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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

GRADUAÇÃO EM DEFESA E GESTÃO ESTRATÉGICA INTERNACIONAL


INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

COMO A TECNOLOGIA VEM TRANSFORMANDO AS AQUISIÇÕES MILITARES,


A GUERRA MODERNA E AS QUESTÕES DE SEGURANÇA1

Kathleen Vieira

Somado a mudanças sociais e econômicas, o advento da alta tecnologia gerou impacto


em todos os setores da sociedade, incluindo o militar (BANERJEE, 2012). Se a internet e os
aparelhos celulares já foram capazes de transformar completamente as atividades cotidianas e o
modo de as pessoas se relacionarem, imagina tamanho efeito nas atividades militares. Nos EUA,
por exemplo, o debate sobre armas autônomas e sistemas de gerenciamento de conflitos, algumas
das principais tecnologias almejadas pelos grandes players do setor de defesa, já vêm
transformando a maneira de se fazer a guerra desde os anos 1980. A automatização das diversas
atividades militares vem promovendo a redução e/ou substituição de recursos dispendidos em
conflitos, inclusive transferindo diversas fases do processo decisório – se não todo ele – às novas
máquinas (DE LANDA, 1991). Para Banerjee (2012), ao exigir reordenamentos de longo alcance
entre as várias nuances da guerra, os fatores tecnológicos transformam os conceitos e as práticas
de planejamento e execução de operações militares. Eis nova forma de se pensar a guerra.
Diz-se, pois, de uma revolução dos assuntos militares (RAM) ou revolução técnico-
militar para afirmar que a maneira de se combater está mudando. A terminologia teve origem no
século XVII, que vivenciou profunda “revolução militar” após a eclosão da revolução científico-
tecnológica na Europa; também foi trabalhada fortemente pelos teóricos soviéticos nos anos
1980, ao identificar um novo padrão tecnológico-militar centrado no setor aeroespacial e na
informação. Cabe distinguir RAM de “revolução militar”: essa é incontrolável, imprevisível e
inesperada, capaz de transformar a estrutura da guerra por meio de mudanças drásticas tanto na
sociedade quanto na organização militar – como o fez a Revolução Francesa, por exemplo. Já
aquela, consiste em um fenômeno menor e mais restrito, que exige combinação complexa de
inovações táticas, organizacionais, doutrinárias e tecnológicas para transformar o conceito da
guerra (STEPHENSON, 2010; COHEN, 1996).
A Segunda Guerra Mundial foi um dos grandes marcos nos assuntos militares. Os países
envolvidos investiram massivamente no setor bélico, como não o fizeram em nenhum outro
período da história – os EUA, por exemplo, dispenderam 40% de seu PIB em defesa durante o
conflito (SORENSON, 2009) –, o que resultou no desenvolvimento e uso de diversas tecnologias
de impacto como radares, micro-ondas, DDT, produção massiva de antibióticos, materiais
sintéticos, aparelhos de comunicação, aviões a jato, computadores, energia nuclear, dentre outros,
que transbordaram em processo de spillover à sociedade civil. Tantas foram as inovações no pós-
guerra que ficou evidente o novo grande ordenador de Poder nos desdobramentos político,
econômico e militar: a capacidade científica e tecnológica dos Estados, em sobreposição aos
demais fatores de produção (LONGO, 2008).
Época que se seguiu, a Guerra Fria favoreceu o investimento governamental em ciência
e tecnologia de ponta, particularmente “depois que o desafio do programa espacial soviético
tornou-se uma ameaça à segurança nacional dos EUA” (CASTELLS, 2003 apud RODRIGUES

1
Ensaio solicitado pela Prof.ª Leticia Casotti, da disciplina de Planejamento Estratégico e Análise de Cenários
(2017.1) / Instituto COPPEAD de Administração, como parte de avaliação.

