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Culto Luterano - O culto litúrgico 1

II - O Culto Litúrgico - História e Teologia


A. Definindo Termos
Não é fácil falar e definir um assunto que é tão amplo como a história do próprio homem. Mas, precisamos
fazê-lo de alguma forma, pois é importante entender o que estamos fazendo quando nos reunimos. James F. White
nos serve de auxílio nessa grandiosa empreitada, mostrando como diferentes pensadores protestantes, católicos e
luteranos usam o termo.
Escrevendo a partir da tradição metodista, o professor Paul W. Hoon define a vida cristã como sendo
uma vida litúrgica. O culto para ele está vinculado diretamente aos eventos da história da salvação. Para ele, o
núcleo do culto é “Deus agindo para dar a sua vida ao ser humano e para levar o ser humano a participar dessa
vida”. As palavras-chave na compreensão de Hoon sobre culto parecem ser “revelação” e “resposta”. Trata-se,
portanto, de uma relação recíproca em que Deus toma a iniciativa em relação ao homem por meio de Jesus Cristo
e nós, por meio de Jesus Cristo, respondemos usando uma variedade de emoções, palavras e ações.
Jean-Jaques von Allmen, escrevendo dentro da tradição reformada, defende vigorosamente o culto
cristão como sendo a recapitulação daquilo que Deus já fez. Para ele o culto “resume e confirma sempre de novo
a história da salvação, cujo ponto culminante se encontra na intervenção encarnada do Cristo”. Von Allmen ainda
descreve o culto como sendo a “epifania da igreja”, visto que, ao resumir a história da salvação, capacita a igreja a
tornar-se ela mesma, tomar consciência de si mesma e se confessar entidade específica. Finalmente, ele acrescenta
que culto é ao mesmo tempo ameaça de juízo e promessa de esperança para o próprio mundo. O culto, portanto,
para von Allmen tem três dimensões-chave: recapitulação, epifania e juízo.
Na Igreja Católica Romana é comum descrever o culto como “a glorificação de Deus e a santificação da
humanidade”. A origem dessa definição é do papa Pio X, que em ao falar sobre música na igreja em 1903, disse
que o culto deve ser para “a glória de Deus e a santificação e edificação dos fiéis”. A mesma definição se repete
com Pio XII e aparece com frequência na Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Vaticano II em 1963, porém,
invertendo essa ordem, ou seja, fala primeiro da santificação do ser humano e então da glorificação de Deus.
Felizmente mais tarde, se chegou à conclusão que glorificação e santificação formam uma unidade. Tanto a
glorificação de Deus quanto a santificação das pessoas caracterizam o culto cristão.
Peter Brunner, representando o pensamento luterano, se vale do termo cunhado por Lutero — Gottesdienst,
que tem tanto a conotação de serviço de Deus aos seres humanos quanto a de serviço dos seres humanos a Deus.
Com respeito ao culto, Brunner cita palavras do próprio Lutero, “que nele [culto] nenhuma outra coisa aconteça
exceto que nosso amado Senhor ele próprio fale a nós por meio de sua santa palavra e que nós, por outro lado,
falemos com ele por meio de oração e canto de louvor”[1].
Para os luteranos, o culto é mais do que uma via de mão dupla; ele pressupõe a ação anterior de Deus e, a
partir disso, provoca a resposta do homem. Por isso, entre os luteranos, se afirma que o culto é teocêntrico
(centralizado em Deus), é cristocêntrico (centralizado naquilo que Deus fez por nós em Cristo) e espiritocêntrico
(centralizado na ação do Espírito Santo pelos meios da graça).[2]
O termo liturgia, apesar de clássico e consagrado, é recente. O termo é pouco encontrado em documentos
oficiais da igreja, ante do século XX, ganhando popularidade somente no século XXI. Muitas definições, mesmo
que tendo sido elaboradas por grandes nomes, mereceram reparos.
Do início do movimento litúrgico (1909) até o Concílio Vaticano II (1962-1965), a maioria dos autores
tentou chegar a uma definição de liturgia que englobasse tanto sua natureza quanto suas características essenciais.
A dificuldade de fazê-lo residia no fato de a liturgia ser “uma realidade ao mesmo tempo viva e rica. Só participando
dela é que pode ser compreendida. Ela não permite ver-se encerrada em conceitos”.[3]
De acordo com Arthur A. Just, uma das melhores definições é a que entende o termo leitourgia como sendo
um serviço, um dever de estar na presença do Deus vivo, devido ao que Jesus é — o Ungido de Deus que veio
para realizar a salvação do mundo, e devido ao que nós somos — os ungidos de Deus que carregam em seus
corpos a plenitude da salvação. E nesse sentido, cristãos se reúnem para fazer liturgia, não para divertir-se — pois
talvez até nem gostem da mesma, não para fazer algo que seja bom para eles, ainda que fato seja, mas eles se
reúnem para fazer algo que é bom para o mundo.
