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Erico Verissimo
Erico Verissimo
Memorial Erico Verissimo
Memorial Erico Verissimo
2013
Multimeio Editora
Ficha Técnica
Governo do Estado do Rio Grande do Sul Curadoria
Tarso Genro – Governador Waldemar Torres
Beto Grill – Vice-Governador
Luiz Antonio de Assis Brasil – Secretário da Cultura Coordenação de Conteúdo
Caleb de Oliveira – Secretário de Infraestrutura e Logística Marcia Ivana de Lima e Silva
Patrocínio
Apoio Financiamento
I
niciando nova década do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, o Grupo CEEE tem a honra de concretizar o ideal
de criação deste espaço. Abrigar acervos do escritor que empresta seu nome ao local é dar um passo importante
para a difusão de nosso patrimônio intelectual. É presentear as novas gerações com a possibilidade de conhecer
de perto a vida e a obra de um dos homens mais importantes do Rio Grande, que soube de forma brilhante retratar
em seus livros valores humanos e momentos significativos da nossa história.
Reconhecer um dos maiores escritores brasileiros, preservar sua memória e disponibilizar a todos os públicos
acesso aos documentos tão bem colecionados por Mario de Almeida Lima e Flávio Loureiro Chaves é contribuir para
o desenvolvimento sustentável do Estado. Além de gerar, transmitir e distribuir energia, o Grupo CEEE mais uma vez
reafirma seu compromisso com a cultura enquanto responsabilidade social.
O Centro Cultural CEEE Erico Verissimo abre suas portas, nesta primavera de 2013, como a Casa de Erico Verissimo,
na cidade escolhida pelo escritor para viver, trabalhar e construir sua identidade intelectual. É com orgulho que o
Grupo CEEE, em parceria com a Gerdau, apresenta o MEMORIAL ERICO VERISSIMO, tornando este espaço referência
para a literatura brasileira.
Registramos os nossos cumprimentos aos idealizadores desse trabalho e a todos os demais envolvidos, em especial
pela oportunidade de aquisição dos preciosos acervos de Erico Verissimo, em posse de Mario de Almeida Lima e de
Flávio Loureiro Chaves. Nosso entendimento é de que o Memorial será uma referência para o Brasil e para o registro
permanente de uma das mais importantes obras da literatura.
Erico Verissimo já dizia: “Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente”. Disseminar
o seu legado por meio deste Memorial, abrigado pelo Centro Cultural que leva o seu nome, é uma dessas certezas.
Nossa empresa, que também nasceu no Rio Grande do Sul há mais de um século, homenageia Erico Verissimo, seu
filho Luis Fernando Verissimo e Família.
Os acervos encontraram o seu melhor abrigo. Todos terão no Memorial Erico Verissimo um espaço inspirador para
novos conhecimentos sobre a vida e a obra deste importante escritor.
O
que faz com que um escritor vire memória? Sua obra? Suas ideias? Sua figura humana? Os relacionamentos
que estabeleceu em vida? Seus amigos? A crítica (des)favorável? Qual a importância de preservar a memória
de Erico Verissimo?
Memória é mais que história, é cultura, é um dos elementos que nos garantem humanidade. Erico Verissimo merece
um memorial porque muito mais que as obras que escreveu, possibilitou o diálogo autor-leitor que construiu o
universo de signos e representações com o qual seus leitores se identificam. Teve imaginação e gentileza para registrar
a história de seu povo; valorizou a coragem de homens e mulheres que com seu trabalho e sua cultura povoaram
um território agreste; destacou a universalidade gaúcha, honrando nossas origens humildes, mas livres; deu voz a
mulheres da estirpe de Ana Terra, Bibiana e Maria Valéria, mas também soube cantar a doçura de Olívia, capaz de com-
preender placidamente o homem amado, ou de nos encantar com a ingenuidade e a dor de Clarissa ao descobrir que
o mundo real não é o imaginado. Soube utilizar a palavra como instrumento de paz e liberdade, posicionando-se poli-
ticamente sem erguer bandeiras gastas, nem ser panfletário; deixou que suas personagens o conduzissem pela mão e
o levassem até seu público estabelecendo diálogo de confiança e crítica tanto no que foi escrito, quanto no que é lido.
Como se permitir esquecer ou (o que é pior) não conhecer a obra deste homem que está na lembrança dos que com
ele conviveram, nas linhas que desenhou, nos textos que escreveu?
Pensamos cultura como o conjunto de conhecimentos construídos por gerações que expressa sentido de pertenci-
mento, marcado pelas formas de viver e compreender o mundo, por suas representações e valores. Deste modo, es-
tamos falando também em identidade. O sentido de identidade reside na compreensão da memória como fenômeno
histórico, coletivo e social. Memória não é apenas passado, mas sentimento de continuidade e de percepção de si
mesmo e, sobretudo, do coletivo do qual se é parte.
Com esta condição, o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo cumpre sua missão original de preservar a memória do escritor,
criando o Memorial Erico Verissimo. Sua vida e sua obra tornaram-se herança com a qual nos identificamos e estabelecemos,
em via de mão dupla, relação de pertencimento: em alguns momentos somos parte de sua obra e experiência, em outros elas
nos pertencem como patrimônio. De fato, enquanto coletividade, a memória nos permite tomar consciência do presente e, ain-
da, projetar perspectivas futuras a partir de elos individuais e coletivos que dão sentido a acontecimentos e experiências atuais.
Criar este espaço é atender ao anseio social de guardar e difundir a memória do Contador de Histórias que nos
deixou, como legado, histórias. Histórias que ele mesmo criou, histórias de outros autores, histórias que ele traduziu,
histórias que ele vivenciou em suas andanças pelo mundo, histórias que são sua própria história e também nossa.
Os acervos de Mario de Almeida Lima e Flávio Loureiro Chaves, amigos do escritor, deram origem ao Memorial
Erico Verissimo. Idealizado pelo Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, foi concretizado pela Backstage por meio de
projeto apresentado ao Pró-cultura RS, aprovado por unanimidade pelo Conselho Estadual de Cultura. A parceria e o
financiamento do Grupo CEEE e da Gerdau tornaram possível sua realização que se caracteriza pela aquisição, zelo e
guarda, exposição e acessibilidade a originais de livros, anotações, desenhos, projetos, primeiras edições, fotografias,
fortuna crítica, entre outros.
