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A Sede do Mal

DONALD TODD

O condutor da diligência Cheyenne-Casper lançou um grito de alarme e,


imediatamente, animou os cavalos, obrigando-os à força de maldições e
chicotadas a empreender uma veloz corrida. Os seis ocupantes do veículo
entreolharam-se, surpreendidos.
— Que se passa? — Perguntou a senhora Barton, terrivelmente
assustada.
A senhora Barton era uma mulher gorda, que se embrulhava num xaile.
Junto dela sentava-se uma jovem, rigorosamente enlutada, de graciosa e esbelta
figura, dois rudes vaqueiros, um negociante e um tipo que parecia um manequim.
Um dos vaqueiros pôs a cabeça fora da janela, para indagar da razão
daquela corrida e daqueles gritos. O condutor limitou-se a indicar-lhe com um
gesto o grupo de cavaleiros que os seguia a galope largado.
— Se trazem más intenções, não poderemos evitar o assalto — Comentou
o vaqueiro.
Imitado pelo companheiro, levou a mão ao revólver. Pareciam ambos
dispostos a dar combate.
— Porque hão-de fazê-lo? — Perguntou o comerciante.
— Não creio que nenhum de nós leve nada de suficientemente valioso
para justificar um assalto.
Um dos vaqueiros, o que parecia tomar sempre a iniciativa, sorriu com
importância.
— Talvez o senhor não leve nada de valioso entre as suas malditas
quinquilharias, mas nós sim.
Apontou para a mala que durante todo o trajecto fora no chão, entre os
seus pés, e voltou-se para a senhora Barton.
— A senhora conhece o senhor Daves. Ele e o senhor Edwin estavam a
organizar uma expedição bem preparada para levar o gado dos rancheiros de
Casper para o Oregão e acabar de passagem com esses malditos ladrões. Agora
está ele sozinho para suportar todas as despesas, que não são poucas. Os
outros rancheiros não têm dinheiro ou não querem arriscar o pouco que lhe resta.
Mas o nosso patrão não se deixa vencer tão facilmente. Pediu um empréstimo ao
Banco de Cheyenne e pediu-nos a nós que fôssemos levantá-lo.
Olhou para os seus companheiros de viagem, orgulhoso da importância da
sua missão, e continuou:
— Mais depressa me arrancarão a pele que esta mala.
A senhora Barton, quase mais aterrorizada agora pela desenfreada corrida
da diligência que saltava e se inclinava perigosamente para um e outro lado, que
pela proximidade dos bandidos, não prestou atenção às palavras do bandido.
— Iu...! Iu...! — Gritava o condutor.
Alan Green deixou o jornal e olhou com curiosidade pela janela. Os
cavaleiros, envoltos numa dourada nuvem de pó, aproximavam-se cada vez
mais. Já não havia dúvidas possíveis sobre as suas intenções. Tinham ganhado
terreno e aquela distância era já possível distinguir os seus rostos cobertos por
lenços negros.
— Iu...! Iu...!
Um projéctil zumbiu junto à cabeça de Green, obrigando-o a retirar-se da
janela.
— Diabos, atiram a dar!
Pouco depois, do interior do veículo, todos os passageiros puderam
distinguir os assaltantes. Estes, de ambos os lados do trilho, começaram a
disparar contra o condutor, que não teve outro remédio se não deter-se.
Os bandidos, que deviam esperar resistência, não se aproximaram
imediatamente das portas.
Depois de desmontarem, colocaram-se dois deles atrás da diligência e
outros dois à frente, de modo que os passageiros não podiam fazer fogo sem
mostrar a cabeça.
— A terra, condutor! — Ordenou um dos pistoleiros.
O condutor, ameaçado pelas armas, teve de obedecer.
— Abre a porta e manda descer toda a gente. Rápido, ou furo-te a cabeça.
O condutor, de má vontade, dispôs-se a obedecer. O primeiro a aparecer
na porta foi o jornalista. Com as mãos levantadas e ar assustado, murmurou:
— Por favor, senhores, não disparem!
Tropeçou de súbito, incrivelmente, no estribo, e empurrou com força o
maioral. Caíram ambos no solo e Green desapareceu imediatamente sob o
veículo. Depois, com assombrosa rapidez, empunhou os dois revólveres e dis-
parou quase sem apontar.
Um dos bandidos tombou, alcançado no peito. O outro, desconcertado e
furioso pelo repentino ataque, que não sabia exactamente de onde vinha,
avançou para a porta aberta e disparou para dentro. Soou um grito de terror e,
quase imediatamente, uma bala disparada do interior rebentou a cabeça do
pistoleiro.
Os dois assaltantes colocados na parte posterior do veículo correram em
ajuda dos cúmplices e conseguiram atingir com os seus tiros o mais jovem dos
vaqueiros, que acabava de saltar em terra. O homem, depois de dar uns passos
vacilantes, caiu de bruços com um surdo gemido.
O condutor, que tinha conseguido colocar-se debaixo do carro, ao lado do
jornalista, viu Green usar os seus brilhantes revólveres com decisão e arrojo. Os
dois assaltantes sobreviventes retrocederam e conseguiram refugiar-se numa
depressão de terreno. Dali continuavam a disparar sem grande eficácia, pois logo
que levantavam as cabeças, as balas zumbiam à sua volta, obrigando-os a
protegerem-se de novo.
Alan Green começou a impacientar-se. Talvez o incomodasse a posição
forçada em que era obrigado a manter-se. Talvez se devesse ao grito de mulher
que soara no interior do veículo. Sentia grandes desejos de saber o que tinha
acontecido.
O combate prolongava-se já demasiado. Era necessário pôr-lhe fim
imediatamente, pois os bandidos poderiam receber reforços e então estariam
todos perdidos.
Entregou um dos seus revólveres ao condutor, que estava desarmado, e
disse:
— Continue a disparar. Eu vou ver se consigo desalojar esses dois coiotes
das suas tocas.
— Que diz? — Assombrou-se o condutor. — Se tenta sair daqui, crivam-
no.
— Deixe-me agir. Do interior do carro há alguém que dispara também.
Certamente o vaqueiro mais velho. Tentem os dois mantê-los entretidos. Não
notarão nada até que seja demasiado tarde.
Deslizou para fora pelo lado contrário àquele que os bandidos vigiavam, e
arrastou-se até uma pequena cova. A partir daí, como um silencioso lagarto,
afastou-se uns trinta metros. Depois pôs-se de pé e atravessou o trilho a correr.
Escondeu-se atrás de umas moitas e disparou contra os bandidos. Estes,
surpreendidos pelo inesperado ataque, julgaram que alguém chegava em auxílio
da diligência e abandonaram os seus refúgios. Correram em ziguezague para o
lugar onde tinham os cavalos, tentando esquivar as balas. Um deles caiu
fulminado. O outro conseguiu montar e lançou-se a galope.
Alan Green voltou rapidamente para a diligência, onde apenas o condutor
tinha visto a sua heróica acção. O vaqueiro que transportava a mala, ao ver fugir
os bandidos, descera do veículo, correndo a auxiliar o seu companheiro, que
jazia num charco de sangue.
Atrás dele desceram a menina Edwin, a senhora Barton e o comerciante de
quinquilharias.
O jovem respirou aliviado. Pelos vistos, o grito lançado por uma das
mulheres fora apenas de terror, pois ambas se encontravam ilesas.
A rapariga, não ligando aos conselhos da senhora Barton, que tentava
detê-la, dirigiu-se resolutamente para o ferido. O outro vaqueiro, que se tinha
levantado depois de examinar cuidadosamente o caído, abanou negativamente a
cabeça.
— Nada podemos fazer por ele, menina Edwin. Está morto.
A senhora Barton, o comerciante e o condutor agruparam-se
silenciosamente em torno do cadáver, enquanto o jornalista se mantinha um
pouco afastado. O comerciante mostrou imediatamente o seu senso prático.
— Ponhamo-nos a caminho quanto antes — Disse. — Se esses bandidos
têm a sua guarida aqui perto, pode ser perigoso continuar aqui.
A senhora Barton sobressaltou-se.
— É verdade — Murmurou, enquanto se dirigia para o carro —, vamos
imediatamente.
A bela jovem seguiu-a em silêncio. Os homens recolheram o corpo sem
vida do vaqueiro, envolveram-no numa manta e colocaram-no sobre o tejadilho
da diligência.
Quando todos, incluindo Alan Green, se acomodaram nos respectivos
lugares, o condutor meteu a cabeça por uma das janelas e dirigiu-se ao
jornalista:
— Temos de agradecer-lhe, senhor. Sem a sua decidida intervenção,
possivelmente nenhum de nós estaria com vida. “
Green esboçou um tímido sorriso.
— Compreendo que troce de mim. Verdadeiramente, não estou habituado
a estas coisas. Com o susto tropecei e... Lamento tê-lo feito cair, condutor.
Certamente fui eu o culpado de que disparassem contra nós.
O mais genuíno assombro pintou-se no rosto do curtido condutor da
diligência.
— Não creio que...
O homem interrompeu-se sem saber o que dizer. Devolveu o Colt a Green
e encolheu os ombros. Ao fim e ao cabo, se aquele tipo queria passar pelo que
não era, isso era com ele. Teria as suas razões. Não era de sua conta averiguá-
las...
Alan Green tinha tomado a diligência naquela madrugada, à última hora.
Estava já o condutor no seu lugar, disposto a fazer estalar o chicote, quando o
jovem aparecera a correr no extremo da rua. O condutor, distraidamente ou de
propósito, animara os cavalos partindo estes a trote largo. Aquele indivíduo
correra atrás do veículo, conseguindo desajeitadamente abrir a porta. Depois
precipitara-se para o interior, deixando-se cair sobre um dos assentos.
— Por pouco não chegava a tempo! — Exclamara com um suspiro de
alívio. — Inconvenientes de deitar tarde.
Os seus lábios distenderam-se num sorriso. Olhara à sua volta, mas
ninguém se incomodara a responder-lhe. Vestia umas calças de vaqueiro e uma
camisa de quadrados. Contemplara as botas com infantil orgulho e sacudira o pó
com um lenço.
— Aposto que me tomaram por um dos vossos — Dissera. — Não é
verdade que pareço um verdadeiro vaqueiro?
Nenhum dos presentes se dignara responder. Olharam para ele,
ironicamente divertidos, mas ele parecera não o notar.
— Pois não, não sou vaqueiro, mas sim jornalista. Lembrei-me de que os
leitores do meu jornal gostariam de uma boa reportagem sobre o Oeste. Não há
como viver as coisas para poder descrevê-las. Um assalto à diligência seria
estupendo, para começar. Não há bandidos nesta rota?
Os passageiros continuavam calados. O comerciante contemplava pela
janela as últimas casas de Cheyenne, que desapareciam na distância. Os dois
vaqueiros olharam para ele com evidente desprezo e a senhora gorda começara
a dormitar, cabeceando fortemente.
O silêncio parecera intimidar por um momento o falador. No entanto, em
breve fixara a sua atenção na jovem enlutada e a ela se dirigira.
— É de Casper, menina, ou tenciona seguir viagem mais para a frente?
Ela sorrira tristemente, mas não rompera o seu mutismo. O jornalista
abanara a cabeça.
— Demónios de gente — Dissera. — São todos mudos?
Os vaqueiros esboçaram um gesto de impaciência. A rapariga fingira-se
distraída e o comerciante continuara a observar pensativamente a paisagem. Só
a senhora gorda, subitamente acordada por uma das grandes covas do caminho,
que faziam saltar a diligência de uma maneira espantosa, replicara por fim:
— Não gostamos de forasteiros faladores...
— De modo nenhum pretendia incomodar. Pelo contrário... A minha
intenção era entretê-los. Se temos de passar algumas horas fechados neste
caixote, procuremos matar o tempo o melhor que pudermos. Não lhe parece,
menina?
— Eu responder-lhe-ei por ela, cavalheirote.
A senhora gorda ia dizer algo forte a respeito de jornalistas intrometidos,
mas a jovem impedira-lho.
— Por favor, senhora Barton. O senhor não quis ofender-me. De qualquer
modo, creio que será melhor para todos que deixe descansar a língua por um
momento.
A expressão do jovem reflectira tão cómica consternação, que a rapariga
teve de sorrir. Perdeu a sua forçada severidade, ainda que não a sua profunda
tristeza, e nos seus olhos surgira um brilho trocista, que deu particular encanto ao
seu olhar, até ali tão cheio de melancolia.
— Perdoe, menina. Tem muita razão. No entanto... Permita-me ao menos
que me apresente. Sou Alan Green, correspondente do Informer, de Boston.
Uma sacudidela da carruagem estivera quase a fazê-lo cair sobre a gorda
senhora. Esta repelira-o de mau humor, com ofendida dignidade. Os vaqueiros
riram grosseiramente. A jovem, pela sua parte, fizera visíveis esforços para não
rir. Green, impassível, retomara a sua posição no assento e lamentou-se:
— Desculpe-me, senhora. Realmente, eu não podia supor... Enfim,
senhora... Viu que a culpa não foi minha. Esta carroça acabará por enjoar-me. É
pior que viajar de barco no meio de uma tempestade. Nunca viajou de barco,
senhora? Eu, uma vez, sob uma terrível tempestade. Havia lindas raparigas e
severas senhoras que, devido aos infernais balanços do barco, acabaram por
perder toda a compostura. Ainda me lembro de uma, sentada no meio da
coberta...
— No meio da coberta? Que demónios fazia no meio da coberta com
aquela tempestade?
O jornalista hesitou uma fracção de segundo.
— Servir-me a mim de desculpa para meter conversa, nesta diligência,
com uma amável senhora e uns excelentes cavalheiros. Parece-lhe pouco?
Como acontecera à jovem, a gorda senhora perdera a sua rigidez. Talvez
pensasse que era absurda a sua atitude. Aquele rapaz tinha razão. O caminho
parecer-lhes-ia mais curto e mais suportável falando de coisas divertidas, como
daquela tempestade e das senhoras e meninas que perdiam a compostura
devido ao enjoo.
— Tem a certeza de que foi por causa do enjoo? Não seria por terem
empinado um pouco o cotovelo, jovem?
— Olhe, senhora, talvez por ambas as coisas.
Daquela vez fora a dama gorda e o próprio Green que riram às
gargalhadas. A rapariga limitara-se a sorrir, sempre com uma expressão de
melancolia nos olhos.
— Você é divertido, jovem. Creio que nos entendemos. O meu marido
chama-se Barton e temos um armazém em Casper. Um dos melhores de lá.
— E esta viagem a Cheyenne foi por motivo de negócios? Não me
responda, se me achar demasiado curioso.
— Não, foi por causa do nosso amigo Edwin. Quando aconteceu aquela
desgraça, decidi ir dizê-lo pessoalmente a esta menina. É filha dele.
O jornalista observara como a jovem voltava a cabeça para a janela e
mordia os lábios. Compreendera que a conversa lhe devia ser penosa, pelo que,
com uma discrição que ninguém teria suspeitado nele, procurara desviar a
conversa para outros temas.
— Disseram-me que há bastantes bandidos nesta região, senhora Barton.
Gostaria de conhecer algumas das suas façanhas. Isso interessará os meus
leitores.
O comerciante, cansado sem dúvida do silêncio que mantivera até ali,
rompera o seu prolongado mutismo.
— É melhor não meter demasiado o nariz onde não é chamado. Não creio
que a esses tipos, todos reclamados pela lei, lhes interesse a publicidade.
Alan Green rira.
— Oh, não tenciono publicar-lhes os nomes! Quanto às suas façanhas,
certamente as conhece toda a gente da região. Porque haviam de se incomodar
que as conhecesse um jornalista?
A senhora Barton movera a cabeça com desaprovação.
— Não são coisas para brincar. Desde há algum tempo, os crimes e os
roubos constituem uma verdadeira praga em Casper. Infelizmente, não poderia
publicar nomes, mesmo que quisesse. Ninguém os conhece. O xerife só
conseguiu prender alguns comparsas...
— Segundo parece, acertei na escolha de Casper para residência
enquanto durar a minha reportagem — Comentara o jornalista. — Mas que
roubam lá? Tanto dinheiro há na povoação para que um bando de assaltantes se
dedique exclusivamente a ela?
A ingénua pergunta fizera sorrir o comerciante. Os vaqueiros mostraram
claros indícios de impaciência. A rapariga continuara mergulhada na sua atitude
melancólica e a senhora Barton apressara-se a explicar:
— Ao dizer Casper, referia-me a todos os ranchos dos arredores. Há muito
gado, mas, infelizmente, a maioria dos rancheiros está à beira da ruína. Nem
uma só das expedições que enviam para o Oregão chega ao seu destino.
O comerciante confirmara as palavras da senhora Barton.
— Sim. Ouvi comentar que toda a rota está infestada de ladrões.
— Porque não enviam o gado com uns quantos homens bem armados que
possam defendê-lo dos assaltos?
— Perguntara Green.
O mais velho dos vaqueiros decidira-se então a voltar-se para ele,
iradamente.
— Pensa que estamos à espera que venha um jornalista do Este para
i
d zer-nos o que temos a fazer? Se tivesse de atravessar qualquer dos
desfiladeiros que há na rota do Oregão e ouvisse zumbir as balas junto das ore-
lhas, sem saber de onde vêm, gostaria de ver como utilizava esses flamantes
revólveres que traz à cintura. Alguma vez os disparou?
— Nem Deus o queira! — Apressou-se a responder o jornalista.
— Vá para o inferno, então! — Exclamara o vaqueiro.
— Para que os quer, maldito seja?
Alan Green engolira saliva, sorrindo em ar de desculpa. Empunhara
desajeitadamente um dos brilhantes revólveres, com as coronhas pesadamente
trabalhadas, e murmurara:
— Não me diga que não são bonitos...
O vaqueiro que até então não falara, tirara o chapéu, esfregando-o com
raiva.
— Você é o maior tolo que vi na minha vida. Acabe já de dizer parvoíces
ou prometo-lhe uma tareia de que demorará duas semanas a recompor-se.
Por um segundo, os olhos de Alan Green brilharam.
Voltara a guardar o revólver no espampanante coldre e tentara sorrir.
— Não pensei que se pusessem assim... Se os ofendi em qualquer coisa,
pois...
A senhora Barton não pudera evitar olhar para o jovem com desprezo.
— Meu filho, por esse caminho pouco conseguirá em Casper, salvo
insultos e, talvez, uma tareia. Espero estar presente quando lha derem. Isto não
é Boston, é o Wyoming.
— Tanta diferença faz um lugar do outro?
— Vai vê-lo por si mesmo, filho.
A rapariga, atraída de novo à realidade por causa do incidente, não sabia o
que pensar de tudo aquilo. Refugiada no seu mutismo, observara com feminina
dissimulação o jornalista. Era um homem alto, de ombros largos e feições
pronunciadas, que denotavam mais energia que a que estava a mostrar. Por
mais de uma vez, a jovem julgara surpreender um olhar vivo e trocista nos seus
olhos escuros. Mas devia estar enganada.
— Deixem já o rapaz — Surpreendera-se a dizer. — Cada um é como é...
E os brigões desagradam-me particularmente.
— Obrigado, menina.
Os vaqueiros torceram o nariz. Mary Edwin contemplara o jornalista com
uma mescla de pena e desprezo. E fora naquele preciso instante que os
bandidos apareceram, tentando assaltar a diligência. Esta, uma vez desa-
parecido o perigo, retomou a marcha, tão tragicamente interrompida. Meia hora
mais tarde, sem mais novidades, avistavam a povoação...

