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FILOSOFIA POLÍTICA DA EDUCAÇÃO

NOME DO TEXTO: “EDUCAÇÃO, CIDADANIA, EXCLUSÃO” DE LILIAN DO VALLE.

Educação, Cidadania e Exclusão: como o título já indica, nós, educadores


comprometidos com a formação de cidadãos, queremos colocar a exclusão social no
cerne de nossas preocupações. Para tanto, é preciso que reconheçamos que a análise
das condições necessárias para que a ação e a reflexão educacionais possam contribuir
para a instalação da prática da cidadania em nossa sociedade começa pela
identificação das fronteiras em que seu sentido se esvai, se desconstrói, se anula. Em
outras palavras: o verdadeiro entendimento do que é a cidadania, para nós que
pretendemos ajudar a instituí-la como valor e como prática, através da Escola, não se
esgota na reflexão sobre aquilo que ela deve ser para nós, mas compreende também a
verificação do que ela ainda não é. Por isso, pareceu-nos importante firmar o
compromisso de jamais pensar a cidadania brasileira sem, concomitantemente,
considerar as exclusões que concreta e muito infelizmente produz1. E, é claro, sem
considerar também a responsabilidade da Escola nesse quadro de exclusões.

Assim, interessam-nos os limites, as franjas em que a cidadania se desfaz em


segregação e em marginalização. Esses limites e franjas são sempre casos particulares
que a letra da lei, por sua necessária generalidade, não discrimina. Os limites e as
sombras da cidadania brasileira não estão inscritos nas formulações legais e nos
conceitos universais, que asseguram a igualdade sem reservas a todos os indivíduos;
eles só se tornam visíveis quando contemplamos o caso concreto: os deficientes
físicos, os portadores de necessidades especiais, os negros… A lei, para se aplicar a
todos, deve ser genérica. Mas a lei, para se aplicar a cada um dos casos, deve ser
permanentemente questionada pela prática.

Mas é claro que o que alimenta nossa reflexão, nossa crítica e nossa prática é
ainda o ideal democrático. Por isso, o percurso que propomos a fazer aqui leva a
interrogar as noções de cidadania, Escola, criança e adolescente – à luz do que
historicamente significa a democracia. Quem sabe, a partir daí, possamos também
descobrir o que desejamos que ela seja para nós, hoje – e, assim, que sentido

1
Cf. Lílian do Valle, O Mesmo e o outro da cidadania. Rio de Janeiro: DPA, 2000.
consideramos dever atribuir, que sentido queremos atribuir à noção de cidadania, ao
lugar da criança e do adolescente em nossa sociedade, à ação da Escola.

Mas o que é, historicamente, a democracia? Um ilustre filósofo, Cornelius


Castoriadis, dizia que a democracia era a invenção de uma sociedade que tomou
consciência de seu poder instituinte e, pela primeira vez na história dos homens,
resolveu atribuir-se, consciente e coletivamente, suas próprias leis. Isso é: pela
primeira vez na história, os gregos dos séculos V e IV pararam de considerar que as leis
que regiam sua existência comum eram criadas pelos deuses, ou pelos reis, ou pelos
prelados e especialistas, ou pela tradição, ou pela natureza humana… e descobriram,
assim, que sua sociedade era fruto de sua própria criação. E, assim, que poderiam, e
que deveriam construir a sociedade segundo o que considerassem que ela deveria ser.
Com isso, cunharam a acepção democrática da atividade política: numa democracia, a
atividade política é a instituição, pela totalidade dos cidadãos, de sua própria
sociedade, pela criação das leis, dos valores, dos procedimentos que a regem.

E mais: a partir daí, pode-se dizer que a política é a ação coletiva de construção
da sociedade, e que é ela, e somente ela, que finalmente caracteriza, define, o que é
ser cidadão. A política é a prática que designa a atividade do cidadão. Todas as demais
atividades, relacionadas à existência privada, aos gostos, às crenças particulares, aos
valores particulares, até mesmo à atividade profissional, ao trabalho, diferenciam os
cidadãos entre eles: somente a política, atividade aberta de reflexão e de deliberação
filosofia política e escola pública comuns é que cria o espaço público, é que une os
cidadãos, e que os faz iguais, os caracteriza. E define, também, quem não é cidadão:
todas as atividades da vida privada podem, a princípio, ser exercidas por cidadãos e
não-cidadãos, indiferentemente. Só a atividade política é reservada aos cidadãos, e
somente a eles.

