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Título: Amante de mentira

Autor: Liz Fielding


Título original: A suitable groom
Dados da Edição: Editora Nova Cultural 1999
Publicação original: 1998
Gênero: Romance contemporâneo
Digitalização e correção: Nina
Estado da Obra: Corrigida

Verônica Grant precisava de um homem...


Um homem para acompanhá-la ao casamento de sua prima Fliss, e que mantivesse sua casamenteira mãe bem
afastada. Um homem como Fergus Kavanagh. Caso convencesse o renomado e convicto solteirão a passar por
seu namorado, sua mãe com certeza...
Fergus Kavanagh era o par perfeito... rico, sexy, charmoso. O ideal de toda mulher. E também tinha suas razões
para aceitar o estranho pacto de se passar por amante faz-de- conta. Só que Fergus não conseguira imaginar as
consequências ao se perder de amores por Verônica Grant, uma mulher que tinha a mais secreta das razões para
continuar solteira!
CAPÍTULO I

— Obrigada pela carona, Nick. — É o mínimo que posso fazer, considerando-se que você se
levantou às seis da manhã para me ajudar.
Nick Jefferson retirou a pequena valise de Verônica do porta-malas.
— Telefone-me assim que souber em que trem voltará amanhã. Assim, poderei pegá-la na
estação. Na verdade, por que não volta a tempo de jantar conosco? Cassie está testando uma nova receita,
e sei que uma opinião imparcial seria bem-vinda. Além do que, vocês não ficam juntas há semanas.
— Agora que está próxima a chegada do bebé, sua mulher deveria permanecer deitada com os
pés para cima, Nick, e não se esfalfando num fogão quente para qualquer um que você convida para
jantar.
— Apenas venha, diga a ela o que pensa sobre tanta atividade, assim como sua opinião
sobre a receita. Talvez Cassie a ouça.
— Duvido. — Verônica tomou-lhe a valise da mão. — Além do mais, há outras maneiras de se
manter uma mulher na cama. Ofereça-se para uma massagem nas costas... ou outra coisa do género.
Ele abriu um grande sorriso.
— Ora, por que não pensei nisso antes? Ei, não se esqueça da caixa do chapéu. Até parece que
não deseja ir a esse casamento.
— Não estou mesmo muito empolgada. Adoro minha prima, mas casamentos de familiares não
são meus acontecimentos sociais favoritos. Prefiro ir ao dentista. Ele me faz rir.
— Então, qual a razão para estar indo? Não é obrigatório, é?
Verônica deu de ombros.
— Minha família leva esse assunto muito a sério, Nick. Espera que todos compareçam, a
menos que se apresente um atestado, confirmando uma doença infecto-contagiosa.
Aliás, não conhece nenhum médico que eu possa subornar?
— Receio que não. Um atestado do patrão serviria? "Verônica não estará dispensada até o
término das pesquisas e do relatório sobre o mercado de refrigeradores entre os esquimós."
Ela achou graça.
— Já recebo bastante crítica por parte de minha mãe, por colocar minha carreira em primeiro
lugar... Bem, é melhor eu ir agora. Perder o trem também não será um pretexto aceitável.
Por sorte, o trem das oito' e quinze tinha um vagão-res-taurante, pois o dia que se iniciara às seis da
manhã prometia ser bem longo. O funcionário da companhia ferroviária sorriu assim que a viu.
— Bom dia, srta. Grant. Eu pego sua mala.
— Obrigada, Peter.
Verônica entregou-lhe a valise e colocando a caixa de chapéus na cadeira vazia à mesa para dois,
antes de sentar-se no lugar oposto, lançando um olhar à plataforma no exato momento em que um guarda
fazia sua inspeção final ao longo do veículo, verificando se tudo estava em ordem para a partida.
Então, enquanto o homem levava o apito aos lábios para o aviso final, a atenção deste e também a
sua foram desviadas para o soar de pesados passos nos degraus de pedra.
—Segurem essa porta!
O tardio viajante, num confiante tom de voz, soara como alguém acostumado a ser obedecido sem
ser questionado. E foi.
E Verônica quase perdeu o fôlego ao ver a alta e ágil figura cruzar a plataforma e entrar.
— Posso anotar seu pedido, senhorita?
— Peter, meus olhos me enganam, ou aquele era Fergus Kavanagh?
Verônica seria capaz de apostar que o presidente das Indústrias Kavanagh era o tipo de homem que só
se permitia viajar conduzido por um chofer de confiança em seu Rolls Royce.
— Sim, senhorita. Viaja bastante conosco. E, como o sr. Kavanagh diz, quem o fará se não for
ele? —- O senhor sorriu ao notar a sobrancelha erguida de Verônica, num arco intrigado. — O sr.
Kavanagh tem um quê por esta linha. A senhorita o conhece?
— Não. Ainda não.
Fergus Kavanagh costumava ser um homem equilibrado e calmo, apesar de ele mesmo admitir que
não confiaria muito nessas suas qualidades. Acontecia, porém, que muito poucas pessoas conseguiam irritá-
lo.
Naquele dia, no entanto, não se encontrava em seu estado normal.
— Por pouco não perdeu o .horário hoje, sr. Kavanagh.
— Parece que minhas atitudes estão todas no limite, neste momento, Michael.
O funcionário fez um sinal de assentimento.
— E o mesmo com casamentos. Casei duas filhas, sei como é isso, senhor. E só se concentrar
na paz que virá quando toda a correria estiver terminada. Aí, consegue-se ir até o fim. — E, com essas
palavras de conforto, Michael deu o sinal, e as portas se fecharam.
Paz... Enquanto abria caminho por entre os lotados vagões para o restaurante, a palavra ecoava em
sua mente como algo inatingível. "Paz" era um conceito que sempre lhe parecera ilusório, mas tinha de
acreditar que, após o enlace de sua irmã Dora, viria a saber o que era desfrutar de permanente
tranquilidade.
Fez uma ligeira pausa na entrada do restaurante, buscando pelo funcionário.
—Bom dia, sr. Kavanagh. Estamos quase lotados. As senhoras parecem querer aproveitar os preços
especiais das liquidações de primavera em Londres. Não o esperamos às sextas-feiras, ou teria lhe
reservado uma mesa. Receio que terá de compartilhar uma.
Fergus irritou-se. Não se encontrava disposto a ter companhia. Esperara por uma viagem calma,
durante a qual pudesse ler os jornais e esquecer tudo o que se relacionasse com a irmã e seu casamento.
Em vez disso, viu-se conduzido a uma mesa de dois lugares, onde uma mulher examinava o menu.
Um único olhar foi suficiente para assegurar-lhe de que o assento em frente a ela estava ocupado
por uma caixa de chapéus. Desculpa suficiente para se afastar.
Notou um local vago no fim do vagão, mas, ao tentar apontá-lo para o empregado, a mulher se
adiantou:
— Tire a caixa e sente-se — convidou numa voz mansa e rouca.
Verônica havia baixado um pouco o cardápio, e o encarava de modo que Fergus pôde vislumbrar uma
mecha de cabelos loiríssimos e um par de extraordinários olhos azuis.
— Eu não mordo. — Verônica se divertia com a hesitação dele.
Sob circunstâncias normais, Fergus teria murmurado algo educado e continuado seu caminho.
Entretanto, aquele olhar o manteve parado no mesmo lugar. Emitia tal auto ridade e autoconfiança que o
intrigou.
Essas eram qualidades raras em uma mulher, na opinião de Fergus. Por isso, mudou de ideia, apesar
de que a beleza dela já teria sido suficiente para demovê-lo.
— Tem certeza de que não a perturbo? Posso me sentar um pouco mais à frente e..
O trem deu um pequeno solavanco nesse momento, obrigando-o a se segurar no assento.
— Bem, talvez seja melhor eu me sentar...
— Imagino que sim.
Intrigado, Fergus levou sua mala ao compartimento para bagagem acima da cabeça, ao lado de uma
pequena valise Vuitton, decerto de propriedade da dama. Então, pegou a caixa de chapéus.
Era leve, mas grande demais para o compartimento de bagagem, e não havia lugar para ela sob a
mesa, apesar de que checar tal fato lhe deu a oportunidade de ver um par de longas e bem torneadas
pernas, e pés bem calçados, que combinavam com o resto daquela mulher.
A caixa de chapéus tornara-se um desafio para Fergus. Mas não por muito tempo. Estando no
controle de um conglomerado industrial desde os vinte anos, tornara-se expert na arte de delegar. Sendo
assim, virou-se e entregou o volume para o funcionário.
— Estou certo de que você encontrará um local seguro para isto, Peter. — Então, acomodou-se,
cumprimentando com um ligeiro balançar de cabeça sua parceira de desjejum, abrindo de imediato o
exemplar do Financial Times.
Tal atitude era o esperado do reservado cavalheiro inglês, mas seus instintos lhe diziam que aquela
mulher não permitiria que ele a ignorasse por muito tempo.
— Gostaria de olhar o meu menu? — Verônica perguntou depois de alguns instantes.
— Obrigado, mas não será necessário. Peter sabe o que desejo.
Fergus oferecia-lhe uma abertura, e imaginava o que ela faria em seguida.
Verônica o manteve em expectativa, com uma pausa ponderada, durante a qual para Fergus foi
impossível se concentrar nas manchetes a sua frente.
— A notícia sobre sua posse do controle acionário da GFM Transportes está na página catorze.
Caso seja isso o que procura.
Posse do controle acionário? Então, ela não apenas sabia quem ele era como também lia as páginas
de economia.
Fergus estava certo. Aquela linda mulher eira muito mais interessante do que o periódico.
Abaixou-o pelo simples prazer de fitá-la. Julgou-a belíssima. Não do tipo de beleza padrão. Havia
algo mais profundo, além da compleição física, pele perfeita e cabelos maravilhosos. Existia mais naquela
moça: caráter, riso fácil nos lábios e olhos expressivos.
— Controle acionário?
— Você assumiu o controle acionário da GFM Transportes. Há uma foto sua no artigo. Não é
uma fotografia muito boa, tenho de admitir, mas os retratos dos jornais são sempre sem vida, não acha?
Verônica ergueu seus delicados e expressivos dedos no ar.
— O jornalista sugeriu que foi uma jogada astuta.
— E mesmo? — Fergus dobrou o jornal.
Uma mulher que lia o Financial erá interessante o suficiente para interromper a legendária
reserva do mundo masculino britânico. Além do que, tinha certeza de que sabia disso.
— Esse jornalista não considerou que eu estava investindo capital em algo de maior
dimensão?
— É isso o que seu quadro de diretores pensa? — Verônica o encarou.
Alguns deles. Não que fosse da conta dela. Mas fora a questão certa fazer.
— É o que você pensa?
— Seria presunção de minha parte emitir algum tipo de opinião a respeito. Estou certa de que
sabe o que faz. Mas já o interrompi por muito tempo. Por favor, continue sua leitura, sr. Kavanagh.
Verônica afrouxou um pouco a linha, como o pescador que permite a seu peixe descansar antes de
arrebatá-lo, afinal.
— Obrigado. Posso saber quem você é?
— Não há razão para que não saiba quem sou eu, sr. Kavanagh. Meu nome é Verônica Grant.
Sou a diretora de marketing da Jefferson Sports. — E ofereceu-lhe a mão.
— Muito prazer, srta. Grant.
— O prazer é todo meu, sr. Kavanagh.
Peter retornou com uma grande bandeja. Dois ovos quentes, torradas e chá chinês para ela. Dois
pequenos filés de salmão defumado, fatias de finíssimo pão, ligeiramente torradas, e café para ele.
— Por favor, leia seu jornal — Verônica insistiu, enquanto o desjejum era servido. — Não me importo
nem um pouco. Decerto, você detesta conversas no café da manhã. A maioria dos homens parece ser assim.
Fergus Kavanagh surpreendeu-se imaginando com quem aquela mulher dividiria sua primeira
refeição. Arrependeu-se no mesmo instante.
Porém, não poderia permitir que ela fizesse julgamentos infundados sobre sua pessoa. Não era anti-
social. Quando suas irmãs, Dora e Poppy, se encontravam em Marlowe Court, com ou sem seus parceiros,
ficava mais do que feliz em falar. Em geral, se alegrava com conversas. Mas não hoje, pois estava furioso
com ambas.
A srta. Grant, entretanto, interpretou mal seu silêncio.
— Perturbei o início de seu dia de trabalho. Espero que não desconte seu mau humor em sua
secretária por minha causa.
— Posso lhe assegurar, srta. Grant, que o início de meu dia já havia sido bastante perturbado,
antes mesmo de eu embarcar neste trem. E, já que não estou a caminho do escritório, minha secretária
está em completa segurança.
Ademais, ela é muito importante para meu bem-estar para ser tratada como bode expiatório. Hoje tenho
de ver meu alfaiate.
— Alfaiate? Pensei que estivesse acontecendo alguma espécie de crise com a tomada de ações e
do capital votante da empresa.
— Você é alguma espécie de investidor do mercado financeiro, por acaso?
— Não — Verônica respondeu, sem se intimidar pela súbita agressividade. — Só interessada.
O sorriso dela quase o derrubou da cadeira. Diria que Verônica estava flertando com ele, não fosse
o fato de que as pessoas não flertavam com estranhos no trem das oito e quinze da manhã para Londres.
Ao menos, assim o dizia sua experiência.
— Para ser honesto, senhorita, a visita a meu alfaiate é uma desculpa. Minha verdadeira razão
para ir até Londres é que anseio por escapar à loucura que são os preparativos de um casamento. Posso
assegurar-lhe que administrar a maioria das ações de uma firma requer menos esforço do que a simples
organização de uma cerimónia dessas.
—Você vai se casar?
Aquilo a deixou atordoada.
— Eu? Deus me livre! Garanto que me alegraria mais ser arrastado para uma piscina infestada de
tubarões, srta. Grant. E, se por acaso eu mudar de ideia, tenha certeza de que tudo será feito sem o
menor alarde. Não haverá fitas, flores, arranjos ou damas de honra. Não terei um obelisco em forma de
altar erguido em minha alameda, nem quatrocentos convidados a pisotear o coração de meu jardineiro.
Verônica levou uma colher de ovos à boca. Por que estaria com a mão trémula? Só queria aquele homem
emprestado por um dia, não desejava se casar com ele. Casar-se também não era uma de suas metas.
— A mulher com quem vier a se casar pode pensar diferente.
— Então, a dama em questão terá de escolher entre uma cerimónia pomposa e um marido. Tenho duas
irmãs, srta. Grant. Uma já está casada. A segunda, casar-se-á dentro de poucos dias. Nenhum homem deveria ser
obrigado a passar por tal tortura uma terceira vez.
— Dizem que três é o número correto.
— Dizem? — Fergus não iria deixar passar em branco o desafio. — Então, eles, seja lá quem forem,
falam pelo coletivo.
— Entendo... — Verônica tentava conter um sorriso.
— Não é engraçado, srta. Grant.
— Claro que não. Na verdade, endosso seus sentimentos. Portanto, vai buscar refúgio em seu clube de
cavalheiros?
Seria ele assim tão transparente?
— A tentação de permanecer lá até o final desse show é quase irresistível, devo dizer. Entretanto, terei de
conduzir a noiva ao altar. Mas ao menos tenho uma boa desculpa para ir à cidade.
Verônica franziu de leve a testa.
— Oh, o alfaiate...
— Minha irmã resolveu que precisarei de um novo traje para a ocasião. E, quando Dora cisma
com alguma coisa, não há como demovê-la. Ligaram-me, informando que já está pronto.
— Matrimónios são um inferno, não são?
— Este será. — Fergus lembrou-se da caixa de chapéus.
— Essa é a razão para seu chapéu? Também participará de um?
— Sim. Estou pagando os meus pecados. — Despejou mais um pouco de chá na xícara. —
Minha prima irá se casar. Tem vinte e dois anos e conquistou um visconde já na primeira tentativa.
— Não diga!
— Isso soa muito venal, não é? Não tenho ciúme de Fliss, sr. Kavanagh. Ela é uma garota
adorável, e merece uma vida maravilhosa com o homem de seus sonhos...
— Mas?
— Minha mãe aproveitará para me lançar longos e significativos olhares. Suspirará muito.
Murmurará coisas como "relógio biológico" a marcar o tempo e seu desejo incontido de segurar um neto
no colo, antes de partir para sua última viagem.
Verônica ilustrava toda a conversa com gestos teatrais que resumiam com perfeição as reações
maternas. Fergus se pegou rindo. Não podia evitar.
— Presumo que a senhora sua mãe corre risco de morte iminente.
— Não. Está com cinquenta e cinco anos, mas se recusa a sair dos quarenta e nove. Isso,
porém, não a impede de ansiar por...
— ...candidatos a genro?
— Isso mesmo. Eu costumava adorar cerimónias em família, mas elas se transformaram em
verdadeiros tribunais. Mamãe sabe muito bem que não escaparei a sua lista de "candidatos a genro",
como você definiu de maneira tão adequada. Na certa, ela os terá perfilados para mim, tal e qual numa
exposição, todos selecionados por suas qualidades financeiras e árvores genealógicas que remontam a
séculos e à habilidade deslumbrante de colocar a mágica palavra "senhora" na frente de meu nome. —
Isso soa como um pesadelo.

