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Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

EUTANÁSIA

Não é opinião, é reflexão


Docente: Professor Vasco Silva
Discentes: Adriana Silva 13073,
Beatriz Queirós 13006,
Beatriz Rodrigues 10949,
Beatriz Figueiredo 13088,
Catarina Pinto 10904,
Inês Teiga 10919.
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

Índice
Introdução ......................................................................................................................... 1
Algumas questões jurídicas, éticas e religiosas ................................................................ 6
O doente e a sua manifestação de vontade ..................................................................... 15
Algumas questões levantadas pelos profissionais de saúde ........................................... 22
Dois casos para reflexão ................................................................................................. 25
Conclusão ....................................................................................................................... 29
Fontes de Pesquisa .......................................................................................................... 33

Imagem 1 - Alfie Evans .................................................................................................. 25


Imagem 2 –Ramón Sampedro ........................................................................................ 27
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

Introdução

As questões técnicas da Eutanásia. Suicídio assistido, ortotanásia, distanásia e cuidados


paliativos.

Iremos introduzir o tema dissertando um pouco sobre as questões técnicas


associadas à eutanásia, revisitando a sua história.
Esclareçamos que eutanásia, em termos médicos, significa pôr termo, de
forma intencional, à vida de uma pessoa que sofre de uma doença terminal ou que
está em grande sofrimento.
A eutanásia divide-se em diferentes tipos de procedimento que estão de acordo
com a vontade que o paciente manifesta, porém, distingue-se do suicídio, pelo facto de
envolver uma segunda pessoa que participa no processo. Assim, a eutanásia pode ser
voluntária ou não voluntária enquanto que no primeiro caso é o próprio paciente que
decide, no segundo caso, porque o paciente não tem a capacidade de o fazer, é uma
pessoa próxima (normalmente um familiar) que toma essa decisão.
Para além destes conceitos, é importante aclarar algumas variações da eutanásia
como o suicídio assistido, a ortotanásia e a distanásia.
O suicídio assistido envolve uma segunda pessoa no procedimento de por fim à
vida, todavia é o paciente que toma a decisão apenas necessitando da ajuda de alguém
que, por exemplo, lhe fornece uma dose letal de medicação.
A ortotanásia significa uma morte natural que deriva do facto de serem
desligados ou retirados os meios extraordinários para manter a vida. Por outro lado, a
distanásia resulta precisamente do contrário na medida em que é o prolongamento
artificial de uma vida pode implicar sofrimento para o paciente.
Por fim, quando nos referimos ao sofrimento causado por uma doença incurável,
avançada e progressiva no final de vida de um paciente, chamamos à discussão a
importância dos cuidados paliativos que têm como objetivo intervir nesse sofrimento
global melhorando a qualidade de vida do doente e da sua família.

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Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

Desde quando se pratica a eutanásia?

Se observamos a história do mundo, a eutanásia começa por ser utilizada como


desculpa para acabar com determinados grupos sociais, o que desperta e alimenta, ainda
hoje, a génese dos debates éticos sobre a questão.
Perceber a evolução do conceito é importante para que se entendam as questões
éticas levantadas, entre outros, pelos profissionais de saúde.
No Egipto, Cleópatra desenvolveu uma Academia (69 a.C. – 30 a.C.) que tinha
como objetivo estudar formas menos dolorosas para morrer.
Na Grécia, grandes nomes da cultura da época, portadores de doenças
incuráveis, decidiram ter uma boa morte. A eutanásia foi um tema debatido por
filósofos como Epicuro, Platão, Plínio.
Em Esparta, no século 9 a.C., Licurgo, o famoso legislador e militar,
estabeleceu a eutanásia na constituição. Era normal, e até mesmo obrigatório, lançar
recém-nascidos com malformações do alto do monte Taijeto, por serem inúteis para a
sociedade e não terem utilidade enquanto futuros guerreiros.
Em Roma, a lei das Doze Tábuas autorizava o pai a eliminar os filhos recém-
nascidos que apresentassem deformidades muito graves, sendo este ato considerado
como um ato de amor. Era frequente lançar ao mar os deficientes mentais e, nos tempos
do Imperador Valério Máximo, havia um depósito de cicuta que se encontrava à
disposição de quem mostrasse à corte desejo de abandonar a vida
Na época medieval, era entregue ao soldado que estivesse mortalmente ferido,
um punhal - chamado punhal da misericórdia - para que com ele pudesse colocar um
ponto final à sua dor.
Só a partir do Renascimento, é que humanistas, físicos e médicos se
empenharam em reforçar um novo tipo de ciência e de conceito de homem. Assim, a
noção de eutanásia alcança um novo sentido, começando a ser encarada como uma
forma de morrer sem sofrimento e não de eliminar indivíduos considerados inaptos para
lutar, por exemplo.
No início da 2ª Guerra Mundial, Adolfo Hitler aprovou uma lei para a
eutanásia de enfermos com transtornos genéticos. Era destinada a enfermos judeus nos
campos de concentração, por motivos políticos e raciais, provocando um dos maiores

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Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

genocídios de toda a história. Esta espécie de eutanásia, praticada pelos nazis, retirou a
vida a cerca de 6 milhões de pessoas inocentes.
Atualmente, na Alemanha, a eutanásia ativa, isto é, o ato deliberado de
provocar a morte do paciente, atendendo à sua vontade real ou presumida, é punível por
lei
Contudo e na verdade, esta prática nada tem a ver com a eutanásia
contemporânea.

Que países já legalizaram a Eutanásia?

A análise e debate sobre a Eutanásia podem ser realizados sobre várias


perspetivas, que diferem também geograficamente.
Sendo a Eutanásia uma forma de colocar fim à vida humana, este assunto é um
tema muito controverso e delicado pelo que, as legislações que os diferentes países
criaram, são influenciadas por diversos fatores de ordem social, religiosa, histórica,
ética, moral, filosófica e até mesmo económicos.
Como já foi referido, existem duas posições que os países podem tomar - ou
são a favor ou contra a prática da Eutanásia.
Normalmente os países que se encontram a favor da eutanásia são aqueles que
a veem como uma forma de evitar dor e sofrimento de pessoas em fase terminal, ou de
pessoas que se encontram sem qualidade de vida sendo que esta decisão tem de ser
tomada de forma consciente e informada.
Os países que tomam esta posição salientam a defesa: da autonomia absoluta
de cada indivíduo; do direito à autodeterminação; do direito à escolha pela sua vida e
pelo momento da sua morte; da prevalência do interesse individual acima do da
sociedade, com primazia da proteção da vida. Para estes a eutanásia não defende a
morte, mas sim a escolha da morte por quem a concebe como melhor opção. Por isso
mesmo, esta escolha, tem de ser consciente e refletida, e para que isto aconteça os
doentes serão avaliados a nível biológico, social, cultural, económico e psiquicamente,
de forma a assegurar a verdadeira autonomia do indivíduo.
Por outro lado, os países que se posicionam contra esta prática, apresentam
razões de natureza iminentemente religiosa, ética, política e social.
Alguns exemplos dessas razões são de carácter religioso que defende que a
usurpação do direito à vida humana só a Deus pertence, daí não ser permitido às pessoas

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Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

tomar esta decisão e ainda a nível da ética médica que defende que os médicos devem
cumprir o juramento de Hipócrates, juramento este que vincula os profissionais de
saúde ao respeito pela vida do paciente e não para a interrupção desta.

Países a favor da eutanásia

O primeiro país a regulamentar a Eutanásia no mundo foi o Uruguai, tendo


entrado em vigor, a 10 de agosto de 1934. No atual Código Penal Uruguaio o artigo 37.º
do capítulo III1, a eutanásia é qualificada como “homicídio piadoso” (homicídio
piedoso) realizado mediante os apelos da vítima. Por isso mesmo os juízes podem não
condenar o “autor do homicídio”.
Outro país pioneiro da prática da Eutanásia foi a Holanda, que se converteu no
primeiro laboratório social mundial para a investigação da eutanásia corria o ano de
1991. Foi ainda, a Holanda, o primeiro país europeu a reconhecer o direito à Eutanásia,
acabando por alterar o seu código penal. Perante esta decisão Joaquim Navarro-Valls,
porta voz do Vaticano, demonstrou descontentamento pois considerou que a lei
aprovada é um atentado à dignidade humana e geradora de uma crise de consciências
nos profissionais de saúde.
Sendo que a realização da Eutanásia tem de ser algo refletido e consciente, a
Associação Real Médica Holandesa publicou, em 1984, os requisitos necessários para
que um médico prossiga para a prática da eutanásia, os quais foram aceites pelos
tribunais, a saber:
 Pedido voluntário, competente, explícito e persistente;
 O doente teria de se encontrar num sofrimento intolerável e sem esperança;
 Ausência de alternativas aceitáveis;
 Consulta de outro médico independente.
Apesar de a Eutanásia já ser praticada na Holanda há cerca de 50 anos, não se
encontrava legalizada até abril de 2002.
No entanto, desde que os médicos cumprissem certos requisitos as ações legais
eram raras, no entanto, verificado o seu incumprimento, podiam os tribunais aplicar
uma pena até 12 anos de prisão.

