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DONALD TODD
II
A diligência entrou em Casper a grande velocidade. Um grupo de rapazes
correu atrás dela, dando gritos de alegria. Era ela o único espectáculo com que
contavam e, salvo caso de força maior, nunca o perdiam.
Para os mais velhos, a chegada da diligência também tinha o seu atractivo.
Por isso, mal o veiculo se deteve na rua principal, ante a casa de postas, um
numeroso grupo de desocupados rodeou-o imediatamente.
A primeira a descer foi a senhora Barton, que olhou à sua volta como se
procurasse alguém. Em seguida agitou a mão em direcção a um homem baixo e
rechonchudo, que tentava abrir caminho entre os curiosos. Era, indubitavelmente,
o senhor Barton. Este, depois de alguns esforços, conseguiu por fim chegar junto
da mulher, que abraçou enquanto ela lhe dava dois sonoros beijos nas faces.
Um indivíduo de estatura média, incrivelmente magro e que ostentava uns
enormes bigodes cinzentos, contemplava a cena um pouco afastado. Ao ver
descer do carro a jovem enlutada, aproximou-se vivamente e estreitou-a nos
braços.
— Mary, pequena, — Exclamou. — Não devias ter vindo.
A rapariga, que até então, ainda que visivelmente emocionada, se tinha
mantido serena, rompeu em violentos soluços.
Esta cena passou inadvertida à maioria dos que ali estavam. A atenção de
todos concentrava-se num homem de elevada estatura, a quem o vaqueiro
sobrevivente entregava a mala com o dinheiro levantado no Banco de Cheyenne.
— Foi um verdadeiro milagre salvá-lo, patrão. Assaltaram-nos a meia hora
de caminho daqui e o pobre Perkins morreu de uma bala...
— Malditos assassinos! Nunca nos veremos livres dessa praga?
O jornalista mantinha-se um pouco afastado, observando o que se
passava, junto do comerciante de quinquilharias. Ambos esperavam a chegada
do xerife, que o condutor mandara chamar. O representante da lei não tardou
muito em apresentar-se, acompanhado por um dos seus ajudantes.
— Que se passou, Stuart? — Perguntou, com expressão fechada.
O condutor relatou sucintamente o acontecido, sem entrar em pormenores.
— Trazemos o cadáver de Perkins — Concluiu. — Os dos três bandidos
ficaram lá.
— Nenhum deles era conhecido?
O condutor da diligência coçou a cabeça com ar contrito.
— Não nos lembrámos de verificar — Disse. — Iam mascarados e, com o
desejo de nos afastarmos dali quanto antes, só pensámos em recolher o corpo
do Perkins e virmo-nos embora.
O xerife franziu a testa e lamentou-se:
— Que se há-de fazer! Tenho de lá ir com uma «posse» e investigar.
Olhou para o jornalista e para o comerciante, que continuavam calados, e
perguntou:
— São os únicos passageiros que trazia a diligência, Stuart?
— Os únicos forasteiros, sim. Vinham também, além do Perkins e do
capataz do senhor Daves, a menina Edwin e a senhora Barton.
— Oh, a Mary Edwin! — Exclamou o xerife. — Pobre rapariga! O doutor
Maynard tinha-me dito que ela continuaria em Cheyenne por enquanto. Deve ser
muito triste para ela. Está completamente sozinha.
Alan Green contemplou o grupo formado pelos Barton, a rapariga e o
indivíduo dos bigodes cinzentos, que se afastavam já para um dos extremos da
rua.
Respondeu distraidamente a algumas perguntas formuladas pelo
representante da lei. Depois, ante a insistência deste por conhecer a sua versão
dos factos, declarou:
— Desculpe, xerife. É a primeira vez que me vejo atacado por vinte
homens em pleno campo... Senti-me tão... Preocupado, que só me lembro de me
esconder o melhor possível debaixo do carro. Não sei exactamente o que se
passou.
O comerciante riu.
— Parece-me que o medo o fez multiplicar o número de bandidos, amigo.
Eram só quatro. Evidentemente, os suficientes para acabar com todos nós, se
não fosse pela acção dos dois vaqueiros e do condutor, que se portaram
estupendamente.