1
& COSTA, 2016, p.643). Investimentos no setor aeroespacial, microeletrônica e em tecnologias
digitais de informação e comunicação geraram inovações tais como as câmeras digitais, o global
positioning system (GPS), satélites, foguetes, internet, etc., que moveram o mundo a partir de
então, particularmente a partir dos anos 1970. Inaugura-se nova era, informacional e globalizada.
Com o fim da Guerra Fria e sem a ameaça soviética, as aquisições militares foram
drasticamente reduzidas. Contudo, ao final dos anos 1990 e principalmente no pós-11 de
Setembro, elas voltaram a subir – ainda que não na mesma proporção. Fernandes (2007) observa
que o que voltou a subir a não foi tanto a quantidades de aquisições realizadas, mas o valor
monetário dispendido com elas. Com alta tecnologia agregada, os equipamentos militares
tornaram-se muito mais custosos de se produzir e, portanto, de se adquirir, o que vem
demandando alto investimento dos governos na aquisição de capacidade dissuasória.
Ademais, vale lembrar que o spin-off das inovações militares para o meio civil que
dominou o século passado, dada a mudança de paradigma, vem hoje dando lugar spin-in da
tecnologia civil no meio militar, com o desenvolvimento de tecnologias de uso dual (LESKE,
2015). Isso torna-se um desafio ao emprego militar em função da velocidade da mudança das
tecnologias civis, o que pode impactar na entrega de capacidade pelos governos a suas forças
armadas a tempo, dada a rápida obsolescência dos equipamentos.
Através de vigilância global, comunicação em redes, armamentos inteligentes, aviões
robôs, simulação em tempo real e rápido estacionamento de forças especiais, os exércitos hoje
são mais capazes de reduzir suas baixas, ampliar sua área de atuação e aperfeiçoar a observação
(BUZAN & HANSEN, 2012). Isso porque os novos equipamentos permitem a redução do
pessoal em campo e sua substituição por recursos automatizados. Novo escopo gerado é a guerra
cibernética, tida como o quinto domínio da guerra, ou seja, aquela que ocorre no domínio global
de informações, incluindo a internet, rede de telecomunicações, sistema de computador, etc. De
fato, esse tipo de guerra é travado em anonimato e sem a presença física dos combatentes, com
ataques únicos e de efeito temporário, desprovida das barreiras físicas e geográficas e com
controle limitados (SILVA, 2014). Um ataque cibernético pode pôr em risco informações
estratégicas à segurança nacional e, inclusive, pode causar danos físicos às organizações-alvo.
As armas autônomas e a inteligência artificial, por sua vez, são capazes de “integrar
homem, ferramentas e armamentos como se eles não fossem mais que componentes de uma
máquina” (DE LANDA, 1991, p.4). É certo que há receios no que diz respeito à transferência da
responsabilidade decisória do homem para a máquina, entretanto, o número vem aumentando nas
forças armadas. Motivos para tal relacionam-se à redução da capacidade de recrutamento de
pessoal pelas forças, ao passo que sua demanda continua a aumentar. De acordo com Krishnan
(2009), as baixas são difíceis de justificar e, por isso, busca-se distanciar a força humana dos
locais de conflito. Ademais, os robôs podem reduzir os custos das instituições militares (custam
menos de 10% do custo monetário de um soldado), seja ao demandar menos espaço e recursos
ou por estarem atrelados à descartabilidade.
Contudo, se a intenção era tornar o conflito menos cruel, ela foi falha. A questão das
armas autônomas vem provocando conflito ético-moral na sociedade e precisamente no meio
militar. Na guerra convencional, é moralmente permitido ao combatente matar, desde que ele
também esteja disposto a morrer no campo de batalha; e matar somente outro combatente que
esteja em paridade de capacidade. É o que se entende pela honra no combate. Após a adoção dos
drones armados, por exemplo, a situação torna-se complexa: primeiro, pelo distanciamento do
local do conflito; segundo, pela assimetria de poder e capacidade entre os lados envolvidos. Dessa
forma, matar alguém através da lente de uma máquina, em outro continente, deixando-o sem
chance de resposta, deslegitima qualquer ação heroica do combatente. Isso pode evidenciar
mudanças na doutrina militar, uma transformação dos valores do combatente.
Com a transformação da guerra, transformam-se também as ameaças. As novas
tecnologias promoveram a globalização das relações sociais, integração dos mercados e maior

2
contato entre os entes políticos do sistema internacional. Com isso, ameaças antes exclusivas de
determinadas regiões adquiriram grande importância a diversas nações, uma vez que também
pode lhes afetar. Novos temas foram incluídos na agenda internacional de segurança: terrorismo,
cyber-terrorismo, pirataria, questões ambientais, movimento de refugiados. O conflito não mais
ocorre entre Estados, mas entre parte desiguais e pode extrapolar as fronteiras nacionais. A
tecnologia acentua a assimetria no conflito, uma vez que não está à disposição de todas as partes.
Isso, por sua vez, acaba por legitimar que a parte de menor poder atue à margem da lei, usando
de quaisquer meios necessários para igualar o conflito, como, por exemplo, ataques terroristas,
assassinatos, perfídia, boicotes, etc. (GROSS, 2014).
Dessa maneira, Buzan e Hansen (2012) afirmam que o mundo congrega hoje uma
sociedade de insegurança, formada a partir de discursos proferidos pelas autoridades nacionais.
Qualquer assunto pode ser relativizado e qualquer lei ser suspensa em prol da segurança nacional.
Todos são vigiados o tempo todo, a todo lugar; não há mais privacidade. Entretanto, o aumento
do acesso à informação por parte da sociedade civil, proporcionado pelo avanço da tecnologia e
pela conectividade das redes sociais, vêm promovendo questionamento da população em relação
a seus governos, para que justifiquem os investimentos públicos e prestem contas com a
sociedade. A Lei da Transparência, os movimentos hackers como o do Wikileaks e Anonimous,
figuras como Edward Snowden e diversos outros episódios recentes evidenciam que a sociedade
não está mais disposta à alienação e necessita da resposta de seus governantes.
Ao se pensar no futuro das guerras, considerando o que foi apresentado, a mudança faz-
se inevitável. A tecnologia faz-se cada vez mais presente e necessária à efetividade das operações
militares e suas estruturas organizacionais, bem como nos demais setores da sociedade. Drones
armados, veículos submarinos não tripulados, munição teleguiada, robôs inteligentes, etc., são o
futuro das forças armadas nacionais. Dificilmente, como levantou Cohen (1996), a organização
militar desaparecerá, entretanto, poderá dar lugar a sucessores muito diferentes, com um novo
tipo de estrutura, novas áreas de atuação, novo conceito ético-moral e enfrentará novos desafios.
Que a mudança ocorrerá é fato, basta aos países somente decidirem se querem lidera-la ou dela
serem vítimas. Como afirmou B. H. Liddell Hart, “The only thing harder than getting a new idea
into the military mind is getting an old one out” (CEBROWSKI & GARTSKA, 1998).

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BIBLIOGRAFIA

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Centre for Land Warfare Studies New Delhi. Manekshaw Paper, n. 34. KW Publishers: New Delhi,
2012.
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