Portanto, nosso foco litúrgico não é para dentro, e sim, para fora. Primeiro ele se dirige a Deus em Cristo por
meio do Espírito Santo, depois se dirige para o mundo ao qual Cristo foi enviado pelo Pai no Espírito para redimir
e restaurar o mundo ao seu Criador.[4]

[1] James F. WHITE, Introdução ao Culto Cristão. São Leopoldo, IEPG e Sinodal, 1997., pp.14-18.
[2] William J. SCHMELDER, Por esta Causa me Ponho de Joelhos - Manual do Líder. Porto Alegre, Concórdia, pp.14 e 15.
[3] Aimé G. MARTIMORT, A Igreja em Oração - Introdução à Liturgia. Vol. I. Petrópolis, Vozes, 1988, pp.31-33.
[4] Arthur A. JUST, Liturgy as Pastoral Care. (ensaio não publicado), 1985, pp.3 e 4.
Culto Luterano - O culto litúrgico 2
B. Conhecendo a História
É praticamente impossível compreender o culto luterano sem conhecer a história do culto litúrgico.
A Igreja Luterana, por natureza, é conservadora teológica e liturgicamente. As igrejas reformadas do
século XVI sustentavam que somente práticas ordenadas pelas Escrituras deveriam ser mantidas no culto
público. Os reformadores luteranos adotaram um princípio mais conservador. Os luteranos estavam
convencidos de que somente o que fosse proibido pela Escritura deveria ser abolido. Dessa forma, a
Igreja Luterana não promoveu uma ruptura radical com a Igreja da pré-reforma, e sim, uma continuidade
com tudo que aconteceu nos primeiros 1500 anos. Mais, os reformadores luteranos entenderam-se como
herdeiros das práticas de culto do AT.
As igrejas reformadas acreditavam ser possível retornar aos dias da simplicidade primitiva dos
apóstolos. Os luteranos entendiam que isto era impossível, pois havia uma interveniência de 1500 anos
de história. Os luteranos se reconheciam mais ricos por causa desses 1500 anos e quiseram reter essas
riquezas da história do cristianismo. A liturgia e a riqueza das práticas de culto faziam parte dessa história.
A igreja apostólica, sem dúvida, era uma igreja litúrgica — ela possuía uma ordem de culto, ela
cumpria a ordem do Senhor de pregar, de batizar e de celebrar a Santa Ceia. Em Atos 2.42 está registrado
que a Igreja Apostólica, imediatamente após o Pentecostes, “perseverava na doutrina dos apóstolos e na
comunhão, no partir do pão e nas orações.” Além disso, o NT está cheio de cânticos litúrgicos, no
Evangelho de Lucas (Lc 1.46-56; 1.67-80; 2.25-32), nas cartas do apóstolo Paulo (Fp 2.6-11) e no
Apocalipse (Ap 7.9-12, 14.1-5). As leituras (Cl 4.16; 1Ts 5.27; 1Tm 4.13, Ap 1.3), as exposições, as orações
e cânticos e salmos, próprios da liturgia das sinagogas, foram assumidos pela igreja do NT e encontraram
espaço em nossa liturgia contemporânea.
Os apóstolos seguiram a ordem que o Senhor lhes dera com relação à celebração da última Ceia,
realizando regularmente esta Ceia que era feita dentro do ritual judaico. Um importante ponto de
encontro dessa Ceia é a bênção após as refeições e o “cálice da bênção”. Essa Ceia judaica e a bênção
influenciaram a liturgia do Sacramento na forma como a temos hoje. Vejamos: no início da Ceia era feita
a saudação “o Senhor seja convosco”. A resposta, genuinamente hebraica, era “e com o teu espírito”. Da mesma
forma a resposta prevista para as orações permaneceu e permanece até hoje sem tradução: “Amém”.
Acredita-se que as palavras “é verdadeiramente digno, justo e do nosso dever...” foram adaptadas por uma
congregação primitiva de uma tradição mais antiga. Tudo indica que até mesmo a primeira frase do nosso
“Sanctus” provém daquela época. É evidente que a Ceia não era uma Ceia comum, mas um banquete
sagrado. Ceias ordinárias nutrem para a existência humana, mas essa Ceia oferece nutrimento para a vida
com Deus.
Em sua primeira Apologia, Justino o Mártir (150 A.D.) oferece um relato da celebração eucarística
cristã. Lendo esse relato, o cristão de hoje é confrontado por duas coisas: A primeira é a grande ênfase
que Justino coloca em coisas aparentemente sem importância, como o Amém da congregação, o qual
indica que é a comunidade que celebra o Sacramento. Na comunhão, a comunidade inteira estava unida. A
segunda é a importância da ação de graças.