O olhar de Stuart, o condutor, cravou-se Com renovado interesse e
curiosidade no jornalista. Não compreendia aquela obstinação em fazer-se
passar por cobarde e imbecil. Ele sabia muito bem que não era nenhuma das
coisas.
— Falarei convosco mais tarde, se julgar conveniente. Nesse caso,
chamá-los-ei ao meu escritório.
O xerife, dando por findo o diálogo, voltou-se para o seu ajudante e
ordenou-lhe que se preparasse.
— Partimos imediatamente para o lugar do assalto. Tentaremos identificar
esses bandidos.
Alan Green, entre a troça de alguns que tinham ouvido a sua versão do
incidente, dirigiu-se para o Casper Hotel, cuja tabuleta se avistava não longe dali.
Aproximou-se da recepção e pediu um bom quarto.
— O senhor é o jornalista que vinha na diligência de Cheyenne? —
Perguntou o empregado. — Diga-me o que se passou na verdade. Disseram-me
que o senhor o conta de um modo tão realista que uma pessoa tem a sensação
de ter estado presente.
Green pensou que na povoação as notícias corriam rapidamente.
— Noutra ocasião...
Pegou na chave e retirou-se para o quarto que lhe tinham destinado. Não
esteve nele mais tempo que o necessário para pousar a mala, lavar-se e mudar
de roupa. Um fato de fazenda, composto por casaco, colete e calças, ao estilo do
Este, camisa com folhos no peito e um ostensivo laço. Mas não se esqueceu de
colocar os flamantes revólveres. Desceu as escadas lentamente, atravessou o
vestíbulo e dirigiu-se para o bar, que comunicava com o hotel por uma porta de
batentes.
Encaminhou-se para o balcão e dispôs-se a pedir uma bebida. Naquele
momento, alguém lhe deu uma palmada num ombro. Voltou-se e viu o condutor.
— Convido-o para um uísque, rapaz — Disse Stuart.
— De acordo — Aceitou Green. — Mas quero o meu com água. Ouvi dizer
que aqui no Oeste têm o costume de o beber simples. Para mim é demasiado
forte.
Stuart sorriu, trocista.
— Creio que você é capaz de beber trinitroglicerina sem se engasgar —
Disse em voz baixa.
Alan Green contemplou durante um segundo o seu interlocutor. Parecia um
homem honrado e, evidentemente, não podia negar-se que era discreto. Em
nenhum momento tentara descobrir-lhe o jogo à frente dos outros, e isso
agradara ao jornalista.
— Ouça, Stuart — Disse o jovem. — Compreendo que você estranhe o
meu interesse em fazer-me passar por um «paspalhão». Na verdade, não tem
grande importância. No entanto, já que comecei, o melhor é continuar com a
comédia. Ao princípio só pensei em divertir-me um pouco, representando o
género de homens que por aqui julgam ser corrente no Este. Depois pensei que
talvez me conviesse manter a ficção. As pessoas desconfiam menos de um
indivíduo que lhes parece inofensivo e um pouco tolo do que de um que se arme
em esperto. A mim, o que realmente me interessa é que me proporcionem
informações para as minhas reportagens.
Fez uma pausa e observou atentamente a expressão do condutor. Este
coçou a cabeça, pensativo.
— Você é que sabe o que lhe convém, rapaz. Que espécie de informações
deseja, na verdade?
Green deu uma palmada na testa.
— Esquecia-me que você, a conduzir, não podia ouvir a minha conversa
dentro da diligência. O meu propósito é fazer uma série de trabalhos sobre a rude
vida do Oeste.
Principalmente histórias de bandidos... Se não fosse pela morte desse
pobre rapaz, teria considerado uma sorte o assalto que sofremos.
Deteve-se um instante e depois continuou:
— Os roubos de gado de que me falou a senhora Barton podem ser muito
interessantes para os meus propósitos.
Stuart bebeu o uísque de um sorvo e franziu a testa.
— Os roubos de gado podem parecer-lhe a si interessantes, claro. Mas
para esta região são uma verdadeira praga. Tal como os fazem de um tempo a
esta parte, conseguirão arruinar todos os ganadeiros. Sempre louve ladrões que
roubavam de vez em quando um punhado de reses, geralmente poucas,
conduzidas por um ou dois homens. Agora nem uma só cabeça chega ao
Oregão.
