior do nível II
ringe e da laringe metastatizam mais comumente
e é limitado anteriormente pelos músculos pré-larín-
para os níveis II, III e IV. Os tumores da rinofaringe
geos, a borda posterior do músculo esternocleidomas-
propagam-se para os linfonodos retro e parafarínge-
tóideo posteriormente e por um plano horizontal que
os, e para os níveis II a V. Outros locais que metasta-
se estende posteriormente a partir da borda inferior
tizam para os linfonodos da retrofaringe são o palato
da cartilagem cricoide.
mole, a orofaringe posterior e lateral e a hipofaringe.
4. O nível N começa na borda inferior do nível Os tumores da subglote, da tireoide, da hipofaringe
III e é limitado anteriormente por músculos pré- e do esôfago cervical propagam-se para os níveis VI
-laríngeos, posteriormente pela borda posterior do e VII. Além do lábio inferior, a supraglote, o palato
músculo estemocleidomastóideo e inferiormente mole e a base da língua têm altas incidências de me-
pela clavícula. tástases bilaterais.

121
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Fatores de risco Quadro clínico


Etilismo, tabagismo (benzopireno, principal O carcinoma epidermoide de cavidade oral comu-
carcinógeno contido no cigarro), higiene oral pobre, mente apresensenta-se como uma forma locorregional
irritações crônicas da cavidade oral, infecção pelo pa- de tumor primário e de metástase em linfonodos cervi-
pilomavírus humano (16, 18 e 33) e o herpesvírus tipo cais em aproximadamente 50%. O tumor inicia-se como
1, são fatores de risco há muito reconhecidos. Mais uma pequena úlcera ou área endurecida, especialmente
recentemente, incluiu-se entre os fatores de risco na língua, lábios, assoalho da boca ou palato, com ou
o vírus de Epstein-Barr. A associação etilismo-taba- sem sangramento discreto. As lesões dos lábios são as
gismo é sinérgica na carcinogênese, todavia, até o pre- mais evidentes e aparecem preferencialmente no lá-
sente momento não pode ser demonstrado de forma bio inferior (normalmente ulceradas – 90% a 95%)
ou exofíticas. O grupo de maior risco a desenvolver
inequívoca os efeitos cercinogênicos do álcool usado
câncer no lábio são homens brancos com idade entre 50
de forma isolada.
e 80 anos. A exposição ao sol e o uso de cachimbo se as-
Cerca de 70% dos pacientes com câncer oral sociam ao câncer do lábio.
apresentam perda da heterozigose próximo ao ge-
A dor é uma queixa tardia. Em vários pacientes
noma 9p21, o qual poderia indicar perda do gene su-
a presença de um linfonodo cervical aumentado de
pressor do tumor, especialmente deleção do p53.
volume poderá ser a única queixa. Nos tumores loca-
Câncer de cabeça e pescoço é referido em lizados na porção anterior da boca os linfonodos sub-
torno de 15% em portadores da síndrome de Li- mandibulares são os primeiros a serem envolvidos;
-Fraumeni, caracterizada por múltiplos tumores nos demais casos, os linfonodos da cadeia jugular pro-
primários em crianças e adultos jovens, sendo pre- funda, superiores, médios e inferiores vão sendo pro-
dominantemente tumores de partes moles, osteos- gressivamente acometidos. Merece referência especial
sarcomas, câncer de mama, tumor de SNC, carcino- o linfonodo subdigástrico, conhecido por linfonodo
ma adrenocortical e leucemia. É uma síndrome rara central da língua, localizado na fossa carotídea e que é
de predisposição ao câncer com caráter autossômico um dos primeiros linfonodos acometidos.
dominante, alta penetrância e associada à mutação Os carcinomas espinocelulares da cavidade oral
germinativa no gene TP53. e da orofaringe têm disseminação preferencialmente
É bem conhecido e constatado que a incidência linfática e por contiguidade. A disseminação hemato-
de carcinoma oral é expressivamente maior entre ho- gênica pode ser constatada apenas nas fases tardias
mens que entre mulheres, na razão de 3 a 4 homens da doença.
para 1 mulher. Todavia, estudos recentes demonstram Em função da escassez de sinais e sintomas,
que as mulheres apresentam maior predisposição ao como regra geral, todo paciente com lesão ulcerada
câncer oral, seja entre fumantes ou não fumantes, su- de cavidade oral com duração superior a três sema-
gerindo então uma nova estratégia na detecção preco- nas deve ser considerado suspeito para neoplasia e
ce do câncer oral. A incidência aumenta a partir dos encaminhado ao especialista.
50 anos, não obstante, ocorre em jovens quando estes Embora o carcinoma espinocelular seja o câncer
são pacientes portadores de Aids. labial mais comum (90%), no lábio superior o carcino-
ma basocelular é o mais comum.

Os fatores de risco mais significativos são o consumo de


tabaco e de bebidas alcoólicas. Diagnóstico clínico e
complementar
Exame físico: o exame de toda a cavidade bucal
Anatomia patológica deve ser feito de maneira metódica, para que todas as
áreas sejam examinadas e seja possível a identificação
Os carcinomas são responsáveis por 90% das de próteses dentárias. As lesões mais posteriores da ca-
neoplasias malignas de cavidade oral, e o carcinoma vidade bucal por vezes necessitam de visualização por es-
epidermoide responde por 80% dos mesmos, sendo pelho para avaliação de sua extensão. As lesões, sempre
os demais compostos por carcinoma indiferenciado, que possível, devem ser palpadas para avaliação de seus
adenocarcinoma, melanoma, sarcomas de partes mo- reais limites e acometimento de estruturas adjacentes. A
les e sarcoma de Kaposi. palpação das cadeias linfáticas cervicais vai completar o
A espessura do tumor, o grau de diferenciação, a exame, sendo importante a determinação do tamanho
presença de metástases regionais, a invasão muscular, dos linfonodos, sua mobilidade e relação com estruturas
linfática, vascular ou nervosa, bem como a expressão vizinhas. O exame físico cuidadoso da cavidade oral tem
do gene p53 constituem fatores de mau prognóstico. precisão diagnóstica em cerca de 80% dos pacientes. Os

122 SJT Residência Médica - 2015


11 Tumores da cabeça e pescoço

linfonodos com diâmetro maior que 1,5 a 2 cm, espe- de patologia.Entretanto, ninhos metastáticos com
cialmente se a consistência for dura, poderão ser de- diâmetro inferior a 3 mm, necessitam de cortes se-
tectados e considerados clinicamente metastáticos. riados para o diagnóstico e auxílio de imunoisto-
Biópsia da lesão: biópsia incisional, dependen- química, sendo conhecidas por micrometástases em
do da facilidade de acesso pode ser feita por pinça de linfonodos e cujo valor preditivo para o prognóstico
saca-bocado sob anestesia local. Não incluir no mate- ainda está controverso.
rial de biópsia áreas com hemorragia, necrose ou in- O emprego de imagens no diagnóstico e de esta-
flamação. Se for indispensável uma biópsia em linfo- diamento de tumores intraorais tem papel relevan-
nodo recorre-se inicialmente à punção aspirativa com te e habitualmente determina um estadiamento su-
agulha fina. perior ao inicial, demonstrando comprometimento
Nos tumores não ulcerados procede-se a exame de estruturas de difícil avaliação pelos métodos
citopatológico com material obtido por punção aspira- de palpação e visualização de lesões. A tomografia
tiva com agulha fina e eventualmente exame histopa- computadorizada helicoidal e a reconstrução tri-
tológico em cell block com o mesmo material. Tratan- dimensional da lesão permite, além de um correto
do-se de carcinomas, as colorações com hematoxilina- estadiamento, um melhor planejamento terapêuti-
-eosina (H-E) são suficientes para o diagnóstico, já em co. A ressonância nuclear magnética equivale-se à
neoplasias indiferenciadas ou sarcomas, os exames tomografia computadorizada, tendo mais precisão
imunoistoquímicos são recomendados. ao demonstrar invasão óssea ou de cartilagem. A
cintilografia óssea pode ser usada para demonstrar
Exames subsidiários: o objetivo destes exames invasão óssea por tumor. A ecografia cervical per-
tem mais o propósito de avaliação pré-operatória do mite melhor avaliação dos linfonodos cervicais e
paciente. Nos pacientes jovens, o hemograma completo está disponível em todos os centros. Quando asso-
e os testes básicos da coagulação (INR e TTPa) bastam. ciada à punção com agulha fina, atinge alto grau de
Para os pacientes acima dos 45 anos, glicemia, ECG e especificidade. A tomografia por emissão de pósi-
avaliação da função renal são necessários. trons – PET – tem indicação para rastrear recorrên-
No que diz respeito à história natural do tumor, cias de tumor, especialmente em áreas irradiadas ou
a pesquisa da presença de HPV por captura híbrida ou com excessiva fibroplasia cicatricial, ou pesquisa de
por PCR (reação em cadeia da polimerase) estão ga- tumor primário em local indeterminado. Atualmen-
nhando adeptos. te, associada por fusão com a imagem de TC, isto
é PET-TC, apresenta imagens reais, tornando mais
A pesquisa do marcador tumoral SSC-A (antí-
acurado o estudo dos pacientes oncológicos.
geno tumoral do carcinoma de células escamosas),
correlaciona-se com carcinomas epidermoides, não
sendo específico para cabeça e pescoço, todavia pode Estadiamento TNM
ser útil para a monitoração de pacientes. Os valores
normais são inferiores a 2,5 ng/dL.
Exames de imagens: os métodos de imagens Tumor primário (T)
permitem melhor acurácia diagnóstica, detectando TX – Tumor primário não pode ser avaliado.
linfonodos em regiões profundas, inacessíveis à pal-
T0 – Sem evidência de tumor primário.
pação. A ultrassonografia com auxílio de Doppler,
a tomo grafia computadorizada e, especialmente a Tis – Carcinoma in situ (intraepitelial)
ressonância nuclear magnética poderão sugerir o T1 – Tumor ≤ 2 cm na sua maior dimensão.
envolvimento de pequenos linfonodos ao ser cons-
T2 – Tumor > 2 cm e ≤ 4 cm na sua maior dimensão.
tatada necrose no linfonodo. Os tratados especiali-
zados informam que linfonodos a partir de 0,5 cm T3 – Tumor > 4 cm na sua maior dimensão.
de diâmetro podem ser detectado por essas ferra- T4a – tumor invade estruturas adjacentes (cor-
mentas, todavia devem ser solicitados com caute- tical óssea, músculos profundos – extrínsecos – mús-
la, pois a relação entre custo e benefício é pequena. culos da língua [genioglosso, hioglosso, palatoglosso e
A punção com agulha fina, guiada por ultrassom e estiloglosso], seio maxilar e pele da face).
seguida de avaliação citopatológica ou inclusão em T4b – tumor invade o espaço mastigatório, a placa
parafina – cell block – é o exame mais específico para pterigoidea ou a base do crânio e/ou engloba a artéria
o diagnóstico. carótida interna.
Metástases não detectadas por palpação e por Nota: Erosão superficial apenas do alvéolo do
métodos de imagem são chamados de metástases osso/ dente devido a primário gengival não é suficien-
ocultas, diagnosticadas apenas no exame rotineiro te para classificar o tumor como T4.

123
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Linfonodos regionais (N) lesões localizadas na língua, deve-se associar o esvazia-


mento cervical supraomo-hióideo em virtude do alto
NX – Linfonodos regionais não podem ser índice de metástase cervical oculta, principalmente nos
avalia­dos. pacientes que são rebeldes a um acompanhamento clí-
N0 – Ausência de metástases em linfonodos re­ nico prolongado no pós-operatório. Nos casos de lesões
gionais. em assoalho de boca, a indicação de esvaziamento cer-
N1 – Metástase em um único linfonodo ipsilate- vical eletivo supraomo-hioideo vai depender do caráter
ral ≤ 3 cm na sua maior dimensão. infiltrativo da lesão. Nos casos de pacientes com metás-
N2 – Metástase em um único linfonodo ipsilate- tase cervical, associar o esvaziamento cervical radical
ral > 3 cm e ≤ 6 cm em sua maior dimensão; ou em modificado. Nos casos de mais de um linfonodo metas-
múltiplos linfonodos ipsilaterais, nenhum > 6 cm na tático com extravasamento capsular, invadindo qual-
sua maior dimensão; ou em linfonodos bilaterais ou quer estrutura – veia jugular interna, nervo acessório,
contralaterais, nenhum > 6 cm na sua maior dimensão. ou musculatura procede-se ao esvaziamento cervical
N2a – Metástase em um único linfonodo ipsila- radical modificado com inclusão da estrutura compro-
teral > 3 cm e ≤ 6 cm em sua maior dimensão. metida, ou a esvaziamento radical clássico quando há o
N2b – Metástases em múltiplos linfonodos ipsi- comprometimento de todas as estruturas citadas.
laterais, nenhum > 6 cm na sua maior dimensão. O tratamento radioterápico é a outra opção, po-
N2c – Metástases em linfonodos bilaterais ou dendo ser feita por meio de braquiterapia (implantes
contralaterais, nenhum > 6 cm na sua maior dimensão. de agulhas radioativas) ou de radioterapia externa;
N3 – Metástases em linfonodos > 6 cm na sua todavia os paraefeitos da radioterapia (xerostomia)
maior dimensão. ou complicações mais graves, como osteorradiomie-
lite mandibular, limitam as indicações aos carcino-
mas pouco diferenciados ou indiferenciados, ou aos
pacientes sem condições clínicas para cirurgia ou aos
Metástases a distância (M)
que se recusam a submeter-se a tratamento cirúrgico.
MX – Metástases a distância não podem ser As sequelas do tratamento cirúrgico são pouco
avaliadas.
significativas e habitualmente a área cruenta da res-
M0 – Ausência de metástases a distância. secção cirúrgica pode ser fechada per primam, dispen-
M1 – Metástases a distância. sando retalhos ou reconstruções especiais, excetuan-
do-se os lábios.
Grupos de estadiamento clínico
Estádio 0 Tis N0 M0
Estádio I T1 N0 M0 Tumores T2
Estádio II T2 N0 M0
O tratamento preferencial também é cirúrgi-
Estádio III T3 N0 M0
co, com ressecção da lesão com margens > 1 cm. Nos
T1 N1 M0
T2 N1 M0 casos de tumores localizados na língua ou no assoa-
T3 N1 M0 lho da boca, associar o esvaziamento cervical eletivo
Estádio IVA T4a N0 M0 supraomo-hioideo obrigatoriamente em todos os ca-
T4a N1 M0 sos. Nos casos de pacientes com metástase cervical,
T1 N2 M0 associar o esvaziamento cervical radical modificado
T2 N2 M0 ou suas variações até o esvaziamento cervical radical
T3 N2 M0 clássico quando há o comprometimento de todas as
T4a N2 M0
estruturas. A ressecção per-ors pode ser dificultada
Estádio IVB Qualquer T N3 M0 para lesões muito posteriores, sendo necessário, algu-
T4b Qualquer N M0
mas vezes, a realização de check-flap (retalho de lábio
Estádio IVC Qualquer T Qualquer N M1 inferior) para garantir melhor acesso.
Tabela 11.2