Com o Memorial, o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo torna-se referência em formação, preservação e difusão do
acervo bibliográfico e documental da vida e da obra do escritor. Para isso, oferece dois ambientes situados no terceiro
e sexto andares, ambos para visitação pública. O terceiro andar apresenta exposição de caráter didático e interativo
para um primeiro encontro ou reencontro com Erico. No sexto andar, na Biblioteca O Continente, são exibidos os
documentos originais, as primeiras edições e toda a obra do autor num espaço confortável propício aos que querem
dedicar algum tempo a uma leitura mais atenta ou ao trabalho de pesquisa, consulta a livros e documentos. O acervo
ainda recebeu tratamento digital para que possa ser acessado virtualmente.
Em 1966, em entrevista a Revista Realidade, Erico declarou que não lhe agradava a ideia de um escritor ser tratado
como assunto e não como pessoa. Horrorizava-lhe a possibilidade de ser transformado em medalhão, ser estátua,
nome de praça ou rua, afirmou não ter apreço por títulos ou condecorações, mas que lhe entristecia a solidão e o
anonimato. “O que desejo, isso sim, são leitores, e amigos, amigos e mais amigos[…].”
O Memorial Erico Verissimo é uma homenagem a este querido contador de histórias interessado nas pessoas e nos
problemas humanos que, a partir de sua experiência e legado nos proporciona, mesmo após mais de 30 anos de
ausência, atualidade no seu olhar sobre a vida e sobre o homem.
Este espaço tem o objetivo de ser um ponto de encontro para os leitores e amigos de Erico Verissimo; para que seu
solo de clarineta componha com outros instrumentos e vozes muitas sinfonias.
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Parecer do Conselho
Estadual de Cultura do RS
O
Projeto Cultural “Memorial Erico Verissimo” foi apresentado à Secretaria da Cultura do Estado do Rio
Grande do Sul e ao Conselho Estadual de Cultura, para captação de recursos através da Lei de Incentivo
Estadual, a LIC – Pró-Cultura. A aprovação por ambos os órgãos e o acolhimento, por unanimidade pelo
Conselho Estadual de Cultura, demonstra a relevância e o reconhecimento da construção do Memorial e da preserva-
ção dos documentos de Erico Verissimo. A importância do trabalho do Conselho Estadual de Cultura, para viabilizar
o Memorial Erico Verissimo, pode ser vista através do parecer reproduzido parcialmente a seguir:
[...]
É oportuno destacar, quando analisamos a viabilidade deste projeto, o quanto um Memorial da natureza do que
está sendo idealizado, se existisse, por exemplo, para destacar a vida e obra de Simões Lopes Neto, teria auxiliado e
motivado Erico em sua tarefa gigantesca de pesquisador da nossa História, das nossas lendas, dos nossos costumes.
Mas não só na obra, como na vida, é necessário recordar a fidelidade do escritor gaúcho com o Rio Grande do
Sul, especialmente com Porto Alegre. Numa época de comunicações restritas, em que o Rio de Janeiro atraía os
candidatos a escritores como mariposas em busca da luz, Erico Verissimo lançou âncora em sua própria terra e daqui
iluminou milhões de leitores do Brasil e do mundo. A casa de Erico e Mafalda, no alto Petrópolis, comprada com as
economias dos primeiros direitos autorais, continua sendo a casa de Luis Fernando Verissimo, da sua nora Lúcia e
de seus netos, mantendo a tradição da família de viajar pelo mundo, mas, como transportada por um bumerangue
afetivo, sempre voltar para junto de nós, sempre retornar à querência.
[...]
Vivemos, ao analisar este projeto, um momento semelhante em relação à aquisição, reabilitação, e exposição públi-
ca na capital do Rio Grande do Sul deste acervo de Erico Verissimo, que já poderia, por seu imenso valor, estar
exposto em outras terras que não a sua terra natal. Destino já acontecido, infelizmente, com outro acervo
maravilhoso do autor.
Para tanto, além do mérito cultural deste projeto, somam-se para sua aceitação integral a formatação adequada e
culta, a capacitação de seus proponentes e, principalmente, a vocação do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo em
transformar-se, em plena Rua da Praia, não apenas em um centro de cultura, mas, principalmente, em um verdadeiro
Memorial do nosso mais famoso escritor.
[...]
Porto Alegre, 20 de junho de 2012
Alcy Cheuiche
Conselheiro Relator
Presentes: 23 Conselheiros.
Acompanharam o Relator os Conselheiros: Graziela de Castro Saraiva, Ana Méri Zavadil Machado, Isaac Newton Castiel
Menda, Adriana Donato dos Reis, Paula Simon Ribeiro, Adriano José Eli, Franklin Cunha, Gilberto Herschdorfer,
Hamilton Braga, Nelson Coelho de Castro, Beatriz Pilla Barcellos, Nicéa Irigaray Brasil, Roque Jacoby, Loma Berenice
Gomes Pereira, José Mariano Bersch, Nilza Cristina Taborda de Jesus Colombo, Manoelito Carlos Savaris, Neidmar
Roger Charao Alves, Susana Frohlich, Gisele Pereira Meyer e Walter Galvani da Silveira.
Declaram-se impedido: Maturino Salvador Santos da Luz.
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Os Caminhos Cruzados
de Erico Verissimo
O
CENTRO CULTURAL CEEE ERICO VERISSIMO cumpre missão privilegiada ao abrigar definitivamente em seu
patrimônio os manuscritos, originais, primeiras edições, cartas e grande parte da fortuna crítica do autor de
O Tempo e o Vento e Solo de Clarineta. Este precioso legado está constituído principalmente pelos acervos
de Mario de Almeida Lima e Flávio Loureiro Chaves. Sem que soubéssemos um do outro nos respectivos itinerários
intelectuais, Mario e eu cruzamos algumas décadas guardando, coligindo, pesquisando, enfim preservando os
materiais de Erico Verissimo. Duas cousas tínhamos em comum: a generosa amizade que ele nos proporcionou,
legítimo prêmio da existência; e a certeza de que esta convivência nos aproximava de um grande escritor dentre os
maiores do nosso tempo.
A entidade que ora passa a se responsabilizar pela conservação dos acervos assumiu ao mesmo tempo a tarefa de
promover a publicização dos mesmos. Quer dizer: está ao alcance dos pesquisadores, estudiosos e do público em
geral o acesso a documentos e fontes bibliográficas que muitas vezes permanecem encarcerados e sacralizados na
condição de bens acessíveis apenas aos iniciados. Tenho certeza de que o próprio Erico saudaria com alegria e até
entusiasmo este aspecto amplamente humanista e humanizador, garantido pelo Centro CEEE Erico Verissimo e por
todos aqueles que estiveram de alguma maneira envolvidos no empreendimento.