— Porque enviam o gado para tão longe? Não poderiam vendê-lo em
Cheyenne, por exemplo? É um percurso muitíssimo mais curto e, portanto, muito
mais fácil de vigiar.
— Em Cheyenne os preços são muito inferiores. Não chegam a metade do
que se consegue em Salem. Além disso, é muito difícil colocar por aqui grandes
manadas.
— Deviam pedir ajuda aos Rurais do Texas, já que o xerife é impotente
para acabar com os foragidos. Ouvi dizer que foram reorganizados depois da
guerra e que vão de qualquer Estado onde os reclamem. Basta para isso uma
petição escrita pelo respectivo governador, dirigida ao Quartel-general, em
Austin.
— Já se fez uma vez — Esclareceu Stuart —, mas os dois agentes que
mandaram apareceram mortos, em pleno campo, poucas horas depois de terem
chegado. Não houve meio de descobrir os assassinos.
O jornalista permaneceu pensativo por momentos. Saboreou um curto
trago de uísque, e, de súbito, mudou o rumo da conversa.
— Gostaria de conhecer a história da Mary Edwin — Disse. — Pelo que
ouvi, o pai morreu recentemente, não é verdade?
— Sim. Outro mistério por resolver. Não se explica por que o mataram. Era
um excelente homem, querido e respeitado por toda a gente em Casper. Por toda
a gente menos o criminoso.
— É certo, então, que o assassinaram? Como foi?
— Pouco posso dizer-lhe a esse respeito. Encontrou-o um rancheiro, o
Gene Guimons, perto da sua própria casa. Tinha dois tiros no peito. Segundo o
doutor Maynard, havia algumas horas que estava morto quando o Guimons o
encontrou, às primeiras horas da manhã. Por isso deve ter sido morto no
princípio da noite anterior.
— Que espécie de tipo é esse Gene Guimons? — Continuou a perguntar
Alan Green.
— Nada de suspeito, se é nisso que pensa. Tem um pequeno rancho e as
suas terras ligam com as do senhor Edwin. Tinham relações amistosas. O
Guimons não sabe grande coisa de ganadaria e pedia frequentemente conselhos
ao vizinho. Há pouco tempo que se instalou em Casper. Dois anos, no máximo.
O condutor despejou o conteúdo do copo e olhou à sua volta.
— É estranho não estar já aqui, porque costuma vir todas as noites. É um
homem alegre e sociável, sempre disposto a pagar uma rodada aos amigos.
Conta com muitas simpatias.
— Gostaria de o conhecer.
— Apresentar-lho-ei na primeira ocasião. Dizem que está apaixonado pela
Mary Edwin. Claro que é um pouco mais velho que ela. Deve andar pelos
quarenta e a Mary ainda há pouco tempo usava tranças.
Alan Green sentiu uma instintiva antipatia por Gene Guimons, a quem nem
sequer conhecia. No entanto, as palavras que pronunciou pareciam indicar o
contrário:
— Não há dúvida de que tem bom gosto.
Stuart riu, assinalando a entrada com um movimento de cabeça.
— Aí o temos, Green. O prometido é devido.
O jovem voltou-se para a porta que dava para a rua. Por ela acabava de
entrar um indivíduo de estatura regular, forte, de cabelos um pouco
avermelhados e olhos pequenos e vivos. Sorria abertamente enquanto olhava à
sua volta, talvez à procura de um amigo.
— Eh, senhor Guimons! — Chamou Stuart. — Chegue aqui, por favor!
Gene Guimons avançou até ao balcão, sem apagar o sorriso do seu
rubicundo semblante.
— Alegro-me por encontrar-te, Stuart — Disse. — Ainda não consegui
saber exactamente o que se passou. Cada pessoa conta o assalto à diligência de
uma maneira diferente. Tentei ver a Mary Edwin, mas parece que estava muito
cansada e não o consegui...
— Apresento-lhe o senhor Green. É um jornalista de Nova Iorque.
Também viajava connosco.
O rancheiro estendeu a mão ao jovem, que a apertou não muito
cordialmente.
— Sim, ouvi falar nisso — Comentou com velada ironia.
— Talvez deva felicitar-me por ter ante mim duas testemunhas
presenciais. Espero que me expliquem o famoso assalto.