Tumores T3
Tratamento
A cirurgia é o tratamento preferencial e consiste
de ressecção completa da lesão com margens > 1 cm e
Tumores T1
associada ao esvaziamento cervical supraomo-hióideo
O tratamento preferencial é cirúrgico, o que cor- em casos de pescoço clinicamente negativo. Nos casos
responde à ressecção da lesão com margens tridimen- de pacientes com metástase cervical, associar o esva-
sionais satisfatórias (geralmente > 1 cm). Em casos de ziamento cervical radical modificado até sua forma

124 SJT Residência Médica - 2015


11 Tumores da cabeça e pescoço

clássica, dependendo da invasão das estruturas. Estas prognóstico dos pacientes com carcinomas intraorais.
lesões costumam ser mais complexas e requerem aces- Associado à ressecção do tumor primário, procede-se
sos combinados com check-flap ou até mesmo mandi- a um esvaziamento cervical radical ou modificado, se-
bulectomia para garantir maior segurança à ressec- gundo a individualidade de cada paciente. A radiotera-
ção. A radioterapia deve ser usada como tratamento pia pós-operatória está indicada, e é mandatória nos
complementar, em casos de pescoço positivo ou lesão pacientes com extravasamento neoplásico através da
primária T3. A radioterapia como tratamento exclusi- cápsula do linfonodo. A quimioterapia neoadjuvante
vo apresenta resultados inferiores à cirurgia. Alguns ou pós-radioterápica poderá ser considerada para a
autores sugerem quimioterapia antiblástica neoadju- prevenção de metástases a distância.
vante ou pré-operatória.

Pescoço N3 M0
Tumores T4
Neste estádio, como no precedente, enquadram-
O paciente desta categoria apresenta tumor com -se numerosos pacientes e cujo fato comum é a pre-
invasão de estruturas adjacentes, todavia a enfermi- sença do «N3», isto é, metástase cervical > 6 cm, ha-
dade está confinada à cavidade oral, podendo ser pas- bitualmente com ruptura extracapsular, invasão de
sível de ressecção cirúrgica ampliada, associada ao estruturas adjacentes e, até, envolvimento da artéria
esvaziamento cervical, seguida de apropriada e neces- carótida interna, tornando a metástase não ressecá-
sária reparação cirúrgica, a fim de reduzir as sequelas vel. O tratamento é multidisciplinar, associando-se
decorrentes de uma glossectomia total ou pelviglosso- quimioterapia, radioterapia e cirurgia numa sequência
-mandibulectomia ou glossectomia e laringectomia individualizada para cada paciente.
associados, seguida de radioterapia pós-operatória. A
quimioterapia neoadjuvante deve ser considerada em
casos especiais.
Tumor T4B
As ressecções complexas, como as da língua,
segmento mandibular e esvaziamento cervical, são Os pacientes neste estádio apresentam tumor
denominadas operação comando, havendo duas expli- primário irressecável e o tratamento é essencialmente
cações para esta terminologia. Uma delas aponta a ori- paliativo, podendo a cirurgia, a quimioterapia e a ra-
gem como advinda das operações bélicas, denomina- dioterapia desempenhar papel relevante para alívio do
das Comando, onde grupos militares armados navais paciente em determinadas situações.
e aéreos realizavam incursões na Europa continental,
partindo da Inglaterra durante a Segunda Guerra
Mundial, desde 1942, mesma época em que tais pro- Tumor M1
cedimentos cirúrgicos passaram a ser padronizados e
A característica deste grupo infrequente de pa-
executados no Memorial Sloan-Kettering Cancer Cen-
cientes é a presença de metástases a distância, tor-
ter em Nova York; outra explicação informa que Co-
nando-o incurável. O tratamento é individualizado e
mando seria uma abreviatura de Combined Mandibu-
multidisciplinar, como no estádio IVB, no entanto em
lectomy Neck Dissection Operation. Outro procedimen-
muitos casos a lesão intraoral é ressecável, as metás-
to clássico em cirurgia de cabeça e pescoço é a deno-
tases cervicais, se presentes, poderão ser operáveis e
minada operação pull-through (tração através), em que
a ressecção de uma metástase única poderá ser con-
a ressecção dos tecidos e lesões intraorais, combinada
siderada. A quimioterapia representa, em princípio, a
com o esvaziamento cervical, é executada mediante
principal terapêutica.
uma tática cirúrgica de tracionar o espécime cirúrgico
por via submandibular e, assim, em continuidade com Atenção: Para os casos com linfonodos cervicais
o esvaziamento cervical, completar a cirurgia. metastáticos, utiliza-se o esvaziamento cervical radical
ou radical modificado, com remoção de todas as princi-
pais cadeias linfonodais cervicais (níveis de I a V), com
ou sem a preservação de estruturas não linfáticas, como
Pescoço N2a-b-c M0 o nervo acessório (XI par craniano) e veia jugular interna
Neste estádio, situa-se um número expressivo de (quando radical estas estruturas e o músculo esternoclei-
pacientes, com tamanhos variáveis de tumores intra- domastóideo são removidos). Em casos selecionados de
orais ressecáveis associados a um linfonodo cervical > tumores de boca e orofaringe com metástases isoladas,
3 cm e < 6 cm, ou múltiplos linfonodos < 6 cm, ho- de até 3 cm de diâmetro, tem-se utilizado esvaziamento
molaterais, bilaterais ou contralaterais. O tratamento seletivo dos níveis I a III ou I a IV. Em casos de tumores
do pescoço é prioritário, pois o componente «N» do com alto risco de metastatização (risco de falso-negati-
estadiamento constitui o mais importante fator de vos superior a 20%) - mas sem metástases clinicamente

125
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

detectáveis - indica-se tratamento eletivo do pescoço. As respostas completas ou parciais aos agentes
São tumores de alto risco os do andar inferior da boca, quimiote­rápicos variam de 20% a 80%, obtendo-se
maiores que 2 cm, ou mesmo menores se apresentarem uma significativa melhora clínica do paciente, no en-
espessura superior a 3 mm, todos os tumores de orofa- tanto o ganho na sobrevida não tem sido estatistica-
ringe, hipofaringe e laringe supraglótica. Nesses casos, mente significativo. Os novos tratamentos, combina-
utilizam-se os esvaziamentos cervicais seletivos, em dos com a radioterapia, denominado quimiorradio-
que um ou mais níveis linfonodais cervicais são preser- terapia, acrescentaram um ganho na sobrevida em 5
vados, visando reduzir a morbidade do procedimento, anos em torno de 8%, considerado auspicioso.
sem comprometer o controle de doença: (a) supraomo-
-hióideo (níveis I, II e III) em tumores do andar inferior Seguimento
da boca (com espessura igual ou maior que 3 mm) e da
orofaringe; (b) lateral ou jugular (níveis II, III e IV) para Os pacientes tratados de câncer da boca devem
manter-se sob uma rotina de acompanhamento em
carcinomas supraglóticos, transglóticos e de hipofaringe.
busca da detecção o mais precoce possível de qualquer
recidiva da lesão primária ou metastática.
Quimioterapia no tratamento Exame físico: mensal no primeiro ano; trimes-
dos carcinomas orais tral no segundo; semestral após o terceiro ano; e anual
A quimioterapia vem apresentando uso crescente após o quinto ano. Este exame deve incluir:
no tratamento do câncer oral, especialmente nos está- €€ Exame da cavidade bucal e cadeias linfáticas cer-
dios avan­çados III e IV. Pode ser neoadjuvante, isto é, pre- vicais
cedendo qualquer tratamento cirúrgico ou radioterápico, €€ Avaliação do estado geral do paciente (qualidade
ou adjuvante, pós-cirúrgico ou pós-radioterápico. Recen- de vida / ganho ponderal)
temente tem sido usada associada e concomitante com €€ Radiografica simples, (raio X) de tórax, realizada
a radioterapia, potencializando-lhe os resultados. Em anualmente.
alguns pacientes, fora de outras possibilidades terapêu-
€€ Esofagoscopia, realizada anualmente, pesquisa
ticas clássicas, a quimioterapia está indicada de forma
de segundo tumor primário no trato aerodiges-
paliativa. Alguns protocolos de quimioterapia estão em tivo superior
uso, associados à radioterapia, com o intuito de preser-
vação de órgãos.
€€ Laringoscopia indireta – pesquisa de segundo
tumor primário no trato aerodigestivo superior
Vários agentes quimioterápicos podem ser uti-
lizados isolados ou associados. Isoladamente, o me-
totrexato é o mais empregado, especialmente na pa- Prognóstico
liação, todavia os derivados da platina (cisplatina ou O prognóstico de pacientes com lesões iniciais
carboplatina) combinados com o 5-fluorouracil apre- pode ser considerado bom. Os índices de sobrevida en-
sentam as melhores respostas. contram-se na tabela a seguir:

Localização Sobrevida em 5 anosestádios (%)


primária I II III IV
Língua ; oral 35-85 26-77 10-50 0-26
Assoalho da boca 58-75 40-64 21-43 0-15
Rebordo gengival 73 41 17 0-10
Mucosa bucal 77-83 44-65 20-27 0-18

Tabela 11.3

Tratamento do tumor primário – resumo


Local do tumor T1 T2 T3 T4
Gengiva inferior Alveolectomia Pelvemandibulecto- Pelvemandibulectomia margi- Pelvemandibulectomia margi-
mia marginal nal ou seccional nal ou seccional
Região jugal Ressecção ampla Ressecção ampla Ressecção ampla Ressecção ampla
Assoalho bucal Pelvectomia Pelveglossectomia Pelveglossectomia ou pelveglos- Pelveglossectomia ou pelveglos-
pelvemandibulec- somandibulectomia marginal ou somandibulectomia marginal ou
tomia seccional seccional
marginal

126 SJT Residência Médica - 2015


11 Tumores da cabeça e pescoço

Tratamento do tumor primário – resumo (cont.)


Língua Glossectomia Glossectomia par- Pelveglossectomia ou pelve- Pelveglossectomia ou pelveglos-
parcial cial ou hemiglossec- glossomandibulectomia margi- somandibulectomia marginal/
tomia nal/seccional ou glossectomia seccional ou glossectomia sub-
subtotal ou total total ou total
Palato duro Palatectomia Palatectomia Ressecção de infra e meso es- Ressecção de infra e meso es-
truturas truturas
Área Ressecção ampla Operação retromo- Operação retromolar clássica Operação retromolar clássica
retromolar lar modificada ou ampliada ou ampliada
Tabela 11.4

Tratamento das metástases linfonodais cervicais


€ Parede lateral, área de localização da loja amig-
daliana, das amígdalas palatinas, dos pilares e
Tipo de esvaziamento
Estádio do tumor
cervical
dos sulcos glosso-amigdalianos.