Permito-me oferecer alguns exemplos (sem qualquer ordem prioritária) da riqueza deste material que se abre ao
conhecimento público. A folha em que o romancista traçou de próprio punho a planta da cidade de Antares e o
mapa onde desenhou a geografia imaginária em que transcorre a ação de O Senhor Embaixador. A carta enviada dos
Estados Unidos expressando sua revolta contra a ditadura militar que atormentou o Brasil ulterior a 1964 e aquela
outra missiva (datada de Paris, 1971) incluindo uma caricatura de Roland Barthes a quem acabara de ser apresentado
na Sorbonne. A edição primeira do livro inaugural, Fantoches (1932), cujas margens foram inteiramente cobertas de
anotações e caricaturas na releitura feita quarenta anos depois, em 1972; e, ao lado do primeiro, os originais do
último livro, aliás inconcluso, as memórias de Solo de Clarineta. Enfim, o inventário das preciosidades ainda poderia
ser muito e muito ampliado em concorrência ao Umberto Eco de A Vertigem das Listas. O que aí fica já propõe ao
leitor aventureiro (ou venturoso) uma viagem ao labirinto da escrita, os caminhos cruzados de um exímio narrador.
Quando se comemorou o centenário de Erico Verissimo, em 17 de dezembro de 2005, O Tempo e o Vento já contava
cinqüenta anos da primeira edição em 1949. Neste meio século uma quantidade impressionante de artigos, ensaios e
teses universitárias deu ao escritor uma fortuna crítica que pode ser equiparada apenas aos acervos de Machado de
No caso de Erico Verissimo, os últimos anos proporcionaram efetivamente um refinamento da crítica à sua obra
que, até a década de 1970, era provincianamente laudatória ou maliciosamente depreciativa, resguardadas as
raras exceções. Tornou-se possível ver com clareza os vários caminhos que se abriram num conjunto de mais de
quarenta livros. A novela urbana (releia-se O Resto é Silêncio ou Olhai os Lírios do Campo) transformou o cenário
de Porto Alegre em verdadeiro território da ficção. O romance histórico cristalizou-se numa obra canônica da
modernidade: O Tempo e o Vento. As narrativas infantis, seja O Urso com Música na Barriga ou Aventuras do avião
vermelho, vem sendo relidas, assim como os livros de viagem continuam a ser traduzidos em vários idiomas. Enfim,
os romances mais acentuadamente políticos, como O Prisioneiro, desenham uma alegoria do mundo invadido pelas
tiranias totalitárias.
Existe entretanto uma unidade, fazendo a solda dessas múltiplas perspectivas que atribuem uma diversidade
verdadeiramente impressionante ao legado intelectual de Erico Verissimo. Em primeiro lugar é preciso ver que ele
possuía um projeto pelo qual se orientava. Num prefácio a Caminhos Cruzados afirmou tratar-se do “corte trans-
versal duma sociedade”. Sua literatura estabeleceu um compromisso com a História no período que vai de 1930
até 1975, ano da morte do escritor. Isso explica a crítica social predominante nos primeiros romances. Explica
sobretudo a abrangência de O Tempo e o Vento, onde o narrador observa os primórdios da sociedade brasileira no
extremo meridional do país, representando-a na família Terra/Cambará e na cidade de Santa Fé, para finalmente refluir
no século 20, quando o legado dos fundadores degrada-se já em vilania e corrupção. É o que se lê nos últimos
volumes de O Arquipélago como espelho da nossa formação política e, mais tarde, na fábula macabra do Incidente
em Antares, quando os mortos voltam à cidade para julgar os vivos, aqueles que estão moralmente mortos. Aqui
a literatura é pois uma literatura realista. E esta não se esgota na simples representação da realidade que lhe deu
origem. Sua missão precípua é subvertê-la nas imagens da ficção.
As personagens de Erico Verissimo por vezes expressam forças destrutivas, caso dos guerreiros como o Capitão Rodrigo
e o velho Licurgo Cambará sempre engolfados nos combates que fazem do Continente uma fronteira de sangue.
Entretanto, no outro extremo, estão as mulheres - Ana Terra, Bibiana, Maria Valéria (ou Fernanda e Olívia, se voltarmos
aos romances iniciais). Nelas reside uma força vertical, traduzida como resistência, perseverança, coragem moral. Entre
os dois pólos o narrador não vacila ao transformar a História num embate entre as forças decisivas da existência: “elas
eram o chão firme que os heróis pisavam”. O Tempo e o Vento não pode ser uma epopéia; é, pelo contrário, a visão
humanista de Erico Verissimo. Na tensa dialética entre a História e a Literatura, as personagens imaginárias assinalam
o triunfo da ficção. De Clarissa à última página de O Arquipélago, esta concepção não admitiu fissuras.
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Erico Verissimo ofereceu, assim, o modelo do romance histórico à literatura brasileira moderna, cumprindo um
projeto que, embora não se restrinja a O Tempo e o Vento, vai encontrar aí sua expressão paradigmática.
Devemos recordar, ainda uma vez, o ano de 1949 em que surgiu o primeiro volume dessa obra cujas duas mil páginas
só se completariam em 1962. Pode-se tomar essas datas como parâmetros de um quadro mais amplo. A ficção lati-
no-americana atingia um momento áureo, levando o crítico Otto Maria Carpeaux a declarar que nela residia então “a
consciência do mundo”. Ainda em 1949, o escritor cubano Alejo Carpentier publica O reino deste mundo, resgatando
os mitos do Caribe. Um pouco antes surgira O Senhor Presidente de Miguel Angel Astúrias. Sucedem-se: no México, O
planalto em chamas (1953) de Juan Rulfo e A morte de Artemio Cruz (1962) de Carlos Fuentes; no Peru, A casa verde
(1966) de Vargas Llosa; na Colômbia, Cem anos de solidão de Gabriel García Márquez. Em 1960, o paraguaio Augusto
Roa Bastos apresentara Filho de homem. A lista pode ser ampliada, mas bastam estas menções para concluir que,
em qualquer dos casos, o cruzamento entre a crônica histórica e a representação imaginária constitui um foco
decisivo da literatura contemporânea. Erico Verissimo e sua obra estão inseridos nesta nobre linhagem na qual os
grandes romancistas buscaram a decifração da História, a história do homem.
O acervo do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo que ora se abre ao público é uma base sólida para ampliar a
investigação desta obra literária desafiadora na multiplicidade dos seus caminhos e decisiva na aquisição da
identidade cultural brasileira no cenário da universalidade.