II
A diligência entrou em Casper a grande velocidade. Um grupo de rapazes
correu atrás dela, dando gritos de alegria. Era ela o único espectáculo com que
contavam e, salvo caso de força maior, nunca o perdiam.
Para os mais velhos, a chegada da diligência também tinha o seu atractivo.
Por isso, mal o veiculo se deteve na rua principal, ante a casa de postas, um
numeroso grupo de desocupados rodeou-o imediatamente.
A primeira a descer foi a senhora Barton, que olhou à sua volta como se
procurasse alguém. Em seguida agitou a mão em direcção a um homem baixo e
rechonchudo, que tentava abrir caminho entre os curiosos. Era, indubitavelmente,
o senhor Barton. Este, depois de alguns esforços, conseguiu por fim chegar junto
da mulher, que abraçou enquanto ela lhe dava dois sonoros beijos nas faces.
Um indivíduo de estatura média, incrivelmente magro e que ostentava uns
enormes bigodes cinzentos, contemplava a cena um pouco afastado. Ao ver
descer do carro a jovem enlutada, aproximou-se vivamente e estreitou-a nos
braços.
— Mary, pequena, — Exclamou. — Não devias ter vindo.
A rapariga, que até então, ainda que visivelmente emocionada, se tinha
mantido serena, rompeu em violentos soluços.
Esta cena passou inadvertida à maioria dos que ali estavam. A atenção de
todos concentrava-se num homem de elevada estatura, a quem o vaqueiro
sobrevivente entregava a mala com o dinheiro levantado no Banco de Cheyenne.
— Foi um verdadeiro milagre salvá-lo, patrão. Assaltaram-nos a meia hora
de caminho daqui e o pobre Perkins morreu de uma bala...
— Malditos assassinos! Nunca nos veremos livres dessa praga?
O jornalista mantinha-se um pouco afastado, observando o que se
passava, junto do comerciante de quinquilharias. Ambos esperavam a chegada
do xerife, que o condutor mandara chamar. O representante da lei não tardou
muito em apresentar-se, acompanhado por um dos seus ajudantes.
— Que se passou, Stuart? — Perguntou, com expressão fechada.
O condutor relatou sucintamente o acontecido, sem entrar em pormenores.
— Trazemos o cadáver de Perkins — Concluiu. — Os dos três bandidos
ficaram lá.
— Nenhum deles era conhecido?
O condutor da diligência coçou a cabeça com ar contrito.
— Não nos lembrámos de verificar — Disse. — Iam mascarados e, com o
desejo de nos afastarmos dali quanto antes, só pensámos em recolher o corpo
do Perkins e virmo-nos embora.
O xerife franziu a testa e lamentou-se:
— Que se há-de fazer! Tenho de lá ir com uma «posse» e investigar.
Olhou para o jornalista e para o comerciante, que continuavam calados, e
perguntou:
— São os únicos passageiros que trazia a diligência, Stuart?
— Os únicos forasteiros, sim. Vinham também, além do Perkins e do
capataz do senhor Daves, a menina Edwin e a senhora Barton.
— Oh, a Mary Edwin! — Exclamou o xerife. — Pobre rapariga! O doutor
Maynard tinha-me dito que ela continuaria em Cheyenne por enquanto. Deve ser
muito triste para ela. Está completamente sozinha.
Alan Green contemplou o grupo formado pelos Barton, a rapariga e o
indivíduo dos bigodes cinzentos, que se afastavam já para um dos extremos da
rua.
Respondeu distraidamente a algumas perguntas formuladas pelo
representante da lei. Depois, ante a insistência deste por conhecer a sua versão
dos factos, declarou:
— Desculpe, xerife. É a primeira vez que me vejo atacado por vinte
homens em pleno campo... Senti-me tão... Preocupado, que só me lembro de me
esconder o melhor possível debaixo do carro. Não sei exactamente o que se
passou.
O comerciante riu.
— Parece-me que o medo o fez multiplicar o número de bandidos, amigo.
Eram só quatro. Evidentemente, os suficientes para acabar com todos nós, se
não fosse pela acção dos dois vaqueiros e do condutor, que se portaram
estupendamente.
O olhar de Stuart, o condutor, cravou-se Com renovado interesse e
curiosidade no jornalista. Não compreendia aquela obstinação em fazer-se
passar por cobarde e imbecil. Ele sabia muito bem que não era nenhuma das
coisas.
— Falarei convosco mais tarde, se julgar conveniente. Nesse caso,
chamá-los-ei ao meu escritório.
O xerife, dando por findo o diálogo, voltou-se para o seu ajudante e
ordenou-lhe que se preparasse.
— Partimos imediatamente para o lugar do assalto. Tentaremos identificar
esses bandidos.
Alan Green, entre a troça de alguns que tinham ouvido a sua versão do
incidente, dirigiu-se para o Casper Hotel, cuja tabuleta se avistava não longe dali.
Aproximou-se da recepção e pediu um bom quarto.
— O senhor é o jornalista que vinha na diligência de Cheyenne? —
Perguntou o empregado. — Diga-me o que se passou na verdade. Disseram-me
que o senhor o conta de um modo tão realista que uma pessoa tem a sensação
de ter estado presente.
Green pensou que na povoação as notícias corriam rapidamente.
— Noutra ocasião...
Pegou na chave e retirou-se para o quarto que lhe tinham destinado. Não
esteve nele mais tempo que o necessário para pousar a mala, lavar-se e mudar
de roupa. Um fato de fazenda, composto por casaco, colete e calças, ao estilo do
Este, camisa com folhos no peito e um ostensivo laço. Mas não se esqueceu de
colocar os flamantes revólveres. Desceu as escadas lentamente, atravessou o
vestíbulo e dirigiu-se para o bar, que comunicava com o hotel por uma porta de
batentes.
Encaminhou-se para o balcão e dispôs-se a pedir uma bebida. Naquele
momento, alguém lhe deu uma palmada num ombro. Voltou-se e viu o condutor.
— Convido-o para um uísque, rapaz — Disse Stuart.
— De acordo — Aceitou Green. — Mas quero o meu com água. Ouvi dizer
que aqui no Oeste têm o costume de o beber simples. Para mim é demasiado
forte.
Stuart sorriu, trocista.
— Creio que você é capaz de beber trinitroglicerina sem se engasgar —
Disse em voz baixa.
Alan Green contemplou durante um segundo o seu interlocutor. Parecia um
homem honrado e, evidentemente, não podia negar-se que era discreto. Em
nenhum momento tentara descobrir-lhe o jogo à frente dos outros, e isso
agradara ao jornalista.
— Ouça, Stuart — Disse o jovem. — Compreendo que você estranhe o
meu interesse em fazer-me passar por um «paspalhão». Na verdade, não tem
grande importância. No entanto, já que comecei, o melhor é continuar com a
comédia. Ao princípio só pensei em divertir-me um pouco, representando o
género de homens que por aqui julgam ser corrente no Este. Depois pensei que
talvez me conviesse manter a ficção. As pessoas desconfiam menos de um
indivíduo que lhes parece inofensivo e um pouco tolo do que de um que se arme
em esperto. A mim, o que realmente me interessa é que me proporcionem
informações para as minhas reportagens.
Fez uma pausa e observou atentamente a expressão do condutor. Este
coçou a cabeça, pensativo.
— Você é que sabe o que lhe convém, rapaz. Que espécie de informações
deseja, na verdade?
Green deu uma palmada na testa.
— Esquecia-me que você, a conduzir, não podia ouvir a minha conversa
dentro da diligência. O meu propósito é fazer uma série de trabalhos sobre a rude
vida do Oeste.
Principalmente histórias de bandidos... Se não fosse pela morte desse
pobre rapaz, teria considerado uma sorte o assalto que sofremos.
Deteve-se um instante e depois continuou:
— Os roubos de gado de que me falou a senhora Barton podem ser muito
interessantes para os meus propósitos.
Stuart bebeu o uísque de um sorvo e franziu a testa.
— Os roubos de gado podem parecer-lhe a si interessantes, claro. Mas
para esta região são uma verdadeira praga. Tal como os fazem de um tempo a
esta parte, conseguirão arruinar todos os ganadeiros. Sempre louve ladrões que
roubavam de vez em quando um punhado de reses, geralmente poucas,
conduzidas por um ou dois homens. Agora nem uma só cabeça chega ao
Oregão.
— Porque enviam o gado para tão longe? Não poderiam vendê-lo em
Cheyenne, por exemplo? É um percurso muitíssimo mais curto e, portanto, muito
mais fácil de vigiar.
— Em Cheyenne os preços são muito inferiores. Não chegam a metade do
que se consegue em Salem. Além disso, é muito difícil colocar por aqui grandes
manadas.
— Deviam pedir ajuda aos Rurais do Texas, já que o xerife é impotente
para acabar com os foragidos. Ouvi dizer que foram reorganizados depois da
guerra e que vão de qualquer Estado onde os reclamem. Basta para isso uma
petição escrita pelo respectivo governador, dirigida ao Quartel-general, em
Austin.
— Já se fez uma vez — Esclareceu Stuart —, mas os dois agentes que
mandaram apareceram mortos, em pleno campo, poucas horas depois de terem
chegado. Não houve meio de descobrir os assassinos.
O jornalista permaneceu pensativo por momentos. Saboreou um curto
trago de uísque, e, de súbito, mudou o rumo da conversa.
— Gostaria de conhecer a história da Mary Edwin — Disse. — Pelo que
ouvi, o pai morreu recentemente, não é verdade?
— Sim. Outro mistério por resolver. Não se explica por que o mataram. Era
um excelente homem, querido e respeitado por toda a gente em Casper. Por toda
a gente menos o criminoso.
— É certo, então, que o assassinaram? Como foi?
— Pouco posso dizer-lhe a esse respeito. Encontrou-o um rancheiro, o
Gene Guimons, perto da sua própria casa. Tinha dois tiros no peito. Segundo o
doutor Maynard, havia algumas horas que estava morto quando o Guimons o
encontrou, às primeiras horas da manhã. Por isso deve ter sido morto no
princípio da noite anterior.
— Que espécie de tipo é esse Gene Guimons? — Continuou a perguntar
Alan Green.
— Nada de suspeito, se é nisso que pensa. Tem um pequeno rancho e as
suas terras ligam com as do senhor Edwin. Tinham relações amistosas. O
Guimons não sabe grande coisa de ganadaria e pedia frequentemente conselhos
ao vizinho. Há pouco tempo que se instalou em Casper. Dois anos, no máximo.
O condutor despejou o conteúdo do copo e olhou à sua volta.
— É estranho não estar já aqui, porque costuma vir todas as noites. É um
homem alegre e sociável, sempre disposto a pagar uma rodada aos amigos.
Conta com muitas simpatias.
— Gostaria de o conhecer.
— Apresentar-lho-ei na primeira ocasião. Dizem que está apaixonado pela
Mary Edwin. Claro que é um pouco mais velho que ela. Deve andar pelos
quarenta e a Mary ainda há pouco tempo usava tranças.
Alan Green sentiu uma instintiva antipatia por Gene Guimons, a quem nem
sequer conhecia. No entanto, as palavras que pronunciou pareciam indicar o
contrário:
— Não há dúvida de que tem bom gosto.
Stuart riu, assinalando a entrada com um movimento de cabeça.
— Aí o temos, Green. O prometido é devido.
O jovem voltou-se para a porta que dava para a rua. Por ela acabava de
entrar um indivíduo de estatura regular, forte, de cabelos um pouco
avermelhados e olhos pequenos e vivos. Sorria abertamente enquanto olhava à
sua volta, talvez à procura de um amigo.
— Eh, senhor Guimons! — Chamou Stuart. — Chegue aqui, por favor!
Gene Guimons avançou até ao balcão, sem apagar o sorriso do seu
rubicundo semblante.
— Alegro-me por encontrar-te, Stuart — Disse. — Ainda não consegui
saber exactamente o que se passou. Cada pessoa conta o assalto à diligência de
uma maneira diferente. Tentei ver a Mary Edwin, mas parece que estava muito
cansada e não o consegui...
— Apresento-lhe o senhor Green. É um jornalista de Nova Iorque.
Também viajava connosco.
O rancheiro estendeu a mão ao jovem, que a apertou não muito
cordialmente.
— Sim, ouvi falar nisso — Comentou com velada ironia.
— Talvez deva felicitar-me por ter ante mim duas testemunhas
presenciais. Espero que me expliquem o famoso assalto.
Alan Green decidiu voltar ao seu papel de homem pusilânime. Lamentou-
se:
— Ninguém quer acreditar quando afirmo que os bandidos eram pelo
menos vinte. Os outros passageiros dizem que eram quatro, mas não é possível
que apenas quatro disparassem tantos tiros em tão pouco tempo.
Stuart secundou os propósitos do jovem.
— O Green não está acostumado a estas coisas e o susto fê-lo ver mais
bandidos do que os que eram na realidade. Posso assegurar-lhe que eram
quatro e que só um conseguiu escapar com vida.
— Pois os outros três escaparam-se depois de mortos — Disse uma voz
ao lado deles.
O jornalista, o condutor e o rancheiro voltaram-se vivamente. Em frente
deles estava o representante da lei, com um humor levado de mil demónios.
— Es... Escaparam-se? — Murmurou o condutor. — Como é possível?
— No lugar que me indicaram não encontrámos ninguém. Existem sinais
de luta, evidentemente, mas os cadáveres desapareceram. Certamente os
próprios cúmplices os retiraram, para evitar a identificação. Isto, na verdade, ter-
nos-ia facilitado as coisas... Assim... Como diabo não se lembrou nenhum de
vocês de levantar as máscaras que levavam? Parecem todos decididos a
dificultar a acção da justiça. Será que têm medo das represálias do canalha ou
canalhas que dirigem esta organização criminosa?
Guimons, Stuart e o próprio jornalista compreenderam que o xerife tinha
razões para estar irritado. Especialmente Stuart, que era na verdade contra quem
ia dirigida a chuva de recriminações, apesar de o representante da lei se
expressar no plural.
Gene Guimons tossicou. Depois, suavemente, em tom conciliador,
interveio:
— Bom, xerife, não se ponha assim. Ao fim e ao cabo, é natural que não
tenham pensado nisso. A excitação do momento...
— Favas! — Rugiu o xerife. — Não se pode contar com ninguém, essa é a
verdade.
Deu meia volta e afastou-se, sem esperar novas desculpas.