Alan Green decidiu voltar ao seu papel de homem pusilânime. Lamentou-
se:
— Ninguém quer acreditar quando afirmo que os bandidos eram pelo
menos vinte. Os outros passageiros dizem que eram quatro, mas não é possível
que apenas quatro disparassem tantos tiros em tão pouco tempo.
Stuart secundou os propósitos do jovem.
— O Green não está acostumado a estas coisas e o susto fê-lo ver mais
bandidos do que os que eram na realidade. Posso assegurar-lhe que eram
quatro e que só um conseguiu escapar com vida.
— Pois os outros três escaparam-se depois de mortos — Disse uma voz
ao lado deles.
O jornalista, o condutor e o rancheiro voltaram-se vivamente. Em frente
deles estava o representante da lei, com um humor levado de mil demónios.
— Es... Escaparam-se? — Murmurou o condutor. — Como é possível?
— No lugar que me indicaram não encontrámos ninguém. Existem sinais
de luta, evidentemente, mas os cadáveres desapareceram. Certamente os
próprios cúmplices os retiraram, para evitar a identificação. Isto, na verdade, ter-
nos-ia facilitado as coisas... Assim... Como diabo não se lembrou nenhum de
vocês de levantar as máscaras que levavam? Parecem todos decididos a
dificultar a acção da justiça. Será que têm medo das represálias do canalha ou
canalhas que dirigem esta organização criminosa?
Guimons, Stuart e o próprio jornalista compreenderam que o xerife tinha
razões para estar irritado. Especialmente Stuart, que era na verdade contra quem
ia dirigida a chuva de recriminações, apesar de o representante da lei se
expressar no plural.
Gene Guimons tossicou. Depois, suavemente, em tom conciliador,
interveio:
— Bom, xerife, não se ponha assim. Ao fim e ao cabo, é natural que não
tenham pensado nisso. A excitação do momento...
— Favas! — Rugiu o xerife. — Não se pode contar com ninguém, essa é a
verdade.
Deu meia volta e afastou-se, sem esperar novas desculpas.
III
IV
VI
Levaram ainda três dias a reunir as reses dispersas. Durante aquele tempo
um grupo de homens viu-se obrigado a vigiar constantemente o agitado rebanho.
Não lhes foi fácil acalmá-lo por completo.
Feita, finalmente, a contagem, puderam verificar que só faltavam sessenta
reses. Poucas para o grande número de animais que compunha a manada. O
senhor Daves, como prémio de esforço realizado, concedeu aos homens um
descanso de vinte e quatro horas.
Alan Green empregou boa parto desse tempo a examinar o terreno,
especialmente o local onde se produzira o primeiro surto de pânico entre os
animais. Os dois vaqueiros trazidos na diligência na véspera do dia da partida da
expedição, juntaram-se a ele.
Os destroçados restos de algumas serpentes atraíram rapidamente a
atenção de Green. Não havia mais dúvidas quanto ao que provocara o pânico.
No entanto, não se atrevia a jurar que a presença dos répteis fosse casual. Um
dos vaqueiros, chamado Tom Hume, aproximou-se de Green com um saco que
tinha encontrado. Green mostrou-lhe as destroçadas serpentes.
— Alguém pode tê-las trazido neste saco — Disse. — A fuga foi
provocada. Isto supõe um traidor entre nós, uma vez que nenhum estranho se
aproximou daqui.
O outro vaqueiro, chamado Fred Maine, aproximou-se também, a tempo de
ouvir as últimas palavras de Green.
— É possível — Admitiu. — Entre os companheiros há alguns que não me
agradam.
— Quem, por exemplo?
— O Dorsey e alguns outros.
Alan Green ficou uns momentos pensativo. Aquela era uma possibilidade
que não lhe agradava mesmo nada. Dorsey era precisamente o capataz de Mary
Edwin. Teve de reconhecer, no entanto, que Fred Maine podia ter razão. Aquele
Dorsey era um tipo concentrado e estranho, com o qual alguns dos vaqueiros
tinham tido discussões, algumas violentas.
— Talvez seja conveniente não falar neste achado, amigos. Guardemos o
segredo e não percamos de vista o Dorsey e alguns outros como ele.