A Ordem de Culto da Igreja Egípcia, frequentemente atribuída ao presbítero romano Hipólito, foi
provavelmente completada antes de 215 A.D. Quando os presbíteros e bispos tomavam o pão e o vinho,
iniciavam com a conhecida fórmula: “O Senhor seja convosco. E com teu espírito. Levantai os vossos corações.
Levantemo-los ao Senhor. Demos graças ao Senhor nosso Deus. Assim fazê-lo é digno e justo.” O que deve ser
observado é que isso era uma descrição e não uma prescrição. Até então ainda não havia uma fórmula
completamente fixa, mas somente uma estrutura. Hipólito, em seu texto, está apenas nos dando uma
sugestão. As orações litúrgicas do terceiro século permaneceram ainda elásticas, e continuamente foram
objetos de mudança e novas influências. Havia, porém, uma ordem unificada, um conjunto de regras
flexíveis que tinham o selo da autoridade do costume. Todavia, não podemos em sentido amplo, falar de
uma liturgia unificada do primeiro século.
Os dois mais importantes testemunhos do quarto século vêm de Alexandria no Egito, o Eucológio
(livro de orações e liturgia) do Bispo Serapion e a Constituição Apostólica de Antioquia, Síria. As
constituições Apostólicas são também conhecidas como a liturgia de Clemente. O esboço externo (ideias
gerais) dos usos litúrgicos no Oriente são claramente percebidos na liturgia de Clemente. As prescrições
daquela liturgia estavam destinadas a ser ampliadas e estabelecidas pelo grande pregador de Antioquia,
São João Crisóstomo. Ainda que o quarto século fosse um período de vivo desenvolvimento, o antigo
esboço litúrgico se manteve intacto. No Oriente, as celebrações assumiram um esplendor gradativamente
maior, os clérigos apareciam em vestimentas esplêndidas, foram introduzidas luzes e incenso nos cultos
e também se desenvolveu, a partir de então, a cerimônia externa da genuflexão. Muito do esplendor da
corte bizantina foi adotado pela igreja.
A influência do Oriente deve ser olhada com seriedade, mas a nossa liturgia é de origem latina. As
liturgias do Ocidente podem ser divididas em duas grandes famílias, a Afro-Romana e a Gálica. Essas
liturgias eram importantes não porque continuaram em uso, mas por causa da influência que ambas
exerceram sobre a liturgia romana. Enquanto que a Gálica era mais florida e pomposa, a Afro-Romana
era mais austera. A elaboração posterior da liturgia romana é uma influência direta da tradição gálica. O
que sabemos a respeito da missa do século VI veio a nós por intermédio dos escribas Francônios dos
séculos VIII e IX. Tudo indica que o conteúdo do Cânon Romano ao qual Lutero rebateu tão
veementemente durante o período da Reforma já vinha daquele período. Especialmente, a forte ênfase
do sacrifício da missa que transparece nas orações.
A moldura da Missa Romana deve ter sido essencialmente determinada no V século. Depois da era
de Gregório o Grande (590 A.D.) encontraremos algumas pequenas modificações. As Missas do século
VII, adotadas pelas sete igrejas de Roma, têm um grande significado para os desenvolvimentos litúrgicos
posteriores. O culto atingiu um momento de estabilidade quando todos os elementos que o compõe
foram colocados por escrito. Possuindo uma forma definida e determinada, o culto solene pode ser
transmitido com facilidade aos outros territórios.[1]
Em 754 o Rei Pepino, pai de Carlos Magno e, posteriormente, o próprio Carlos Magno, buscando
uma padronização que servisse à unidade do império, decretou a aceitação da Liturgia Romana em
territórios Franco-Germânicos.[2] A Liturgia Romana adquiriu um novo lar. Por 200 anos seu
desenvolvimento foi em solo Franco-Germânico, em cuja forma retornou à Roma e se tornou o modelo
até o período anterior a Reforma.
Nos territórios Franco-Germânicos a missa se tornou cada vez mais clericalizada, as pessoas
comuns não entendiam o latim. Um novo tipo de disciplina do secreto se desenvolveu: a separação das
coisas sagradas, não dos não cristãos (dos de fora da igreja) e sim, do próprio povo da igreja. O conceito
de igreja como corpo de Cristo tornou-se cada vez mais estranho, a igreja tornou-se uma estrutura
hierárquica entre clérigos e leigos. A divisa entre o altar e o povo, entre os clérigos e leigos, entre aqueles
que tinham o dever de oficiar a ação sacramental e aqueles que formavam a congregação celebrante,
aumentou cada vez mais.