Assim, dizer democracia significa dizer a existência da política: de uma atividade


comum de construção da polis, atividade essa que constrói, paralelamente, os
cidadãos: os politai. É essa a cidadania que nos interessa, e é esse ideal que ainda
interrogaremos, para pensar o estatuto que deva ser reservado às crianças e
adolescentes. Aos futuros politai de nossa sociedade. E para pensar o papel da Escola
nisso tudo.

Mas, para pensar o papel da Escola, não bastará recorrer à Antigüidade


clássica: porque, como tentaremos mostrar a vocês, a Escola pública é fruto de um
movimento que, muitos séculos mais tarde, pretendeu estender essa plenitude de
definição de cidadania, que a democracia grega instituiu, a todos os cidadãos, sem
diferenças de raça, de origem, de sexo, de credo.

Porém, antes de dar por concluída essa introdução, vale a pena tirar algumas
implicações do conceito de cidadania que acabamos de estabelecer. Se a cidadania é
essa participação total na fixação do sentido da vida coletiva e na deliberação acerca
do destino comum da sociedade, ela não aceita qualquer adjetivação. Só há cidadania
onde há participação política total, como forma de definição do que é o cidadão. Foi o
liberalismo que, desfigurando a realidade da democracia, impôs a necessidade de se
adjetivar a cidadania: teríamos, assim, uma cidadania «plena» e uma cidadania
«relativa», uma cidadania «ativa» e uma cidadania «passiva». Mas todos esses
eufemismos só servem, na verdade, para nos fazer esquecer quais são os
compromissos que uma sociedade, se realmente deseja dizer-se democrática, tem
para consigo mesma. E, o que é pior, para ocultar o fato de que, em nosso país, jamais
tivemos, de fato, cidadania.

Voltemos à origem da palavra: o termo cidadania tem sua raiz no latim civis,
que designa o membro livre de uma coletividade autônoma. No entanto, como
acabamos de ver, a noção a que se refere está intimamente relacionada, no grego, a
um outro termo que conhecemos bem: a política. A noção de cidadania se inaugura
com a invenção da polis: com a instituição, pela primeira vez na história, de um novo
tipo de coletividade, marcada em suas finalidades, em suas atividades comuns, no
lugar e na participação reservada para cada membro, pelo ideal democrático de
participação total. Até o advento, na época moderna, do liberalismo, a democracia
significava isso: o poder de deliberação comum de uma coletividade que se cria,
criando seus valores, suas finalidades, seus procedimentos, suas exigências. Igualdade
de participação, participação plena de cada um nas deliberações comuns.
Portanto, não poderemos falar de uma «cidadania operativa» a ser construída
na Escola. Ainda que concordemos com o que essa expressão visa designar, é mais
adequado falar somente em cidadania, sem qualificações, sem adjetivações. Mas o
sentido está todo aí.

A cidadania é um status jurídico, mas é, antes de mais nada, uma prática. Ela é
a prática específica dos indivíduos reunidos numa coletividade que escolheu instituir
os valores democráticos – a igualdade, a justiça, a deliberação comum – como
significações centrais de sua existência. A Escola que serve de instrumento da
construção da cidadania – e só há uma instituição que historicamente serve para
definir esse tipo de escola, que é a «Escola pública» – não é «cidadã». Ela é, sim,
pública, democrática, universal, laica, na medida em que se faz instrumento de
construção da cidadania, pela formação dos futuros cidadãos. Mas não é cidadã, ela
não tem em si a cidadania, não pode fabricá-la, nem doála, nem pode garantir, por si
só, sua existência. Em um sentido bastante estrito, a Escola não é lugar de exercício da
cidadania, não se entendemos o que, essencialmente, implica esse exercício. Mas pode
ser um lugar em que se prepara e se constrói esse exercício. Buscar definir claramente
o que pode ser essa preparação, e o que não pode ser, definir as características, as
condições e os limites dessa preparação pela Escola é, nesse sentido, uma atividade
política, a atividade política especializada que cabe aos professores. Aos professores
cabe redefinir, a cada dia, em termos pedagógicos, curriculares, metodológicos,
técnicos etc., as características da Escola comprometida com os ideais democráticos de
participação. Mas, como a Escola não tem, e não pode ter, fim em si mesma, como seu
sentido vem, exatamente, daquilo que significa para a sociedade, e para a construção
da sociedade, essa definição cabe, em seus termos mais gerais, à sociedade como um
todo.