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Art. 37. Del homicidio piadoso. Los Jueces tienen la facultad de exonerar de castigo al sujeto de
antecedentes honorables, autor de un homicidio, efectuado por móviles de piedad, mediante súplicas
reiteradas de la víctima.

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Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

Numa conferência que teve lugar em Lisboa em abril deste ano, a convite da
Universidade Católica, Theo Boer, professor universitário de ética na Holanda, antigo
membro de um dos comités de análise dos pedidos de eutanásia, reconheceu que a
realidade sobre a eutanásia no seu país se alterou a partir de 2010, o caráter de exceção
para o sofrimento físico em fim de vida está a desaparecer, tendo por isso, abandonado
o comité tornando-se uma voz crítica do movimento pró-eutanásia. Atualmente, a
eutanásia foi banalizada e é praticada em situações de demência, de doença mental e
não obrigatoriamente em doentes terminais.
A Bélgica seguiu a Holanda, tendo no mesmo ano que esta descriminalizado a
eutanásia mesmo para menores de idade.
O Luxemburgo tornou-se, a 18 de dezembro de 2008, no terceiro país da União
Europeia a legalizar a eutanásia, no entanto a lei só entrou em vigor a 17 de março de
2009 e é apenas dirigida a doentes terminais e maiores de idade.
O Código Penal Espanhol defende o direito à vida, logo qualquer pessoa que
satisfaça um pedido de eutanásia sujeita-se a cumprir uma pena de 6 meses a 6 anos de
prisão. O Parlamento Autónomo da Andaluzia, a 17 de março de 2010, regulou os
direitos dos pacientes terminais e as obrigações dos profissionais de saúde que deles
cuidam. No diploma, conhecido pela Lei da Morte Dignam, constam os direitos e
garantias da pessoa em irreversível processo de morte, permitindo que o paciente possa
recusar a submissão a um tratamento que apenas prolongue a sua vida de forma artificial
dando-lhe o direito a receber um tratamento contra a dor, incluindo a sedação paliativa e
cuidados paliativos integrais em domicílio, desde que estes sedativos não sejam
contraindicados.
No Brasil a eutanásia também é punível por lei e a pena pode ir de 6 a 20 anos
de prisão, no entanto, desde 1995, o Senado Federal Brasileiro está a estudar um projeto
lei, tendo em vista, a deliberação de normas para a sua legalização.

Como podemos observar, a eutanásia é tão antiga como a própria sociedade e foi
e é encarada de diferentes formas em cada comunidade. O que torna a eutanásia um
assunto tão polémico é o simples facto de fazer colidir o direito de morrer com o direito
à vida, o que levanta questões sobre o que será o mais correto de fazer.

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Algumas questões jurídicas, éticas e religiosas

Questões jurídicas: A lei portuguesa, as propostas de lei para a despenalização da morte


assistida

Deixar que a doença tome conta do paciente visto não haver nada a fazer;
medicar o doente para que ele não sinta dor e deixá-lo morrer em paz, dar uma injeção
letal ao paciente para lhe provocar a morte são formas de praticar a eutanásia, porém,
aos olhos da lei, apenas a última é vista como crime.
De acordo com o Código Penal Português

1 - 2Quem matar outra pessoa determinado por pedido sério,


instante e expresso que ela lhe tenha feito é punido com pena de
prisão até 3 anos.
2 - A tentativa é punível.
Além disso,
1 - 3Quem incitar outra pessoa a suicidar-se, ou lhe prestar
ajuda para esse fim, é punido com pena de prisão até 3 anos, se
o suicídio vier efectivamente a ser tentado ou a consumar-se.
2 - Se a pessoa incitada ou a quem se presta ajuda for menor de
16 anos ou tiver, por qualquer motivo, a sua capacidade de
valoração ou de determinação sensivelmente diminuída, o
agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

Inês Fernandes Godinho, professora doutorada em Ciências Jurídico-Criminais,


cuja tese de doutoramento é sobre a eutanásia, relembra que a palavra eutanásia nem
sequer integra a lei portuguesa. O ato médico de retirar a vida a um doente a seu pedido
e com o seu consentimento é punível por via do artigo 134.º do Código Penal e é
chamado de homicídio a pedido da vítima. Na história da justiça portuguesa não há
qualquer caso que tenha chegado à fase de acusação por via deste artigo, muito menos à
de julgamento.
A jurista avançou com uma investigação mais profunda sobre o tema, pensando
no ponto de vista jurídico e no ponto de vista médico, relembrando que é necessário

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CPP Artigo 134.º Homicídio a pedido da vítima
3
CPP Artigo 135.º Incitamento ou ajuda ao suicídio

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saber distinguir três formas de eutanásia em contexto médico para se perceber que
apenas uma delas é punível por lei.
Administrar uma injeção letal a um paciente para lhe tirar a vida é eutanásia
ativa e é a única punida por lei, no entanto administrar uma dose terapêutica para alívio
da dor de um doente terminal e replicar essa dose, “mesmo que ela possa provocar a
morte”, também é eutanásia ativa, porém não é ilegal.
Inês Godinho refere ainda um terceiro tipo de eutanásia, que é aquela em que o
doente deixa a doença “tomar o seu rumo”, ou seja, pede que não lhe sejam
administrados mais medicamentos ou que se desliguem as máquinas, sendo o médico
obrigado a respeitar o seu pedido. Neste caso também não é cometido nenhum crime.
A jurista, que assume ter assinado a petição para legalizar a eutanásia, refere
que a haver mudança na lei, esta deverá ser feita à semelhança da que foi feita com a
interrupção voluntária da gravidez: através de legislação avulsa, mantendo os artigos
134.º e 135.º do código penal (o último para o suicídio assistido) na lei. Defende
também que é necessária a execução de um debate profundo sobre a matéria com
médicos e penalistas.
Passando para um outro ponto de vista, o constitucionalista Paulo Otero
defende que a eutanásia “não se compatibiliza, está à margem da Constituição, e não se
pode referendar” socorrendo-se do artigo 24.º da Lei Fundamental:
“A vida humana é inviolável.”,
corroborando esta interpretação o Professor Doutor Jorge Miranda, um dos autores do
texto constitucional.
Por outro lado, outros especialistas em direito constitucional como Manuel da
Costa Andrade, Pedro Bacelar de Vasconcelos e Isabel Moreira invertem a lógica da
interpretação e defendem no manifesto “Direito a morrer com dignidade” a perspetiva
legal de que a vida é um direito inviolável e não um dever irrenunciável.
Os especialistas partidários dos “sim” e do “não” utilizam o mesmo artigo 24.º
da Lei Fundamental. Assim Jorge Miranda considera que a morte assistida colide com a
Constituição. “Atentar contra a vida humana, seja no início (referindo-se ao aborto),
seja no fim, colide com esse princípio ético”, refere.
Já Isabel Moreira salienta o contrário: “A eutanásia ou a morte assistida
prende-se precisamente com a defesa do direito à vida, no sentido de uma vida digna.”
E vai mais longe ao notar que o direito à vida não deve ser visto “isoladamente”, mas,
ao invés, “em diálogo” com os restantes.