Essa situação inclusive manifestou-se na arquitetura. O altar foi fixado na parede dos fundos. A
antiga forma de reunir o povo ao redor do altar para a celebração da Santa Ceia, foi trocada, tendo o
sacerdote parado de costas para a congregação e celebrando a missa numa linguagem desconhecida.
Enquanto a congregação dos fiéis permanecia muda, testemunhando o espetáculo. Cada vez mais a missa
se tornou um mistério de Deus vindo ao homem, um mistério que deveria ser contemplado e adorado à
distância. E foi esse reducionismo da missa que passou a ganhar aceitação generalizada em torno do ano
1000 A.D., ao retornar para Roma.
O período Gótico viu não somente uma grande ornamentação das igrejas, mas também da liturgia.
A missa se tornou um drama sagrado, uma teatralização diante dos olhos dos participantes. O cerimonial
se tornou elaborado, havendo uma multiplicação do sinal da cruz. Foi também neste período que as cores
litúrgicas foram fixadas assim como as conhecemos até hoje.
A missa não só se tornou um teatro, mas também um meio de se fazer dinheiro. A missa podia ser
comprada pelos seus bons efeitos sobre os vivos e os mortos. Pela compra das missas, os méritos do
Cristo sofredor, comemorado na missa, eram disponibilizados. Os fiéis agora viam o sacerdote
representando o drama do caminho da cruz de nosso Senhor, carregado de mistério, mediante o qual, os
efeitos da morte de Jesus na cruz eram concedidos e atribuídos conforme solicitado. Esta forma produziu
uma nova cerimônia em torno do Século XII — a elevação da hóstia e do cálice. Ver e testemunhar esse
ato tornou-se o ponto alto da missa, ao invés de participar do corpo e do sangue na Ceia familiar de ação
de graças.
Este mesmo período Gótico viu a descomunal multiplicação de missas, bem como um descomunal
crescimento dos clérigos, os quais se mantinham só com a compra e a venda de missas. Comentaristas
católicos desse período estão dispostos a admitir que Lutero corretamente criticava essa visão imprópria
da missa.
Já em 1516, Lutero, ao pregar sobre o terceiro mandamento, enfatizava a necessidade de “ouvir a
Palavra de Deus” em contraposição a “ouvir a missa”. Em 1520, Lutero advogava a comunhão sob as
duas espécies, pelo bem da integralidade do sinal, em objeção à prática de se recitar em secreto as Palavras
da Instituição. Em 1523 Lutero preparou um folheto de oito páginas, distribuído no período de
Pentecostes, intitulado “Von Ordnung Gottesdiensts in der Gemeinde”. Esta foi a primeira tentativa de Lutero
para estabelecer princípios para a ordem do culto, pois em dezembro de 1523, ele elaboraria a sua Formula
missae et communionis.
Nesta ordem Lutero aprova os Introitos para os domingos e dias de festa, o Kyrie, o Gloria in
Excelsis, a Coleta, a Epístola, o Gradual, o Evangelho (com suas cerimônias usuais), o Credo Niceno, o
Sermão (nesse momento ou antes do introito), o Prefácio, as Palavras da Instituição (cantadas
audivelmente), o Sanctus, o Hosana, a Elevação, a Oração do Senhor, a Pax, a Administração, o Agnus
Dei ou Hino da Comunhão, a Coleta, o Benedicamus e a Bênção Arônica (Aarônica). Qualquer
semelhança não é mera coincidência. Os antecedentes desta forma se encontram na missa celebrada em
Wittenberg antes da Reforma.
Em 1526, Lutero finalmente deixou convencer-se com relação a uma liturgia no vernáculo,
elaborando a Deutsche Messe. Mesmo tendo seguido o esboço da liturgia Franco-Romana da Idade Média,
ele a simplificou, substituindo partes da liturgia por hinos no vernáculo bem conhecidos.[3]8
Lutero também promoveu reformas na ordem do Batismo em 1523 e 1526, na ordem para o
casamento, na ordem para a Ordenação em 1525, na Litania em latim e alemão, em coletas e em 38 hinos.
O seu alvo era promover a participação ativa da Congregação no culto. Como um teólogo da Bíblia,
Lutero tinha plena consciência da importância do culto para toda a família de Deus.
A Reforma em terras germânicas e países escandinavos foi amplamente supervisionada por
Príncipes, Duques e Reis. Quando o Bispo não assumia a liderança das reformas em terras germânicas
era necessário tornar o Príncipe em “Bispo emergencial”. E, mesmo em países escandinavos, sempre que
os bispos não cooperavam, a Reforma adquiria um sentido nacionalista, onde as reformas se produziam
de nação em nação.