T1 N0 Não € Parede superior, onde se encontra a superfície


inferior do palato mole e a úvula (transição da
T2-4N0 Supraomo-hióideo
rinofaringe).
Radical ou radical modifi-
T1-4 N1-2b ou N3 € Parede posterior, que continua com suas análo-
cado
gas da naso e hipofaringe, delimitada pelos pla-
Tumor ultrapassando a li-
nha média T2-4N0
Supraomo-hioideo bilateral nos transversais que limitam a orofaringe.
Tumor ultrapassando a li- Radical ou radical modifi-
nha média T1-4N1-2b ou cado ou supraomo-hioideo
N3 contralateral Classificação histopatológica
Qualquer T1-4 N2c Radical bilateral Apesar de se encontrar os mais variados tipos his-
Tabela 11.5 topatológicos de tumores malignos, desde os mesen-
quimais até os de glândulas salivares menores, o tumor
mais frequente é o carcinoma epidermoide em seus va-
riados graus de diferenciação.
Câncer da faringe
A faringe se divide em três regiões : rinofaringe Fatores de risco
(atrás das coanas nasais e acima do palato mole), orofa-
Dentre os fatores de risco tem-se desnutrição, bai-
ringe (atrás da cavidade oral em continuidade à ela) e hi-
xa ingestão de vitaminas C e E e de carotenos. Apesar de
pofaringe (atrás do ádito da laringe e cartilagem cricoide,
em íntima relação com a laringe). etiologia desconhecida, apresentam relação direta com
o tabagismo, potencializada em mais que 10 vezes se
associado à ingestão de álcool.
Câncer da orofaringe
Os tumores malignos da orofaringe acometem,
mais frequentemente, o sexo masculino e relacionam- Quadro clínico
-se com tabagismo e etilismo, além de avitaminoses. É
Dependendo da região da orofaringe onde o tu-
importante ressaltar a clínica de otalgia reflexa e odi-
mor se inicia tem-se algumas peculiaridades. Geral-
nofagia, comum à maioria desses pacientes, pela re-
mente são lesões assintomáticas. O paciente pode se
lação anatômica da orofaringe com as estruturas que
queixar de dor de garganta, apresentar odinofagia,
passam pelo espaço mastigatório e base do crânio.
otalgia, trismo e halitose, assim como nódulo cervical
(entra no diagnóstico de gânglio primeiro sintoma).
Regiões anatômicas A área das tonsilas é o sítio mais frequente de apa-
recimento de tumores malignos, sendo 77% precedido
A orofaringe possui 4 regiões anatômicas, sendo de lesões leucoplásicas ou eritroplásicas. A invasão do
limitadas por 2 planos transversais: um passando na espaço parafaríngeo leva o paciente a apresentar tris-
borda do palato duro e o outro pelo osso hioide. mo. A incidência de metástase cervical é alta, maior
€ Parede anterior, área glosso-epiglótica, onde se que 60%, dada a riqueza de tecido linfoide desta região
encontra a base da língua (terço posterior da lín- (está dentro do anel linfático de Valdayer). Na região
gua atrás do “V” lingual) e a valécula. do palato mole o primeiro sintoma pode ser alteração

127
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

na fala, incluindo voz anasalada e nas lesões da úvula Orofaringe


é comum a presença de metástases bilateralmente. Os
tumores da parede posterior são insidiosos e agressivos, TI – Tumor ≤ 2 cm.
comumente se estendendo para a naso e hipofaringe, T2 – Tumor >2 cm e ≤ 4 cm.
sem esquecer também da invasão posterior para a fáscia T3 – Tumor > 4 cm.
pré-vertebral, que torna a lesão irressecável. Ocorrem
T4a – Tumor invade laringe, musculatura pro-
mais em homens acima da 5a década de vida e entre os
funda da língua, palato duro ou mandíbula.
principais sintomas tem-se a disfagia e a odinofagia.
Cerca de 20% dos pacientes já apresentam 2º tumor T4b – Tumor invade musculatura pterigoide la-
primário quando do diagnóstico da lesão nessa região. teral, nasofaringe, base do crânio ou artéria carótida.
Os tumores da base da língua, habitualmente, são
diagnosticados em estádio avançado, uma vez que os sin-
tomas se iniciam com a sensa­ção de corpo estranho, ou Linfonodos regionais (N)
com a queixa de que houve traumatismo da região com NX – Linfonodos regionais não podem ser ava-
algum alimento. Invadem o corpo da língua, epiglote e liados.
espaço pré-epiglótico, o que obriga ressecção associada
da laringe. A otalgia também é frequente como primeiro N0 – Ausência de metástases em linfonodos re-
sintoma. Metástases cervicais podem estar presentes em gionais.
cerca de 60% a 75% dos casos, sendo 30% bilaterais. N1 – Linfonodo ipsilateral ≤ 3 cm.
N2 – Linfonodo ipsilateral > 3 cm c ≤ 6 cm.
N2a – Múltiplos linfonodos ipsilaterais < 6 cm.
Diagnóstico
N2b – Múltiplos linfonodos bilaterais ou contra-
Biópsia: incisional com pinça saca-bocado em le- laterais ≤ 6 cm.
sões de difícil acesso, (i. e. na base da língua) a biópsia N3 – Linfonodo(s) > 6 cm.
poderá ser conseguida com a laringoscopia direta ou
indireta, ou até mesmo com laringoscopia de suspen-
são sob anestesia geral.
Metástases a distância (M)
MX – Metástases a distância não podem ser ava-
liadas.
Extensão da doença
M0 – Ausência de metástases a distância.
€€ Oroscopia
M1 – Presença de metástase a distância.
€€ Palpação dos linfonodos cervicais, base da lín-
gua e valécula
€€ Laringoscopia indireta (avaliação da base da lín- Estádios
gua e valécula) I TI, N0, M0
€€ Palpação digital II T2, N0, M0
€€ Rinoscopia posterior (avaliação da extensão para III T3, N0, M0 ou T1-3, NI, M0
rinofaringe) IVA T4a, N0-1, M0 ou T1-T4a, N2, M0
€€ Exames radiológicos IVB T4b, qualquer N, M0 ou qualquer T, N3, M0
Radiografia simples (raio X) de tórax (avaliação IVC qualquer T, qualquer N, M1
de metástase pulmonar) Tabela 11.6

Tomografia computadorizada da faringe (avalia-


ção de propagação no pescoço e dos linfonodos retro-
faríngeos). Tratamento
Por muito tempo a cirurgia e/ou a radiotera-
Estadiamento TNM pia, foram o padrão de tratamento dos tumores da
orofaringe. Essas modalidades são frequentemente
associadas a um controle locorregional insatisfatório
Tumor primário (T) da doença, além de déficits funcionais significativos
em longo prazo. Apesar de indicações para a ressec-
TX – Tumor primário não pode ser avaliado. ção cirúrgica primária ou radioterapia isolada existi-
TO – Nenhuma evidência de tumor primário. rem em uma parte dos casos, alguns investigadores
Tis – Tumor in situ. apontam para os benefícios da combinação de qui-

128 SJT Residência Médica - 2015


11 Tumores da cabeça e pescoço

mioterapia e radioterapia para esses pacientes, em Quadro clínico


especial para aqueles com doença avançada, em que
a terapia combinada tornou-se o tratamento padrão. Os carcinomas originados na nasofaringe po-
Essa abordagem terapêutica promove a preservação dem, por invasão direta e a partir das paredes laterais
do órgão e da sua funcionalidade, além de oferecer ou posterossuperiores, alcançar a fossa cranial média
e acometer estruturas nervosas no nível do seio caver-
benefícios tanto em sobrevida quanto em controle
noso e dos forâmens aí existentes e, em decorrência
locorregional.
disto, provocar uma variedade de sintomas, consti-
Em estágios iniciais (T1 e T2), a RDT no tumor tuindo quadros clínicos como:
primário tem resultados idênticos ao tratamento ci- Síndrome retroesfenoidal: caracterizada pela
rúrgico. Em estágios avançados, ressecção tumoral + invasão do 1º ao 6º par craniano, que provoca sinto-
esvaziamento cervical profilático ou terapêutico. mas como oftalmoplegia unilateral, ptose palpebral,
dor e trigeminalmias associados à paralisia unilateral
dos músculos da mastigação.
Seguimento
Síndrome do espaço retroparotídeo: decor-
O seguimento pós-tratamento deve incluir oros- rente da compressão do 9º ao 10º nervo craniano e
copia, laringoscopia indireta, exame do pescoço e ra- do nervo simpático por linfonodos metastáticos, que
diografia simples (raio X) de tórax. resulta em dificuldade de deglutição, diminuição da
gustação e salivação, assim como disfonia associada à
A endoscopia digestiva alta deve ser solicitada paralisia do músculo trapézio e esternocleidomastói-
sempre, devido ao risco de segundo tumor primário deo, musculatura unilateral da língua, palato mole e
no esôfago. a síndrome de Claude-Bernard-Horner (enoftalmia,
No primeiro ano deve ser mensal, no segundo ptose palpebral, miose unilateral e anidrose).
ano, trimestral; no terceiro ano, semestral; e anual Outros sinais e sintomas comuns são: presença
após o quinto ano ou alta com orientação de retorno de linfonodos cervicais aumentados uni ou bilaterais,
em caso de novos sintomas. com características metastáticas (linfonodo primeiro
sintoma – principal queixa em 90% dos casos); cefa-
leia, epistaxe, obstrução nasal, às vezes unilateral, oti-
Prognóstico tes repetidas por obstrução da trompa de Eustáquio e
consequente diminuição da audição.
Como em outros tumores, a sobrevida é maior
Rede linfática: a nasofaringe apresenta uma rica
nos estádios iniciais da doença.
rede linfática, o que favorece o surgimento precoce de
metástase cervical. A metástase linfática cervical está
Estádios Sobrevida em 5 anos (%) presente unilateralmente em aproximadamente 75%
dos casos e, bilateralmente, em 50%.
I 75
II e III 45-85 De início, são envolvidos os linfonodos existen-
tes no espaço retrofaríngeo e parafaríngeo, seguidos
IV < 25
dos linfonodos do terço superior da cadeia jugular in-
Todos os estádios 50 terna (nível II) e da cadeia do nervo espinhal.
Tabela 11.7

Classificação histopatológica
Câncer da nasofaringe
É difícil classificar as lesões que ocupam a cavi-
dade nasal, a nasofaringe e os seios paranasais em um
Tumores malignos
único tópico, pois, à medida que crescem em determi-
nado sítio, invadem regiões limítrofes e no momen- € Carcinoma – 85%
to do diagnóstico há dificuldade em se afirmar onde Tipo 1 – carcinoma epidermoide diferenciado
surgiu a lesão primária. Sua classificação, geralmente, Tipo 2 – carcinoma não queratizado
baseia-se nos compartimentos ocupados no momento Tipo 3 – carcinoma linfoepitelioma (+ frequente)
do diagnóstico e, muitas vezes, um tumor é nasossi- € Linfomas – 10%
nusal, nasal com extensão nasofaríngea, nasofaríngeo
€ Outros – 5%
com extensão nasal e/ou paranasal, ou ainda com ex-
tensão para a base do crânio, fossa craniana anterior – Adenocarcinoma
e média. – Sarcomas

129
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Os linfoepiteliomas não tem correlação com Linfonodos regionais (N)


tabagismo e álcool, a relação está com linfoma de
NX – Linfonodos regionais não podem ser ava-
Burkitt, portanto segue epidemiologicamente este
liados.
último. Assim existe forte relação com infecção pelo
vírus Epstein-Barr, que é o fator etiológico do linfo- N0 – Ausência de metástases em linfonodos re-
ma de Burkit, tem maior incidência nas populções do gionais.
oriente (China e Índia), e afeta o tecido linfático (anel N1 – Linfonodo ipsilateral ≤ 3 cm.
linfático de Valdeyer) que é riquíssimo nesta região da N2 – Linfonodo ipsilateral > 3 cm c ≤ 6 cm.
nasofaringe. N2a – Múltiplos linfonodos ipsilaterais < 6 cm.
N2b – Múltiplos linfonodos bilaterais ou contra-
laterais ≤ 6 cm.
Diagnóstico
N3 – Linfonodo(s) > 6 cm.
Biópsia: rinoscopia posterior com biópsia. Em N3a – Mais de 6 cm de dimensão.
caso de metástase cervical, realiza-se a punção aspi- N3b ­– Extensão para a fossa supraclavicular.
ratória de agulha fina (PAAF) de linfonodos cervicais.
Exame direto por meio de óticas rígidas de 90° ou por
meio da cavidade oral ou óticas rígidas de 30° ou 0° pe-
las fossas nasais, seguido de biópsia para diagnóstico Metástases a distância (M)
histopatológico. MX – Metástases a distância não podem ser ava-
liadas.
M0 – Ausência de metástases a distância.
Extensão de doença M1 – Presença de metástase a distância.
€€ Exame da cavidade bucal e orofaringe
€€ Laringoscopia indireta Estádios
I TI, N0, M0.
€€ Rinoscopia anterior
II T2, N0, M0.
€€ Rinoscopia posterior ou exame indireto do ca-
vum III T3, N0, M0 ou T1-3, NI, M0.
IVA T4a, N0-1, M0 ou T1-T4a, N2, M0.
€€ Exame do pescoço
IVB T4b, qualquer N, M0 ou qualquer T, N3, M0.
€€ Radiografia simples (raio X) de tórax
IVC qualquer T, qualquer N, M1.
€€ Exames por tomografia computadorizada ou por Tabela 11.8
ressonância magnética estão indicados na ava-
liação da extensão da lesão e estadiamento. Em
pacientes obesos, com pescoço de difícil palpa-
ção, estes podem ser utilizados para detecção de Tratamento
linfonodos cervicais.
A nasofaringe se encontra em uma localização ana-
tômica de difícil acesso, tanto para o diagnóstico em es-
tádios iniciais, como para acesso cirúrgico, o que conduz
Estadiamento à indicação da radioterapia mesmo em lesões peque-
nas, sendo deixada a cirurgia como opção de exceção
para o tratamento de doença residual (resgate). O tra-
tamento com radioterapia deve ser feito em altas doses,
Nasofaringe
com inclusão de campos cervicais em áreas de drenagem,
T1 – Tumor confinado à nasofaringe. mesmo em lesões iniciais. Os tumores de nasofaringe, de
T2a – Extensão às partes moles da orofaringe e/ forma contrária aos demais tumores de cabeça e pescoço,
ou fossa nasal sem comprometimento da parafaringe. têm como primeira opção de tratamento a radioterapia.
T2b – Extensão às partes moles com comprome- Isso porque é lugar de difícil acesso cirúrgico, com dificul-
timento da parafaringe. dade de obtenção de margens de ressecção satisfatórias,
e tendo grande morbidade estética e funcional. É impor-
T3 – Tumor com invasão de estruturas ósseas e/ tante, além dos métodos imagenológicos para avaliação
ou dos seios paranasais. da extensão da doença, o exame radiológico do tórax
T4 – Tumor com extensão intracraniana e/ou en- por causa do alto risco de metástases. No estadiamento,
volvimento de nervos cranianos, fossa infratemporal, também é fundamental o uso do PET-TC. Em estádios
hipofaringe ou órbita. precoces, a taxa de controle locorregional em 5 anos, com