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Cronologia
26
no mundo na vida de Erico
1930 1929
Revolução de 30 e ascensão de Getúlio Vargas; O mensário “Cruz Alta em Revista” publica
Estado Novo. Chico: um conto de Natal. O conto Ladrão de
gado é publicado na “Revista do Globo”, em Por-
1932 to Alegre. Erico remete a De Souza Júnior, dire-
Revolução Constitucionalista em São Paulo. tor do suplemento literário do Correio do Povo,
o conto A lâmpada mágica, que, publicado, dá
ao autor notoriedade no meio literário local.
1933
Ascensão de António de Oliveira Salazar em Por-
tugal, dando início a um regime autoritário de 1930
direita, conhecido como salazarismo. Com a falência da farmácia, Erico muda-se para
Porto Alegre disposto a viver de seus escritos.
Passa a conviver com escritores já renomados,
1934
como Mario Quintana, Augusto Meyer, Guilher-
Primeira Constituição social do Brasil.
mino Cesar e outros. No final do ano é contrata-
do para ocupar o cargo de secretário de redação
1935 da Revista do Globo.
Intentona Comunista.
1931
1936 Casa-se, em Cruz Alta, com Mafalda Halfen Volpe.
Início da Guerra Civil Espanhola.
1931
1937 A Seção Editora da Livraria do Globo lança a
Golpe do Estado Novo.
primeira tradução de Erico, O sineiro, de Edgar
Wallace. No mesmo ano, traduz desse escritor
1939 O círculo vermelho e A porta das sete chaves.
Fim da Guerra Civil Espanhola; início da Segunda
Guerra Mundial.
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no mundo na vida de Erico
1942 1935 a 1939
Brasil na Segunda Guerra Mundial. Erico publica histórias para crianças e jovens,
coincidindo com a infância de seus filhos.
1945
Literatura Infanto-Juvenil
Fim da Segunda Guerra Mundial; início da
Guerra Fria; cai Getúlio Vargas.
A Vida de Joana D’Arc – 1935
As Aventuras do Avião Vermelho – 1936
1946 Os Três Porquinhos Pobres – 1936
Nova Constituição; Gaspar Dutra presidente. Rosa Maria no Castelo Encantado – 1936
Meu ABC – 1936
1949 As Aventuras de Tibicuera – 1937
Fim da Guerra Civil Chinesa, fundação da O Urso com Música na Barriga – 1938
República Popular da China, dando início à A Vida do Elefante Basílio – 1939
ditadura comunista. Outra Vez os Três Porquinhos – 1939
Viagem à Aurora do Mundo – 1939
1950 Aventuras no Mundo da Higiene – 1939
Recrudesce a Guerra Fria, devido à Guerra da
Coréia; Getúlio Vargas é eleito e volta ao Palácio 1936
do Catete. Cria o programa de auditório para crianças,
Clube dos três porquinhos, na Rádio Farrou-
1952 pilha, a pedido de Arnaldo Balvé. Dessa idéia
Anúncio pela Comissão de Energia Atômica surge a Coleção Nanquinote, com os livros Os
dos EUA de que a Bomba H está pronta para Três Porquinhos Pobres, Rosa Maria no Castelo
ser usada. Encantado e Meu ABC. O DIP, Departamento de
Imprensa e Propaganda do Estado Novo, exige
1953 que o autor submeta previamente àquele ór-
Criação da PETROBRÁS. gão as histórias apresentadas no programa de
rádio por ele criado. Resistindo à censura prévia,
encerra o programa em 1937. Outra reação ao
30
no mundo na vida de Erico
1954 1944
Suicídio de Getúlio Vargas; Café Filho torna-se O Mills College, de Oakland, Califórnia, onde
presidente. dava aulas de Literatura e História do Brasil,
confere a Erico o título de doutor Honoris Causa.
1955
Eleição de Juscelino Kubitschek de Oliveira; 1945
Pacto de Varsóvia, unificando as nações do Erico faz conferências em diversos estados
bloco oriental; União Soviética confirma ter americanos. Retorna ao Brasil.
também a Bomba H.
1945
1956 É publicado nos Estados Unidos da América
Assume JK sob o signo do desenvolvimento e Brazilian Literature an Outline, baseado em
do Plano de Metas “50 anos em 5”. palestras e cursos ministrados durante a estada
de Erico na Califórnia. No Brasil, sai em 1995, com
1959 o título Breve História da Literatura Brasileira.
Fulgêncio Batista é deposto em Cuba, dando
início à ditadura comunista totalitária, liderada 1946
por Fidel Castro. Erico escreve A Volta do Gato Preto, mais reflexões
sobre sua passagem pelos EUA.
1960
Fundação de Brasília, transferindo-se a Capital 1947
brasileira do Rio de Janeiro. Inicia a escritura de O tempo e o vento. Previsto
para ter um só volume, acabou ultrapassando
1961 as 2.200 páginas, sob a forma de trilogia, con-
Jânio Quadros é eleito presidente, mas renuncia sumindo 15 anos de trabalho. É feita a primeira
com 7 meses de mandato; Campanha da Legali- adaptação para o cinema de uma obra de auto-
dade; Emenda Parlamentarista para possibilitar ria de Erico: Mirad los lírios del campo, produ-
a posse de João Goulart, vice-presidente; cons- ção argentina, dirigida por Ernesto Arancibia.
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no mundo na vida de Erico
trução do Muro de Berlim, na Alemanha; o russo 1959
Iuri Gagárin é o primeiro homem no espaço. Acompanhado de sua mulher e do filho Luis
Fernando, Erico faz sua primeira viagem à Eu-
1962 ropa. Expõe sua defesa à democracia em pales-
Transformação do Acre em estado do Brasil. tras proferidas em Portugal e entra em choque
com a ditadura salazarista. Passa uma tempo-
1963 rada na casa de sua filha, em Washington, EUA.
Assassinato de John Fitzgerald Kennedy, presi-
dente dos EUA, em Dallas, Texas. 1959
É publicado O Ataque, que reúne três contos:
1964 Sonata, Esquilos de outono e A ponte, além de
Golpe militar e queda de João Goulart; general um capítulo inédito de O Arquipélago.
Castelo Branco na presidência do Brasil e início
da Era dos Atos Institucionais. 1961
Erico sofre o primeiro infarto do miocárdio.
1965 Após dois meses de repouso absoluto, volta aos
Primeiras forças de combate, enviadas pelos Estados Unidos com sua esposa.
EUA ao Vietnam do Sul.
1961
1967 Sai o primeiro tomo de O Arquipélago, última
Nova Constituição e ascensão do general Costa parte da trilogia O tempo e o vento.
e Silva.