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Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

A parlamentar socialista explica assim que “a Constituição neste caso não dá a


resposta fixa e, portanto, o legislador é livre de tomar uma opção no sentido de manter
a legislação como está ou de avançar nesse sentido”.
Os projetos de lei sobre a morte medicamente assistida serão debatidos a 29 de
maio de 2018. De acordo com o porta-voz da conferência de líderes, o deputado social-
democrata Duarte Pacheco, todos os projetos serão votados logo no dia 29 e o debate
terá uma grelha máxima de cerca de duas horas e meia. PSD e PS já anunciaram que
haverá liberdade de voto, o que tornará incerto o resultado da votação.
Assim, no dia 1 de Junho – uma ‘ponte’ após o feriado do Corpo de Deus –
apenas se realizarão comissões parlamentares.
Admitindo que se trata de um “tema bastante sensível”, com componentes
filosóficas e éticas, além das jurídicas, o deputado socialista Pedro Delgado Alves
salientou que o PS pretende fazer “este debate com profundidade e tranquilidade”.
Se forem aprovado na generalidade, os projetos de lei baixam à comissão
parlamentar, para debate na especialidade, antes de uma votação final global.

Questões éticas

É útil saber que o termo “eutanásia” significa literalmente “morte boa” ou


“morte feliz”. É verdade que os casos reais envolvem dor e angústia, porém o
significado literal do termo capta um importante aspeto da eutanásia: a morte como
benefício para o paciente. Podemos assim dizer que a eutanásia consiste em produzir ou
acelerar intencionalmente a morte de alguém para seu benefício.
A definição dada, tem a vantagem de mostrar que o problema ético da
eutanásia não se esgota numa pergunta só. A sua formulação é a seguinte: será
permissível que as pessoas, especialmente aquelas que se encontram numa fase terminal
da vida e em sofrimento, determinem o fim das suas vidas? Se a resposta for positiva, é
permissível que solicitem medidas ativas que as matem? Ou é antes preferível que
apenas solicitem que as deixem morrer, pedindo aos médicos que se abstenham de as
tratar?
Um debate claro e rigoroso do problema ético da eutanásia não é possível
quando não se esclarece, à partida, que tipo de eutanásia se discute, explicando-se assim
o porquê de por vezes serem inúteis certos debates.

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Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

A distinção entre eutanásia ativa e passiva parece clara. Administrar uma


injeção letal é eutanásia ativa enquanto que deixar de tratar o paciente, sabendo que isso
levará à morte, é eutanásia passiva. No entanto, nem todos os casos são simples. O caso
de se desligar a máquina de suporte à vida do paciente, matando-o, é eutanásia ativa ou
passiva? Uma vez que existe uma ação, o gesto de se desligar a máquina, pensaríamos
que estaríamos perante um caso de eutanásia ativa. Porém, a causa imediata da morte do
paciente é a sua doença e não a ação de desligar a máquina. Atendendo a este aspeto
estaríamos perante um caso de eutanásia passiva.
Desligar a máquina é assim um caso ambíguo: está entre a eutanásia ativa e
passiva, não sendo claramente uma coisa ou outra. Ter em mente este tipo de
ambiguidades é tão importante como saber que tipo de eutanásia estamos a debater.
Há quem procure na diferença moral entre matar e deixar morrer a ética da
eutanásia. Essa diferença parece confirmar-se nas nossas intuições morais e na prática
legal. Alguém empurra uma criança para um rio para que esta morra afogada enquanto
que uma outra pessoa observa, mas decide não fazer nada, mesmo que pudesse fazê-lo,
salvando assim a criança. A pessoa que empurra a criança mata, e isso parece bem mais
grave do que simplesmente deixar morrer ao não fazer nada. Essa é a nossa intuição
moral, que neste caso está de acordo com a prática legal. Podemos então concluir que a
eutanásia passiva (deixar morrer) está moralmente justificada, mas não a eutanásia ativa
(matar)?
Alguns filósofos defendem que não podemos tirar essa conclusão. Isto implica
que não há qualquer diferença moral intrínseca entre matar e deixar morrer – há, pelo
contrário, simetria moral. O caso apresentado a favor do princípio da simetria moral é o
seguinte. Dois irmãos querem que o seu pai morra para poderem herdar quanto antes a
sua fortuna. Um deles, agindo apenas por sua conta, introduz um veneno na bebida do
pai. O outro, por acaso, depara-se com o seu pai a ter convulsões. Acontece que dispõe
de um antídoto contra o veneno, mas recusa-se a aplicá-lo. Um dos filhos iniciou um
processo causal que conduziu à morte do pai, o outro não interferiu nesse processo de
maneira a evitar o seu efeito.
Talvez este caso mostre que o princípio da simetria moral está certo: matar e
deixar morrer são equivalentes. Ainda que persista a intuição moral de que matar e
deixar morrer não são moralmente equivalentes nos casos reais, esse facto deve-se à
presença de fatores extrínsecos. Motivos, riscos para o agente ou a sociedade e
probabilidade do efeito são alguns desses fatores.

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Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

No caso da criança que morre afogada, o desejo de que ela morra é o motivo
que levou a pessoa a atirá-la ao rio, mas o motivo que impediu a outra pessoa de saltar
para o rio é apenas a crença de que seria incapaz de a salvar. Matar é assim moralmente
pior devido ao motivo do agente. Por sua vez, o risco para o agente que poderia tentar
salvar a criança é maior, dado que também ele podia morrer, logo, deixar morrer é,
neste caso, menos repreensível do que matar. E a probabilidade de que a morte ocorra é
maior no caso de matar do que no caso de deixar morrer: a inação de quem assiste à
cena deixa ainda a possibilidade de outra pessoa salvar a criança, ou de a corrente do rio
a empurrar para a margem.
Avaliar as ações implica não atender a fatores extrínsecos deste tipo. O caso
dos herdeiros tem a virtude de anular esses fatores. É então possível captar a verdade de
que matar e deixar morrer são intrinsecamente iguais. A intuição moral de partida – a de
que matar e deixar morrer não são moralmente equivalentes – é um erro que resulta de
se considerar relevantes fatores meramente extrínsecos. Um erro que leva a presumir
uma diferença moral relevante entre eutanásia ativa e passiva. Se o princípio da simetria
moral estiver certo, não há razão para se concluir que a eutanásia passiva está
moralmente justificada, mas não a ativa. Não faria sentido condenar os médicos que
praticam a eutanásia ativa e confiar naqueles que deixam os pacientes entregues a uma
morte miserável, em vez de os matarem por compaixão.
Se o princípio da simetria moral afirma a equivalência entre matar e deixar
morrer, então os deveres de não matar e de não deixar morrer têm a mesma força. No
entanto, se for possível mostrar que estes deveres não têm a mesma força, o princípio da
simetria moral corre um sério risco de cair por terra. É isso o que ensaiará uma das
críticas a esse principio. Começa-se por se distinguir deveres negativos de deveres
positivos. Um dever negativo é um dever de não causar dano, um dever positivo é um
dever de gerar benefícios. O dever de não matar é assim um dever negativo e o de não
deixar morrer um dever positivo de assegurar a vida de alguém.
Imagine-se um condutor, a quem falham subitamente os travões do carro, tem
duas opções: matar cinco peões que atravessam a passadeira ou desviar-se deles e matar
um peão que vai no passeio. Um cirurgião tem cinco pacientes e cada um deles precisa
urgentemente de um órgão para sobreviver. Depois de fazer um check-up a um paciente
saudável, resolve raptá-lo para fazer a colheita dos órgãos de que precisa, salvando os
cinco doentes terminais. Em ambos os casos morre uma pessoa para que cinco se
salvem, sendo o resultado o mesmo e não havendo diferença nos motivos: em ambos os