130 SJT Residência Médica - 2015


11 Tumores da cabeça e pescoço

o tratamento com radioterapia isolada, varia de 85% a Seguimento


90%. Opta-se pela radioterapia, de preferência de inten-
sidade modulada, visando-se menores efeitos colaterais O seguimento, após o tratamento dos pacientes
sobre as glândulas salivares e com melhores resultados sem evidência de doença, deve ser feito mensalmente
na qualidade de vida global, com menor alteração do no primeiro ano, trimestralmente no segundo ano, se-
olfato, gustação e estado geral. A dose de radioterapia mestralmente a partir do terceiro ano, e anualmente a
preconizada é de 7.000 cGy, em frações diárias no sítio partir do quinto ano. O exame deve incluir: exame com-
primário, e de 5.000 cGy no pescoço sem comprometi- pleto da cavidade oral e orofaringe, rinoscopia anterior e
mento linfonodal, ou 6.500 a 7.000 cGy no pescoço com posterior, avaliação da função dos nervos cranianos e de
metástase. A cirurgia, como indicação de exceção, deve queixas sistêmicas que possam ser devidas a metástases
ser reservada para casos em que o tumor primário foi a distância. Radiografia simples (raio X) de tórax deve
controlado pelo tratamento, pelas irradiações, e a metás- ser realizada anualmente. Avaliação funcional da tireoi-
tase cervical está presente, e operável com a radicalidade de devido à alta incidência (30% a 40%) de hipotireoidis-
necessária. Nestes casos, é indicado o esvaziamento cer- mo em pacientes irradiados, para o devido tratamento
vical radical ou radical modificado, dependendo do volu- deste efeito colateral.
me da doença cervical.
Em casos excepcionais, a cirurgia pode estar in-
dicada para remoção de pequenas lesões residuais da
Prognóstico
nasofaringe pós-radioterapia. O prognóstico dos casos que se apresentam com
Existem estudos que sugerem a associação de qui- metástase cervical é reservado, apesar das opções te-
mioterapia em tumores volumosos, em pacientes com rapêuticas disponíveis e empregadas. A sobrevida em
estádios maiores ou iguais a IIB. Nesses pacientes está 5 anos vai de 65% a 95% para lesões T1 (muito ini-
indicada iniciar a quimioterapia com cisplatina 100 mg/ ciais); 50% a 65% para lesões T2; 30% a 55% para le-
m2 em 2 horas nos D1, D22 e D43, ou 40 mg/m2 em 2 sões T3; e 5% a 40% para lesões T4. O estadiamento
horas semanalmente, combinada com radioterapia de do pescoço também afeta diretamente a sobrevida: N1
intensidade modulada em dose diária de 180 a 200 cGy. – 55% a 60%; N2 – 30% a 50%; e N3 – 5% a 40%.
Nos pacientes com alto risco de metástases a distância
ou com tumores volumosos e pescoço positivo, como
nos T4 e/ou N2-3, sugere-se a realização de quimiote-
Câncer de hipofaringe
rapia de indução, com cisplatina (75 mg/m2) e doxitaxel Cerca de 30% dos tumores da faringe se locali-
(75 mg/m2) no D1, repetidos a cada 3 semanas por 2 a 3 zam na hipofaringe, apresentando predileção pelo
ciclos, seguida de radioquimioterapia. sexo masculino e pela localização em seio piriforme
(mais de 85%). Como os demais tumores de mucosa da
No caso de doença a distância, o tratamento cabeça e pescoço, há estreita relação com o tabagismo e o
paliativo é baseado em cisplatinal com bleomicinal e etilismo. A sideropenia e a sífilis também são condições
epirrubicina, ou com 5-fluoracil e bleomicina. Nos ca- relacionadas. Corresponde a 5% a 10% dos cânceres do
sos em que o uso de cisplatina é contraindicado, pode- trato aerodigestivo. Cerca de 4 a 6 vezes mais frequen-
-se associar carboplatina, gemcitabina e paclitaxel. tes no homem e mais comuns a partir da sexta década
No caso de recorrência locorregional, indica-se o de vida.
resgate cirúrgico e se esse tratamento não for possível, in-
dica-se a reirradiação com quimioterapia de indução (com
cisplatina e docitaxel), e a reirradiação associada à cispla- Regiões anatômicas
tina, nos casos de pacientes em boas condições clínicas.
A hipofaringe é limitada por dois planos trans-
versais: um passando pelo osso hioide e o outro, pela
Tratamento do câncer da nasofaringe de acordo com o borda inferior da cartilagem cricoide. Com isso, a hi-
estádio clínico pofaringe fica dividida em três regiões anatômicas:
Está- Tratamento ini- Tratamento de resgate € Área pós-cricoide (junção faringoesofageana),
dio cial que se estende das cartilagens aritenoides e dobras
I Radioterapia/ bra- Re-irradiação conectivas à borda inferior da cartilagem cricoide.
quiterapia Ressecção via mandibulec-
€ Seio piriforme, que se estende das pregas farin-
temia
Esvaziamento cervical goepiglóticas à extremidade superior do esôfa-
go. Seu limite lateral é a cartilagem tireoide, e o
II à IV Radioterapia/ Re-irradiação
medial é a superfície da prega aritenoepiglótica.
braquiterapia e Ressecção via mandibulec-
quimioterapia con- temia € Parede posterior da faringe, do assoalho da va-
comitantes Esvaziamento cervical lécula a outro, no nível das articulações cricoa-
Tabela 11.9 ritenoideas.

131
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Classificação histopatológica
O tumor maligno mais frequente (90%) da
hipofaringe é o carcinoma epidermoide em seus va-
riados graus de diferenciação. Atentar para a possibili-
dade da ocorrência de adenocarcinomas, linfoepitelio-
mas e tumores mesenquimais variados. Nodos
Nodos
jugulodigástricos
refrofaríngeos

Quadro clínico
Nodos Nodos tireoides
Dentre os sinais e sintomas, sensação de corpo júgulo-omo-hioideos
estranho, dor de garganta, odinofagia, disfagia, otal-
gia e disfonia são os mais frequentes. A disfonia revela
lesão avançada, com invasão da laringe. Pode também
invadir a traqueia e a glândula tireoide. A presença de
metástase cervical oculta chega a 80% dos casos.
Nodos
A área mais comum para propagação linfática é paratraqueais Nodos
a dos linfonodos jugulares superiores, mesmo para paratraqueais
tumores inferiores. Outras regiões incluem os linfo-
nodos paratraqueais e retrofaríngeos. A presença de
metástases cervicais contralaterais ou de envolvimen- Figura 11.4  Drenagem linfática da hipofaringe.
to nível V é um indicador de prognóstico grave.
Os carcinomas de seio piriforme representam
mais de 85% dos tumores desta região, com cresci-
mento rápido, agressivo e metastatização precoce. Diagnóstico
As lesões da parede medial invadem precocemente a
laringe, podendo fixar a prega vocal. Podem também Biópsia: por laringoscopia direta ou indireta, de-
invadir a artéria carótida de forma direta. pendendo da facilidade de acesso.
Os tumores da área pós-cricoidea evoluem de
forma assintomática até invasão da laringe (cartila-
gem cricoidea), quando passam a apresentar disfonia, Confirmação de doença
por fixação da prega vocal ou por infiltração do nervo
laríngeo recorrente. Nas mulheres podem estar asso- €€ História clínica
ciados à síndrome de Plummer-Vinson ou Patterson- €€ Inspeção e palpação externa
-Kelley (anemia ferropriva, membranas esofageanas e
disfagia intermitente a sólidos).
€€ Laringoscopia indireta

Os tumores originários na parede posterior aco-


€€ Laringoscopia direta (com biópsia)
metem indivíduos mais idosos, frequentemente assin- €€ Exames radiológicos
tomáticos até estádio avançado, metastatizando pre- €€ Radiografia simples (raio X) de tórax.
cocemente para linfonodos retrofaríngeos e cervicais,
podendo ser este o primeiro sintoma. A associação com €€ Tomografia computadorizada, em casos selecio-
segundo tumor primário pode chegar entre 12% e 20%. nados, para evidenciar invasão e partes moles do
pescoço e de cartilagem da laringe.
€€ Esofagoscopia – busca de segundo tumor primá-
rio concomitante

Estadiamento

Ápice
piriforme

Seio piriforme
Articulação Hipofaringe
cricoaritenoide
T1 – Limitado a um subsítio da hipofaringe e ≤
2 cm.
Região pós-cricoide
T2 – Tumor > 2 cm e ≤ 4 cm sem fixação ou mais
de um subsítio ou sítio adjacente.
T3 – Tumor > 4 cm ou com fixação da hemila-
Figura 11.3  Seio piriforme. ringe.

132 SJT Residência Médica - 2015


11 Tumores da cabeça e pescoço

T4a – Invasão da cartilagem cricoide/tireoide, osso Metástases a distância (M)


hioide, glândula tireoide, esôfago ou comprometimento
MX – Metástases a distância não podem ser ava-
de partes moles.
liadas.
T4b – Invasão da fáscia pré-vertebral, artéria ca- M0 – Ausência de metástases a distância.
rótida ou estruturas mediastinais.
M1 – Presença de metástase a distância.

Linfonodos regionais (N) Estádios


I TI, N0, M0.
NX – Linfonodos regionais não podem ser ava-
II T2, N0, M0.
liados.
III T3, N0, M0 ou T1-3, NI, M0.
N0 – Ausência de metástases em linfonodos re- IVA T4a, N0-1, M0 ou T1-T4a, N2, M0.
gionais. IVB T4b, qualquer N, M0 ou qualquer T, N3, M0.

N1 – Linfonodo ipsilateral ≤ 3 cm. IVC qualquer T, qualquer N, M1.


Tabela 11.10
N2 – Linfonodo ipsilateral > 3 cm c ≤ 6 cm.
N2a – Múltiplos linfonodos ipsilaterais < 6 cm.
N2b – Múltiplos linfonodos bilaterais ou contra- Tratamento
laterais ≤ 6 cm.
Ressecções parciais, circunferenciais ou faringo-
N3 – Linfonodo(s) > 6 cm. esofageanas e esvaziamento cervical, sempre.

Tratamento de câncer da hipofaringe de acordo com o local do tumor primário e o estádio clínico
Local Estádio Tratamento inicial* Tratamento alter-
nativo
Parede pos- I Ressecção ampla por via faringotomia transversa ou mandibulotomia mediana/ Radioterapia
terior paramediana
II-III Ressecção ampla por via faringotomia transversa ou mandibulotomia mediana/ Radioterapia e
paramediana ou faringolaringectomia associada a esvaziamento supraomo-hióideo quimioterapia
bilateral (N0) ou radical (N1)
IV Geralmente irressecáveis. Quando possível, indica-se cirurgia como nos estádios Radioterapia e
II e III, que pode ser faringolaringectomia total. Nos casos irressecáveis indica-se quimioterapia
radioterapia associada a quimioterapia
Área I-II Faringolaringectomia associada a esvaziamento paratraqueal bilateral e esvazia- Radioterapia
retrocricoi- mento
dea lateral bilateral ou radioterapia ou radioterapia e quimioterapia
III-IV Faringolaringectomia ou faringolaringectomia ou faringolaringoesofagectomia Radioterapia e
parcial ou total com reconstrução associada a esvaziamento paratraqueal bilateral quimioterapia
e esvaziamento lateral (N0) ou radical (N1-N3) bilateral ou radioterapia e quimio-
terapia
I-II Faringectomia parcial (parede lateral) ou faringo-laringectomia parcial (parede Radioterapia
medial) associada a esvaziamento paratraqueal e esvaziamento cervical radical mo-
dificado ou radioterapia
Seio III-IV Faringolaringectomia ou faringolaringoesofagectomia parcial ou total com recons- Radioterapia e
piriforme trução associada a esvaziamento paratraqueal e esvaziamento lateral (N0) ou radi- quimioterapia
cal (N1-N3) bilateral ou radioterapia e quimioterapia
Tabela 11.11 (*) Atualmente o tratamento cirúrgico é utilizado somente para tumores extensos (T4). O tratamento combinado com
radioquimioterapia é hoje não mais alternativo, mas de primeira escolha, sempre que possível.

Seguimento
O seguimento após o tratamento de doentes sem evidência de doença deve incluir oroscopia, laringoscopia
indireta, exame do pescoço e radiografia simples (raio X) de tórax.