1962
1968 O casal Verissimo visita França, Itália e Grécia.
AI5, Co ngresso Nacional fechado e início do ar-
bítrio político; assassinato de Martin Luther King, 1962
em Memphis, nos EUA; Maio de 68 na França. O último tomo de O Arquipélago é publicado,
concluindo o projeto de O tempo e o vento.
O volume é considerado uma obra-prima.
1965 1968
Aproveitando sua experiência no mundo Erico é agraciado com o prêmio Intelectual do
diplomático, Erico escreve O Senhor Embaixador, ano, Troféu Juca Pato, em concurso promovido
que ganha o Prêmio Jabuti, categoria Romance, pela Folha de São Paulo e pela União Brasileira
da Câmara Brasileira de Livros. de Escritores.
1966 1969
A convite do governo de Israel, Erico visita aquele A casa onde Erico nasceu, em Cruz Alta, é trans-
país. Vai aos Estados Unidos, mais uma vez, formada em Museu Casa de Erico Verissimo.
visitar seus familiares.
1969
Encantado com a visita à Israel, Erico lança
Israel em Abril.
34
no mundo na vida de Erico
1969
General Emilio Médici na presidência; o 1971
norte-americano Neil Armstrong é o primeiro Erico publica Incidente em Antares, sem subme-
homem a pisar na Lua. ter os originais à censura prévia.
1970 1972
Década marcada pelos movimentos de inde- Escreve Um Certo Henrique Bertaso, biografia
pendência dos países africanos; Brasil vive sobre o fundador da Editora Globo.
“Milagre Econômico”.
1972
1973 Comemorando os 40 anos de lançamento de
Início da crise do petróleo no mundo; golpe mi- seu primeiro livro, relança Fantoches, no qual
litar no Chile depõe Salvador Allende, entra Au- Erico acrescenta notas e desenhos.
gusto Pinochet; fim da Guerra do Vietnam, com
derrota dos EUA. 1973
Amplia sua autobiografia, publicada em 1966
1974 pela editora Nova Aguilar, fazendo surgir suas
Revolução dos Cravos, fim do regime totalitário memórias, sob o título de Solo de Clarineta.
salazarista; sai general Médici e entra general
Ernesto Geisel na presidência do Brasil; renúncia 1975
de Richard Nixon da presidência dos EUA, em Erico morre subitamente no dia 28 de novembro,
função do escândalo de Watergate. deixando inacabada a segunda parte do segundo
volume de suas memórias, além de esboços
1975 de um romance que se chamaria A hora do
O diretor de jornalismo da TV Cultura, Vladimir sétimo anjo.
Herzog, detido oito dias antes, é assassinado
por enforcamento na sede do DOI-CODI, em São É lançado Solo de Clarineta 2, segundo volume
Paulo; Tentativa de golpe de estado em Portu- de Memórias, edição póstuma, organizada por
gal por parte da esquerda política; Timor-Leste Flávio Loureiro Chaves (Póstuma - 1976).
declara a independência.
1) Fantoches (1932-1972)
Trata-se do primeiro livro de EV publicado em 1932. Voltou a ser publicado apenas em 1972 numa edição comemo-
rativa aos 40 anos de carreira do escritor. Para esta última edição EV anotou e desenhou em marginália de próprio
punho as 212 páginas impressas em 1932. Foi utilizado um exemplar da primeira edição cujas folhas, enquadradas
uma a uma em moldura cartonada, constituíram o campo da marginália. Estas 212 páginas manuscritas constituem
o original autenticado e autografado por Erico Verissimo com a dedicatória a Flávio Loureiro Chaves.
6) Plano geral de Solo de Clarineta, discriminando os textos que não chegaram a ser redigidos.
É o projeto das memórias. Página datilografada com anotações manuscritas e desenhos de EV.
38
7) Rascunho (uma página) contendo o esboço inicial de uma definição política. Inédito de 1966
8) Desenho original de EV, autógrafo: mapa da ilha imaginária de El Sacramento, cenário do romance O Senhor Embaixador
Traçado em 1964, este mapa orientou o escritor durante todo o processo de redação do livro (editado em 1965).
9) Desenho original de EV, autógrafo: planta da cidade imaginária de Antares, cenário de Incidente em Antares (1971)
Assinala o momento da concepção deste romance, pois no verso encontra-se em manuscrito do autor o pri-
meiro elenco das personagens e a cronologia da narrativa. Documento autógrafo com dedicatória a Flávio
Loureiro Chaves.
10) Texto autógrafo de EV: apresentação do ensaio de Flávio Loureiro Chaves, Ficção Latino-Americana, 1972
11) Correspondência
Lote de 6 cartas e 1 postal enviados por EV a Flávio Loureiro Chaves durante viagem à França e USA em 1972. Destacam-se
a carta que relata a gênese do romance Incidente em Antares e outra na qual está desenhada a caricatura de Roland
Barthes que EV traçou após ter conhecido o filósofo em Paris.
12) Folha autógrafa com recomendações sobre o aproveitamento de alguns textos após seu falecimento
40
Acervo Mario de Almeida Lima
Os originais de O Retrato, dão uma ideia exata do trabalho de revisão estilística a que se dedicava Erico, sempre
obcecado em cortar demasias ou excessos na busca de mais clareza e simplicidade. Sempre fugindo da ênfase,
a que tinha horror.
Os originais de O Retrato, contrastados com o texto final publicado, valem de fato, como roteiro de uma pós-
graduação, podendo constituir o programa de uma oficina de literatura que se ....na Fundação que abrigará, num
futuro próximo, o acervo de Erico Verissimo, para ali ficar ao alcance dos estudiosos e pesquisadores.” Por Mario
de Almeida Lima.
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13) Original – Crônica do livro Galeria Fosca - 2 Folhas
Erico escreve 2 páginas sobre seu tio Raimundo – trecho original de crônica publicada junto a outras obras no livro
Galeria Fosca, editado pela Globo;
16) Original “Prefácio para ser composto em grifo, sem título” - 1 Folha
O próprio Erico intitulou: ”Prefácio para ser composto em grifo, sem título”. Uma folha datilografada com emendas
manuscritas e assinada por Erico. Consta do planejamento de 4 novelas: A 1ª descrita no comentário de Erico a
seguir, O Ataque (fragmento do Arquipélago), Esquilos de Outono (conto americano) e Sonata (uma fantasia poética
em torno do tempo). Ataque é um fragmento de O Arquipélago, terceiro volume da trilogia O Tempo e o Vento, que
só aparecerá em 1960. Trata-se de um episódio violento da Revolução de 1923, no Rio Grande do Sul: o assalto dum
destacamento revolucionário à cidade (imaginária) de Santa Fé.