CAPÍTULO II

Se alguma vez na vida Fergus pensara sobre tal assunto, concluíra com quase absoluta certeza de
que a maioria das mulheres iria preferir que outros fizessem o duro trabalho de seleção na escolha de
futuros maridos. Mas talvez não fosse assim. Quem desejaria um companheiro que algum membro da
família decidira ser adequado? Ele, mais do que ninguém, tinha suas razões para simpatizar com a ideia.
— É importante o "senhora"?
— Para minha mãe, sim. Fui noiva de um conde, e ela nunca me perdoou por não haver
chegado ao altar.
— Um conde?!
— Com uma estátua em Gloucestershire, uma mansão na praça Eaton e um pequeno castelo
na Escócia.
— Por isso mudou de ideia? Porque o castelo era pequeno?
— Não. Por sorte, descobri a tempo que não era moldada para o papel de condessa. Não
queria desistir de minha carreira, entende? Esse é o teste. O quanto se está preparado para desistir por
alguém.
— Acredito. Teria de desistir da profissão?
— Pois é.
— Desistiu do castelo por causa disso?
— Sem hesitar.
— Então, a ideia de casamento lhe é mais desagradável do que a seleção de candidatos de sua
mãe.
— Não tenho a menor objeção ao matrimónio como instituição, sr. Kavanagh. Uma esposa certa
para organizar o cotidiano doméstico deve ser uma das maravilhas para qualquer homem. Entretanto,
estou sempre muito ocupada em organizar minha própria vida, para arcar com a tarefa de cuidar
de outro alguém. Conheço meus limites, e sei que não sou o tipo ideal para isso. Não tenho as
qualificações necessárias.
— Fala como se houvesse um curso para a formação de esposas. Estarei enganado ou a
Sociedade Real de Artes tem algo do género para futuros maridos?
— Talvez devessem tê-lo. — Seu sorriso tinha um quê desafiador. — Sempre me pego
perguntando se... Bem, já que todos os trinta e poucos solteiros da Sociedade Real são tão
perfeitos, por que alguém ainda não con quistou um deles?
— E uma questão interessante, srta. Grant. Talvez, assim como os melhores vinhos,
aqueles cavalheiros necessitem um pouco mais de tempo para maturar.
Aquele toque de discreta ironia não desapareceu por completo de Verônica, mas por um
momento Fergus Kavanagh detectou um leve corar nas maçãs do rosto.
— Céus! Que falta de tato a minha, não?
— No entanto, esclarecedora, senhorita. Diga-me, sua opinião é baseada em experiência
pessoal ou é a expressão de .simples preconceito?
Verônica se permitiu o mais discreto dos sorrisos.
— Recuso-me a dizer qualquer outra palavra nesse campo que possa me incriminar.
— Que pena! Estava apreciando nossa conversa. E devo admitir, desculpando-me com
sinceridade, que não tive tempo de entrar para a lista dos "casáveis". Estive ocupado demais.
As sobrancelhas claras se ergueram de imediato.
— Fazendo o quê? Quero dizer... — Ela corou mais ainda, recriminando-se por sua
curiosidade.
— Trabalhando, criando e educando minhas irmãs. Estive sempre envolvido com
ocupações desde a morte de meus pais, no ano seguinte a minha formatura.
— Lamento muito. — E a compaixão naqueles olhos azuis demonstrava que ela não estava
sendo apenas educada. — Meu pai faleceu quando eu ainda estava na universidade.
— Sinto tanto sua falta! Mamãe, também. Eles eram, a meu ver, o casal mais perfeito e feliz
que conheci. Estavam sempre ao lado um do outro.
— Assim como os meus. Até morreram juntos. Eu creio que nenhum dos dois teria sido capaz de
viver sem o outro.
Fora do tipo de amor que parecia atingir e contagiar cada membro da família cedo ou tarde.
Fergus não sabia ao certo se era bem-vinda ou não a ideia de algo semelhante lhe ocorrer, e num átimo
esclarecedor imaginou que talvez fosse essa a razão pela qual estivera evitando com tamanha persistência
todas as possibilidades de enlace que lhe haviam surgido nos últimos anos.
Então, percebeu que Verônica esperava pela conclusão de suas ideias.
— O interesse de meu pai pelos negócios ou por outra coisa qualquer era muito pequeno, exceto
sua dedicação a minha mãe. As Indústrias Kavanagh se encontravam em declínio, todos muito
confortáveis em suas situações, para instituir o doloroso processo de erguer as empresas a um patamar
de prosperidade. A situação da família também não era diferente, e eu tinha duas jovens irmãs para
cuidar, o que não me deu sequer cinco minutos para mim mesmo.
Não que Fergus Kavanagh não tivesse tido seus momentos. Mas aquele homem nunca deixara que
suas relações se aprofundassem para algo mais do que momentâneo interesse por alguma mulher. Jamais
permitira maiores envolvimentos. Nem sequer tentara.
Um estranho silêncio pairou no ar. Verônica quebrou-o:
— O trabalho é que conduz a vida.
— E a adolescência não combina, não leva ao romance.
Poppy e Dora sempre pareceram estar em meio a alguma crise...
E sempre vieram em primeiro lugar. Enquanto falava, Fergus brincava com o desjejum no prato.
Encarou-a, de repente.
— Por que ainda está disponível para o casamento, srta. Grant?
— Sr. Kavanagh, já lhe disse que não sou moldada para o papel de esposa.
— Não chegou nem perto, depois do conde?
— O senhor chegou?
— Peço que me desculpe. Foi impertinência minha fazer esse tipo de pergunta.
Verônica pareceu se recompor na breve pausa que se seguiu.
— Não, sr. Kavanagh, lamento haver soado um tanto agressiva. Para resumir, penso o oposto
de minha mãe, que acredita que o casamento é a única ocupação adequada para uma mulher.
— Um tanto antiquada, não?
— Eu diria pré-histórica.
— Por que não manda um pedido de desculpas junto com os melhores votos de felicidades para
sua prima? O comparecimento não é obrigatório, se não se é parte importante na cerimónia.
— O problema é que, em minha família, espera-se a presença de todos os membros nas
ocasiões especiais. Casamentos, batizados, aniversários... Além do mais, gosto muito de Fliss. Não poderia
faltar justo em uma ocasião tão importante para ela. E se eu não comparecer, as pessoas pensarão que
estava de mau humor.
— Por causa do tique-taque de seu relógio biológico?
— Creio que ele nem ao menos nem começou a andar ainda.
Fergus a olhava, pensativo.
— Então, por que se importar com o que as pessoas pensam?
— Não me importo. — Verônica suspirou. — Minha mãe, porém... Eu a amo.
Fergus compreendia. Amava Poppy e Dora, e as garotas eram impossíveis na maior parte do tempo.
— Você disse que casamentos são um verdadeiro inferno.
— Fergus serviu-se de mais um pedacinho de salmão. — Não poderia levar uma acompanhante como
escudo protetor?
Dora pedira à calígrafa que escrevesse "e parceiro(a)" nos convites a pessoas cujos relacionamentos
eram informais ou incertos.
— Deve haver alguém que conheça ou com quem trabalhe que poderá acompanhá-la.
— Ponderei a esse respeito, mas não encontrei ninguém que servisse. As mulheres têm de ser cuidadosas em
relação a seu ambiente de trabalho a fim de não serem mal-interpretadas. Além do mais, todos os rapazes
simpáticos que conheço são casados.
Verônica concentrou-se nos ovos quentes por um momento, e Fergus também dedicou sua atenção às
torradas e fatias de salmão defumado.
— Na verdade, até considerei a hipótese de contratar alguém.
— Ora! Não me diga que há agências de convidados de casamentos nas páginas amarelas!
— Não, mas de acompanhantes, sim. — Verônica notou a expressão interessada dele. — Não é nada
do que está pensando, sr. Kavanagh. Há uma que providencia homens elegantes que sabem usar os talheres e
não flertam com sua melhor amiga.
— Isso é importante?
— O talher ou o flerte?
— Ambos, senhorita.
— Julgo vital, se o que se deseja é provocar inveja. Uma amiga minha contratou um
acompanhante para uma grande e seleta festa na qual sabia que encontraria o ex-marido com sua nova
mulher. Ela me disse que o dinheiro gasto valeu a pena só por ver o queixo do ex-marido cair ao vê-la entrar com
um jovem finíssimo, que era no mínimo cinco anos mais novo. E também sabia dançar, uma habilidade que o
ex-marido nunca dominara. Para finalizar, a jovem esposa acabou flertando com o companheiro de minha
amiga.
— Um resultado perfeito, então.
— Dez, com louvor. E no final da noite nada mais do que um rápido apertar de mãos, um cheque em
um envelope e um boa-noite. Nada de laços. Sem complicações.
— Uma ideia interessante...
— Tenho de admitir que fiquei tentada. Eles têm um conde italiano nos arquivos, que poderia
tornar as coisas mais divertidas.
— Que terrível! — Fergus Kavanagh detestou a ideia.
— Sua mãe não me parece ser dessas pessoas que se im pressionam por um falso conde
italiano.
— Quem disse que era falso? A aristocracia falida da Europa também tem de comer, sabia? Mas
você está certo. Isso não adiantaria. Necessito de alguém que pareça ser um sério concorrente e
pretendente. Alguém como o senhor, sr. Kavanagh. — Tomou um gole do chá, antes de fixar-lhe o olhar. —
Por essa razão é que subornei Peter para colocá-lo aqui comigo.
Fergus Kavanagh não conseguiu se recordar da última vez em que alguém o deixara sem
palavras.
—Você subornou Peter?
Era hora de jogo claro, olhos nos olhos, cartas na mesa.
— Vi sua pressa em pegar o trem e perguntei a ele se vinha com frequência ao vagão-
restaurante para seu desjejum. Peter me assegurou que sim.
— É mesmo? Tenho de dizer que Peter me desaponta, e muito. Sempre o tive na conta de uma
pessoa discreta. Diga-me, o que isso lhe custou?
— Como?
Fergus não se deixou enganar por aquela aparência inocente.
— Com o que conseguiu suborná-lo?
Verônica hesitou por um instante.
— Não sei ao certo de devo dizer...
Depois do choque inicial, Fergus percebeu que começava a se divertir com a situação.
— Faça um esforço.
— Uma entrada para a final do campeonato nacional de futebol.
— Como?! E daqui a uma semana, não há mais ingressos.
— Eu tenho dois. — Verônica percebeu, de repente, que Fergus Kavanagh não estava mais tão
bravo como no início.
— Tinha dois.
— E achou que um deles valia minha presença aqui?
Verônica inclinou um pouco a cabeça para o lado e fitou-o por um segundo. Nada mais tinha a perder,
certo?
— Agora que já o conheci, sr. Kavanagh, estou certa de que sua presença teria valido os dois
ingressos.
Verônica não camuflava seus pensamentos. Isso era formidável. E Fergus, por sua vez, não podia
culpar Peter por ter aceitado a oferta.
—Tenho a impressão de que deveria me sentir lisonjeado.
Verônica levou os delicados dedos ao ar num gesto indecifrável. Aquilo o intrigava.
— Foi o melhor que consegui fazer com o pouco tempo de que dispunha. Tinha de raciocinar
rápido, o senhor sabe.
— O seu melhor é muito bom, srta. Grant.
— Não exageremos. Eu diria, sim, que a Jefferson Sports é um grande patrocinador. Espera-se
que eu compareça ao jogo, e que também leve um convidado.
— Peter? Sua surpresa era compreensível...
— Peter — confirmou. — Ele terá um dia inesquecível. Almoço, a oportunidade de conhecer
alguns dos mais famosos jogadores...
— Não duvido. Mas também não é esperado que esteja acompanhada de algum de seus
maiores clientes?
— Prefiro levar alguém que aprecie o esporte, que saiba me dizer o que está acontecendo.
Peter é um fã ardoroso do Melchester Rovers. E, além do mais, os grandes clientes sabem como mexer os
cordões a fim de conseguir seus próprios ingressos.
— Espero que Nick Jefferson tenha a mesma visão que a senhorita.
— Nick está ocupado com outras coisas no momento. E, de qualquer forma, Peter é um
cliente. Ele comprou um conjunto de nossos tacos de golfe há alguns meses.
Verônica Grant sorriu num franco convite para que Fergus Kavanagh se juntasse à sutil piada. Mas
não surtiu efeito.
— O senhor conhece Nick?
— Creio que não, senhorita.
— Nick tem um grande senso de ridículo.
— Com você como diretora de marketing, deve precisar. Suponha que eu não tivesse
cooperado. — Fergus indicou um assento distante. — Eu poderia ter resolvido me sentar mais ao fundo.
— Você preferiria. Peter, porém, o deteve a meu lado, e eu fiz bom uso de minha caixa de
chapéus. Gosta de futebol, sr. Kavanagh? Talvez eu consiga outro ingresso, se for por uma boa causa.
— Tenho um convite formal para esse jogo, srta. Grant.
— Lógico. Almoço com os diretores, cadeira especial nos camarotes. Nada menos que isso seria
adequado para o sr. Fergus Kavanagh. Não sei o que mais poderia oferecer a... um cavalheiro.
Por um momento, Fergus imaginou que aquela moça estivesse se divertindo à sua custa. Mas não
era verdade, concluiu.
— A senhorita fala âério, não fala?
— Estou sendo muito honesta e sincera, sr. Kavanagh. Veja, o senhor se encaixa com
perfeição no perfil esperado.
Fergus Kavanagh considerou que deveria perguntar o que viria a ser isso. Porém, pensando
melhor, desistiu.
— Você quase nada sabe sobre mim.
— Isso não é verdade. Sei, por exemplo, que o senhor é o homem mais disputado do momento.
Ou melhor, é rico e solteiro, o que é requisito essencial para um pequeno propósito meu, apesar de eu não
conseguir compreender como tem conseguido escapar ileso de alguma mãe casamenteira por tanto tempo.
— Sorte, imagino. Lembre-se de que não tenho títulos de nobreza — acrescentou,
começando a apreciar a ideia que lhe surgia na mente. — Talvez seja esta a razão.
— Duas qualidades, um defeito. Isso não é mau. E, cedo ou tarde, fará parte do rol dos
homens casados. Então, o que diz, sr. Kavanagh? Estará livre às duas horas da tarde de hoje?
"Deus, essa mulher é fria como gelo!" Fergus imaginou o que seria necessário para aquecê-la...
— Onde é o casamento, senhorita?
—; Na Igreja Saint Margaret.
— Saint Margaret, em Westminster?
— A mãe de Fliss é membro do Parlamento.
— Mulheres notáveis na família, então. — Os olhos bri lhavam, divertidos.
— Uma em cada geração. A recepção é em Knightsbridge.
— Não precisaremos ficar até o final. Na verdade, será um fator positivo se parecermos
ansiosos para ir embora. — Verônica ergueu os ombros no mais elegante gesto de des dém jamais visto. —
Mamãe não falaria em relógios biológicos por meses.
Fergus recostou-se no espaldar e estudou-a com interesse. Tal rapidez de raciocínio era rara, e podia
agora compreender como Verônica atingira o quadro de diretores da empresa com tão pouca idade.
Mas ele, por sua vez, também não era lento em tirar alguma vantagem de oportunidades
inesperadas. Talvez não quisesse uma entrada para a final de futebol. Entretanto, a srta. Grant lhe
oferecia a perfeita resposta para suas próprias dificuldades.
— Vejo que chegou a grandes distâncias para me pedir um favor, srta. Grant. E tanta astúcia
e imaginação não devem ficar sem recompensa.
— Isso é um "sim"?
— O mais qualificado deles. Minha cartola e meu novíssimo terno estarão a sua disposição
esta tarde...
O sorriso de Verônica tingiu-se de ligeira incerteza.
— Porém... — Ela indagou, após uma pausa.
— ...devo pedir um pequeno favor em troca.
— Bem, digamos que é justo.— Verônica se sentiria feliz por poder realizar qualquer fantasia
esportiva que aquele homem viesse a ter. — A que evento gostaria de assistir?
— Evento?
— O Grande Prémio, com toda a realeza? A partida final de Wimbledon?
— Consegue até isso?
— Não seria fácil, admito. Mas nada que valha o esforço é, concorda?
— Desta vez não será difícil, mesmo, senhorita. Quero dizer... caso esteja livre no dia
dezessete deste mês. É um sábado.
— Farei tudo para estar sem compromisso — falou sem hesitar, antes mesmo de saber o que
lhe seria pedido em troca.
Corajosa e fria. Ou quem sabe desesperada. A mãe deveria ser mais do que ardorosa defensora de
casamentos.
— Então, tudo o que peço em troca de minha companhia nesta tarde, senhorita, é que use de
novo seu chapéu e compareça ao casamento de minha irmã, como minha convidada. Formaremos nossa
própria agência de acompanhantes, você e eu, uma muito exclusiva. Manterei a distância todos os
candidatos que sua mãe perfilar, e sua tarefa será afastar todo o grupo de esperançosas moças
casadouras, viúvas e divorciadas que Dora e Poppy têm como alvo de futuras esposas para mim.
— O senhor está brincando! — Verônica engasgou.
— Gostaria de estar. A senhorita precisa de mim para manter sua mãe e sua lista de
candidatos bem longe, e fico feliz por ajudá-la. Tudo o que peço é que grude em mim feito cola no
enlace de Dora, dentro de duas semanas. Sem laços, sem complicações. Nem mesmo o momentâneo
embaraço de um cheque em um envelope. Apenas duas pessoas se ajudando em uma situação difícil.
Fergus sorriu para ela.
—Bem, srta. Grant, o que me diz? Temos um acordo?

CAPÍTULO III

— Eu digo que temos um acordo, sr. I Kavanagh. Ele ofereceu-lhe a longa e forte mão.
— Melhor me chamar de Fergus, não acha? — Um brilho diferente e inesperado surgiu nas
profundezas daqueles olhos castanhos. — Se queremos convencer sua mãe e a todos os outros
interessados de que somos amantes...
Verônica sentiu-se corar. Uma coisa era traçar planos. Bem diferente era encarar um estranho
enquanto ele pronunciava os fatos com clareza.
Amantes... Evidente que era o que pretendia passar para a mãe, e Fergus sabia disso muito bem.
Na verdade, eram um tanto maduros para fazerem o papel de jovens namoradinhos.
— Certo. Trate-me por Verônica. — Mas, ao aceitar o cumprimento, desejou não haver imaginado tal
aproximação.
O toque de pele com pele, os dedos másculos que se fecharam sobre os seus traziam um inegável quê
de excitação, risco talvez tão raro a ponto de acionar todos os seus instintos de autodefesa. Não que fosse
necessário, lembrou a si mesma. Aquilo não era mais do que uma pequena ajuda mútua.
— Verônica... — ele repetiu.
— Ou Ronnie, se preferir.
— Ronnie?
— É um apelido dos tempos de colégio.
Pelo jeito de Fergus Kavanagh, deveria ter abandonado aquela denominação na escola, junto com
o uniforme de ginástica e o bastão de hockey.
— Minhas irmãs me chamam Gussie, quando acham que não estou ouvindo.
— Verdade, Fergus? Não combina com você.
— Não menos do que Ronnie lhe cai bem.
— Oh...
Verônica tinha a impressão de que algo menos formal teria sido mais bem apropriado, já que
passariam por íntimos, mas não conseguiu falar.
— Muitas pessoas consideram meu nome muito longo, e tentam encurtá-lo.
— Não há por que tornar as coisas mais fáceis para eles "Verônica" é muito bonito, assim como
você.
Ela o encarou por um instante. Seria aquele um elogio? A expressão de seu rosto não lhe dava
nenhuma dica. E Verônica suspeitava que isso só aconteceria quando o sr. Fergus Kavanagh o quisesse.
Aquele homem sabia se manter impassível.
Verônica olhou para cima, grata pela interrupção, à aproximação do garçom com a nota do desjejum.
Colocou algumas notas sobre o prato a fim de frustrar qualquer oferta de Kavanagh para pagar por sua
refeição.
Deveria ter se oferecido para pagar por ambos os pedidos, mas decerto Fergus não permitiria que o
fizesse, e não desejava causar embaraços desnecessários entre eles. Começava a lhe ocorrer que
possibilidades como aquela já eram uma realidade. Então, olhou pela janela, fitando os muros de concreto
que fechavam o último quilómetro de trilhos até Londres.
— Estamos quase chegando.
— Para onde vai, Verônica? Se formos na mesma direção, poderemos dividir um táxi.
— Vou para a casa de uma amiga, em Sloane Square. Bem perto da King's Road.
— Ela também vai ao casamento?
— Sim.
— Então, talvez seja uma boa ideia que nos veja juntos. Como se chama sua amiga?
— Suzie Broughton. Mas pensei que você tivesse um compromisso urgente com seu alfaiate.
— Isso pode esperar.
Irritar um pouco o pobre-coitado era um pequeno preço a ser pago para desfrutar por mais alguns
instantes a original companhia daquela bela mulher.
— E o que você teria feito, caso eu não tivesse vindo pegar meu terno?
— Nada. — Verônica sorriu ao ver a surpresa dele. —
Tenho certeza de que seria capaz de alugar o traje perfeito para a ocasião sem minha ajuda. Caso
contrário, não seria a pessoa adequada para o tarefa.
Não havia palavras para tal comentário. Ou, pelo menos, alguma que lhe viesse de pronto à cabeça.
Levantando-se, Fergus Kavanagh pegou sua valise no bagageiro.
— Verônica, ocorreu-me que deveríamos passar algum tempo juntos, para... digamos... ensaiar.
Devemos combinar tudo antes, não acha? Não devemos nos contradizer. Se sua mãe tiver alguma suspeita...
— E por que teria?
Verônica se ergueu e caminhou para o corredor. Devia ter um metro e setenta, e a longa saia cinza
lhe chegava um pouco além dos joelhos. Escorregou os braços para dentro do.casaco do costume, que
terminava a poucos centímetros da altura da saia.
— Bem, sua mãe me parece ser do tipo que se importa com tudo o.que lhe diz respeito.
Verônica achou graça.
— Caso esteja querendo dizer "intrometida", Fergus, pode falar sem receio. Não estará longe da
verdade.
Fergus Kavanagh também sorriu. Pequenas rugas adicionaram personalidade e calor a seu
semblante. Porém, um ponto era verdadeiro em toda aquela situação: o potencial de desastre era
infindável.
— Tem certeza de que deseja continuar com toda essa farsa, Fergus? Devo adverti-lo de que mamãe
é difícil de ser enganada, e eu detestaria causar-lhe algum constrangimento.
— Não se preocupe, com isso. Criei duas irmãs, sou impossível de ser constrangido. Além do
mais, estou tão ansioso por sua ajuda quanto você pela minha. Talvez até mais. Se conhecesse Dora e Poppy,
entenderia o que digo. Que tal tirarmos um tempo para um café, e eu lhe contarei tudo sobre as duas? —
Fergus notou que Verônica não se entusiasmou com a sugestão. — Ou quem sabe está muito ocu pada esta
manhã?
Fergus Kavanagh era mesmo um cavalheiro, pois lhe dava a oportunidade de declinar do convite.
Não havia razão para hesitar.
— Adoraria, Fergus, mas tenho hora marcada no cabeleireiro para assim que chegar à residência
de Suzie.
Ele sentiu a premente necessidade de dizer algo tolo e óbvio, como por exemplo que o penteado
estava excelente daquele jeito, mas conseguiu se conter. Se Verônica acreditava necessitar arrumá-los, ele
tinha total noção de que nada na face da terra a convenceria do contrário.
— Sendo assim, o que faremos será afastar todas as perguntas esquisitas ou embaraçosas com
um sorriso enigmático.
— Não creio que isso funcione com mamãe, Fergus.
— Você se surpreenderá. Caso ela me crive de indagações, só lhe peço que me siga pelo caminho
que eu enveredar.
— Está bem.
Verônica parecia estar em dúvida. Encontrava-se muito próxima de Fergus, quando o trem, por
fim, parou.
Com delicadeza, ele a segurou pelo cotovelo antes de um último e ligeiro balançar do vagão. O
perfume dela produzia um efeito inebriante sobre sua pessoa. Era sofisticado e discreto. Sem dúvida, floral.
Fergus buscou na memória a flor que dera origem a tão maravilhosa fragrância, mas não conseguiu
distingui-la.
— Tudo dará certo, Verônica.
— Se você diz... E tarde demais para trocarmos biografias, mas podemos trocar faxes antes do
casamento de sua irmã.
Aquele seria um ponto final a qualquer possível sugestão de que pudessem vir a se encontrar e
construir uma história durante as próximas duas semanas? Talvez...
Fergus não discutiu. A rápida movimentação para impedi-lo de pagar as despesas do restaurante não
havia passado despercebida, e Verônica acabara de se abaixar a fim de pegar sua valise, antes mesmo que
pudesse fazê-lo. Estava claro que a srta. Verônica Grant era uma mulher que levava a igualdade entre os
sexos a sério.
Peter apareceu com a caixa de chapéus, e Fergus pôde demonstrar seu próprio compromisso com a
igualdade entre homens e mulheres. Delicadeza e cavalheirismo ainda faziam parte de sua lista de normas.
— Obrigado, Peter, eu levo isso. — E trocou a caixa por uma discreta cédula em sua palma. —
Tenha um bom final de semana.
— O senhor também.
— Vai assistir ao jogo dos Rovers, no sábado?
— Nunca perco uma partida, senhor. Até logo, srta. Grant.
— Até, Peter. Manterei contato.
— Que velho malandro! — disse Fergus, enquanto cruzavam a plataforma até o ponto de táxi.
Verônica riu.
— Não seja duro com Peter. Decerto pensa que está bancando o Cupido.
No mesmo instante, Verônica desejou poder voltar atrás no que dissera, mas talvez Fergus não a
tivesse ouvido, devido a todo o barulho da estação, ou apenas se decidira por não responder.
Fergus abriu a porta do táxi para ela, e se acomodou a seu lado em seguida.
— Chelsea, por favor — ordenou com polidez ao motorista.
— Tem certeza absoluta sobre o que combinamos, Fergus? Caso mude de ideia, eu entenderei.
— Depois de todo o trabalho que teve? Isso sem mencionar o ingresso para a ocasião esportiva
mais importante do ano.
— Só para um fã do futebol — ela corrigiu-o, olhando para a frente.
— Verônica, você não está tendo nenhuma má impressão sobre isso, está?
— Não, mas...
"Mas" o quê? Verônica era a resposta para suas preces, e Fergus não iria deixá-la escapar, de
forma alguma.
— Então, deve ser alguma outra coisa. Quem sabe você avaliou com maior riqueza de detalhes e
chegou à conclusão de que não correspondo aos padrões de sua mãe?
Pela segunda vez naquela manhã, um enrubescer tingiu as maçãs do lindo rosto dela. Horrorizada,
Verônica voltou-se, rápida, como o vento para fitá-lo.
— Por Deus, não!
— Então, estamos combinados. Agora, temos todo o caminho até Sloane Square para inventar
uma deliciosa e absurda história de como nos conhecemos... a menos que se importe de dizer a verdade.
— A verdade?
— Sim. Que você subornou o funcionário do vagão-restaurante no trem das oito e quinze para
que eu me sentasse a sua mesa sem o menor pudor.
— E uma ideia...
— Temos a vantagem de que ninguém em seu juízo perfeito acreditaria.
Verônica estava acostumada a controlar situações, e parecia que Fergus também. Não cogitava
manter as coisas tão fáceis para ele.
— Não creio estar preparada para correr esse risco. Mas poderíamos tentar isso com suas irmãs, se
quiser.
Fergus achou graça.
— Bem, Verônica, como nos conhecemos?
— Creio que seja mais do que plausível que tenhamos nos conhecido no trem que vinha para
Londres. Você o usa com regularidade, e eu, no-mínimo duas vezes ao mês.
— No café da manhã?
Verônica tinha a forte impressão de que Fergus a provocava.
— Por que não? Geralmente faço meu desjejum no trem. E, já que nós dois moramos perto de
Melchester, o que poderia ser mais natural do que nos encontrarmos em lugar de mútuo interesse?
Uma pausa.
Verônica aguardava a oferta de alguma outra sugestão.
— Num concerto?
— Você aprecia música, Fergus?
— Sou um dos patronos da Orquestra de Melchester City.
— Isso é bom!
— Ou no museu? Você já viu a Sala Kavanagh?
Não, não a vira, mas lera uma nota no jornal local, por ocasião da recente inauguração.
— A sala com fragmentos de cerâmica grega?
— Vasos, Verônica. Vasos de cerâmica. Minha mãe era uma arqueóloga. Ela deixou seus
"fragmentos de cerâmica" e papéis para o museu, assim como dinheiro suficiente para conservá-los. Levou
algum tempo para construir, mas a ala nova do museu vale uma visita. Quais são seus hobbies?
— Visito amigos. Cavalgo quando tenho oportunidade...Do que está rindo?
Ele meneou a cabeça.
— Nada, só uma coisa que Dora me disse... Parece que chegamos.
Fergus abriu a porta do carro, ajudou-a a sair e carregou a caixa de chapéus e a valise até a entrada,
onde, pousando no chão a bagagem, tocou a campainha.
— Não precisa esperar, Fergus.
— Pensei que já houvéssemos concordado que sou um cavalheiro. Suponha que sua amig"a
não esteja em casa. Nesse caso, ficará aqui fora, aguardando?
— Suzie está a minha espera.
— Alguma emergência pode tê-la obrigado a sair.
— Ela não tem emergências.
Passos se aproximando da porta confirmaram suas palavras.
— Viu?
— Sim. — Fergus ofereceu-lhe a caixa de chapéus.
— Obrigada. — Verônica apanhou-a.
— O prazer foi meu. Na verdade, não me recordo de haver apreciado tanto uma viagem no
trem das oito e quinze.
Os olhos de Verônica arregalaram-se, surpresos, mas ela não se moveu. E ao abrir da porta, Fergus
se curvou, aproveitando que ela estava com ambas as mãos ocupadas, e beijou-lhe de leve os lábios. Então,
deslizou um dedo pela pele sedosa, virando-se em seguida a sorrir para a jovem boquiaberta que surgira
à soleira.
—Olá. Você deve ser Suzie. Sou Fergus Kavanagh.
Suzie Broughton, pela primeira vez na vida, permaneceu calada.
— Desculpe-me por deixar Verônica e sair em seguida, mas tenho um compromisso urgente. —
Fergus voltou-se para ela, que não se movera desde o beijo. — Virei apanhá-la à uma e meia.
Sem esperar por uma resposta, Fergus se afastou.
— Quem era aquele homem?!
— Quer dizer que você não sabe, Suzie? Estou chocada. Achei que estivesse a par da lista dos
mais cotados solteirões destes lados de Hadrian Hall.
— E estou. Ou melhor, achei que estivesse.
— Vou lhe dar uma pista. E ele tem duas irmãs.
— Eu as conheço?
— Não tenho a menor ideia. Os nomes Poppy e Dora lhe dizem algo?
— Está se referindo a Poppy e Dora Kavanagh?
— Isso mesmo.
— Mas o irmão delas é... Oh, Deus! — Suzie levou a mão à boca. — Não me diga que
aquele era Fergus Kavanagh!
Verônica concordou com um balançar de cabeça.
— Mas ele é um dos mais convictos e ardilosos rapazes solteiros da Inglaterra!
— Nem tanto.
Suzie ficou muito impressionada, o que era bom. E mau, ao mesmo tempo.
— Kavanagh faz aparições meteóricas, Verônica.
— E ocupado demais em ganhar a vida para frequentar o meio social.
— Ganhar a vida? Está louca, Ronnie? O nome do meio desse homem é Midas. Tudo o que ele
toca vira ouro. E nem precisou de minha ajuda... Você conhece Poppy Kavanagh?
— Todos a conhecem. Ou ao menos sabem dela. Foi Poppy quem assinou aquele contrato
exclusivo de uma importante marca de cosméticos americanos. É casada com Richard Marriott. Dizem
que foi amor à primeira vista.
— E Dora dirige uma entidade que envia alimentos para os campos de refugiados em algum lugar
do planeta. — Suzie começava a fazer o jogo que Verônica previra. — E está para se casar com John
Gannon, aquele jornalista que passou meses procurando pela filha e que quase acabou na cadeia quando
entrou no país com a menina. Devia tê-lo visto na tevê. Derramei muitas lágrimas.
Verônica lembrou-se do caso. Percebeu que, enquanto sua leitura do Financial Times lhe dava
informações sobre o mundo dos negócios e das Indústrias Kavanagh, Suzie, familiarizada com as colunas
sociais, sabia muito mais sobre a história dos Kavanagh e seu clã do que ela mesma.
— Mas por que estou lhe contando isso tudo, Ronnie? Você deve ter sido convidada.
— Sim, fui. O casamento será daqui a duas semanas.
Os olhos de Suzie brilharam, excitados.
— Isso quer dizer que você e Fergus estão... são...
Verônica concluiu que já era tempo de mudar de assunto, antes que Suzie se animasse demais.
— Querida, podemos deixar os mexericos para outra hora? Se meu vestido não for pendurado
agora mesmo, vai parecer que vim direto da guerra para a cerimónia desta tarde.
Houve um resmungo de descontentamento, mas Suzie anuiu.
— Você sabe qual é o quarto. Vou preparar um café, enquanto se instala. Conversaremos
depois.
— Que bom, Suzie! Mal posso esperar para saber de todas as novidades.