133
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

A endoscopia digestiva alta deve ser solicitada em Portanto, estes pacientes devem ser aconselha-
casos de suspeita de segundo tumor primário no esôfago. dos, antes do início da radioterapia, a parar de fumar.
No primeiro ano, o seguimento deve ser mensal;
no segundo ano, trimestral; a partir do terceiro ano, Regiões anatômicas
semestral; e anual após o quinto ano; ou alta orientada
para retorno em caso de novos sintomas. A laringe é dividida em três regiões anatômicas:
€€ A laringe supraglótica que inclui epiglote, falsas-
-cordas, ventrículos, pregas epiglóticas e arite-
Prognóstico noides (20% a 40% dos casos de câncer de larin-
ge).
Os percentuais médios de frequência e sobrevida
por estádios são: €€ A glote que inclui as cordas vocais verdadeiras
e as comissuras anterior e posterior (55% a 80%
Sobrevida em dos casos de câncer de laringe) até um plano
Estádios Frequência
imaginário de 0,8 cm abaixo da borda inferior
5 anos (%)
das cordas vocais verdadeiras.
I e II 5 66
€€ A subglote que começa a 0,8 cm abaixo das cor-
III 23 56
das vocais verdadeiras e se estende até a borda
IV 72 32 inferior da cartilagem cricoide ou primeiro anel
Todos os estádios - 40 traqueal.
Tabela 11.12
A drenagem linfática é inicialmente feita para os
linfonodos jugulodigástricos e jugulares médios. De-
pendendo do tamanho do tumor primário, de 25% a
Câncer da laringe 50% dos pacientes apresentam acometimento linfono-
dal, principalmente quando há comprometimento da
O câncer de laringe é um dos mais comuns a tumoral na região supraglótica, região rica em linfáti-
atingir a região da cabeça e do pescoço, representan- cos. As cordas vocais verdadeiras são livres de lin-
do cerca de 25% dos tumores malignos que acometem fáticos, por conta disto, o câncer confinado à corda
esta área, e 2% de todas as doenças malignas. Aproxi- vocal (câncer glótico) raramente ou nunca apresen-
madamente dois terços desses tumores surgem na ta acometimento de linfonodos. A extensão da lesão,
corda vocal verdadeira (tumor glótico) e um terço para cima ou para baixo das cordas vocais, pode cursar
acomete a laringe supraglótica. com invasão linfonodal.
Tumores subglóticos primários, que são muito
Fatores de risco raros, (0,5% a 2%) drenam por meio das membranas
A associação entre o tabagismo, a ingestão de ál- cricotireoidea e cricotraqueal para os linfonodos pré-
cool e o desenvolvimento de carcinoma epidermoide -traqueais, paratraqueais, jugulares inferiores e, oca-
do tubo aerodigestivo superior tem se mostrado muito sionalmente, mediastinais.
clara: mesmo com um tumor já diagnosticado, a persis-
tência do tabagismo e do etilismo diminui o índice de
cura do doente e aumenta a ocorrência de um segundo
Classificação histopatológica
tumor primário. O segundo tumor primário ocorre A grande maioria dos cânceres da laringe é
frequentemente no trato aerodigestivo superior e do tipo carcinoma epidermoide, que se classifica em
tem sido descrito em quase 25% dos pacientes que graus bem, moderadamente e pouco diferenciados.
têm o primeiro câncer controlado. A teoria do campo
de cancerização sobre a existência de toda uma exposi-
ção da mucosa do trato aéreodigestivo superior ao taba- Quadro clínico
gismo, é uma das teorias que explica esta alta incidência O sintoma principal é a disfonia (rouquidão) ge-
de segundos tumores primários ou outros focos de car- ralmente em neoplasias de glóticas. Disfagia, vozes
cionoma epidermoide nestas mucosas. abafadas, odinofagia e otalgia são frequentes em le-
Por causa de problemas clínicos relacionados ao sões supraglóticas. Obstrução de via aérea com disp-
hábito de fumar ou ao etilismo, muitos pacientes mor- neia está relacionada mais comumente com tumores
rem de doenças intercorrentes. Pacientes que perma- subglóticos, em razão de um efeito de massa. Outros
necem fumando durante a radioterapia parecem apre- sintomas como inflamação local, desconforto e he-
sentar menor índice de resposta ao tratamento, assim moptise podem ocorrer. Massas no pescoço podem
como sobrevida menor do que aqueles que pararam ocorrer por direta extensão do tumor ou mais fre-
completamente de fumar. quentemente por metástases linfáticas.

134 SJT Residência Médica - 2015


11 Tumores da cabeça e pescoço

Diagnóstico respectivamente. Portanto, não há a necessidade de se


tratar eletivamente o pescoço de pacientes com tumo-
Laringoscopia direta com biópsia, pré ou perope-
res glóticos em estádio I ou pequenos tumores glóticos
ratoriamente.
em estádio II.
Entretanto, sempre deve ser considerada a
Extensão da doença possibilidade do esvaziamento cervical eletivo para
tumores mais avançados ou supraglóticos, sendo
€ Exame geral da cabeça e pescoço: visa identificar mandatório nestes casos o esvaziamento cervical bi-
a presença de outros tumores primários nesta lateral, pois a irrigação linfática da supraglote é cru-
região, assim como a detecção de linfonodos re- zada, ou seja, a drenagem se faz para linfonodos dos
gionais metastáticos. níveis II, III e IV bilateralmente.
€ Laringoscopia indireta: pode ser feita com o uso Para pacientes com câncer de subglote, é prefe-
de espelhos de Garcia ou óticas de 70° ou 90° que rido o tratamento combinado, embora possa ser uti-
promovem melhor visualização do tumor.
lizada a radioterapia exclusiva em pequenas lesões
€ Laringoscopia direta com biópsia: deve ser uti- (estádios I ou II).
lizada nos casos em que a laringoscopia indireta
não foi possível, ou em casos de exame indireto
difícil em que se deseja melhor visualização ou Estadiamento
avaliação da extensão de doença.
€ Tomografia computadorizada ou de ressonância
magnética estão indicadas quando se pretende Supraglote
indicar alguma cirurgia parcial, ou quando se
T1 – Tumor restrito a uma única região anatômi-
pretende avaliar a operabilidade de pacientes
ca da supraglote (lembrar que a supraglote se compões
com recidiva ou em estádios muito avançados.
de 4 regiões: região epiglótica, pregas ariepiglóticas,
espaço interaritenóideo e bandas ventriculares).
Tratamento T2 – Tumor invade mais de uma região da supra-
Pequenas lesões superficiais sem fixação da larin- glote.
ge ou invasão de linfonodos são tratadas com sucesso T3 – Invasão de fixação da glote (paralisia de pre-
ou por radioterapia ou cirurgia exclusiva, incluindo ga vocal).
as ressecções a laser através de microcirurgia de la- T4 – Invasão de estruturas adjacentes (cartila-
ringe ou laringoscopia de suspensão. A radioterapia gens, extravasamento para faringe, etc.).
pode ser selecionada com a intenção de se preservar
a voz, deixando-se a cirurgia para resgate de pacientes
recidivados. Os campos e a dose de radioterapia são Glote
determinados pela localização e tamanho do tumor
primário. Uma grande variedade de procedimentos T1a – Tumor restrito à prega vocal, com mobili-
cirúrgicos é também recomendada, sendo que alguns dade normal de prega.
deles preservam a função vocal. Procedimentos cirúr- T1b – Tumor invade as duas pregas vocais com
gicos adequados devem ser considerados individual- mobilidade normal de ambas.
mente, conforme os problemas anatômicos identifica- T2 – Tumor invade supraglote ou subglote com
dos, a capacidade funcional do doente (performance/ mobilidade diminuida da prega vocal.
status), e a habilidade individual dos profissionais en- T3 – Tumor que causa paralisia da prega vocal.
volvidos no tratamento. O câncer avançado da larin-
T4 – Invasão de estruturas adjacentes (cartila-
ge é sempre tratado com a combinação de cirurgia
gem, extravasamento para faringe).
e radioterapia.
Como os índices de cura para lesões avançadas
são muito baixos, podem ser tentados ensaios clínicos Subglote
explorando quimioterapia, radioterapia hiperfracio-
nada, radiossensibilizadores ou radioterapia com feixe T1 – Restrito à subglote.
de partículas. T2 – Tumor com extensão para as pregas vocais
com mobilidade diminuida.
O risco de metástase linfática cervical em pacien-
tes com tumor de glote estádio I varia entre 0% e 2% T3 – Paralisia de prega vocal.
e, para lesões mais avançadas, como aquelas em está- T4 – Invasão de estruturas adjacentes (cartila-
dios II ou III, está em aproximadamente 10% a 15%, gem, extravasamento para faringe).

135
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Linfonodos regionais (N) Esvaziamento cervical só em T3 ou T4, sendo II a


IV se N0 ou 5 níveis se for N+.
NX – Linfonodos regionais não podem ser ava-
liados.
N0 – Ausência de metástases em linfonodos re- Tumores Subglóticos
gionais.
N1 – Linfonodo ipsilateral ≤ 3 cm. T1 ou T2 – Radioterapia ou laringectomia parcial.
N2 – Linfonodo ipsilateral > 3 cm c ≤ 6 cm. T3 ou T4 – Laringectomia total.
N2a – Múltiplos linfonodos ipsilaterais < 6 cm. Esvaziamento cervical II a IV se N0 ou 1 a V se pes-
coço positivo.
N2b – Múltiplos linfonodos bilaterais ou contra-
laterais ≤ 6 cm.
N3 – Linfonodo(s) > 6 cm.
Tratamento combinado
Radioterapia pós-cirurgia é o preconizado, em
Metástases a distância (M) tumores T4 ou na presença de linfonodos cervicais
acometidos.
MX – Metástases a distância não podem ser
avaliadas. Em alguns serviços é realizada quimioterapia
concomitante com RDT após a cirurgia.
M0 – Ausência de metástases a distância.
M1 – Presença de metástase a distância.
Câncer recidivado
Estádios
Pode-se optar por uma das seguintes estratégias
I TI, N0, M0.
terapêuticas:
II T2, N0, M0.
– Cirurgia de salvamento para casos selecionados.
III T3, N0, M0 ou T1-3, NI, M0.
– Reirradiação pode ser discutida se ainda hou-
IVA T4a, N0-1, M0 ou T1-T4a, N2, M0.
ver possibilidade (dependendo da área de recidiva e da
IVB T4b, qualquer N, M0 ou qualquer T, N3, M0.
área previamente irradiada).
IVC qualquer T, qualquer N, M1.
– Quimioterapia sistêmica paliativa.
Tabela 11.13

Tratamento Seguimento
Os pacientes, tratados, de câncer da laringe
Supraglote devem manter uma rotina de acompanhamento em
Sempre que possível, o tratamento é cirúrgico. busca da detecção o mais precocemente possível de
qualquer recidiva, da lesão primária ou de metástase
T1-T2 – Laringectomia parcial supraglótica.
cervical.
T3-T4 – Laringectomia near total ou total, de
Oroscopia, laringoscopia indireta ou direta e
acordo com as áreas de invasão pelo tumor.
palpação do pescoço: mensal no primeiro ano; bi-
Esvaziamento cervical eletivo de II a IV bilateral- mestral no segundo ano; semestral no terceiro ano;
mente com pescoço N0 (Wide Field). Se o pescoço for e anual após o quinto ano. Este exame deve incluir
positivo, EC 5 níveis do lado comprometido. a cavidade bucal e cadeias linfáticas e a avaliação do
estado geral do paciente (qualidade de vida/ganho
ponderal).
Glote
€€ Radiografia simples de tórax, realizada anual-
T1a – Laringofissura com cordectomia ou micro- mente.
cirurgia de laringe ou radioterapia exclusiva €€ Esofagoscopia, realizada anualmente (2º tumor
T1b, T2 e alguns casos de T3 – Laringectomia primário).
parcial vertical frontolateral. €€ Avaliação da função tireoidiana logo após o tér-
T3 ou T4 – Laringectomia parcial supracricoidea mino do tratamento cirúrgico e/ou radiográfico
com crico-hioideoepiglotopexia ou apenas crico-hioi- e tratamento do hipotireoidismo pós-radiotera-
deopexia pia ou por tireoidectomia.

