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Deslocamentos femininos e prostituição

Trânsitos: brasileiras nos culturais e geográficos diferenciados. Ao mesmo


tempo, a autora separa e reagrupa novas asso-
mercados transnacionais do ciações entre essas temáticas, estabelecendo
sexo. uma comunicação clara e sem cair em simpli-
ficações. De acordo com Piscitelli, “a etnografia
PISCITELLI, Adriana. mostrou a relevância de tratar do assim chamado
Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013. 272p. ‘turismo sexual’, a prostituição e o tráfico de
pessoas como problemáticas diferenciadas”.1
O grande debate sobre o comércio sexual
no Brasil e na Europa teve início a partir da dé-
A visão da prostituição como atividade cada de 1990, com a preocupação em torno
imoral e que vulnerabiliza as mulheres envolvidas da prostituição vinculada ao turismo sexual inter-
neste mercado ainda é recorrente nos discursos nacional no nordeste do Brasil e no aumento
oficiais da sociedade contemporânea. Apesar das brasileiras como profissionais do sexo em
de não ser considerada crime no Brasil e em países europeus, principalmente na Espanha.
outros países ocidentais, a atividade de Neste panorama, Piscitelli revela que, ao iniciar
prostituição ainda está sujeita a regulamentações sua pesquisa, não havia intenção de abordar a
e manobras políticas, na medida em que a problemática do tráfico internacional de pesso-
mobilidade e a permeabilidade entre o trabalho as. Mas este contexto se impôs sobre a pesquisa,
sexual e o vínculo afetivo ultrapassam as fronteiras na medida em que se verificou a existência de
transnacionais e o controle de migrações. Nesse uma associação automática entre turismo sexu-
sentido, o debate em torno da prostituição, como al e tráfico de pessoas, tanto no Brasil quanto na
meio de vida, está longe de apresentar consenso. Europa. A autora não nega a existência do tráfi-
Principalmente, enquanto as mulheres envolvidas co de pessoas para fins de exploração sexual.
neste trabalho permanecerem sem voz ativa e Porém, através da pesquisa, Piscitelli considera que:
estigmatizadas pelo contexto indissolúvel entre
A vinculação entre deslocamentos nos merca-
exploração sexual e tráfico de pessoas.
dos do sexo e tráfico de pessoas recria noções
Em sua pesquisa etnográfica multisituada, que permeiam a literatura internacional e os
desenvolvida ao longo de sete anos, Adriana Piscitelli debates feministas sobre prostituição. Tais noções
nos apresenta uma nova perspectiva para o mer- são atualizadas por instâncias diversificadas –
cado do sexo, através do relato de mulheres brasi- organizações dedicadas a proteger os direitos
leiras que se deslocaram entre o Brasil e o sul da da criança, movimentos de mulheres e orga-
Europa, cheias de aspirações e procurando por nismos que combatem o crime organizado
diferentes formas de realização pessoal através transnacional –, em discussões nas quais con-
da prostituição. Acompanhar estas brasileiras no fluem interesses que operam em diversos
mercado do sexo transnacional permitiu à pesqui- planos.2
sadora o estabelecimento de uma associação Compreender a prostituição requer estar
particular entre diversas culturas e interpretações atento aos vários discursos que permeiam esta
de temas vinculados ao mercado do sexo, dentro atividade. Sendo uma prática profissional recente
de diferentes cenários de sociabilidade em no contexto ocidental, a partir da segunda me-
Fortaleza, na Espanha e na Itália. tade do século XIX, surge uma divisão social forma-
Ao longo do livro Trânsitos: brasileiras nos da por uma nova classe de mulheres públicas,
mercados transnacionais do sexo, Adriana categorizadas como prostitutas e segregadas em
Piscitelli revela suas interpretações sobre a prosti- espaços sociais, delimitando as práticas do sexo
tuição transnacional, entre diferentes tópicos comercial de suas vidas privadas. Já a cidade
(mercado do sexo, indústria do sexo, tráfico de pós-industrial ocidental vem marcada por mu-
pessoas, turismo sexual e casamento misto) e danças na maneira como o sexo é comercia-
agentes sociais (prostitutas, instituições governa- lizado enquanto atividade recreativa e confinado
mentais, grupos feministas, empresários da indús- aos ambientes fechados. O serviço sexual, me-
tria do sexo e clientes), procurando compreender diado por novos meios de comunicação (celula-
como algumas ideias sobre o mercado do sexo res e internet), vincula a emoção ao contexto
e as relações conjugais/amorosas são ativadas e comercial e pouco distingue os “domínios eróticos
ressignificadas entre disjunções de contextos

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públicos e privados”.3 Estes diferentes modelos envolvidas no mercado do sexo espanhol, o
de prostituição permanecem misturados no con- trabalho de campo envolveu a observação junto
texto atual, principalmente quando o intercâmbio a entidades que apoiam as prostitutas no contexto
de sexo por dinheiro acontece no Brasil ou en- de oferta de serviços, nas ruas das cidades
volvendo pessoas brasileiras no mercado exterior. investigadas, em clubes e apartamentos. Para a
O grau de integração e independência aproximação com empresários da indústria do
das entrevistadas, no contexto migratório, de- sexo e com algumas trabalhadoras houve o
monstra atuações autônomas e trânsitos sazonais intermédio de ONGs, que dão assistência aos
destas mulheres entre suas cidades brasileiras migrantes vinculados à prostituição. Nestas
de origem e os centros urbanos europeus. A organizações também foram feitas 28 entrevistas
autora apresenta revelações das entrevistadas com profundidade.