Em territórios alemães as visitações aconteciam sob os auspícios do Príncipe ou do Duque. Os
resultados e a regulamentação dessas visitas podem ser observados nas ordens eclesiásticas
(Kirchenordnungen) que foram produzidas. Tais ordens tinham força de lei e estabeleciam os métodos da
reforma do culto. Mormente, as reformas da liturgia seguiam dois caminhos principais: os mais
conservadores seguiam como seu modelo a Formula Missae de 1523, enquanto outros adotavam a Deutsche
Messe de 1526. Apesar da diferença, havia concordância substancial nas ordens, pois ambas estavam
casadas com a histórica tradição litúrgica da igreja. A Reforma Luterana não foi uma revolução radical.
Não existia a intenção de separar-se da igreja histórica. Mesmo que não se buscasse uma uniformidade
rígida, havia uma preocupação respeitosa com a vida de culto tradicional da igreja.[4]
No que concerne à Igreja Evangélica Luterana, quando o período da Reforma terminou em torno
do século XVI, ela também viveu o fim de seu desenvolvimento litúrgico. Os séculos subsequentes
testemunharam o declínio da vida e do culto na igreja.
Um dos fatores mais destrutivos foi a Guerra dos Trinta anos (1618-1648). A vida na igreja, na
maior parte da Alemanha Luterana, chegou a uma estagnação. A igreja na Alemanha ficou reduzida a
uma pobreza penalizante, não somente em termos materiais, mas também no que se refere à preocupação
com a espiritualidade e a sua cultura litúrgica e musical. Estima-se que a população foi reduzida de 16
para 6 milhões de habitantes em consequência de conflitos armados, fome, doença e imigração.
Outro agente corrosivo na vida litúrgica foi o surgimento do Pietismo. O Pietismo produziu um
tipo desequilibrado de cristianismo que superenfatizava a experiência pessoal, a vida e a conduta. Por sua
forte oposição aos “prazeres do mundo” encorajava um novo tipo de ascetismo que conduziu ao
legalismo e ao criticismo dos ainda “não reavivados”. Na medida em que o cristianismo pessoal era
supervalorizado, a objetividade dos Meios da Graça era cada vez mais desvalorizada. A liturgia histórica
da igreja deu lugar a expressões de emoções e ideias individuais. O Pietismo, com suas limitações
intensamente pessoais, não mais entendeu, nem usou o que permaneceu das formas ricas e polidas do
sistema litúrgico-histórico da igreja.
O Pietismo, carecendo de força intelectual, rapidamente se esgotou e foi substituído pelo
Racionalismo ou Iluminismo. O Pietismo, pelo menos, podia ser reconhecido como um movimento
cristão. O Iluminismo, no entanto, superou até aquilo que é considerado superstição de origem cristã,
substituindo o plano divino da redenção por um ideal de felicidade. Interesses práticos ao invés de
doutrinas ou alta espiritualidade, eram abordados nos púlpitos. A Escritura foi minimizada e os milagres,
explicados como causas naturais. Dentro da esfera do culto, o Racionalismo foi totalmente destrutivo. O
culto foi mutilado de tal forma, que não podia ser reconhecido como tal. O templo se tornou um mero
lugar de reunião, o púlpito uma plataforma de preleções, da qual o ministro oferecia instruções morais.
O Sacramento do Altar foi reduzido a uma forma vazia e já não era mais celebrado a cada domingo e
dias santos, mas observado à feição dos reformados, quatro vezes ao ano.[5]
No início do século XIX houve uma conscientização por parte de alguns, de que a vida da igreja
estava em decadência. Em 1817, durante a celebração do tricentésimo aniversário da Reforma, Claus
Harms editou um novo conjunto de 95 teses, onde conclamava a igreja a retornar a sua base teológica.
Foi em boa hora que isso ocorreu. Nuremberg, partes da Saxonia, Mecklenburg, e alguns outros poucos
lugares, mantiveram muito do culto histórico com as vestimentas antigas e costumes e ainda muito das
músicas antigas eram cantadas em latim. O espírito do culto havia desaparecido, e as igrejas estavam
vazias. Em outros lugares as ricas formas litúrgicas há muito haviam desaparecido, dando lugar a uma
ordem vazia, conduzida somente pelo ministro.