22) Originais de O Continente – “Ana Terra”. Parte dos capítulos 18, 19, 20 e 21
Ataque dos castelhanos à família de Ana Terra e mudança para o novo povoado. São 10 folhas datilografadas com
muitas emendas manuscritas e desenho.
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31) Originais de O Continente – “Um Certo Capitão Rodrigo”
Parte do capítulo X, briga do Capitão Rodrigo com Bento. 1 folha datilografada com emendas manuscritas e desenho no verso.
47) Desenhos do gramofone, e dama com vestuário da época, comentários manuscritos para “O Tempo e o Vento” - 1 Página
48) Croquis desenhados por Erico para a capa do O Tempo e o Vento, com título imaginado anteriormente:
“A Jornada”.
Síntese do conteúdo: Agradecimento ao amigo Lima por uma carta enviada e outros assuntos.
51) Carta de Erico a seus amigos, em que o escritor conta a verdade sobre sua visita a Portugal, Barcelona –
27/março/1959 - Erico Verissimo para Mario de Almeida Lima
Carta original de Erico, datilografada com tinta azul em papel pautado, com rabiscos e correções feitas à mão e outra
carta datilografada copiando a original.
Nesta correspondência Erico explica que sua viagem a Portugal não foi “financiada” pelo governo daquele país, e
que lá está por sua própria conta, contrariando depoimento dado pela agência U.P.I., datada de 12 de março, de que
membros da oposição estariam tirando vantagens políticas através do escritor brasileiro.
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Sua visita não teve caráter oficial, pois ele não aceitaria nada de governos totalitários. Que esteve em contato com es-
critores de oposição; fez conferências em diversas cidades portuguesas, deixando bem claro seu descontentamento
com qualquer regime que ...”roube ao povo sua liberdade e dignidade”.
Diz que quem procurou explorar sua visita foram os governistas, e que conseguiu escapar de uma homenagem que
fariam a sua pessoa. Diz que os salazaristas estão contrariados com embaixador brasileiro, o escritor Alvaro Lins.
Acha que é importante colocar-se numa posição, pois num momento como este o silencio ou a reticência seria um
crime. Assinado: Erico Verissimo.
Comenta que terminou a fase de conferências que o levaram a diversas regiões dos EUA, onde numa dessas, jantou
com Wilson Martins –“com quem falei muito mal de ti” - e assim não pode deixar de enviar-lhe essas “mal traçadas
linhas “. Diz da alegria de estar em Alexandria com filhos e netos. Comenta da beleza da natureza daquela região da
Virginia, mas que seu lado humano é hediondo (pessoas racistas, sem gosto para vestir, tendência a serem gordas –
“bundas enormes” ), enfim desinteressantemente neutros..
Esta trabalhando em uns prefácios e numa autobiografia que Aguilar quer publicar na coleção de suas novelas e
romances, sob o título de “FICÇÃO COMPLETA”. Diz que tem caminhado e lido muito – “devorou” Herzog, do Bellow,
o qual comenta que é um trabalho bem feito, sério, mas obsessivo, cheio de “self-pity” (auto compaixão). Leu dois
bons Simenons, e um de L. Auchincloss “The Rector of Justin”, o qual recomenda muito. Leu também o “duríssimo,
volumosíssimo” The Act of Creation, de Arthur Koestler.
Passa a comentar sobre as conferencias as quais participou organizadas pelo Guide World Lecture Bureau. Confiden-
cia que precisa provar a si mesmo sua “..capacidade de enfrentar e dominar um auditório universitário, sem nenhum
papel a sua frente para ler”; e de que gostaria de ficar sozinho num hotel, pois desde que teve um enfarto, nunca mais
viajou sem a Mafalda...
Regozija-se que foi um sucesso, e que recebeu três propostas de universidades para lecionar literatura portuguesa
e técnicas de novela. Visita universidades e se encanta pela cidade de Tucson no Arizona. Em Chicago ficou três dias
sem falar com ninguém, que visitou museus, galerias e ouviu concertos maravilhosos.
Nova York foi a última etapa da viagem, onde passou cinco dias na Universidade de Cornell, cuja campus considerou
um dos mais belos dos EUA, e onde o fizeram trabalhar “como um mouro”. Num só dia falou por 6 horas em espanhol
sobre o sentido político do romance brasileiro; em inglês sobre história do Brasil de Pedro Álvares Cabral a Castelo
Enfim, fala de assuntos diversos, divertidos e leves, como o blackout que ocorreu e que deixou NY totalmente às
escuras, “típica coisa que não poderia ocorrer num país como os EUA, que não possuía nem lampiões nem velas...”
assim dava vivas ao Brasil, enquanto subiam a pé ao nono andar do hotel! Uma típica carta de amigo para amigo.
53) Cópia de Carta-Postal (Original doada a Luis Fernando Cirne Lima pela família de Mario Lima) – Alexandria,
VA, Eua – 8/Julho/1966
Erico Verissimo para Mario de Almeida Lima.
Síntese do conteúdo: Fala sobre uma carta sua que remeteu a Rui Cirne Lima, enviando-lhe seu “voto simbólico” para
governador do Rio Grande do Sul (“nosso pobre Rio Grande”). Fala que após receber telefonema de Leônidas Xausa,
decide enviar um telegrama. Assim, quando Mario receber “essas mal traçadas”, o telegrama já deverá estar nas mãos
de Rui Cirne Lima (“nosso candidato”). Fala que sua saúde está ótima, melhor que nunca..viagem fez-lhe bem. Envia
calorosos abraços incluindo ao amigo Paulo Brossard.
55) Envelope manuscrito, rabiscado com desenho contendo cartão pessoal, manuscrito – Porto Alegre – 21/fevereiro/69
Síntese do conteúdo: Além de um envelope onde Erico faz um desenho a caneta de uma figura que parece dançar,
escreve jocoso: “parece o Mario Lima”.
Dentro um cartão timbrado com seu nome avisa que segue a “entrevista”. Manda abraços.
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57) Carta aérea datilografada (correções manuscritas) – McLean, VA, USA – 23/junho/1972
Erico Verissimo para Mario de Almeida Lima .
Síntese do conteúdo: Comenta sobre seus últimos dois meses em Paris, sua arquitetura, habitantes amáveis (ao con-
trário do que habitualmente se ouve), sua sofisticação e cultura, embora o clima tenha estado terrível.