Isso porque, numa sociedade democrática, lembra-nos ainda Cornelius


Castoriadis2, a política, sendo atividade instituinte que cria a sociedade, é, antes de
mais nada, a decisão coletiva sobre o que pode e deve ser partilhado entre os cidadãos

2
Cornelius Castoriadis, «Valor, igualdade, justiça, política: de Marx a Aristóteles e de
Aristóteles até nós», in
– distribuído entre eles, atribuído de forma privativa, exclusiva, a cada um deles – e
aquilo que não pode ser partilhado, que deve pertencer a todos, e a que todos devem,
necessariamente, ter igual acesso. Isso é: a política começa pela definição do que é o
seu espaço próprio de construção – daquilo que é público – e daquilo que se aceita
que faça a diferença entre os cidadãos. São públicos, e não podem ser partilhados, são
«participáveis», por exemplo, a língua e os costumes, pois sua apropriação não só não
exclui, mas implica a apropriação dos outros.

Mas é claro que a definição do que é partilhável e do que é participável envolve


decisões mais polêmicas do que, a princípio, faz supor o exemplo da língua: como as
relativas ao poder político, à posse da terra e dos meios de produção, ao acesso à
informação e à cultura...

Neste sentido, a aspiração democrática não pode ser resumida à busca de


eqüidade na atribuição dos partilháveis sociais, mas é, indissociavelmente, e
primeiramente, exigência de uma interrogação aberta e continuada acerca dos limites
entre público e privado – possibilidade que só a democracia institui. Não que essa
atribuição dos partilháveis não seja crucial: é ela que está em jogo quando se
questiona, por exemplo, a repartição da posse da terra em nosso país, e que se
reivindica a urgência de uma reforma agrária. Porém, avancemos nesse exemplo: não
se trata, é claro, de questionar a partilha das terras opondo um proprietário X a um
novo proprietário Y. Para pensarmos essa questão, devemos lembrar que ela está
submetida a um valor anterior: não podemos partilhar a existência, atribuir a alguns a
possibilidade de viver e a outros negar a sobrevivência; o direito de propriedade, que
para os liberais é a lei maior, numa democracia deve se inclinar frente aos direitos do
público, do que é comum a todos. É isso que nos cabe, pela política, definir. Assim,
pode-se dizer que, antes de mais nada, a atividade política se constitui, numa
democracia, até por uma questão lógica, como criação dessa democracia e, assim,
como criação do que, em primeiro lugar, é comum a todos. Ela se inicia, portanto,
pela...
criação do participável social e das condições, vias, meios, assegurando
a cada um o acesso a esse participável3.

É a partir dessa exigência que se pode entender também a instituição,


paralelamente, das demarcações definidas e claras entre participável e partilhável –
entre público e privado.

E eis como a educação está historicamente associada aos ideais democráticos:


se educar é socializar os indivíduos, isso significa, primeiramente, «…fazê-los participar
do não-partilhável, do que não deve ser dividido, privativamente, entre os membros da
comunidade»4 – significando, assim, fazê-los capazes de se tornar, cada um deles, um
cidadão.

Ao buscar ampliar, diferentemente do que ocorreu na Grécia, o status de


cidadania a todos os indivíduos, não importando sua origem, seu credo, seu
nascimento, sua cor, sua raça, etc.…, uma das primeiras tarefas da democracia
moderna é garantir que todos sejam socializados – exigência que dá origem ao projeto
da Escola pública5.

Entendamo-nos bem: a Escola pública não não foi criada, na democracia moderna,
como um direito individual das famílias, ela sequer aparece somente como um
«direito» virtual de cada homem, para que possa, mais do que cidadão de direito, isso
é, por força da lei democrática proclamada, fazer cidadão de fato. Mais do que tudo
isso, ela é, inicialmente, especificamente no que se refere às crianças, um direito da

3
Encruzilhadas do Labirinto I. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997. p. 264 - 335. 3 id., ibid., p. 296.

