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DEBATE

Dependência e luta de classes na América Latina

Dependence and the class struggle in Latinamerica


Titulo em inglês
Roberta TRASPADINI1

D
ebater o texto – Desafios e Perspecti- avançarmos na práxis emancipatória: O que
vas para a América Latina do Século é América Latina? Como propõe Carca-
XXI - de um companheiro e intelec- nholo, é possível tratá-la como uma unidade
tual como Marcelo Carcanholo é, ao mesmo categorial? As sociedades e países que a
tempo, prazeroso e desafiador. Prazeroso compõem, em que pesem suas especificida-
por se tratar, na nova geração de intelectu- des, podem ser tratados com alguma homo-
ais, de um dos quadros mais bem prepara- geneidade?
dos no tema da crítica da economia política,
o que abarca seus estudos e a socialização O texto de Carcanholo apresenta uma inte-
dos mesmos tanto com os estudantes e cole- ressante proposta para avançarmos na cons-
gas de trabalho, quanto com os militantes so- trução de uma perspectiva que nos permita
ciais latino-americanos. Desafiador por seus captar os elementos comuns de América La-
textos nos instigarem a ir além daquilo que tina que podem permitir apresentá-la como
está exposto, na procura de novos e comple- uma unidade. Recuperando criticamente
xos processos de investigação individual-co- Aricó na interpretação de América Latina
letiva. como “uma unidade contraditória”, Carca-
nholo entende que, embora não fiquem fora
Este texto-debate organiza-se em duas par- as especificidades históricas de cada país ou
tes: 1) Pontos essenciais sobre o debate da localidade, é a dependência o elemento que
dependência na América Latina; 2) Pontos permite estabelecer o fio condutor entre os
polêmicos que me permitem tecer algumas processos, mudanças, continuidades e desa-
considerações dialógicas. fios da América Latina.

1 Pontos essenciais sobre o debate da de- Nesse sentido, ao estabelecer um olhar ana-
pendência na América Latina lítico centrado na crítica da Economia Polí-
tica de Marx para pensar a América Latina
Falar de, e desde, América Latina nos coloca Carcanholo nos propõe recuperar uma série
questões que resultam centrais para de categorias fundantes da teoria marxista,

1Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES, Brasil). Doutoranda
em estudos latino-americanos na Universidad Autónoma Nacional de México (UNAM, México). Professora
da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM, Brasil). Professora militante da Escola
Nacional Florestan Fernandes. E-mail: <rtraspadini@yahoo.com.mx>.

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Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.29-43, jul./dez. 2014.
Dependência e luta de classes na América Latina

tais: o movimento dialético entre capital-traba- é o fundamento da dependência latino-ameri-


lho; Exploração e Superexploração; Transferência cana, demarcado pelos escritos dos teóricos
de valor; Imperialismo-Subimperialismo; Com- marxistas da dependência. Com base na su-
posição orgânica do capital; Mais valia extraordi- perexploração, entendemos como o desenvol-
nária; produção-circulação-consumo; capital fi- vimento sui generis do capitalismo latino-
nanceiro e suas facetas (produtivo, bancário, fic- americano assume um caráter particular que
tício). se mescla com a forma de exploração dos tra-
balhadores das economias centrais. Salários
Mas o que é a dependência? É a razão de ser pagos abaixo do valor necessário para a re-
do desenvolvimento do capitalismo na produção de vida do trabalhador e uma vida
América Latina. Processo que retrata a espe- cotidiana de satisfação das necessidades bá-
cificidade do capitalismo sui generis latino- sicas intensamente atrelada ao crédito-endi-
americano, inerente à dinâmica geral de fun- vidamento dos trabalhadores, são marcas
cionamento do capital. Particularidade que tangíveis do caráter da superexploração da
integra a totalidade do movimento do capi- força de trabalho na América Latina.
tal, fazendo com que o próprio, América La-
tina, se torne refém da lógica reprodutora do A dependência, enraizada na superexploração
capital no âmbito mundial. da força de trabalho, deve ser entendida, como
destaca Carcanholo, como o resultado da
Um dos movimentos explicativos da depen- disputa concorrencial entre capitais mais e
dência refere-se aos mecanismos de transfe- menos avançados na questão tecnológica.
rência de valor. Nas relações comerciais entre Disputa pela apropriação da mais valia extra-
países tecnologicamente mais ou menos ordinária, manifesta no processo de incorpo-
avançados, a aparência do fenômeno encar- ração tecnológica na disputa no interior de
nada nos preços deteriorados das mercado- um setor econômico, através da criação de
rias das periferias, em relação aos preços condições mais vantajosas na esfera da pro-
crescentes dos produtos das economias cen- dução.
trais, expõe o teor do intercâmbio desigual,
a partir do modo específico de produção das Dada a diferença de composição orgânica e téc-
mercadorias em cada país. Assim, a transfe- nica do capital entre as economias e os seto-
rência de valor, em realidade apropriação pri- res capitalistas no interior das mesmas, a
vada pelas economias centrais de parte da transferência de valor das periferias para os
produção social (mais-valia) produzida pe- centros e para as economias do continente
las economias periféricas, reforça a superex- que se destacam no processo de industriali-
ploração da força de trabalho como a gênese ex- zação dos anos 1950/1960, (Brasil, México,
plicativa do dialético movimento desigual Argentina) retrata, segundo Carcanholo os
do capital em sua totalidade. Através da su- diferentes níveis de dependência das econo-
perexploração da força de trabalho a dependência mias da América Latina com relação às eco-
ganha materialidade e explicita a real condi- nomias centrais e entre as economias perifé-
ção de ser do capitalismo na América Latina. ricas, o que abre passo à conformação do su-
bimperialismo, no caso específico do Brasil.
Portanto, a superexploração da força de trabalho
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Como bem destacado por Carcanholo, o Bra- aos mecanismos criados em cada processo
sil, apesar de dependente como as demais histórico específico, para contrarrestar a ten-
economias latino-americanas, teve através dência à crise inerente ao seu desenvolvi-
da nova onda de industrialização via en- mento, agudizou as expressivas desigualda-
trada de capitais estrangeiros nos anos 1950 des manifestas no desenvolvimento do capi-
e 1960, uma ampliação da composição orgâ- talismo no plano mundial através da relação
nica de capital em seu processo de desenvol- indissociável entre cinco elementos: au-
vimento. Além disso, na concorrência inter- mento da exploração da força de trabalho; inten-
capitalista, o Brasil conseguiu apropriar-se, sificação da transferência de valor; abertura de
via mais valia extraordinária 2, de parte do va- mercado; aumento da rotação do capital; ex-
lor produzido nas economias vizinhas, pansão da lógica fictícia nos desdobramentos
quando da relação comercial desigual favo- do capital.
rável aos seus produtos.
O período neoliberal (iniciado nos anos
Tal situação, ao diferenciar o Brasil, no plano 1970, com forte ênfase na década de
do desenvolvimento capitalista, das demais 1990/2000) acentuou os processos constituti-
economias periféricas do continente, o colo- vos do desenvolvimento dependente latino-
cou numa posição vantajosa de reprodutor americano, o que expõe os problemas pro-
direto das condicionantes externas da domi- fundos da função comprida por América La-
nação. Ou seja, o subimperialismo brasileiro - tina na produção-circulação de capital no
face característica da dominação deste país âmbito internacional. E, ao mesmo tempo
sobre América Latina, em especial no inter- em que a exploração ganha novos e mais in-
câmbio com as economias que compõem a tensos contornos no mundo como forma de
América do Sul – apresenta-se como correia contrarrestar a tendência à queda da taxa de
de transmissão do imperialismo - face hege- lucro, na América Latina, se propaga a utili-
mônica da dinâmica geral de reprodução do zação do crédito, como se o mesmo fosse
capital – e ambos constituem a dupla condi- descolado do processo produtivo. Esta situ-
cionante da dependência no continente: 1. A ação oculta a realidade da dependência e do
transferência de valor das economias periféri- agravamento da superexploração da força de
cas para as economias centrais e não menos trabalho no capitalismo periférico, uma vez
importante, 2) a transferência de valor entre as que apresenta, na superfície de sua manifes-
economias periféricas. 3 tação fetichizada, a possibilidade de transição
da matriz trabalho-salário-consumo, para a
Segundo Carcanholo, a unidade dialética no matriz crédito-consumo, sem necessaria-
capitalismo contemporâneo (entre determi- mente vínculo com o trabalho. O endivida-
nações estruturais e conjunturais), atrelada mento dos indivíduos e das famílias gerou