59) Folha datilografada (correções feitas à mão) – sem localidade – sem data
Comentário sobre conto de Hemingway, onde menciona a profunda sensação de fatalidade do autor e que suas
palavras e frases possuem grande significado.
63) Carta datilografada (1 pág.) Porto Alegre, 17/janeiro/1951 – Mario para Erico
Mario diz ter certa dificuldade em atender os pedidos feitos por Erico (material sobre a república velha), pois existe
escassez de informações.
67) Carta datilografada – papel timbrado do jornal “O Estado de São Paulo” (5 pgs) - Sem data
Mario cobra a entrevista já solicitada, dizendo que o jornal é como um “monstro insaciável, que precisa ser alimentado...”
70) Carta Original de João Neves da Fontoura para Erico Verissimo (sem data)
Diz que já pode dar como concluído seu trabalho referente ao 1º volume das Memórias. Fica feliz em saber que Erico
já tem matéria para seu 3º volume de trilogia.
71) Cópia de Carta de Erico Verissimo para Dr. Paulo Brossard de Souza Pinto
Porto Alegre, 5 de Novembro de 1974 - Erico avisa que quer deixar público seu voto para Paulo Brossard como
senador da república nas próximas eleições.
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74) Renner – Homenagem a Henrique Maia, no Renner – 09/07/1948
75) Capitão Rodrigo – Fotos durante a filmagem do filme: Capitão Rodrigo – 22/06/1970
O
livro de contos Fantoches foi publicado em 1932. Segundo o próprio
Erico é “desigual e vale apenas como caderno de exercícios de
um escritor que busca o seu rumo. É um coquetel em que
entraram os seguintes ingredientes: Anatole France, Henrik Ibsen, Oscar
Wilde, Bernard Shaw, Rabindranath Tagore – enfim, todas as influências
dominantes de minhas leituras dos dezoito aos vinte e cinco anos.”
Este livro tem uma história editorial interessante. Foram vendidos 400
exemplares dos 1.500 publicados. A sobra, um incêndio queimou, o que
significou lucro para a editora e para o autor, porque a seguradora
pagou o prejuízo.
Acima:
Fantoches e Outros Contos
Edição Comemorativa, 1972
Página ao lado:
Fantoches
Primeira Edição, 1932
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Memorial Erico Verissimo 53
O Senhor Embaixador
E
m 1965, Erico Verissimo publica O Senhor Embaixador, aproveitando
sua experiência como Diretor do Departamento de Assuntos Culturais
da União Pan-Americana (Secretaria da OEA), em Washington, EUA.
O romance tem como temática central o problema da dominação políti-
ca e econômica dos Estados Unidos sobre os países latino-americanos
sub-desenvolvidos, na década de 1960. É dividido em quatro partes:
“As credenciais”, apresentação do mundo diplomático de Washington,
nos EUA, e as relações políticas e pessoais que se estabelecem neste
ambiente; “A festa” narração da solenidade de apresentação do novo em-
baixador da República do Sacramento, Gabriel Heliodoro Alvarado, à
comunidade diplomática de Washington; “O carrossel”, onde se conhece
a rotina do serviço diplomático e da vida dos habitantes de Washington;
e “A montanha” mostra a ação das forças revolucionárias ao desem-
barcarem em El Sacramento com o propósito de derrubar o presidente
Carrera e as conseqüências desta revolução: Gabriel Heliodoro vai para
seu país lutar contra os rebeldes ao lado do presidente, e Pablo Ortega y
Gasset une-se aos revolucionários.
54
Memorial Erico Verissimo 55
Incidente em Antares
N
o auge da Ditadura Militar no Brasil, Erico publica, em 1971,
Incidente em Antares, libelo a favor da liberdade e da democra-
cia. Apesar da censura prévia, que obrigava escritores e artistas
a submeterem seus originais a chefes de polícia para que aprovassem a
publicação, Erico, juntamente com Jorge Amado, jamais se submeteu a
tal arbitrariedade e assumia perante seus editores total compromisso em
relação a sua obra. Para este romance, a editora preparou um cartaz pu-
blicitário que dizia: “Num país totalitário, este livro seria proibido”.
Página ao lado:
Mapa de Antares
Traçado original do autor, 1971
56
Memorial Erico Verissimo 57
O mapa representando a praça de Antares, dese-
nhado por Erico Verissimo, é o primeiro material
elaborado especificamente para o romance e
tem sua origem diretamente ligada à história
pensada por Verissimo durante a caminhada
com a esposa. Além de ser a concretização visu-
al das coordenadas espaciais da segunda parte
de Incidente em Antares, o mapa já apresenta
alguns indícios da trama, pois, através de ca-
minhos pontilhados, Verissimo nos conduz aos
deslocamentos das personagens. Saindo da
Rua do Cemitério, conseguimos acompanhar a
caminhada dos mortos, que voltam a suas casas
antes de se dirigirem para o coreto da Praça. As-
sim, seguimos os passos de Pulquéria, que vem
do cemitério, passa em casa e vai para o coreto;
de Angelito, que também obedece ao mesmo
sistema; de Anarco, que vai até o local indicado
como “Boemio’s” e depois para a praça; e de
alguém, não identificado, que vai até a cadeia,
ao Bar e, depois, para o coreto. Os pontilhados
demonstram que algumas idéias já estavam
presentes na concepção inicial do romance e
permaneceram até sua versão final editada. Por
exemplo, os deslocamentos dos mortos pela ci-
dade, voltando a suas casas para “acertarem as
contas”, primeiro em âmbito privado e, posterior-
mente, em público, denunciando, assim, a podri-
dão de todas as relações, desde as familiares até
as sociais e as políticas.
Acima:
Incidente em Antares
Original do autor, 1971
Página ao lado:
Incidente em Antares
Original do autor, 1971
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Memorial Erico Verissimo 59
O Tempo e o Vento
A
trilogia O Tempo e O Vento é considerada a obra prima de Erico Verissimo. Composta de O Continente, 1949,
O Retrato, 1951, e O Arquipélago, 1961-62, recupera a história do Rio Grande do Sul de 1680 a 1945, através
da saga das famílias Terra e Cambará.
O Continente
O primeiro romance da trilogia, publicado em 1949, narra a formação
do Rio Grande do Sul, a partir das Missões Jesuíticas e da chegada dos
primeiros imigrantes ao, então, Continente de São Pedro. Ana Terra vem
com a família de Sorocaba, SP, e Pedro é um missioneiro. Ana e seu filho,
Pedro Terra, juntamente com a família Amaral, serão os responsáveis
pela fundação de Santa Fé. Bibiana, filha de Pedro, casa-se com o capitão
Rodrigo Cambará, dando início à linhagem Terra Cambará. Ana Terra e
Capitão Rodrigo são personagens ícones da literatura brasileira,
representativas do povo gaúcho. O Continente já foi adaptado para
teatro, cinema e tv e é a obra mais conhecida de Erico Verissimo.