4
id., ibid., p. 297.
5 “E, se há de fato uma razão democrática sendo elaborada neste solo histórico e cultural que
presenciou o nascimento da Escola pública, ela não poderia ser caracterizada pelo desenvolvimento
técnico-científico e da aspiração ao total “controle” da natureza e da sociedade, mas, antes pelas
exigências de redefinição daquilo que, na sociedade, não deveria mais permanecer sob o controle
exclusivo de alguns: o poder de deliberação, o acesso ao debate público, enfim, a participação política:
«... dizer logos não é já dizer, de certa forma, «igualmente»? Heráclito falava do logos xunos – logos
comum, público, pertencente a todos; e o Menon tinha mostrado que há participação «igual» de todos,
homens livres ou escravos, nesse logos. Igualdade, ou equivalência, não são sempre multiplamente
implicadas por toda racionalidade – igualdade ou equivalência dos debatedores, sem a qual não há
diálogos, igualdade ou equivalência dos enunciados, sem o que não há cadeia demonstrativa, igualdade
ou equivalência dos referentes do discurso, sem a qual este não poderia sequer começar?» (id., ibid.)
sociedade, de assegurar a formação de seus futuros cidadãos. Ela se apresenta, assim,
como uma das primeiras condições de construção democrática – de construção da
própria polis, pela construção dos cidadãos que irão habitá-la. Os revolucionários
modernos haviam aprendido a lição dos antigos: se a polis são seus cidadãos, não é
bastante fabricar leis e estatutos, por melhores que sejam, é preciso poder formar
homens capazes de habitar essas leis, de colocá-las em prática, indivíduos com
disposição para fazer passar a letra da lei em prática concreta, e capazes de estar
permanentemente deliberando, isto é, questionando exatamente essas leis.
Não é por decreto que os homens se transformam em cidadãos: é preciso que
tenham interiorizado o valor democrático, que tenham descoberto seu poder criador,
a força instituinte do poder criador coletivo. É preciso que sejam capazes de considerar
como sua tarefa mais essencial construir e reconstruir o que deve ser a sociedade, o
que deve significar justiça, igualdade, democracia, cidadania para sua sociedade.

Castoriadis também dizia que o que se opõe ao indivíduo não é a sociedade,


são as pulsões descontroladas, irracionais, que predominam como força bruta até que
se constitua o indivíduo. Por isso ele dizia que todo indivíduo é indivíduo social: que o
indivíduo já precisa da sociedade para constituir-se como tal, como ser de razão, como
ser de deliberação, como possibilidade de autonomia.

O homem se constrói como indivíduo se socializando. E se constrói como


cidadão, numa democracia, aprendendo a renunciar à força bruta, ao egocentrismo,
em nome do diálogo, da construção comum, da aceitação do outro.

Ser cidadão não é apenas conhecer seus direitos e deveres, como tolamente o
liberalismo nos quer fazer acreditar. Ser cidadão é acreditar na deliberação comum, no
poder criador da sociedade. Ser cidadão é, diria Hannah Arendt, abdicar da força em
nome do diálogo.

É por isso que é grande a tarefa da Escola. A Escola pública, como dissemos,
não foi invenção dos gregos. Ela foi a invenção de uma sociedade que pretendeu
universalizar a cidadania e, assim, que teve que inventar uma forma para garantir que
todos os homens, indistintamente, fossem socializados nos valores da democracia.
Que todos fossem capazes de participar ativamente das deliberações comuns. Que
todos fossem capazes de buscar com todas as suas forças fazer imperar os valores de
justiça e de igualdade na sociedade.

Acontece, diz Hannah Arendt, que a família não é democrática. Nela impera
uma ordem que é preestabelecida. Que não é igualitária, mas distingue os que têm
força e os que não têm. Da mesma forma, a Escola não é lugar de igualdade
democrática. Há na Escola uma diferenciação – os que aprendem e os que ensinam
ignorada. Por isso a Escola não pode ser lugar de exercício da igualdade democrática.
Não se pode conferir ao aluno o direito de criar aquilo que deve aprender – isso é, no
mínimo, um contra-senso.

Mas a Escola pode ser um lugar em que se aprende e se interioriza valores e


conhecimentos que tornam um ser capaz de contribuir para a construção democrática:
é essa a aposta que levou à criação da Escola pública. Era um direito da sociedade
formar cidadãos que pudessem, não importa quais fossem suas condições de
nascimento, sua origem, a crença particular de suas famílias, estar aptos a exercer a
prática democrática: prestar contas e exigir a prestação de contas, e portanto aceitar
que as armas do diálogo, do debate público são mais eficazes do que a força: força da
tradição, força da necessidade, força do poder econômico, força, até, do poder
cultural.

A Escola pública é fruto de uma utopia: dar a todos as crianças, e adolescentes,


a possibilidade concreta – não assegurada pela disparidade das famílias, das condições
de nascimento, das crenças religiosas, dos meios sociais – a possibilidade concreta de
serem cidadãos – de participarem ativamente da deliberação comum, de comporem
essa força coletiva que institui a sociedade.