III

Umas fortes pancadas na porta do seu quarto despertaram Alan Green.


Alarmado, o jovem levantou-se rapidamente e empunhou os revólveres. Tímidos
raios de sol entravam pela janela. Não devia ter amanhecido havia muito.
— Quem é? — Perguntou, precavido.
— Stuart.
Só depois de reconhecer a voz do seu visitante se decidiu a meter os
revólveres nos coldres, que estavam pendurados nas costas de uma cadeira, e a
abrir a porta ao condutor. Antes disso pôs um roupão pelos ombros.
— Que se passa, Stuart?
— Desculpe vir acordá-lo tão cedo. Soube que o senhor Daves quer que a
expedição de gado parta dentro de dois dias para o Orégão, e suponho que lhe
interessará a notícia. Se for capaz de convencer o rancheiro a admiti-lo, talvez
encontre no caminho tema para as suas reportagens.
— Oh, sim, claro! — Disse Green, sem grande entusiasmo.
O condutor ficou um pouco surpreendido. Na realidade, pensara que a
notícia agradaria ao jovem.
— O senhor Daves pôs anúncios para recrutar pessoal. Já se
apresentaram bastantes homens, pois ele oferece uma boa recompensa pelo
trabalho. Claro que o senhor Daves faz uma selecção muito rigorosa. Não quer
gente duvidosa na sua expedição.
— Apesar disso, não poderá evitar que se infiltrem nela elementos
indesejáveis.
— Claro. Os ladrões podem estar em qualquer lado. Até você ou eu
poderíamos pertencer ao bando.
— Eu não, asseguro-lho. E creio que você também não — Sorriu Green.
— Também não, evidentemente. Há muitos anos que aqui vivo e todos me
conhecem. Se quiser apresentar-se talvez possa ajudá-lo. A fama que se criou a
si próprio não é das mais indicadas para que o senhor Daves o admita assim às
boas.
— É uma ideia estupenda, Stuart — Aceitou Alan Green. — Obrigado pelo
seu interesse neste assunto. Poderemos ir vê-lo esta tarde.
— Como esta tarde? Não, amigo. Tem de ser agora mesmo. Por isso me
decidi a acordá-lo tão cedo. Precisamente dentro de meia hora partirei com a
diligência para Cheyenne e só volto daqui a dois dias.
— Agora compreendo a sua pressa. Bom... Espere-me no bar do hotel.
Dentro de cinco minutos estarei consigo.
Barbeou-se e vestiu-se num tempo «record». Outra vez o flamante fato
vaqueiro e as reluzentes botas. Com o chapéu na mão, desceu ao bar. Stuart
tomava como pequeno-almoço um uísque duplo, quase sem soda. Notava-se
pela cor da bebida.
— Preparado, Green?
— Preparado, Stuart. Se conseguir que o senhor Daves me aceite o meu
reconhecimento será eterno.
— Deixe-se de frases feitas, Green — Aconselhou Stuart, com crua
sinceridade. — Você e eu compreendemo-nos. Eu a si melhor do que pensa.
Saíram do «saloon» e encaminharam-se para o armazém dos Barton. Era
precisamente ali que o rancheiro estabelecera uma espécie de escritório de
recrutamento.
— Também tenciono tomar parte na expedição — Explicou o condutor
pelo caminho. — Arranjarei um substituto em Cheyenne. Tenho de fazer ver a
certos tipos que não sou nenhum cobarde a quem os bandidos assustam.
— Está a pensar no xerife, não é verdade? Ontem à noite não se mostrou
muito diplomático, convenhamos.
— É um tipo brusco, mas boa pessoa.
Chegados ao armazém, verificaram que Barton oferecia aguardente aos
homens que, sem dúvida, eram os primeiros componentes da expedição.
— Também tu, Stuart? — Perguntou Barton.
— Também eu, Barton — Respondeu o condutor, com um amplo sorriso.
— Entra por ali — Continuou o dono do armazém, indicando uma porta
que abria ao fundo do estabelecimento.
Entraram numa sala pequena, onde se encontravam o senhor Daves e o
seu capataz. Neste reconheceu Green o homem que no dia anterior trouxera o
dinheiro de Cheyenne. Sentados ante uma mesa, ambos pareciam comentar
algo, inclinados sobre uns papéis onde deviam figurar os nomes dos que se
tinham apresentado até então.
O rancheiro olhou para os recém-chegados Um olhar frio, duro e
impessoal. Alan Green compreendeu que aquele homem de feições enérgicas,
onde se destacavam as hirsutas sobrancelhas, era de um carácter violento e
obstinado.
— Olá, Stuart! — Saudou com quanta amabilidade lhe foi possível,
omitindo deliberadamente o jornalista. — Alegro-me por se decidir a
acompanhar-nos. Preciso de gente de confiança e tornou-se muito difícil saber
quem o é nesta povoação.
— Agradeço-lhe que pense assim de mim, senhor Daves.
Este tomou nota no papel e preparou-se para entregar a Stuart o
adiantamento correspondente ao seu alistamento.
— Também o meu amigo quer tomar parte na expedição, senhor Daves —
indicou o condutor. — Veio connosco na diligência e...
— Sim, sim — interrompeu o rancheiro. — Trata-se de um jornalista. Já
ouvi falar nele.
Havia tal desprezo nas palavras do rancheiro que Stuart temeu que Green
abandonasse o seu papel e respondesse com a violência que o comentário
merecia. No entanto, ouviu-o responder calmamente:
— Sim, senhor Daves. Se me permitir acompanhá-los, poderei escrever
qualquer coisa interessante para o meu jornal. Por outro lado, daria a conhecer a
milhares de leitores o valor dos rancheiros de Casper na sua luta contra os
ladrões de gado.
Se pretendia dirigir-se à vaidade de Daves, enganou-se. Este acentuou o
seu ar de desdém.
— A opinião que possam ter de mim, os quatro imbecis que compram o
seu jornal não me interessa, senhor.
— Talvez tenha razão. No entanto...
Como Green se interrompesse, Stuart interveio:
— O rapaz não estorvará. Eu respondo por ele, senhor Daves.
O rancheiro encolheu os ombros.
— Não compreendo o teu interesse, Stuart, mas se respondes por ele, não
vejo inconveniente. Fica admitido.
No momento em que Green se dispunha a agradecer, Mary Edwin entrou
na sala. Saudou brevemente todos os presentes e dirigiu-se vivamente ao senhor
Daves. Vestia umas cingidas calças vaqueiras, camisa escura e o chapéu que
tinha na mão tinha uma estreita fita negra.
— Que desejas, Mary? — Perguntou o rancheiro, sorridente.
— Venho dizer-te que acompanharei o gado do meu rancho.
O rancheiro olhou-a com assombro. No entanto, a sua voz e a sua
expressão tinham-se suavizado quando se dirigiu a ela.
— Sabia que tinhas chegado e tencionava ir ver-te esta tarde, pequena —
Disse. — Não devias ter deixado o colégio tão cedo. O doutor Maynard disse-me
que te tinha escrito, aconselhando-te a ficar em Cheyenne até acabares o curso.
— Eu sei que o papá não teria gostado disto. Ele ocupava-se
pessoalmente de tudo. Agora substitui-lo-ei.
A rapariga estava tensa. Ao nomear o pai pareceu prestes a romper em
soluços, mas conseguiu dominar-se. Alan Green teve de admirar a força que se
ocultava sob o seu aspecto delicado.
— Bem, pequena — tossicou Daves — isso prova que és uma rapariga
corajosa. Deves ser também razoável e compreender que isto não é coisa de
mulheres. Levaremos várias semanas a chegar ao nosso destino. É melhor
mandares o gado do teu rancho com o Dorsey, o teu capataz.
Mary Edwin insistiu:
— Não me assusta a viagem. Sei montar a cavalo como qualquer
vaqueiro. Além disso, se me cansar, sempre posso continuar nos carros. Terão
de levar pelo menos três, com as cozinhas e as provisões.
— Escuta Mary, não se trata de uma pacífica excursão pelo campo —
Objectou o rancheiro, em cuja voz se notava de novo uma nota de impaciência.
— Durante o caminho é mais que provável que sejamos atacados. A expedição
será composta por umas seis mil cabeças de gado. Uma grande fortuna, como
vês. E, evidentemente, uma grande tentação para os ladrões.
— Não serei uma carga inútil. Se na luta houver feridos, servirei de
enfermeira. Isto além de que sei manejar um revólver. De qualquer modo,
ninguém me pode discutir o direito de vigiar o que me pertence. A minha manada
é uma das mais numerosas da expedição. Porque não hei-de tomar parte nela?
Sem esperar resposta, a jovem abandonou a sala. O rancheiro, furioso,
descarregou um violento soco sobre a mesa.
— Mulheres! — Rugiu. — Sempre dispostas a complicar as coisas.
Alan Green saiu apressadamente atrás de Mary Edwin, que alcançou
quando ela dava ordens ao cocheiro negro para levar a caleche que a
transportara do rancho ao armazém dos Barton.
— Espere-me lá, por favor.
— Posso falar-lhe um momento, menina Edwin?
A rapariga olhou para ele sem nenhum entusiasmo.
— Oh, é você!
Alan Green encontrara-a ainda mais bonita que no dia anterior. A
indumentária masculina fazia-a parecer um rapaz e os seus louros cabelos
brilhavam como ouro sob os raios do sol. A discussão com Daves tinha-a sufo-
cado, dando uma cor maravilhosa às suas faces. Os seus olhos brilhantes
pareceram ao jovem de um azul mais intenso.
— Queria dizer-lhe, menina Edwin, que eu também vou na expedição.
Mal pronunciou estas palavras, Alan Green pensou que tinha dito uma
estupidez. Que podia importar-lhe a ela que ele fosse ou deixasse de ir. A
expressão desdenhosa que se esboçou nos lábios da jovem fê-lo compreender
que se estava a portar como um tolo.
— Não lhe parece demasiado perigoso, senhor...?
— Green, Alan Green, lembre-se. Apresentámo-nos ontem, na diligência.
— Sim.
Green, sem se poder conter, mais irritado consigo mesmo que com a
rapariga, continuou em tom agressivo:
— Claro que me parece demasiado perigoso, menina. Mas não para mim.
Para si. Não é uma aventura para rapariguinhas.
— Não sou uma rapariguinha! Tenho quase vinte anos e...
O jovem regulou os seus passos pelos curtos e rápidos da sua
interlocutora.
— Não espero que faça mais caso da minha opinião do que fez da do
senhor Daves. Se me aproximei de si foi só com a intenção de dizer-lhe que pode
contar comigo. Estarei sempre disposto a ajudá-la e a defendê-la, em caso de
necessidade. Não sou tão inútil como supõe...
Deteve-se. Esperava uma observação trocista por parte da jovem e ficou
assombrado quando ela replicou vivamente:
— A sua atitude nunca me enganou, Green! Sempre suspeitei que
representava uma comédia. Quando o Stuart comentou que a sua intervenção
nos tinha salvado dos bandidos, compreendi que tinha acertado. O Stuart não
estava a troçar de si. Era absolutamente sincero.
O entusiasmo da rapariga, orgulhosa da sua perspicácia, fez sorrir Green.
Sentia-se contente. No fundo, repugnava-o a ideia de passar ante ela como um
cobarde.
— Olhe, menina Edwin, a verdade é que...
Dispunha-se a dar-lhe a mesma explicação que dera ao condutor sobre os
motivos que o levavam a passar por um fantoche sem ponta de coragem. No
entanto, não pôde fazê-lo. A rapariga deteve-se em frente da última casa da rua,
em cuja porta se via um cartão com o nome do doutor Maynard, e disse:
— Fico aqui, com o tio «Doc». Bons dias.
— O doutor Maynard é seu tio?
— Na realidade, não tem nenhum parentesco comigo. Mas era muito
amigo do meu pai. Estava sempre em minha casa. Desde pequena que me
habituei a chamar-lhe tio e agora continuo.
— Tenho precisamente de ver o doutor Maynard, menina Mary. Um amigo
de Boston conhece-o muito bem e encarregou-me de lhe fazer uma visita.
— Que casualidade! — Exclamou a jovem, não muito segura de que o
jornalista falasse verdade, pois julgara descobrir um tom trocista nas suas
palavras.
A porta abriu-se antes que lá chegasse. No umbral apareceu a maciça
figura de Gene Guimons, o qual, ao ver Mary Edwin, avançou para os dois jovens
e pegou nas mãos da rapariga, num gesto carinhoso e protector.
— Por fim a encontro, Mary! Tenho estado a tentar vê-la desde que soube
da sua chegada. Ontem estive no seu rancho e disseram-me que se tinha
retirado para descansar. Esta manhã voltei e já tinha saído. Supus que viria a
casa do doutor, por isso cheguei primeiro. Já me ia embora, mas pensava voltar
mais tarde.
Enquanto falava, Gene Guimons envolvia a rapariga num ardente olhar.
Mary Edwin, por sua parte, mantinha um sorriso um pouco forçado. Retirou
bruscamente as mãos, que o rancheiro não parecia disposto a soltar, e
desculpou-se:
— Lamento não ter podido recebê-lo ontem. Realmente estava muito
cansada.
Alan Green, ao notar a pouca simpatia que a jovem mostrava pelo seu
admirador, sentiu-se satisfeito e até achou Gene Guimons muito menos
antipático que na véspera.
— Não quero detê-la ao sol, Mary — Disse Guimons.
— Entremos e poderemos falar um pouco.
Só então pareceu reparar na presença de Alan Green e exclamou:
— Caramba! É o nosso jornalista. Então, já lhe passou o susto de ontem?
Green limitou-se a sorrir, e Guimons adoptou um ar afável ao dizer-lhe:
— Mais tarde vemo-nos no saloon e tomamos qualquer coisa.
Fez um gesto de despedida e deu o braço a Mary Edwin, para conduzi-la
ao interior do edifício. A jovem retirou-o.
— O senhor Green também vem visitar o tio «Doc»
O rosto de Gene Guimons mostrou assombro e desagrado.
— Conhece o doutor Maynard ou vem consultá-lo? É possível que o medo
o tenha posto doente.
Alan Green, com um sorriso aparvalhado que pôs indignação nos belos
olhos femininos, respondeu:
— Oh, não, não estou doente! Também não conheço o doutor. Trago-lhe
cumprimentos de um amigo dele. Também é médico e foram companheiros de
estudo...
Enquanto falava, avançou para a porta, abriu-a e afastou-se para um lado,
para dar passagem a Mary Edwin.