que não estavam livres de preocupação quanto Levando em conta as experiências dessas bra-
à exploração econômica ou dos riscos da de- sileiras e situando-as no âmbito das discussões
portação, quando em situação irregular. Ao lon- sobre migração internacional e tráfico de
go da pesquisa, porém, não surgiram relatos pessoas, o eixo articulador das diversas fases
confirmando a exploração sexual e o confina- da etnografia foi a análise das relações entre
mento dessas mulheres pelo crime de grupos noções e práticas sociais, procurando com-
organizados para o tráfico internacional de preender as dimensões de agência presentes
pessoas. nessas articulações.5
Em geral, o levantamento de campo foi Na parte intermediária do livro, Piscitelli con-
realizado entre 2004 e 2011, “com o fim de com- textualiza seus deslocamentos etnográficos e situa
preender as dinâmicas e as noções envolvidas sua pesquisa em diferentes escalas. Apresenta,
nos deslocamentos de brasileiras nos mercados também, um panorama geográfico dos países,
transnacionais do sexo”.4 A autora participou de das cidades e na compreensão das categorias
espaços de discussão, seminários e realizou espaciais urbanas onde a indústria do sexo define
entrevistas com instâncias governamentais e não diferentes valores para a exploração econômica
governamentais, entre grupos de prostitutas e e na qualidade ambiental de adaptação das
de feministas, procurando compreender as for- prostitutas, que surgem de diferentes países
mulações de políticas públicas sobre o mercado emergentes da América Latina, da África e da
do sexo e o tráfico de pessoas, tanto no Brasil Europa Oriental.
quanto na Europa. De acordo com a pesquisa, existe uma
A etnografia teve início em Fortaleza, na imensa variedade de serviços sexuais envolvendo
pesquisa de campo pelos circuitos do turismo bordéis, boates, bares, casas de massagem,
sexual desta cidade. O levantamento envolveu linhas telefônicas, sexo virtual, motéis, cinemas,
a observação intensiva e entrevistas de profundi- revistas e vídeos pornôs, serviços de acompanhan-
dade, com duração de 18 meses, em diferentes tes e, até mesmo, agências matrimoniais. Diante
momentos entre 2000 e 2008. No total, foram desta diversidade, o termo prostituição obscu-
realizadas 95 entrevistas com turistas estrangeiros rece a compreensão dos serviços sexuais existen-
e com os nativos, vinculados ao turismo e à tes para atender a um jogo de oferta e demanda
prostituição, havendo maior proximidade com muito mais amplo. Mas, nem sempre existe um
12 das mulheres entrevistadas, que faziam trânsitos grau completo na mercantilização do sexo, en-
sazonais entre o Norte da Itália e a cidade de volvendo a troca de dinheiro por serviços sexuais.