2 A mais valia extraordinária é originada na concorrência capitalista, dentro dos setores econômicos. É, assim,
manifesta na guerra entre capitais oligopolistas pela apropriação de parte do valor produzido pelos demais
capitais do setor, tendo a inovação como o elemento substantivo da diferenciação momentânea entre os gran-
des capitais. Para aprofundamento no tema ver: Carcanholo (2000) e Marini (2011).
3 Cabe destacar que o subimperialismo brasileiro necessita ser aprofundado na atual relação produtiva-comercial

do Brasil com outras economias periféricas, como Moçambique, que contribuem na ênfase dada à centralidade
desta categoria analítica desenvolvida por Marini.
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uma potência de ação do capital sobre e con- capital produtivo total reflete o grau de in-
tra o trabalho na América Latina. Isto ocorre tensificação das lutas no campo e na cidade,
em um período histórico em que a propa- uma vez que algumas mercadorias entram
ganda e a miséria formativa, estão dissemi- nessa dinâmica como projeção futura de ga-
nadas. nhos não necessariamente reais. A função
social da terra, na lógica da produção de
O cenário da complexidade do mundo do bens necessários à subsistência, além de ser
trabalho na era neoliberal intensificou a su- vinculada à era do agronegócio, na atual fase
perexploração no continente latino-ameri- contemporânea do capitalismo, entra na
cano. Flexibilização das leis trabalhistas, em- arena especulativa, com expressivo encare-
preendedorismo individual e economia soli- cimento do crédito e dos lotes. Assim, o ca-
dária como alternativas ao emprego com pital em sua fase de predominância fictícia
carteira assinada e ao desemprego; mudan- traz para a questão agrária a necessária re-
ças nos planos de aposentadoria, bancos de formulação dos processos que a engendram.
hora, estágios de jovens que duram toda a
vida universitária, entre outros, são as novas Como destaca Silva (1981, p.13):
condicionantes da práxis do capital, que re-
força o caráter histórico da atualidade da de- [...] a essência da renda da terra nada mais
é do que parte da mais-valia que, em vez
pendência na América Latina sob a consigna
de ficar com a classe capitalista, vai para o
da superexploração e do superendividamento.
bolso dos proprietários rurais que a tiram
Somados a estes dois últimos, para o caso dos capitalistas, dado que são eles e não es-
brasileiro, tem-se a intensificação da lógica tes os que monopolizam a propriedade
subimperialista 4. fundiária. Assim, o fato da renda da terra
ser X ou Y, mais alta ou mais baixa, de-
O rigor teórico e analítico de Carcanholo na pende também do resultado da luta de
questão do desenvolvimento latino-ameri- classes, que se trava naquele momento, na-
cano, leia-se dependência, nos convoca a tra- quela sociedade, da mesma maneira que
balhar outras questões, entre as quais, duas disso também depende a distribuição en-
em especial, nos interessam para a composi- tre lucros e salários. Ou seja, sendo essa
ção da análise ao longo deste texto: 1. Qual renda a remuneração de uma classe, ela se
a função social da terra na atual fase de ex- encontra definida, em seus níveis globais,
pansão do capital fictício na dinâmica geral pela luta que opõe os interesses dos pro-
prietários de terras aos dos demais setores
do capital? 2. Qual o papel do trabalho no
da sociedade. Assim, tudo o que os capita-
campo na atual fase de supremacia dos tra-
listas conseguem extorquir dos trabalha-
balhadores concentrados nas grandes cida-
dores rurais será cobiçado pelos proprietá-
des da América Latina? rios de terras.