Fred Maine e Tom Hume concordaram de boa vontade e regressaram os
três ao acampamento. Alan Green quase não pôde dormir em toda a noite. Por
isso foi um dos primeiros a, na manhã seguinte, estar preparado para a partida.
Mal retomaram a marcha, o jovem arranjou maneira de colocar-se junto de
Dorsey. Este olhou para ele com cara de poucos amigos.
— Que se passa, Green? Estive a observá-lo durante a fuga de gado e
devo confessar que se portou estupendamente. Se é de Boston, como assegura,
onde diabo aprendeu a montar tão bem a cavalo?
— Oh! Desde rapaz que gosto de cavalos. Custou-me um pouco habituar-
me à sela vaqueira, mas creio que o vou conseguindo.
— Está a troçar de mim, Green?
— De modo nenhum, Dorsey, é a pura verdade. A respeito da fuga, como
acha que se iniciou?
— Ignoro-o em absoluto. Por que pergunta?
Mas a Green não passou inadvertido o relâmpago de alarme que cruzou os
olhos do seu interlocutor.
— Descobri algo que me traz preocupado.
O capataz de Mary Edwin olhou à sua volta, com manifesta desconfiança.
— Que espécie de descoberta? — Perguntou.
Alan Green falou-lhe das serpentes que encontraram e do saco onde
poderiam ter sido transportadas.
— Você conhece bem todos os homens da expedição
— Concluiu. — É possível que entre eles possa haver algum traidor?
Dorsey riu.
— Tem demasiada imaginação, Green. Esta história talvez seja boa para
os leitores do seu jornal. Mas não para nós. Todos os que fazemos parte desta
expedição somos homens de confiança.
— Incluiu-se também a si, Dorsey
Este bufou como um bisonte e afastou-se de Green. Só quando se
detiveram ao meio-dia os dois homens voltaram a encontrar-se.
— Gostaria de saber o que tentou insinuar esta manhã, Green. Se pensa
algo de mau de mm, diga-o claramente.
— Não, por favor, Dorsey, esqueça as minhas palavras. Foram ditadas
pelo meu nervosismo. Peço-lhe desculpa, Dorsey.
— Assim é melhor, rapaz. No entanto, fiquei a pensar no que me disse,
Green, e recordei algo. Talvez não tenha importância e talvez tenha muita.
— De que se trata, Dorsey?
— Esses dois homens, o Maine e o Hume, estiveram pouco antes do
momento em que se provocou a fuga do gado no local onde você encontrou as
serpentes.
— Tem a certeza? — Perguntou Green, interessado. — Isso confirma as
minhas suspeitas.
Não dissera a Green que os dois homens o tinham acompanhado no
reconhecimento do terreno e que fora precisamente um deles quem encontrara o
saco. Por outro lado, também não lhe tinha dito o local onde encontrara os
répteis.
No entanto o capataz, ao afirmar que ali tinha visto os dois vaqueiros, dava
a entender que o conhecia. Isto, naturalmente confirmava as suspeitas de Green.
As suas suspeitas, claro está, a respeito do próprio Dorsey.
O capataz não pôde captar o duplo sentido das palavras de Green, que
vinham, pensava ele, ao encontro do seu desejo de culpar Hume e Maine da fuga
de gado.
— Sim — Disse. — Talvez não esteja enganado, Green. Será necessário
vigiar esses homens. Na verdade, são os únicos desconhecidos para nós.
Fez uma pausa e acrescentou:
— Além de você mesmo, claro.
Depois, sem esperar resposta, aparentemente satisfeito com o que tinha
dito, voltou a afastar-se de Green. Este preparou rapidamente a sua montada e
subiu para a sela. Gostaria de se aproximar do carro ocupado por Mary Edwin,
mas não lhe foi possível fazê-lo. Outro dos capatazes da expedição aproximou-
se dele e enviou-o para a cauda da manada.
Engoliu pó e porcaria durante muito tempo, e finalmente foi substituído
naquele lugar. Hume e Maine reuniram-se com ele ao entardecer.
— Alguma coisa de especial, rapazes?
— Nada digno de nota.
— Vigiem o Dorsey. Creio que é o nosso homem.
Separaram-se novamente. Pouco depois faziam alto para a ceia e o
descanso nocturno. Só então Green pôde conversar uns instantes com Mary
Edwin, à luz das fogueiras. Tentou levá-la para fora do círculo de vociferantes e
alegres vaqueiros, mas Daves, inconscientemente, impediu os dois jovens de um
pouco de conversa a sós.