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casos se deseja preservar o maior número de vidas possível. Os críticos da simetria


moral afirmam que a conduta do cirurgião é execrada porque é violado o dever negativo
de não matar, o que não acontece no caso do condutor. Neste caso, apenas se escolhe o
dano menor perante dois danos inevitáveis. O cirurgião cumpre o dever positivo de
assegurar a vida de cinco pacientes à custa da violação do dever negativo de não matar.
Condená-lo mostra então que os deveres negativos têm mais força que os deveres
positivos. Isto implica que a eutanásia ativa e passiva não sejam equivalentes.
Há, no entanto, casos ambíguos em que não se sabe com segurança que deveres
são negativos e quais são positivos. Pense-se no caso em que parece não haver dúvidas
de que é mais humano matar uma pessoa para evitar mais sofrimento desnecessário. Se
admitirmos que o dano, neste caso, é o sofrimento desnecessário e não a morte, o dever
negativo é então o de não prolongar esse sofrimento. Matar é assim o dever mais forte, e
parece ser óbvio que é ainda mais forte quando a eutanásia ativa é voluntária.
Saber se o motivo de se querer pôr fim à vida é pôr fim a um sofrimento
devastador ou aos pesados encargos de uma família é moralmente relevante, assim
como é saber se pôr fim à vida é um gesto de compaixão ou um sinal de interesses
duvidosos. Parece, portanto, que os fatores moralmente relevantes que intervêm nos
casos reais não cabem em princípios de caráter geral. À diversidade dos fatores que
intervêm nesses casos correspondem diferenças morais. Isto dá ideia da dificuldade do
debate. Essa dificuldade, porém, não termina aqui. Diferentes fatores não introduzem
apenas diferentes considerações morais. Introduzem igualmente tipos diferentes de
considerações.
Isto quer dizer que a eutanásia pode ser defendida ou rejeitada a partir de
considerações de tipo consequencialista. No primeiro caso, defende-se a eutanásia
porque ela tem a consequência de minimizar o sofrimento, no segundo, rejeita-se a
eutanásia porque ela tem a consequência de diminuir a confiança nos profissionais de
saúde. A eutanásia pode também ser defendida ou rejeitada a partir de considerações
deontológicas. No primeiro caso, defende-se a eutanásia porque ela respeita o dever de
cuidar do paciente, no segundo, rejeita-se a eutanásia porque ela não respeita o princípio
da santidade da vida humana
Introduzir a regra de matar para o bem do paciente levaria à erosão da
confiança nos médicos e em todo o sistema de saúde. Outra consequência muito
provável é que a erosão de confiança se estenderia a toda a sociedade visto que a
proibição de matar inocentes perderia a sua força normativa. A verdade é que ninguém

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se sentiria seguro numa sociedade em que se mata uma pessoa para o seu bem, visto que
a autonomia é um elemento decisivo do bem-estar.
A autonomia tem mais importância moral do que o prazer ou a ausência de dor.
Isto favorece a eutanásia voluntária pois há mais autonomia se as pessoas têm maneira
de controlar quando acabam as suas vidas. Supondo que a autonomia está assegurada,
minimizar o sofrimento passa então a ser o fator moralmente decisivo. A eutanásia
ativa, neste caso, está mais justificada. É provável que uma morte mais rápida seja uma
maneira menos dolorosa de pôr fim ao sofrimento do paciente. Teria, portanto, as
melhores consequências.

Posição assumida pela Igreja Católica

Também encontramos a Eutanásia na Bíblia, mais precisamente no Livro dos


Reis, na passagem em que Saul (Bíblia Sagrada, Samuel, capítulo 31, do versículo 1 ao
13) se lançou sobre a sua própria espada para não cair nas mãos dos seus inimigos e
ficar prisioneiro. Como acabou por apenas se ferir, teve de pedir ao seu escravo para
acabar com a sua vida.
A Igreja Católica opõe-se à Eutanásia e ao Suicídio Assistido e sempre
condenou veementemente qualquer prática que antecipe a morte de um doente, quer o
mesmo o solicite ou não.
A oposição da Igreja fundamenta-se não só no pressuposto de que não cabe ao
homem pôr termo à vida (mesmo que seja a sua própria) mas também em razões éticas,
concretamente na noção de que a dignidade pessoal não é afetada pelo seu estado de
saúde e que defender o contrário dá a ideia de que umas pessoas são mais dignas do que
outras, podendo dar origem a outros perigos sociais, tais como a supressão dos recém-
nascidos defeituosos, dos deficientes profundos, dos inválidos, dos idosos (sobretudo
quando não autossuficientes) e dos doentes terminais.
O Catecismo da Igreja Católica refere o assunto no seu artigo 2277, afirmando:
“Quaisquer que sejam os motivos e os meios, a eutanásia direta
consiste em pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou
moribundas. É moralmente inaceitável.
Assim, uma ação ou uma omissão que, de per si ou na intenção,
cause a morte com o fim de suprimir o sofrimento, constitui um
assassínio gravemente contrário à dignidade da pessoa humana

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Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

e ao respeito do Deus vivo, seu Criador. O erro de juízo, em que


se pode ter caído de boa fé, não muda a natureza do ato
homicida, o qual deve sempre ser condenado e posto de parte.”
O Concílio Vaticano II, convocado e presidido pelo Papa Paulo VI defendeu o
direito à vida, logo a Declaração sobre a Eutanásia de 1980 denunciou, nos crimes
contra a vida, de entre outros, o da eutanásia e o do suicídio voluntário.
Pela voz do Papa João Paulo II, a Igreja manifestou que há dignidade e valor no
sofrimento e que o mistério da dor não é decifrável para quem não possui uma visão
religiosa. Também referiu que a ilusão de que o homem pode apropriar-se da vida e da
morte para decidir sobre elas, esvazia de significado a morte e destrói qualquer
esperança de vida após a morte.
O Papa Bento XVI, em “caritas in veritate”, também mencionou o tema
considerando a eutanásia uma manifestação abusiva de domínio sobre a vida, uma vez
que estipula condições acerca de quando a mesma é digna de ser vivida.
O Papa Francisco, numa audiência que concedeu à Associação de Médicos
Católicos Italianos (2014), disse:
“O pensamento dominante propõe, por vezes, uma falsa compaixão, a que
considera como ajuda à mulher favorecer o aborto, como um ato de dignidade
procurar a eutanásia ou como conquista científica ‘produzir’ um filho”.
Seguidamente explicou que a Eutanásia não é um problema religioso, mas sim,
científico e que para o pensamento moderno a qualidade de vida está muitas vezes
ligada “às posses económicas, ao bem-estar, à beleza e ao gozo da vida física,
esquecendo outras dimensões mais profundas da existência”.
O Papa Francisco sublinhou que à luz da fé e da razão “a vida humana é sempre
sagrada” e tem sempre “qualidade”.
A exortação apostólica do Papa Francisco com as conclusões das Assembleias
do Sínodo dos Bispos de 8 de abril de 2016, intitulada ‘Amoris laetitia’ (A Alegria do
Amor), refere o tema dizendo:
“A eutanásia e o suicídio assistido são graves ameaças
para as famílias, em todo o mundo. A sua prática é legal em
muitos Estados. A Igreja, ao mesmo tempo que se opõe
firmemente a tais práticas, sente o dever de ajudar as famílias
que cuidam dos seus membros idosos e doentes”.

13
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

Mais recentemente, em 16 de novembro de 2017, o Papa Francisco emitiu um


novo comunicado contra a eutanásia e o encarniçamento terapêutico, solicitando
respeito pela vida e por cada doente, em virtude de decorrer no Vaticano o encontro
regional europeu da ‘World Medical Association’ (Associação Médica Mundial)
dedicado aos cuidados dos pacientes em fim de vida, o mesmo diz:
“Não utilizar meios desproporcionados ou suspender a
sua utilização equivale a evitar o encarniçamento terapêutico,
isto é, cumprir uma ação que tem um significado ético
completamente diferente da eutanásia, que continuar a ser
sempre ilícita, dado que se propõe interromper a vida,
procurando a morte.”
Para a Igreja a eutanásia não deve ser proibida ou permitida. A Igreja defende
sim, que ninguém deve estar numa situação de dor, de esgotamento sobre qualquer
aspeto da sua vida que faça com que prefira morrer a viver, de obstinação terapêutica,
que a faça pensar que a eutanásia é a solução para o seu desespero. Não se pode pensar
que se mata por compaixão, pois na realidade, está-se a matar a compaixão.
Assim, a Igreja aposta numa medicina paliativa, a qual pode e deve cuidar do
doente sem encurtar a vida, combatendo tudo o que torne a morte “mais angustiante e
sofrida”.
Desde que na Assembleia da República Portuguesa se começou a debater este
tópico, vários bispos portugueses e a Conferência Episcopal manifestaram a sua
oposição a qualquer tentativa de legalizar a eutanásia ou o suicídio assistido.
O Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa emitiu uma Nota
Pastoral4 onde explana a temática da eutanásia e do suicídio assistido, bem como reflete
sobre a importância dos cuidados paliativos para enfrentar o sofrimento. À Nota
Pastoral seguiu-se um anexo com perguntas e respostas sobre a eutanásia ou o suicídio
assistido, tendo sido posteriormente publicado um folheto que pretendia informar a
sociedade portuguesa e esclarecer dúvidas, numa altura em que a legalização desta
prática é debatida.