A acentuação da participação do capital por-


tador de juros em relação à participação do

4 Para o estudo da atualidade do subimperialismo brasileiro na América Latina ver: Vuyk (2013); Luce (2011).

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Oliveira (2007, p. 43), segue a mesma a linha a consolidação de sua ação monopolista,
de Silva (1981) quando reforça: quanto conforma uma estrutura agrária de
dependência em que a produção camponesa
[...] a renda da terra é uma fração da mais- é subsumida à função monopolista ditada
valia, ou seja, é, mais precisamente, com-
pelos capitalistas agrários, situação que mo-
ponente particular e especifico da mais-
vimentará a histórica luta de classes no con-
valia. Para Karl Marx, mais-valia é, no
modo capitalista de produção, a forma ge-
tinente.
ral da soma de valor (trabalho excedente e
Segundo Marx, “[...] a renda da terra - abso-
realizado além do trabalho necessário que
luta, diferencial do tipo I e do tipo II” 5- inte-
por sua vez é pago sob a forma de salário)
de que se apropriam os proprietários dos gra e combina o processo geral de produ-
meios de produção (capitalistas e ou pro- ção/apropriação do capital, de forma que,
prietários de terras) sem pagar o equiva- quanto mais desenvolvido o processo pro-
lente aos trabalhadores (trabalho não dutivo no âmbito da composição orgânica e téc-
pago) sob as formas metamorfoseadas, nica do capital na agricultura, tanto menor a
transfiguradas de lucro e de renda fundiá- diferença entre a composição média do capi-
ria. tal agrícola frente ao capital social médio.
Assim, com a expansão da técnica na produ-
As particularidades históricas do desenvol-
ção agrária, há uma tendência ao desapare-
vimento do capitalismo no campo na Amé-
cimento da renda absoluta e a exacerbação da
rica Latina diferem substantivamente do tí-
discrepância no teor produtivo entre as pro-
pico caso inglês onde os proprietários de
priedades (de grande, médio e pequeno
terra e os capitalistas são figuras que dispu-
porte), explicitando a lógica da concorrência
tam parte do excedente da produção mani-
capitalista na produção de mercadorias ori-
festo na extração do valor. Na América La-
undas da terra, demarcada pelo processo
tina, a questão da terra passa pelo entendi-
inerentemente desigual do capitalismo.
mento de que “[...] a propriedade da terra é
a base de extração do excedente dos traba- O capital fictício, enquanto exacerbação da
lhadores rurais” (SILVA, 1981, p. 22). O ca- contradição produção/apropriação contida
pitalista agrário tanto promove os desdobra- no capital portador de juros, (CARCA-
mentos econômicos-políticos-culturais para NHOLO, 2014), tende a potencializar parte

5 Estas três formas funcionais da renda da terra estão vinculadas à produção de mercadorias no campo, de
forma que renda da terra é sinônimo de repartição da produção de trabalho excedente no campo entre capita-
listas e proprietários de terras, quando estas figuras se constituem como sujeitos diferentes na organização da
produção capitalista no campo. Segundo Marx, a renda da terra não advém somente do fato de o proprietário
ter o poder jurídico sobre a terra e sim do poder de explorar, ou não, a terra na forma de extração de valor.
Detém, portanto um monopólio estratégico para a produção capitalista. A concorrência entre capitalistas atu-
antes na terra gera os dois tipos de renda diferencial. A renda diferencial do tipo I origina-se da comparação
entre tipos de terras distintas, diferentes, (tipo de solo, geografia, extensão, necessidade técnica, etc.). A renda
diferencial do tipo II refere-se à incorporação tecnológica na terra, fazendo com haja uma tendência à amplia-
ção da produtividade gerando resultados diferentes, ou seja, intensificação do capital na terra. O monopólio
da terra gera a renda absoluta. Como da terra se originam bens vitais, esta posição vantajosa de realizar um
preço de mercado acima do preço médio de produção, faz com que a renda absoluta seja originada na dinâ-
mica global da realização de vida social. Ver: Marx (1991).
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Dependência e luta de classes na América Latina

da extração do valor produzido no campo mercadoria terra. Dessa maneira, a propri-


através da renda absoluta, cujo proprietário é, edade capitalista da terra tem que ser en-
na maioria das vezes, o próprio capital mo- tendida como uma contradição do desen-
nopolista internacional (capital financeiro). volvimento do modo capitalista de produ-
ção tem que ser entendida como produto
Assim, acompanhando as novas caraterísti-
de uma relação social que ela é.
cas da reprodução capitalista geral, cuja ên-
fase tem sido dada ao capital fictício, o capi- Os atuais protagonistas do agronegócio na
tal financeiro, em vez de pagar ao proprietá- América Latina, a partir da aquisição de
rio de terra uma renda, dquire a terra e a maior extensão de terras ao preço de mer-
deixa parada para compor sua própria dinâ- cado movido pela dinâmica especulativa, re-
mica de produção geral. orientam a função social da terra com base
na extraordinária situação monopolista que
No entanto, a terra não é uma mercadoria
os define. Com isto, geram para os pequenos
qualquer. Ela é a substância desde a qual o
produtores a acentuação das relações de de-
ser humano em sua relação com a natureza
pendência e subsunção formal-real dos mes-
e os demais seres cria e recria vida, em mo-
mos à dinâmica produtiva capitalista no
vimento substantivo de reestruturação sig-
campo. Isto, somado à ação do Estado naci-
nificante de si mesmo. Portanto, acumular
onal com centralidade para a representação
terra vai muito além da acumulação de capi-
dos grandes capitais, traz para a luta de clas-
tal. É acumular a substância viva de manu-
ses no continente, renovados processos de
tenção da existência social. A propriedade
manifestação contestatária à ordem bur-
privada da terra, centrada na lógica de pro-
guesa.
dução capitalista, encarna um questiona-
mento à existência da humanidade, exigindo Breve fotografia da América Latina atual se-
lutar para consolidar um projeto que supere gundo três documentos da CEPAL: Anuário
a dinâmica bárbara do capitalismo. Ne- Estatístico de América Latina y el Caribe, 2013;
nhuma necessidade socialmente produzida La Inversión Extranjera Directa em América La-
parte de uma materialidade concreta fora da tina y el Caribe, 2013; Recursos Naturales situa-
terra. Nesse sentido, há terra para além do ciones y tendências para uma agenda de desar-
capitalismo, mas não há capitalismo sem rollo regional em América Latina y el Caribe,
propriedade privada da terra. 2013.

