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Considerações sobre a Genealogia da Moral, Dissertação I, §16.

Bruno Granero.

A interpretação da História sempre foi enviesada e partidária, e sempre será.

Mas dentre as maneiras de fazê-la, as piores são aquelas que carregam os óculos de

sua época por entre os tempos, usando dos valores de sua contemporaneidade como

se fossem superiores à história, e não fruto dela. Este pequeno trecho poderia se referir

a vários bons pensadores de nossa história recente, mas foi pensado naquele ao qual

todos estes tem alguma dívida.

Sobre a história dos valores morais, Nietzsche aponta que a interpretação dos

psicólogos ingleses falha ao tratar a “utilidade” como origem do “bom”. Expressa-se

nesses psicólogos o claro uso do arcabouço com o qual querem explicar o mundo

humano: utilidade, hábito, erro. (GM, I, §1, 2, 3).

A maneira pela qual Nietzsche vai escavar a origem do binômio de valores “bem

e mal” é pela linguagem. A etimologia sugere uma valoração positiva, que se mostra

em “bom e ruim”, como um conjunto de valores anterior. Os nobres, belos e fortes são

os que valoram o “bom” para si, justamente por terem tais atributos. Aos demais,

fracos, inábeis, feios e débeis se atribui o “ruim” por não pertencerem aos nobres. A

língua mostra que o poder da nobreza foi referência de valor, destacando

características típicas ou traços do caráter dos nobres. (GM, I, §4, 5).

Mas a história é cheia de embates. A ​vontade que está em tudo, fazendo com

que todo organismo vivo deseje mais, queira se expandir e dominar, também age na
história humana dos valores morais. Ao nobre não cabe dar grande importância aos

fracos, pois àquele que tem em si a referência do que há de melhor não tem motivos

para se preocupar com o que sobra. Há muita ingenuidade no nobre. Ao fraco resta

​ nutrir o rancor, a ​vontade de vingança.

“Por certo a força física não nos pertence – tratemo-la como algo indevido;

Como não somos belos, tratemos o feio como melhor; Não temos fortuna: há uma vida

eterna de bonança para os pobres”. Ai está a saída: A própria linguagem será usada

para inverter os valores e criar a nova moral. O “ruim” da anterior será o “bem” nesta. O

“bom” da outra, o “mal” desta.

O “comandante” do embate, que guia os fracos na guerra dos valores, é uma

figura bem diferente dos nobres generais romanos ou dos bárbaros godos. Esta

personalidade é o sacerdote. Ele tende a associar a si valores ligados à sua função

religiosa, como pureza e limpeza. O asceta sempre busca uma limpeza da alma que se

coaduna á do corpo: dietas, jejuns, pobreza, silêncio – ou diríamos: desvalorização da

vida, atrofia da ​vontade. São de natureza intelectual, pouco afetivos, sempre espertos.

(GM, I, §6).

O cultivo do saber é importante característica do ressentido. É uma maneira de

sobreviver e vingar-se, é um atributo que falta ao nobre, e com o qual se pode

golpeá-lo. O sacerdote levou a humanidade às maiores profundezas da alma pelas

artes e ciências. O grande golpe requer inteligência: a criação de ficções reguladoras,

como o “sujeito” e “livre-arbítrio”. Dedicando profunda fé nesses artigos, o sacerdote e

toda horda de fracos que o toma como referência, podem por culpa ao forte por sua
força, torná-lo mal por sua escolha (como se o urso pardo pudesse escolher ser o

salmão). As “virtudes” do fraco são assim tratadas por não serem prejudiciais,

pacíficas, são no fundo boas para sua sobrevivência. Ao contrário, o ímpeto do forte é

perigoso, guerreiro, viril e causa dificuldade à sobrevivência de quem está ao redor.

(GM, I, §13).

A disputa entre Roma e Judeia é mesmo a grande expressão da transvaloração

dos valores. Os romanos como nobres e fortes, que percebem o futuro do gênero como

o primado de seus valores aristocráticos, ao contrário dos judeus, ressentidos de

moralidade popular, unificadora, idealizada, tão fixada em seus conceitos aglutinadores

do comportamento que têm um Deus único e referência para a ação humana, regidos

pelo medo. Nessa situação se pode notar a poderosa mudança de valores, quando os

ressentidos transformam sua fraqueza em virtude e conseguem imprimir a culpa no

forte. Judeia vence a disputa e a própria Roma é domada pelos valores gregários

cristãos. (GM, I, §16).

Ora, há muito a batalha foi vencida, isso se pode ver. A crença na “verdade” é

outra imagem de devoção da fé que expressa este fato. As filosofias e as ciências, em

sua incessante busca pela verdade carregam a bandeira sacerdotal. O pomposo

comportamento da filosofia, que tenta sempre na sua história criar algo que

fundamente qualquer ideia ou sistema, implica sempre acreditar nos seus valores, nos

valores morais ou em certa “verdade” privilegiada (BM §186). É por isso que vivemos

numa época de cientistas. A “verdade cientificamente comprovada” é valorizada como

a nova tábua dos mandamentos.


Toda forma de discurso, qualquer expressão do mundo pelos símbolos da

gramática, em especial nossos sistemas filosóficos ou científicos, são simplificações da

realidade. A crença no sujeito, nas relações causais, nos sistemas explicativos

mostram na história que nunca atingem a grande verdade, a correspondência com o

mundo, ​de dicto e ​de re sempre compatíveis. O mal da filosofia não foi criar ficções,

mas não compreendê-las em seu sentido perspectivo. A filosofia foi “a confissão

pessoal de seu autor” (BM §6), e a raiz disso é sempre moral.

Referências

NIETZSCHE, F. ​Genealogia da Moral: uma polêmica​. Tradução de Paulo

Cesar de Souza. São Paulo. Cia. das Letras. 2009

___________. ​Além do Bem e do Mal: prelúdio a uma filosofia do futuro​.

Tradução de Paulo Cesar de Souza. São Paulo. Cia. das Letras. 2005

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