136 SJT Residência Médica - 2015


11 Tumores da cabeça e pescoço

Prognóstico Nota: quimio e radioterapia


O prognóstico dos casos de lesões iniciais que neoadjuvantes
não se disseminaram para linfonodos cervicais é mui- A realização de quimioterapia e radioterapia pré-
to bom, de 75% a 95% em 5 anos, dependendo da -operatória era considerada conduta paliativa até pou-
região anatômica e do grau de infiltração. Embora a cos anos atrás. O desenvolvimento de aparelhos de ra-
maioria das lesões iniciais (T1) possa ser curada tanto dioterapia mais sofisticados e a maior efetividade das
pela radioterapia como pela cirurgia, o tratamento pe- drogas quimioterápicas tornaram a conservação da la-
ringe um dos mais importantes protocolos de pesquisa
las irradiações parece ser o mais razoável devido à pre- clínica na área da cirurgia de cabeça e pescoço na dé-
servação da voz, deixando-se a cirurgia para o resgate, cada de 1990. Os resultados desses protocolos mostra-
em caso de falhas ou recidivas pós-radioterápicas. ram que nos tumores laríngeos elegíveis para laringec-
Lesões localmente avançadas, especialmente tomias totais, estádios III e IV, a preservação da laringe
por meio da quimioterapia e radioterapia resultou na
aquelas com extensa invasão de linfonodos, são pouco mesma sobrevida em 3 anos, ao redor de 56%. Assim,
controladas com cirurgia, radioterapia ou tratamento em muitos centros para tratamento do câncer da larin-
combinado. As metástases a distância são comuns, ge, a preservação de órgão não é mais um tratamento
mesmo em pacientes com lesão primária controlada. experimental, mas a primeira opção na abordagem des-
sa neoplasia. Este tratamento, proposto inicialmente
Lesões intermediárias T2/T3 têm prognóstico apenas em oposição à laringectomia total, na tentativa
intermediário, dependendo da região, estadiamento T de preservar o órgão, tem sido utilizado recentemente
ou estadiamento N, assim como da performance/sta- para tumores iniciais, porém, se não houver sucesso no
tus do doente. A recomendação terapêutica para estes tratamento do câncer inicial, inevitavelmente o pacien-
pacientes é baseada em uma variedade de complexos te acabará perdendo sua laringe. Portanto, quando a
anatômicos, clínicos e sociais, os quais devem ser ana- opção for por quimioterapia seguida de radioterapia, a
avaliação clínica durante o tratamento é de fundamen-
lisados caso a caso e discutidos em reuniões multidis-
tal importância, pois, se não houver resposta no início
ciplinares. do tratamento, este deverá ser abandonado e deverá ser
Pacientes tratados de câncer da laringe têm um realizada a laringectomia.
alto risco de recidiva nos primeiros 2 ou 3 anos pós- Com o intuito de preservação do órgão, pode ser
-tratamento. As recidivas após o 5º ano são raras e proposta quimioterapia com cisplatina 100 mg/m2 em
geralmente representam um segundo tumor primário. 2 horas nos dias 1, 22 e 43 (ou 30 mg/m2 EV em 1 hora
semanalmente) em conjunto com a radioterapia 7.000
Um seguimento cuidadoso é crucial para detec- cGy. Estudos mostraram sobrevida equivalente à larin-
tar recidivas e aumentar as chances de resgate. gectomia total seguida de radioterapia pós-operatória
em tumores de laringe ressecáveis e hipofaringe, tendo
Os diversos resultados terapêuticos estabeleci-
como vantagem a preservação da laringe funcionante e
dos são: ficando, a laringectomia, para os casos de não resposta.
Para os tumores estádios III e IV ressecáveis que
Tumores glóticos – Sobrevida em 5 anos (%)
apresentam invasão extranodal ou tenham margens
comprometidas deve ser realizada quimioterapia ba-
Estádios Cirurgia Radioterapia seada em cisplatina concomitante à radioterapia no
I 90 80 pós-operatório.
II 80 60 Radioterapia como tratamento isolado nesses
III 50 50 tumores só deve ser recomendada quando o paciente
tiver alguma contraindicação para cirurgia ou rádio e
IV 20-40 20
quimioterapia ou, ainda, como tratamento alternativo
Tabela 11.14 para tumores glóticos T3N0M0 (resposta semelhante
à cirurgia).
Para os pacientes estádios III e IV, com tumo-
Tumores supraglóticos sobrevida em 5 anos (%)
res irressecáveis, é proposta cisplatina 20 mg/m2/dia
EV nos dias 1 a 4 combinada com 5-fluorouracil (5-
Radiotera- Terapia combi- FU) 1.000 mg/m2/dia EV nos dias 1 a 4 em infusão
Estádios Cirurgia
pia nada contínua nos dias 1 e 22 concomitante à radioterapia
I 80 90 95 7.000 cGy. Recentemente, a adição de um taxano ao
II 75 70 80 esquema acima mostrou melhores resultados. Para pa-
cientes com doença metastática, a quimioterapia está
III 50-60 50 70
indicada como tratamento inicial, podendo ser poli-
IV 20-30 30 50 quimioterapia em pacientes com bom estado geral e
Tabela 11.15 sintomáticos ou monoterapia para os demais.

137
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

cartilagem. O fechamento do defeito se faz com a uti-


Considerações gerais sobre lização da musculatura pré-tireoidiana. Potencial de
laringectomias parciais broncoaspiração pequeno. Indicado em casos de T2 e
alguns T3 de glote.
versus totais Hemilaringectomia: ressecção de toda hemila-
Procedimentos parciais de laringe são divididos ringe. Casos restritos e lateralizados, sem compro-
em dois grandes grupos: laringectomias parciais ho- metimento do espaço interaritenóideo ou comissura
rizontais, em que a ressecção se faz horizontalmente, anterior das pregas vocais.
ou seja uma incisão transversa no corpo da laringe
com ressecção de toda porção acima deste limite, ou
laringectomias verticais, em que se remove uma “ja- Laringectomia total
nela” na laringe, e posteriormente se reconstrói este
defeito com musculatura pré-tireoideana. Laringectomia near total: em desuso, consiste em
uma laringectomia total com preservação de uma prega
de mucosa que serve de fístula para o esôfago, como for-
Laringectomia horizontal ma de permitir fonação.
Laringectomia supraglótica: consiste em ressecar Laringectomia total: ressecção de toda laringe,
toda laringe acima das pregas vocais, preservando-as. A traqueostomia terminal definitiva maturada direta-
incisão é feita no terço superior da cartilagem tireoide e mente na pele e fechamento de toda faringe remanes-
todas as estruturas deste nível para cima devem ser res- cente. A reabilitação da fala se faz através de voz esofá-
secadas, incluindo a epiglote, sendo a reconstrução feita gica, laringe mecânica ou prótese vocal. A prótese vo-
por sutura entre a cartilagem tireoide e base da língua. cal é colocada através de uma fístula traqueoesofágica
Indicação: tumores supraglóticos sem invasão de glote unidirecional, que permite entrada de ar na afaringe e
(T2). Potencial de broncoaspiração intermediária, pois
cavidade oral, ao se fechar com o dedo o traqueostoma.
as pregas vocais são preservadas, e desta forma no mo-
mento da deglutição o paciente é treinado a fazer uma
manobra de Valsalva (conhecido como “manobra supra-
glótica”), pois esta provoca fechamento das pregas.
Laringectomia supracricoide: consiste em res-
Câncer primário desconhecido
secar toda laringe acima da borda superior da cartila- na cabeça e pescoço
gem cricoide, incluindo pregas vocais. A epiglote pode
ou não ser preservada. A reconstrução é feita através A investigação de uma massa cervical apresenta
de crico-hiodopexia, ou seja, sutura da cricoide no hio- comportamentos diferentes, de acordo com a faixa
ide. Está indicada em casos de tumores supraglóticos etária. Na população infantil, mais frequentemente,
com invasão glótica, ou T3 de glote, sem invasão do representam processos inflamatórios ou anomalias
espaço interaritenóideo, e sem comprometimento
congênitas. Somente 2% a 15% das massas cervicais
de ambas aritenoides (é preciso que pelo menos uma
pediátricas persistentes são malignas.
aritenoide esteja preservada). Potencial de broncoas-
piração enorme, pois removem-se pregas vocais e, em Nessa população, as doenças malignas mais co-
alguns casos, a epiglote. mumente encontradas em massas cervicais incluem
sarcomas, linfomas e carcinoma papilífero da tireoide.
Em um adulto, as massas cervicais estão mais fre-
Laringectomia vertical quentemente associadas ao câncer. Massas persis-
Laringectomia frontolateral: consiste em re- tentes com mais de 2 cm, de consistência endureci-
mover uma “janela” da cartilagem tireoide, na altura da, fixa ao planos profundos, representam câncer
da corda vocal, ressecando-a em monobloco com a em 80% dos casos.

Etiologia das 15% inflamatórias


massas tumorais congênitas
no pescoço 15% benignas
(excluindo as 15% primárias
da tireoide) 85% neoplásicas (linfomas/glândulas
salivares)
15% abaixo
85% malignas*
das clavículas
85% metastáticas
85% acima
das clavículas

Figura 11.5  Diagnóstico diferencial das massas tumorais no pescoço. *Na criança somente 2% a 15% são malignas.

138 SJT Residência Médica - 2015


11 Tumores da cabeça e pescoço

Abordagem diagnóstica
Além do exame de cabeça e pescoço, a TC auxilia na avaliação não apenas de massas, mas de sítios primários
em potencial. É realizada punção aspirativa com agulha fina (< calibre 22) como uma das etapas iniciais na inves-
tigação de massas cervicais, com uma precisão total de 95% para massas cervicais benignas e de 87% para massas
malignas. Como nas crianças, a localização das massas sustenta a probabilidade.

Exame físico:
cavidade oral, orofaringe, nasofaringe, hipofaringe,
laringe, tireoide, glândula salivar, pele

PAAF e imagem:
RX e TC do pescoço
PAAF: CEC positivo PAAF: negativo

Panendoscopia Biópsia aberta


nenhuma lesão óbvia:
biópsia nasofaringe,
base da língua,
tonsilectomia CEC, melanoma, adenocarcinoma
do trato aerodigestório superior:
esvaziamento cervical

Linfoma: parar cirurgia,


estadiar doença sistêmica e
tratar de acordo

Granuloma ou infecção:
cultura, classificar doença
sistêmica e tratar de acordo
Figura 11.6 Organograma de avaliação de massa assintomática, unilateral do pescoço em adultos. TC: tomografia computadorizada; RX: radiogra-
fia do tórax. PAAF: punção aspirativa com agulha fina; CEC: carcinoma epidermoide.

Nota:
O carcinoma escamoso de local primário desconhecido é relativamente raro. A grande maioria dos pacientes
portadores desta síndrome apresenta envolvimento dos linfonodos cervicais, geralmente na região superior ou na
porção mediocervical. Frequentemente, os pacientes com este quadro são de meia-idade ou idosos e apresentam
uma história de uso substancial de tabaco, álcool ou ambos. Devemos suspeitar de um sítio primário na região da
cabeça e pescoço; contudo, a avaliação endoscópica completa deixa de identificar um sítio primário em aproxima-
damente 15% desses pacientes. Ainda que outros testes sejam negativos, a tomografia por emissão de pósitrons
identifica um sítio primário na região de cabeça e pescoço em aproximadamente 25% desses pacientes e deve
fazer parte da avaliação inicial.
Mesmo quando não é identificado nenhum sítio primário, o tratamento desses pacientes deve seguir as
orientações-padrão para o tratamento do carcinoma epidermoide localmente avançado de cabeça e pescoço. Di-
versos relatos documentaram taxas de sobrevida de 30% a 60% após um tratamento local definitivo, que deve
ser feito com radioterapia ou com uma associação de radioterapia com dissecção dos linfonodos cervicais. Nos
pacientes N1 que atingem resposta clínica completa após a radioquimioterapia, a maioria dos autores não preco-
niza o esvaziamento. Para pacientes com pescoço N2-N3, mesmo com resposta clínica completa, existe tendência
a se realizar a ressecção linfonodal. Nos pacientes submetidos a esvaziamento cervical e que apresentam extensão
extracapsular ou pescoço maior que N1, está indicada adjuvância com cisplatina (100 mg/m2 - D1, D22 e D43 ou
30 mg/m2 semanalmente) em concomitância à radioterapia.

139
12
2
Capítulo

ROTEIRO
PROPEDÊUTICO
Traqueostomias
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
12 Traqueostomias

Anatomia
A traqueia é um tubo fibrocartilaginoso que se
estende da borda inferior da cartilagem cricoide (na Tireoide
laringe) até a carina (ângulo do esterno), onde se Lâmina da
Proeminência
cartilagem
divide nos brônquios principais direito e esquerdo. tireoidea
laríngea
Ligamento
Esse tubo é sustentado pelos anéis traqueais Lobo direto da cricotireoideo
cartilagíneos (variando entre 18 e 22 anéis) que, glândula tireoide Cartilagem cricoide
Istmo da Anel traqueal
por serem incompletos, promovem uma consistên-
glândula tireoide
cia membranosa na parede posterior da traqueia.
Laterais à traqueia estão as artérias carótidas co-
Figura 12.2 Localização da laringe, glândula tireoide e traqueia na
muns e os lobos da glândula tireoide. Posteriormen- região do pescoço.
te, localiza-se o esôfago.
Ao nível do 2o anel traqueal, situa-se o istmo
da tireoide. Abaixo dele estão o arco venoso jugular
e as veias tireóideas inferiores. Em 10% das pesso-
as, existe a artéria tireóidea ima, a qual se origi- Indicações
na do tronco braquiocefálico, principalmente, e
Historicamente, a traqueostomia foi desenvol-
segue pela face anterior da traqueia em direção
vida para promover a desobstrução das vias aéreas.
ao istmo.
Com os avanços técnicos atuais, como laringoscópio e
A rede anastomótica, que promove a irriga- broncoscópio de fibra ótica, as indicações tradicionais
ção sanguínea da traqueia, penetra na sua margem da traqueostomia (por exemplo, a epiglotite aguda e
lateral, via camada submucosa, sendo, portanto, obstruções tumorais) sofreram uma grande mudança.
necessário evitar a dissecção extensa dessa região Nestas situações, a broncoscopia de fibra ótica pos-
ao se realizar a traqueostomia. O fato de essa irri- sibilita reservar a traqueostomia para uma situação
gação ser predominantemente submucosa explica eletiva, fugindo da maior incidência de morbidade e
também o porquê dos anéis traqueais poderem ser mortalidade da traqueostomia de urgência. A traque-
lesados por isquemia devido à hiperinsuflação de ostomia, portanto, não é o procedimento de escolha
um balonete ou cuff endotraqueal. No sentido ante- no manejo da obstrução aguda das vias aéreas.
roposterior, são esses os tecidos visualizados até se Hoje em dia, a sua principal utilização é no mane-
alcançar a luz da traqueia: pele, subcutâneo, mús- jo de pacientes que necessitam períodos prolongados de
culo platisma, musculatura pré-traqueal e fáscia suporte ventilatório mecânico. Há, ainda, a utilização da
pré-traqueal. A transição da laringe para a traqueia traqueostomia com o intuito de promover uma adequada
ocorre na região cervical. limpeza das vias aéreas, mesmo na ausência de necessi-
dade de ventilação mecânica. A tabela 12.1 resume estas
três principais categorias de indicação da traqueostomia:
Epiglote
Osso hioide Indicações de traqueostomia
Ligamento tireoideo 1. Obstrução das vias aéreas
mediano
Ligamento tireoideo a. Disfunção laríngea
lateral b. Trauma
c. Queimaduras e corrosivos
d. Corpos estranhos
e. Anomalias congênitas
Cartilagem tireoidea
f. Infecções
g. Neoplasias
Ligamento h. Manejo pós-operatório
corticotireoideo i. Apneia do sono
Cartilagem cricoidea
2. Limpeza das vias aéreas
a. Idade avançada
Traqueia b. Fraqueza
c. Doenças neuromusculares
3. Suporte ventilatório
Figura 12.1 Cartilagens da laringe e da traqueia. Tabela 12.1

