A seguir, encontram‐se trechos do livro de Celso Vasconcellos, Para onde vai o
professor? Resgate do professor como sujeito de transformação, que serão utilizados
para a atividade de Leitura e Produção de Textos – item obrigatório deste Estágio Curricular Obrigatório I.
Trecho 1 (quarta‐capa) O professor anda perplexo com tudo aquilo que vem acontecendo com ele, com a escola e com a sociedade. Há uma profunda mudança na relação Escola‐Sociedade e parece que não nos demos conta suficientemente disto. A produção do homem é algo que, em tese, cabe à sociedade como um todo fazer. O que tem ocorrido é que paulatinamente esta função tem sido transferida para uma instância particular: a escola! Há um movimento progressivo: a aprendizagem de condutas e de saberes passa das famílias e das comunidades à escola (desde os hábitos educacionais elementares: escovar dente, amarrar sapato, respeitar os mais velhos, etc.). Por outro lado, hoje o professor é órfão de pai (Estado ‐ que representa os interesses da classe dominante) e de mãe (Sociedade Civil): de pai, porque o Estado já não precisa tanto dele para a formação de mão‐de‐obra e para a inculcação ideológica, e de mãe, porque a Sociedade, a Comunidade, não identifica o professor como um aliado, uma vez que "já não se fazem professores como antigamente". Vivemos, pois, este paradoxo: nunca se precisou/pediu tanto do professor e nunca se deu tão pouco a ele ‐ tanto do ponto de vista da formação, quanto da remuneração e das condições de trabalho. Entendemos que, mais do que nunca, é o momento do resgate do professor como sujeito histórico de transformação, se comprometendo com a alteração das condições de seu trabalho e com um novo Projeto Político‐Pedagógico.
Trecho 2 (p. 54) O Professor e o seu Projeto O professor é alguém que, em essência, pela própria especificidade de seu trabalho, traz a tradição, a cultura, novas formas de pensar e ver o mundo, o que necessariamente vai apontando para novos aspectos da realidade e, sobretudo, para outros valores (para além do econômico, colocado hoje como o∙grande valor). Se tivermos em conta que a maior violência para é perder a perspectiva de futuro, podemos vislumbrar o decisivo papel do professor. A questão do horizonte, da perspectiva, é até mesmo mais decisiva e violenta do que a fome, porque na fome o sujeito pode, no limite, roubar ou saquear para saciar‐se. Quando falta perspectiva, esperança, não tem ânimo para nada. Os meninos de rua dizem claramente: "Ah, professor, viver ou morrer não faz diferença", e sabemos, pelas tristes estatísticas, que não estão blefando... Então, quando vacila na afirmação do sentido ‐ não por culpa, mas por tudo que fizeram com ele ‐, o professor está deixando de dar sua contribuição, aliás, a nosso ver, uma das maiores contribuições que se pode dar ao aluno, que é este horizonte de futuro. Quando o professor tem claro para si os motivos de sua opção e permanência no magistério, pode revelá‐los aos alunos, ajudando‐os a re‐significarem sua presença na escola. Considerando aquela provocação do aluno citada acima, os termos da resposta do professor poderiam ser mais ou menos como os que seguem: "Quando você diz 'estudar para ser isto que eu sou, deve estar se referindo ao meu salário, não é? Pois é bom distinguir: uma coisa é o que eu ganho ‐ que é fruto de uma relação de expropriação a que o professor brasileiro vem sendo submetido como estratégia de desmonte ‐; outra, muito diferente, é o meu valor: isto não pode ser comparado com o que eu ganho! Eu estou aqui por opção e não por medo da vida lá fora, por incompetência; se o meu projeto fosse simplesmente ganhar mais, eu teria capacidade para conseguir sem ser na escola; não que eu queira ganhar mal; não é isto, tanto é que estou lutando nas instâncias certas para reverter este quadro. O que eu quero dizer é que estou inteiro aqui; eu sei porque estou aqui, e tenho algo muito importante para vocês, que dificilmente encontrarão em outro lugar; em outro lugar vocês podem encontrar informações, mas não sentido, desejo, projeto, perspectiva, criticidade, totalidade, historicidade, tal como me proponho a trabalhar com vocês, a partir da minha competência e do meu compromisso; tenho convicção disto. A escola compra o meu tempo, mas não compra o melhor de mim. E é isto que quero partilhar com vocês: a busca de um sentido digno para a existência.
Trecho 3 (p. 78) Professor: nem Vítima, nem Vilão, Agente de Transformação Na abordagem que estamos fazendo, não queremos cair na armadilha de considerar o professor como vilão (como se fosse o único responsável pelo fracasso da educação) ou como vítima (como se estivesse impossibilitado de fazer qualquer coisa em função das determinações estruturais). O professor, como qualquer agente social, está perpassado por inconsistências, incoerências. A grande questão que se coloca é como vai trabalhar suas contradições, em que direção vai procurar a superação. Cabe, pois, ao professor desembaraçar‐se de uma posição reativa, defensiva e partir para a autocrítica e (re)construção de sua proposta político‐pedagógica. Sabemos que não é tarefa simples, mas absolutamente necessária. Se o professor não começar a exercer a capacidade de reflexão, de crítica, de intervenção, como é que as estruturas educacionais poderão mudar? Será que os que estão se beneficiando com a atual forma de organização vão ter uma "crise de consciência" e resolver mudar? Isto é ingenuidade! “Sem poder próprio, o educador é um emissário daquele que o constitui educador. (...) Pensando que embarca no barco para dirigir o leme ou sentar‐se à mesa com quem traça a rota, o educador apenas rema ou sopra as velas...” (Brandão, 1982b, p. 17). De certo modo, chegamos a um paradoxo: é preciso fazer algo; só que, nas atuais condições de trabalho, se o professor conseguir fazer tudo o que é preciso, isto significaria, sobretudo para certos dirigentes, que não haveria necessidade de mudar estas condições, posto que já seria possível fazer um trabalho a partir delas... No entanto, se o professor não começar a tentar, se não der o melhor de si, quebra‐se como pessoa, definha, perde a paixão, o entusiasmo, esgarça a sua condição de sujeito de transformação por isto é tão delicado: fazer é muito exigente; não fazer é morrer! Como superação desde paradoxo, podemos vislumbrar uma espécie de escatologia pedagógica, procurando viver já o que será vivido plenamente no futuro, qual seja, trabalhar aquela contradição dialética do já e do ainda não: já se pode avançar, mas ainda não plenamente; é possível experimentar e viver o novo desde já, só que de forma incompleta, limitada. O que está em questão não é necessariamente fazer um trabalho perfeito, até porque, de fato, faltam elementos para tal. O que é decisivo e realmente transformador é fazer o melhor possível, pois através disto o professor estará resgatando sua dignidade e contribuindo para a efetiva formação da cidadania de seus alunos, visto que quando, apesar de tudo, procura fazer o melhor, desde cedo, pelo seu testemunho, os alunos aprenderão a mística do compromisso e engajamento, fatores fundamentais para a transformação global da sociedade. Esta talvez seja uma das mais importantes lições para os alunos. (grifos do autor).
Referência: VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Para onde vai o professor? Resgate do professor como sujeito de transformação. 10. ed. São Paulo: Libertad, 2003.