IV

No doutor Maynard reconheceu o homem de grandes bigodes cinzentos


que tão carinhosamente recebera a jovem à chegada da diligência. Saudou com
amabilidade o jornalista e mostrou-se encantado por receber notícias daquele
amigo que não via, segundo disse, havia muitos anos. Depois pediu a Alan
Green que voltasse à hora do almoço, para comer na companhia dele e de Mary
Edwin.
— Assim falaremos com mais calma — Acrescentou. — Para mim será um
prazer recordar velhos tempos. Agora tenho de deixá-los para ir ver um doente.
Mary Edwin parecia encontrar-se ali como em sua própria casa.
Imediatamente após a saída do médico, alegou que ia ajudar a velha Cathy, a
criada negra, a preparar o almoço, e desapareceu, com evidente desgosto de
Gene Guimons. Este tentou em vão fazer-se convidar também, mas as suas
pouco veladas indirectas tropeçaram com a distracção real ou fingida do médico.
Assim, não teve outro remédio senão despedir-se e sair da casa ao mesmo
tempo que Alan Green.
Ambos caminharam em silêncio durante um pedaço.
— Tenciona ficar muito tempo em Casper, rapaz? — Perguntou Guimons.
— Creio que sim. Casper conta para mim com muitos atractivos, entre os
quais se encontra a menina Edwin.
Green expressou-se dessa maneira, consciente de que irritaria Guimons, o
que conseguiu de modo absoluto. O rancheiro replicou ameaçadoramente:
— O melhor é mudar de ares quanto antes. Entretanto, não se meta com
essa menina. Está comprometida.
— A sério? — Exclamou o jornalista, com ar inocente.
— A mim pareceu-me... Enfim, não quero pecar por presunção, mas
juraria que não lhe sou de todo indiferente.
O rosto do rancheiro ficou lívido de ira, mas o jornalista, como se nada
tivesse notado, continuou com calma:
— Sabê-lo-ei, de todos os modos, à hora do almoço.
Gene Guimons pegou violentamente num braço de Alan Green e obrigou-o
a deter-se. Olharam-se cara a cara. Na atitude de Guimons espelhava-se o
desejo de se lançar sobre o outro.
Green, completamente indiferente, não parecia notar a agressividade
manifesta do seu interlocutor.
— Não precisa de saber nada — Mastigou com raiva o rancheiro. — A
Mary será minha mulher e não consentirei que ninguém se interponha entre nós.
— Ela já lhe disse que o quer, Guimons?
Alguns curiosos tinham-se detido perto dos dois homens, atraídos pela
perspectiva de uma boa luta. Guimons notou-o e conseguiu dominar-se com
esforço. Separando-se bruscamente do jornalista, afastou-se a grandes
passadas.
O jornalista pensou que a fama de homem sociável e de bom carácter que,
segundo Stuart, Guimons gozava em Casper, não correspondia à realidade. Os
ciúmes que, deliberadamente, provocara nele, tinham descoberto o seu
verdadeiro modo de ser, duro e agressivo.
Green empregou o tempo que lhe restava até à hora do almoço em
percorrer a povoação. Entrou em alguns saloons e tentou entabular conversa
com quantos desocupados encontrou no caminho. Isto não lhe foi difícil, pois já
toda a gente estava inteirada da falta de coragem daquele jornalista de Boston e
estavam dispostos a troçar dele, divertindo-se à sua custa.
Com hábeis perguntas, Alan conseguiu uma informação bastante completa
sobre as pessoas mais destacadas de Casper. Soube que os ranchos de mais
importância eram o de Daves e o de Edwin. Toda a gente lamentava a morte
deste último. Quanto a Daves, era também apreciado e temido ao mesmo tempo
por causa do seu feitio violento. Noutro tempo fora rival de Edwin. Este, mais
feliz, conseguira conquistar a mulher que ambos amavam e desse casamento
nascera Mary. Desgraçadamente, a mãe sobrevivera pouco tempo ao
nascimento da filha.
Green pensou na possibilidade de ter sido Daves o assassino do seu
amigo rival. Ninguém parecia admitir a hipótese, pois os dois homens tinham-se
reconciliado havia muito tempo e viviam em boa harmonia. No entanto... Daves
era capaz de chegar ao crime num momento de ira, e ainda mais se fosse
esporeado pelo ódio, que talvez dormisse ainda no fundo da sua alma.
Os outros rancheiros da região eram muito menos importantes. Gene
Guimons possuía menos cabeças de gado que ninguém, e tinha fama de ser
pouco entendido em ganadaria. Todos criticavam a maneira como explorava o
rancho, o excesso de pessoal que empregava para tão poucas reses, e
prognosticavam uma ruína mais ou menos próxima ao inexperiente rancheiro.
Apesar disso, apreciavam-no e consideravam-no uma excelente pessoa.
Entretido nas suas averiguações, o tempo passou rapidamente para ele.
Quase se assombrou ao verificar que eram horas de ir a casa do doutor
Maynard. Encaminhou-se apressadamente para lá e entrou a passo vivo.
O almoço decorreu entre discussões. Maynard, inteirado sobre os projectos
da sua protegida de tomar parte na expedição de gado, tentou convencê-la de
que aquilo era uma loucura.
Alan Green apoiou o doutor e a jovem acabou por guardar silêncio,
disposta, ao que parecia, a renunciar.
— É melhor, filha. Ter-me-ias dado um desgosto insistindo nos teus
propósitos. Deixa ao Dorsey e aos seus homens esse trabalho.
Quando terminaram o almoço o doutor disse:
— Venha para o meu escritório, Green. Contar-lhe-ei algumas coisas que
podem ser interessantes para o seu jornal. Tu, Mary, vai para junto da Cathy.
Não é bom para uma rapariga com tanta imaginação como tu ouvir histórias de
violências e crimes.
— Está bem, tio «Doc» — Replicou a jovem, sem conseguir dissimular a
sua irritação. — Vejo que continuas a considerar-me uma criança.
— Claro que sim — Riu Maynard. — Uma mulher não tem essas ideias
descabeladas que te ocorrem a ti. E insisto acerca do que disse. Falarei com o
senhor Daves para que não te admita na expedição.
Sem esperar resposta da ofendida rapariga, o doutor fez entrar Green para
o escritório e fechou a porta.
— Bom — Disse. — Agora podemos falar com tranquilidade.
Durante cerca de uma hora os dois homens permaneceram no escritório.
Quando saíram, Cathy comunicou-lhes que Mary tinha partido havia bastante
tempo.
— Sabe para onde foi? — Perguntou Green.
— Sim, disse-me que voltava para casa.
Alan Green voltou-se para o doutor.
— O rancho da menina Edwin fica muito longe? — Perguntou.
— Não.
— Então já deve lá estar. Tinha o carro no curral dos Barton.
O doutor Maynard fixou no jornalista um olhar um tanto trocista.
— Pensava ir vê-la? — Perguntou. — O caminho não tem que enganar.
Siga pela estrada que começa no fundo desta rua. As primeiras casas que vir, a
umas três milhas, são o rancho dos Edwin.
Green abanou a cabeça.
— Não — Disse. — Não tencionava ir vê-la.
Ficou um momento pensativo e acrescentou:
— Não lhe parece que a menina Edwin pode correr perigo? Talvez a
mesma pessoa que lhe assassinou o pai...
O doutor negou energicamente.
— Não — Disse. — Não me parece. Pelo menos por agora. Além disso,
ela não está realmente sozinha. A maioria dos homens que tem ao seu serviço
viram-na nascer e deixar-se-iam matar para a defender.
Ainda que não compartilhasse da segurança do médico, Alan Green não
fez mais objecções. Despediu-se e dirigiu-se para o hotel, sem passar pelo bar.
Ao entrar no quarto notou imediatamente que alguém ali tinha estado e
revistado, com mãos bastante desajeitadas, a sua escassa bagagem. Franziu a
testa perguntou a si mesmo quem e por que motivo desconfiava dele. Era
evidente que não fora a intenção de roubar que ali levara o intruso, pois nada
tinha levado.
Fechou a porta à chave, para evitar que alguém o incomodasse, sentou-se
em frente da mesa de pinho que fazia parte do tosco mobiliário e começou a
escrever. Encheu umas quantas folhas com a sua letra miúda e clara e fechou-as
num sobrescrito dirigido ao Informer.
Feito isto meteu-o no bolso e desceu ao vestíbulo. O empregado olhou-o
ironicamente, mas não fez qualquer comentário. Green dirigiu-se-lhe para
perguntar quem poderia alugar-lhe um cavalo, enquanto não comprava um.
— No fim da rua fica o Marlowe. É o estábulo público. Costuma ter cavalos
para alugar e até para vender. Mas não lhe aconselho que lhe compre nenhum.
Tentará enganá-lo com qualquer penco.
Green passou por alto a clara alusão do seu interlocutor a respeito do seu
suposto desconhecimento de cavalos. Agradeceu e dirigiu-se para os correios.
Quando saiu, depois de ter registado a avultada carta, caminhou
lentamente ao longo da rua, passou em frente da residência do doutor Maynard e
deteve-se em frente da casa que o recepcionista do hotel lhe tinha indicado.
As negociações para o aluguer do cavalo foram curtas. Green pagou o que
lhe pediam sem regatear, mesmo sabendo que o outro o estava a enganar, e
montou a pileca objecto da transacção. Pouco depois cavalgava a passo em
direcção ao rancho da menina Edwin.
Ao avistar os edifícios do rancho, fez alto. Não tinha intenção de chegar até
lá. Só tinha querido dar um passeio a cavalo e aquele rumo atraía-o mais que
qualquer outro.
Enquanto regressava à povoação pensou que tinha de procurar um bom
cavalo. Iria ao armazém dos Barton. Certamente lhe diriam quem lho poderia
proporcionar.
Já perto das primeiras casas descobriu um grupo de homens que avançava
para ele. Iam a pé, o que não deixou de achar estranho. Mas o que mais lhe
chamou a atenção foi a atitude suspeita daqueles indivíduos. Deteve-se com o
pretexto de acender um cigarro. Na berma do trilho havia um alto monte de
pedras que poderia servir-lhe de parapeito.
Saltou subitamente do cavalo, deixou-se cair por terra e rolou sobre si
mesmo. Soaram alguns secos estampidos, mas Alan Green tinha já alcançado o
refúgio que lhe ofereciam as pedras e disparava contra os seus agressores.
O cavalo, assustado, galopou para a povoação, abandonando o cavaleiro
em tão crítica situação. Certamente era um animal a quem atraía mais a
cavalariça que o silvo das balas.
Os atacantes, ao comprovarem que se defendia com tanta decisão e
arrojo, retrocederam e protegeram-se atrás das traves de um curral, e dali
continuaram a fazer fogo.
Os revólveres tinham entabulado o seu terrível diálogo de morte.
No entanto, o combate não durou muito. Atraídos pelo ruído da luta, alguns
curiosos começaram a aproximar-se. Ainda que ninguém tentasse intervir,
preferindo manter-se fora das linhas de fogo, os agressores, sem dúvida para
evitar serem reconhecidos, escaparam-se rapidamente.
Quando chegou o xerife só ali estava meia dúzia de pessoas que
comentavam o incidente.
Alan Green, desejoso de evitar explicações, evaporara-se tão depressa
como os seus adversários...

No dia seguinte, Alan Green encontrou-se no bar do hotel com Gene


Guimons, que parecia desejoso de apagar a impressão que a sua belicosa
atitude pudesse ter causado no jornalista. Estava já inteirado de que o jovem
acompanharia os vaqueiros.
— Parece que a sua coragem aumentou muito — Comentou sorridente.
Alan Green encolheu os ombros.
— Quase que é precisa mais coragem para viver em Casper que para
acompanhar essa famosa expedição — Disse. — Ontem à tarde houve um
tiroteio terrível, perto da povoação. Não sabia? Eu passeava tranquilamente pelo
caminho que vai dar ao rancho dos Edwin e por pouco me atingiam. Felizmente
pude ocultar-me atrás de uma pedra.
O assombro de Guimons pareceu a Green completamente fingido,
confirmando-se a sua suspeita de que o ciumento rancheiro podia ter querido
livrar-se dele da maneira mais rápida.
— Suponho que também virá connosco, não? — Perguntou.
— Não — Replicou Guimons. — Vendi há pouco umas reses em
Cheyenne e tenho agora pouco gado. Tentei inutilmente ajudar os outros
enviando alguns dos meus homens, que se prestaram a isso voluntariamente,
mas o Daves é um tipo estranho. Só quer gente que conheça de toda a vida.
Admira-me que o tenha admitido a si, Green.
— Apresentou-me o Stuart, o condutor da diligência, como sabe.
Simpatizou comigo e prestou-se a responder por mim. Não tem entre os seus
homens ninguém de Casper, Guimons?
O rancheiro olhou para o seu interlocutor com ar de suspeita.
— Não — Respondeu por fim. — Quando me instalei aqui trouxe o
capataz, um homem que conhecia havia algum tempo. Ele encarregou-se de
arranjar o pessoal necessário. Eu não entendia grande coisa desta espécie de
negócios.
Com indiferença, como se tentasse por cortesia manter uma conversa que
não lhe interessava grandemente, Alan Green perguntou:
— Como se lembrou de dedicar-se a isto?
Gene Guimons riu.
— Há quem se tenha feito rico com a ganadaria. Talvez eu mesmo tivesse
conseguido sê-lo com um pouco de sorte. Mas não foi assim. Esses malditos
bandidos estão a arruinar-nos a todos.
Alguém chamou o rancheiro, que se apressou a deixar o jornalista. Este
não pareceu lamentá-lo. A afirmação de Guimons de que ficaria na povoação não
deixava de o preocupar por causa de Mary Edwin. Lamentava ter apoiado o
doutor Maynard para convencê-la de que devia desistir de tomar parte na
expedição. Talvez corresse um perigo maior ali que acompanhando os seus
homens na longa viagem até ao Oregão.
— Maldição! — Exclamou.
Que Gene Guimons não era de modo algum o homem amável e cordial, de
bom carácter, que todos em Casper supunham, estava fora de dúvidas. Se se
convencesse finalmente de que eram inúteis as suas tentativas para conquistar o
amor da jovem pelas boas, não hesitaria em empregar qualquer meio para
conseguir os seus propósitos. Que melhor ocasião poderia apresentar-se-lhe que
aquela longa temporada em que os melhores homens de
Casper estariam fora da povoação? Se ao menos a jovem consentisse em
ficar em casa do médico!
Com esta ideia abandonou o bar e pediu ao moço das cavalariças do hotel
que lhe preparasse o seu cavalo. Era um belo alazão que Barton, o dono do
armazém, consentira em ceder-lhe a troco de bom dinheiro. Green estava
contente com o animal, dócil, poderoso e inteligente. Precisamente o que ele
necessitava.
Galopou para o rancho dos Edwin e tentou ver a rapariga. Não o
conseguiu. Disseram-lhe que a menina Edwin passara a manhã ocupada com os
preparativos para enviar o gado na expedição e que se encontrava muito
cansada. Green teria jurado tê-la visto sentado no pórtico quando se aproximava,
e que se retirara precipitadamente ao notar a sua presença. Insistiu sem
resultado positivo. Sem dúvida as ordens dadas pela jovem eram terminantes.
Alan Green, de mau humor, voltou a garupa e iniciou o regresso. Não podia
negar que a rapariga lhe agradava. Que a simpatia que lhe tinha demonstrado no
dia anterior o enchera de satisfação.
No entanto, aparentemente, tratava-se de uma menina caprichosa. Não
devia preocupar-se tanto com ela. Certamente estaria até disposta a casar-se
com Guimons e até era possível que a afirmação deste de que ela estava com-
prometida com ele fosse verdadeira. E se não o era, tudo o que de desagradável
pudesse suceder-lhe era bem merecido, por não ter consentido em recebê-lo,
nem mesmo por um instante.
Inconscientemente, embebido nos seus desagradáveis pensamentos,
esporeou o cavalo sem piedade. O bravo alazão encabritou-se e empreendeu um
veloz galope, que o jovem abrandou com mão segura. Qualquer pessoa que o
tivesse observado teria sabido que o jornalista, apesar de tudo, era um
consumado cavaleiro.
Quando chegou ao hotel, entregou o cavalo ao moço e pediu-lhe que o
tratasse bem.
— Seque-o e dê-lhe um bom penso — Ordenou.
Para animar o moço a obedecer-lhe, pôs-lhe uma moeda de prata na
rugosa mão.
— Não se preocupe, senhor.
Ao ouvir o ruído feito pela chegada da diligência, aproximou-se do veículo.
Stuart cedeu o seu lugar ao substituto que trouxera de Cheyenne e juntou-se a
Green.
— Que novidade há? — Perguntou, enquanto se dirigiam ao saloon. —
Suponho que os preparativos para a expedição devem estar já muito adiantados.
Na diligência vieram mais dois homens para tomarem parte nela.
— Sim? — Perguntou Green sem muito interesse. — O senhor Daves
também foi a Cheyenne recrutar gente?
— Não são de Cheyenne — Respondeu Stuart —, mas sim de Sun Valley.
Parece que o Daves tem lá alguns amigos e pediu-lhes que mandassem um par
de homens de confiança que conheçam bem aquela região. Trata-se das
passagens mais perigosas que temos de atravessar. O terreno é acidentado e
oferece aos ladrões boas ocasiões de atacarem sem se exporem demasiado.
Aproximaram-se do balcão e pediram uísque.
— Para este senhor — Disse Stuart —, já sabes... fraquinho...
— Não, hoje bebê-lo-ei puro. Quero acostumar-me.
Stuart olhou para ele e sorriu compreensivamente. Ia formular um
comentário referente a tão plausível decisão, quando dois desconhecidos
entraram na sala e se aproximaram também do balcão.
— Olhe, Alan, são esses — indicou Stuart.
Os indivíduos, a julgar pelo seu aspecto, eram dois rudes vaqueiros.
Traziam espingardas e da cintura de cada um pendiam dois revólveres.
— Caramba! — Exclamou Green. — Vêm bem armados.
— Não será demais — Disse o condutor. — Espero que o Daves dê
espingardas a quem não as tem. Vou pedir-lhe uma.
— Peça outra para mim, Stuart. Prefiro que o faça você. Se for eu, tenho a
certeza de que não ma dará. O senhor Daves continua a considerar-me pouco
apto para o emprego de certas armas.
Gene Guimons, que tinha entrado no bar, ouviu as palavras de Green.
— É possível que o Daves tenha razão em temer pôr uma espingarda nas
suas mãos, Green — Comentou o rancheiro, rindo. — Você não me parece muito
entendido em armas de fogo.
— Claro — Admitiu Green. — Espero não ter de utilizá-la, mas faz bom
efeito colocada na sela.
Ouviram-se algumas gargalhadas e comentários trocistas, aos quais Green
não prestou atenção. Stuart, com uma expressão indefinível no rosto, abandonou
a sala, enquanto Guimons, subitamente interessado nos forasteiros, deixou o
jornalista e aproximou-se deles.
— São meus convidados, rapazes. Que vieram fazer aqui?
Os rudes vaqueiro responderam de boa vontade ao interrogatório.
— Contrataram-nos para tomar parte em certa expedição de gado. Parece
que partimos amanhã. Sabe alguma coisa a respeito disso?
— Efectivamente. Boa paga?
— Magnífica, se tivermos cm conta como andam as coisas por aí.
Obrigado pelo seu uísque, senhor.
Ainda falaram de diversas coisas antes que os vaqueiros voltassem as
costas ao rancheiro e saíssem do bar. Só então, Green, talvez receoso de que
Guimons o fizesse de novo alvo das suas troças, bebeu o seu uísque e retirou-se
para o quarto.
Uma vez lá dedicou-se a escrever, como tinha feito no dia anterior, durante
mais de uma hora.
Era já de noite quando saiu do hotel com o sobrescrito dirigido ao Informer
e se dirigiu para os correios. Um homem, colocado perto da porta, oculto na
sombra, vigiou os seus passos sem que o jornalista o notasse, mas não tentou
atacá-lo.
V