CAPÍTULO IV

Verônica olhou para o relógio. Eram quase dez e meia. Se conseguisse sobreviver ao crivo de
perguntas de Suzie durante o café sem nada deixar transparecer, estaria apta a escapar para a segurança do
cabeleireiro.
Depois disso, ficariam ambas tão ocupadas em se arrumar para a cerimónia que abririam mão de
íntimas conversas femininas. E se, em vez de se hospedar com Suzie, Verônica inventasse uma boa desculpa
para voltar a Manchester naquela mesma noite, estaria, afinal, sã e salva. Portanto, nada havia com que
se preocupar.
Encontrou Suzie na cozinha, dando os toques finais em uma bandeja.
— Pensei em tomarmos o café lá fora, Ronnie, e tirar algum proveito desta adorável manhã.
Verônica não se deixou iludir pela aparente perda de interesse no assunto Fergus Kavanagh.
— Seria ótimo. Aqui, deixe-me ajudá-lo.
E, carregando a bandeja, dirigiu-se para um pequeno jardim ao fundo da residência, repleto de
vasos e potes de terraço ta, onde tulipas, trevos e azaléias coloriam o final de primavera.
— É bom vê-la de novo, Ronnie. Você quase nunca vem à cidade, desde que se mudou para
Melchester.
— Venho, sim. No mínimo duas vezes ao mês.
— Mas a trabalho, e não para se divertir. Isso não conta. Não tenho aparecido na academia há
semanas, já que não há mais você para me incentivar. Sou uma pessoa sem a menor autodisciplina.
— Diga-me, por que você e Nigel não viajam para ficar alguns dias comigo, agora que o clima
está bem mais agradável? Decorei o quarto de hóspedes, e as redondezas de Melchester são muito
bonitas. Poderemos fazer deliciosas caminhadas ao longo do rio...
— Caminhadas?! — Suzie parecia horrorizada.
— Há um parque campestre bem pertinho de casa, também.
— Deve estar brincando! Andar por dez minutos em volta de Harvey Nicks é o meu limite. Você
me conhece, Ronnie, sou da cidade, do asfalto... Arvores me assustam.
— Londres está cheia delas.
— Eu sei, mas isso é diferente. Lá no campo, bem... preferiria não arriscar. Mudando de
assunto, todo o mundo ficou atónito quando você decidiu vender suas coisas e sair de Londres.
Então, esse era o modo como Suzie daria início ao jogo: começar pelo que já sabia e buscar novas
informações.
— Já não tivemos esta conversa antes, querida?
— Sim, mas ainda não compreendo, não me conformei com sua partida. Trabalhou tanto para
poder ter sua própria empresa...
— Fato que se refletiu no preço pelo qual a vendi. Meu apartamento poderia ficar
comprometido, Suzie, e havia razões e rumores no mercado suficientes para me desfazer da companhia.
Recebi uma oferta de alguém com planos rápidos de expansão, que tinha muito capital para investir
nesse crescimento. Na época eu me achava trabalhando em um grande projeto para a Jefferson, e, quando
Nick Jefferson me convidou para fazer parte do quadro administrativo de diretores... Bem, foi isso.
Verônica sorriu e continuou:
— Melchester não é o fim do mundo, sabia? E uma cidade pequena, mas garanto que é um ótimo
lugar para se viver. Sem congestionamentos, com pouca poluição. Por que não vai checar por si mesma?
Temos uma orquestra, uma galeria de arte, um museu...
— Quem diria?
— E um elegante shopping center bem na entrada da Jefferson Tower.

— E Marlowe Court é bem pertinho de Melchester.


— Marlowe Court?
— A residência de Fergus Kavanagh.
Então era lá que ele morava, naquela bela mansão de pedra a poucos quilómetros da cidade.
Verônica havia passado por ali umas duas vezes.
— Diga-me, Ronnie, você conheceu Fergus Kavanagh antes ou depois da fabulosa proposta de
Nick Jefferson?
— Depois. Nossa relação é recente.
— E agora ele a acompanhará ao casamento de Fliss?
— Fergus viria para cá de qualquer maneira, pois terá um encontro de negócios.
— Está querendo me dizer que não tinha a intenção de apresentá-lo a sua mãe, já que estaria
num território neutro?
— Como sabe que mamãe ainda não o conhece?
— Porque, minha caríssima amiga, eu teria ouvido os comentários. Todos já saberiam e
estariam falando a respeito. Estou ansiosa para ver como Fergus Kavanagh en frentará o momento em que
descobrirá que a maior ambição de sua querida mãe é vê-la casada com algum riquíssimo aristocrata.
— Fergus não é aristocrata, portanto, não irá se preo cupar. Além disso, saberá lidar com
mamãe. Como vai Nigel, Suzie?
— Trabalhando em demasia e engordando mais ainda, como sempre. E não pense que vou me
conformar com mudança de assunto. Onde vocês dois se conheceram?
Verônica soltou um suspiro de impaciência.
— Você é incorrigível, sabia?
— Não pode falar assim comigo, Verônica Grant. Sou uma pesquisadora, só isso.
— Está certo, Suzie. Conheci Fergus no desjejum. Ele gosta de salmão, torradas bem finas e
café. Adoraria ficar e pô-la a par de detalhes mais íntimos, mas não poderei. O tráfego está horrível, e
tenho hora marcada para as onze e meia com Luigi. — Levantou-se.
— Ronnie! Não pode sair assim!
— Foi você mesma quem marcou minha hora no cabeleireiro. Sabe que Luigi será capaz de
me atirar todas as escovas se eu me atrasar.
— Que coisa! Ninguém verá seus cabelos debaixo de um chapéu.
— Mas eu saberei como ele está.
— Não acredito que vai me deixar deste jeito!
— Não quer que eu chegue à Saint Margaret parecendo uma louca, não é?
— Jamais esteve menos que linda, Ronnie. E isso é uma coisa que nunca vou perdoar em você.
— Caso tivesse me visto enquanto decorava o quarto de hóspedes, não estaria dizendo isso.
— Ah, claro! Aposto que não havia um pingo de tinta em seu avental.
— Imagine! Olhe, mais tarde poremos nossos assuntos em dia, prometo. — Parou ao se
lembrar de sua estratégia de fuga. — Apesar de que...
— O quê?
— Não poderei passar esta noite aqui em Londres, Suzie.
Terei de voltar para Melchester. Algo importante surgiu...
— Está bem, Ronnie, não precisa explicar. Eu entendo.
— É mesmo? — Estava surpresa, pois esperara outro tipo de reação.
— Lógico que sim. Fergus não pode voltar sem... seu salmão.
Mais uma vez, Verônica sentiu-se corar.
Suzie tomou-lhe a mão, percebendo o embaraço da amiga.
— Perdoe-me. Não queria constrangê-la. Só desejo que você seja muito feliz, meu anjo.
A sinceridade de Suzie era tão óbvia que Verônica experimentou uma forte urgência de se abrir. A
amiga entenderia. Até a ajudaria.
Porém, sucumbiria à vontade de contar para o marido, e esse era o jeito como o mundo rodava.
O que seria da vida de casado sem uma pequena conversa de travesseiro, depois de tudo?
Porém, esse não seria o final. Nigel era ótima pessoa, mas não conseguiria se calar diante de tão
preciosa novidade no vestiário do clube de squash.
E, é claro, os rumores chegariam aos ouvidos da mãe de Verônica, que nunca a perdoaria por tê-la
feito de boba, por forjar situações e por perder oportunidades verdadeiras de encontrar um marido digno e
rico.
Fergus Kavanagh não foi ao clube, afinal. Uma vez com o novo terno em mãos, comprou camisa e
gravata, alugou uma cartola e rumou para seu escritório.
—Bom dia, Julie.
Sua assistente pessoal ergueu os olhos e sorriu.
— Olá, Fergus. Qual o problema com Melchester hoje?
— Nada que a ausência de minhas irmãs não poria fim.
Trabalhavam juntos desde que Fergus era um inexperiente recém-formado, com uma companhia
para tirar do atoleiro, e ela, uma mulher que voltara para a carreira quando os filhos já estavam crescidos
e prontos para alçar seus próprios voos.
Fergus a escolhera entre muitas moças de longas pernas que o departamento de pessoal lhe enviara
com o propósito de distraí-lo de suas atividades, de modo que pudessem continuar a agir como sempre
tinham feito. Longos almoços, longos finais de semana e muito pouco trabalho.
Ambos haviam errado nos primeiros momentos da dupla. E ajudaram-se, socorreram um ao outro, e
agora Julie era seu braço direito, com sua própria equipe e salário compatível com seu gabarito.
A assistente sorriu.
— Os preparativos do casamento de Dora o estão exasperando?
Os preparativos de Dora para ele, melhor dizendo.
— Digamos que sim.
— Café, então? — Levantou-se para preparar a bebida.
— Quer checar a correspondência?
— Há alguma coisa que você não possa resolver sem mim?
— Não. Só estava querendo ser gentil.
— O dia será curto. Peço que providencie alguns sanduíches leves para mim, ao meio-dia e
meia. Irei a um casamento, e não quero que meu estômago se manifeste na igreja. Não me olhe assim. Sei
que sou um glutão.
— Foi você quem disse...
— E vou precisar, também, de um automóvel com motorista. Algo do tipo confortável e
espaçoso o bastante para acomodar um largo chapéu. Depois, quero que obtenha todas as informações
possíveis sobre Verônica Grant. Ela é parte do corpo de diretores da Jefferson Sports. Estão sediados em
Melchester.
Parando, já diante de sua sala privativa, Fergus lem brou-se de dizer da urgência de tais
informações. Julie, porém, já se dirigia ao telefone. Percebeu, também, que deveria ter indagado a
Verônica ao casamento de quem estavam indo.
— Tem os jornais de hoje?
Julie enfiou alguns exemplares sob o braço do patrão antes mesmo que Fergus terminasse de falar
e fechou a porta para ele.
Assim que se acomodou, Fergus abriu um jornal londrino nas páginas sociais, colocou-o sobre a mesa e
buscou a coluna de casamentos e recepções.
Srta. Felicity Wetherall e visconde Carteret na igreja Saint Margaret, em Westminster. Tinha de ser
aquele. Pressionou o botão do intercomunicador.
— Julie, mais uma coisa. Poderia ligar para meu clube e avisá-los de que passarei a noite lá?
— Sem problemas. Se alguém o procurar nesse meio tem po, estará disponível?
— Não. — Consultou o relógio. — Vou tomar uma ducha e me trocar.
Fergus tomou um longo banho e se trocou na suíte de seu escritório. Então, enquanto fazia
degustava os sanduíches que Julie providenciara, leu toda a informação que ela conseguira coletar das
páginas de finanças. Fora um bom trabalho, mas havia muito além do que já sabia.
As informações diziam que Verônica Grant era uma bela mulher, algo difícil de não se notar.
Tratava-se de uma pessoa que frequentava e era recebida nos mais altos cír culos sociais, o que era
bastante evidente, já que sua mãe ansiava para ela um casamento aristocrático. Tinha vinte e nove anos
de idade e era uma excelente executiva, que, junto com Nick Jefferson, estava provocando sérias oscilações
no crescente mercado esportivo.
Empurrou a pasta a sua frente. Nada ali lhe dava a chave da verdadeira mulher. Nada lhe dizia o
que a levara a escolher um total estranho num trem e convidá-lo para ser seu acompanhante no
casamento da prima.
A porta se abriu.
—Seu carro está aqui, Fergus.
Olhando pela janela, ele levantou-se. Um Rolls Royce prata se encontrava estacionado à entrada
do edifício.
— É o único automóvel possível quando se está usando um chapéu largo. — Julie retirou um
fiozinho da cartola e estendeu-a a ele. — Divirta-se.

CAPÍTULO V

O Rolls Royce estacionou à entrada da residência de Suzie Broughton um minuto ou dois depois da
uma e meia, e, quando Fergus tocou a campainha, a porta foi aberta pela impressionante presteza por Suzie,
agora usando um elegante tailleur e trazendo à mão um chapéu.
— Entre, sr. Kavanagh.
— Fergus, por favor. — Colocou a cartola e as luvas sobre uma mesinha, no hall.
— Muito bem, Fergus. Eu sou Suzie. Venha para a sala de estar. Verônica descerá em um
instante. Gostaria de um drinque, enquanto espera?
— Não, obrigado.
Fergus não tinha a menor ideia do que Verônica dissera àquela mulher, mas não se deixaria
enganar um instante que fosse por seu charme e riso fácil. Um ansioso par de olhos o examinava, e ele
soube que estava à beira de uma inquisição. Decerto, não era o momento para indulgências com o álcool.
—Conhece Ronnie há bastante tempo, Fergus?
—Ronnie? Oh, quer dizer Verônica...
Suzie encarou-o, pensativa.
— Ronnie também tem evitado perguntas. Sabe, ambos estão tão fechados que alguém mais
desconfiado pensaria que os dois têm algo a esconder.
Suzie não perdia tempo em atingir o ponto que desejava. Verônica devia ter lhe fornecido apenas
um mínimo de informação.
—O que nós teríamos para ocultar, Suzie?
—Vê? Está fazendo de novo. Responde a minha indagação com outra. Essa é uma técnica que eu
conheço bem. — Sorriu. — Uso-a quase todo o tempo, quando não tenho as respostas certas.
— Não acredito que alguma vez tenha se visto em tal situação.
Suzie continuava a sorrir.
— Você é bom, Fergus. Muito mesmo. Esse é o problema.
Fergus achou que deveria assumir uma adequada expressão de quem não entendia o que lhe era dito.
— Vocês estão se dando a muito trabalho para evitar uma questão simples, como quando se
conheceram...
— Suzie! — A voz desesperada de um homem a chamava no andar superior.
— Salvo por Nigel. Por enquanto. — Fitou o teto, exasperada. — Ele é um amor, mas se
confunde com camisas e gravatas. Terei de ir ajudá-lo.
— Não se detenha por minha causa.
— Como já disse, você é muito bom, Fergus, mas dê-me um pouco mais de tempo e terei todos
os segredinhos em mãos. Verá se não.
— Serei paciente.
Suzie, então, deixou a sala.
Fergus estava em pé ao lado de um par de janelas fran cesas, observando o pequeno jardim dos
fundos, quando um perfume delicioso o alertou para o fato de que não se encontrava mais sozinho.
Gardênia! Essa era a flor que não lhe viera à cabeça. Era a nota mais marcante de uma essência
que bem poderia haver sido criada para ela. Fria a princípio, mas com um toque de tepidez inesperada.
Fergus virou-se, e Verônica lá estava, parada à soleira, quieta, observando-o.
Estava deslumbrante. Tiraria o fôlego de qualquer homem.
— Você acha que os homens se tornam incapazes de fazer as coisas mais corriqueiras para
si mesmos no momento em que se casam?
— Desculpe-me, não entendi.
— A parte as coisas óbvias, como enviar cartões de aniversário para as mães e marcar hora
no dentista. Quero dizer coisas simples, como fechar abotoaduras, colari nhos, dar nó em gravatas... —
Fez uma ligeira pausa. — Cordões de sapatos, não sei ao certo. Você não tem uma esposa para ajudá-
lo, e no entanto conseguiu chegar na hora, e bem-arrumado. Ou será que esse seu clube tem um
serviço de valetes?
— O quê? Claro que não! Ao menos eu nunca... Isso é relevante?
— Nem um pouco. Estava só pensando alto. Gosto de seu terno novo. Poucos homens têm
um traje para as manhãs que lhes cai tão bem.
Fergus esticou os ombros e o pescoço.
— Detesto roupas novas. E você está linda.
— Obrigada.
Suzie retornou, pelo jeito apressada para sair, apesar de ainda estar impaciente e às voltas com a
complicada abo-toadura do marido.
Verônica apresentou Nigel Broughton. Ao apertarem as mãos, ela ergueu uma conspiratória
sobrancelha na direção de Fergus. "Está vendo?", parecia querer dizer. E Fergus sentiu um estranho calor
invadi-lo ao ver que ela o convidava a partilhar do silencioso divertimento.
— Como irão para a igreja, Nigel? Posso oferecer-lhes uma carona?
Nigel abriu a boca, mas não conseguiu falar.
— Que gentileza de sua parte! Nunca conseguiremos pegar um táxi a esta hora do dia. — O
olhar que Suzie dirigiu ao marido sugeria que a falha em providenciar transporte adequado para a
ocasião o deixava muito aquém das expectativas.
Nigel, porém, não pareceu nem um pouco aborrecido.
Fergus ajudou Verônica a se acomodar no banco traseiro do Rolls, virando-se para oferecer a mesma
gentileza a Suzie. Mas ela ainda estava ocupada com a aparência de Nigel, colocando a gravata no lugar
certo, e acenou para que ele entrasse no automóvel.
Por fim, acomodou-se no carro, e seu marido ocupou o banco dianteiro, ao lado do motorista.
O automóvel avançava, devagar. Fergus consultou o relógio ao entrarem na Birdcage Walk.
— Deveríamos ter saído mais cedo.
— Uma cano estourou na Victoria Street, senhor — explicou o motorista. — Mas não se
preocupe, a noiva deverá se atrasar uns quinze minutos.
— Com certeza. — Nigel achou graça. — Talvez até mais. Suzie me fez esperar mais de vinte.
— Sério? Nunca entendi a razão disso. — E Fergus lembrou-se do quanto Poppy fora ansiosa
ao chegar antes da hora à cerimónia, não se importando com a opinião de quem quer que fosse.
Suzie riu.
— Não devemos parecer loucas para nos casar, Fergus.
Não podemos permitir que vocês, homens, já nos tenham como garantidas.
— Pensei que ir para o altar deixasse evidente ser tarde demais para esse tipo de jogo.
Mas isso explicava a atitude de Poppy. Ela e Richard mal podiam esperar para se casarem, e não
escondiam isso de ninguém.
Dora e John pareciam trilhar o mesmo caminho, e Fergus esperava que, se algum dia pedisse a mão
de uma mulher, ela estivesse tão ansiosa quanto suas irmãs.
O motorista, rindo, buscou os olhos de Fergus no espelho retrovisor.
—Solteiro, não é, senhor?
Fergus estava a ponto de dizer que planejava continuar com o mesmo estado civil, quando percebeu
a rigidez de Verônica a seu lado, um silêncio quase tangível, enquanto os outros dois ocupantes do Rolls
aguardavam sua resposta. Hora de se esquecer todas as tramas e maquinações de Dora e Poppy e
começar a fazer sua parte direito no jogo.
—No momento.
A seu lado esquerdo, Suzie soltou um suspiro satisfeito. No direito, os dedos de Verônica tocaram-no
de leve, fazendo-o se virar para ela.
Sob a aba do chapéu, os olhos azuis pareciam enormes, e os lábios rubros se moveram para pronunciar
um "obrigada".
Quem já assistiu a um casamento, já viu todos os outros, Fergus pensou. Pelo menos se somos
apenas convidados.
Homens e mulheres compareceriam bem trajados e penteados. A aparição da noiva provocaria um discreto
surgir de lenços a enxugar lágrimas emocionadas. Os jovens pajens e daminhas ririam dos noivos, enquanto eles
fariam suas promessas.
A única diferença naquele evento eram os olhares, os murmúrios de interesse impossíveis de serem
ignorados. Verônica não exagerara em relação à expectativa e interesse que sua presença provocaria, mas
parecia estar alheia à reação dos demais ao caminhar, silenciosa, ao lado de Suzie.
Ao menos a tardia chegada dos dois casais evitara a ne cessidade de intermináveis apresentações a
estranhos curiosos, apesar de que os olhares disfarçados que atraíam sugeriam que as devidas
apresentações haviam sido adiadas, só isso. Em outra ocasião social seria fácil passar despercebido, mas
aquela era muito diferente e importante para a sociedade londrina.
Fergus gostava de privacidade. Não era dado a públicos apertos de mão ou a atividades que
pudessem expor sua vida. Talvez essa fosse a razão pela qual as irmãs pensavam que lhes seria grato pela
ajuda na escolha de uma esposa.
E enquanto os chapéus se viravam em conjunto para testemunhar a entrada da noiva e não perder a
oportunidade de ver quem Verônica trouxera ao enlace de Fliss, Fergus tomou a mão dela.
Verônica o fitou, surpresa pelo inesperado contato, e, percebendo o que Fergus fazia, sorriu e aceitou a
carícia, pondo-se a observar a noiva se aproximar, com extrema lentidão, pelo corredor, segurando o braço
do pai.
Deixou escapar um suspiro.
— Uma garota tão bonita! — murmurou, soltando Fergus e abrindo o folheto para acompanhar
o andamento.
— Sim... — Se Fergus fosse honesto, diria que mal havia notado a noiva.

— Todos alinhados, por favor — o fotógrafo comandava. — Juntem-se de maneira natural e