4
Eutanásia: o que está em causa? Contributos para um diálogo sereno e humanizador

14
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

O doente e a sua manifestação de vontade

Neste ponto do trabalho centraremos a discussão, fundamentalmente, no seu


protagonista – o doente.
Se deixarmos de lado, as questões de consciência pessoal dos técnicos da
saúde, as imposições religiosas de um estado laico, o desgosto da família que por vezes
assume contornos de egoísmo e a utilização política da temática, talvez possamos
considerar que o ato de antecipar a morte (por eutanásia ou morte assistida) é um
“direito” da “vida humana” que não se opõe a outros, como o direito aos melhores
cuidados paliativos, ou ao testamento vital.
Vimos atrás que a Constituição da República Portuguesa no seu artigo 245
defende que o direito à vida é inviolável, mas a inviolabilidade que se assume é a da
vida humana que pode não coincidir com a vida biológica que o doente suporta com um
grande e irreversível sofrimento, sem perspetivas de cura.
Recolocando a questão no doente e na sua liberdade individual de se expressar
e fazer escolhas relativas à inevitabilidade da sua morte é importante afirmar que o ato
de antecipar a morte6 dá resposta ao pedido consciente e reiterado de não querer sofrer
mais.
Se perguntássemos a cada um de nós (na qualidade de ser humano, não de
político, ou médico ou representante da igreja) como gostaria de morrer, já que o facto é
inevitável, arriscamo-nos a responder que a esmagadora maioria diria “durante o sono,
sem sofrimento” fazendo uso da expressão popular “acordar morto”.

A tentação da discussão coletiva sobre temáticas de cariz pessoal, levou dois


grupos de cidadãos a elaborar e entregar na Assembleia da República duas petições para
as quais recolheram inúmeras assinaturas, que procuram fundamentar posições em
nome dos doentes.

5
Artigo 24.º Direito à vida

1. A vida humana é inviolável.

2. Em caso algum haverá pena de morte.


6
A morte medicamente assistida pode concretizar-se de duas formas: eutanásia, quando o fármaco letal é
administrado por um médico, e suicídio medicamente assistido, quando é o próprio doente a
autoadministrar o fármaco letal, sob a orientação e supervisão de um médico.

15
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

Por um lado os signatários da petição 103/XIII/1º promovida pelo movimento


“Direito a morrer com dignidade7, solicitam aos deputados que, em nome da liberdade
individual dos doentes, despenalizem a morte assistida porque:
● Querer morrer é uma expressão concreta dos direitos individuais à
autonomia, liberdade de convicção e consciência;
● Querer morrer é um direito de um doente que sofre e a quem não resta
alternativa por ele considerada como aceitável ou digna;
● Querer morrer é um ato de forma assistida é uma decisão pessoal que
merece compaixão do outro;
● Querer morrer não exclui nem pode diminuir o investimento dos
cuidados paliativos onde pode e deve ser inserida;
● Querer morrer é uma decisão individual consciente e reiterada e, num
Estado laico, deve balizar-se na lei e não na confissão religiosa
dominante;
● Querer morrer em paz, de acordo com os critérios de dignidade que
cada um construiu ao longo da vida, também faz parte do Direito à vida
património ético da humanidade; (Cívico, Direito a morrer com
dignidade, 2016)

Por outro lado, os signatários da petição 250/XIII/2º8 Toda a vida tem


dignidade, de 26/4/2016 promovida pela Federação Portuguesa pela Vida9, pedem ao
legislador que, uma vez mais em nome dos doentes, não se despenalize a morte assistida
porque:

● A vida humana é o primeiro dos direitos fundamentais, de onde


decorrem todos os outros, pelo que é inalienável irrenunciável e
indisponível;
● Uma cultura construtiva e de solidariedade têm que ser claramente a
favor da vida, não permitindo que a liberdade individual possa ser exercida
de forma perigosa;
● O Estado não pode validar o direito de alguém ser morto por outrém;

7
Disponível https://morteassistida.com/
8
Disponível https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalhePeticao.
9
Disponível em www.federacao-vida.com.pt/

16
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

● O exercício da liberdade e da vida comporta perdas e sofrimentos;


● A dor e o sofrimento têm remédios que em nada diminuem o direito à
dignidade e de estar disponíveis para todos; (Cívico, Toda a vida tem
dignidade, 2017)

Os argumentos da primeira petição estão mais alicerçados numa postura


individual que legitima uma decisão consciente e informada, já quanto ao segundo texto
remete-se para a sobreposição do (coletivo) Estado sobre a manifestação de vontade
individual.
Encontramos, durante as pesquisas, um texto de Joachim Cohen é sociólogo da
saúde, que defende como mais acertada a posição assumida pela Bélgica relativa a este
assunto. Com efeito, no regime jurídico Belga, a eutanásia acontece depois de os
doentes terem acesso a bons cuidados paliativos10 que foram alargados a todas as
pessoas tornando-os universalmente acessíveis e disseminados por todo o país. O
equilíbrio entre a decisão individual sobre a vida de cada um e a decisão coletiva sobre a
vida de cada um dos outros, parece acautelada.
Por outro lado, os estudos levados a cabo por este investigador referem que, ao
contrário do que se possa achar,
Não vemos que a eutanásia seja escolhida por doentes
particularmente vulneráveis, como pessoas mais velhas,
mulheres (por oposição aos homens), pessoas com um baixo
nível de escolaridade, pessoas em lares. Não vemos isto, muito
pelo contrário, estas são as pessoas que recebem menos
eutanásia. O que vemos é que, quem mais recorre à eutanásia,
são as pessoas mais bem informadas, relativamente mais novas,
que estão a morrer de cancro, que querem receber os cuidados
em casa, são as pessoas com personalidade forte, determinadas
e autónomas. (NOVAIS, 2018)

A consideração de que a capacidade de decisão possa estar moldada pela dor e


pelo sofrimento pode levar à consideração de que é possível elaborar uma política
eticamente sustentada relativamente à morte. Centrando-se na vontade livre e consciente

10
Os cuidados paliativos pretendem aumentar a qualidade de vida dos doentes e das suas famílias,
através da prevenção e alívio do sofrimento (Organização Mundial de Saúde).

17
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

da pessoa, e não da pessoa doente, acautelando-se que não haverá clandestinidade nem
abusos, nem precipitações relativamente à execução das decisões.
O testamento Vital previsto na Lei n.º 25/201211, de 16 de julho, define-se na
primeira pessoa como:
Documento que traduz a minha manifestação antecipada da
vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos
cuidados de saúde que desejo receber, ou que não desejo
receber, no caso de, por qualquer razão, me encontrar incapaz
de expressar a minha vontade pessoal e autonomamente.
Este documento, que subscrevo sendo maior de idade e capaz e
não me encontrando interdito ou inabilitado por anomalia
psíquica, é por mim unilateral e livremente revogável a
qualquer momento.

Desde 1 de Julho de 2014 que é possível fazer a Diretiva Antecipada de


Vontade, mais conhecida por "testamento vital". É um documento registado
eletronicamente, em que qualquer cidadão maior de 18 anos pode manifestar o tipo de
tratamento, ou os cuidados de saúde que pretende ou não receber, se vier a encontrar-se
numa situação de incapacidade de expressar a vontade.
O testamento vital, que tem a validade de cinco anos, é feito pelo próprio
indivíduo enquanto se encontra saudável e tem como objetivo ser usado como guia de
tratamento. A ideia é a de que seja a própria pessoa a decidir sobre o tratamento que
quer receber.
Em Portugal, de acordo com portal de transparência do Serviço Nacional de
Saúde, em dezembro de 2016 havia 6.141 pessoas com diretivas antecipadas de vontade
preenchidas.

Como preencher o testamento vital?

● Aceder à Área do Cidadão;

● Descarregar o formulário com o Modelo de Diretiva Antecipada de Vontade;

11
Definição jurídica

18
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

● Preencher e entregar no Agrupamento de Centros de Saúde ou Unidade Local


de Saúde da sua área de residência;

Será registado no RENTEV12 e acedido por médicos do sector público ou


privado. (O utente pode ter sempre consigo o testamento vital em papel, desde que
reconhecido pelo notário. Mas só tem garantia de que o mesmo é cumprido pelo médico
assistente, se estiver registado no RENTEV).