Nas palavras de Oliveira (2007, p. 66): - Possui 616.645 milhões de pessoas;


- 53,3% da população têm entre 15-49 anos;
[...] o proprietário de terra é um persona- - 80,9% vivem nas cidades;
gem de dentro do capitalismo. Ao se apro- - Aproximadamente 275 milhões de pessoas com-
priar de grandes extensões de terra, ele re- põem a população economicamente ativa;
tém essa terra como reserva de valor, ou - Distribuição setorial da população ocupada: 19,4%
seja, com o objetivo de especular, de poder agricultura; 20% indústria; 57,9% serviços;
se apropriar da renda da terra. É o que fa- - Taxa de desemprego 6,4%;
zem os grandes capitalistas que se conver- - Pessoas em situação de pobreza/indigência: cidade:
teram em colonizadores, vendedores da 28,2%; campo: 48,6%;
- Distribuição da renda entre grupos: Cidade: mais
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pobre: 1,6%, mais rico:38,5%; campo: mais pobre 1,5% Trinitárias; 81% Venezuela.
e mais rico: 39,6%; - Principais empresas exploradoras de hidrocarbone-
- Proporção de mulheres empregadas pelo setor agrí- tos: YPF (Argentina): PDVSA(Venezuela); Petrobrás
cola: 26%; (Brasil); PEMEX (México); Ecopetrol (Colômbia).
- PIB: US$ 3.486.088,4; - IDE para a área do hidrocarboneto (2013-2017):
- Grau de abertura econômica: 44,8%; US$400 milhões.
- Investimento Direto Estrangeiro (IED): US$ 188.101
milhões (serviços: 38%; manufaturas: 36%; recursos Esta fotografia nos permite, à luz da unidade
naturais: 26%, com destaque para Brasil e México res- contraditória latino-americana destacada
pectivos primeiros lugares que, juntos, somam um por Carcanholo, reforçar o que a região tem
IDE aproximado de US$ 102 milhões. em comum na dialética do desenvolvimento
- Os principais destinatários do IDE são Estados Uni- dependente: abundância de recursos natu-
dos e União Europeia. Com destaque para a centrali-
rais-minerais; robusto e crescente exército
dade dos investimentos da EU em especial em Mé-
xico e Brasil, cuja inversão chega a 50%; e dos EUA industrial de reservas (terra e trabalho). De
com centralidade para América Central (30%; Mé- forma que a correta ideia de unidade contra-
xico: 32%; Brasil:14%). ditória, cuja substância centra-se na terra e
- Cinco maiores fusões e aquisições: no trabalho específicos da região, necessita
1. Anheuser-Bush-Inbev (Bélgica) com Grupo Mo- ser tratada dentro do cenário dos conflitos
delo (México): US$ 19.273 milhões;
manifestos na trajetória de lutas da América
2. United Hearth Group (EUA) com Amil Participa-
ções (Brasil): US$2.322 milhões; Latina cujos matizes imprimem diversas di-
3.Bancolômbia (Colômbia) com HSBCPanamá (Reino nâmicas: reformas, revoltas, guerras de
Unido): US$2.234 milhões; guerrilhas, revoluções.
4.Coca-cola FEMSA (México) com Spaipa AS (Brasil):
US$1.855 milhões; 2 Pontos polêmicos que me permitiram te-
5. Metlife (EUA) com AFPProvida (Espa-
cer algumas considerações dialógicas
nha):US$1.841 milhões.
- Exportação de recursos minerais: 21,4%; Neste item serão trabalhados os seguintes
-Produção mineral em relação ao total mundial: temas brevemente apontados por Carca-
Prata: 47,7%; Estanho em mina: 20,5%; Ferro: 21,1%;
nholo nas partes iniciais de seu texto: a) Uni-
Cromo em mina:23,8%; Cobre em mina: 11,6%; zinco:
19,4%; dade latino-americana; b) Sentido de nação;
- Do total de produção mineral mundial: US$ 21.500 c) Brasil e o não ser e do sentir-se latino-ame-
milhões, América Latina respondeu com a maior par- ricano; d) Povo x classe. Estes pontos apre-
ticipação, 25%, cuja principal concentração está em sentados por Marcelo na forma de debate,
Peru, México, Brasil e Chile. exigem que deixemos claro a linha política
_ Investimento direto minero na região: US$ 735 mi- interpretativa para não corrermos riscos de
lhões de dólares.
interpretações equivocadas sobre temas es-
- Hidrocarbonetos: A.L segunda maior região do
mundo na produção petroleira, perdendo apenas
senciais da atual luta de classes na América
para o oriente médio. Latina. Por isso, dizimar qualquer confusão
1. Relação entre reserva/produção (abundância): Pe- sobre o tema, desde nossa perspectiva de
tróleo: 89,8 anos; Gás Natural: 33,7 anos. classe, torna-se imprescindível, dadas as ta-
2. Relação entre produção/consumo: Petróleo: 1,2%; refas para avançarmos em nossas organiza-
Gás Natural:0,9%. ções e lutas latino-americanas.
- Petróleo e Gás Natural correspondem no total de ex-
portações: 48% Colômbia e Bolívia; 53% Equador e a) Unidade latino-americana:
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Dependência e luta de classes na América Latina