sorriam. Isto é um casamento...
Fergus enlaçou Verônica e a trouxe para sua frente, mantendo-a bem junto a si.
— Sua mãe está aqui?
— Sim, Fergus, está.
Annette Grant encontrava-se um pouco mais afastada, por causa do posicionamento do fotógrafo,
mas isso não a deteria por muito mais tempo.
— Não se preocupe, mamãe com certeza já o viu. Tem certeza de que está pronto para isso,
Fergus? Poderíamos encontrar uma saída para esta situação. Ainda não é tarde demais.
— Não estou assustado com sua mãe...
Então, uma voz suave interrompeu Fergus:
— Aí está você, Verônica. Chegou atrasada, filha. Pensei até que não viesse.
Fergus se deu conta de toda a força da personalidade daquela senhora ao ser encarado, examinado
em cada mínimo detalhe, incluindo o fato de que seu braço ainda per manecia sobre Verônica em íntima
proximidade.
— O tráfego estava horrível. — Verônica curvou-se para beijar-lhe de leve o rosto. — Mamãe,
deixe-me apresentar-lhe Fergus Kavanagh. Fergus, esta é minha mãe, Annette Grant.
Fergus estendeu a mão direita, mantendo Verônica presa pelo ombro a seu lado esquerdo.
Convenceria Annette e a todos de que eram amantes, o que lhe trazia enorme prazer.
— E uma honra conhecê-la, sra. Grant. Como tem passado?
Annette retribuiu o cumprimento, de testa franzida.
— Kavanagh? Já ouvi este nome...
— Ouviu, senhora? Bem, é bastante comum.
— Mas quero me lembrar... Onde foi?
— Mamãe, acho que deveríamos ir.
— Por acaso o senhor tem algum parentesco com Dora Kavanagh?
Verônica mal podia acreditar em seus ouvidos. Annette conhecia Dora Kavanagh? Por que pensara
que aquela farsa seria simples?
Fergus, porém, não parecia nem um pouco preocupado.
—Ela é minha irmã caçula.
O rosto de Annette Grant pareceu relaxar num sorriso de simpatia.
— Bem, então é isso. Dora deu uma palestra para arrecadar fundos para os refugiados,
há algumas semanas. É uma jovem muito doce e educada. Deve ter muito orgulho dela.
— É o que Dora vive me dizendo.
A sra. Grant voltou-se para o rapaz a seu lado.
— Vá ver se nosso carro está à vista, Gerry — ordenou, dispensando-o. — Creio que a noiva
está para sair.
— Mas...
Era evidente que Gerry agora não era mais necessário. Annette Grant se encontrava muito mais
interessada na companhia de sua filha.
— Dora se casará em breve, não é mesmo?
— Sim, sra. Grant, dentro de duas semanas. Aliás, Verônica prometeu comparecer ao
casamento, não foi, querida?
Verônica começou a relaxar. Fergus podia sentir a tensão deixá-la, e viu o brilho de seus olhos.
— Não o perderia por nada no mundo, Fergus.
— Não diga! — Annette tinha um ar especulativo. — E foi assim que vocês se conheceram,
Verônica? Por intermédio de Dora?
— Não. Foi por acaso. No trem.
— Lendo o Financial Times — acrescentou Verônica. — Tão romântico, não acha?
— Não seja impertinente, Verônica. — Annette Grant continuou a endereçar suas perguntas a
Fergus: — No trem, você disse? Quando foi isso?
Annette sabia raciocinar e formular perguntas. Muito esperta, Fergus concluiu. Devia ser ótima
jogadora de xadrez.
— Estávamos ambos vindo para a cidade, e acabamos terminando na mesma mesa de café da
manhã.
Nada mais do que a verdade. Porém, não era aquilo o que Annette Grant desejava saber.
Verônica decidiu desviar o assunto:
— Fergus é um apreciador de salmão defumado, mãe.
— E virando-se para ele em tom confidencial concluiu: — Também meu pai adorava salmão.
— Verdade?
— Sim. Papai sempre os pedia quando tomava seu desjejum fora de casa, porque mamãe não
suportava o cheiro de peixe.
— Bem, o odor é um pouco forte e...
— Sim, é — Fergus assentiu.
— Talvez queiram vir comigo até a recepção — sugeriu ao ver que a noiva se preparava para
sair. E então, irritada, viu Gerry se aproximar. — O que é?
O rapaz entregou-lhe uma cesta.
— A senhora disse que queria pétalas de rosas.
— Disse?
— Sim. A senhora insistiu. Eu as colhi esta manhã. A senhora as deixou no carro.
— Se você diz, Gerry... — Annette pegou a cestinha e olhou o conteúdo. — Mas estão
ressecadas nas bordas, Gerry! Ah, mas não faz mal. Não creio que Fliss vá notar. Venha, Verônica,
quero jogar rosas na saída da noiva.
— Mas...
Fergus concluiu que Verônica não havia exagerado em relação à mãe.
— Encontraremo-nos lá, sra. Grant. — Fergus não soltou Verônica. — Sei que vai nos desculpar
pelas pétalas.
Annette esteve a ponto de argumentar. Abriu a boca por um instante, mas fechou-a.
— Sim, claro. Podem ir. Conversaremos mais tarde. — O que soava mais como uma ameaça do que
uma promessa.
— Venha, Gerry.
Verônica olhava, boquiaberta, a mãe se juntar à multidão em torno de Fliss.
— Espantoso, Fergus. Se eu não tivesse visto com meus próprios olhos...
Ele riu, deliciado.
— Ora, você não me escolheu só por causa de minha boa aparência. Venha, devemos sair daqui.
— Mas e Suzie e Nigel?
— Eles nos encontrarão.
E, sem esperar por uma resposta, Fergus pegou-a pelo cotovelo, conduzindo-a para o portão, e daí
para a rua, onde o Rolls Royce os aguardava.
O motorista os viu chegando e abriu-lhes a porta. Verônica, no entanto, deteve-se a pouca distância
do automóvel.
— Fergus...
— Sim?
Ergueu o rosto para ele.
— Eu só... é que... queria dizer... Obrigada, muito obrigada. E isso.
Fergus tocou-lhe de leve a face, em silêncio, e por um momento, como que paralisados, se deixaram
ficar onde e como estavam.
— Verônica! — Suzie corria na direção deles, segurando o chapéu na cabeça. — Pensei que tivessem
saído sem nós.
Fergus virou-se para Suzie com um sorriso.
— Não achou mesmo que partiríamos sem vocês, certo?
— A igreja estava muito cheia, Suzie, por isso pensamos em esperá-los aqui fora.
—- Não precisa se desculpar, querida. Não os teria culpado, caso já tivessem ido. Nigel não consegue
parar de conversar com todos que encontra. Foi a cerimónia mais linda que já assisti. Fliss estava usando
a tiara Carteret, você notou, Verônica? Não que se compare aos diamantes Glendale... — Parou, horrorizada,
ao perceber o que dissera.
— Você esteve no casamento de George?
— Ele é primo distante de Nigel — respondeu Suzie,
sem graça. — Graças a Deus, lá está Nigel, enfim. Estou desesperada por uma taça de champanhe.
Não há nada como hinos de amor para secar a garganta.
"Ou para se meter os pés pelas mãos", pensou Fergus.
O salão espelhado do hotel em que acontecia a recepção brilhava sob as luzes de candelabros
vienenses, e a famosa tiara Carteret refletia-se, majestosa e solitária, na cabeça da noiva, que se alinhava
ao lado do noivo e dos familiares próximos para os intermináveis cumprimentos, beijos e sorrisos.
— Fliss, querida! — Verônica a fitava, embevecida. — Você parece uma princesa. Muita
felicidade em sua nova vida. — Virou-se, então para apresentar Fergus — Quero apresentar-lhe...
Fliss, porém, sorria abertamente ao oferecer a mão para um cumprimento.
— Não é necessário. Fergus e eu já nos conhecemos.
— Já? — Fergus encarou a jovem. — Tem certeza? Não creio que eu me esqueceria de alguém
tão adorável.
— Não se preocupe. — Fliss piscou, brincalhona. — Você não está perdendo a memória. Eu tinha
treze anos na época, era apenas uma adolescente com aparelho nos dentes. Sou amiga de colégio de Dora.
Uma vez nos levou para o chá, Fergus.
— Eu? E você se lembrou disso?
— Claro! Foi um ótimo chá. E depois tivemos uma diversão extra, quando toda a sétima série
levou uma advertência por usar batom por sua conta.
— Mas isso é terrível! — Verônica ergueu uma sobrancelha na direção de Fergus. — Elas
passaram por todo esse problema, e eu nem tomei conhecimento.
— Convidei Dora, mas com o próprio casamento tão perto...
— É verdade, Fliss. Minha irmã está ocupadíssima e muito preocupada em planejar os
últimos detalhes.
— Ela disse que, se conseguisse, viria me dar um abraço mais tarde.
— Não diga! — Fergus olhou para Verônica. — Raras são as vezes em que nossas agendas
sociais coincidem.
— Lamento por não poder comparecer à cerimónia dela.
— Tenho certeza que Dora compreende que sua lua-de-mel vem antes de qualquer outra coisa,
Fliss. Mas Verônica irá presente. Será uma linda representante sua.
Felicity riu, muito contente, ao ouvir as palavras de Fergus.
— Ronnie nunca foi representante de ninguém. Ao contrário, ela sempre foi a número um.
— Não nesta relação. — Ele estava bem ciente da presença de Annette Grant a poucos passos
atrás. — Partilhamos o topo com igualdade.
— Acho isso perfeito.
— E o que pensamos, Fliss.
Verônica e Fergus se afastaram de Felicity, e ele apanhou duas taças de champanhe que um garçom
lhes oferecia, passando uma para Verônica.
— Toda a sétima série, Fergus? Você e todas aquelas irrequietas meninas esperam que eu
acredite que nem tomou conhecimento da punição?
— Pode crer, Verônica. Trabalhei muito para que o fato não tomasse maiores dimensões. Não há
nada mais perigoso do que uniformes de ginástica e batom. Além do mais, a diretora queria uma doação
para a nova ala de ciências e educação física. Então, usou o caso para me atrair até o colégio.
— A diretora conseguiu a doação?
— Com muito mais facilidade do que esperava. Eu estava desesperado para escapar. No ano
seguinte, mandei Poppy no meu lugar para o tal chá.
— Oh, que espertinho!
Verônica, porém, não teve a chance de provocá-lo mais, já que foram circundados por amigos que
não a viam fazia meses, que queriam saber das novidades. E de seu novo acompanhante.
Fergus apertou mãos, sorriu, gentil, e descobriu aliviado que os homens estavam mais interessados
em suas opiniões sobre as oscilações do mercado financeiro do que em saber quanto tempo fazia que saía
com Verônica.
Depois de driblar indagações curiosas de uma das tias de Verônica e de ignorar os olhares
insistentes de Annette, Fergus aproveitou uma ocasião de calmaria.
— Lembra-se de que disse algo sobre sair cedo, Verônica?
Acho que o momento é este. Imagine que Dora venha mesmo cumprimentar sua prima. Nesse caso, desconfio
que o cerco se fechará sobre nós. Você não vai conseguir enganar minha irmãzinha com comentários sobre
salmão defumado no café da manhã.
— Mais cinco minutos e as pessoas estarão perguntando quando vamos nos casar.
—Pena eu não ter pensado em trazer um anel. Se fingíssemos estar noivos, ninguém nos incomodaria
durante anos.
— Seria um pouco cedo demais, não acha?
—Não quando se trata de um Kavanagh. Somos conhecidos pela rapidez de nossos compromissos
amorosos. Dora e Poppy casaram-se assim que puseram os olhos em John e Richard.
—Foi o que ouvi. E devo alertá-lo de que Suzie já sabe muita coisa de você.
— Isso deveria ter sido considerado.
—E nós deveríamos considerar a hipótese de sermos vistos juntos com certa regularidade.
— Não creio que isso seja desagradável.
—Concordo. — Verônica corou. — Mas talvez devêssemos manter essa hipótese como um plano para
o futuro.
"Ah! Então vai haver um futuro, hein?"
—Se aparecêssemos com um anel de noivado, todos ficariam excitadíssimos, querendo saber quando
marcaríamos a data de casamento...
—Data de casamento? — Tia May mantivera-se a pouca distância, às voltas com canapés e seu
aparelho de surdez.
— Annette não me contou que vocês iam se casar, Verônica. Ninguém nunca me conta nada...

CAPÍTULO VI

No súbito silêncio que se seguiu, quando An-nette Grant, junto com os presentes, voltou-se para
olhá-los, o solene anúncio de que deveriam tomar seus lugares às mesas pra a refeição principal se fez ouvir,
para alívio de ambos.
Por um momento, pareceu que a mãe de Verônica iria confrontá-los, mas com certeza a sra. Grant
pensara melhor, e sorriu com frieza para seu acompanhante como se aquele fosse um assunto que não estava
preparada para discutir. Simples trégua. Uma questão de tempo. Ambos sabiam disso.
— Bem... — Fergus falou assim que a conversação voltou ao volume normal. — Isso vai dar
assunto para as conversas durante a refeição.
— Fergus, estou tão...
— Lembre-se Verônica: sem medos.
— Medos? — Verônica o encarou. — Isso não é engraçado...
— Não sei — replicou, sorrindo. — Tem sim um certo quê de entretenimento. E imagine o
quanto poderia ter sido pior.
— Como?
— Eu poderia ter sido o falso conde italiano.
— Fergus, isso não é motivo para brincadeiras...
— E por que está rindo, então?
— Não estou!
Mas estava. Apesar de todo seu autocontrole, Fergus podia ver a diversão bem no fundo dos olhos
azuis, nos cantos da boca. Verônica fazia supremo esforço para se conter.
—Gostaria de dançar com você. Que tal mais tarde?
— Claro!
— Venha, vamos nos acomodar. Diga-me, o que teria feito se eu não tivesse concordado em
participar desta brincadeira?
— O plano B era um pretexto para que meu "parceiro" não tivesse tido tempo de comparecer.
— Alguma reunião urgente de negócios, sem dúvida.
— Vital para a estabilidade do mercado de ações internacional.
— Nova York?
— De modo algum, seria muito perto.
— Hong Kong, então?
— Talvez fosse mais seguro.
— Mas não tão engraçado.
— Porém, muito mais excitante do que eu supunha.
— Acha que fui convincente?
— Você convenceu tia May e todos os outros, estou certa disso.
— Incluindo Suzie?
— Ah, Suzie... — Enfim, Verônica deixou que o riso até então contido escapasse numa
deliciosa gargalhada. — Ela está convencida de que somos amantes... O beijo que você
me deu ontem foi a causa.
— Bem, isso é bom, não é?
— Oh, sim, é ótimo. Um homem e uma mulher descompromissados, aos beijos e
resistentes ao matrimónio deve ser bem engraçado. E tia May acabou respondendo a qualquer pergunta
que ela pudesse ter guardado para mais tarde.
— Exceto pela data do casamento. Mas podemos deixar sua mãe imaginando isso durante a
refeição. — Fergus passou o braço de Verônica no seu. — Nesse meio tempo, vamos nos divertir. Retornemos
a nossa mesa antes que tia May ligue seu aparelho de surdez perto de nós, de novo.
Fergus puxou a cadeira para Verônica, esperou que se sentasse e então foi apresentado aos demais
convidados.
A comida foi servida, o vinho era excelente e todos evitaram mencionar qualquer plano de ambos
para o futuro. Em vez disso, ouviram uma jovem senhora falar de sua admiração pelo trabalho filantrópico
de Dora e discutiram as chances de um de seus cavalos vencer em Newmarket na semana seguinte.
Então, Fergus notou que Annette Grant observava a filha, com uma pequena ruga marcando a bem
tratada pele de sua testa.
Aquela mulher ainda não estava convencida do que via, Fergus concluiu. Era tudo muito repentino.
Devia achar pouco provável que sua filha, uma mulher de negócios, fosse se deixar levar pelo romance assim
com tanta facilidade.
Tudo o que Fergus teria a fazer era procurar ser mais convincente. Assim, escorregando o braço pelo
espaldar da cadeira, trouxe Verônica para bem junto de si.
— Onde estão todos aqueles pretendentes a candidatos dos quais eu teria de defendê-la?
— Sua presença já é o bastante para man tê-los longe, e o anúncio público de nossas futuras
núpcias deve ter feito o resto do trabalho. Talvez eu deva aceitar sua oferta de um longo noivado.
Verônica falara sem pensar, Fergus sabia. Mas agora, ambos pensavam a respeito.
O pai da noiva levantou-se, e todos voltaram a atenção para ele. Quinze minutos depois, Fergus
tornou a se dirigir a Verônica:
— Está pronta para aquela dança?
— Sabe mesmo dançar?
— Duvido que possa competir com um conde italiano, mas creio que consigo conduzi-la sem
pisar em seus pés. Uma vez na pista, uma discreta e rápida saída à francesa será o ideal. O que lhe
parece?
Verônica achou graça, como ele esperava.
— Depois do anúncio de tia May, quanto antes melhor. Mas está certo, não sem antes
havermos dançado ao menos uma vez. Assim, todos poderão dar uma boa olhada em você.
— Nesse caso, vamos tirar seu chapéu.
— Oh, sim... — E levou as mãos à cabeça.
— Eu faço isso. — Fergus removeu os grampos e libertou as mechas sedosas. — Não deveria
cobrir seus cabelos.
Fergus deixou o chapéu de Verônica sobre a cadeira, tomou-lhe a mão e a ajudou a se erguer. Então,
ao chegar à pista, enlaçou-a, antes de começarem a dançar, devagar, ao ritmo da música.
Tê-la nos braços, descobriu Fergus, colocava todos os seus sentidos em estado de alerta.
— Fale, Verônica.
— O quê?
— Não importa. Eu só queria ouvir sua voz.
— Fergus... — Verônica, porém, interrompeu-se.
Quando olhou ao redor, ele entendeu a razão.
—E verdade? — Annette Grant, dançando com Gerry, conseguira chegar até o casal.
Sorria, benevolente, mas seu tom baixo e inquisidor demonstrava um quê de raiva.
Não era o momento para hesitações, e sim para atuar. Foi o que Fergus fez. Com um braço sobre os
ombros de Verônica e outro sobre os da mãe, levou ambas na direção de um jardim interno.
— Por que não tomamos todos um drinque? — sugeriu.
— Pode nos dar licença, Gerry?
O homem desapareceu como que agradecido.
— Mamãe, eu posso explicar.
Mas Annette não se deixou levar pela emoção da filha.
— Você tem alguma ideia do que venho passando nas últimas duas horas? Os cumprimentos,
as perguntas para as quais não tenho resposta...
— Uma garrafa de Bollinger, creio. Vou buscá-la — disse Fergus, antes que Verônica pudesse
responder à mãe.
Ela o fitou, espantada, enquanto Annette afundava em um elegante banco de madeira encerada ao
lado de uma fonte.
— Verônica, você poderia checar se Dora já chegou? Eu irei buscar as bebidas.
— Dora, Fergus?
Nunca a havia encontrado. Não tinha nenhuma ideia de como Dora seria.
—Talvez ela queira se juntar a nós.
E então, Verônica percebeu que Fergus lhe estava dando a chance de escapar por alguns minutos
de modo a não ter de enfrentar Annette sozinha, enquanto ele providenciava o champanhe.
— Oh, sim! Claro, Fergus. Com licença, mamãe. — E saiu rápido do jardim, antes que a
senhora fizesse alguma objeção.
— Meu jovem?
— Sim, senhora?
— Para você sou May. — Sorriu. — Poderia me trazer um drinque? Algo apropriado, nada
desses refrigerantes que se tomam hoje em dia.
— Sem dúvida. Do que gostaria?

— Um uísque duplo. Sem água nem gelo.


Fergus fez um gesto para o barman.
— E uma garrafa de Bollinger, por favor.
— Sim, senhor, eu a levarei.
— Eu tomo o meu aqui mesmo. — May acomodou-se em um banquinho ao balcão. — Eu me aborreço
muito em casamentos, você não? Mulheres faladeiras em enormes chapéus especulando sobre o quanto a
união vai durar, homens se dando muita importância, e muito refrigerante para se beber...
May, Fergus percebia, tinha prazer de chocar as pessoas.
— Assim se mantém a indústria de bufes em andamento.
— E a dos advogados também. — May apanhou seu copo e saudou Fergus. —Apostei cem libras
em seu cavalo, aquele que venceu a Taça de Ouro em Ascot no ano passado.
— Isso foi arriscado de sua parte, May. Aquela vitória pode não voltar a ocorrer.
— Você não estava lá, estava?
— Não. Encontrava-me nos Estados Unidos, a negócios.
— Tem de estabelecer suas prioridades, meu jovem. Os negócios nunca desaparecem, e um
vencedor da Taça de Ouro surge uma vez na vida. — Depois de tomar um gole, encarou-o com um par de
olhos vivazes. — Assim como a mulher certa. Às vezes ela vem quando menos se espera.
Fergus a fitou, pensativo.
— Diga-me, May, quanto de nossa conversa você ouviu?
— O suficiente. — E riu, tocando o aparelho de surdez.
— Minha filha quer que eu compre um novo, mas vou muito bem com este aqui, considerando-se que
ele é falho e pouco conílável.
— Se é assim, por que decidiu anunciar ao grupo que Verônica e eu íamos nos casar?
— Porque Verônica é uma perfeccionista. Ela não crê que possa ser uma profissional bem-
sucedida e uma esposa perfeita. Pelo menos é o que faz todos acreditarem.
— E você não crê nela?
— Para mim, há um desinteresse geral entre as pessoas, nos dias de hoje. No entanto, o que
sei é que a perfeição pertence apenas a Deus. Meros mortais têm de procurar fazer o melhor com o que o
destino lhes oferece. E essa é a razão pela qual você vai pedir outro drinque para mim, e em seguida tentar fazer
de tudo para salvar o dia de Annette.
— Isso não vai ser fácil.
— Nada que valha a pena é.
— Verônica...
— Ela é muito controlada. Nem sempre foi assim. E, quando você a fez rir, eu me lembrei de
como essa menina costumava ser.
Verônica observava seu reflexo. Que confusão! Estava tudo bem para Fergus, que podia se dar ao
luxo de fazer piadas, pedir champanhe, dizer que saberia lidar com Annette. Será que ele não percebia a
gravidade da situação?
Duas mulheres ao fundo da sala íntima feminina haviam parado de conversar e a olhavam, curiosas.
Os rostos lhe eram um tanto familiares. Verônica sorriu para ambas, e voltou sua atenção para o estojo de
pó compacto.
Encontrando o batom, renovou a cor dos lábios. Talvez devesse ter levado Fergus a considerar a ideia
de um falso noivado permanente... Um atraente solteirão, sem planos de matrimónio, seria o ideal para
ela.
Olhou-se mais uma vez no espelho. Hora de parar de sonhar e enfrentar a realidade.
—Você não encontrou Dora? — Fergus perguntou a Verônica, assim que ela se juntou a ele no
caminho para o jardim.
— Na verdade, nem a procurei. Era para fazê-lo?
— Não. Só imaginei que você precisava de um intervalo para recuperar o fôlego.
O champanhe os aguardava à mesa. O garçom ao lado aguardava o momento para abrir a garrafa.
Fergus indicou que o fizesse com um gesto de cabeça.
— Lamento tê-la deixado por tanto tempo, sra. Grant.
May me prendeu por alguns minutos no bar. Ela é muito interessante.
— Aquela mulher e seu aparelho de surdez... Tudo não passa de uma atuação, vocês sabem.
— Ora, mamãe! Você gosta de tia May.
— Ela é uma provocadora, adora confusões e bebe em demasia.
— Sei disso. Entretanto, nunca é aborrecida.
— Isso é verdade. — O rosto de Annette Grant suavizou-se um pouco. — Com certeza May
deu vida à recepção. Só havia um assunto: o casamento de vocês dois.
— Mesmo, sra. Grant? Extraordinário! Ninguém nem mencionou esse assunto em nossa
mesa. Não foi mesmo, querida?
Os olhos de Verônica se arregalaram. "Não sabia que Fergus podia ser tão terno."
— Tem razão.
— E verdade, então?
Há momentos, muito especiais, em que a decisão de um único segundo pode mudar para sempre tudo a
nossa volta. Verônica enfrentara um desses ao aproveitar a entrada de Fergus Kavanagh no trem. Agora era
a vez dele.
Enquanto a rolha do champanhe se soltava e a espuma clara do líquido dourado enchia as taças,
tomou uma delas, ofertando-a a Annette antes de levantar a sua em silenciosa saudação a Verônica.
Era toda a resposta de que Annette precisava.
— Meus queridos! Isso é maravilhoso... Não sei nem o que dizer.
— Não diga nada — Fergus advertiu. Mas não se dirigia à sra. Grant.
— Mas... — Verônica parecia muito confusa.
— Felicidades. — Fergus estendeu-lhe a outra taça.
— Eu não poderia estar mais contente, meninos. Para ser honesta, começava a pensar que
nunca veria este dia chegar.
— Obrigado, sra. Grant.
— Annette, por favor, Fergus. Como tudo aconteceu?
— No momento em que nos vimos.
— Sério, Fergus? Foi amor à primeira vista? Que ro mântico! Mas você entende que será
necessário pelo menos seis meses para organizar tudo de maneira adequada e... Dora, minha querida!
Esta não é a mais maravilhosa das novidades?
Fergus se voltou. A irmã cruzava a entrada, parando a poucos passos de distância do diminuto grupo.
Uma expressão de incredulidade marcava o semblante da jovem.
— Fergus? Fliss me contou... mas mal pude acreditar. — Dora deu e passo à frente e abraçou o
irmão. — Você não vai nos apresentar? — inquiriu, voltando-se para Verônica.
— Verônica, esta é minha irmã Dora. Dora, esta é a srta. Verônica Grant. Já conhece sua mãe,
creio eu.
Annette sorriu para a recém-chegada.
—Não tinha ideia de que minha filha conhecia seu irmão.
— Fergus sempre foi extremamente discreto, Annette. Poppy já sabe?
— Ninguém sabia, até hoje.
— A tia de meu marido os ouviu e anunciou a novidade — explicou Annette. — Eu não
poderia estar mais feliz.
— Você também está contente, não é, Dora?
— Não poderia estar mais encantada e alegre do que estou, Gussie. Com toda a sinceridade.
— E deu um abraço apertado no irmão. — Poppy e eu sempre nos preocupamos sobre quem cuidaria de
você, uma vez que estivéssemos casadas.
— Verdade?
— Sim. E lá ficávamos nós, dando asas à imaginação sobre quem seria a esposa perfeita para
nosso irmãozinho...
Verônica o olhava, muito séria. A boca, os olhos e a expressão de Fergus eram controlados com
firmeza, exceto por uma ligeira pressão nos lábios que pressagiavam uma sonora gargalhada.
— E vocês chegaram a pensar em alguém, Dora?
— Parecia quase impossível, Gussie. Frustrante, mesmo.
Fergus pigarreou.
— Ele é bem difícil, então?
— Difícil, Verônica?! — Dora encarou o irmão, pensativa.
— Não conseguíamos sequer pensar em alguém adequado para...
Fergus foi tomado por um acesso de tosse.
—Mas me parece que tanta preocupação era desnecessária. Como vocês se conheceram, Verônica?
—Bem, Fergus e eu temos diversos interesses em comum.
Annette parecia sonhar acordada.
— Eu cobrirei todas as despesas da cerimónia. Sabe, Dora, o pai de Verônica lhe deixou
um fundo para esse exato propósito.
— Não pode ser!
— Lógico que sim, Verônica! Seu pai pensava em tudo. Portanto, Fergus, deixe o casamento
aos meus cuidados. Têm ideia da data? Preciso de uns seis meses... — Olhou para Dora. — Estou certa de
que sua irmã me ouvirá nessa questão.
— Mas...
— Seis meses, no mínimo — concordou Dora, antes que ele protestasse. — Ainda estou
correndo atrás dos últimos detalhes, e me casarei daqui a duas semanas.
Fergus sorriu para a irmã.
— Não sei para què tantos detalhes, que só a deixam ansiosa. No dia estará tão cansada
que...
— Não que eu queira contrariá-lo, Gussie. Estou certa de que seis meses é o prazo justo para
se organizar o tipo de casamento que Verônica merece. Só não entendo como se pode esperar tanto
tempo...
— Pelo amor de Deus, Fergus! — disse Verônica, quando começavam a entrar no carro. —
Devemos ser sensatos. Não podemos permitir que essa história tome maior vulto.
— Ah, é? — Ele achou graça. — Não vejo o porquê. Na verdade, começo a pensar que sensatez
é algo ultrapassado.
— Deixei de ser sensata no momento em que entrei naquele trem. Correção: no momento
em que você entrou no trem.
— Pode ser. Mas e nosso trato?
— Trato?
— Permanecermos solteiros, apesar de todos os esforços ao contrário.
— Isso, sim. Mas parece que você se esqueceu de que marcamos uma data e convidamos
metade de Londres para um enlace que não irá acontecer!
— As coisas fugiram um pouco do nosso controle. — Fergus recostou-se no estofamento de
couro do automóvel. —Talvez devêssemos ter nos servido só de água mineral.
— Talvez!
— Foi uma ótima festa, apesar de tudo.
— Excelente, eu diria. Será o comentário de Londres por meses a fio, acredite. E esse é o
problema. O que vamos fazer, Fergus?
— Nada. — Abraçou-a de modo que Verônica recostasse a cabeça nele.
— Mas a questão toda era evitar que nos pressionassem mais para casar. Não tenho nenhuma
intenção de me tornar uma mulher casada. Nunca. Entendeu?
— Sim, entendi. E isso não é problema.
— Não?
— Não. — Um pouco de sorte e Verônica confiaria em suas decisões. — Iremos descobrir que
ainda não estamos prontos para o matrimónio em novembro.
— Lógico! Por que não pensei nisso antes? Os tempos que antecedem o Natal são uma espécie
de loucura. Deve ter sido o champanhe que não me deixou perceber de imediato o quanto isso será
impossível.
— E há o problema do Natal em si. Poppy se casou nessa época. Chovia e fazia muito
frio. Não qUe ela se importasse, mas...
— Teríamos de mandar colocar toldos nas alamedas e...
— Verdade. Mas se eu não me casar em Marlowe Court será imperdoável. Temos uma tradição.
— E as testemunhas, damas e padrinhos?
— Acharemos a solução.
— Resumindo, chegaremos à conclusão de que deveremos nos casar no início da primavera.
Ao vê-la bocejar, Fergus sorriu.
— Bem no início. Apesar de que o verão é melhor. Junho, talvez?
— Ainda pode estar frio até lá. Melhor deixarmos para julho.
— Quem sabe agosto? Porém, todos estarão em viagem de férias. Setembro é uma
possibilidade...
Verônica adormeceu.
Fergus beijou-lhe os cabelos, iluminados pelas luzes dos carros nas ruas.
— Setembro... — ele repetiu, suave. — Nada mau...
— Hum?
— Querida, volte a dormir.