Que cuidados se deve ter antes de preencher?

● Debater previamente o assunto com um profissional de saúde da sua confiança;

● Assinar sempre conforme consta do documento de identificação civil.(Pode


optar pela subscrição da DAV, pela designação de um procurador de cuidados
de saúde, ou por ambos).

O que é um procurador de cuidados de saúde?

É uma pessoa de confiança do doente, que será chamada a decidir em nome do


utente sempre que a situação clínica identificada pelo próprio se verificar ou, então,
quando o testamento vital é claro, é a pessoa que assegurará o seu cumprimento. No
testamento vital pode optar-se por apenas escolher o procurador e nada dizer em relação
aos cuidados de saúde, sendo aquele a decidir.

Como consultar o testamento vital?

Num contexto de urgência ou de tratamento específico, o médico assistente


poderá consultar o documento através do Portal do Profissional, garantindo que a
vontade anteriormente expressa é cumprida. O próprio utente pode, através da Área do
Cidadão, verificar se o seu testamento vital está correto, ativo, dentro do prazo,
acompanhando todos os acessos que são feitos pelos médicos.

Em que situações clínicas se pode recorrer ao testamento vital?

● Ser diagnosticada uma doença incurável em fase terminal;

12
Registo Nacional do Testamento Vital

19
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

● Não existirem expectativas de recuperação na avaliação clínica feita pela equipa


médica;

● Em situação de inconsciência por doença neurológica ou psiquiátrica


irreversível.

Que cuidados de saúde é que o utente pode optar por “não receber”?

Não ser submetido:

● A reanimação cardiorrespiratória;

● A meios invasivos de suporte artificial de funções vitais;

● A medidas de alimentação e hidratação artificiais para retardar o processo


natural de morte;

● A tratamentos que se encontrem em fase experimental. (Pode, ainda, recusar


que lhe administrem sangue ou derivados).

E que cuidados pode autorizar receber?

● Participar em estudos de fase experimental;

● Investigação clínica ou ensaios clínicos;

● Receber medidas paliativas;

● Receber fármacos para controlo de dores;

● Receber assistência religiosa e designar alguém para ter junto de si durante este
momento.

20
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

Nos anos setenta, ganhou visibilidade a prática do Testamento Vital. Nos


Estados Unidos, teve uma grande aceitação, e atualmente, o testamento vital é
reconhecido em cerca de quarenta Estados Norte Americanos.
Em 1977, na Suíça, em Zurique, é aprovada, por referendo, a lei da eutanásia.
Contudo, o Conselho Federal, impediu a realização desta prática. A eutanásia continua a
ser punível pelos artigos 111;113;114 do código penal suíço. No entanto, o suicídio
assistido não é, na Suíça, punível por lei, desde que não exista motivo egoísta associado
ao procedimento – artigo 115 do Código Penal Suíço. Existem, aliás, no país, várias
organizações que oferecem o suicídio assistido, como a EXIT e a Dignitas.
Em Espanha, em 2000 foi proposto, pela Conferência Episcopal Espanhola, um
modelo para o Testamento Vital, em que o paciente enfermo manifesta a sua vontade
expressa de não ser submetido a tratamentos
A 1 de Abril de 2002, entrou em vigor, na Holanda, a ―”Lei sobre a Cessação
da Vida a Pedido e o Suicídio Assistido.

21
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

Algumas questões levantadas pelos profissionais de saúde

A morte assistida assume, neste momento, particular relevância quando está em


curso no país um ciclo de debates para “decidir sobre o final da vida”, promovido pelo
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), em que se discute a
necessidade de produção legislativa sobre o tema. Contudo, todos reconhecem que a
última palavra continuará a pertencer aos médicos, pois apenas eles poderão colocar a
eutanásia em prática.
Um inquérito13 elaborado por Helena Fragoeiro, médica no Centro de Saúde de
Câmara de Lobos, revelou dados muito interessantes sobre a opinião dos médicos em
relação à questão da eutanásia. A médica realizou este estudo no âmbito de uma
dissertação de mestrado em cuidados paliativos.
O questionário pretendeu encontrar respostas para o que é que os médicos
fariam aos doentes nos casos extremos, mas também como agiriam se estivessem eles
próprios numa situação terminal.
A maior parte dos 183 médicos vinculados ao Serviço de Saúde da Região
Autónoma da Madeira que foram inquiridos são a favor da legalização desta prática
para pôr termo à vida. Cerca de 65,6% dos inquiridos julgam que a eutanásia devia ser
permitida na ordem jurídica portuguesa, enquanto que apenas 41,5% afirmam que a
colocariam em prática. Quando inquiridos se gostariam de poder optar pela eutanásia
para eles próprios, caso tivessem uma doença incurável e progressiva que os levasse
inflexivelmente à morte, 59,6% dos médicos afirmaram positivamente.
O número de médicos que gostariam de poder optar pela morte assistida caso
tivessem uma doença terminal é, portanto, superior ao número daqueles predispostos a
praticá-la, o que frisa a existência de perspetivas diferentes ao nível pessoal e
profissional.
As respostas indicam ainda que 11% dos clínicos já receberam, pelo menos
uma vez, um pedido de eutanásia, no entanto nenhum referiu tê-la praticado.
Na dissertação, Helena Fragoeiro escreve que, no entender de 75,4% dos
médicos inquiridos, o conceito de eutanásia, com todas as suas implicações éticas,
legais, sociais ou outras, não deve ser alargado a situações de pessoas sem uma doença
terminal ou doença somática, englobando doentes crónicos, doentes mentais, pessoas
cansadas de viver por idade avançada, deterioração física, dependência ou solidão.
13
“Eutanásia e suicídio medicamente assistido: atitudes dos médicos”

22
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

Salienta-se ainda que, segundo o inquérito, existe uma percentagem mais


elevada de médicos mais novos que estão disponíveis para praticar a eutanásia se a
legislação o permitir, que pensam que a eutanásia deveria ser permitida na ordem
jurídica portuguesa e que se tivessem uma doença incurável e progressiva, que levasse
inexoravelmente à morte, gostariam de poder optar pela eutanásia.
Por outro lado, o estudo revela que 50% dos médicos julgam que o papel dos
cuidados paliativos pode evitar muitos pedidos de eutanásia, enquanto 32,2% afirmaram
que os cuidados paliativos podem apenas evitar alguns pedidos.

“Quero ser médica e não homicida”

Andreia Cunha dos Santos Silva é médica especialista em Clínica Geral e


Familiar. Estudou na Suíça e na Bélgica e trabalha atualmente em Bruxelas. Como
médica portuguesa achou por bem enviar o seu testemunho sobre o exercício da
profissão em países onde já foi despenalizada a morte provocada por vontade do doente.
Quis, portanto, expor um pouco a realidade da medicina e da sociedade nestes países
europeus, numa perspetiva pessoal.
A médica afirma que se deparou com muitos casos em que pacientes pedem
para pôr fim à vida, mesmo sem se encontrarem nas condições previstas por lei para o
fazerem. A primeira lei permitindo a despenalização da eutanásia na Bélgica, em 2002,
permitia a realização da eutanásia apenas em determinadas situações: num doente
adulto, com doença incurável ou condição clínica acidental irreversível, em sofrimento
físico e/ou psíquico constante, insuportável e incontrolável. Em 2014, a lei foi alargada
aos menores se fizessem um pedido reiterado, encontrando-se em sofrimento
insuportável devido a uma patologia incurável, e com o consentimento dos pais.
Durante a sua especialização, seguiu um paciente que se encontrava em estado
muito avançado da sua patologia oncológica. Acabou por entrar em coma irreversível, e
a sua agonia, isto é, o período que precede a morte, que na esmagadora maioria dos
casos é sem dor, durou pelo menos 3 dias. O perlongado tempo de agonia fez tanto
Andreia como toda a sua equipa questionarem-se quanto ao sentido daquela situação. O
paciente já não se encontrava consciente e, por isso, houve quem dissesse que era
necessário ajudar aquele paciente a falecer. “Sabendo muito bem o que acontece em
tantos hospitais belgas, não fiquei espantada com a proposta.”, afirma a médica
portuguesa. Não chegou a ser posta em prática, visto que o paciente acabou por falecer
de morte natural.