Ao amanhecer a manada pôs-se de novo em movimento, internando-se
num terreno cada vez mais perigoso.
A rota, uma vez ultrapassados os montes do Grande Tecto, bordejava O
Bosque Petrificado, que ficava à direita, enquanto à esquerda um terreno cortado
por fundas quebradas impedia os homens de se afastarem tanto quanto
desejariam daquele estranho labirinto de rochas. Tratava-se de um lugar propício
a todas as emboscadas.
Os homens mantinham-se em constante alerta. Alan Green, com uns
binóculos de grande alcance, vigiava continuamente o terreno. De um momento
para O outro poderia acontecer o inevitável. A meio da tarde descobriu ao longe
uns cavaleiros que tentavam tomar posições entre as rochas.
Comunicou imediatamente o facto ao senhor Daves e foi dada a voz de
alarme. A manada deteve-se e todos se prepararam para repelir o ataque, no
caso provável de os cavaleiros avistados rerem, efectivamente, ladrões de gado.
Green preocupou-se em colocar o carro em que viajava Mary no lugar que
lhe pareceu mais seguro e obrigou-a a prometer-lhe que permaneceria ali, ao
abrigo das balas. Ela e o velho Joe, o cozinheiro, ocupar-se-iam da cozinha.
Cinco homens, às ordens de um capataz, ocuparam-se de vigiar o gado,
para que não se tresmalhasse. Os outros, divididos em grupos, colocaram-se nos
locais considerados mais convenientes.
A meio da tarde produziu-se o primeiro assalto dos bandidos. Uma chuva
de balas caiu sobre o acampamento. Confiados na surpresa do ataque, alguns
cavaleiros avançaram abertamente. Sem dúvida, não tinham notado que tinham
sido descobertos.
O enérgico contra-ataque dos guardadores da manada tirou-os
imediatamente do erro. Retiraram-se precipitadamente, em busca do refúgio das
rochas, mas não se deram por vencidos. Este primeiro fracasso tornou-os mais
prudentes, no entanto. Bons conhecedores do terreno, quando localizavam a
posição de alguns vaqueiros, conseguiam arranjar modo de se colocarem
vantajosamente e desalojá-los.
Alan Green, apesar de tudo, parecia encontrar-se no seu elemento.
Sempre seguro de si, sem perder a serenidade, disparava a sua espingarda,
acorrendo continuamente a um e a outro grupo, dando ânimo e distribuindo
ordens. Ninguém se negava a cumpri-las, subjugados pelo tom enérgico da sua
voz.
A luta continuou indecisa. Os múltiplos disparos de um e outro grupo,
multiplicados pelo eco das rochas, faziam um concerto infernal. O ar puro da
pradaria não conseguia dissipar por completo o cheiro acre da pólvora. E as
reses, assustadas, moviam-se e apertavam-se num compacto e impressionante
círculo. O mar encrespado dos seus chifres tinha um aspecto fantástico.
O chefe da expedição, aproveitando uma ligeira pausa na luta, aproximou-
se de Green:
— Se chega a noite antes de vencermos esses tipos, estamos perdidos —
Disse.
— Não pense nisso. Talvez a escuridão nos seja mais propícia a nós que
a eles — Replicou Alan Green.
Daves abanou a cabeça com ar pessimista. A preocupação marcava uma
funda ruga entre as suas sobrancelhas.
Com as primeiras sombras, vendo que a luta não cessava, Alan Green
chamou alguns vaqueiros, decidido a pôr em prática um velho ardil rancheiro.
Apartaram vinte e cinco reses amarraram-lhe aos chifres montes de lenha a arder
e obrigaram-na a correr em direcção às posições dos assaltantes.
Dez homens, chefiados por Green, seguiram as reses, mantendo-se na
sombra. Devido ao resplendor das chamas, os bandidos, que tinham iniciado um
avanço para o acampamento, ficaram a descoberto.
Os vaqueiros dispararam à vontade contra eles, furiosamente. Os
bandidos, surpreendidos, responderam ao ataque entre maldições, mas as
numerosas baixas sofridas quebraram-lhes o moral, pelo que não tardaram em
abandonar o campo.