CAPÍTULO VII

Julie, onde estão os jornais da manhã? — Fergus olhava, irritado, o intercomunicados — Julie?!
—Irei levá-los agora mesmo, Fergus.
Ele encarou a secretária assim que a porta do escritório se abriu.
— Qual é o problema com todos hoje? Tenho recebido olhares estranhos e súbitos silêncios desde que
cheguei aqui.
Sem resposta, Julie, o rosto inexpressivo, colocou todos os recortes dos principais periódicos sobre a
escrivaninha, na frente dele.
— O que é isto? Onde estão as notícias sobre o controle acionário e a cotação de mercado de
ações?
— O que está aí não fala sobre o controle acionário. Na verdade, não há nada sobre a
companhia. Observei tudo, cada uma das histórias, e já as li. Lógico que deve haver mais. Mandei buscar
alguns tablóides.
— Tablóides?! Do que você está falando?
A expressão de Julie continuou impassível. Pegou um caderno de finanças.
— "Outra fusão de Kavanagh" — leu para Fergus.
— Mas pensei que você tinha dito que...
— "Controle acionário de Kavanagh. Neste final de semana, Fergus Kavanagh, mais uma
vez, demonstrou sua agilidade para negócios. Para o espanto de toda a comunidade financeira e social, o
presidente das Indústrias Kavanagh surpreendeu família e amigos ao anunciar seu imi nente casamento
com Verônica Grant, diretora de marketing do próspero grupo Jefferson Sports. O casal, ambos residentes
em Melchester, planeja contrair núpcias em novembro próximo."
— O quê?!
— Você não adorou este "ambos residentes em Melchester"? Sugere que os dois já estão
vivendo juntos sem participar nada a ninguém.
— Deus do céu!
Julie lhe ofereceu o jornal, apanhou um outro e abriu uma segunda nota.
— "Kavanagh. Controle acionário" — começou, olhando para Fergus por sobre os óculos. — As
manchetes me parecem ser todas aborrecidamente iguais. Previsíveis, eu diria.
— Você me surpreende...
— Você é que me surpreende, Fergus! Quando sugeri um pouco de diversão, não podia imaginar
que me levaria tão a sério.
— Julie....
Ela abrira outro periódico e começara a ler:
— "A celebração do casamento dos Carteret foi, sem dúvida, enriquecida pelo retumbante
anúncio de que Verônica Grant, ex-noiva de George Glendale, o sétimo duque de..."
— Já chega, Julie. Pode parar por aí.
Fergus não desejava ouvir nada a respeito de George Glendale, seus títulos ou seu castelo
decadente.
— Interessante... Você não exagerou. Agiu rápido.
— Como é?
— Considerando-se que quase nada sabia sobre essa jovem na sexta-feira de manhã, a ponto de
pedir uma pesquisa sobre ela nos jornais. Bem, a srta. Grant deve ter causado uma impressão e tanto em
você.
— Sim. Causou, mesmo.
— Posso parabenizá-lo?
— Prefiro uma xícara de café.
Nesse momento, o telefone tocou.
— E pode dizer a todos que não estou no escritório, Julie.
— Sala do sr. Kavanagh. — Uma pausa. — Lamento muito, srta. Grant, mas creio que o sr.
Kavanagh não se encontra no momento neste andar...
Fergus levantou-se, tomando o aparelho da mão de sua sorridente secretária.
—Café, Julie, por favor — disse, em tom grave, e esperou até que ela saísse. — Verônica?
—Alô, Fergus! Pensei que estivesse ocupadíssimo.
Verônica o provocava. E, de repente, as coisas não lhe pareciam tão más.
—Acabei de tomar conhecimento das notas dos jornais.
— Só agora? Não leu sobre sua preferência por salmão, no trem?
— Não, hoje decidi vir de carro.
— Ah!
Aquilo sugeria que Peter e seu ritual do desjejum não haviam sido muito bem-vindos naquele dia.
— Julie foi muito atenciosa, destacando todas as histórias para mim.
— Julie?
— Minha assistente pessoal.
— Bem, minha secretária, Lucy, também teve sua cota de diversão. Tinha esperanças de que
ela não percebesse, mas o editor de uma revista de mexericos lhe telefonou, enquanto eu estava em uma
reunião, perguntando se eles poderiam fazer um perfil do casamento. Desejava falar direto comigo.
— Oh, meu Deus!
— Lucy foi muito rápida e eficiente, descartando qualquer possibilidade de entrevistas, mas
dizendo que eu retornaria a ligação. Pelo que andei lendo, entendo a razão de tanta pressa por parte dela.
— Uma risada suave atravessou a fiação. — Tenho de lhe dizer, Fergus, que meu prestígio entre as
mulheres da empresa está mais alto do que nunca.
— Posso imaginar. O que você disse?
— Para o editor? Apenas que eu estava encantada por eles considerarem meu enlace
importante a ponto de ser uma das matérias da revista, mas que eu só poderia res ponder alguma coisa
depois que falasse com você.
— Um simples "não" não bastaria?
— Imagine! Eles pensariam que estou ansiosa por um cache mais alto.
— Cache?! Essa gente paga para obter as informações que querem?
— Oh, droga, deveria ter dito que sim? — perguntou, com um riso quente e gentil.
Por um instante, Fergus ignorou os jornais. Mas isso era uma atitude impossível de se assumir.
— Pelo que entendi, devia haver alguém na recepção de Fliss que era o contato deles, mas até as
páginas financeiras mencionaram o fato.
— Eu sei, Fergus. Quem quer que tenha espalhado, queria ter certeza de que todos, sem
exceção, saberiam da novidade. Agora, quem é a pessoa que ocorre à sua mente?
Ao notar que Fergus não respondia de imediato, Verônica soltou uma risadinha. E, de novo, o mundo
pareceu a ele um lugar melhor.
— Não há necessidade de tentar ser delicado, Fergus. Por certo, mamãe deve ser a
responsável. Quando você sentir a necessidade urgente de estrangulá-la, contenha-se. Depois do casamento
de sua irmã, ela terá de chamar seus contatos sociais e dizer-lhes que tudo não passou de um erro, um
engano.
— Você vai desistir, então? Pensei que iríamos deixar as coisas caminharem por algum tempo.
— Eu sei, mas...
Fergus não gostou do som daquele "mas".
— ...há implicações...
— As pessoas irão esperar que sejamos vistos juntos? —adiantou-se, com o intuito de cortar
alguma possível objeção.
— Isso já havia me ocorrido.
Na verdade não pensara em outra coisa durante o fim de semana.
— Não se importa? — Verônica surpreendeu-se. — Quero dizer, uma coisa é brincar de namorados,
mas você tem uma reputação a considerar.
Preferia dizer a Annette que tudo não passou de encenação para enganá-la?
— Eu não falei isso.
— E espera que Annette ligue para os jornais e diga que o anúncio de nosso futuro
matrimónio não passou de um erro? — De repente, a cobertura dos matutinos não lhe parecia mais um
desastre tão grande quanto a princípio pensara. — Não é um tanto injusto? Ainda mais que nós dois não
fizemos nenhum movimento para deixar alguma margem de dúvida.
— Com Dora bem em pé ao lado? Pensei que você desejasse convencê-la. Bem, ela já está
convencida. O mundo inteiro está, para ser franca. Não precisa se preocupar com mais nada, Fergus.
— Fico feliz que pense assim.
— Foi seu plano de contingência, não esqueça. Os melhores detalhes ficaram por sua conta. —
Devia lhe ocorrer que de sua parte também não fizera nenhuma objeção à ação de Fergus. — E, depois
da data marcada, minha mãe estava ocupada demais em pedir mais champanhe, pelo qual você pagou, e em
contar as boas novas para o mundo.
— E Dora corria ao telefone para avisar Poppy.
— Você falou com elas?
— Não. Poppy e Richard voltaram para a casa deles na sexta-feira à noite, e Dora e John
viajaram no fim de semana. Nenhuma telefonou.
— Suas irmãs não queriam perturbá-lo, decerto. — Uma pausa. — Ou melhor, nos perturbar.
Percebe que elas, assim como todos, crêem que passamos o final de semana juntos?
— Isso havia me ocorrido, porém...
— Oh, Fergus, me desculpe! Eu achei que seria muito mais simples.
— Ambos estamos nisso, Verônica.
No entanto, Fergus não imaginava que o fato de as pes soas terem certeza de que já eram amantes era
motivo para desculpas. Aliás, seu único arrependimento era que tudo não passava de ficção. Verônica, no
entanto, não devia sentir o mesmo.
— Vamos ter de colocar tudo em pratos limpos, eu suponho. Não podemos permitir que isso tome
mais vulto.
Era evidente que Verônica estava um tanto desapontada. Isso lhe deu alguma esperança.
—Como queira. Deseja que eu ligue para Annette, ou você mesma o faz?
Fergus ouviu uma espécie de gemido do outro lado da linha. Sorriu e escolheu aquele momento para
lhe oferecer uma saída:
—Lógico que seria melhor se deixássemos este esclarecimento para depois do casamento de Dora.
Serão apenas duas semanas. Menos, até.
Verônica nada disse.
—Quero dizer, no caso de ainda estar preparada para comparecer à cerimónia e recepção de minha
irmã.
Julie deu uma batidinha na porta.
— Pode aguardar um instante, Verônica? Entre, Julie.
— Ele esperou a secretária atravessar a sala, na ponta dos pés, e colocar a bandeja a seu lado. — Obrigado.
Julie?
— Sim, Fergus.
Ele mudou de ideia.
— Nada. Converso com você daqui a pouco.
— Fergus? — A voz de Verônica tinha uma entonação encantadora. — Ainda está aí?
— Fui interrompido, me desculpe. E então, o que me diz sobre o casamento de Dora?
— Lógico que irei! Eu prometi. E, Fergus?
Ele segurou o fone com firmeza.
— Sim?
— Eu só ia dizer que você tem razão. Depois de tudo, que diferença fariam uma ou duas semanas?
O estrago está feito, e, se corrermos para negá-lo, as pessoas começarão a desconfiar de que há mesmo algo
muito estranho a descobrir.
Fergus imaginara que os jornais a fariam desistir, arruinando seus planos. O que só vinha provar o
velho ditado que dizia não haver nada melhor do que uma má publicidade.
— Tem certeza, Verônica?
— Absoluta. É o mínimo que posso e devo fazer, depois de você ter ido a extremos para me
ajudar. E de maneira muito convincente.
—Ah, é? Acha que me saí bem?
Verônica não respondeu ao comentário.
— May me telefonou e me disse o quanto está feliz por eu haver tomado a decisão acertada.
— Mesmo?
— Para mim, essa é uma coisa muito estranha para se dizer, não acha?
— May é um pouco estranha, mas me pareceu bastante lúcida.
Fergus imaginou se não estariam errados ao criticar Annette por ter avisado os colunistas sociais. May
fora aquela que ajudara na conspiração. Talvez tivesse achado que necessitavam de um empurrãozinho extra.
— Você me parece ter uma boa opinião sobre ela.
— Isso se deve à conversa que tivemos sobre Ascot.
— Esse é o assunto predileto de May. Fergus, vejo você dentro de duas semanas, no
casamento de Dora. Talvez seja melhor que me informe antes a hora e o lugar.
— Vou mandar-lhe um convite pelo correio ainda hoje.
— Certo. Até logo, então.
— Sim. Não! Não, espere...
Verônica aguardou. Fergus montara sua estratégia para aquele momento durante o sábado e o
domingo, mas os periódicos o haviam confundido um pouco, e a voz daquela jovem acabava com sua
concentração.
— Terei de ir a um jantar de negócios em Melchester, na quarta-feira, Verônica. Acha que
pareceria esquisito você não me acompanhar?
— Pode ser. Entretanto, se está se referindo ao compromisso do Clube dos Executivos de
Melchester, eu estarei lá.
— Por sua conta?
— Não exatamente. A Jefferson tem uma mesa reservada.
Porém, se vai sozinho, por que não se junta a nós?
"Então, isso é igualdade? Um convite de uma mulher para um jantar de negócios? Muito
diferente..."
— Obrigado, Verônica. Será, sem dúvida, agradabilíssimo.
— Vou ligar para os organizadores e pedir que o acomodem conosco.
— Não, não faça isso. Iremos juntos. Pego você às sete horas. Quero dizer, se concordar.
— Sim, pareceria bastante estranho se chegássemos separados.
Toda a visão de Fergus Kavanagh a respeito da vida tinha se tornado muito estranha desde a
última sexta-feira, mas ele não pretendia discutir as mudanças.
— As sete, então?
— Esse horário estará perfeito. Obrigada.
Verônica colocou o fone na base, com um ligeiro sorriso, bailando em seus lábios. O convite fora
inesperado, apesar de dever ter imaginado que aconteceria.
A atenção de Fergus Kavanagh aos detalhes tornara-se uma lenda. Ele era um homem que lutava
pela perfeição em todos os aspectos. O que deveria ser a razão pela qual nenhum dos dois sequer chegara
próximo do matrimónio.
Alguém como Fergus nunca desprezaria o óbvio, como a necessidade de serem vistos juntos em
público. Até mesmo os jogos deveriam ser disputados objetivando a vitória.
— Meu Deus, Verônica! Você está parecendo um gato em frente a uma tigela de leite e um
prato de salmão como refeição principal! — Nick Jefferson chegara de repente e parara à soleira. — E
uma maneira de falar, querida — completou, colocando algumas pastas sobre a mesa. — Pode dar uma
olhada nestas propostas? Isto é, quando conseguir afastar sua mente de importantes decisões sobre bufes
e damas de honra...
— Olá, Nick. Como está Cassie? — perguntou, ignorando seus comentários.
— Desapontada por não tê-la visto no sábado. Há semanas que ela não a encontra.
— É verdade. Tenho estado muito ocupada. — Tinha uma desculpa verdadeira por não haver
jantado com os Jefferson no sábado. — Pode se desculpar por mim? Fergus me trouxe até em casa e...
—- Eu estava brincando, minha menina. Tenho certeza de que tinha coisas muito mais interessantes
para fazer do que acompanhar uma das receitas de Cassie.
— Ela está bem?
— Pode-se dizer que florescendo. Parece cheia de energia. O problema é que enfiou na cabeça
que todos os cómodos de nossa espaçosa residência precisam de uma faxina de alto a baixo.
— Melhor você manter um olho nela, Nick. Parece que Cassie está construindo o ninho. Ela
já arrumou a mala para a maternidade? E se acontecer algo durante a noite?
Vocês precisam estar prontos.
— Não se preocupe, anjinho. Tudo está a mão. Li os livros para futuros papais duas vezes.
Apesar de não entender por que essas coisas acontecem no meio da noite..
— Suponho que seja algo do tipo atávico, que vem desde o homem das cavernas. Há o instinto
primitivo de dar à luz sob o manto da escuridão. — Fitou-o com carinho e notou que Nick quase a
encarava. — O que foi?
— Esta é a nova futura esposa Verônica Grant? A mãe terra? Sábia nos caminhos da
maternidade? Nunca pensei que viveria para ver o dia em que você deixaria o quadro de direção da
empresa pela lida doméstica.
— Nem verá. — Forçou-se a parecer natural. — Não vou me casar. Você me conhece muito
bem, Nick.
— Pensei que conhecesse. Não consigo me lembrar das vezes em que discutiu com Cassie
sobre a impossibilidade de ter uma carreira e um casamento bem-sucedidos. Não que você a tenha
convencido. — Nick sentou-se na beira da escrivaninha. — Será que ela a convenceu?
— Cassie faz seu trabalho de casa, Nick, em seu próprio ritmo e com muita ajuda. Mesmo assim,
planeja interromper as atividades quando o bebé nascer.
Então, Verônica caiu em si ao perceber o quanto dera asas às fantasias durante o final de semana.
Aquela era uma trilha fechada para ela, não podia esquecer. Resolveu apelar para um discurso feminista:
— E sempre a mulher que tem de arcar com o maior sacrifício.
— Criar uma família é tão importante quanto dirigir uma companhia, Verônica.
— E fácil dizer isso. Não é você quem está carregando uma criança no ventre.
As sobrancelhas de Nick se ergueram por um segundo ao notar o tom agressivo na voz da amiga.
—Fergus Kavanagh sabe disso tudo, Verônica?
Ela não respondeu.
— O rapaz possui grandes empresas, negócios de família... Imaginei que desejasse...
— ...filhos para dar continuidade ao nome Kavanagh? Ora, Nick, estamos às portas do século
XXI, pelo amor de Deus! — Parou ao ver o ar preocupado de Nick.
— E melhor vocês entrarem em um acordo de que o primeiro filho será o herdeiro do
império Kavanagh, não importando que seja menino ou menina.
Nick a entendera mal, Verônica concluiu, aliviada.
—Sim, Nick. Nós já temos um acordo.
"E é o de nos mantermos solteiros, apesar de todos os esforços em contrário dos amigos e parentes."
Seria melhor não se esquecer disso, pois não seria o tipo de esposa que Fergus desejaria.
— O que me lembra, Nick, que Fergus irá conosco ao jantar de quarta-feira.
— Conosco? A nossa mesa? No jantar do Clube dos Executivos de Melchester?
— Isso mesmo. Ele iria de qualquer maneira, então eu o convidei. Nada de errado, não é?
— De jeito nenhum. Apesar de que suponho que o prefeito irá se sentir um tanto lesado por
termos nos apropriado de seu convidado de honra.
— Fergus será o orador da noite?
— Você não sabia?
Ela ainda o olhava, surpresa, quando o telefone tocou.
— Verônica Grant.
— Verônica?
Aquela voz masculina tão próxima, tão inesperada, fez com que se sentisse ridiculamente fraca.
— Fergus?
— Estou ligando em má hora? Posso telefonar depois.
— Não. — Respirou fundo, evitando fitar Nick. Sentia-se trémula, e temia que ele notasse. —
Claro que não. O que há, Fergus?
— Percebi só agora que não tenho o número do tamanho de seu dedo.
— Tamanho do meu dedo?
— Você precisa de um anel de noivado, acho. Temos de ser convincentes, e isso ajudaria muito.
As pessoas... e quando digo "as pessoas" quero dizer Dora e Poppy, esperam vê-lo. Na cerimónia.
— Decerto elas irão reparar nisso, sim.
— Sua mãe, também, é claro.
— Nem me diga! Mamãe jamais abriria mão de me ver com uma jóia no anular.
— Gostaria de vir à cidade para escolher um modelo que lhe agrade, ou confiará em mim o
suficiente para realizar essa tarefa?
— Não posso me ausentar da empresa, hoje. Por que não me faz uma surpresa?
— Bem, eu pensei em um diamante, um solitário, mas diga se tem preferência por uma pedra
colorida. Uma safira, talvez?
Verônica encontrava dificuldade para raciocinar com clareza, sobretudo com Nick sorrindo de orelha
a orelha.
— Eu... hum...
— Quer um tempo para pensar?
— Não. Não, um diamante seria perfeito. Ele combina com qualquer coisa.
— E o tamanho?
— Eu não sei, Fergus. Telefono mais tarde e lhe dou a informação. Até mais. — Desligou o
telefone sem lhe dar tempo de dizer mais nada.
Então, encarou Nick.
— Diga, o que há de tão divertido?
— Você, para ser exato. Mal posso esperar para me encontrar com o homem que pode reduzir
a rainha do gelo a papinha de criança.
— Ele não... ele nem...
— Caso estivesse deste lado da escrivaninha, não tentaria me enganar. — Então, Nick balançou a
cabeça numa atitude zombeteira. — Você estará naquela maternidade mais rápido do que pode imaginar.
— Acha que isso é engraçado?
— Um bebé dentro de um ano. Uma taça de champanhe para celebrar o primeiro aniversário de
casamento.
— Faça o pedido desde já, engraçadinho!
O anel era lindíssimo.
Fergus havia ido até a casa de Verônica na volta da cidade para entregá-lo.
Ela, por sua vez, acabara de chegar do trabalho quando a campainha da porta soou. Pensou ser um
dos vizinho que viera buscar uma caixa de mantimentos que prometera para o bazar da igreja. Mas era
Fergus, no entanto. Distinto, atraente em um longo e escuro sobretudo, ombros e cabelos brilhando sob a
garoa, a precoce promessa de verão desaparecendo tão rápido quanto chegara.
— Você está de saída — Fergus disse, vendo-a de casaco.
— Não. Na verdade, acabo de chegar. — Verônica deu um passo para trás. — Entre.
Fergus a levara até lá no dia do casamento de Fliss. Acompanhara-a até a porta, beijara-lhe o rosto e
esperara que entrasse. Mas não passara da soleira. Porém, agora ele estava dentro da residência, e nunca
antes o hall de entrada parecera tão pequeno a Verônica.
— Obrigado.
— Aceitaria um café? Uma bebida, talvez?
—Vim dirigindo. Por isso, mas um café seria muito bom.
Fergus a seguiu até a cozinha, onde Verônica se desvencilhou do agasalho e encheu a chaleira de água.
Sentia-se embaraçada. Não, esse não era o termo certo. Esquisita. Com a respiração entrecortada e a
língua presa. Não sabia o que dizer. Parecia uma adolescente diante do garoto que se desejava encontrar,
sem fazer ideia do que falar na hora em que lhe é dada a oportunidade. Quase trinta anos de idade, uma
carreira bem-sucedida, na qual comunicação era a chave, e Verônica não conseguia pensar em algo para
dizer.
Arrumou as xícaras em uma bandeja. Despejou leite em uma jarra.
— Você toma com açúcar?
— Não.
— Na verdade, isso é bom, pois não creio que eu tenha.
— Trouxe o anel, Verônica.
Ela ergueu a cabeça.
— Tão cedo? Quero dizer...
— Achei que talvez gostasse de usá-lo na quarta-feira, e também queria ter certeza de que o
comprei no tamanho exato.
—Oh, céus, sim! Não poderia correr o risco de perdê-lo.
Fergus tirou uma pequena caixa de couro do bolso, abriu-a e pegou a jóia.
Verônica engoliu em seco e arregalou os olhos.
— E bem simples, mas achei que preferiria nesse estilo.
— Fergus manteve o círculo de ouro entre os dedos, o diamante refletindo a luz dos spots da cozinha, e
esperou que ela lhe desse a mão para colocar a preciosa jóia no delicado dedo.
Verônica tremia tanto que teve de segurar o pulso para que Fergus pudesse realizar seu intento.
Ela deixou escapar um longo suspiro. Nick a chamara de rainha do gelo. Se a visse naquele
instante...
— Isso é tolo demais, mas minha mão está trémula. Nunca me aconteceu nada parecido antes.
— Nem mesmo com o duque?
— Jamais fomos tão longe. O que tínhamos era uma compromisso familiar, e George era
homem discretíssimo.
Os olhos escuros de Fergus brilharam como o brilhante. — Acreditaria se eu dissesse que também
estou tremendo? Parecemos bastante inexperientes nesse assunto.
— Suponho que se fizer direito, uma vez é tudo o que se precisa.
Seus olhares se encontraram como que encantados por um momento.
Fergus beijou o anel e a mão que o guardava. O mais leve dos toques, mera formalidade que deveria ser
registrada.
—E adorável, Fergus — Verônica falou, com dificuldade.
E era, mesmo. Uma solitário perfeito. Exatamente o que Verônica teria escolhido se tudo fosse de verdade.
E Verônica percebeu uma pequena nota de melancolia ao se dar conta de que não era assim. O que
lhe pareceu ridículo. Aquilo tudo não passava de encenação, um jogo, uma pequena conspiração.
—Cuidarei bem dele... Oh, desista, devolva-o!
— Devolver? Por que você não o joga fora, na frente de uma multidão que possa testemunhar.
— E como vamos interpretar?
— Por que não? Poderíamos ir a um restaurante da moda, o tipo de lugar onde há garantia de
que o que acontece estará nos jornais da manhã antes de você se acordar. — Fergus sorriu. — Aí eu não
faria Annette passar pelo dissabor, um verdadeiro pesadelo, de ter de dar explicações.
— O que é mais do que mamãe merece.
— E também mais fácil de se compreender.
— Sim, creio que sim. — Verônica soltou um pequeno suspiro. — Então, estou feliz por haver
escolhido um diamante. O flash do anel voando será muito mais satisfatório.
Ela admirou a belíssima jóia, que cintilava, magnífica.
— Vou odiar ter de me separar dele.
— Não há pressa, Verônica.
— O casamento de Dora é daqui a menos de duas semanas. Depois disso...
— ...haverá outros eventos, outras festas de família. Podemos tirar o melhor partido dessa
situação.
— Não devemos deixar as coisas irem muito longe, Fergus. Minha mãe estará preparando
convites, listas de bufes e menus.
— Porei um ponto final definitivo" no momento em que você ordenar, Verônica. Reservarei uma
mesa em um desses famosos restaurantes frequentados pela alta sociedade, onde há paparazzi de plantão, e
encenaremos um rompimento que fará a delícia de todos os jornais e...
— Isso soa tão mal a meus sensíveis ouvidos! Horroroso, eu diria.
— Bem, mas não precisamos nos apressar.
— Talvez não.
CAPÍTULO VIII