Carcanholo (no texto em debate) apresenta a priedade privada, quanto pelas lutas de li-
dependência como o fundamento da uni- bertação do trabalho da lógica da superexplo-
dade latino-americana. Em suas palavras: ração, tendo como referência a “autonomia
“A dependência é o que constitui a unidade relativa” aberta com as lutas por “indepen-
da América Latina, o que não exclui as espe- dência”.
cificidades de seus membros.” A dependên-
cia, forma sui generis do capitalismo latino- A unidade latino-americana como disputa
americano, foi gestada nos processos de in- expõe duas dimensões chaves: a histórica
dependência política ocorridos na América trajetória de dominação do capital sobre
Latina, como salienta Marini em Dialética da terra e trabalho; e, as lutas de resistência e
Dependência, 1973. Mas, apesar do marco po- libertação do trabalho contra o capital. O ca-
lítico que a situa, sua raiz é anterior, advém pital ao consolidar a dominação se apropria
da forma como a terra e o trabalho foram de forma privada dos territórios e institui os
particularmente tratados a partir do pro- mecanismos ideológicos dominantes para
cesso de conquista-colonização no conti- introjetar suas ideias como “verdades” abso-
nente. lutas, em violenta condição de controle da
economia, da política e da cultura. Ao domi-
A nosso juízo, esta estrutura material histó- nar, o capital tanto nega a América Latina
rica do desenvolvimento capitalista no con- como identidade social una e diversa, como a
tinente tem duas raízes indissociáveis entre reforça desde o âmbito comercial na confor-
si: terra fecunda e expressiva força de trabalho. mação dos blocos econômicos e das áreas de
Estas duas substâncias são o que explicam a livre produção-circulação para o capital.
trajetória histórica da ocupação do conti-
nente latino-americano desde a exploração A complexa situação da classe trabalhadora
colonial europeia, com destaque para os pro- na atualidade do desenvolvimento capita-
cessos de organização das lutas pelas inde- lista na América Latina, do campo e da ci-
pendências políticas, marco formal de nasci- dade, coloca em movimento diversas formas
mento dos Estados nacionais no continente, de contestações à ordem dominante, entre as
passando pelas diferentes fases do desenvol- quais se encontram proposições de alguns
vimento do capitalismo até a atualidade. sujeitos e movimentos, que tomam para si na
formação da consciência, o sentido de práxis
O que produz unidade na América Latina é revolucionária latino-americana, assentados
tanto o que a escraviza, quanto o que a pode em outro sentido de terra e de trabalho, para
libertar ao longo da história da luta de clas- além do instituído pelo capital. A narrativa
ses: o trabalho e a terra. Nesse sentido, a uni- da história dominante mescla-se com uma
dade da América Latina, deve ser entendida complexa gama de experiências de lutas
a partir da conformação histórica de sua for- consolidadas por diversos movimentos soci-
mação social baseada na dominação do capi- ais da América Latina. Parte destas lutas
tal sobre terra e trabalho e das disputas ocor- centra-se na ação anticapitalista e anti-impe-
ridas no continente, expressas tanto nas lu- rialista. São lutas contrárias portanto às ca-
tas por libertação da terra da lógica da pro- racterísticas estruturais da lógica da domi-
nação do capital sobre terra e trabalho, ao
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longo do processo de desenvolvimento do sociais e políticos que, herdeiros de Martí,


capitalismo sui generis da região. Mas, ainda Bolívar e Guevara, acreditam na Pátria
quando estas disputas ocorrem ao longo de Grande? Para estes, a América Latina se
todo o processo de consolidação da depen- apresenta como território de lutas, resistên-
dência, ganham no século XXI, particulares cias, memória e história, ainda quando suas
formas de manifestação dado o contexto de condições objetivas de luta não se projetam
expansão do capital fictício. em uma experiência continental, dadas as li-
mitações próprias à sobrevivência da classe
Esta situação nos remete ao debate inicial trabalhadora no século XXI.
trazido por Carcanholo sobre a unidade con-
traditória que caracteriza América Latina. Cabe reforçar que América Latina, desde a
Partindo do referencial da luta de classes, luta entre capital-trabalho, ao se dar nos ter-
cabe destacar que a luta de classes manifesta ritórios concretos, ganha contornos nacio-
no marco político, econômico e cultural so- nais, que, apesar dos inerentes processos po-
bre como se entende a unidade da América líticos-jurídicos que caracterizam o Estado
Latina, exige a análise dos interesses da bur- burguês explicitam no plano das lutas con-
guesia (inter)nacional sobre o ser-sentir-se la- cretas, as disputas por reformas e articula-
tino-americano a partir da perspectiva que ções para a superação de dita dominação.
defende e projeta como totalidade, como
práxis dominante reprodutora. Em síntese, a unidade contraditória que con-
forma América Latina deve ter como centra-
Para o capital, falar de América Latina é re- lidade a análise da luta de classes colocada
forçar, como bem sustenta Carcanholo, a re- em movimento ao longo do processo histó-
lação indissociável entre desenvolvimento e rico de consolidação do desenvolvimento
dependência no continente. América Latina colonial e pós colonial no continente. Anali-
se apresenta para o capital como unidade de sar a unidade contraditória no marco da luta
ação aparentemente incontestável. Há que de classes nos permite entender a dialética
modernizar, abrir, desregulamentar, traba- manifesta tanto na posição do capital sobre
lhar a queda do nacional, por um plano sem o território latino-americano, quanto as lutas
fronteiras, conforme as políticas consolida- nacionais, regionais, internacionais por su-
das pela Área de Livre Comércio para as peração das condicionantes burguesas.
Américas (ALCA), pelos Tratados de Livre
b) Sentido de Nação:
Comércio (TLC´s), pelo projeto de reestrutu-
ração logística da Iniciativa de Integração da Eric Hobsbawm, na introdução do livro Na-
Infraestrutura Regional Sulamericana ções e Nacionalismo desde 1978, sustenta que:
(IIRSA), pelo Mercado Comum do Sul [...] as nações e seus fenômenos associados
(MERCOSUL), ao mesmo tempo em que há devem ser analisados em termos das con-
que se invisibilizar as lutas e criminalizar os dições econômicas, administrativas, técni-
sujeitos e movimentos que atuem desde ou- cas, políticas e de outras existências(...) as
tro lugar que não o de dentro da ordem. nações são fenômenos duais, construídos
essencialmente pelo alto, mas que, no en-
E para o trabalho na complexidade de movi- tanto, não podem ser compreendidas sem
mentos que o define? E para os movimentos ser analisadas de baixo, ou seja, em termos
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Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p. 29-43, jul./dez. 2014.
Dependência e luta de classes na América Latina