23
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

Poucos anos mais tarde desta situação, Andreia tratou de um paciente que tinha
feito um pedido de eutanásia por sofrimento insuportável. Passados alguns dias, a
médica pergunta ao doente se o processo de eutanásia devia continuar, ao que ele lhe
confessou não querer morrer, mas que as muitas dores que sentia lhe eram
completamente insuportáveis e por isso pedia a morte. “Tenho que admitir que não
esperava esta resposta, sobretudo porque partia do princípio que tudo tinha sido feito
anteriormente para atenuar as dores.”, acrescenta. Percebeu depois que o seu tratamento
não se encontrava ajustado à intensidade dos sintomas. O paciente acabou por retirar o
seu pedido de eutanásia e voltar para casa com cuidados paliativos a domicílio.
Com os episódios relatados esta profissional pretende demonstrar o quanto é
perigosa a despenalização destas práticas que provocam a morte dos cidadãos.
Andreia teve ainda oportunidade de trabalhar com equipas de cuidados
paliativos: “Pude aprender com elas como enfrentar o fim de vida de uma pessoa, como
cuidar médica- e humanamente destes doentes e das suas famílias.”.
A médica, residente em Bruxelas, critica o facto de nos quererem fazer crer que
a resposta mais humana que podemos dar a um outro ser humano que sofre, é a morte,
sobretudo se ele a pedir. Parece-lhe por isso muito fácil e claramente menos caro para o
governo inscrever uma lei no Diário da República a permitir a morte provocada dos seus
cidadãos, do que investir no avanço da medicina e no desenvolvimento uma rede eficaz
de cuidados paliativos à disposição dos cidadãos e dos profissionais de saúde
Justificar a eutanásia com o “morrer mal é simplesmente insultuoso para os
portugueses e principalmente para os profissionais de saúde. “Eu não quero ser
homicida; eu quero ser médica.”, declara Andreia Silva, contra a legalização da
eutanásia em Portugal.

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Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

Dois casos para reflexão

Alfie Evans

Imagem 1 - Alfie Evans

Alfie Evans foi um bebé que nasceu dia 09 de maio de 2016 e que viveu desde
o seu sétimo mês de nascimento numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no hospital
infantil Alder Hey em Liverpool.
Alfie era vítima de uma doença neurodegenerativa que estava a danificar aos poucos o
seu cérebro, desta maneira a sua respiração e alimentação estava a ser feita por
aparelhos. A doença que o levou à morte não é certa mas suspeita-se que este sofria de
miopatia mitocondrial (sintomas: Fraqueza muscular; Intolerância ao exercício; Perda
auditiva; Problemas com a coordenação dos movimentos; Convulsões; Deficits de
aprendizagem; Diminuição da visão; Autismos; Defeitos cardíacos e respiratórios;
Diabetes e atrofia do crescimento.) tal como podemos perceber por estes sintomas Alfie
muito provavelmente iria ter uma vida complicada e com muitas adversidades pela
frente.
Alfie viu os aparelhos que o mantinham vivo serem desligados na altura em
que estava prestes a completar dois anos de vida, e já se encontrava nesta situação há
mais de um ano. Esta decisão foi tomada pela Justiça contra a vontade dos pais, o que
levou a grandes discussões sobre o limite do poder de interferência por parte da mesma
na vida e nas decisões privadas dos cidadãos.
De seguida irei dar resposta a algumas questões que foram colocadas no decorrer deste
caso:
Alfie poderia sobreviver à doença?
Uma avaliação feita pela Alta Corte de Justiça do Reino Unido constatou que
os danos eram irreversíveis e que iria haver uma perda de mais de metade da substância

25
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

responsável pela transmissão de informações no sistema nervoso. Os médicos afirmam


que este estava num estado semivegetativo e que era incapaz de sobreviver sem o
auxílio dos aparelhos e de cuidados médicos.
No entanto ainda houve uma esperança quando o hospital decidiu desligar as
máquinas por um curto período de tempo e Alfie conseguiu sobreviver cerca de 10
horas, experiência que de nada adiantou pois as máquinas foram ligadas novamente.
Porque é que os aparelhos foram desligados?
Muitos de vocês se devem estar a perguntar o porquê. Esta decisão foi tomada
como já disse pela Justiça do Reino Unido que autoriza o desligamento de aparelhos de
pacientes que tenham passado um longo período em coma. No caso de o paciente ser
menor, cabe aos pais ou responsáveis pela criança esta decisão. No entanto, se os
médicos recomendarem o desligamento das máquinas contra a vontade dos pais, pode
haver a intervenção de um juiz.
É eutanásia?
Esta é a grande questão que se coloca. Em teoria, não. A eutanásia é a prática
de antecipar deliberadamente a vida de um paciente em estado terminal. Não foi o que
aconteceu com Alfie. Neste caso, será uma "ortotanásia" (ou eutanásia passiva), ou seja,
levar à morte natural por meio da suspensão de tratamentos paliativos. Nestas situações
o paciente pode, por exemplo, ser levado para morrer em casa.
Aparelhos foram desligados contra a vontade dos pais pois os médicos
consideraram que não havia esperanças de recuperação.
O bebé britânico Alfie Evans, que estava em estado terminal acabou por morrer
após uma longa batalha judicial de seus pais para tentar prolongar seu tratamento contra
a opinião dos médicos.
A Justiça britânica negou um recurso para transferir o bebé para Itália para
continuar um tratamento após os médicos britânicos decidirem interromper o tratamento
que estava a ser usado. Com o apoio do papa Francisco e do governo italiano, o objetivo
dos pais de Alfie era que lhes permitissem levar para Itália seu filho em estado
semivegetativo.
Com a permissão da Justiça, o Hospital Alder Hey de Liverpool desligou Alfie
do suporte vital, pois os médicos consideraram que não havia esperanças de
recuperação, e que mantê-lo vivo seria prolongar o seu sofrimento.

26
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

O caso de Alfie atraiu o interesse de todo o mundo, especialmente na Polónia e


em Itália, cujo governo concedeu a Alfie a nacionalidade italiana com a esperança de
facilitar sua transferência ao hospital pediátrico Bambino Gesù de Roma.
Além do aspeto médico, o caso de Alfie levantou questões éticas difíceis
Alfie morreu em julho de 2017, depois de os médicos retirarem a respiração assistida e
após cinco meses de batalha legal dos pais.

Ramón Sampedro

Imagem 2 – Ramón Sampedro “filme”

Nasceu em 5 de janeiro de 1943 no Município de Puerto del Son e é mais


conhecido por “a cabeça sem corpo”. Com 18 anos entrou para a marinha mercante com
a intenção de conhecer o mundo. Com 25 anos, sofreu um acidente ao mergulhar de
cabeça na água e bater numa pedra, fato que o deixou tetraplégico e preso à cama para
resto de sua vida. Foi o primeiro cidadão espanhol a pedir a eutanásia (suicídio
assistido). Argumentava que era direito de cada pessoa dispor de sua própria vida e que,
no seu caso, estava impossibilitado de fazê-lo sem auxílio de outras pessoas. O seu
pedido foi negado pela justiça porque o Código Penal, então vigente, assim não o
permitia. A legislação atual, igualmente, não permite o uso da eutanásia quando
estipula:

Aquele que causar ou cooperar ativamente com atos


necessários e diretos para a morte de outro, com pedido
expresso, sério e inequívoco deste, no caso de a vítima sofrer de
uma enfermidade grave a qual o conduziria, necessariamente, à
morte ou a graves problemas permanentes e difíceis de suportar,

27
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

será punido com as penas inferiores a um ou dois graus ou à


prisão de 2 a 5 anos (por mera cooperação) ou prisão de 6 a 10
anos (quando a cooperação colaborou com a morte).

Ramón morreu a 12 de janeiro de 1998, por envenenamento com cianeto de


potássio, ajudado pela sua amiga Ramona Maneiro. Ramona foi detida dias depois, não
sendo, no entanto, julgada, em função da falta de provas. Sete anos depois, uma vez que
o crime havia prescrito, ela admitiu ter facilitado a Ramón o acesso ao veneno e ter feito
a gravação do vídeo em que este proferiu suas últimas palavras.