Antes do advento da Revolução francesa – que criou a noção de Escola pública,


a Monarquia se preocupava com a sorte das crianças e adolescentes que vagavam
pelas ruas da cidade. A Monarquia respondeu a essa preocupação da única maneira
que sabia e que podia: através do assistencialismo. O assistencialismo monárquico, ao
assistencialismo, em geral, interessa o caso particular, só se via a criança e o
adolescente como um caso particular, essa criança e esse adolescente que devemos
cuidar, porque, em virtude de suas particularidades, estão sujeitos a ficar a margem da
sociedade. Foi a Revolução francesa que, pela primeira vez, entendeu que garantir a
socialização da criança e do adolescente era garantir a própria sociedade, aquilo que
seria no futuro. Foi a Revolução francesa que conferiu status político à criança e ao
adolescente. A esses não cidadãos que são, virtualmente, os cidadãos de amanhã. Que
são, nos termos da época, «os filhos da Pátria».

Assim, pode-se dizer que foi a Revolução Francesa que, pela primeira vez,
considerou a criança do ponto de vista político – atribuiu, pela primeira vez, um status
claramente político ao conjunto das crianças. Até então, qualquer sentido atribuído à
criança esgotava-se na esfera privada – no sentido familiar, no sentido religioso; e só
ganhava o espaço público sob a forma de marginalidade, de perversão, de
degenerescência. A sociedade monárquica, na França, olhava assustada para a
violência e o vício que se multiplicavam nas ruas, e olhava assustada, também, para os
menores deixados à mercê da sorte. Criam-se instituições asilares, de recuperação e
de profissionalização – de preparação para «ofícios». Na verdade, tudo que a
sociedade monárquica oferecia às crianças e adolescentes era sua própria virtude, ou o
que julgavam ser sua própria virtude: suas obras caritativas.

A Revolução Francesa assumiu as crianças – não só as que estavam nas ruas –


como suas; não importava mais de quem eram filhos, se eram filhos de alguém, antes
de mais nada elas eram agora «les enfants de la Patrie». Por isso dizemos que lhes
concedeu, pela primeira vez, um status político, e isso se fez, se concretizou, através
da criação da Escola pública. Há um status político para as crianças, enquanto tais,
porque elas espelham, hoje, o que será a sociedade amanhã. Construir a sociedade,
fazer política, tornou-se assim também sinônimo de tomar para si a tarefa pública de
educar todas as crianças. Essa universalidade significou também que, para além dos
órfãos e dos desamparados, a Escola visava o conjunto das crianças. E a polêmica
sobre a instituição da obrigatoriedade, p. ex., revelou que seu alvo também era as
diferenças de origem social, racial, diferenças que não podiam ser superadas pela
educação familiar, pela educação religiosa.

Assim, a Escola é pública, e universal, e gratuita, e laica, porque se considerou


que a construção da igualdade política dos futuros cidadãos não poderia ficar a cargo
da iniciativa privada, nem submetida às diferenças sociais, nem ao poder aquisitivo ou
à crença de cada família.

Mas isso nos diz o que deve ser hoje a Escola pública, em seu compromisso com
a cidadania futura? Sim, e não. Sim, porque entendemos que somente uma Escola
pública pode garantir o acesso de cada criança, sua socialização, naquilo que é
considerado como participável: naquilo a que todos devem ser iniciados, de forma a
que se possa falar que filosofia política e escola pública há algo de comum entre cada
um dos cidadãos; não, porque não somente isso, que consideramos ser o mínimo
comum entre os cidadãos, mas também o que é meio, instrumento, condição para
essa igualdade também resta a ser definido por nós.

Formalmente, a escola deve formar as crianças para o conhecimento dos


valores – das leis – que regem nossa sociedade, mas é lastimável que nossas leis sejam
tão enigmáticas, sejam assuntos especializados de especialistas. E deve preparar as
crianças para o hábito da disciplina às regras comuns, para o hábito da escuta e do
respeito do outro, mas também para a competência do diálogo, da interrogação, da
afirmação de valores, da prestação de contas, através de argumentos, e do
questionamento, da crítica, da criatividade.

A Escola deveria, em primeiro lugar, nos ensinar sobre a força extraordinária da


criação – que, individualmente, é responsável pelo indivíduo que somos, e,
socialmente, pela sociedade em que vivemos.

Porém, como pode ser a Escola tudo isso, se a sociedade parece não mais
entender tudo que, politicamente, a Escola representa? Tudo que, politicamente, as
crianças e os adolescentes de hoje representam para a sociedade de amanhã? Se o
professor acabou convencido, tanto pela sociedade, como um todo, quanto pelas
autoridades e mesmo pelos teóricos da Escola, que sua ação de nada vale, só reproduz
o que a realidade tem de pior?

O impoder da Escola resulta, hoje, primeiramente, de sua incapacidade de


acreditar em seus ideais. Mas isso ainda é ainda uma questão a ser instituída por nossa
sociedade. E não pela Escola, por si só.

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