Em 1822, Frederico Guilherme III da Prússia, o qual julgava-se um entendido de liturgia, publicou
uma agenda para uso em todas as igrejas evangélicas de seu reino, ambas, Luteranas e Reformadas. Essa
foi uma tentativa de se reconduzir o culto cristão à sua fundamentação histórica e de se recuperar um
entendimento da liturgia. Mas essa tentativa encontrou resistência, principalmente porque o mesmo fazia
parte de um movimento que tentava unir Luteranos e Reformados em uma única igreja. A essa altura, é
importante é importante observar que esse foi o fator precipitante que levou Martin Stephan, pastor da
Igreja “São João” em Dresden, a liderar um grupo de pessoas da Alemanha para a América (Perry County,
Mo). A objeção não era tanto aos abusos nos cultos, e sim, à frouxidão doutrinária que acompanhava as
tentativas de forçar Luteranos e Reformados a se tornarem uma única igreja. Na verdade, o maior
interesse dos Luteranos Saxões de Perry County estava em restaurar as normas que eram próprias do
Culto Luterano, ou seja, voltar às origens.
Um dos mais qualificados proponentes desse retorno ao culto histórico litúrgico e sacramental era
Wilhelm Loehe, pastor na vila de Neuendettelsau, na Bavária. Loehe era um homem da teologia
confessional. E foi essa teologia que o levou a ter uma mente aberta para missões, preocupar-se com o
bem estar social, e o determinou a restaurar o culto como o centro da vida da igreja. Várias agendas foram
lançadas por Loehe, retornando às normas estabelecidas pelos Reformadores Luteranos. Uma dessas
agendas foi escrita especialmente para o Sínodo de Missouri e foi amplamente usada no sínodo.
O século XIX viu um reavivamento da Teologia Confessional, tanto na Alemanha, como nos
Estados Unidos. Sínodos confessionais foram organizados, e juntamente com esse reavivamento da
Teologia Confessional, veio um reavivamento do culto litúrgico e sacramental.
Os luteranos de fala inglesa estavam usando material de culto e ordens litúrgicas que estavam muito
próximas das usadas por seus vizinhos protestantes. À medida em que a Teologia Confessional não estava
sendo levada a sério, esses materiais de culto pareciam ser adequados. Mas quando a Teologia
Confessional foi novamente levada a sério, a adequação de tais materiais foi questionada. Em 1860, um
Concílio Geral lançou o Manual da Igreja, o qual, sem dúvida, apresentava a melhor liturgia em inglês até
então, produzida pelos luteranos. Esse livro antecipou os princípios que foram mais especificamente
levados a efeito na preparação do Culto Comum, 20 anos mais tarde.
Em 1888, o Sínodo Geral, o Sínodo Unido do Sul e o Concílio Geral, lançaram juntos uma versão
da liturgia comum, o Culto Comum, o qual estava baseado nas ordens da igreja do século XVI, usando
como modelo a Formula Missae de Lutero.
Enquanto a reforma litúrgica estava acontecendo em inglês, uma convocação estava sendo feita
aos Germânicos do Sínodo de Missouri, no sentido de valorizarem sua rica herança litúrgica. O único
defensor, que clamava ao Sínodo, para que esse levasse a sério o seu culto, era Friedrich Lochner, pastor
em Springfield, Ill. Seu livro, Der Hauptgottesdienst (O Culto Divino Principal), chamou o Sínodo de volta
à sua norma Confessional, de que, a cada domingo e dias santos, o Sacramento do Altar deveria ser
celebrado como o principal culto paroquial.
Em 1912, o Sínodo de Missouri lançou seu primeiro hinário em inglês. O mesmo continha uma
variante do Culto Comum, herdado do Sínodo de Missouri Inglês, o qual havia se juntado ao Sínodo de
Missouri Germânico, em 1911. Foi esse hinário que se tornou a base para o The Lutheran Hymnal de 1941.
E é nessa linha direta de desenvolvimento que o Lutheran Worship agora se firma.[6]
Quando em 28 de abril de 1899, a Convenção da LCMS o “Deutsche Evangelische Lutherische
Synode von Missouri, Ohio und Andern Staaten”, decidiu começar o trabalho no Brasil, na verdade, não
se estava abrindo uma missão externa, e sim, fazendo uma extensão do trabalho entre alemães que
provinham de um país cristianizado.
A igreja em solo brasileiro, sendo herdeira da cultura alemã, bem como da prática litúrgica alemã,
não precisou preocupar-se com grandes adaptações quanto a métodos e formas. Assim, a nossa prática
litúrgica na fase inicial não passou de uma mera transferência geográfica, ainda que, segundo o Dr. Paulo
W. Buss, os alemães do Brasil não aceitaram pacificamente todas as práticas litúrgicas que lhes eram
propostas. Sendo natural que as congregações organizadas antes da vinda dos pastores missourianos
oferecessem as maiores resistências. Essas, não estavam acostumadas a inscrição da Santa Ceia, ao sinal
da cruz, uma frequência mais regular nos cultos e na Santa Ceia, uso modificado da confissão auricular,
a uma forma mais democrática de administração (era praxe pastor e congregação acatarem decisões
tomadas exclusivamente pela diretoria).