“ Considero que viver é um direito não uma obrigação, como foi no meu caso.” Esta é
uma das citações mais famosas de Ramón em que este diz que foi obrigado a manter-se
na situação em que se encontrava o que lhe trazia bastante sofrimento e não levava uma
vida digna.
“ Só o tempo e a evolução das consciências decidirão algum dia, se o meu pedido era
razoável ou não.”
Com isto, Ramón pretende dizer que há coisas com o tempo que se vão tornando
aceitáveis, o que antigamente era impensável hoje em dia está a tornar-se legal em
alguns países. A evolução das mentalidades leva-nos a concluir que o seu pedido era
uma coisa bastante aceitável pois estava em sofrimento há mais de 20 anos.
Houve uma situação que quando estávamos a fazer a pesquisa achamos interessante
partilhar o facto de este ironicamente gozar com a situação em que se encontrava
quando Júlia, a sua empregada pergunta se ele fuma e este responde “Às vezes para ver
se me mata… mas não adianta.”
“ Eu quero morrer porque a vida para mim neste estado não é digna. Preciso de ajuda
de alguém para morrer, e que não tenha medo disto, a morte sempre esteve connosco, e
sempre estará… faz parte da vida, porque ficam todos escandalizados com o meu
desejo?” refere Ramón quando lhe perguntam a razão pela qual quer por fim à sua vida
e diz ainda que precisa de ajuda para o fazer porque sozinho não consegue.

28
Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

Conclusão

Entendemos que o objetivo do nosso trabalho passaria por perceber que, sobre
as questões da vida humana, não basta dar opinião é preciso refletir sobre os argumentos
explanados pelos vários intervenientes na discussão.
Assim, arrumando argumentos:

A favor:

Muitas pessoas desejariam abreviar uma vida que se teria tornado


insustentável: "Em muitos sistemas legislativos seria ilegal proporcionar a uma pessoa
que sofre uma morte desprovida de dor, enquanto que, se um gato ou um cão estivessem
na mesma situação, ilegal seria não o fazer.”.

 Direito à morte
Os defensores da despenalização da eutanásia argumentam que não deve ser
vedado o direito à autodeterminação e à escolha individual quer pela vida, quer pelo
momento da morte. Trata-se de colocar o interesse do individuo acima do interesse da
sociedade.
Cada indivíduo tem o direito de decidir se quer ou não viver. O direito de
morrer com dignidade, sem dor e sem sofrimento, deve ser dado a qualquer ser humano.
Afinal, somente ele sabe exatamente o que está a sentir.

 Evitar a dor
Etimologicamente, a palavra “eutanásia” significava, na antiguidade, uma
morte suave sem sofrimentos atrozes. Hoje, já não se pensa tanto no significado
originário do termo, mas sobretudo, na intervenção da medicina para atenuar as dores da
doença ou da agonia, por vezes, mesmo com risco de suprimir a vida prematuramente.
Evitar a dor, o sofrimento e incómodos de quem está em fase terminal de uma
doença é um dos principais motivos para a defesa da eutanásia.

 Morte digna
A definição da “boa morte” foi radicalmente modificada no século XX como
uma consequência do extremo avanço da medicina e do facto que as pessoas passaram a
terminar, muitas vezes, as vidas em hospitais. Essa morte foi compreendida como algo

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Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

causador de sofrimento e levou ao aparecimento de um movimento de reação. A partir


daí, construiu-se legislação para garantir o direito à morte digna.
A realidade portuguesa é, infelizmente, pouco mostrada. São pessoas
anónimas, que vivem, todos os dias, com grande sofrimento até que acabam por morrer.
Pessoas estas com doenças avançadas, incuráveis e progressivas a quem é dito que “já
não há nada a fazer”, retirando-lhes, a eles e às suas famílias, a esperança de uma morte
digna, com cuidados de saúde a que deveriam ter direito. Que resposta tem a Medicina
para estas situações? Será que a eutanásia é uma solução que como sociedade civilizada
temos para oferecer a milhares de pessoas que morrem todos os anos nestas condições?

Contra:

Despenalizar a eutanásia? Trata-se de uma questão civilizacional e é preciso


estar bem consciente dos perigos dramáticos e temíveis que se corre.

 Usurpação do direito à vida

Para a Igreja Católica a eutanásia é vista como uma usurpação da vida humana,
que é “sagrada e inviolável”.
Os indivíduos cuja vida está diminuída ou enfraquecida necessitam de um
respeito especial. Sejam doentes ou deficientes devem ser ajudados para levarem uma
vida tão normal quanto possível. A eutanásia consiste em pôr fim à vida de pessoas
deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inadmissível.
Assim, uma ação ou uma omissão que gera a morte a fim de suprimir a dor,
constitui um assassinato gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao
respeito pelo Deus vivo, seu Criador. O erro de juízo, no qual se pode ter caído de boa-
fé, não muda a natureza deste ato assassino que sempre deve ser excluído e proscrito.
A decisão da eutanásia torna-se mais grave quando se pratica sobre uma pessoa
que não a pediu de modo nenhum nem deu qualquer consentimento para que fosse
realizada.
Atinge-se, enfim, o cúmulo do arbítrio e da injustiça, quando alguns, médicos
ou legisladores, se arrogam o poder de decidir quem deve viver e quem deve morrer.
Aparece, assim, reproposta a tentação do Éden: tornar-se como Deus “conhecendo o

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Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

bem e o mal” (cf. Gn 3,5). Mas Deus é o único que tem o poder de fazer morrer e de
fazer viver: “Só Eu é que dou a vida e dou a morte” (Dt 32,39; cf. 2Re 5,7; 1Sm 2,6).
Ele exerce o seu poder sempre e apenas segundo um desígnio de sabedoria e
amor. Quando o homem usurpa tal poder, subjugado por uma lógica insensata e egoísta,
usa-o inevitavelmente para a injustiça e a morte.

 Médicos juram não matar

Os médicos quando se formam fazem o Juramento de Hipócrates e lá está dito


que cabe aos médicos garantir todos os meios para assegurar a sobrevivência dos
pacientes. Os médicos juram não matar.
O Médico como profissional autónomo no exercício da sua atividade fez um
compromisso com a sociedade que só é simples na aparência: o seu trabalho “é”
interpretar sinais e sintomas procurando incessantemente associá-los a uma doença, “é”
aliviar sofrimento, sempre, e também “é”, se possível, curar doenças.
Este compromisso encerra o viver-se Médico num código de honra que
nenhum de nós, nem ninguém, tem o direito de anular, distorcer ou interpretar fora do
seu literal e por isso impede qualquer Médico de praticar eutanásia.

 Perigo à espreita

A generalização e a possibilidade de ir abrangendo cada vez mais situações são


preocupantes para os partidários do não.
Com uma lei aberta à possibilidade da prática da eutanásia e do suicídio
assistido, poderão surgir, depois uma pressão disfarçada e subtil sobre os doentes e os
velhos, que acabará por ser interiorizada por eles, para que exerçam o direito à eutanásia
"voluntária" ou ao suicídio medicamente assistido. Surge aí o risco de enormes
equívocos na própria terminologia "morte por compaixão”. A nossa sociedade está cada
vez menos humanista: deixamos de ter tempo e solidariedade compassiva para com os
mais fracos, tal como os doentes graves e os moribundos e, por isso, guiamo-los para o
que chama a "morte misericordiosa" ou "morte por compaixão".
"Temos de falar obrigatoriamente na relação médico/paciente, pois é
fundamental. O doente tem de sentir apoio, de ser informado o melhor possível e não é

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o que se está a passar. Neste momento, o tempo é cada vez mais curto, o que significa
que as pessoas não estão a ter o acompanhamento que deviam ter para saberem que
alternativas existem antes de optarem pela eutanásia", sublinhou Miguel Guimarães,
bastonário da Ordem dos Médicos.

Tendo-se considerado tudo o que foi sumariamente exposto, compreende-se


que a eutanásia, enquanto questão da bioética é um tema bastante complexo e que
dificulta, sobretudo na nossa faixa etária, uma posição absoluta. Os prós e contras
devem ser seriamente considerados no debate da próxima semana na Assembleia da
República.
Assumindo que todas as posições devam convergir para o interesse de alguém
que está a sofrer é importante esclarecer e criar condições para uma decisão livre e
informada.

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Eutanásia – Não é opinião, é reflexão

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Anexos

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