das suposições, esperanças, necessidades, 1989, com a conformação do Consenso de


aspirações e interesses das pessoas co- Washington em paralelo à derrota do socia-
muns, as quais não são necessariamente lismo real, manifesta na simbólica cena da
nacionais e menos ainda nacionalistas destruição do muro de Berlim, o caráter na-
(HOBSBAWM, 1990, p.19).
cional ganha maior evidência, ante a política
A ideia materializada de nação-naciona- efetuada de desmonte das nações através
lismo exige a compreensão da estrutura na das políticas de desenvolvimento neolibe-
qual ocorre seu enraizamento, através da rais. O que antes era mais evidente como ca-
análise dos processos constitutivos dentro ráter internacional, após 1989 se apresentou
da dialética capital-trabalho, tanto da di- como necessidade de resgatar o nacional
mensão dada pela lógica da produção domi- para reafirmar o internacional.
nante, quanto pela lógica contestatária ine-
Portanto, a citação de Marx utilizada por
rentes à disputa. Portanto, há a perspectiva
Carcanholo “É uma falsa abstração conside-
do estado-nação; do capital; do trabalho;
rar uma nação, cujo modo de produção re-
mesclados todos estes processos por dispu-
pousa no valor e que, além disso, está orga-
tas expressas na dinâmica da formação da
nizado capitalistamente, como sendo um
consciência presente na diversidade de lutas
corpo coletivo que trabalha apenas para as
na vida cotidiana na América Latina.
necessidades nacionais” (MARX, 1985, vol.
A disputa entre projetos-processos no inte- III, tomo 2, p. 293)” necessita ser mais traba-
rior da nação se apresenta na manifestação lhada, para não corrermos o risco de inter-
concreta da luta de classes em cada época e pretar as lutas no âmbito nacional como
território. A nação torna-se o marco territo- pouco estratégicas, quando em realidade são
rial da disputa pelo poder, de disputa pela características transformadoras que mani-
tomada do poder, na consolidação de um Es- festam a trajetória histórica da luta de classes
tado de transição socialista, que nem por no continente, sem deixar de entender a cor-
isso é menos internacional. Esta observação relação de forças internacional em cada perí-
se faz importante, pois, apesar de não haver odo histórico. Basta vermos o significado
homogeneidade nos processos de luta dos das vitórias de Hugo Chávez, Evo Morales e
trabalhadores, uma das características em Rafael Correa no continente. Dialeticamente,
comum em toda América Latina é a disputa estas vitórias e posições anti-imperialistas,
político-eleitoral demarcada no plano da com retomada do plano nacional, reivindi-
ocupação do Estado, seja para dar continui- cam novos marcos e integração e relação co-
dade à lógica do capital, ou para consolidar mercial-social no continente, como os de-
uma postura contrária que, para engendrar marcados pela Aliança Bolivariana para as
transformações mais profundas, necessita Américas (ALBA) e pela União das Nações
reconstituir o plano das reformas nacionais. Sul-americanas (UNASUL).

c) Brasil e o “não ser-sentir-se latino-ameri-


Cabe reforçar que, após a substantiva mu-
ano”;
dança de enfoque das políticas imperialistas
norte-americanas para América Latina, após Na mesma linha, me parece que o debate tra-
zido por Carcanholo sobre os elementos que
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Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.29-43, jul./dez. 2014
Roberta TRASPADINI

reforçam o sentimento do brasileiro como (2013, p. 162) esclarece que a ideologia nasce
não latino-americano, também necessita de das entranhas do próprio movimento do ca-
aprofundamento. Apesar da particular for- pital, e se manifesta concretamente como
mação histórico-social do Brasil, e das raízes força destrutiva, pois,
negra, índia e branca que conformam a com-
plexidade do povo brasileiro, me parece que Como chamar as relações de produção que
hoje contribuem em tantas partes do
isto não explica o fundamento do não ser-
mundo, por obra e graça da etapa imperi-
sentir-se latino-americano.
alista do capitalismo, a fabricação de um
ser humano doente, reprimido, esmagado
A produção material do ser-sentir-se latino-
por um peso ideológico que desconhece,
americano está na formação da consciência.
escravizado por uma turba de objetos que
O não ser-sentir-se latino-americano é mais o
consome irracionalmente, vorazmente?
resultado histórico da vitória da classe do- Tudo poderia ser descrito como uma ór-
minante burguesa (inter)nacional que ope- bita que vai desde a raiva com que os lud-
rou e opera no Brasil e na América Latina dita do século XIX (segundo conta Marx
para conformar os aparelhos ideológicos re- em O Capital) destruíram a machado as
produtores e opressores relativos à projeção máquinas que os substituíam como forças
de suas verdades-mentirosas, e menos resul- produtivas, até a raiva inconsciente com
tante do processo originário desde o próprio que hoje o sujeito da classe média na soci-
sujeito trabalhador brasileiro composto por edade industrial se come essas máquinas e
seus produtos, as digere e as integra a seu
estas diversas etnias sociais.
ser como se fossem fonte nutricional.
É com base nessa relação indissociável entre Como chamar estas relações de produção
produção material de vida e consolidação de senão relações de destruição?
um processo de consciência que lhe sustente
A consolidação da ideia de América Latina
e seja sustentado por ela, que Iasi (2007, p.
pelo capital se gesta na própria dinâmica
12) argumenta ser necessário entender o fe-
inerente de produção do valor no continente
nômeno da consciência como movimento:
e abre, com base nesta estrutura, uma con-
cepção própria instituída a ser projetada
Sabemos que só é possível conhecer algo
como única e homogênea. Nesse sentido,
se o inserimos na história de sua formação,
ou seja, no processo pelo qual ele se tornou como apresenta acertadamente Carcanholo,
o que é; assim é também com a consciên- a partir do desenvolvimento dos processos
cia: ela não “é”, “se torna”. Amadurece por tecnológicos diferenciados frente ao desen-
fases distintas que se superam, através de volvimento capitalista dos demais países vi-
formas que se rompem, gerando novas, zinhos, o Brasil conformou sua matriz su-
que já indicam elementos de seus futuros bimperialista de atuação no e sobre o conti-
impasses e superações. Longe de qualquer nente. Tal ação exige a construção de uma
linearidade, a consciência se movimenta produção ideológica que, fechada em si
trazendo consigo elementos de fases supe- mesma, forje a diferença na forma mais per-
radas, retomando, aparentemente, as for-
versa da comparação individual-nacional-
mas que abandonou.
concorrencial.
Assim, como Iasi (2007), Ludovico Silva