Antes de amanhecer começou em Casper uma grande actividade. Toda a


gente queria assistir à partida da expedição e a maioria dos habitantes reuniu-se
nos arredores da povoação.
Era impressionante o aspecto da imensa manada que os capatazes e
vaqueiros dos diversos ranchos tinham reunido. Os homens percorriam os
flancos do enorme rebanho composto por umas seis mil cabeças de gado. Os gri-
tos dos vaqueiros, os mugidos, os relinchos dos cavalos, o bater das patas e dos
cascos contra o solo, faziam tal ruído que os capatazes tinham de gritar para
fazerem ouvir as suas ordens.
Por fim, a manada pôs-se em marcha. Guardavam-na trinta homens bem
armados e atrás dela seguiam dois carros-cozinhas conduzidos por dois velhos
vaqueiros, um dos quais fazia de cozinheiro. Um carro pertencia ao rancho de
Daves e o outro ao de Edwin.
Alan Green cavalgava ao lado de Stuart, no flanco direito da manada. À
frente deles ia Daves, acompanhado por dois vaqueiros que tinham querido
tomar parte activa na expedição. Os outros tinham-se limitado a enviar o gado
com um capataz e um ou dois vaqueiros.
A jornada decorreu monótona, numa caminhada só interrompida por um
par de horas, ao meio-dia. A pradaria estendia-se até ao horizonte, como um mar
verde, onde as altas ervas, agitadas por um vento incessante, pareciam ondas.
Era já noite fechada quando se detiveram para acampar. Os homens,
habituados a longas cavalgadas, não pareciam cansados. Brincavam entre eles e
ouviram-se mesmo algumas canções, enquanto o cozinheiro preparava as
fogueiras e assava grandes pedaços de carne.
Muitos dos homens que em Casper tinham troçado do jornalista,
contemplavam-no agora com uma surpresa que fez Green sorrir. Tinham
esperado vê-lo abandonar o cavalo a meio do caminho, rendido pela fadiga, para
procurar refúgio nas carroças. Longe disso, parecia sentir-se muito bem.
Sentado, como os outros, perto do fogo, devorava com bom apetite a ração de
carne que lhe correspondera. Além disso, durante o trajecto tinham-no visto
evolucionar com o seu alazão como um verdadeiro vaqueiro para devolver à
manada algumas reses tresmalhadas.
Duck, um dos que mais tinham troçado dele na povoação, aproximou-se
com ar ameaçador.
— Parece-me que nos tens estado a enganar, amigo
— Disse. — Mas não penses que te vais rir de nós. Aqui não gostamos de
traidores.
Alan Green terminou o seu pedaço de carne, levantou-se lentamente e
encarou o vaqueiro.
— Eu não sou nenhum traidor — Replicou com voz firme.
— Isso vais ter de prová-lo — Contradisse Duck sem depor a sua atitude
agressiva. — De contrário...
— De contrário, o quê, Duck?
Este, sem responder, segurou Green por um ombro.
— Tira-me essa suja mão de cima — Avisou o jovem, sem perder a calma.
Havia tal firmeza e autoridade no tom da sua voz, que o outro hesitou um
momento. No entanto, ao notar que os outros vaqueiros contemplavam a cena na
expectativa, temeu passar por cobarde. Em vez de obedecer, tentou abanar o
jornalista. Este, considerando que já era inútil, pelos vistos, manter o seu papel
de homem fraco e pusilânime, compreendeu que aquela era uma boa ocasião
para mostrar o seu verdadeiro carácter e conseguir um prestígio que talvez lhe
fosse necessário mais tarde.
Com um movimento rápido libertou-se da mão que lhe aprisionava o
ombro, e o seu punho esquerdo, disparado com força, alcançou o queixo do
obstinado vaqueiro. O homem vacilou e retrocedeu alguns passos, mas
conseguiu manter-se de pé. Olhou para o seu adversário entre surpreendido e
furioso.
— Porco jornalista — Cuspiu entre dentes. — Vais pagar-me isto com
juros.
Avançou lentamente. Duck era um tipo corpulento. Os seus ombros largos
e o seu pescoço de touro denotavam uma força pouco comum.
— É fácil dar uma pancada de surpresa — continuou.
— Mas agora vais ver o que é bom, filho de cadela.
Green não se moveu enquanto observava o avanço do seu adversário.
Conhecia a maneira de lutar dos homens que confiavam unicamente na força e
sabia que, quando estivesse a uma distância conveniente, se lançaria sobre ele
para tentar derrubá-lo.
Precisamente no momento em que Duck se detinha para lançar todo o
peso do seu corpo contra ele, Green precipitou-se de cabeça baixa ao encontro
do seu adversário. Os seus punhos martelaram os flancos do seu inimigo, que se
dobrou para a frente, lançando um surdo gemido.
No entanto, o jornalista calculara mal a resistência daquele colosso. Não
retrocedeu a tempo, seguro de que a pancada o derrubaria, mas o vaqueiro
conseguiu manter-se de pé e lançou-se sobre Green em busca de um corpo a
corpo em que a superioridade do seu peso lhe daria uma indiscritível vantagem.
Durante uns minutos lutaram indecisamente. Por fim, a vitória pareceu
inclinar-se para Duck. Tinha conseguido rodear o adversário com um dos seus
poderosos braços, enquanto com a outra mão, apoiada no queixo, lhe dobrava a
cabeça para trás.
Alan Green contraiu todos os seus músculos e colocou as mãos no peito
do vaqueiro, como se tentasse afastar-se dele. Mas, de súbito, cessou os seus
esforços e deixou-se cair pesadamente para trás.
Duck, ao cessar repentinamente a resistência do seu adversário, perdeu o
equilíbrio e os dois homens rolaram por terra. Alan Green, muito mais ágil,
conseguiu, com um hábil movimento, colocar-se por cima. Os seus dedos, como
garras de aço, rodearam o pescoço do vaqueiro, que manteve durante um bom
pedaço de costas no solo, respirando dificilmente. Depois largou-o e levantou-se
de um salto. Não desejava causar-lhe um mal sério, mas sim demonstrar a sua
superioridade na luta.
O homem permaneceu algum tempo no solo, enquanto a sua respiração
recuperava o ritmo normal. Depois levantou-se. Nos seus olhos havia uma
expressão dura e rancorosa. ,
Sem dúvida, teria preferido que Green lhe batesse e o deixasse maltratado.
O ter renunciado a fazê-lo quando o tinha à sua mercê parecia-lhe uma
magnanimidade humilhante para ele.
Avançou para Green sem abandonar o seu ar belicoso. A sua mão
procurou a coronha do revólver.
— Vamos ver se manejas o revólver tão bem como os punhos — Disse
roucamente.
Alan Green contemplou-o friamente sem fazer o menor gesto para
empunhar as suas armas. Os outros vaqueiros não tentaram em nenhum
momento intervir. Subitamente, ouviu-se uma voz autoritária:
— Que se passa aqui? Não quero lutas no acampamento.
Daves tinha-se aproximado sem que o notassem nem os contendores nem
os espectadores.
— Não é nada, senhor Daves — Disse Green. — Uma pequena discussão
sem importância.
Mas Duck rugiu, rancoroso:
— Este tipo enganou-nos. É um impostor.
— A mim ninguém me enganou, Duck — Respondeu secamente o
rancheiro. — Eu sou o chefe da expedição e sei perfeitamente quem admito nela.
— Sim, senhor, mas...
— Não há nenhum mas — Cortou Daves, secamente.
Sem prestar mais atenção ao desconcertado vaqueiro, o rancheiro voltou-
se para o seu capataz:
— Traz o uísque — Ordenou. — Será dada uma ração a cada homem. Só
uma.
Esteve a observar enquanto o capataz vertia a bebida nos púcaros de folha
que os homens lhe iam apresentando. Bebeu ele mesmo um trago e depois
afastou-se para o lugar onde deixara as mantas para passar a noite.
Alan Green observou-o com certa admiração. Supusera que dormia num
dos carros, mas, pelos vistos, aquele homem, que teria cinquenta anos ou mais,
era capaz, depois de uma longa jornada a cavalo, de deitar-se sobre o duro solo,
como qualquer dos seus vaqueiros.
Antes que os outros se retirassem para descansar, estabeleceram-se
turnos de guarda para vigiar a manada durante a noite. No entanto, não se
tomavam ainda grandes precauções, pois ninguém esperava que os ladrões
tentassem um ataque tão cedo e em terreno aberto que não lhes ofereceria
nenhuma vantagem.
Alan Green, a quem tinha tocado fazer parte da segunda guarda, serviu-se
de uma ração de café da grande cafeteira que o cozinheiro tinha deixado junto ao
fogo, bebeu-o a pequenos goles e dispôs-se a dar um passeio pelo
acampamento. Talvez tentasse observar o seu aspecto tranquilo, para relatá-lo
mais tarde numa das suas crónicas.
Ao passar perto de um dos carros, alguém o chamou. Aproximou-se com
desconfiança. Uma mão tinha levantado a cortina de lona que cobria a parte
posterior do veículo e uma voz sussurrou:
— Sou eu, Green.
— Mary! — Exclamou o jovem. — Como te lembraste...?
Na sua surpresa tratara a rapariga por tu. Ela não pareceu ofender-se com
isso e seguiu-lhe o exemplo.
— Chiu! Não grites tanto — Disse — Todo o acampamento vai saber que
estou aqui.
— Calculo que não pensas passar um mês metida nesse carroção —
Argumentou Green, que, no entanto, baixou a voz como ela lhe tinha pedido.
— Claro que não — Replicou a rapariga, rindo. — No entanto, prefiro que
o senhor Daves não descubra a minha presença até que estejamos mais longe
de Casper. Assim não tentará fazer-me voltar. Seria inútil, de qualquer modo,
mas quero evitar discussões.
Alan Green tinha-se aproximado e segurou uma mão da rapariga, que ela
não retirou.
— Não receias que eu pretenda também fazer-te voltar a Casper? —
Perguntou.
— Tu prometeste ajudar-me — Respondeu Mary Edwin. — Já não te
lembras? Foi isso precisamente o que me decidiu a vir, apesar das tuas
recomendações e das do «Doe». Quase me convenceram.
Alan Green lamentou ter feito aquela promessa. A presença da jovem
podia complicar muito as coisas. Pelo menos constituiria uma grande
preocupação, logo que surgisse o menor sinal de perigo.
Apesar de tudo não podia negar que, no fundo do seu coração, se sentia
contente por tê-la perto. E não pelo simples facto de poder vê-la de vez em
quando, mas sim por sabê-la longe do alcance de Gene Guimons, o seu violento
apaixonado.
Assombrou-se ao descobrir o que significava para ele aquela mulher, que
mal conhecia, e a intensidade da sua aversão por Guimons. Estava ciumento,
não havia dúvida, assim como também não havia dúvida de que ela lhe agradava
como nunca lhe agradara nenhuma outra.
Ela interpretou o silêncio dele como um sinal de desaprovação e murmurou
irritada:
— Não pensei que te incomodasse tanto a minha presença. Mas não te
preocupes. Não preciso da tua ajuda para nada.
Tentou libertar a mão, que Green conservava ainda entre as dele, e retirar-
se para o interior do carroção, mas o jovem impediu-lho.
— Por que dizes isso? Eu é que devia queixar-me. Não podes negar que
te escondeste no último dia, quando fui ver-te ao rancho.
Mary Edwin mordeu os lábios e baixou a cabeça, sem saber o que dizer.
Alan Green sorriu, um pouco trocista.
— Supus que tinhas perdido todo o interesse na expedição, uma vez que o
teu noivo não vinha. É natural que preferisses ficar perto dele.
A rapariga olhou para ele com profunda surpresa.
— O meu noivo? — Perguntou, admirada.
— Claro — Afirmou o rapaz secamente. — O Gene Guimons. Ele próprio
mo disse.
— Esse canalha! — Exclamou Mary, a quem a indignação quase não
deixava falar. — Como é possível que se tenha atrevido a dizer isso? Tu mesmo
viste como o tratei.
Pensas que se fosse meu noivo me teria comportado assim para com ele?
Alan Green teve de rir ante a irritação da jovem.
— Ignoro como serias capaz de te comportar com o teu noivo, ainda que
gostasse de saber. Na realidade, Mary, eu...
Deteve-se, indeciso. Temia que ela o repelisse, indignada. Inclinou-se para
ela e tentou descobrir a expressão dos seus olhos. A jovem manteve o olhar
obstinadamente baixo, mas os seus lábios esboçaram um trémulo sorriso.
O jovem, sem terminar o que ia a dizer, estreitou-a nos braços e procurou-
lhe os lábios vermelhos e entreabertos. Ela, trémula como um passarito,
correspondeu ao beijo com tanta falta de jeito como ternura.
O ruido de passos que se aproximavam fê-los voltar à realidade. Mary
Edwin escondeu-se precipitadamente no interior do carroção e Alan Green saiu
ao encontro de quem se aproximava. Era Stuart. Este, ao descobri-lo, dirigiu-se
para ele.
— Andava à sua procura, Green — Disse o antigo condutor de diligências.
— Queria avisá-lo para que estivesse em guarda. O Duck, esse vaqueiro que
venceu há pouco, é um tipo rancoroso e zaragateiro, que não lhe perdoará
facilmente tê-lo humilhado à frente dos outros. É muito orgulhoso da sua força e
da sua fama de invencível. Na verdade, até agora tem saído vitorioso de todas as
lutas em que tomou parte, e que foram certamente bastantes. Ele arranja-as.
— A que rancho pertence? — Perguntou Alan.
— Ao do Daves. O pai dele sempre lá trabalhou. Era um grande homem e
o patrão apreciava-o muito. Por isso conserva o filho. De outro modo, já o teria
despedido há muito tempo.
— Bom, agradeço-lhe o aviso, Stuart. Procurarei não me deixar
surpreender.
Antes da alva começou a actividade no acampamento e quando a claridade
era ainda muito ténue recomeçou-se a marcha.
Alan Green aproveitou o descanso do meio-dia para aproximar-se de
Daves e dar-lhe parte da presença de Mary Edwin na expedição. O velho
rancheiro indignou-se, ainda que não tanto como o rapaz esperava.
— Admirava-me de que essa rapariga tivesse renunciado aos seus
propósitos — Disse, depois de passado o primeiro momento de irritação. — Tem
o mesmo feitio da mãe.
Ao evocar aquela que, sem dúvida, fora o único amor da sua vida, os seus
olhos perderam a dureza que os caracterizava. Mas, receoso de ter mostrado
demasiado claramente o fundo sentimental do seu carácter, adoptou um tom
mais severo para dizer:
— Eu falarei com essa menina.
Dirigiu-se a grandes passadas para a carroça onde se escondia Mary
Edwin e saltou para o interior. Alan Green temeu por ela. Mas, no entanto, a
severidade do rancheiro não devia ser tanta como a sua atitude deixava entrever,
posto que não tardou em reaparecer, levando pelo braço a sorridente rapariga.
A expedição continuou o seu avanço sem que nada viesse alterar a
normalidade da marcha. Mary Edwin cavalgava longos trechos junto de Alan
Green e comentava com optimismo que os ladrões de gado não deviam ter força
para tentar um ataque contra trinta homens bem armados, pelo que, sem dúvida,
chegariam ao seu destino sem serem incomodados. Ainda que não a
contradissessem, nenhum dos homens compartilhava daquela opinião. Sabiam
que ainda não tinham chegado ao terreno mais perigoso.
Ao terceiro dia de marcha avistaram a mole imensa do Grande Tecto. Ali
começava a zona mais perigosa da rota que seguiam. O terreno tornou-se mais
acidentado e deixaram para trás as enormes pradarias do Wyoming. Ao meio dia
detiveram-se, como sempre, para dar um descanso a homens e animais,
deixando dormitar as reses naquelas horas de maior calor. Tudo parecia tranquilo
quando, de súbito, se notou um estranho movimento num extremo da manada.
Algumas reses começaram aos saltos e a lançar mugidos de alarme.
Rapidamente se espalhou o pânico pela manada e uma parte dos assustados
animais iniciou a debandada.
Os vaqueiros, ao compreenderem a catástrofe que significaria uma fuga no
gado, precipitaram-se para os cavalos entre gritos e maldições. Davam-se ordens
que ninguém parecia escutar. Os cavalos, contaminados pelo nervosismo geral,
relinchavam e encabritavam-se impacientes, enquanto lhes colocavam as selas.
A confusão era tremenda. No meio daquele gigantesco tumulto, Alan Green
viu horrorizado que Mary, que se tinha afastado do acampamento esperando que
ele se lhe fosse reunir, se encontrava no lugar mais perigoso. A rapariga parecia
ter também compreendido o perigo, mas o próprio pânico fazia-a ficar imóvel.
Alan Green lançou para um lado a sela que se preparava para colocar,
saltou para o cavalo e lançou o animal a todo o galope para o lugar onde se
encontrava a rapariga.
Quando chegou junto dela, as primeiras reses da assustada manada
estava apenas a vinte metros e avançavam enlouquecidas, envoltas numa densa
nuvem de pó que levantavam com os cascos.
Sem desmontar, Green inclinou-se, rodeou a jovem com um braço e içou-a
para o cavalo, que retomou a corrida mais impulsionado pelo instinto que o
avisava do perigo, que pelo cavaleiro, que tinha de fazer redobrados esforços
para manter a jovem e a ele próprio sobre a montada sem sela.
Longe já do perigo, Alan Green conseguiu dominar o animal e conduziu-o,
por um dos flancos da manada, para o acampamento. Todos os homens lutavam
com denodado empenho por dominar as reses e evitar a debandada geral.
Alguns vaqueiros corriam já atrás de um grupo de reses que empreendera uma
enlouquecida fuga.
Green saltou em terra e desceu Mary Edwin Preparou-se imediatamente
para se juntar aos restantes homens. Enquanto selava o animal, avisou a jovem:
— Fica quieta no acampamento, querida.
— Como posso ficar quieta enquanto tu arriscas a vida com esses animais
ferozes? — Respondeu ela, ainda alterada, sem poder conter os soluços.
Estreitou-a nos braços e tentou tranquilizá-la:
— Já não há perigo, Mary. Conseguiram dominar a maior parte das reses.
Vamos, pensei que eras mais valente. Ainda estás a tremer.
A rapariga olhou para ele, entre as lágrimas.
— Foi horrível, Alan — Disse. — Tu também tremias quando me
recolheste. Um pouco mais e teria morrido entre as patas desses animais
furiosos.
O abraço dele tornou-se ainda mais apertado. Os lábios de Green
pousaram-se no rosto da jovem, secando-lhe as lágrimas com beijos.
— Como não havia de tremer, pequena? Por um momento cheguei a
pensar que não conseguiria tirar-te de lá.
Suavemente, libertou-se dos braços de Mary Edwin, que lhe rodeavam
então o pescoço, e conduziu-a para o carro que lhe servia de alojamento.
— Fica aqui. Ocupa-te de que o cozinheiro prepare uma refeição forte. Os
rapazes vão voltar estafados e esfomeados. Além disso, depois de contermos a
fuga teremos de trabalhar ainda muitas horas para reunir todas as reses
dispersas.
Ficou um momento pensativo. Ela olhou para ele, intrigada, mas não se
decidiu a falar.
— Gostaria de saber o que provocou o pânico entre o gado — Disse ao
fim de uns segundos.
— Aí tens um tema para uma emocionante reportagem, Alan — Comentou
a jovem, um pouco mais calma.
— No entanto, por que queres conhecer as causas do estouro?
Nos lábios do jovem esboçou-se um enigmático sorriso.
— Na minha profissão somos muito curiosos, Mary.
Esta, com uns olhos onde brilhava a admiração e o amor, viu-o afastar-se
com o seu passo elástico e seguro, montar a cavalo e dirigir-se a galope para a
manada.