Fortaleza. Algumas das mulheres entrevistadas Há diferença no nível de prostituição, principal-
estavam vinculadas ao turismo sexual, enquanto mente no caso brasileiro. Conforme a autora, em
outras migraram dentro de outros contextos. O suas inserções de campo na cidade de Fortaleza,
trabalho de campo também esteve vinculado alguns benefícios são obtidos pela troca de
ao contato com organizações não governamen- favores sexuais, envolvem mobilidade social e
tais, consulado brasileiro e universidade, ambos melhorias na condição de vida. E, normalmente,
na cidade de Milão. E no embalo desses a retribuição por presentes, passagens de avião
deslocamentos pela Europa, a autora também e outros bens materiais, como, no caso, entre
realizou pesquisa de campo na Espanha, durante jovens mulheres e homens mais velhos e ricos,
12 meses, entre 2004 e 2011. Neste período, visitou são associações conjugais relacionadas ao co-
diferentes regiões espanholas, entre Barcelona, mércio sexual. Estas relações de reciprocidade
Madri, Granada, Bilbao, Antequera e realizou também são recriadas nos cenários do turismo
pequenas incursões na Galícia. Além das 19 sexual, no intercâmbio envolvendo a mercan-
entrevistas em profundidade com brasileiras tilização parcial do sexo por benefícios econô-

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micos, de maneira autônoma, entre pessoas lo- mática do turismo sexual e do tráfico internacional
cais mais pobres e viajantes de países ricos. Ape- de pessoas para fins de exploração sexual das
sar de o sexo servir como moeda de troca, estas mulheres envolvidas na prostituição.
relações “não são pensadas como prostituição Participando como feminista e atenta ao
pelas pessoas envolvidas”.6 relato das pessoas diretamente envolvidas no
Dentro dos estudos de gênero, Piscitelli mercado do sexo transnacional, Piscitelli des-
questiona as abordagens feministas sobre a constrói o discurso recorrente da mídia e de orga-
prostituição. Genericamente, existem duas nizações mundiais na maneira como delimitam
visões antagônicas do feminismo vinculadas à o problema e fazem associações entre temas
relação das mulheres com o sexo. Por um lado, de complexidades distintas, como tráfico interna-
a prostituição é vista como um uso abusivo do cional de pessoas, a vulnerabilidade das mulhe-
sexo e a prostituta seria um objeto sexual, vítima res envolvidas e o comércio de exploração sexu-
da violência desta transação comercial. Do al. A adequação de leis nacionais e os tratados
outro lado, o sexo é visto como fonte de poder, supranacionais não têm (apenas) o efeito de
enquanto a prostituta detém sua autonomia proteger as pessoas supostamente envolvidas no
sexual, que desestabiliza o controle patriarcal tráfico de pessoas. Defender o direito das mulheres
sobre suas sexualidades. Nesta segunda visão, originárias de lugares pobres e vitimizar sua con-
mais próxima da opinião da autora a partir dos dição na exploração sexual torna-se uma justi-
relatos etnográficos, a prostituição é uma forma ficativa para camuflar o esforço institucional destes
de resistência e subversão, como parte do países europeus em evitar o fluxo migratório de
contexto da ordem sexual existente. Piscitelli mulheres estrangeiras no mercado crescente da
ainda relata que a discriminação de gênero, prostituição (facilitando a deportação das brasi-
atualmente, se aplica também aos transexuais, leiras irregulares) e desestimular a migração regu-
transgêneros e intersexes, e não apenas às larizada para este continente. Inclusive, através
mulheres. Neste caso em especial, a leitura dos casamentos mistos, envolvendo pessoas de
sobre os mercados do sexo deve considerar diferentes nacionalidades.
essas diferenças para a compreensão particular Fazendo uma leitura crítica sobre o Protoco-
dos intercâmbios sexuais e da prostituição. lo de Palermo, a autora associa diretamente seus
A noção do trabalho sexual, vista como uma artigos e aplicações, em proteção aos direitos
categoria ocupacional reconhecida, surgiu a das vítimas envolvidas na prostituição transna-
partir do ano de 1970, nos Estados Unidos. A ideia cional, com as preocupações dos governos na
da prostituição como trabalho defende que as luta contra o tráfico de pessoas, no combate ao
trabalhadoras do sexo possuem as mesmas crime organizado, à migração e à prostituição.
condições que exigem conter as emoções no Em apoio a estas medidas, que atrapalham o
desempenho de suas atividades, similar ao princípio de autonomia da vontade e a mobili-
trabalho das fisioterapeutas, enfermeiras e dade das prostitutas, está a abordagem feminista
aeromoças. Contudo, a busca por atividades no neoabolicionista. A visão destas feministas consi-
sexo comercial continua percebida como meio dera a prostituta vítima da exploração sexual e a
de alcançar melhor qualidade de vida, no plano indústria do sexo como crime imoral, que envolve
material e simbólico, principalmente entre a prostituição e o tráfico de pessoas. Enquanto,
trabalhadoras do sexo em condições de pobreza, em outro polo das correntes feministas, que
racismo, preconceito e desigualdades de consideram o sexo como fonte de poder para
gênero. Essas relações do mercado transnacional as mulheres, “o sexo é visto como uma tática
do sexo revelam maior circulação de pessoas cultural que pode reforçar o poder, mas também
entre as fronteiras nacionais, articulando diferentes pode desestabilizá-lo”.7 Esta segunda corrente do
agentes situados nos dois lados deste mercado pensamento feminista enxerga as prostitutas com
global. Este movimento de transgressão e autonomia, utilizando ativamente o sexo como
resistência das prostitutas revela autonomia entre resistência à dominação masculina.