Verônica, que estivera rodando o anel no dedo, olhou para Fergus, registrando o sorriso no
rosto bonito.
— Se eu não estivesse a par da história, Fergus, diria que você está apreciando, e muito,
toda essa encenação.
— Diria?
Ele livrou-se do sobretudo, pendurando-o em um cabide de parede atrás da porta da cozinha, antes
de se dirigir para a chaleira, que apitava, avisando que a água fervia, e desligar o fogão. Despejou água
sobre o café solúvel, muito à vontade.
— Não há razão para não nos divertirmos um pouco, há?
— Bem, não, mas...
— Isso é bom, Verônica, porque reservei um camarote de dois lugares para a nova peça que
estreia no teatro, nesta sexta-feira.
— Você fez o quê?
— Caso esteja livre, sabe bem disso.
— Melhor eu não sair com mais ninguém, não é? — disse, tomada pela irritação por tamanha
iniciativa, e por ter consciência de que uma noite na companhia daquele homem lhe seria muito agradável.
— O mesmo é válido para você.
— Fico contente que veja as coisas desse modo. Talvez até possamos comparecer a algum
concerto.
Verônica descobriu que estava ficando difícil não rir.
— Como patrocinador da orquestra local, presumo que você tem algum dever em relação a
isso.
— No sábado, então, depois do jogo final.
— Minha vida social está se mostrando bem ativa. — Verônica quase soltou uma gargalhada.
Fergus tinha a capacidade de alegrá-la sempre. — Por que não fazemos um final de semana completo,
passando a tarde do domingo no museu? Na verdade não vi as cerâmicas de sua mãe. Creio que eu
deveria, não acha?
— Todos deveriam vê-las, uma vez que fosse — concordou, solene, servindo o café nas xícaras.
— Como visitar Veneza e depois morrer?
— Não acha que deveríamos deixar Veneza para nossa lua-de-mel?
— Meus pais foram para lá em sua viagem de núpcias.
— Annette me contou. Na verdade, ela recomendou que fizéssemos o mesmo passeio. Onde
gostaria de ficar? No Danielli?
"Isso é um jogo", Verônica lembrou a si mesma, enquanto considerava a escolha de hotel. "Não
passa de uma brincadeira."
— Creio que não. Lá há muitas colunas de mármore, é muito pomposo. Além do mais, gosto
de cavalgar quando estou em viagens. Veneza não tem lugares onde se possa andar a cavalo.
— Correto. Que tal a Toscana?
— Em novembro? Não é lá que acontecem fortes tempestades?
Fergus sorriu para ela.
— Vai ser muito difícil agradá-la?
— Nem faz ideia de quanto. É provável que acabemos brigando por causa disso.
— Nesse caso, pensarei mais um pouco antes de dar alguma sugestão. — Fergus sentou-se
no banco ao lado do balcão. — Mas, já que gosta de cavalgar, por que não fa zemos isso no domingo?
Poderemos ir até Marlowe Court depois do concerto, e cavalgaremos. Iremos nadar, se o tempo ajudar,
almoçaremos... E falando em comida, o que planejou para o jantar desta noite?
— Como é? — O ritmo da conversa estava um pouco apressado demais para ela.
Passar a noite de sábado em Marlowe Court? Fora isso o que entendera? O que será que Fergus
estava planejando?
— Pensou em algo para o jantar, Verônica? Ou você não costuma se preocupar muito com essas
coisas?
Verônica o encarou.
— Por acaso você estaria checando minhas prováveis qualificações como futura esposa?
— Por que eu faria isso? Tenho uma governanta muito capacitada a resolver qualquer problema
doméstico que você mencionar. Ia apenas me oferecer para preparar alguns ovos mexidos para nós. Com
cogumelos. O que me diz?
— Se quer mesmo saber a verdade, Fergus, estou sem palavras.
— Tomarei seu silêncio como um "sim", está bem? — Engoliu um último gole de café e
desceu do banco. — Há ovos no carro.
— E eu os tenho aqui. Muitos, por sinal.
—Oriundos da granja de Marlowe Court?
Verônica deu de ombros, resignada.
— Eu sabia que não. E escolhi os cogumelos em Fortnum, esta tarde. Portanto, por que não me
ajuda, enquanto preparo nossa refeição?
— Mas... — Verônica tinha ideias preconcebidas de como os homens deveriam se comportar, mas
Fergus não chegava nem perto do que imaginava.
— Sim?
— Você não sabe onde as coisas estão.
— Sua cozinha é muito diferente das demais? — Fergus parou a caminho da porta de entrada.
— Bem... não...
— Sabe, Verônica, tenho a impressão de que se eu sugerisse que você poderia precisar de minha
ajuda para ler um balancete, iria querer cortar minha cabeça. Estou certo?
— Creio que sim — admitiu, com um sorriso.
— Igualdade é igualdade, parceira. Ah! Você lava a louça.
— Tudo bem.
Verônica não o ajudou. Em vez disso, foi trocar a roupa de trabalho por uma calça de crepe e
túnica combinando. Lilás bem claro era uma de suas cores favoritas.
Retocou o batom, escovou os cabelos e, quando voltou para a cozinha, o jantar já estava pronto. Ovos
mexidos, salpicados de cogumelos e ervas finas, se encontravam a sua espera. Os triângulos de pão torrado,
arrumados com arte em uma cesta apropriada pareciam tentadores.
— Você não se importa de comer aqui, não é?
— Claro que não. Costumo mesmo fazer minhas refeições aqui, em vez de na sala. — Verônica
acomodou-se na banqueta em frente ao balcão, uma pequena ilha bem no centro do ambiente, enquanto
Fergus a servia de um cálice de vinho, e a si mesmo, água mineral.
— Este é um verdadeiro tratamento de rainha. Obrigada, Fergus.
— Você merece. Embora me pareça um tanto surpresa...
— Ceticismo natural, creio. Nick Jefferson me convidou uma vez para um jantar que ele mesmo
prepararia — contou Verônica ao se servirem de ovos e torradas e saborearem a simples e deliciosa
refeição. — Ele tinha uma cozinheira escondida o tempo todo na cozinha.
— Pensei que Nick Jefferson fosse casado. — Fergus franziu as sobrancelhas.
— E é. — Virou-se com um sorriso maroto. — Casou-se com a cozinheira.
Verônica mordeu o último pedaço de torrada.
— Começo a notar as diferenças.
— Caso essa seja uma tentativa de escapar de lavar a louça, mocinha; devo dizer que elogios
funcionam comigo.
— Fergus apanhou os pratos e talheres.
— Oh, não, Fergus...
Mas ele já havia desabotoado os punhos da camisa e começava a enrolar as mangas. Então, pegando o
pano de pratos, ofereceu-o a Verônica.
— Diamantes e pratos sujos não combinam.
— Não, acho que não... — Estendeu a mão, a fim de admirar o brilhante, que faiscava em
seu dedo, relutante em retirá-lo.
O menor dos movimentos fazia-o brilhar como um farol. Mas, antes que retirasse a jóia, Fergus
tomou-lhe o pulso.
—Deixe-o aí onde está.
Por um momento, o tempo deixou de avançar em sua corrida. Foi um instante apenas, quando a
escuridão dos olhos de Fergus Kavanagh e o azul dos de Verônica Grant pareceram se fundir, e uma invisível
corrente de eletricidade pairou entre ambos. Toque de peles. Pulsação acelerada.
E então desapareceu, acabou como que por encanto. Sua mão era a sua, e ele lhe estendia o pano de
prato. Devia ter sido só imaginação.
—Verônica, eu lavo e você enxuga.
Trabalhavam em silêncio. Eloquente silêncio, onde a palavra errada, ou a certa, poderia alterar vidas
para sempre.
Verônica o fitou ao colocar um prato na prateleira. O que haveria naquele homem que lhe despertava
uma espécie de profundo e primitivo instinto? Algo que ela mesma não identificava nem compreendia. Algo
que a assustava um pouco.
Fergus percebeu seu olhar.
— Bem, terminamos. Então, creio que já vou.
— Não vai ficar para um café? — Soara muito ansiosa.
Sabia, tinha certeza disso. Fora rápida demais em tentar detê-lo. O que estaria acontecendo?
— Tenho trabalho a fazer em casa — replicou, depressa demais, também. O que quer que
estivesse ocorrendo, não era só com ela. — Passei a tarde em Bond Street, lembra-se?
Confusão e um quê de desapontamento a tornaram mal-humorada.
— Lamento haver causado tanto transtorno.
— Eu falei em transtorno?
Pareceu de novo a Verônica que Fergus iria tocá-la. O espaço entre os dois, porém, permaneceu
inalterado.
— Tenho um relatório a fazer para meus acionistas, Verônica . Eles pensam que me possuem, que
faço parte do património de ações.
Verônica sorriu, educada. No entanto, tinha ciência de que o sorriso mal chegara a seus lábios.
Fergus desenrolou as mangas e pegou uma das abotoaduras. Seu relatório e seus acionistas
poderiam esperar até o dia seguinte, mas tinha de sair daquela cozinha, e bem depressa, antes que cometesse
algum ato estúpido, como abraçá-la e beijá-la num lento prelúdio de longa e lenta sessão de amor.
Não porque pensasse que Verônica o rejeitaria. Ao contrário, o ar estava tenso, pesado com a
sensualidade que irradiava dela. Eram dois adultos numa situação talhada para um caso amoroso, e o
convite de Verônica para que ficasse incluíra mais do que café, mesmo que ela não tivesse se dado conta.
Tudo o que tinha a fazer era alcançá-la, tocar-lhe os loiros cabelos, e ela estaria em seus braços.
Então, Fergus não iria a lugar algum por muito tempo.
A tentação ardia como fogo. Tudo se iniciara como um raio: a ideia de ir até a residência dela e
surpreendê-la com o anel e um jantar. Agora, estava no inferno, em meio a brasas que o consumiam de
dentro para fora.
Resistia por uma única razão: fazer amor com Verônica, por mais maravilhoso que pudesse ser, não era
tudo o que queria. Nunca seria o suficiente.
Saíra de casa na sexta-feira tendo em mente a determi nação de evitar um possível casamento. Mas na
mesma sexta-feira à noite já não era capaz de pensar em outra coisa. Desejava que Verônica estivesse a seu
lado quando acordasse pela manhã até o fim de seus dias. E por isso teria de esperar até que ela o
quisesse também.
— Está pronto para desistir, Fergus?
A abotoadura saltou por entre seus dedos e deslizou pelo chão. Verônica a pegou e a ofereceu de volta,
mas as mãos de Fergus tremiam. Tinha certeza de que aquela mulher sabia o que lhe acontecia naquele
momento.
— Desistir? — Fergus repetiu, para ganhar tempo.
— E admitir que suas irmãs têm razão.
Verônica se aproximou a fim de ajudá-lo com as abotoa-duras. Os cabelos sedosos deslizaram pelo
braço de Fergus, e o perfume de gardênia insinuou-se pelas narinas dele.
Ela olhou para cima, o azul dos olhos escurecido e profundo. Estava firme como uma rocha, e Fergus
se ressentiu disso. Queria-a trémula e incoerente, assim como ele se achava naquele instante, perdido de desejo.
Ansiava por pegar-lhe a mão, beijar-lhe a palma, a pálida pele do pulso, a maciez interna dos braços, enquanto a
trazia de encontro ao calor de seu corpo. E uma vez em seus braços não a deixaria jamais.
— Afinal, do que está falando, Verônica?
— Em minha modesta opinião, quando um homem não consegue colocar suas abotoaduras, precisa de
uma esposa para tomar conta dele.
Fergus não respondeu.
— Depois disso, só me resta dizer "obrigado". — Fergus apanhou o paletó e vestiu-o, deixando-o
aberto. Botões estavam além de suas possibilidades. Retirou o sobretudo do cabide e se encaminhou para a saída.
— Vejo você na quarta-feira.
— As sete. — Verônica continuava controlada e fria, como sempre.
Ao sentar-se ao volante, feliz por o ar gelado da noite conseguir apaziguar seu íntimo, Fergus jurou para si
mesmo que aprenderia a se conter. Não telefonaria mais para Verônica, nem buscaria pretextos para encontrá-la.
Verônica Grant não ouviria mais falar dele até quarta-feira à noite.
Verônica recostou-se à porta, soltando um longo e lento suspiro. Fora por pouco... Pedir que Fergus
ficasse para o café havia sido um erro. Ajudar com as abotoaduras, pior ainda.
Chegara a se perguntar se deveria ou não agarrá-lo pela camisa, pressioná-lo contra o freezer e beijá-lo sem
censura.
Se Fergus a tivesse tocado, talvez estivessem na cama. O que explicava aquele pequeno jogo com as
abotoaduras.
Lançou um olhar sobre o anel maravilhoso em seu dedo. Aquele era o problema.
— Nada disso é de verdade — disse a si mesma, como que para refrescar a memória. — Não
passa de puro fingimento.
Então, por que o desejo roubava a firmeza de suas pernas? Por que cada célula de seu organismo tremia
de excitação?
— E por que não fui mais convincente?
— Bom dia, Julie.
— Bom dia, chefe. — Julie pressionou o botão do intercomunicador. — Sally, café, por favor.
Segure todas as chamadas pela próxima meia hora.
Seguiu Fergus até o escritório.
— Isto é urgente, Fergus. Ligaram de Frankfurt a tarde inteira de ontem. Onde você esteve?
— Fazendo compras.
— Compras? Diamantes, cogumelos... Enfim, as necessidades básicas da vida.
— Bem, vai ter de ligar para lá agora mesmo, antes da primeira reunião da manhã.
— Claro, Julie. O que você disser. — Pressionou seu próprio interfone. — Sally, antes de
trazer o café, por favor, mande entregar um arranjo de gardênias no escritório da srta. Verônica Grant, na
Jefferson Sports, em Melchester. Agora mesmo.
Sorriu para a secretária.
— O que estava dizendo sobre Frankfurt?
O interfone interrompeu-os:
— O que deseja escrito no cartão, Fergus?
— Sem cartão, Sally.
— Sem cartão?
Aquela era a maneira de manter sua promessa a si mesmo.
— Caso Verônica não saiba de quem vêm as flores, Sally, não haverá mensagem no mundo que faça
alguma diferença.
— Olhou para Julie. — Estou certo?
A assistente meneou a cabeça em ligeiro descrédito.
— Pelo visto, Julie discorda. Ela não traz o romance na alma — terminou, desligando o
aparelho.
— Fergus...
— Estou decepcionado com você, Julie.
A secretária desistiu de envolvê-lo de imediato no trabalho, e em vez disso sentou-se na cadeira bem em
frente à mesa.
—Já marcou a data do casamento?
— Novembro parece ser a melhor escolha. A mãe de Verônica acredita que precisará de uns
seis meses para os preparativos.
— Consegue esperar tanto tempo? — inquiriu, sorrindo.
— Esperarei, já que não há outra saída. — Encarou-a.
— Aguardarei seis anos se for necessário.
— Tem certeza?
— E um pouquinho complicado, Julie.
— E? — Ao ver que ele não continuava, apresentou-lhe uma pasta. — Isto ajuda?
— O que é?
— Você pediu informações sobre a srta. Grant. Aqui está o que eu consegui encontrar.
Fergus olhou fixo para a pasta e pousou a mão sobre o couro de búfalo que a recobria, como se
através daquele gesto pudesse absorver um pouco da essência de Verônica, a chave que lhe abriria a porta
para....
Reconheceu o desespero em saber todo o conteúdo que aquelas páginas traziam, o que Verônica havia
feito, cada lugar em que estivera, como agira. Por um instante seu polegar acariciou de leve o acabamento
macio. Então, de súbito, devolveu tudo a Julie.
— Obrigado, querida, mas eu ficarei mais agradecido se você arquivar estes papéis.
— Arquivar? Agora?
— Não, agora não. Neste instante temos de resolver o assunto de Frankfurt.
Na terça-feira, Verônica quebrou algumas regras de ouro de seus rígidos hábitos disciplinares e
comprou um novo vestido para o jantar do Clube dos Executivos de Melchester.
Durante os últimos dez anos, renovava seu guarda-roupa a cada seis meses, adquirindo peças clássicas
que a compunham em qualquer ocasião. Eram roupas simples e bem talhadas, que combinavam entre si,
nunca saíam de moda e podiam ser sempre usadas sem nenhum prejuízo de sua elegância e bom gosto.
Havia planejado algo discreto para aquele evento: um tailleur preto e branco que adquirira fazia
anos. Elegante, clássico, de saia na altura dos joelhos, casaco de mangas longas, gola e punhos brancos,
tratava-se do traje perfeito para uma mulher de negócios que queria ser levada a sério.
Melchester podia ser uma cidade grande, mas ainda trazia um quê de província. Os homens eram
conservadores com C maiúsculo, e suas mulheres, desconfiadíssimas. De modo que Verônica achava que
devia sempre ser muito cuidadosa na escolha de suas roupas, usar os cabelos presos à nuca e jóias muito
simples. Discrição era a máxima que a guiava.
Mas, de repente, as coisas se tornaram diferentes, e, ao caminhar pela entrada do edifício da sede da
Jefferson Sports, Verônica viu em uma vitrine um vestido na cor e textura das sedas orientais. Logo
percebeu que cairia bem a seu tipo loiro e que chamaria a atenção para sua figura.
Em uma jovem que estava às portas do casamento não constituiria ofensa alguma a ninguém. Poderia
até ajudá-la a recordar às esposas dos empresários que seus maridos estavam agora bem seguros em sua
companhia.
E, cpm sorte, Fergus olharia para ela, também.
O matrimónio podia não estar na agenda de nenhum dos dois, mas eram ambos descompromissados e
maiores de idade. Além do que, fora Fergus quem -sugerira um pouco de diversão.
Mirou seu reflexo nas paredes do elevador e arrumou uma rebelde mecha em seu devido lugar.
Poderia até deixar os cabelos soltos, e, já que a única jóia que portaria seria o diamante na mão esquerda,
tudo o que iria receber das mulheres de Melchester seria olhares indulgentes.
Esse foi um primeiro pensamento.
Contudo, durante a subida do elevador até os andares da Jefferson, outro lhe ocorreu. Tudo o que
sempre pedira fora ser reconhecida por seu valor profissional, tratada em igualdade de condições. Se isso
significava restringir um pouco seu guarda-roupa, que fosse.
Observou a bonita sacola preta e dourada que carregava. Aquela compra fora um erro. Iria devolvê-la
na hora do almoço.
Então, enquanto se congratulava por tão sábia decisão, as gardênias chegaram. Seis brancas,
esplendorosas e perfeitas gardênias, contrastando com a verde e farta folhagem, amarradas com cuidadosa
displicência por uma fita de cetim branco. Alguma dúvida de que Verônica esqueceu a devolução do vestido?
Nick parou ao passar pelo escritório de sua diretor de marketing, atraído pelo perfume.
— Entrega de flores no escritório, Verônica? Fergus é um homem espantoso...
— Podem ser de Fergus. — Sorrindo, ajeitou de leve as gardênias. — Talvez não sejam.
— E eu sou a rainha da Inglaterra.
— Não veio cartão, Nick.
— E para que seria necessário um? — Nick entrou e tocou uma pétala com a ponta do dedo.
— Ah, dias felizes! Lembro-me muito bem deles. Esse homem tem estilo.
— Sabe cozinhar, também. — Verônica foi incapaz de conter uma provocação.
— Mesmo? Ora, por que estou surpreso? Sempre soube que as coisas seriam assim com minha
querida amiga.
— E você não sabe.
— Cassie vive tentando me ensinar, mas nunca vamos muito longe nessa arte.
Para algumas pessoas, a dificuldade eram abotoaduras para outras, descascar cebolas.
— Dias felizes, Nick?
— Não consigo fazê-la de boba, não é?
— Nunca conseguirá.
Nick curvou-se em direção dela, dando-lhe um beijo na face.
— Desejo que seja tão feliz quanto eu o sou. — Nick não esperou pela resposta.
Tudo o que Verônica conseguiu foi derrubar uma lágrima na pétala que ele acabara de tocar.
Uma lágrima?! Olhou-a, surpresa, incerta do que aquilo representava.
—Verônica, você quer o café primeiro, ou prefere a correspondência?
—O quê?
Ela piscava, tentando sair de uma espécie de abismo, bastante familiar, vazio e escuro. Um lugar do qual
jurara nunca mais se aproximar, e ali estava, parada, bem à beira...
— Verônica, você está bem?
— Sim, sim, estou.
Natural que estivesse. Tudo não passava de uma brincadeira tola e inconsequente.
Fitou a sacola da butique deixada a um canto da sala e não conseguiu lembrar por que resolvera devolver o
vestido.
—Traga a correspondência primeiro, Lucy. É hora de começar a trabalhar.
Fergus tocou a campainha ao soar das sete horas. Verônica acabara de se aprontar.
Havia se arrumado três vezes. Fora ao cabeleireiro na hora do almoço, mas optara, já em casa, por
prender os cabelos. Decidira soltá-los em seguida, e então, escovara-o várias vezes, tal e qual uma adolescente
nervosa em seu primeiro encontro, em vez da mulher madura e sofisticada que podia conduzir qualquer situação
que se lhe apresentasse.
Fergus ficou temporariamente sem palavras quando ela abriu a porta.
—Você está... estonteante.
Então, uma rajada de vento agitou as flores coloridas nos canteiros laterais da entrada, libertando Fergus
do estado de torpor em que se encontrava. Ele entrou e colocou um pequeno buque de botões de rosas brancas no
aparador, antes de pegar as mãos dela e beijar-lhe o rosto.
"Ele é tão formal!" Verônica sentia-se feliz por haver passado os últimos cinco minutos se aprontando, porque,
sem isso, nunca teria visto e confirmado que tudo não passava de encenação.
— Teria apostado qualquer quantia que você estaria usando um pretinho.
— Teria? — Verônica apanhou o arranjo e rumou para a sala de visitas. — Muito óbvio, não acha,
Fergus? A não ser que eu desejasse não ser notada como mulher em um mundo muito masculino.
— Estou tentado a dizer que isso seria impossível. Mas você poderia vir a imaginar que sou do tipo
volúvel.
Verônica inalou o perfume das flores.
— Poderia? Por que não experimenta, Fergus?
Para seu espanto, ele riu.
— Não, não vou cair em sua esperta armadilha.
Melhor assim.
— As rosas são adoráveis. Obrigada. E agradeço pelas gardênias também. Elas deixaram
uma ótima impressão.
— Em você?
— Em todos. Até em Nick. Esse era o propósito, não era? Impressionar a todos da Jefferson?
— Considero meu dever manter seu prestígio bem alto com sua secretária.
— Então, considere o trabalho realizado. Lucy não parou de suspirar, desde a chegada do
buque. Desconcentrou-a e não ajudou muito com a taquigrafia, faxes e outras máquinas.
— Sem mais gardênias para o escritório, certo?
Verônica sorriu, mas não respondeu. Dirigiu-se para a cozinha, buscando um vaso e água.
Verônica estava flertando com ele, Fergus percebeu, assim como flertará com ela. E Fergus descobria
que não apreciava muito tal atitude. Era algo muito sofisticado, muito civilizado.
E seus sentimentos por Verônica nada tinham de civilizado; eram profundos, apaixonados e
selvagens.
— Gostaria de um drinque antes de irmos, Fergus?
— Não, obrigado.
— Também não bebo quando vou falar em público.
— Sabe que sou o orador?
— Nick me disse, quando lhe contei que você estaria conosco. Ah! Vai descobrir que nossa mesa
se uniu à do prefeito a fim de se salvaguardar o orgulho cívico.
— Sério? Foi ideia sua?
— Eu as tenho, às vezes. Confesso que surpreendo a mim mesma, em certas ocasiões.
— Não só a si mesma. Você me surpreendeu ao máximo na sexta-feira de manhã.
— Estou num desses momentos. — Verônica apanhou uma longa estola de veludo negro, que
deixara no sofá. — Pode me ajudar com isto?
— Claro. Vire-se.
Verônica assim o fez, e, por um momento ambos ficaram se fitando através do espelho. Então,
Fergus agasalhou-a e ajudou-a a soltar algumas mechas presas sob a estola, seus dedos tocando breve a
pele alva do pescoço.
Um arrepio percorreu a espinha de Verônica, que, rápida, se voltou para ele, os olhos
desmesuradamente abertos e escurecidos.
— Vamos — Fergus falou, um tanto abrupto. — E, enquanto ainda era capaz, acomodou o braço
dela no seu, e se dirigiram para a porta.
Conversaram sobre amenidades, durante o trajeto. Falaram sobre o clima e sobre o discurso que
Fergus faria naquela noite.
Completaram o caminho até a cidade quase em silêncio. Por isso, foi um alívio chegar a Guildhall ao
mesmo tempo que Nick e Cassie Jefferson.
— Cassie! Não esperava vê-la aqui — cumprimentou Verônica, abraçando a amiga. — Venha,
vamos entrar. Que noite! Nunca iria imaginar que é primavera.
— Pelo menos não está chovendo. Vou sair mais cedo, mas não podia deixar passar a oportunidade
de conhecer o homem do momento. — Cassie Jefferson virou-se para Fergus.
— Fergus, esta é Cassie Jefferson. Talvez você a conheça da televisão, como Cassie Cornwell?
Fergus sorriu.
— Sem dúvida que sim. Comprei um de seus livros para minha irmã, Cassie. Ela se casará na
próxima semana, e não tenho muita certeza de que seu conhecimento de culinária vá além da facilidades
das comidas enlatadas ou congeladas.
— Quem se preocupa com comida, quando está apaixonado? — Cassie replicou.
— E este é Nick Jefferson — continuou Verônica, antes que Fergus respondesse ao
comentário. — Nick, Fergus Kavanagh.
— Como vai? — Fergus estendeu-lhe a mão.
— Prazer, Kavanagh.
Ambos se examinaram ao se cumprimentar. Havia pouca diferença entre eles, pois tinham a mesma
altura e tipo físico.
Então, para alívio de Verônica, Fergus relaxou e sorriu.
— Trate-me por Fergus.
— E eu sou Nick. — Nick também esboçou um largo sorriso. — Venha conhecer algumas
pessoas.
— O que foi isso? — Cassie murmurou, enquanto deixavam seu casaco e a estola de Verônica no
vestiário feminino, logo à entrada. — Aqueles dois pareciam dois alces se preparando para disputar uma
fêmea.
— Fergus me preparou um jantar na outra noite, e eu falei da tentativa de Nick de me
impressionar com seus falsos dotes culinários. Deve ter sido um erro.
— Um erro? — Cassie a olhou, pensativa. — Não concordo. Tenho certeza de que você sabia
muito bem o que estava fazendo, Verônica. — Parou de repente, levando a mão protetora ao bebé em seu
ventre.
— Você está bem, Cassie?
— Sim, estou. Foi só um chute aqui em baixo. Não fique tão preocupada. O menino prodígio não
estará pronto antes de duas semanas.
Verônica fitou a exuberante Cassie, observando o tamanho da barriga que carregava, e se sentiu pouco
à vontade.
— Jura?
— Juro, Verônica.
— Em todo o caso, acho conveniente avisá-la de que fui reprovada nas aulas de primeiros
socorros.
— Isso não é problema. Prometo que não tenho a menor intenção de dar à luz em Guildhall

CAPÍTULO IX

Fergus falava havia quinze minutos, quando Cassie se levantou, apressada.