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Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p. 29-43, jul./dez. 2014.
Dependência e luta de classes na América Latina

Portanto, o Brasil como “más grande del Silva (2013, p. 43-44) expõe este tema em seu
mundo” se fundamenta na verdade-menti- livro A mais valia ideológica e sustenta que:
rosa do capital sobre e contra o trabalho. Tal
Não é admissível a prioridade da ideolo-
mentira com ares de verdade, explica para
gia sobre o que ela expressa. Que haja es-
dentro da nação, o mesmo processo que vi-
cravos é condition sine qua non para que se
sualizamos para fora, sobre América Latina. produza uma ideologia escravista no sen-
Para dentro, há um Brasil que desconhece o tido estrito do termo; que haja empobreci-
Brasil. O que permite reforçar que o territó- mento extremo na base da população é
rio brasileiro de onde emana o subimperia- uma das condições para que se produza
lismo sobre a região, também é conformado uma ideologia religiosa baseada na cari-
por uma complexa situação de desigualdade dade; um fenômeno como a “ideologia
na composição orgânica do capital e de des- cristã” não pré-existia ao fato histórico ma-
conhecimento mútuo entre os sujeitos das terial de Cristo; em suma para que se pro-
duza uma ideia de algo, antes tem que
cinco regiões que compõem o país.
existir esse algo. No entanto, não se trata
Creio que tampouco a língua seria um divi- de mera prioridade temporal sobre a qual
sor de águas na consolidação do ser-sentir- poderíamos nos perder em infinitas espe-
culações do tipo “o ovo ou a galinha”; se
se latino-americano no Brasil, uma vez que o
trata de uma prioridade lógica –muito fácil
latim, raiz do português e do espanhol, se
de explicar, se fosse uma determinação
conformado para a unidade da classe traba- causal, dizendo que logicamente a causa
lhadora, poderia resultar em outros proces- procede o efeito- mas que é mais difícil de
sos de vinculação continental. Sem dúvida é explicar por tratar-se de uma determina-
um tema a tomar-se em conta, mas não sei ção dialética. Frequentemente marxistas e
na prioridade dada por Carcanholo nas pá- não marxistas confundem prioridades
ginas iniciais de seu texto. O idioma integra temporais com prioridades lógicas, e vice-
a forma-conteúdo da ideologia em seus apa- versa.
relhos dominantes como reprodutora de
d) Povo x classe:
verdades-mentirosas e ocultadora de experi-
ências reais no continente. Ainda acerca da formação de uma identi-
dade desassociada do ser-sentir-se latino-
Em realidade, América Latina é desconhe-
americano na constituição do povo brasi-
cida desde as lutas dos trabalhadores-povos
leiro, na perspectiva de Carcanholo, dadas
originários e reconhecida desde as células
as características particulares de sua coloni-
burguesas de reprodução ideológica pelos
zação, consolidou-se uma matriz social cara-
brasileiros. Os meios de comunicação e a
terizada pela miscigenação, especificidade
educação formal criaram uma ideia de Amé-
que não se visualiza em todo o continente.
rica Latina em conformidade com o poder e
Nas palavras de Carcanholo (2013, nota de
a reprodução do mesmo pelo capital, refor-
rodapé n. 5):
çando a falsa ideia de nação tão combatida
por Marx e Engels em sua práxis revolucio- [...] a constituição contraditória do povo
nária. brasileiro com base nos índios originários,
negros escravizados (nem todos os países
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Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.29-43, jul./dez. 2014
Roberta TRASPADINI