Acima:
O Continente
Primeira edição, 1949
Página ao lado:
O Continente
Original do autor, sem data
60
Memorial Erico Verissimo 61
O Retrato
A história de O Retrato, publicado em 1951, se passa em Santa Fé no
início do século XX e tem como personagem central o Dr. Rodrigo Terra
Cambará. O romance explora a dualidade em diversos sentidos: o lento
processo de urbanização de Santa Fé em contraste com a cultura rural;
o gosto refinado e cosmopolita do Dr. Rodrigo em oposição à persona-
lidade rude de seu pai, Coronel Licurgo, homem do campo de hábitos
simples, o que gera conflitos permanentes entre os dois. O próprio
Dr. Rodrigo é um homem complexo: por trás de seu refinamento e de
sua urbanidade se esconde o típico macho gaúcho, com toda a carga de
preconceitos e de atitudes agressivas. É o irmão Toríbio que concilia as
duas posições, tentando manter a harmonia entre pai e filho. Pintado
pelo espanhol Don Pepe Garcia, o retrato está pendurado na parede da
sala do Sobrado, revelando igualmente a complexidade do Dr. Rodrigo,
cuja personalidade cambiante não corresponde ao retratado, na
opinião do próprio pintor.
Acima:
O Retrato
Primeira edição, 1951
Capa de Luis Fernando Verissimo
Página ao lado:
O Retrato
Original datilografado
e manuscrito
62
Memorial Erico Verissimo 63
O Arquipélago
A terceira parte da trilogia é publicada em dois tomos, em 1961 e em
1962, no momento em que o público já nem esperava mais a continu-
ação da saga da família Terra Cambará, devido à saúde frágil de Erico,
convalescente de um enfarto. O Arquipélago tem a parte inicial de sua
ação no Rio de Janeiro, acompanhando a carreira de Deputado Federal
do Dr. Rodrigo, e a parte final em Santa Fé, com toda a família reunida
para acompanhar os últimos dias do patriarca. Os filhos Floriano,
escritor renomado, Jango, casado com Sílvia, responsável por cuidar da
fazenda, o Angico, Eduardo, aventureiro e sonhador, e Bibi, casada com
Marcos Sandoval, juntamente com a esposa Flora, assistem a despedida
do Dr. Rodrigo, que se considera um afortunado por ter tido uma vida
intensa. Floriano, ao lado da tia Maria Valéria, passa a morar no Sobrado
para escrever a história de sua família, fechando o romance com o
parágrafo que o abre em O Continente: “Era uma noite fria de lua cheia.
As estrelas cintilavam sobre a cidade de Santa Fé, que de tão quieta e
deserta parecia um cemitério abandonado.”
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Memorial Erico Verissimo 65
Maneco
Jonas Terra
Florêncio Terra
Maria
Valéria
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José Borges
Aguinaldo Silva
E
m 1954, entre a publicação de O Retrato e O Arquipélago, Erico
lança a novela Noite, que acompanha a caminhada de um desme-
moriado pelo submundo noturno de uma cidade portuária. A obra
não teve uma acolhida muito positiva, porque o público esperava a
continuação de O Tempo e o Vento. Mesmo assim, o próprio autor a
coloca como uma de suas obras preferidas: “Se eu tivesse de escolher
um só livro para ser julgado, indicaria o primeiro volume de O Tempo e
o Vento. Se me dessem a oportunidade de incluir outro, acrescentaria
Incidente em Antares, O Senhor Embaixador e Noite.”
Acima:
Noite
Edição comemorativa –
Ilustração Danúbio Gonçalves
Noite
Primeira edição, 1954
Página ao lado:
Original do autor
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Memorial Erico Verissimo 69
Acima e Página ao lado:
Bloco de Notas
Planejamento e esboços
para o livro Noite
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Memorial Erico Verissimo 71
Solo de Clarineta
E
m 1973, Erico Verissimo publica Solo de Clarineta, seu primeiro
volume de memórias, a partir de uma breve autobiografia que
havia escrito para a editora José Aguilar. O segundo volume sai
postumamente em 1976, organizado por Flávio Loureiro Chaves.
O próprio Erico explica a origem das memórias:
72
Memorial Erico Verissimo 73
Infanto-Juvenil
E
m 1936 Erico cria o programa de auditório para crianças, Clube dos
Três Porquinhos, na Rádio Farroupilha, a pedido de Arnaldo Balvé.
Dessa idéia surge a Coleção Nanquinote na editora Globo, a
partir do bonequinho, desenhado a nanquim por ele próprio para o livro
Fantoches. O DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado
Novo, exige que o autor submeta previamente àquele órgão as histórias
apresentadas no programa de rádio por ele criado. Resistindo à censura
prévia, encerra o programa em 1937. Outra reação ao nacionalismo
ufanista da ditadura Vargas se faz sentir na versão paradidática da
história do Brasil em As Aventuras de Tibicuera.
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Memorial Erico Verissimo 75
Acima:
Original do livro Fantoches,
edição comemorativa,
contendo anotações de desenhos
do autor na margem, 1972
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Espaços Expositivos
A criação do Memorial deve-se, igualmente, ao empenho da coordenação do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo
para que esta ideia se concretizasse na parceria entre o Grupo CEEE e o Grupo Gerdau, que acreditaram na importância
do material reunido.
O Memorial Erico Verissimo é composto por originais, correspondências, desenhos, cadernos de notas, fotos, fortuna
crítica, primeiras edições da obra do escritor, que comprovam sua constante dedicação à literatura, seja como autor,
editor ou tradutor. Seus manuscritos e documentos de processo mostram a importância do trabalho de criação para
chegar a ser o grande escritor que conquistou o Rio Grande do Sul, o Brasil e o mundo.
Ao criar o Memorial em seu prédio na Rua da Praia, o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo recupera sua vocação
literária, já impressa no nome dado em homenagem ao autor de O tempo e o vento. O Centro Cultural assume, assim,
a tarefa constante de preservar, difundir e engrandecer a memória de Erico Verissimo que se confunde com a própria
memória do povo gaúcho.
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Memorial Erico Verissimo 79
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* Imagens meramente ilustrativas
Patrocínio
www.cccev.com.br