Verônica a olhou em mudo questionamento, mas Cassie levou o dedo aos lábios e se dirigiu para o
toalete das senhoras.
Logo, o som de várias ruidosas gargalhadas ecoou pela sala. Verônica não tinha ideia do que Fergus
dissera, mas qualquer homem que fosse capaz de fazer a União Monetária Europeia rir de alguma coisa
merecia sua atenção. Continuou a ouvi-lo por mais um minuto. Depois disso, descobriu-se olhando com
mais e mais frequência em di-reção à porta.
Poderia ser que ter permanecido sentada na mesma posição por tanto tempo houvesse agravado a dor
de Cassie. Talvez a amiga só precisasse de um pouco de ar fresco, ou quem sabe encontrara alguém que a
reconhecera da televisão e a mantinha presa em alguma conversa.
Tentou se concentrar na palestra de Fergus. Então, Nick também começou a lançar uma série de
olhares para a entrada do salão de conferências. Percebendo a delicadeza da situação, Verônica não esperou
que ele pedisse ajuda. Ergueu-se e foi verificar o que acontecera com Cassie.
Encontrou-a na saleta íntima das senhoras, descansando com os pés para cima em uma elegante
espreguiçadeira. Seu vestido ensopado estava largado sobre o tapete, e ela, enrolada em toalhas.
— Cassie! O que aconteceu...
— Foi só a bolsa que arrebentou. — Sorriu de um modo esquisito. — Não se preocupe, não se
preocupe! A ajudante do vestiário é brilhante. Foi chamar uma ambulância. É... bem...
—E Nick?
Cassie respirou fundo.
— Pensei que a ambulância fosse mais importante. — Mas se você puder avisá-lo... — Outra contração
a interrompeu.
"Outra? Já? Essas coisas não deveriam ter um espaço de minutos?" Verônica consultou o relógio,
lembrando-se de que seria melhor estar cronometrando as dores, sem saber direito a razão.
—Faz quanto tempo que vem sentindo isso, Cassie?
A amiga agarrou sua mão.
— Que pergunta mais estúpida a minha! Bem, Cassie, você vai ficar quietinha aqui, enquanto
vou avisar Nick.
— Certo. Vá.
Verônica, no entanto, hesitava, temerosa de deixá-la por conta própria.
Então, a ajudante do vestiário apareceu.
—A ambulância vem vindo? — Verônica quis saber.
— O mais rápido que puderem, mas...
Verônica não estava interessada em "mas".
— Fique com ela. Vou chamar o marido.
E saiu correndo, fazendo esvoaçar o glamouroso vestido por todo o caminho até o salão de
conferências.
Fergus havia terminado sua palestra, e a audiência o aplaudia, entusiasmada, quando Verônica
abriu as portas de par em par.
Ela estivera correndo, Fergus podia pelo rosto avermelhado e pelo urgente desespero que nele se
estampava. Verônica abria caminho por entre os presentes.
— Nick, Cassie precisa de você. Agora.
— O quê? — Tentou se levantar. — O que há? Oh, Deus... Onde está ela?
— Na saleta das senhoras. Alguém chamou uma ambulância, mas não acho que temos muito
tempo.
A resposta de Nick foi breve e lógica:
—Será mais rápido se nós a levarmos para o hospital.
— Eu dirijo — disse Verônica, feliz por alguém tomar o controle da situação. — Cassie vai
precisar de você.
— Precisará de nós dois — Fergus interveio, já a se voltar para os circundantes, que, de
súbito, se calaram. — Há algum médico, aqui?
Ninguém se apresentou. Valera o esforço, mas não existem muitas chances de haver um médico numa
reunião de executivos.
— Arrume-se para ajudar Cassie a sair, Verônica. Trarei o carro até a porta da frente.
O tempo piorara bastante. Folhas, galhos retorcidos das árvores, lâmpadas quebradas nos postes
dificultavam o caminhar até os estacionamentos.
Fergus ergueu a gola do casaco e avançou em meio às fortes rajadas de vento. Pisou em uma poça, e
um de seus sapatos se encheu de água, mas mal o notou. Assim que conseguiu manobrar na semi-escuridão,
conduzir o automóvel até a entrada principal de Guildhall, onde abriu a porta de trás e correu para dentro do
clube.
— Alguma notícia da ambulância? — perguntou ao porteiro.
— Liguei de novo, senhor, mas um caminhão derrapou na entrada da cidade, e me parece que
tudo está bloqueado e...
Fergus não esperou para ouvir mais. A ajudante abriu a porta da sala das senhoras quando ele
bateu.
— O carro está na entrada. Estão prontos para ir?
Nick, pálido feito cera, olhou para cima.
— A ambulância não chegou?
Fergus negou com um balançar de cabeça.
— Querida, vou carregá-la até o automóvel. Não se preocupe. Estaremos no hospital em um
minuto. —Nick a tomou no colo, e Verônica cobriu-a com a estola de veludo.
— E melhor levar isto aqui — disse a ajudante, esten dendo uma pilha de toalhas limpas em
direção de Verônica.
— Boa sorte.
Uma pequena multidão se juntara no corredor, mas as vozes se calaram, e as pessoas se afastaram
para dar passagem aos dois casais.
Nick deitou a esposa no banco traseiro e sentou-se a seu lado, segurando-lhe a mão. Rápida,
Verônica juntou-se a eles e também se acomodou.
Fergus os fitou, com uma expressão determinada.
—Prontos?
Nick assentiu.
— Dirija devagar e com suavidade, Fergus — advertiu Verônica.
Cassie, porém, tinha outra ideia em mente:
—Esqueça! Chegue o mais depressa o que puder... — Sua palavras se perderam em um longo
grito de dor, e Fergus pressionou o acelerador, confiando na suavidade do veículo.
Mas nem mesmo o enorme Mercedes podia deixar de sofrer a selvagem força da ventania, a copiosa
chuva que os limpadores de pára-brisa quase não conseguiam equiparar em rapidez.
Toda sua habilidade, cada pequeno esforço de concentração em evitar galhos e obstáculos que
deslizavam pelo caminho lhe eram solicitados. Isso tudo acompanhado dos dolorosos e urgentes gritos de
Cassie.
— Pare, Fergus! Pare!
— Agora, Verônica? Aqui?
— Não vamos conseguir.
Fergus parou no acostamento, ligou o pisca alerta e usou o telefone do painel para ligar para o
hospital, dizendo-lhes o que estava acontecendo.
— Há alguma coisa que eu possa fazer?
Por um momento seu olhar e o de Verônica se encontraram.
— Sim. Teremos de cuidar, nós mesmos, do nascimento dessa criança. Fergus, você tem uma
lanterna?
Abrindo o porta-luvas, estendeu uma para ela.
— Segure a cabeça de Cassie, Fergus. Preciso de Nick aqui.
Fergus tomou o lugar de Nick, apoiando Cassie com o braço passado pelo tórax e lhe dando algo para
apertar. Segurou-lhe a outra mão, encorajando-a, apesar de não saber ao certo se Cassie tinha noção de sua
presença.
— Posso ver a cabeça de seu bebé, querida. Está quase chegando. — A voz de Verônica era calma,
mas devia estar tão nervosa quanto a amiga. Porém, não deixava transparecer.
Desde aquele momento do angustiado olhar no salão de conferências, ela se portara como uma rocha.
— Não se preocupe, Cassie.
— Espere só até chegar sua vez para ver o que diz... — Cassie gemeu, experimentando nova e
forte contração. — Lembre-se bem disso, Fergus, quando vocês...
— Empurre, Cassie. Agora! — encorajava Verônica, vendo os dedos de Cassie afundarem na mão
de Fergus. — Outra vez, Cassie. Isso mesmo. Bom, muito bom! A cabecinha está apontando. Nick, tome
conta.
Ela entregou a lanterna para ele.
—O quê?
— Lá, olhe!
E saiu do lugar em que estava ao ver um pequeno ombro, e outro em seguida, deslizar para a
vida, deixando para Nick o prazer de trazer ao mundo seu filho por suas próprias mãos.
Ele virou o bebé para cima e limpou o rostinho com uma toalha limpa que Verônica lhe estendeu.
— Oh, Cassie! Ela é tão linda. Exatamente como você. — Havia lágrimas nos olhos de Nick,
Verônica as viu. Lágrimas de alegria e de um orgulho que faz um homem bater no peito e rugir feito um
leão. — Obrigado, meu amor...
Fergus soltou e levantou Cassie um pouco para que pudesse ver, e Nick pousou, gentil, o bebé sobre
seu ventre, de modo que pudesse tocá-la.
Cassie também chorava.
Então, avistaram a luz azulada da ambulância.
— A cavalaria está chegando — Fergus brincou, permitindo que Nick tomasse a esposa no
colo, e saiu do carro para acenar e chamar a atenção.
— Estava com um pouquinho de pressa, não estava, senhora? — Um dos paramédicos indagou,
sorrindo, retirando a placenta, cortando o cordão umbilical e pondo a criança nos braços da mãe. — Foi
bem fácil, não foi?
— Por que os homens sempre pensam assim? — Cassie ergueu as sobrancelhas. — Se julgam
tão simples, por que não experimentam?
— Não somos tão brilhantes, senhora. — O paramédico levou-a, com a ajuda de Nick, para a
maca já à espera. — Está bem acomodada? Otimo. Não se preocupe, logo a poremos em uma cama macia
com uma boa xícara de chá.
— Verônica! Fergus! — Cassie gritou ao ser levada para a ambulância. — Quero que sejam os
padrinhos!
— Nós aceitamos, com muita honra — disse Fergus, acenando.
Então, a porta se fechou e a ambulância partiu, com as luzes brilhando, ao se dirigir para o hospital.
— Tenho de reconhecer, Verônica, que quando você convida um homem para sair, sabe como
proporcionar-lhe muita diversão. — Fergus voltou-se para ela, e notou que chorava.
— Verônica? O que...
— Não diga nada. — E deu um passo para trás. — Só me leve para casa, por favor.
Não poderia ignorar tal pedido. Algo estava errado, muito errado, mas aquele não era o lugar para
descobrir o quê.
Fergus ajudou-a a acomodar-se no banco do passageiro e pôs-se ao volante em seguida. Ligou o
motor e dirigiu de volta para a residência da srta. Verônica Grant. Talvez fosse apenas uma reação
retardada. Um choque.
Fergus olhou para ela. A chuva colara seus cabelos à cabeça, e os ossos da face pareciam saltar, de
tanta tensão. Verônica parecia determinada a retirar qualquer vestígio de emoção, de sentimento de seu
semblante.
O momento deveria ser de alegria. Verônica, no entanto, sentia dor.
E era tão intensa, tão chocante, que precisava se segurar em algo que valesse a pena, algo que
conhecia bem, aterrorizada que estava pelo fato de que, se libertasse aquela mágoa, nunca mais seria capaz
de reaver aquela fria e distante imagem com que enganava o mundo.
E Fergus, em sua solitária preocupação, começou a suspeitar o que era.
Estacionou assim que chegaram.
— Não saia... — ela começou, mas Fergus estava pronto para isso.
— Preciso mesmo lavar as mãos. — E não esperou por um convite.
Ao contrário, Fergus saiu do automóvel e quis ajudar Verônica a descer, segurando-lhe o cotovelo.
Verônica poderia bem dizer que não precisava de ninguém, de auxílio nenhum, mas naquele instante
estaria errada.
Seu corpo todo estava rígido, e por um minuto não se mexeu. Então, como um autómato, saiu do Mercedes e
se soltou de Fergus, caminhando para a entrada.
Desativou o alarme, destrancou a fechadura e entrou.
—O lavabo é logo ali — indicou, sem preâmbulos.
Fergus desejava abraçá-la, dizer-lhe que a achava verdadeiramente maravilhosa e que a amava com cada
fibra de seu coração. Mas era como se Verônica estivesse cercada por um desses escudos invisíveis, existentes nos
antigos filmes de ficção científica.
E também parecia tarde demais para fazer alguma coisa, já que ela olhara para as mãos repletas dos
vestígios de sua atuação como parteira, e com um gemido desanimado subira as escadas.
Fergus retirou o casaco, afrouxou a gravata e lavou as mãos, o rosto e o pescoço. Quando voltou à sala,
Verônica ainda não aparecera. Ele, entretanto, podia ouvir o som de água corrente.
Na sala de visitas encontrou uma garrafa de conhaque e despejou uma dose num copo.
Quinze minutos depois, ela ainda não descera. Então, Fergus decidiu subir até o outro andar.
A porta do quarto estava aberta, e Fergus pôde notar que, assim como a dona, era discreto e elegante, com
paredes claras, flores frescas em um alto vaso de cristal, pequenos grupos de velas brancas, de janelas cobertas por
leves cortinas creme. E, dominando a cena, uma antiga cama francesa em nogueira, coberta por um característico
edredom inglês feito a mão.
O banheiro ficava além do dormitório, e sua porta se encontrava semi-aberta. A luz não fora acesa, e o único
som acima do vento e da chuva era o da água correndo.
—Verônica?
Nada. Fergus bateu à porta, empurrando-a um pouco.
Verônica estava sentada no chão, encostada à antiga banheira de pés de leão. O rosto, de uma
palidez cadavérica, os cabelos, desalinhados e sem brilho, e lágrimas ainda escorriam-lhe, amargas, pela
face.
— Pensei que um conhaque lhe faria bem. — Fergus entrou, devagar, e fechou as torneiras. — E eu
estava certo. Tome, aqui.
Ele pegou as mãos trémulas, limpas e molhadas, envolveu-as no copo e manteve-as entre as suas.
— Beba — insistiu, como se Verônica fosse uma criança insegura.
Fergus levou o copo aos lábios desbotados, inclinando-o de tal modo que Verônica não teve outra
escolha, senão obedecer.
Ela engoliu e tossiu, e a vida pareceu retornar a seu corpo.
— O que há? O que está errado? — Fergus quis saber, antes que Verônica tivesse tempo de
encontrar um subterfúgio. As dores da vida tinham de ser enfrentadas, cedo ou tarde. — E Nick Jefferson?
Está apaixonada por ele?
O que mais poderia tê-la afetado tanto, afinal?
— Não! — A negativa veio rápida e verdadeira, e o alívio tomou conta de Fergus.
Verônica meneou a cabeça.
— Como pôde pensar uma coisa dessas, Fergus?
Ela gostava de Nick como colega de trabalho e amigo, mas nunca se apaixonaria por ele. Pensara
que nunca mais amaria um homem, mas estivera enganada.
"Eu amo você, seu tolo." Verônica ansiava por dizer essas palavras, por demonstrar o amor que sentia.
Em vez disso, contudo, descansou a testa de encontro à camisa molhada de Fergus e começou a chorar,
silenciosos soluços agitando-lhe cada fibra.
Retirando o copo da mão dela, Fergus colocou-o no chão a seu lado, e a abraçou com o máximo de
firmeza, seu rosto de encontro aos cabelos sedosos.
"Eu te amo." A realidade estava lá, em seu íntimo, mas Verônica não conseguia expor o que lhe ia
na alma.
"Fergus não pode... não deve nunca saber. Não seria jus to..." Mas, quando uma outra rajada de vento
fez estremecer as janelas, Verônica gemeu e se achegou mais a ele.
Devagar, Fergus a soltou, acreditando ser Verônica capaz de formular um pensamento coerente.
— Vamos lá, meu anjo. E necessário tirar esse vestido
e cair na cama.
— Está todo molhado, Fergus.
— Você também.
— Minha roupa está arruinada! — lamentou, observando-se. — Que bagunça, meu Deus!
Verônica pousou a mão de encontro à umidade fria da camisa de Fergus. Havia vida sob aquela
superfície, calor, as batidas do coração Ergueu os cílios manchados pela chuva e pelas lágrimas que derramara,
e encarou Fergus, que engoliu em seco.
— Creio que é melhor você colocar algo quente sobre si, Verônica.
— Eu tenho a coisa certa. — E olhou além dele em direção à cama, e depois tornou a fitá-lo. — i
Não me deixe, Fergus. Fique comigo esta noite.
Ficar com ela... Uma resposta emocional para o nascimento do bebé de Cassie, as forças elementares
da tempestade cortando a noite lá fora...
Fergus sabia de tudo isso, mas só um homem de pedra resistiria àquele apelo triste. E ele era feito de
carne e osso. Nem chegava à resistência da cerâmica, era puro desejo, pura humanidade.
Tomou-lhe o lindo rosto entre as mãos, olhou no fundo dos olhos azuis para descartar, sem hesitação,
todas as decisões sobre fazê-la esperar.
Verônica precisava dele. Não entendia por que, e não se importava com isso naquele instante. Não era
o momento para racionalizar, e sim para deixar o coração falar.
—Não vou a lugar algum, querida.
"Nem agora, nem nunca." E sua boca cobriu a de sua adorada, com fervilhante, precipitada e sôfrega
necessidade. Estava além dos jogos sofisticados de igualdade. Fergus a amava, e havia uma única maneira de
mostrar-lhe o quanto.
A resposta de Verônica foi instantânea. Seus lábios sensuais se abriram, de forma receptiva, em
imperiosa, provocadora e explosiva cadeia de volúpia contida.
Teve a impressão de que estava em meio a uma incandescente erupção vulcânica, que mesclava
lavas apaixonadas, almas sedentas de amor e corpos ardentes por se encontrar.
Verônica o agarrou pela camisa com punhos fechados, iniciando uma luta insana em busca dos botões
que obstruíam o caminho para a tez macia.
Fergus retirou-lhe o vestido com cuidado até encontrar a resistência do sutiã. Então, abriu-o e
deixou-o cair ao chão. Sua mão cobriu e afagou a morna maciez de um seio, enquanto a boca explorava,
sentia o gosto dos contornos de seu pescoço, ombros e colo, ao mesmo tempo que pressionava as formas de
encontro à dela.
Verônica arqueava-se para trás, perdida naqueles braços, naqueles lábios, no toque arrepiante da
língua.
— Fergus...
— Sim, querida?
— Faça amor comigo — sussurrou.
Lá fora, a noite era de tormenta, e, sob a luz branca de um relâmpago, Fergus viu-lhe os olhos, não
mais azuis ou provocadores, mas tormentosos e nublados, fervilhantes de paixão, úmidos de desejo e de
lágrimas.
—Ame-me e faça o mundo desaparecer, Fergus.
A tempestade amainara. Fergus acendeu algumas velas e a observava dormir.
Verônica parecia uma criança, imóvel e quieta, sorrindo como se guardasse um enorme segredo.
Um instante depois, ao se esticar na cama, os delicados pés encontraram os dele, e Verônica ergueu
as pálpebras. Ao despertar total da consciência, o sorriso se apagou, sendo substituído por uma profunda
melancolia.
— Viu? Agora terá mesmo de se casar comigo, Verônica.
— Casar?!
Fergus disse a coisa errada. Percebeu-o isso de imediato.
—Você me seduziu, mocinha, e terá de me tornar um homem honesto. Minhas irmãs vão insistir
nesse ponto. Haverá tiros, até, se for necessário.
Viu a mistura de emoções na expressão dela, e talvez um toque de alívio ao notar que ele
brincava. E então, num esforço oriundo de alguma fonte secreta de força, Verônica riu.
— Como saberão se você não contar?
— Conto tudo a elas.
— Pode ser, mas nem sempre toda a verdade. Você disse que estamos noivos, lembra-se?
— E estamos. — Fergus ergueu-lhe a mão a fim de ver o diamante brilhando em seu dedo. —
Tem isto como prova.
— Sabe que tudo não passou de um mal-entendido. — Verônica começava a soar um pouco
desesperada, o que lhe dava confiança para pressioná-la.
— As outras pessoas é que entenderam mal. — E bei jou-lhe os dedos, a palma e o pulso do
braço que segurava.
— Eu tinha plena consciência do que estava fazendo.
— Não! — Verônica sentou-se e soltou-se dele. — Lamento, Fergus.
— Fui tão ruim assim?
— O quê?
— Foi um momento breve, admito, mas sempre achei que era como andar de bicicleta... —
Parou ao ver o pranto tornar a rolar pelas faces dela. — Hei, vamos lá!
Fergus sentou-se ao lado dela e a enlaçou com ternura, deixando claro que tudo o que desejava era
confortá-la.
— Poppy e Dora não são tão malvadas e controladoras.
— Verdade! Elas não vão obrigá-la a se casar comigo. Mesmo que me engravide...
Bobagens e mais bobagens, com o único intuito de fazê-la rir. Mas, ao contrário do que Fergus
esperava, os diques não seguraram a cascata.
Devia fazer muito tempo que Verônica estava retendo o choro.
Então, por fim, sacudida por um forte soluço que pareceu quebrar as últimas reservas de seu
autocontrole, Verônica se agarrou a Fergus, como um náufrago com medo de se afogar.
Fergus a manteve de encontro a si, enquanto a tempestade interna de sua amada liberava-lhe a alma
da dor. Acariciou-a, murmurou frases desconexas de conforto, alisou-lhe os cabelos e beijou-lhe a testa,
condoído por não poder fazer nada mais.
Mas, assim como a borrasca que se fora lá fora, aquela, também, pouco a pouco, diminuiu de
intensidade, deixando pequenos soluços involuntários como marcas de sua passagem. Então, pegando uma
ponta de lençol, Verônica enxugou o rosto.
—Desculpe-me.
Fergus nada disse, se limitando a envolvê-la com o edredom.
— Não foi você, querido, nem nada que tenha feito.
— Eu sei. Foi Cassie, o bebé...
— Não posso ter filhos, Fergus... — sussurrou, num tom tão baixo, que por um instante ele não
compreendeu o que dissera.
Então, as palavras se iluminaram em seu cérebro como um anúncio de néon.
Verônica soubera do fato, aceitara e traçara uma carreira para si, uma outra fonte de energia, jamais
permitindo que o mundo soubesse de sua infelicidade. E, naquela noite, o destino resolvera lhe pregar uma
peça, e toda sua cuidadosa pose e estudada fleuma haviam caído por terra.
— Mas sua mãe... o relógio biológico...
— Quebrado e sem chance de reparo.
— Meu Deus, Annette não sabe? — Fergus encarou-a.
— Assim ela pode me culpar por não me casar, por não ser a filha ideal, a mulher perfeita...
Aquelas afirmações o atingiram como um raio. Então era desse modo que Verônica vinha se sentindo?
Contendo sozinha uma penosa tristeza? Por quanto tempo?
— Por que Annette faria uma coisa dessas?
— Porque mamãe viajava pelo mundo inteiro com meu pai, e me deixava no colégio interno
ou em casa. Ela o amava, Fergus. Não desejo que se sinta culpada por ter querido estar com o marido.
Aliás, decerto não teria feito muita diferença.
— Quer me falar sobre isso?
Verônica soltou um suspiro. As luzes das velas refletiam-se em seus olhos, vermelhos de tanto chorar.
— Eu já disse. Ia me casar com um homem chamado George Glendale.
— O rapaz com o título?
—- Isso mesmo. Nós nos conhecemos na universidade, quando eu cursava o primeiro ano. George já
estava para se formar. Era mais velho, glamouroso, e ia deixar o campas. Então, nos encontramos em Londres.
Eu acabara de montar minha própria companhia de marketing. George era brilhante, inteligente, com uma
meteórica carreira na área de finanças a sua frente. Formávamos um casal magnífico, nossas vidas, um
promissor caminho a ser trilhado.
Uma pequena pausa.
— Então, foi oferecido a George um cargo nos Estados Unidos, em Nova York, e, como ele não
podia suportar a ideia de me deixar na Inglaterra, me pediu em casamento.
Verônica se virou para Fergus, como se incerta de que aquilo fosse algo que ele desejava mesmo
ouvir.
— Continue, meu anjo.
— George me levou para a Escócia para que eu conhecesse sua mãe, a condessa de Glendale.
— No castelo?
— No castelo. — Sorriu. — Não era muito grande, para ser franca. A condessa era muito
charmosa e encantadora, e nós fizemos tudo o que era esperado nessas ocasiões. Você sabe, álbuns de
fotografias, histórias sobre a infância de George, o dia em que ele fora levado ao hospital com
apendicite...
Algo na voz dela o advertiu de que esse era o ponto onde os dias haviam deixado de ser agradáveis.
— Apendicite?
— Pensei que seria engraçado contar que eu também passara pela mesma experiência.
Exceto que seus pais não estavam por perto, na ocasião, pois haviam viajado para o exterior. Verônica
se encontrava no colégio interno, e, quando foi à enfermaria se queixando de dores na barriga, a encarregada
lhe deu um pouco de xarope de figo e lhe disse para ficar quieta. Dois dias mais tarde, Verônica caía,
desmaiada, na sala de aulas com o apêndice supurado.
— A mãe de George não comentou nada até que estivéssemos as duas a sós. Insistiu para que eu
fizesse uma visita a um ginecologista para um check-up.
— Por quê? Eu não compreendo.
— Também não entendi. Na época, ninguém mencionou que havia a possibilidade de eu vir a
ter algum problema para engravidar. A condessa, porém, sabia disso. Pelo que fiquei sabendo, havia o risco
de que a ruptura do apêndice e a cirurgia de emergência tivessem danificado minhas trompas.
Verônica contava o sucedido bem devagar, de modo que Fergus entendesse a seriedade do caso, e
também que ela não estava fazendo um drama por nada.
— Isso queria dizer que eu ficara estéril, não poderia ter meus óvulos fecundados.
— E fazia alguma diferença? Ele te amava, não é?
— George é um conde. A condessa Glendale deixou bem claro para mim que se eu não pudesse
gerar um herdeiro, o casamento com seu filho seria impossível.
Para Fergus, era difícil controlar a raiva que experimentava. Mas o fez, por ela.
— Filhos não são garantia de matrimónios harmoniosos, Verônica. E, mesmo quando eles vêm
não podemos esquecer a chance de que podem ser tanto um menino como uma menina.
— Não. A condessa desejava um menino pelo menos.
— E se você não tivesse descoberto seu problema antes de se casar? Quanto teria esperado
para ordenar um divórcio? Em que século essa mulher pensa estar vivendo? E George, não disse nada?
— Não contei a ele. Não o fiz, porque não vi razão para que soubesse. Em vez disso, voltei para
Londres e procurei meu médico, que, através de exames mais detalhados, checou se haveria mesmo algum
problema. A condessa estava certa. Acho que conhecia bem essas coisas.
— Você está fria — constatou, e cobriu-a mais um pouco, apertando-a de encontro ao tórax. —
Vamos lá, termine a história.
— Não há muito mais para contar. Expliquei a situação para George, e dei-lhe a chance de
escolher.
— Ele a rejeitou? — Fergus não podia acreditar que um homem conseguia ser tão cruel. — Meu
Deus, você não era o bastante para aquele sujeito?
— Não seja muito duro, Fergus. Na posição que George ocupava...
Fergus tapou-lhe a boca com a mão.
— Nem mencione o nome desse fracote perto de mim. Nunca mais. Eu te amo, Verônica.
Quero que seja minha mulher. Você, Verônica Grant. Desejo viver a seu lado, partilhar a vida e o que vier
de bom e ruim, para sempre.
— Quer se casar comigo?
— Estou apaixonado por você, e isso me parece ser o mais lógico a se fazer.
— Mas e seu sobrenome...
—Acha que o mundo não tem outros Kavanagh?
Verônica balançou a cabeça em negativa. Não quisera dizer aquilo, e Fergus sabia.
— E Marlowe Court? As Indústrias Kavanagh? Quem tomará seu lugar?
— As Indústrias Kavanagh não necessitam de um outro Kavanagh para sobreviver. São
sociedades anónimas. Quanto a Marlowe Court, tenho duas irmãs. Poppy logo terá um bebé, Dora já terá
uma enteada a partir do casamento com John. As futuras gerações tomarão conta. Mais alguma outra
objeção?
— Claro que tenho! Você mal sabe quem eu sou. Conhecemo-nos há menos de uma semana. Não
pode estar falando a sério.
— É uma particularidade dos Kavanagh, Verônica. Não tenho a pretensão de compreender, mas
parece funcionar.
— Sorriu, enlevado. — Não se preocupe. Vou lhe dar os seis meses para se acostumar com a ideia.
Tocou-lhe a face, de leve.
— Novembro — lembrou-a. — Annette deve estar em plena atividade para organizar o mais lindo
casamento para nós.
— Mas aquilo foi... aquilo foi...
Fergus levou um dedo a seus lábios, fazendo-a calar.
— Não. Isto é. — Fergus tentou um beijo.
—- Tem razão. Isto é ridículo.
— Então, por que não está rindo, querida? — Mas Fergus não esperou por uma resposta. Tornou a
beijá-la, enterrando de uma vez por todas qualquer protesto que Verônica pudesse vir a fazer por um longo
tempo