VI

Levaram ainda três dias a reunir as reses dispersas. Durante aquele tempo
um grupo de homens viu-se obrigado a vigiar constantemente o agitado rebanho.
Não lhes foi fácil acalmá-lo por completo.
Feita, finalmente, a contagem, puderam verificar que só faltavam sessenta
reses. Poucas para o grande número de animais que compunha a manada. O
senhor Daves, como prémio de esforço realizado, concedeu aos homens um
descanso de vinte e quatro horas.
Alan Green empregou boa parto desse tempo a examinar o terreno,
especialmente o local onde se produzira o primeiro surto de pânico entre os
animais. Os dois vaqueiros trazidos na diligência na véspera do dia da partida da
expedição, juntaram-se a ele.
Os destroçados restos de algumas serpentes atraíram rapidamente a
atenção de Green. Não havia mais dúvidas quanto ao que provocara o pânico.
No entanto, não se atrevia a jurar que a presença dos répteis fosse casual. Um
dos vaqueiros, chamado Tom Hume, aproximou-se de Green com um saco que
tinha encontrado. Green mostrou-lhe as destroçadas serpentes.
— Alguém pode tê-las trazido neste saco — Disse. — A fuga foi
provocada. Isto supõe um traidor entre nós, uma vez que nenhum estranho se
aproximou daqui.
O outro vaqueiro, chamado Fred Maine, aproximou-se também, a tempo de
ouvir as últimas palavras de Green.
— É possível — Admitiu. — Entre os companheiros há alguns que não me
agradam.
— Quem, por exemplo?
— O Dorsey e alguns outros.
Alan Green ficou uns momentos pensativo. Aquela era uma possibilidade
que não lhe agradava mesmo nada. Dorsey era precisamente o capataz de Mary
Edwin. Teve de reconhecer, no entanto, que Fred Maine podia ter razão. Aquele
Dorsey era um tipo concentrado e estranho, com o qual alguns dos vaqueiros
tinham tido discussões, algumas violentas.
— Talvez seja conveniente não falar neste achado, amigos. Guardemos o
segredo e não percamos de vista o Dorsey e alguns outros como ele.
Fred Maine e Tom Hume concordaram de boa vontade e regressaram os
três ao acampamento. Alan Green quase não pôde dormir em toda a noite. Por
isso foi um dos primeiros a, na manhã seguinte, estar preparado para a partida.
Mal retomaram a marcha, o jovem arranjou maneira de colocar-se junto de
Dorsey. Este olhou para ele com cara de poucos amigos.
— Que se passa, Green? Estive a observá-lo durante a fuga de gado e
devo confessar que se portou estupendamente. Se é de Boston, como assegura,
onde diabo aprendeu a montar tão bem a cavalo?
— Oh! Desde rapaz que gosto de cavalos. Custou-me um pouco habituar-
me à sela vaqueira, mas creio que o vou conseguindo.
— Está a troçar de mim, Green?
— De modo nenhum, Dorsey, é a pura verdade. A respeito da fuga, como
acha que se iniciou?
— Ignoro-o em absoluto. Por que pergunta?
Mas a Green não passou inadvertido o relâmpago de alarme que cruzou os
olhos do seu interlocutor.
— Descobri algo que me traz preocupado.
O capataz de Mary Edwin olhou à sua volta, com manifesta desconfiança.
— Que espécie de descoberta? — Perguntou.
Alan Green falou-lhe das serpentes que encontraram e do saco onde
poderiam ter sido transportadas.
— Você conhece bem todos os homens da expedição
— Concluiu. — É possível que entre eles possa haver algum traidor?
Dorsey riu.
— Tem demasiada imaginação, Green. Esta história talvez seja boa para
os leitores do seu jornal. Mas não para nós. Todos os que fazemos parte desta
expedição somos homens de confiança.
— Incluiu-se também a si, Dorsey
Este bufou como um bisonte e afastou-se de Green. Só quando se
detiveram ao meio-dia os dois homens voltaram a encontrar-se.
— Gostaria de saber o que tentou insinuar esta manhã, Green. Se pensa
algo de mau de mm, diga-o claramente.
— Não, por favor, Dorsey, esqueça as minhas palavras. Foram ditadas
pelo meu nervosismo. Peço-lhe desculpa, Dorsey.
— Assim é melhor, rapaz. No entanto, fiquei a pensar no que me disse,
Green, e recordei algo. Talvez não tenha importância e talvez tenha muita.
— De que se trata, Dorsey?
— Esses dois homens, o Maine e o Hume, estiveram pouco antes do
momento em que se provocou a fuga do gado no local onde você encontrou as
serpentes.
— Tem a certeza? — Perguntou Green, interessado. — Isso confirma as
minhas suspeitas.
Não dissera a Green que os dois homens o tinham acompanhado no
reconhecimento do terreno e que fora precisamente um deles quem encontrara o
saco. Por outro lado, também não lhe tinha dito o local onde encontrara os
répteis.
No entanto o capataz, ao afirmar que ali tinha visto os dois vaqueiros, dava
a entender que o conhecia. Isto, naturalmente confirmava as suspeitas de Green.
As suas suspeitas, claro está, a respeito do próprio Dorsey.
O capataz não pôde captar o duplo sentido das palavras de Green, que
vinham, pensava ele, ao encontro do seu desejo de culpar Hume e Maine da fuga
de gado.
— Sim — Disse. — Talvez não esteja enganado, Green. Será necessário
vigiar esses homens. Na verdade, são os únicos desconhecidos para nós.
Fez uma pausa e acrescentou:
— Além de você mesmo, claro.
Depois, sem esperar resposta, aparentemente satisfeito com o que tinha
dito, voltou a afastar-se de Green. Este preparou rapidamente a sua montada e
subiu para a sela. Gostaria de se aproximar do carro ocupado por Mary Edwin,
mas não lhe foi possível fazê-lo. Outro dos capatazes da expedição aproximou-
se dele e enviou-o para a cauda da manada.
Engoliu pó e porcaria durante muito tempo, e finalmente foi substituído
naquele lugar. Hume e Maine reuniram-se com ele ao entardecer.
— Alguma coisa de especial, rapazes?
— Nada digno de nota.
— Vigiem o Dorsey. Creio que é o nosso homem.
Separaram-se novamente. Pouco depois faziam alto para a ceia e o
descanso nocturno. Só então Green pôde conversar uns instantes com Mary
Edwin, à luz das fogueiras. Tentou levá-la para fora do círculo de vociferantes e
alegres vaqueiros, mas Daves, inconscientemente, impediu os dois jovens de um
pouco de conversa a sós.
Ao amanhecer a manada pôs-se de novo em movimento, internando-se
num terreno cada vez mais perigoso.
A rota, uma vez ultrapassados os montes do Grande Tecto, bordejava O
Bosque Petrificado, que ficava à direita, enquanto à esquerda um terreno cortado
por fundas quebradas impedia os homens de se afastarem tanto quanto
desejariam daquele estranho labirinto de rochas. Tratava-se de um lugar propício
a todas as emboscadas.
Os homens mantinham-se em constante alerta. Alan Green, com uns
binóculos de grande alcance, vigiava continuamente o terreno. De um momento
para O outro poderia acontecer o inevitável. A meio da tarde descobriu ao longe
uns cavaleiros que tentavam tomar posições entre as rochas.
Comunicou imediatamente o facto ao senhor Daves e foi dada a voz de
alarme. A manada deteve-se e todos se prepararam para repelir o ataque, no
caso provável de os cavaleiros avistados rerem, efectivamente, ladrões de gado.
Green preocupou-se em colocar o carro em que viajava Mary no lugar que
lhe pareceu mais seguro e obrigou-a a prometer-lhe que permaneceria ali, ao
abrigo das balas. Ela e o velho Joe, o cozinheiro, ocupar-se-iam da cozinha.
Cinco homens, às ordens de um capataz, ocuparam-se de vigiar o gado,
para que não se tresmalhasse. Os outros, divididos em grupos, colocaram-se nos
locais considerados mais convenientes.
A meio da tarde produziu-se o primeiro assalto dos bandidos. Uma chuva
de balas caiu sobre o acampamento. Confiados na surpresa do ataque, alguns
cavaleiros avançaram abertamente. Sem dúvida, não tinham notado que tinham
sido descobertos.
O enérgico contra-ataque dos guardadores da manada tirou-os
imediatamente do erro. Retiraram-se precipitadamente, em busca do refúgio das
rochas, mas não se deram por vencidos. Este primeiro fracasso tornou-os mais
prudentes, no entanto. Bons conhecedores do terreno, quando localizavam a
posição de alguns vaqueiros, conseguiam arranjar modo de se colocarem
vantajosamente e desalojá-los.
Alan Green, apesar de tudo, parecia encontrar-se no seu elemento.
Sempre seguro de si, sem perder a serenidade, disparava a sua espingarda,
acorrendo continuamente a um e a outro grupo, dando ânimo e distribuindo
ordens. Ninguém se negava a cumpri-las, subjugados pelo tom enérgico da sua
voz.
A luta continuou indecisa. Os múltiplos disparos de um e outro grupo,
multiplicados pelo eco das rochas, faziam um concerto infernal. O ar puro da
pradaria não conseguia dissipar por completo o cheiro acre da pólvora. E as
reses, assustadas, moviam-se e apertavam-se num compacto e impressionante
círculo. O mar encrespado dos seus chifres tinha um aspecto fantástico.
O chefe da expedição, aproveitando uma ligeira pausa na luta, aproximou-
se de Green:
— Se chega a noite antes de vencermos esses tipos, estamos perdidos —
Disse.
— Não pense nisso. Talvez a escuridão nos seja mais propícia a nós que
a eles — Replicou Alan Green.
Daves abanou a cabeça com ar pessimista. A preocupação marcava uma
funda ruga entre as suas sobrancelhas.
Com as primeiras sombras, vendo que a luta não cessava, Alan Green
chamou alguns vaqueiros, decidido a pôr em prática um velho ardil rancheiro.
Apartaram vinte e cinco reses amarraram-lhe aos chifres montes de lenha a arder
e obrigaram-na a correr em direcção às posições dos assaltantes.
Dez homens, chefiados por Green, seguiram as reses, mantendo-se na
sombra. Devido ao resplendor das chamas, os bandidos, que tinham iniciado um
avanço para o acampamento, ficaram a descoberto.
Os vaqueiros dispararam à vontade contra eles, furiosamente. Os
bandidos, surpreendidos, responderam ao ataque entre maldições, mas as
numerosas baixas sofridas quebraram-lhes o moral, pelo que não tardaram em
abandonar o campo.
Os vaqueiros lançaram gritos de entusiasmo ante o êxito da surtida. No
entanto, essa alegria viu-se diminuída ao comprovarem que um dos
companheiros tinha sido atingido pelas balas. Estava tão mal que morreu logo
que o levaram para o acampamento. Outro deles tinha sido ferido, o que elevava
as baixas sofridas até então a dois mortos e seis feridos.
Os bandidos tinham abandonado no campo cinco cadáveres. Não havia
dúvidas de que, além disso, devia haver bastantes feridos entre os que se
retiravam.
Mary Edwin mostrou grande firmeza de ânimo no seu papel de enfermeira.
Incansavelmente desinfectou e ligou braços, pernas ou cabeças, tendo a todo o
momento palavras afectuosas para os feridos. Só nos casos mais graves um
ligeiro tremor nas suas mãos demonstrou a emoção que a embargava.
Logo que amanheceu os guardas da manada tomaram um frugal pequeno-
almoço e puseram-se novamente em movimento. Sentiam grandes desejos de se
afastarem dali antes que os bandidos reorganizassem forças e tentassem um
novo ataque. Nem Daves, nem Green, nem ninguém acreditava que os bandidos
se resignassem com a primeira derrota.
Stuart cavalgava ao lado de Alan Green. A sua atitude pensativa chamou a
atenção do jovem. Por duas ou três vezes iria jurar que lhe queria dizer qualquer
coisa, sem chegar a decidir-se.
— Que há, Stuart?
— O Dorsey, o capataz do rancho Edwin, disparou muito, mas sempre para
lugares onde não havia nenhum bandido. Eu estava no grupo dele e pude
observá-lo perfeitamente.
— Tem a certeza? — Perguntou Green, interessado. — É possível que o
Dorsey visse inimigos onde não os havia.
Stuart não se mostrou de acordo com aquela hipótese.
— Poderia acontecer-lhe uma vez, mas não tantas. Além disso, o Dorsey é
um excelente atirador e tem uma vista de lince. Não pode haver erro.
— E que deduz de tudo isso, Stuart? — Perguntou Green.
O outro guardou silêncio durante algum tempo. Depois decidiu-se a dizer:
— Já é a segunda vez que acontecem coisas estranhas nesta expedição.
A primeira foi a fuga do gado. Acontece algumas vezes, mas no lugar onde nos
encontrávamos não parecia haver motivo.
— Quem sabe! — Exclamou Green. — Podiam ter-se assustado com
umas serpentes, por exemplo.
Stuart riu.
— Eu conheço bem estas terras, Green. Posso assegurar-lhe que
naquelas terras não existe uma única serpente.
Alan Green, então, contou-lhe o achado que ele, Tom Hume e Fred Elaine
tinham feito. O condutor excitou-se.
— Teve de ser o Dorsey. A atitude que tomou durante a luta confirma-o.
Alan Green procurou acalmá-lo.
— É melhor não dizer nada disto, Stuart. Vigiaremos o Dorsey sem que ele
o note. Não contou isso a mais ninguém?
Stuart olhou para Green, um pouco perplexo.
— Ninguém — Respondeu. — Na realidade, não sei porque me dirigi a si
em vez de falar com o senhor Daves. Ele é o chefe da expedição.
— Pode ser que eu lhe inspire uma grande confiança.
— Assim é, apesar do seu comportamento também não ser muito claro.
— Em que sentido?
Stuart sorriu amplamente.
— Em tudo o contrário do Dorsey. Foi você quem realmente comandou e
dirigiu a luta contra os bandidos. No nosso medo de ver, todo o homem vindo do
Este tem de ser necessariamente um cobarde. Também não vejo muito claro que
um jornalista saiba lutar e se imponha aos outros como você fez. Apostaria
qualquer coisa em como o jornalismo nem sempre foi a sua profissão.
Alan Green riu de boa vontade.
— Um homem pode mudar de profissão muitas vezes. Não lhe parece,
Stuart?
Esporeou o cavalo e afastou-se do condutor, para dirigir-se ao carro onde
viajava Mary Edwin. Tinha interesse em ver a jovem, mas especialmente queria
evitar que Stuart se obstinasse em investigar o seu passado.