Os vaqueiros lançaram gritos de entusiasmo ante o êxito da surtida. No
entanto, essa alegria viu-se diminuída ao comprovarem que um dos
companheiros tinha sido atingido pelas balas. Estava tão mal que morreu logo
que o levaram para o acampamento. Outro deles tinha sido ferido, o que elevava
as baixas sofridas até então a dois mortos e seis feridos.
Os bandidos tinham abandonado no campo cinco cadáveres. Não havia
dúvidas de que, além disso, devia haver bastantes feridos entre os que se
retiravam.
Mary Edwin mostrou grande firmeza de ânimo no seu papel de enfermeira.
Incansavelmente desinfectou e ligou braços, pernas ou cabeças, tendo a todo o
momento palavras afectuosas para os feridos. Só nos casos mais graves um
ligeiro tremor nas suas mãos demonstrou a emoção que a embargava.
Logo que amanheceu os guardas da manada tomaram um frugal pequeno-
almoço e puseram-se novamente em movimento. Sentiam grandes desejos de se
afastarem dali antes que os bandidos reorganizassem forças e tentassem um
novo ataque. Nem Daves, nem Green, nem ninguém acreditava que os bandidos
se resignassem com a primeira derrota.
Stuart cavalgava ao lado de Alan Green. A sua atitude pensativa chamou a
atenção do jovem. Por duas ou três vezes iria jurar que lhe queria dizer qualquer
coisa, sem chegar a decidir-se.
— Que há, Stuart?
— O Dorsey, o capataz do rancho Edwin, disparou muito, mas sempre para
lugares onde não havia nenhum bandido. Eu estava no grupo dele e pude
observá-lo perfeitamente.
— Tem a certeza? — Perguntou Green, interessado. — É possível que o
Dorsey visse inimigos onde não os havia.
Stuart não se mostrou de acordo com aquela hipótese.
— Poderia acontecer-lhe uma vez, mas não tantas. Além disso, o Dorsey é
um excelente atirador e tem uma vista de lince. Não pode haver erro.
— E que deduz de tudo isso, Stuart? — Perguntou Green.
O outro guardou silêncio durante algum tempo. Depois decidiu-se a dizer:
— Já é a segunda vez que acontecem coisas estranhas nesta expedição.
A primeira foi a fuga do gado. Acontece algumas vezes, mas no lugar onde nos
encontrávamos não parecia haver motivo.
— Quem sabe! — Exclamou Green. — Podiam ter-se assustado com
umas serpentes, por exemplo.
Stuart riu.
— Eu conheço bem estas terras, Green. Posso assegurar-lhe que
naquelas terras não existe uma única serpente.
Alan Green, então, contou-lhe o achado que ele, Tom Hume e Fred Elaine
tinham feito. O condutor excitou-se.
— Teve de ser o Dorsey. A atitude que tomou durante a luta confirma-o.
Alan Green procurou acalmá-lo.
— É melhor não dizer nada disto, Stuart. Vigiaremos o Dorsey sem que ele
o note. Não contou isso a mais ninguém?
Stuart olhou para Green, um pouco perplexo.
— Ninguém — Respondeu. — Na realidade, não sei porque me dirigi a si
em vez de falar com o senhor Daves. Ele é o chefe da expedição.
— Pode ser que eu lhe inspire uma grande confiança.
— Assim é, apesar do seu comportamento também não ser muito claro.
— Em que sentido?
Stuart sorriu amplamente.
— Em tudo o contrário do Dorsey. Foi você quem realmente comandou e
dirigiu a luta contra os bandidos. No nosso medo de ver, todo o homem vindo do
Este tem de ser necessariamente um cobarde. Também não vejo muito claro que
um jornalista saiba lutar e se imponha aos outros como você fez. Apostaria
qualquer coisa em como o jornalismo nem sempre foi a sua profissão.
Alan Green riu de boa vontade.
— Um homem pode mudar de profissão muitas vezes. Não lhe parece,
Stuart?
Esporeou o cavalo e afastou-se do condutor, para dirigir-se ao carro onde
viajava Mary Edwin. Tinha interesse em ver a jovem, mas especialmente queria
evitar que Stuart se obstinasse em investigar o seu passado.
VII
VIII
IX
FIM