os diferentes estilos de deslocamento, permitindo Ao longo da sua pesquisa, Adriana Piscitelli
uma nova leitura dos fluxos transnacionais, sem a reconhece mudanças no seu posicionamento
necessária relação com o crime organizado. Dos como feminista, inicialmente contrário à prostitui-
cenários desbravados e interpretados pela ção. Suas ideias foram se modificando ao longo
pesquisadora, acompanhando a trajetória de da pesquisa e diante da diversidade de relações
brasileiras pobres envolvidas comercial e nos intercâmbios sexuais envolvendo um conjunto
emocionalmente com homens de países ricos, heterogêneo de mulheres, que não eram vítimas
surgem revelações que desmistificam a proble- miseráveis do mercado do sexo e da prostituição.

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Quando inseridas nos circuitos do turismo sexual tipo de intimidade, que se expressa na recon-
de Fortaleza, não demonstravam estar sujeitas à figuração de categorias de diferenciação.10
vulnerabilidade e abusos que caracterizam o trá- Os deslocamentos femininos analisados na
fico de pessoas. Nem mesmo quando migravam modalidade de migração e vinculados ao
nos mercados do sexo em direção a países do mercado do sexo transnacional revelam a busca
sul da Europa. “A exploração da qual [estas por condições de vida melhores do que as
mulheres] são objeto no mercado transnacional encontradas no Brasil, mesmo que não haja a
do sexo é puramente comercial e jamais sexual, garantia de sucesso no exterior. Essas trajetórias
contribuindo para olhar de maneira crítica as estão marcadas por redes de apoio informais e,
bases teóricas nas quais se apoia a noção de até mesmo, por dívidas. Ainda assim, este movi-
exploração sexual nas perspectivas feministas”.8 mento migratório não pode estar associado dire-
Mesmo sujeitas aos efeitos da racialização tamente a grupos criminosos na organização
ligada à região e à nacionalidade de sua origem, destes fluxos transnacionais. De acordo com o
estas mulheres morenas e brasileiras demonstra- relato etnográfico de Adriana Piscitelli, podemos
ram capacidade de negociar seus espaços de considerar a inserção dessas mulheres nos
agência,9 quando inseridas em categorias de mercados do sexo e mediante o casamento
corpos e no desempenho sexual atribuídos pelo com estrangeiros como estratégias de ascensão
mercado do sexo e pelas relações matrimoniais, social dentro das dinâmicas de deslocamentos
na valorização da sensualidade, do cuidado com mundiais, desafiando as fronteiras políticas,
a saúde do corpo e no ato de carinho. O grau econômicas e remodelando as representações
de interação social entre as entrevistadas era contemporâneas do gênero feminino.
variado. A maioria mantinha o contato com suas
famílias de origem, principalmente através de Notas
1
ligações telefônicas, contribuindo com o envio 2013, p. 55.
2
de dinheiro e nas decisões cotidianas de suas 2013, p. 20.
3
famílias no Brasil. As que deixaram o mercado do Piscitelli, 2013, p. 29.
4
sexo, ao casar no contexto migratório, eram mais Piscitelli, 2013, p. 21.
5
Piscitelli, 2013, p. 21.
propensas ao isolamento social, restrito ao 6
Piscitelli, 2013, p. 27.
contexto familiar. Para Piscitelli, o processo de 7
Piscitelli, 2013, p. 38.
negociação da intimidade e da moralidade não 8
Piscitelli, 2013, p. 55.
está livre de tensões. 9
Para a autora, a noção de agência representa a
A relativa imprecisão de fronteiras entre os mer- “capacidade de ação, mediada social e culturalmente”
cados do sexo e do casamento, que se expressa (p. 22), indo além da compreensão de agência como
na escolha de cônjuges no âmbito do sexo sinônimo de resistência e não se restringindo a esta
transnacional e da prostituição, parece sugerir acepção.
10
modificações no traçado de limites morais. Piscitelli, 2013, p. 227.
Entretanto, as narrativas das entrevistadas sobre
relações conjugais, amorosas e familiares mos- Marcos Sardá Vieira
tram o constante esforço necessário para deli- Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
near as qualidades morais apropriadas para esse Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

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