VII

A expedição, sem maiores contratempos, continuou a sua marcha. Por


vezes, os vaqueiros que agiam como batedores, julgavam descobrir ao longe
movimentos de cavaleiros, mas ninguém os atacou.
Assim, vários dias depois da partida de Casper, atingiram metade do
caminho que deviam percorrer. As fugas das reses atrasaram-nos um pouco,
mas, de um modo geral, as perdas não tinham sido excessivas e os rancheiros
mostravam-se, até um certo ponto, satisfeitos. Certo que tinham a lamentar a
morte de dois companheiros, mas nas duras terras do Oeste, os homens
estavam habituados a enfrentar a morte a cada passo e não davam demasiada
importância à vida humana.
De noite, para celebrar terem alcançado metade da rota, os vaqueiros
organizaram uma pequena festa. Ouviram-se cantos e risos e em todo o
acampamento reinou a alegria. Naturalmente, Mary Edwin esteve presente a to-
dos os momentos. Por fim, Alan Green e a jovem conseguiram arranjar maneira
de se afastarem um pouco dos buliçosos vaqueiros.
— Parece-me que já passámos o pior — Disse a rapariga. — Segundo
creio, nenhuma das expedições de gado perdidas nestes últimos tempos
conseguiu passar do Bosque Petrificado, onde nos atacaram a nós.
— Oxalá acertes, pequena — Disse Green, fervorosamente. — No
entanto, pressinto que os perigos não só não terminaram, como até é possível
que aumentem.
A jovem riu ante a expressão preocupada do interlocutor.
— Não sejas tão pessimista, querido. Olha como todos estão contentes.
Até o senhor Daves desfez um pouco a ruga da testa e concedeu uma dupla
ração de uísque aos rapazes.
— Pode ser que tenhas razão — Concedeu Green, não muito convencido.
— Claro que tenho. O que se passa é que no fundo estás desejando mais
lutas para poderes escrever mais artigos interessantes para o teu jornal.
— O meu amor à profissão não chega tão longe, Mary
— Sorriu Green. — Prefiro que nos deixem chegar em paz até ao Oregão.
Especialmente por ti, querida.
Rodearam o acampamento e terminaram o passeio junto do carro que ela
ocupava.
— Boas noites, querido... E não te preocupes...
Levantou-se nas pontas dos pés e beijou-o suavemente na face. Ele fez
algo que desejava repetir havia muito tempo: estreitou-a pela cintura e procurou-
lhe avidamente a boca. Uma onda de rubor invadiu o rosto da jovem. Alas sorriu
feliz, quando ele a largou.
— Bons sonhos, amor.
— Obrigada, querido.
Ela entrou para o carro e ele regressou até onde alguns vaqueiros ainda
continuavam a cantar junto das fogueiras. Mas a festa acabou ali.
— Já chega, rapazes — Disse o chefe da expedição. — Montem as
guardas e os outros vão descansar. Quero pôr-me a caminho bem cedo.
Os vaqueiros não o fizeram repetir a ordem. Uns deitaram-se, enquanto
outros ocupavam pontos estratégicos, escolhidos de antemão. A Alan Green
correspondeu-lhe descansar primeiro. Mas sentia-se tão inquieto que mal
conseguiu conciliar o sono.
Não era a recordação de Mary o que o perturbava. Tinha a sensação de
um perigo próximo. Levantou-se à meia-noite e resolveu fazer uma pequena
ronda pelos postos. Talvez os seus companheiros lhe chamassem intrometido
por fazer uma tarefa que não lhe correspondia, mas julgou-o necessário para a
sua tranquilidade.
A Dorsey tinha-lhe correspondido aquele turno de sentinela. Chegou ao
lugar onde aquele tipo devia encontrar-se e achou-o vazio. O seu desassossego
aumentou com aquilo. Colocou-se atrás de uma rocha e decidiu esperar.
Passada uma meia hora, o silêncio foi quebrado por um pequeno ruído.
Green aguçou todos os sentidos e imobilizou-se. Por fim pôde identificar o
barulho dos cascos de um cavalo que avançava a passo. O jovem preparou o
revólver e esperou.
Era, indubitavelmente, um só homem e não parecia tomar qualquer
precaução especial ao aproximar-se do acampamento. Quando ficou à vista,
Green comprovou que se tratava do próprio Dorsey. Abandonou o abrigo da
rocha.
— Que se passou, Dorsey? — Perguntou. — Por que abandonou o seu
posto?
— Ah! É você, Green? Já começou a sua guarda? Não pensava ter-me
demorado tanto.
O capataz falava com toda a naturalidade. Não dava a impressão de um
culpado surpreendido em flagrante.
— Não — Respondeu Green. — Ainda não é o meu turno. Vim aqui por
casualidade e surpreendeu-me não o encontrar. Aonde foi?
— Vi uns vultos suspeitos perto de acampamento — Explicou Dorsey. —
Pensei que poderiam ser ladrões e persegui-os. Um passeio inútil. Quando
consegui alcançá-los, verifiquei que se tratava apenas de um grupo de índios
nómadas.
Riu entre dentes. Green olhou para ele com desconfiança, mas não deixou
transparecer nada. O outro continuou:
— Não são de temer. Talvez tentassem roubar alguma rês, julgando-nos
uma expedição pequena. Ao verem que era tão numerosa, preferiram afastar-se.
Green estava convencido de que Dorsey mentia. No entanto, teve de
admitir que a explicação do capataz era verosímil. Se fosse verdade, Dorsey
tinha agido bem ao tentar certificar-se. Qualquer outro, no seu lugar, não teria
hesitado em fazer o mesmo. No entanto, continuou a perguntar:
— Onde estão os índios? Gostaria de os ver.
— Quer descrevê-los em algum dos seus artigos? — Perguntou Dorsey,
sorridente. — É fácil encontrá-los. Estão a coisa de uma milha, para oeste.
— Bem Dorsey. Vou dar uma vista de olhos. Assim poderei descrevê-los
com maior autenticidade.
— Vai sozinho?
— Não me deixarei ver.
Deixou Dorsey e voltou em busca de Stuart. Despertou-o, sacudindo-o por
um ombro, e pediu-lhe que o substituísse na guarda.
— O Dorsey disse que andam índios pelos arredores e quero ir certificar-
me.
— Índios? Não é preciso incomodar-se, Alan. Há anos que não se vê um
por aqui.
— Tem a certeza?
— Absoluta.
Isto avivou os receios de Green e pô-lo ao mesmo tempo ante um dilema.
Desejava confirmar o que Dorsey dissera, mas ao mesmo tempo temia deixar
Mary no acampamento, exposta aos perigos de uma armadilha preparada pelo
capataz. Resolveu recorrer aos homens que o tinham ajudado quando encontrara
as serpentes causadoras do estouro.
Tom Hume e Fred Maine dormiam um ao lado do outro. Despertou-os
como pouco antes tinha feito com Stuart. Ambos esfregaram os olhos,
surpreendidos.
— Que infernos...?
— Escutem com atenção. Preciso que um de vocês não perca de vista o
carro da Mary, enquanto o outro vigia em direcção ao Oeste. Descobri alguns
movimentos suspeitos do Dorsey e vou ver o que se passa. Diz ele que há um
acampamento índio por aí.
— É melhor que eu o acompanhe, Green — Objectou Maine.
Alan Green aceitou a ideia e os dois homens puseram-se a caminho. Mas
não encontraram índios, em parte nenhuma. Nem sequer o rasto.
— O Dorsey é um maldito embusteiro, Alan — Murmurou Maine.
— Já o supunha, mas queria ter a certeza.
Voltaram para trás e avistaram a manada quando ainda faltavam um par de
horas para amanhecer. A actividade reinante admirou-os, pois ainda não era a
hora da partida.
Green esporeou o cavalo e não tardou a descobrir Stuart, que ia
precipitadamente ao seu encontro.
— Aconteceu algo terrível, Green — Disse o homem, com voz
entrecortada. — Quando o notámos era demasiado tarde para o evitar.
Alan Green sentiu um nó na garganta. O seu pensamento voou
imediatamente para a rapariga.
Saltou do cavalo e agarrou Stuart por um braço.
— Aconteceu alguma coisa à Mary?
— Sim. Raptaram-na.
A grandes passadas, Green dirigiu-se para o carro que servia de
alojamento à jovem. O condutor seguiu-o em silêncio.
Dentro do carro, Alan Green descobriu claros sinais de luta. Quando voltou
para o exterior, uma nuvem vermelha tapava-lhe os olhos e as suas mãos
acariciavam as coronhas dos revólveres.
— O Hume? — Perguntou.
Stuart assinalou um vermelho regueiro de sangue.
— Assassinado — Disse. — Cravaram-lhe uma faca nas costas. Os que
raptaram a menina Edwin deram-no por morto; mas ainda pôde dar o alarme.
Infelizmente, deve ter estado sem sentidos muito tempo e os raptores tiveram
tempo de desaparecer.
— Onde está o Dorsey? — Continuou a perguntar, com voz rouca.
— Desapareceu — Respondeu Stuart. — Ele e o Duck, o vaqueiro que
lutou consigo. Procurámo-los por todo o acampamento até que nos convencemos
de que esses dois canalhas tiveram de ser os autores do rapto. O senhor Daves
está desesperado e recrimina-se por ter consentido que a Alary viesse na
expedição.
Green fazia a si mesmo as mesmas recriminações e o seu desespero
aumentou ao pensar que tinha abandonado o acampamento precisamente no
momento em que Mary corria mais perigo.
— Vamos ver o Daves, Stuart. É preciso organizar imediatamente a
perseguição a esses canalhas.
O velho rancheiro encontrava-se num estado de furiosa excitação. Gritava
ordens e contra-ordens aos seus homens, que já não sabiam o que fazer. Ao ver
aparecer Green, lançou contra ele uma torrente de recriminações. O jovem
deixou-o desabafar. Quando por fim o viu mais calmo expôs-lhe o seu plano.
— A expedição deve continuar o seu caminho, senhor. O Stuart, o Maine e
mais dois vaqueiros irão comigo atrás das marcas desses canalhas.
— Creio que é o mais razoável — Admitiu o velho rancheiro. — Mas não
voltarei a confiar em ninguém. A expedição será aniquilada por causa dos
malditos traidores. Como supor que o Dorsey e o Duck...?
Green pôs-se a caminho imediatamente. Suart mostrou-lhe as pegadas
que tinha descoberto e que pertenciam sem dúvida aos raptores. Os cinco
homens seguiram-nas com relativa facilidade, graças à luz do amanhecer, que se
tornava cada vez mais forte.
Um dos vaqueiros, perfeitamente conhecedor daquelas terras, não tardou
em compreender que as pegadas se dirigiam em direcção ao grande desfiladeiro
do Sunke River.
— Será conveniente tomarmos precauções quando lá chegarmos —
Disse. — O terreno presta-se a emboscadas.
Com efeito, em breve internavam-se num apertado desfiladeiro, dominado
de ambos os lados por enormes rochas. A marcha tornou-se mais lenta. Teriam
avançado apenas uma meia milha pelo desfiladeiro quando ressoou uma
descarga e as balas silvaram sobre as suas cabeças. Felizmente nenhum ficou
ferido e apressaram-se a desmontar, para fazer frente à agressão.
Green e os seus companheiros protegeram-se como puderam e
começaram a fazer fogo para os pontos de onde tinham partido os tiros. O jovem,
convencido que só conseguiriam perder tempo com aquele tiroteio, já que os
bandidos se encontravam bem protegidos atrás das rochas, deixou que os outros
continuassem a disparar para distrair a atenção dos agressores. Deslizou de
rocha em rocha, procurando uma posição que lhe permitisse dominar os
inimigos. Conseguiu chegar a um alto. Um dos bandidos ficava-lhe ao alcance de
tiro. Apontou com cuidado e disparou. O homem cambaleou, deixou-se cair ao
solo e apoiou-se a uma rocha.
Os seus companheiros, dois ou três apenas, ao verem-se atacados
daquele ponto inesperado, julgaram que chegavam reforços e empreenderam a
fuga, talvez sem terem notado que um deles ficava ferido.
Green correu apressado para o local onde ficara o ferido. Este continuava
de pé, apoiado à rocha, respirando com dificuldade. Pelas comissuras dos lábios
escapava-se-lhe um fio de sangue. O projéctil devia ter-lhe atravessado um
pulmão.
Não tentou defender-se de Alan Green nem opôs resistência quando este
lhe pegou por debaixo dos braços e o obrigou a deitar-se no solo. Stuart e os
outros três vaqueiros aproximaram-se imediatamente.
— Tem de interrogá-lo já, se quer saber alguma coisa a respeito dos
raptores — Disse Stuart. — Este homem está nas últimas.
O ferido olhou para o condutor com um olhar de angústia e a sua
respiração tornou-se ainda mais ruidosa e agitada. Era uma crueldade obrigá-lo a
falar, mas Green compreendeu que Stuart tinha razão. O pensamento de que a
vida e a honra de Mary estavam em jogo decidiu-o a começar o interrogatório.
— Diga-nos para onde se dirigem os que levam a menina — Começou
Green. — E quem ordenou o seu rapto.
O homem fechou os olhos e voltou a cabeça para um lado, sem proferir
uma só palavra. Alan Green, impaciente, insistiu uma e outra vez, sem resultado.
O bandido, imóvel, parecia não ouvir as suas palavras. Stuart decidiu intervir.
Conhecia bem aquela espécie de tipos.
— Fala de uma vez, imbecil! Que adiantas em calar? Tens apenas um
sopro de vida. Eles abandonaram-te. Não ouviste? São uns malditos cobardes
que...
O homem abriu os olhos e tentou levantar-se.
— Não, não — Murmurou. — Está a tentar assustar-me. Não estou tão
mal como diz. Eu...
Uma tosse convulsiva sacudiu o corpo do ferido. Dos seus lábios brotou
uma golfada de sangue.
Alan Green obrigou-o a deitar-se novamente. Por um momento, a terrível
palidez do rosto do bandido fê-lo temer que a sua miserável vida tivesse
terminado. Mas notou que respirava, ainda que debilmente.
O condutor ofereceu-lhe um cantil que levava no cinto.
— Dê-lhe isso — Disse. — Vai reanimá-lo. É aguardente.
Com efeito, o álcool pareceu dar forças ao bandido.
— Vamos — insistiu Green. — Fale. — Está em nosso poder a única coisa
que pode livrá-lo da forca, se escapar da bala: é ajudar-nos a salvar a menina
Edwin.
— Não escaparei da bala, não. Esse filho de cadela tem razão. Estou nas
últimas. Mas também a tem no resto. Esses porcos abandonaram-me. Falarei e
espero que vão todos para o inferno.
Deteve-se para tomar alento e continuou com voz quase inaudível:
— Vão levá-la para o acampamento do chefe, no fim do desfiladeiro, numa
depressão. Há duas rochas muito altas que...
— Quem é o chefe?
Alan Green teve de inclinar-se mais para o ferido para perceber as suas
palavras. Mas este não respondeu à sua pergunta. Continuou no fio do seu
pensamento, como em delírio:
— Cuidado... Os meus companheiros devem ter dado o alarme e todos os
homens estarão à vossa espera mais acima. Não sigam as pegadas... Pois serão
caçados. Desviem-se para a direita, por...
Um novo ataque de tosse impediu-o de continuar. Levou as mãos ao peito
e os seus olhos abriram-se desmesuradamente. Depois inclinou a cabeça e ficou
imóvel. Tinha morrido.