O Dr. Buss ainda lembra, que a situação econômica das primeiras congregações no Brasil,
influenciou fortemente o desenvolvimento litúrgico na IELB: igrejas (capelas) simples e sem sinos,
bancos sem genuflexórios, cruzes de madeira simples em vez de crucifixos mais requintados, batinas
pretas ao invés de vestes litúrgicas completas.
Paralelamente, em 1917, com o rompimento diplomático com a Alemanha e a consequente
proibição do uso da língua alemã no Brasil as igrejas tiveram dificuldades em dar continuidade ao
trabalho, pois nem membros e pastores falavam e entendiam o vernáculo. Inicia-se assim o processo de
indigenização na IELB: os primeiros hinos, partes da liturgia e orações são traduzidas para o português;
começam as primeiras pregações em português nas reuniões sinodais; inicia-se a missão entre luso-
brasileiros (1918 - Lagoa Vermelha, RS) e negros (1920 - Solidez, Canguçu, RS). Infelizmente, porém,
com o término da guerra, o processo foi radicalmente interrompido. Por volta de 1938 apenas 16% dos
cultos tinham pregação em português e apenas 40 dos 90 pastores e professores sinodais eram brasileiros
natos.
Com o advento do estado novo, em 1941, o governo obrigou as igrejas a pregarem apenas em
língua nacional. Um sermão em língua estrangeira poderia seguir o português nas áreas onde o mesmo
não fosse entendido. Mas em 1942, a língua alemã foi totalmente proibida, transformando o distrito
brasileiro da LCMS, finalmente e até certo ponto, numa igreja brasileira. Suspensa a proibição, em muitos
lugares o alemão voltou a ser usado com certa regularidade.
Independente disso, a Igreja Brasileira já havia incumbido o Dr. Rodopho Hasse a confeccionar
um Hinário em língua portuguesa, editado em 1938, conforme a ata da 24a Convenção Nacional, de 1940.
O mesmo continha uma ordem de culto simplificada sem Santa Ceia e uma ordem de culto com Santa
Ceia, o qual continha 217 hinos e uma seção com orações. Nesse mesmo ano, este hinário foi reeditado
e ampliado para 314 hinos. Em 1949 foi ampliado para 340 hinos. Em 1974 recebeu um apêndice de 112
hinos.[7] Essa realidade permaneceu até 1986, quando foi lançado o atual Hinário Luterano, com linhas
melódicas e 573 hinos. Sobre esse novo hinário convém ressaltar o seguinte:
1. Foi ampliado, levando em conta a originalidade das músicas e das letras.
2. Para acentuar a origem confessional da IELB, foram acrescentados o Catecismo Menor de Lutero (1529)
e a Confissão de Augsburgo (1530), bem como a inclusão de duas ordens litúrgicas com celebração da
Santa Ceia.
3. Foi mantida a antiga ordem litúrgica (tradicional com Santa Ceia) e acrescida uma nova ordem de culto,
procurando resgatar alguns elementos históricos: a Confissão e Absolvição como parte preparatória ao
culto propriamente dito; o Credo posposto ao sermão, como a proclamação de fé diante da palavra ouvida
e a relocação do Ofertório ao seu lugar original, como preparação à Santa Ceia.
4. Foram acrescentadas as informações sobre os Domingos e Festas Maiores e Menores para mostrar as
diferenças existentes entre o Ano Eclesiástico Tradicional e o Reformulado, em acordo com a renovação
litúrgica a partir do Vaticano II (1962-1965).

Apesar desse novo Hinário Luterano ter tido como objetivo contemplar as diversas necessidades
da igreja (atendendo a grupos mais tradicionais e as missões), a realidade mais uma vez está demonstrando
que isso não aconteceu. O que aconteceu ao longo da história (1968, 1974 e 1977) com a elaboração de
vários hinários para missão e ocasiões especiais, também aconteceu após a elaboração do novo Hinário
Luterano, sendo elaborando um novo hinário (Louvai ao Senhor, 1988) visando atender mais
especificamente as necessidades da missão, exclusivamente com relação ao canto e à música.