CAPÍTULO X

Quando Verônica acordou, já era dia claro, e o sol se insinuava pela janela como se a tempestade da
véspera nunca tivesse acontecido.
Estava sozinha. Imaginou por um momento que os fatos da noite passada tivessem sido um terrível e
maravilhoso sonho.
Mas o ar, carregado pelo forte odor de velas queimadas, e seu yestido no chão do banheiro diziam-
lhe o contrário.
A camisa que Fergus estivera usando desaparecera. Teria ele ido embora? Então, ouviu-o no andar de
baixo, e seu coração pulou de alegria.
Não se deu tempo para pensar que vivia num pedacinho do céu, ao descer as escadas, chegando à
cozinha, onde de repente tímida, estancou à soleira, como que presa no solo.
Fergus se virou ao ouvir sua movimentação.
— Olá, dorminhoca! Ia lhe levar o desjejum na cama. — Colocou um bule de café sobre uma
bandeja já arrumada com frutas, iogurte e torradas recém-feitas.
Fergus trazia o queixo escurecido pela barba por fazer. Os cabelos estavam despenteados, a camisa,
desabotoada, mostrando os arranhões que Verônica deixara, em sua fome de amor. Poderia ficar ali olhando
aquele homem para sempre.
;
— Eu deveria estar no escritório.
Fergus sorriu, enquanto despejava a bebida fumegante em uma caneca.
— Relaxe, minha querida, não vamos a lugar nenhum enquanto os operários da prefeitura não
retirarem uma árvore que está bloqueando a passagem no final da rodovia.
Verônica aceitou a bebida que Fergus lhe oferecia, observando sua roupa amassada.
— Você foi lá fora desse jeito?
— Eu precisava telefonar. Seu aparelho está fora do ar. Então, usei o do carro. Mas não se
preocupe, não fui mais longe do que isso. Foi sua vizinha quem me falou da árvore caída.
— A sra. Rogers?
— Isso mesmo. Ela é muito simpática, por sinal. Queria conversar úm pouco.
— Aposto que sim.
Fergus piscou, maroto.
— Bem, pelo que sei foi esse acidente que causou a queda das linhas telefónicas.
— Eu ia ligar para o hospital para saber como Cassie...
— Já fiz isso. Mãe e filha passam muito bem. Vamos visitá-las mais tarde. E também avisei
em seu escritório que se atrasaria um pouco. Parece-me que não é a única com problemas para chegar ao
trabalho.
— Há alguém neste mundo que não saiba que você passou a noite comigo?
Fergus espalhava manteiga em uma torrada.
— Alguns poucos. Mas logo ligarei para a rádio local e farei um anúncio público, se desejar,
convidando a cidade inteira para nosso casamento.
Os olhos de Fergus brilhavam. Estava feliz, ela podia ver. E, pela primeira vez em muito tempo,
Verônica percebeu que também se sentia radiante.
— Por que não o faz? — Verônica segurou o pulso dele e deu uma mordida na torrada que lhe era
oferecida. — E, já que nenhum de nós dois vai a lugar algum, pode dizer, também, que passará a manhã no
mesmo lugar onde esteve à noite.
E, juntos, subiram os degraus.
Verônica estava bem até chegar ao hospital. Durante toda a tarde no escritório, sentira-se ótima. Todos
queriam saber sobre o bebé de Cassie, o que havia acontecido e como tinham lidado com a situação. Chegara a
receber um telefonema de um repórter local, que escrevia um artigo sobre a tempestade e desejava uma foto
da jovem que fizera um parto no banco traseiro de um Mercedes.
Comprara algumas flores e frutas para a nova mamãe e um presente para a criança.
Então, Fergus a pegou na Jefferson, e rumaram para a maternidade, onde Verônica segurou nos
braços a pequena vida que ajudara a trazer ao mundo.
Tudo era lindo. Fergus a amava. Ela amava Fergus. Por um momento, a vida lhe parecia
maravilhosa.
— Já se decidiram por um nome?
— Estamos muito inclinados a que nossa menininha também se chame Verônica, como você.
— Não ousem fazer isso! Melhor chamá-la de Mercedes, em homenagem ao automóvel em que
nasceu.
Todos a olharam por um momento, como que considerando a possibilidade, antes de sacudirem as
cabeças em negativa.
— Mercedes não combina com ela. É linda como uma flor.
— Mas qual flor? — perguntaram em uníssono.
Nick tomou no colo a filha recém-nascida. Foi quando Verônica viu seu olhar quente, carinhoso e repleto
de sonhos.
O suave som que escapou da garganta de Verônica foi ouvido por Fergus, e mais ninguém.
— Vamos deixar vocês descansarem, Cassie — ele apressou-se em dizer, tomando Verônica pelo
braço.
— Mas acabaram de chegar!
— Vocês não precisam de nós. — Curvou-se para beijar o rosto de Cassie. — Veremos você
depois, Nick.
E, sem que Verônica pudesse esboçar qualquer reação, Fergus levou-a para fora do quarto, os braços
firmemente presos a seus ombros, em protetora atitude.
— Não diga nada. Eu te amo.
Verônica não duvidava. Mas às vezes o amor significava sacrifício. Seu ou dele? Só poderia haver
uma resposta.
Entretanto, dessa vez a decisão seria sua. Não naquele exato dia, mas após o casamento de Dora.
Diria a Fergus que tudo não passara de um erro, uma resposta emocional ao nascimento do bebé, à
tempestade. Por essa ocasião, ele também já teria tido tempo suficiente para raciocinar com frieza, e ela não
acreditava que pudesse haver algum desacordo quanto à realidade dos fatos.
— Tudo bem, querida?
— Sim.
Ele não pareceu muito convencido.
— Só estou um pouco emocionada.
— Bem, o que vamos fazer agora à noite? Podemos jantar fora, se quiser.
Ela negou com um gesto.
— Então, só temos de decidir onde. Na sua casa ou na minha?
Verônica sabia que deveria dizer que não podia, que tinha trabalho a sua espera. Seria essa a melhor e
mais sábia resposta.
Mas tinha o resto da vida para se congratular por sua sabedoria, para pôr o serviço em dia.
—Na minha, Fergus. E, desta vez, eu cozinho para você.
Era o segundo casamento em duas semanas, e de novo todos os olhares estavam sobre ela. Dessa vez,
porém, enquanto se levantava ao ouvir os primeiros acordes da Marcha Nupcial de Wagner, não era a noiva
que Verônica observava, e sim Fergus, que levava a irmã ao altar.
Eram momentos de alegria, e uma lágrima teimava em lhe cair dos olhos. Verônica decidiu por não
escondê-la, já que lágrimas eram sempre esperadas numa cerimónia matrimonial. Então, levou um delicado
lenço ao rosto, secando de leve os cílios, com um lindo e firme sorriso estampado nos lábios.
E, mais tarde na recepção, toda vez em que era inquirida sobre a data de seu próprio enlace, Fergus
surgia a seu lado com uma rápida resposta.
— Será em novembro. A não ser que eu consiga persuadir Verônica de que podemos nos casar mais
cedo do que o previsto.
E Verônica tinha suas respostas, também.
—Mais cedo, querido? Nem sei como vou me preparar apenas em seis meses — dizia. — Dora sabe
bem do que falo, e ela nem estava trabalhando.
Então, duas horas depois, Fergus resolveu ir embora.
— Acho que poderíamos sair agora, que ninguém notaria nossa falta.
— Não quer ficar na festa?
— Festa para mim é você, Verônica, e ninguém mais. — E curvando-se, beijou-lhe de leve a
boca, recebendo uma ovação da ala jovem dos convidados, que apreciava sua hospitalidade com entusiasmo
desmedido. — Vamos, meu bem. Já estou bem velho para fazer papel de bobo em público — arrematou, com
um sorriso cordial para a alegre plateia.
— Que tal em particular?
— Excelente ideia!
Lá fora, o jardim iluminado se encontrava calmo, tran quilo, perfumado pela essência das velas e de
rosas frescas. Caminharam um minuto em silêncio.
— O que me diz de tirarmos alguns dias longe de tudo e de todos, Verônica?
Seria o paraíso. Mas o inferno, também. Além de que havia prometido a si mesma que nessa semana
faria uma reserva naquele restaurante famoso, encenaria uma briga e jogaria o anel fora. E, se fizesse bem
seu papel, Fergus nunca saberia que tudo não passara de uma encenação.
— Não creio que possa me ausentar no momento, Fergus. Estou muito ocupada...
Ele, no entanto, havia se preparado para aquela resposta.
— Se é com o trabalho que está preocupada, já esclarecitudo com Nick.
— Você fez o quê?! Quando esteve com Nick?
— Não estive. Ele me telefonou. Cassie queria se certificar de que aceitaríamos o convite para
sermos padrinhos do bebé. O batizado será dentro de seis semanas. Quer dizer, se eles conseguirem
encontrar um nome para a menina até lá. Você acha possível que depois de nove meses ainda não tenham...
— Nicole. Vão dar o nome de Nicole Rose à filha.
E Verônica percebeu que caíra em uma armadilha. Não gostou nada disso. Queria um pretexto para
ficar brava com Fergus. Bem, pensando melhor, já tinha um bem à mão.
— E não vá pensando que pode mudar de assunto quando bem quiser. Meu serviço não tem
nada a ver com você, Fergus. Nick está de licença, e com toda a certeza nem sabe que dia é hoje. Deixe-
me cumprir minha agenda. Tenho meus próprios planos para o lançamento de uma nova marca de varas de
pescar.
— Traga algumas com você. Ficaremos à margem de um ótimo rio para pescarias.
— Não está me ouvindo, está?
Talvez estivesse, irias não prestava a mínima atenção. Fergus ocupava-se em beijar um ponto sensível
que descobrira bem atrás de sua orelha e que a fazia se arrepiar e gemer.
Verônica esperava que estivessem brigando! Ela se concentrou, recusando-se a cooperar com as
carícias.
— Não se pode tirar alguns dias de descanso no meio de um negócio importante. — Um
pequeno discurso feminista talvez ajudasse. — Só porque sou uma mulher...
— Isso, sim, é importante. Já bateu bastante o pé, Verônica ? E pura perda de tempo, quando
se está pisando na grama.
— Não me irrite! Não posso ir a lugar algum esta semana, Fergus. Tenho reuniões em Londres,
em Birmingham...
— Talvez na sexta-feira.
Ela não pôde mais resistir aos afagos sensuais.
— Sim, sim. — E se enrodilhou nos braços fortes.
— Querida, tenho a impressão de que, se eu continuasse mais um pouco, você me prometeria
qualquer coisa.
Verônica levantou a cabeça e o encarou.
— Acho que está certo. Mas seria perda de tempo. Um final de semana prolongado é tudo o
que posso fazer.
— Acredito em você. Iremos de avião para economizar tempo.
— Para onde iremos?
— Logo ali, no País de Gales, bem junto à fronteira. Já esteve lá?
— Não.
— É verde e calmo. Lindíssimo. Parecido com você, Verônica.
— Sou verde e calma? — brincou, com ligeiro tremor na voz.
Fergus voltou a tocar-lhe o rosto.

— Eu já lhe disse que você tem uma boca linda, Verônica Grant.
— Não, mas sou suscetível a elogios.
— Como assim?
Verônica fechou os olhos, secando algumas lágrimas que ameaçavam aparecer em seus olhos.
— Beije-me, Fergus.
— Srta. Grant? O doutor vai recebê-la agora.
O médico esperou até que Verônica se sentasse, não per dendo tempo com conversas paralelas. Disse-
lhe, sem rodeios, que os exames que pedira apenas confirmavam o que lhe fora dito anos antes. Suas trompas
de Falópio estavam danificadas, tornando impossível a fecundação. Nunca conceberia sem a ajuda de uma
fertilização artificial.
Verônica conhecera mulheres que tinham se submetido a tais experiências no obsessivo e
desesperado desejo de engravidar, sem obterem os resultados desejados. Vira casamentos arrumados sob a
pressão constante de tratamentos desse tipo.
Sendo assim, resolveu-se de vez. Tinha pouco menos de seis semanas para pensar em algo convincente
para se distanciar de Fergus. Antes, porém, haveria aquele final de semana, que seria mais uma perfeita
lembrança em sua memória.
— Ela recebeu bem a notícia — comentou a enfermeira, pegando a caixa de lenços de papel
que deixara sobre a mesa, antevendo uma sessão de lágrimas.
— E uma jovem muito controlada. E, para ser honesto, não diria que esperava ouvir outra
coisa.
— O senhor lhe disse que às vezes alguns exames podem acusar uma possível restauração da
fertilidade?
— É muito raro.
— Ainda assim, doutor.
— Seria crueldade acenar-lhe°com esperanças que podem se mostrar infundadas.
O piloto do helicóptero sobrevoava a verde planície em torno de um riozinho. Haviam visto
Abergavenny e Crick-howell, mas agora pareciam estar a quilómetros de lugar algum. E Verônica, não muito
aficionada por aeronaves pequenas, começava a ficar nervosa com aquele passeio aéreo.
— Onde estamos, Fergus? Não há uma vila, cidade ou mesmo uma casa até onde eu posso ver. —
Gemeu. — Não me diga que este é um final de semana só para pescarias. Estou lhe avisando, eu enjoo só de
cruzar a ponte de Waterloo.
— Nada disso. — Ele pegou-lhe a mão. — Ali, veja para onde estamos indo.
Verônica se virou na direção apontada, mas não conseguiu vislumbrar uma hotel ou um chalé naquelas
pradarias. Tudo o que conseguiu notar foi um...
Voltou-se para Fergus.
— Você não pode... não... Fergus, por favor...
— Por favor, o quê? Quer que eu lhe diga que não comprei um castelo? Está bem. Se isso a deixa
feliz, saiba que não comprei um castelo.
Verônica suspirou, aliviada.
— Mas estou pensando a respeito, sendo essa a razão pela qual passaremos o fim de semana aqui.
Na verdade, não é catalogado como sendo um castelo. E só uma torre de vigia. Nada mais do que um
ponto de observação, construído no século XVIII por algum senhor feudal, e foi anexado à construção
principal. Não há nem mesmo um fosso.
Fergus não podia estar ponderando a sério sobre a possibilidade de adquirir aquela propriedade. Sim,
porque, para Verônica, aquilo era um castelo, pequeno, sim, mas não havia dúvida.
—O que pretende fazer com um castelo, Fergus?
—Quero quer ele seja seu presente de casamento.
Antes que seu cérebro conseguisse formular uma resposta sensata para tudo aquilo, o piloto aterrissou no
gramado, e Fergus desceu do helicóptero, em seguida, muito animado.
Verônica nunca aceitaria um tal presente. Ficaria onde estava e ordenaria ao piloto que a levasse
naquele exato instante de volta para Melchester.
— Você não gostou, Verônica? Falta muita coisa? — Fergus quis saber, ao notar sua hesitação.
— Eu sabia. Bem que falei para o corretor que não serviria. May me avisou que você era uma
perfeccionista...
— Não seja tolo!
— Então está bem. Eu entendo.
— Fergus, é muito bonito!
— É mesmo?
— Para ser franca, para mim é adorável. — Não deveria ter dito isso. Não queria encorajá-lo.
— Nem precisa de um fosso. Há um rio, não há? E tem até um cisne, olhe.
— Dois, na realidade. Um casal. Depois de se unirem, eles ficam juntos por toda a vida,
sabia?
— Todo o mundo sabe disso. Vamos. Melhor você me mostrar os arredores. — E colocou as
mãos naqueles ombros fortes, de modo que Fergus a pusesse no chão.
Exploraram a casa principal, construída por um cavaleiro da família Stuart. Estava bastante estragada
em alguns pontos, pela idade e negligência. Porém, mesmo assim, era belíssima.
— Vamos ver a torre — sugeriu Fergus, tomando-a pela mão ao subirem as escadas em caracol. — E
algo que parece ter saído de um conto de fadas.
E Fergus tinha razão. No alto da torre havia o que deveria ter sido um espaçoso quarto. Na verdade,
era quase um pequeno salão redondo, parcialmente mobiliado com peças da era jacobina, e uma enorme
cama de casal com dossel bem no meio do ambiente.
— Como a trouxeram até aqui? — Verônica indagou.
— Suponho que tenha sido construída aí mesmo, há muito, muito tempo. E ninguém consegue
imaginar como poderia ser retirada deste lugar. Imaginei que talvez pudéssemos usar este quarto.
Fergus se dirigiu até uma das janelas.
— Olhe só aquela vista.
A paisagem era verdejante e calma, com as famosas montanhas Brecon Beacons se erguendo,
majestosas, ao fundo. Perfeito.
Verônica sentiu um arrepio. Fergus a enlaçou num abraço.
— Não se preocupe, alguns engenheiros vêm ver a possibilidade de instalarmos aquecimento
central em toda a propriedade.
Mas não era o frio que a fazia tremer.
— Você me disse que não havia comprado! — Verônica se soltou.
— Só porque você me pediu que o fizesse.
Estava assustada demais, trémula demais para dizer qualquer coisa que fosse. Precisou se acalmar
um pouco.
Tentou se afastar de Fergus, mas ele a prendeu junto a si, impedindo-a de fugir.
— Pensa que tudo o que tem a fazer é estalar os dedos e o mundo inteiro está a seus pés, não é,
Fergus? Bem, estou aqui para lhe contar uma novidade: você está er rado. Eu não pedi um castelo, e
não quero ter um. — Mesmo para seus próprios ouvidos, começava a soar um tanto desesperada.
Um sorriso preguiçoso enfatizou a sensualidade daquela boca masculina.
— Batendo os pés de novo, querida? Isso está se tornando um hábito.
— Você é impossível! Não, isso é pouco. "Enfurecedor" é mais adequado!
— Sabe que fica ainda mais adorável quando fica brava, Verônica? Deve ser o contraste entre
aquele seu frio exterior, que adora exibir, e a deliciosa surpresa de uma mulher passional.
— Está surpreso?
— Céus, até ficou com o rosto vermelho! — Fergus deu-lhe um beijo em cada lado do rosto. E
então, tomou-lhe a boca, com paixão.
Verônica sabia que devia resistir. Estava irada consigo mesma por ter colocado a ambos naquela
situação quase impossível, mas recusava-se a tomar para si a responsabi lidade daquela última loucura. O
castelo ficava por conta de Fergus.
— Você é, sem sombra de dúvida, o homem mais provocante que um dia já sonhei encontrar,
Fergus.
— Mas você me ama de qualquer jeito, não é? — per guntou, enquanto sua boca deslizava por
incríveis caminhos pelo pescoço alvo.
— Eu disse isso? Quando afirmei uma coisa dessas?
— Preciso fazê-la lembrar?
A mão de Fergus se aproximava, perigosa, de seu quadril, o polegar a massagear, insinuante, a base
da coluna, fazendo-a vibrar de desejo.
— Não...
— Tem certeza? — Fergus se pressionava contra ela, numa espécie de dança sensual.
— Por favor...
— "Por favor, pare" ou "por favor, continue"?
Como Fergus podia ser tão controlado, quando ela estava a ponto de derreter?
— Eu te...
— Então, prometa se casar comigo.
Os joelhos de Verônica fraquejaram.
— Pensei que o tivesse feito.
— Imagine, querida! Você só não falou "não", quando eu a pedi. Continua contando com a mudança
de opinião de minha parte e...
Ela o olhou espantada.
— ...não vou mudar de ideia, Verônica.
— Fala sério?
— Sou capaz de jurar de todas as formas que você quiser, meu amor. O mundo não é só
perfeição, Verônica. Não podemos ter tudo o que desejamos. E tê-la já me faz o homem mais feliz do
planeta.
Havia algo de muito forte e intenso, que quase atingia o desespero, fazendo com que Verônica
descartasse seus medos e inseguranças.
— Case-se comigo, Verônica Grant.
— Em movembro.
— Não, em novembro, não. Reservei a igreja para o terceiro sábado de julho.
— Meu Deus! Mas é impossível!
— Nada é impossível. Você não foi a única pessoa a estar muito ocupada esta semana.
— Mas minha mãe...
— Deixe Annette comigo.
Verônica, emocionadíssima, ainda tentou resistir:
— E se eu me recusar?
Aquele sorriso preguiçoso, já seu conhecido, surgiu, lento, no rosto de Fergus.
— E por que acha que eu a trouxe aqui, antes de pedi-la em casamento? Diga "não", e será trancada
nesta torre até que mude de ideia.
Verônica não duvidou de Fergus por um minuto que fosse. Assim, como se deu conta, afinal, da força
do amor daquele homem, decidiu que não importava o que o futuro lhes havia reservado. Queria Fergus, e
ficaria com ele.
Verônica sorriu.
— Você tem até segunda-feira para me convencer.

EPÍLOGO

Um ano depois...

— Os padrinhos podem dar um passo à frente? — pediu o padre.


A igreja estava repleta de parentes e amigos, e Verônica sorria, feliz, para o bebé em seus braços, os
dedinhos enrodilhados nos seus com firmeza, os olhos escuros fixos em seu semblante.
Fitou Fergus ao ver que ele se curvava e acariciava um cachinho dos finos cabelos. Mantiveram-se
assim por alguns instantes, encarando-se, muda linguagem de compreensão e afeto.
Então, Verônica entregou seu bebé a Poppy, antes que ela e Richard se adiantassem um passo, como
pedira o padre.
— Diga o nome desta criança.
— Charles Fergus Grant Kavanagh — Poppy declarou, com sua voz clara e segura.
— Charles Fergus Grant Kavanagh, eu o batizo...
Charlie Kavanagh soltou um resmungo desolado ao toque da fria água batismal em sua cabeça. Fergus
segurou a mão de Verônica, apertando-a com força.
Verônica sentia a garganta seca pela emoção. Aquele era um dia com o qual nunca sonhara, que
jamais imaginara viver.
Charlie, seu filho e de Fergus, era um presente dos deuses, uma inesperada dádiva, um verdadeiro
milagre.
Ela sabia que Fergus a observava, mas não ousava retribuir-lhe o olhar, ciente de que seu
adorável marido estaria lutando para conter as lágrimas de felicidade.
Saber que Fergus a amava tanto, a ponto de desistir de quase tudo o que um homem deseja por
sua causa, era fonte de inesgotável e permanente alegria.
Nenhum dos dois tinha dúvida quanto ao milagre que lhes acontecera. Tudo havia se iniciado com uma
pequena brincadeira no trem das oito e quinze de Melchester para Londres.
Fergus, porém, desde o começo teve absoluta certeza, baseado no poder do amor, de que, qualquer
que fossem os planos do destino, a vida seria boa.

FIM

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