141
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Parâmetros para considerar a conversão da intubação Anomalias congênitas: estenose da glote ou


endotraqueal para a traqueostomia subglótica são exemplos de entidades conhecidas no
Tubos traqueais podem permanecer, caso a extubação seja
recém-nato que podem necessitar de traqueostomia.
programada no período subsequente de 7 a 10 dias. Infecções: modernamente, a intubação orotra-
Caso, após 7 dias, a extubação seja impossível no período de queal em pacientes com epiglotite ou difteria pode ser
5 a 7 dias, deve-se avaliar a necessidade da traqueostomia. realizada com o auxílio de um broncoscópio; não ha-
Caso seja previsto um tempo de ventilação mecânica supe- vendo esta disponibilidade, a traqueostomia pode ser
rior a 14 dias, a traqueostomia poderá ser realizada de forma utilizada.
mais precoce. Neoplasias: a traqueostomia pode ser uma op-
Pacientes com lesões ou doenças neurológicas com necessi- ção eficaz de alívio em casos de tumores avançados da
dade de permanência por tempo indeterminado na ventila- laringe e orofaringe.
ção mecânica: TCE grave, TRM, miastenia gravis etc.
Apneia do sono: alguns pacientes possuem as vias
Tabela 12.2
aéreas livres quando acordados, mas pode haver obstru-
ção das vias aéreas por flacidez e colapsamento dos mús-
culos faríngeos durante o sono. Apenas os pacientes com
distúrbios severos é que são candidatos à traqueostomia.
Obstrução das vias aéreas
Disfunção laríngea: a paralisia abdutora das Limpeza das vias aéreas
cordas vocais, que ocorre na lesão do nervo laríngeo Devido à idade, à fraqueza ou a doenças neuro-
recorrente (por exemplo, durante a realização de uma musculares, certos pacientes são incapazes de expelir,
tireoidectomia), pode levar desde a obstrução leve das adequadamente, secreções traqueobrônquicas decor-
vias aéreas até uma obstrução completa, necessitando rentes de pneumonia, bronquiectasia ou aspiração
de uma traqueostomia. crônica. Nestes casos, a traqueostomia pode ser be-
néfica, pois permite a limpeza e a aspiração das vias
aéreas, sempre que necessárias. Atualmente, a mini-
traqueostomia percutânea tem se mostrado eficaz na
Trauma: limpeza traqueobrônquica, surgindo como opção váli-
1. Lesões maxilofaciais graves; da por sua simplicidade e segurança.
2. Fraturas ou transecções da laringe ou da tra-
queia, que podem estar presentes nos traumas da por- Suporte ventilatório
ção anterior do pescoço; Pacientes que recebem suporte ventilatório prolon-
3. Lesões da medula cervical que impeçam uma gado estão expostos a uma variedade de complicações
manipulação do pescoço são situações encontradas no tardias decorrentes da intubação endotraqueal prolon-
trauma em que a abordagem das vias aéreas por intu- gada, tais como: lesões da mucosa, estenose glótica e
subglótica, estenose traqueal e abscesso cricoide. Estas
bação oro ou nasotraqueal torna-se difícil ou inviável.
complicações estão diretamente relacionadas com o tem-
A preferência nestas situações seria pela cricotireoi- po de intubação endotraqueal. O tempo ideal de duração
dostomia, mas, frequentemente, também não é pos- de uma intubação oro ou nasotraqueal, antes da conver-
sível realizá-la. Nestes casos, está indicada a traqueos- são eletiva para traqueostomia, ainda é controverso. Sa-
tomia de urgência. Outra situação especial para a sua be-se, também, que há outros benefícios com a conversão
utilização é no grupo pediátrico (abaixo de 12 anos), para uma traqueostomia: menor taxa de autoextubação
no qual a intubação translaríngea não foi possível, da traqueostomia; melhor conforto para o paciente; pos-
uma vez que a cricotireoidostomia não é recomendada sibilidade de comunicação pelo paciente; possibilidade da
nesta faixa etária. ingestão oral; uma melhor higiene oral; e um manuseio
mais fácil pela enfermagem. Desta maneira, temos utili-
Queimaduras e corrosivos: inalação de gases zado os seguintes parâmetros:
quentes, gases tóxicos ou corrosivos podem resul-
€€ Tubos endotraqueais podem permanecer nos ca-
tar em edema glótico significativo. Caso os métodos sos em que a extubação é prevista em um perío-
translaríngeos falhem ou sejam inviáveis, podemos do de 7 a 10 dias.
fazer uso da traqueostomia.
€€ Depois de 7 dias de ventilação mecânica, caso
Corpos estranhos: tentativas de retirada dos a extubação seja improvável nos próximos 5 a 7
corpos estranhos são realizadas, inicialmente, por dias, a traqueostomia deve ser considerada.
manobras mecânicas ou endoscópicas. Comumente, €€ Nos pacientes em que, antecipadamente, já se
ao chegar ao hospital, a vítima já passou da fase agu- prevê um tempo de ventilação mecânica supe-
da, por isso a traqueostomia, nessas situações, é pou- rior a 14 dias, a traqueostomia deve ser conside-
co utilizada. rada o mais breve possível.

142 SJT Residência Médica - 2015


12 Traqueostomias

Técnica cirúrgica Tubos e cânulas


Desde o século XVI, quando o primeiro tubo de
A traqueostomia eletiva convencional deve ser traqueostomia foi descrito por Fabricius, virtualmente
realizada em um ambiente cirúrgico, que possui ins- todos os tubos eram feitos de metal. Estes tubos pos-
trumental, iluminação e assistência adequados. O pro- suem uma cânula interna que pode ser removida para
cedimento começa com o posicionamento do paciente, limpeza. Em fins de 1960, começaram a ser experimen-
que deve estar em decúbito dorsal com um coxim sob tadas as cânulas plásticas, que possuem um balonete
os ombros e o pescoço em extensão. (cuff) com a função de ocluir as vias aéreas, a fim de que
Após a assepsia e antissepsia do campo operató- permita uma ventilação mecânica com pressão positiva,
rio, realiza-se a infiltração anestésica do campo opera- além de minimizar a aspiração de secreções da orofarin-
tório. A incisão deve ser transversal, com 3 a 5 cm, a ge. No passado, esses cuffs eram associados a uma alta
uma polpa digital abaixo da cartilagem cricoide. Nos incidência de estenose traqueal (cuff de alta pressão).
Entretanto, os cuffs atuais, que possuem grande volu-
casos em que a cartilagem cricoide é palpada na altura
me e baixa pressão, minimizaram, mas não eliminaram
da fúrcula esternal, a incisão é realizada a uma polpa
os problemas focais de isquemia da traqueia. A pressão
digital acima da fúrcula esternal. A incisão prolonga-
ideal de um cuff deve ser em torno de 25 mmH2O ou o
-se na pele subcutânea, até encontrar o plano dos
mínimo necessário para que não haja escape de ar du-
músculos pré-taqueais. rante a ventilação mecânica.
A musculatura pré-traqueal (esternoióideo e Há, ainda, uma série de outros tipos de tubos e
esternotireóideo) é separada na sua rafe mediana e cânulas disponíveis. Existem tubos que possuem uma
afastada lateralmente. Na maioria das vezes, o istmo válvula ou fenestração, em sua porção posterior, com
tireoidiano é facilmente deslocado cranialmente por o intuito de permitir a fonação pelo paciente. As câ-
dissecção romba. Eventualmente, pode ser necessá- nulas de Kistner são curtas e retas, que se estendem
ria a secção mediana do istmo com sutura de seus da pele até a parede anterior da traqueia, podendo ser
bordos, para melhor exposição da traqueia. Uma in- abertas intermitentemente (muito útil para pacientes
cisão horizontal é então realizada entre o terceiro e com miastenia gravis e apneia do sono). Por fim, os
quarto anéis traqueais. tubos em “T” ou de Montgomery são utilizados sem-
Em crianças, a incisão deve ser realizada vertical- pre que pacientes são submetidos à reconstrução da
mente. São então passados fios de reparo em cada lado traqueia com anastomose terminoterminal, até que a
da abertura traqueal com o intuito de facilitar a troca completa cicatrização da anastomose tenha ocorrido.
da cânula, ou a sua recolocação em caso de extubação
espontânea, principalmente na primeira semana, en-
quanto um trajeto delimitado do estoma ainda não
foi formado. Deve ser evitada a realização da abertura
traqueal muito baixa (no 5º, 6º, ou 7º anel traqueal),
fato que pode ocorrer pela hiperextensão do pescoço,
pois predispõe a uma grave complicação, que é a fís-
tula traqueoinominada. Após a abertura da traqueia,
o tubo endotraqueal, quando presente, é cuidadosa-
mente tracionado até um nível justamente acima da
incisão traqueal, mas não é retirado; a traqueia é então Figura 12.3 Posicionamento do paciente para realização da traque-
aspirada para a remoção de sangue ou secreções, e a ostomia.
cânula traqueal, já previamente selecionada e testada,
é introduzida na luz traqueal.
Deve ser feita a imediata checagem de sua posi-
ção e perviedade. A ferida é fechada com pontos espar-
sos, para evitar complicações precoces, como enfisema
subcutâneo, abscesso periostômico ou celulite.
Fixa-se a cânula de traqueostomia com uma fita
ao redor do pescoço. Havendo dúvida quanto ao corre-
to posicionamento da cânula, ou nos casos de dificul-
dade de realização da traqueostomia, deve ser realiza-
da uma radiografia de tórax e pescoço. A técnica para
a traqueostomia na urgência é modificada pela feitura
da incisão da pele verticalmente e realização de toda a
dissecção na linha mediana até a parede traqueal. Figura 12.4 Incisões em colar e longitudinal.

143
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

Figura 12.5  Afastamento do istmo de tireoide e abertura do anel traqueal. Figura 12.7  Introdução da cânula com mandril.

Figura 12.8  Cânula plástica com cuff.

Figura 12.6  A: resseção do istmo da tireoide; B: rafia do istmo res-


secado. Figura 12.9  Cânula metálica com três peças.

144 SJT Residência Médica - 2015


12 Traqueostomias

Complicações
1. Intraoperatórias
a. Sangramento
b. Mau posicionamento do tubo
c. Laceração traqueal e fístula traqueoesofágica
d. Lesão do nervo laríngeo recorrente
e. Pneumotórax e pneumomediastino
f. Parada cardiorrespiratória
2. Complicações precoces
a. Sangramento
b. Infecção da ferida
c. Enfisema subcutâneo
d. Obstrução da cânula
e. Desposicionamento
f. Disfagia
3. Complicações tardias
Figura 12.10 Fixação da cânula ao redor do pescoço.
a. Estenose traqueal e subglótica
b. Fístula traqueoinominada
c. Fístula traqueoesofágica
d. Fístula traqueocutânea
e. Dificuldade de extubação
Cuidados pós-operatórios Tabela 12.3

Após a realização da traqueostomia, alguns cui-


dados são necessários. Realiza-se um curativo com
gaze e promove-se a fixação da cânula ao pescoço com Intraoperatórias
um cadarço para impedir o seu deslocamento. A troca
Sangramento: o sangramento das veias jugu-
do curativo deve ser diária.
lares anteriores ou do istmo da tireoide é facilmente
O balonete deve ser insuflado para impedir va- controlado com ligaduras e cauterização cuidadosas.
zamento de ar quando o paciente encontra-se em Manter a dissecção na linha média evita a lesão das
ventilação mecânica e para prevenir aspiração quando artérias carótidas ou veias jugulares.
houver risco dessa complicação. Mesmo em pacientes
sem necessidade de assistência ventilatória, a primei- Mau posicionamento da cânula: a presença de
ra cânula deve ser de plástico com o balonete ou cuff sangramento, exposição deficiente das estruturas, ist-
insulflado, a fim de evitar acúmulo e aspiração de se- mo tireoideano intacto ou inexperiência podem levar
creções e sangue, comuns no pós-operatório. a um posicionamento do estoma, tanto muito alto
quanto muito baixo, na traqueia ou, até mesmo, à co-
A primeira troca da cânula pode ser feita após
locação da cânula no espaço pré-traqueal. Dificuldade
um período de 7 a 10 dias da traqueostomia, quando
na ventilação, enfisema mediastinal, pneumotórax e
já há maturação do pertuito cutaneotraqueal. Nesse
dificuldade em aspirar através da cânula podem ser
momento, pacientes que não necessitam permanecer
sinais de um posicionamento inadequado desta. O
com o balonete insuflado podem ter a cânula plástica
tratamento consiste na imediata remoção e reinser-
substituída por uma com subcânula, de preferência de
ção, ou o estabelecimento da intubação translaríngea
maverial plástico ou de silicone, ou de metal na ausên-
e ventilação.
cia destas, com ou sem fenestra.
Laceração traqueal ou fístula traqueoesofági-
As trocas subsequentes da cânula irão ocorrer de
ca: pode ocorrer lesão iatrogênica da parede traqueal
acordo com a necessidade de desobstrução por acú-
ou da parede esofágica durante o procedimento. Esta
mulo de secreções. Trocas programadas não reduzem
complicação pode ser evitada com uma exposição ade-
risco de infecção e, portanto, não há necessidade de
serem feitas regularmente. quada da traqueia e introdução cuidadosa da cânula.
Lesão do nervo laríngeo recorrente: pode ocor-
rer, se a dissecção é, inadvertidamente, efetuada late-
ralmente à traqueia. Felizmente, é uma complicação
Complicações rara. É evitada com a dissecção restrita à linha média.
Pneumotórax e pneumomediastino: pneumo-
As complicações da traqueostomia podem ser mediastino pode ocorrer devido a um mau posicio-
divididas em três grupos: intraoperatórias, complica- namento da cânula, como foi descrito anteriormente,
ções precoces e complicações tardias. que leva à dissecção de ar através do tecido conjuntivo