Com relação aos dois volumes da Liturgia Luterana, ainda em uso na IELB, desconhece-se
qualquer explicação quanto à sua origem, impressão, tradução e autoria. Sabe-se apenas que ambos são
uma “publicação autorizada pela Igreja Evangélica Luterana do Brasil”.[8] Por volta da década de 70, a
Comissão de Culto e Liturgia recebeu a incumbência de fazer uma revisão destes dois volumes. Mas em
1980, com a adoção do sistema Trienal de leituras, a IELB também adotou o novo calendário litúrgico,
obrigando-se a promover uma reformulação mais profunda, que começou com o lançamento do Preciso
Falar Vol. VI em 1986, adequando os Introitos, as Orações do Dia (Coletas) e Graduais dos Domingos
e Festas Maiores e Menores ao calendário reformulado. Desde então, a Comissão de Culto e Liturgia tem
trabalhado na reformulação integral dos referidos volumes. Enquanto isso, a referida comissão, em
conjunto com a Concórdia Editora, decidiu publicar num único volume a Liturgia Luterana, observando
as adaptações ao novo calendário litúrgico e a Série Trienal.[9]
No período pós-guerra, principalmente de 1945 a 1960, ainda não se dava muita atenção às
questões litúrgicas. O Ano da Igreja frequentemente era substituído por leituras que atendessem o ano
civil, os sermões em geral seguiam temas livres, não respeitando as leituras e os temas designados para a
ocasião, as orações fugiam do tema do sermão e do Domingo. Mesmo que a IELB tivesse uma proposta
de ordens litúrgicas no hinário, as inovações e alterações eram muito comuns. A passagem do uso da
liturgia chamada “antiga” para a “nova” ordem litúrgica (que é a Liturgia II do HL e, na verdade, era mais
tradicional e, portanto, mais antiga), foi lenta e gradativa.[10] A questão da conscientização litúrgica na
IELB é um processo recente, pertencente basicamente às últimas duas décadas, o que pode ser
demonstrado por várias maneiras:
1. Estudos e palestras em Convenções e Congressos;
2. Moções em Convenções: sobre reformulação do Hinário, manuais e vestes litúrgicas.
3. Publicação de Manuais e literatura sobre culto e liturgia.
4. Publicação de artigos em revistas teológicas e no Mensageiro Luterano.
5. Publicação do Vivendo em Cristo (1987), contendo uma unidade exclusivamente tratando do culto (O
Culto Cristão, pp.188-223).
6. Além do currículo normal, foram oferecidas disciplinas optativas sobre litúrgica nos seminários.
7. A Comissão de Culto e Liturgia oferecendo novos materiais de culto.
8. O incentivo às celebrações dominicais da Santa Ceia e cultos regulares e dominicais em todas as
congregações (Projeto Portas Abertas).
9. Provisão dentro do lema da IELB para a última década, com uma ênfase específica ligada à questão do
culto na igreja — Adorando como Filhos de Deus (1998).
10. O uso generalizado de paramentos em acordo com as cores litúrgicas.

Apesar de todo esse esforço, empreendido na valorização das nossas raízes históricas de sermos
uma igreja litúrgica, nos ressentimos de não termos alcançado uma indigenização que levasse em conta a
cultura e as características peculiares do povo brasileiro.

[1] Com a invenção da imprensa a possibilidade da padronização litúrgica foi ampliada. No início do séc. 16 havia cerca de 200 variedades de missais em uso. Tanto
católicos como não católicos se convenceram que a uniformidade litúrgica representava um avanço. Hoje, a variedade de ministérios em várias culturas exige uma
abordagem mais pluralista da liturgia. James F. WHITE, op. cit., p.. 32.
[2] Id. Ibid., p.186.
[3] Id. Ibid., pp.118 e 188.
[4] Nelson KIRST, Liturgia. In.: Teologia Prática no contexto da América Latina. São Leopoldo, Sinodal e São Paulo, Aste, 1998, p.125.
[5] James F. WHITE, op. cit., pp.118-119. Nelson KIRST ainda lembra que “foi Zwínglio - e não Lutero nem Calvino - que transformou um culto especial de pregação,
chamado pronaus, no culto dominical, eliminando com isso a Eucaristia.” op. cit., p.124.
[6] Fonte: “Guide to Introducing Lutheran Worship” CPH, St. Louis, 1981. Reprinted in Worship Toward 2000 - Resource Packet, Commission on Worship, LCMS,
1992, pp.2-8.
[7] Paulo W. BUSS, In: Uma Proposta Litúrgica para a IELB - Estudo apresentado à 50a CN da IELB, em São Leopoldo, de 21-26 de janeiro de 1986, pela
Congregação de Professores da EST-IC de São Paulo, pp.10-12. Contatos com diversos pastores mais antigos, nos levaram a concluir que entre os anos 40 e 60 o
Prof. Paul W. Shelp produziu diversas edições de agendas para o culto. Os volumes I e II da agenda litúrgica para pastores surgiu no final da década de 60, tendo o
Rev. Rodolpho Hasse como seu principal tradutor.
[8] Id. Ibid., p.12.
[9] No meio do caminho as trienais mudaram novamente, e decidiu-se por fazer 2 volumes das liturgias.
[10] Id. Ibid, pp.12-13.

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