da região tiveram esta importante pre- isto não é a substância geradora de um pos-
sença), português colonizador, imigrantes sível não ser-sentir-se latino-americano. A
tardios, torna seu povo, com todos os des- composição do povo ao ser expressa pelas
dobramentos disto, em algo muito especí- classes relata a complexidade da atual situa-
fico na região, se comparado com outros
ção capital-trabalho no continente, cuja his-
países.
tória de alienação e fetiche se fizeram pre-
Marx (2003, p. 300-301) ao falar sobre o mé- sentes na constituição da suposta “verdade”
todo da economia política em seu livro Con- dominante.
tribuição à critica da economia política afirma:
O povo brasileiro, generalidade que não ex-
[...] quando consideramos um país dado plica a concreta relação da luta de classes, é
desde o ponto de vista econômico-político constituído, no universo da relação capital-
começamos por sua população, a divisão trabalho, por classes que manifestam a coo-
desta em classes, a cidade, o campo, o mar, peração antagônica. Portanto, parte da
os diferentes ramos de produção, a expor- classe trabalhadora ainda quando tenha
tação, a importação, a produção e o con- consciência em si relativa à alienação e ao fe-
sumo anuais, os preços das mercadorias,
tiche, não avança rumo à consciência para si,
etc. Parece justo começar pelo real e o con-
estágio de organização coletiva com o in-
creto, pelo suposto efetivo. Assim, por
exemplo, na economia começar pela popu- tuito de superação. Isso explicita alguns pro-
lação que é a base e o sujeito o ato social da blemas que este tema anuncia no debate la-
produção em seu conjunto. No entanto, tino-americano no século XXI:
isto se revela falso, se examinado com
a. A classe trabalhadora intensamente pre-
maior atenção. A população é uma abstra-
ção se deixo de lado, por exemplo, as clas- carizada e superexplorada está majoritaria-
ses que a compõe. Estas classes são, por mente fora das células políticas de organiza-
sua vez, uma palavra vazia se desconheço ção anticapitalista; anti-imperialista, mas in-
os elementos sobre os quais repousam, por serida nas células de produção material e
exemplo, o trabalho assalariado, o capital, ideológica instituídas pelo capital de forma
etc. [...] O concreto é concreto porque é a intencional;
síntese e múltiplas determinações, por- b. Parte dessa classe trabalhadora é com-
tanto, unidade do diverso. Aparece no posta por sujeitos que estão vinculados a cé-
pensamento como processo de síntese,
lulas organizativas de classe (partidos polí-
como resultado, não como ponto de par-
ticos, sindicatos, movimentos sociais), em
tida, ainda que seja o efetivo ponto de par-
que parte destas células se vincula à prima-
tida e, em consequência, o ponto de par-
tida também da intuição e da representa- zia das reformas, relegando a segundo plano
ção. a luta anti-capitalista, anti-imperialista.
c. Outra parte da classe trabalhadora se vin-
O criterioso caminho defendido por Marx cula ao debate da reforma e da revolução e
como método de análise que parte do real, reivindica um projeto societário de disputa
independente das vontades individuais, re- de poder centrado na luta anti-capitalista,
flete sobre ele e volta a ele para transformá- anti-imperiaslista, em que o exemplo da Via
lo-/superá-lo, explicita que ainda quando a Campesina e da Coordenadora Latinoame-
composição do povo brasileiro seja diversa, ricana de Organizações do Campo (CLOC),
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Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p. 29-43, jul./dez. 2014.
Dependência e luta de classes na América Latina

são algumas das expressões desse tipo de como composição das demais mercadorias
luta e formação política. produzidas no território para concentrar e
centralizar a riqueza em poucas mãos no
Entre estes três exemplos podem ser encon- mundo; o trabalho vinculado à terra como
tradas perspectivas mais ou menos centra- substância explicativa do caráter sui generis
das no ser-sentir-se latino-americanista e in- da superexploração.
ternacionalistas. Tal situação depende tanto
A história da batalha das ideias na América
da conjuntura da luta de classes em cada
Latina; a história da formação social latino-
país, quanto do teor da formação política
americana; a atualidade de um contexto que
manifesta nas células da classe trabalhadora.
encarna o passado ressignificado em um
Nesse sentido, reivindicar o ser-sentir-se la-
presente complexo e confuso, com necessi-
tino-americano, passa por levantar alguns
dade de um futuro diferente a ser protago-
questionamentos a serem tratados em textos
nizado politicamente pela própria classe tra-
futuros tais como: Qual a natureza da luta de
balhadora latino-americana, eis alguns dos
classes no território? Qual a trajetória histó-
problemas que somente podem ser enfrenta-
rica dos movimentos sociais e políticos que
dos se a postura e o projeto forem coletivos.
compõem os processos-projetos da classe
É sobre estes desafios concretos que os cole-
trabalhadora? Quais os princípios e valores
tivos dos quais Marcelo Carcanholo e eu fa-
com os quais cada movimento trabalha e efe-
zemos parte, relativos à atualidade da Teoria
tua sua práxis militante?
Marxista da Dependência nos dedicamos a
Breves considerações finais estudar, dialogar, repensar o pensado à luz
do nosso tempo na América Latina.
Os dois textos abrem a possibilidade de uma
série de debates em torno da práxis reacio- Referências
nária e sua antítese a práxis emancipatória.
CARCANHOLO, M. Desafios e perspecti-
O que ambos convocam para debater é a
vas para América Latina no século XXI. Ar-
centralidade da discussão teórica que enrai-
gumentum, Vitória, v. 6, n.2, 2014.
zada na prática política possibilitem captar o
movimento real a fim de transformar a rea-
CARCANHOLO, R. Sobre o conceito de
lidade latino-americana. Ao reivindicarem
mais valia extra em Marx. ENCONTRO
as práxis envolvidas nas disputas de classes,
NACIONAL DE ECONOMIA POLÍ-
os textos convocam para novos debates e in-
TICA,5.2000, Fortaleza. Anais... Disponível
vestigações coletivas de forte envergadura.
em: <http://carcanholo.com.br/?p=43>.
Entre as várias questões a serem aprofunda-
das, merece destaque a centralidade da CEPAL. Anuário Estatístico de América
questão agrária no debate histórico da de- Latina y el Caribe 2013. Santiago de Chile:
pendência da América Latina, uma vez que Naciones Unidas, 2013.
terra e trabalho seguem como mecanismos
vitais de extração de valor e riqueza do con- CEPAL. La Inversión Extranjera Directa
tinente na forma de precarização, avilta-
mento e esgotamento do trabalho. A terra
42
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.29-43, jul./dez. 2014
Roberta TRASPADINI

em América Latina y el Caribe 2013. San- MARX, K. Contribuición a la crítica de la


tiago de Chile: Naciones Unidas, jun. 2014. economia política. México: siglo XXI edito-
res, 2003, 7ª. edição.
CEPAL. Recursos Naturales situaciones y
tendências para uma agenda de desarrollo MARX, K. O capital, crítica da economia
regional em América Latina y el Caribe política: Livro III: o processo global de pro-
2013. Santiago de Chile: Naciones Unidas, dução capitalista, Vol. IV. Rio de Janeiro:
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HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalis- OLIVEIRA, A. U. Modo capitalista de pro-


mos desde 1780. SP: Paz e Terra, 1990. dução, agricultura e reforma agrária. São
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obra. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular,
2011.

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Roberta; STÉDILE, João Pedro (Org.). Ruy
Mauro Marini: vida e obra. 2. ed. São
Paulo: Expressão Popular, 2011.

43
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p. 29-43, jul./dez. 2014.

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