145
Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

mediastinal. Pneumotórax pode ocorrer por lesão di- Desposicionamento:o desposicionamento da


reta da cúpula pleural ou ruptura de uma bolha pul- cânula é mais problemático quando ocorre nos pri-
monar. A incidência de pneumotórax pós-traqueosto- meiros 5 a 7 dias, pois ainda há um trajeto delimitado
mia é de 0% a 4%, em adultos, e de 10% a 17%, em da pele até a luz traqueal. Fios de reparo deixados nos
crianças. Em crianças, essa incidência é maior devido bordos da abertura traqueal, e exteriorizados, auxi-
ao frequente posicionamento da cúpula pleural acima liam no reposicionamento da cânula, especialmente
da clavícula. Estudos recentes demonstram que a ra- nos pacientes obesos e com pescoço curto.
diografia de tórax de controle somente é necessária Disfagia: alguns pacientes com traqueostomia
nos casos em que houve dificuldade de realização do apresentam queixa de sensação de “bolo na garganta”.
procedimento ou na presença de sinais ou sintomas de A disfagia propriamente dita também pode ocorrer,
pneumotórax ou pneumomediastino. mas em uma proporção bem menor.
Parada cardiorrespiratória: ocorre devido à
perda do controle das vias aéreas. Pode ser evitada
com a manutenção da intubação translaríngea, até Complicações tardias
que a realização da traqueostomia seja assegurada e
confirmada. Nos pacientes com obstrução das vias Estenose traqueal ou subglótica: a colocação da
cânula traqueal próxima à área da glote, que ocorre na
aéreas, que não possuem previamente um tubo endo-
cricotireoidostomia ou na traqueostomia realizada no
traqueal, a traqueostomia é mais bem realizada com
primeiro anel traqueal, pode levar ao edema e à even-
anestesia local e sedação mínima.
tual estenose subglótica. Já a estenose traqueal é rela-
cionada com a isquemia mucosa causada pela pressão
do cuff. Modernamente, com os cuffs de grande volu-
Complicações precoces me e baixa pressão, esta incidência baixou. Entretan-
to, a traqueostomia prolongada ainda é responsável
Sangramento: o sangramento é a maior causa
pela maioria das estenoses traqueais benignas. A este-
de complicação no período pós-operatório precoce. nose traqueal pode ocorrer não só no local do cuff, mas
Normalmente, sangramentos pequenos podem ser também na ponta da cânula ou no local de abertura
controlados com a elevação da cabeceira do leito, troca traqueal. A maioria dos pacientes com esta complica-
dos curativos e compressão local. Mas sangramentos ção torna-se sintomática entre duas a seis semanas
maiores devem ser tratados em ambiente cirúrgico, após a retirada da traqueostomia. Sintomas iniciais
para uma adequada revisão da hemostasia, com liga- são: dispneia aos esforços, tosse, incapacidade de lim-
dura dos vasos sangrantes. O sangramento vultoso é par secreções e estridor inspiratório ou expiratório. É
raro, e geralmente é devido a uma lesão inadvertida importante frisar: qualquer paciente com estes sinto-
da artéria inominada. Técnicas para minimizar esta mas, após algum período de intubaçõo ou traqueosto-
complicação incluem: manter sempre a dissecção na li- mia, deve ser assumido como portador de obstrução
nha média; afastamento lateral dos tecidos por planos mecânica, até prova em contrário. Estenoses traqueais
sintomáticas devem ser tratadas com ressecção tra-
anatômicos e uso da ligadura, ao invés da cauterização
queal segmentar e reconstrução, sempre que possível.
dos vasos sanguíneos.
Fístula traqueoinominada: felizmente, esta gra-
Infecção da ferida: a traqueostomia é uma fe- ve complicação ocorre em menos de 1% das traqueos-
rida contaminada. Entretanto, abscessos periostômi- tomias. Um sangramento “sentinela” de sangue vivo ou
cos ou celulite são raros, considerando que a ferida a pulsação da cânula de traqueostomia são sinais que
é deixada aberta. E, caso ocorram, são tratados com devem levantar suspeita desta complicação e requerem
cuidados locais e antibioticoterapia sistêmica. A anti- tratamento cirúrgico imediato. O controle temporário
bioticoprofilaxia é contraindicada. da hemorragia pode ser feito com a hiperinsuflação do
cuff, combinado ou não com a compressão digital direta.
Enfisema subcutâneo: aproximadamente 5%
das traqueostomias desenvolvem enfisema subcutâ- Fístula traqueoesofágica: é uma complicação que
neo. Normalmente, regride em 48 horas, mas deve ocorre em menos de 1% das traqueostomias, porém cau-
alertar o cirurgião para conferir o correto posiciona- sa contaminação da árvore traqueobrônquica e interfere
na adequada nutrição. Normalmente é devida à excessiva
mento da cânula, assim como excluir pneumotórax ou
pressão do cuff da cânula contra uma SNG rígida.
pneumomediastino, com uma radiografia torácica.
Fístula traqueocutânea: Ocasionalmente, um
Obstrução da cânula: o correto posicionamento estoma traqueal não fecha espontaneamente após a
da cânula, a umidificação dos gases ventilatórios, além remoção da cânula traqueal, fato que ocorre, princi-
de irrigação e aspiração contínuas ajudam a prevenir palmente, com a traqueostomia prolongada. Esta é
esta complicação. As cânulas que possuem cânula in- uma complicação benigna e pode ser tratada com a
terna ajudam no manejo desta complicação, pois pos- ressecção do trato epitelial, permitindo, assim, uma
sibilitam sua retirada e limpeza. cicatrização secundária.

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12 Traqueostomias

Dificuldade de extubação: as causas usuais de


dificuldade de extubação são a presença de granuloma
Cricotireoidostomia
ou edema no local do estoma. Alguns granulomas são A cricotireoidostomia consiste no acesso cirúrgi-
facilmente ressecados por loser endoscópico. Por ve- co das vias aéreas através da membrana cricotireoidea.
zes, particularmente em crianças, os pacientes são re-
lutantes em retirar as cânulas de traqueostomia. Isso
pode ser manejado com a troca da cânula por números
progressivamente menores.
Indicações
A maior indicação da cricotireoidostomia é ga-
rantir a via aérea quando a intubação orotraqueal ou
nasotraqueal não foi possível ou é contraindicada.
Traqueostomia percutânea Na situação “não intuba e nem ventila”, o estabeleci-
mento da via aérea é crucial. A hipoxemia do cérebro
A traqueostomia percutânea é um método que dentro de 3 a 5 minutos pode levar à anóxia encefálica
permite a introdução de cânulas de traqueostomia, e morte. Nessa situação, equipamentos extraglóticos
de diâmetro semelhante ao da traqueostomia conven- (ex: máscara laríngea) e procedimentos invasivos (cri-
cional, e na mesma localização que a traqueostomia cotireoidostomia e traqueostomia) estão indicados. A
convencional (3Q e 4Q anéis traqueais), por meio de taxa de insucesso na intubação, e consequentemente
uma punção percutânea. Ou seja, é uma traqueosto- no manejo cirúrgico, da via aérea é de 0,6%. Nos pa-
mia realizada sem a dissecção cirúrgica convencional. cientes vítimas de trauma, o uso da cricotireoidosto-
Este método foi descrito por Toye & Weinstein, ini- mia vai de 1% a 2,8%.
cialmente em 1969 e, posteriormente, em 1986. As
vantagens do método são: sua rápida execução, po- Condições associadas com via aérea difícil, a qual
der ser realizada à beira do leito, o que torna o método pode necessitar de cricotireoidostomia, incluem ma-
de menor custo, pode ser realizado por não especialis- ciça hemorragia oral ou nasal, vômitos volumosos,
tas, além de possuir melhor resultado estético. trisma, laringoespasmo, estenose de vias aéreas, de-
formidades de orofaringe, edema de orofaringe, cor-
É um método que só pode ser utilizado em con- po estranho impactado, efeito de massa extraglótico,
dições eletivas. É imperativo possuir os kits próprios. trauma de orofaringe, nasofaringe e estruturas maxi-
As indicações são, essencialmente, as mesmas da tra- lofaciais, fratura instável de coluna cervical com im-
queostomia convencional. Contraindicações relativas possibilidade de extensão do pescoço.
à traqueostomia percutânea incluem: idade precoce
(menos de 16 anos), incapacidade de palpar as car- A cricotireoidostomia deve ser convertida para
tilagens tireoide e cricoide, uma glândula tireoide traqueostomia quando a necessidade da via aérea for
aumentada, anéis traqueais calcificados e discrasias maior do que 72 horas.
sanguíneas. Uma contraindicação absoluta é o seu uso
para um acesso de urgência das vias aéreas. O método
propriamente dito consiste na palpação da cartilagem Contraindicações
cricoide para que se possa presumir a localização do 2º
Contraindicação absoluta de cricotireoidosto-
ou 3º anéis traqueais. Em seguida, uma agulha é então
mia ocorre quando o paciente pode ser submetido à
introduzida na luz traqueal, é passado um fio metáli-
intubação via orotraquel ou nasotraqueal. Outras con-
co, que servirá de guia para a introdução de dilatado-
traindicações são: a transecção completa da traqueia,
res sequencialmente maiores, até que se possa intro-
rotura laringotraqueal com retração da traqueia distal
duzir a cânula de traqueostomia propriamente dita. O
para dentro do mediastino e fratura de laringe.
entusiasmo inicial do método como uma possibilidade
para o amplo uso por não especialistas foi confronta- A contraindicação relativa do procedimento é em
do por inúmeros casos de complicações descritos na pacientes pediátricos, pois o risco de estenose é maior
literatura. Apesar de alguns autores relatarem índices do que nos adultos. A idade não é bem estabelecida,
de complicações semelhantes ou inferiores à traque- mas as recomendações indicam para pacientes maio-
ostomia convencional, existem estudos que mostram res do que 5 a 12 anos para o procedimento. Deve-se
diversas complicações graves, tais como falso trajeto, levar em consideração o tamanho e o peso da crian-
pneumotórax e morte, principalmente quando reali- ça. A preferência no manejo cirúrgico da via aérea da
zada por profissionais pouco experientes. criança é através da ventilação transtraqueal pela pun-
Os resultados da literatura a respeito da eficácia ção com jelco®.
e das complicações da traqueostomia percutânea ainda Outras contraindicações podem ser as presenças
são conflitantes. Infelizmente, até o momento, não te- de estenose subglótica, epiglotite, presença de proces-
mos estudos prospectivos randomizados publicados que so inflamatório, infecção de laringe, coagulopatias,
solidifiquem suas indicações e taxas de complicações. obesidade mórbida e aumento da tireoide.

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Clínica cirúrgica | Cabeça e pescoço

cânula, que neste caso deve ser de diâmetro menor


(em torno de 4 a 6 french). Uma complicação des-
crita, que é a estenose subglótica, pode ser evitada
com a conversão precoce para uma traqueostomia.

Cricotireoidostomia percutânea
(por agulha)
A cricotireoidostomia percutânea consegue ser
um método ainda mais fácil e simples de acesso das vias
aéreas do que a cricotireoidostomia propriamente dita.
Este método nada mais é do que o acesso às vias aéreas,
por meio da membrana cricotireoidea, pela punção des-
ta membrana com um extracat (jelco®) de grosso calibre.
A ventilação pode ser conseguida com um alto fluxo de
O2 (10 L/min.), ou por meio de um reservatório, caso
Figura 12.11  Palpação da membrana cricotireoidea para abertura in- esteja disponível. O inconveniente desta técnica é que
cisional com o bisturi. só se consegue uma oxigenação adequada por um cur-
to espaço de tempo (mas que é suficiente até que outro
método definitivo seja obtido).
O maior uso desta técnica é no manejo de pa-
cientes politraumatizados com urgência de acesso das
vias aéreas, nos quais os métodos translaríngeos e a
cricotireoidostomia são inviáveis ou contraindicados
(por exemplo, em crianças abaixo de 10 anos, já que a
cricotireoidostomia nesta faixa etária é contraindica-
da). Existe também a descrição de sua utilização para
a abordagem de secreções traqueobrônquicas, na lim-
peza traqueobrônquica e microcirurgia de laringe. Nos
casos de suspeita de corpos estranhos em vias aéreas,
a ventilação deve ser feita com um baixo fluxo de O2.

Complicações da cricortireoi-
dostomia por punção
€€ perfuração da parede traqueal posterior;
Figura 12.12  Incisão transversa da membrana cricotireoidea com au-
xílio de uma lâmina de bisturi no espaço cricotireoideo. €€ perfuração esofágica;
€€ aspiração sanguínea;
€€ hematoma;
€€ pefuração da tireoide;
€€ enfisema subcutâneo e/ou mediastinal
€€ ventilação inadequada levando à hipóxia;
€€ estenose subglótica.

Figura 12.13  Insuflação do balão da sonda endotraqueal para poste-


rior ventilação do paciente.

Sua realização é fácil e rápida devido ao fato de que,


uma vez incisada a pele na altura do espaço cricoti-
reoideo, a próxima estrutura a ser encontrada já é
a própria membrana cricotireoidea. Uma vez inci-
sada e dilatada a membrana (que pode ser feita com
a própria lâmina de bisturi), basta a introdução da Figura 12.14  Cricotireoidostomia por punção.

148 SJT Residência Médica - 2015


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