VIII

Alan Green, Fred Maine, Stuart e os dois outros vaqueiros continuaram a


seguir pelo desfiladeiro e não tardaram em descobrir o caminho que lhes indicara
o bandido. A entrada ficava quase oculta atrás de umas rochas. Certamente, se
não estivessem avisados, ter-lhes-ia passado inadvertida. Abandonaram, pois, o
rasto que os raptores tinham deixado claramente impresso no solo brando e
húmido do desfiladeiro, internando-se por um tortuoso e estreito trilho.
Green esporeava o seu cavalo, impaciente, sem pensar em tomar
precauções. O pensamento de que Mary se encontrava em perigo torturava-o.
Crispou as mãos com raiva ao pensar em como Dorsey o tinha enganado,
enviando-o atrás de uns índios que não existiam.
O estreito trilho desembocou de súbito, após uma curva, num espaço
aberto, coberto de mato baixo. Green fez deter os seus companheiros. O
moribundo tinha falado de uma depressão e de duas rochas altas.
— Tem de ser ali — Disse.
Assinalava duas rochas gémeas, que se erguiam a umas duzentas jardas.
— Para lá dessas rochas deve ser a depressão e o acampamento do
chefe. Desmontaremos e tentaremos aproximarmo-nos sem chamar a atenção.
— Não é provável que tenham sentinelas — Disse Maine.
— Sim — Admitiu Green. — É provável que assim seja. No entanto, as
precauções nunca são demais. É preciso averiguar quantos homens estão no
acampamento e agir pelo seguro. Têm a Mary em poder deles e não nos
podemos arriscar a falhar o golpe.
Avançaram a pé, entre o mato, levando os cavalos pelas rédeas. Minutos
mais tarde, sem contratempos, alcançavam as rochas gémeas. Para além delas
começava um acentuado declive que terminava num vale.
Green teve de fazer um esforço para conter-se e não correr em busca da
jovem mal descobriu no fundo da depressão uma tenda de campanha. Era ali
que ela devia estar.
No acampamento, dois homens acendiam uma fogueira. Reconheceram
imediatamente um deles. Era Dorsey. Viram-no pegar numa vasilha e entrar na
tenda de campanha. O outro ficou sentado junto do fogo. Não se via mais
ninguém pelos arredores.
— Temos de nos aproximar e eliminar, sem ruído, esse tipo — Disse
Green. — O Stuart vem comigo.
Avançaram ambos cautelosamente, enquanto Fred Maine e os outros dois
vaqueiros se protegiam atrás das rochas e ficavam vigilantes. Era muito provável
que o grosso dos inimigos, cansado de esperá-los no desfiladeiro, voltasse ao
acampamento.
O homem continuava junto da fogueira, assobiando tranquilamente,
enquanto aquecia um púcaro entre as brasas, bem alheio ao perigo que se
aproximava.
Green ordenou a Stuart, por sinais, que ficasse quieto e atravessou,
rastejando, as últimas jardas que o separavam do acampamento. Movia-se sem
provocar o menor ruído, com os movimentos ágeis e rápidos de um jaguar.
O bandido não ouviu o mais leve rumor. Uma violenta pancada na cabeça
fê-lo tombar, perto do fogo, sem um gemido.
Stuart reuniu-se então a Green e ambos irromperam no interior da tenda.
Dorsey falava animadamente com outro tipo, que ambos reconheceram
imediatamente. Stuart lançou uma exclamação de assombro, mas não Green,
que parecia esperar algo parecido. O segundo indivíduo não era outro senão
Gene Guimons.
Dorsey e Guimons, ao verem entrar os dois homens, ficaram uns
momentos suspensos, como se contemplassem dois fantasmas. Mary, que se
encontrava num canto, imóvel, em atitude de profundo desespero, lançou um
grito de alegria.
— Alan!
Os dois bandidos reagiram rapidamente e levaram as mãos às armas.
Stuart enfrentou-se com Dorsey, para quem olhou com raiva e desprezo.
— Porco traidor! — Exclamou, ao mesmo tempo que disparava o seu
revólver contra ele.
O capataz, ferido de morte, ainda teve tempo de fazer fogo e o seu projéctil
alcançou Stuart, que cambaleou e deixou cair a arma.
Green apontou para Guimons mas não chegou a apertar o gatilho. O
bandido retrocedera rapidamente para junto de Mary Edwin e o seu revólver
apoiava-se no peito da assustada rapariga. Ante a expressão de espanto de
Green, os lábios de Guimons distenderam-se num sorriso mau.
— Não se mexa de onde está, Green, e deixe cair o revólver. Aviso-o de
que não hesitarei em disparar ao menor movimento suspeito. Se a Mary não há-
de ser minha, também não será sua.
Alan Green não podia negar-se, pois a sua situação favorecia o outro.
— E você, Stuart — Continuou Guimons, ao observar que o condutor,
apesar de ferido, tentava recuperar o seu revólver —, afaste-se dessa arma. Vá
para aquele canto.
— Obedeça, Stuart — Disse Green, com voz rouca.
Guimons riu.
— Vejo que é razoável, agente — Disse, com um certo regozijo.
Green mordeu os lábios, sem dizer palavra, e o bandido continuou:
— Muito engenhoso o seu sistema de mandar as informações como se
fossem artigos para o seu jornal, com um segundo sobrescrito dirigido aos seus
verdadeiros chefes. Lamento dizer-lhe que o último não chegou ao seu destino.
Pouco depois de partir a expedição, houve um roubo nos Correios. Um dos meus
homens vigiava-o e viu-o depositar lá um grande sobrescrito. Eu sou um pouco
curioso e gosto de saber com o que tenho de enfrentar-me. O seu bonito papel
de jornalista não conseguia convencer-me.
Enquanto falava, sem perder Green de vista, Guimons tinha obrigado Mary
Edwin a aproximar-se da entrada da tenda.
— Se aprecia a vida da rapariga, não se mexa daqui
— Avisou.
Estava já em frente da porta, de costas para o exterior. Um dos seus
braços continuava a rodear a cintura da jovem, conservando-a à frente dele como
um escudo.
Green olhou por cima da cabeça de Guimons, para fora. Nas suas feições
pareceu reflectir-se uma expressão de alívio, como se descobrisse a oportuna
chegada de algum socorro.
Guimons, instintivamente, voltou-se. Foi só um segundo, mas o suficiente
para que o rapaz se lançasse sobre ele e lhe torcesse com força a mão que
segurava o revólver.
A arma caiu. Ao mesmo tempo o bandido afrouxou a pressão do braço com
que segurava Mary Edwin. Esta aproveitou a oportunidade para libertar-se e
correu para o outro extremo da tenda.
Os dois homens ficaram frente a frente. Guimons, furioso por ter caído no
ardil de Green, compreendeu que, ao deixar escapar a rapariga, tinha perdido a
sua vantagem sobre os inimigos. Não lhe seria possível chegar aos cavalos sem
ser alcançado pelas balas de Green. O desespero decidiu-o a atacar.
Com fúria cega lançou-se sobre o seu adversário, e ambos rolaram pelo
solo. A atemorizada jovem foi testemunha de uma luta feroz. Os contendentes,
homens de extraordinária força e habituados a lutar, atacavam-se com sanha.
Tanto um como o outro sabiam que aquela era uma luta de morte e tentavam por
todos os meios evitar que o adversário alcançasse uma das armas que estavam
no solo.
Entretanto, Stuart começava a recuperar-se do momentâneo desmaio que
a ferida lhe tinha provocado. Com um esforço conseguiu erguer-se um pouco e
arrastar-se para o lugar onde tinha caído o seu revólver.
A rapariga, ao compreender as suas intenções, tentou ajudá-lo. Empurrou
a arma com o pé e colocou-a ao alcance do condutor. Mas este, esgotado pelo
esforço, mal podia segurá-lo.
— Não posso, Mary — Murmurou. — Um erro seria fatal.
Mary Edwin tomou o revólver nas suas mãos. Talvez ela pudesse. O pai
tinha-a ensinado a atirar, mas era muito diferente disparar contra um alvo a fazer
o mesmo contra um homem. Além disso, as rápidas mudanças de posição dos
dois lutadores faziam-na temer que o seu tiro atingisse Green.
Desesperada, ficou com o revólver na mão, sem saber o que fazer.
A luta continuou, cada vez mais acesa. Um soco de Guimons atingiu Green
por cima do olho direito, provocando-lhe uma pequena brecha, por onde
começou a correr sangue. Pelo seu lado, o bandido recebeu uma dura pancada
na boca, que o fez cuspir sangue e dentes. Os seus lábios começaram a inchar e
ficaram tumefactos.
Guimons tentava por todos os meios manter o corpo a corpo, para anular a
vantagem que concediam a Green a sua maior altura e comprimento de braços.
Este, pelo seu lado, procurava afastar-se do adversário.
Por fim conseguiu-o e retrocedeu uns passos. Então, com a força de uma
catapulta, disparou o punho, que atingiu Guimons em pleno estômago,
obrigando-o a dobrar-se pela cintura, ao mesmo tempo que retrocedia,
cambaleante.
A rapariga pensou que aquele era o momento de agir. Segurou o revólver
com ambas as mãos e apertou o gatilho. Quando abriu os olhos, que tinha
fechado instintivamente ao disparar, viu Guimons imóvel, no solo, e Green que se
inclinava para ele.
O ruído do galope de vários cavalos que se aproximavam obrigou o jovem
a levantar-se rapidamente. Espreitou para fora e viu que Maine e os outros
vaqueiros desciam para o acampamento. Esporeavam com fúria as montadas e
Green compreendeu que deviam ter descoberto o resto dos bandidos, que se
aproximavam dali.
— É preciso que nos afastemos daqui quanto antes
— Disse a Mary. — A tua vida é tão preciosa que não posso arriscá-la.
Vamos.
Recolheu o seu revólver e o de Stuart, que a rapariga tinha deixado cair
novamente. Esta, alterada, contemplava o corpo de Guimons com os olhos muito
abertos, onde se pintava o terror. Alan Green estreitou-a entre os braços.
— Foste muito valente, Mary — Disse. — Agora temos de fugir antes que
chegue todo o bando Gostaria de levar o Guimons prisioneiro, mas seria um
estorvo que nos atrasaria demasiado.
— Prisioneiro? — Perguntou Mary. — Mas... Não está morto?
— Não — Afirmou Alan —, apenas ferido.
A rapariga lançou um suspiro de alívio.
— É horrível pensar que se tirou a vida a um homem, por muito canalha
que ele seja — Exclamou.
Alan Green sorriu compreensivo. Tinha-se visto obrigado a matar muitas
vezes, não só em defesa própria como em defesa dos mais fracos, das pessoas
pacíficas que confiavam aos representantes da lei a defesa das suas vidas e dos
seus bens. Apesar disso, nunca deixara de sentir uma sensação penosa sempre
que as circunstâncias o obrigavam a aniquilar um semelhante.
— Não percamos tempo — Disse. — Corre para aqueles matagais. Temos
lá os cavalos. Eu ajudarei o Stuart.
O condutor, que se tinha posto de pé trabalhosamente, protestou:
— Não se preocupe por mim. Posso safar-me sozinho. O importante é que
fuja com a menina. Eu segui-los-ei.
Mas Alan Green negou-se a ouvi-lo. Obrigou-o a passar-lhe um braço por
cima dos ombros e levou-o tão depressa quanto pôde para o local onde tinham
deixado os cavalos. Maine e os outros dois vaqueiros reuniram-se-lhes a meio do
caminho. Maine saltou em terra e apressou-se a ajudar Alan Green.
— Que aconteceu ao Stuart? — Perguntou. — Onde o feriram?
— É pouca coisa — Respondeu o condutor. — A cavalo arranjar-me-ei
bem sozinho. Já me sinto melhor.
— Temos de nos apressar — Disse Maine a Green.
— Vimos um grupo de mais de quinze homens que saíam do desfiladeiro e
vinham para cá. Certamente ouviram os tiros e alarmaram-se.
Ele e Green subiram Stuart para a sua montada. Depois, o falso jornalista
montou Mary no seu próprio cavalo e afastaram-se todos dali a toda a
velocidade. No momento em que empreendiam a corrida, surgiram os bandidos
no alto da pendente que dominava o acampamento. Ao descobrirem os fugitivos
esporearam as montadas, lançando-se a um vertiginoso galope.
Green pensou que talvez se detivessem um pouco no acampamento,
tentando averiguar o que acontecera ao chefe, o que lhes permitiria afastarem-
se. Mas isso só aconteceu em parte. Só alguns dos bandidos se detiveram,
enquanto os outros continuavam a perseguição.
O surdo golpear dos cascos dos cavalos continuou a ressoar, cada vez
mais perto, atrás dos que fugiam.
A distância entre os perseguidores e perseguidos ia diminuindo. Alan
Green começou a duvidar se lhes seria possível alcançar o ponto onde ele
calculava que estivesse a manada, sem serem alcançados pelos bandidos. Os
cavalos estavam cansados após a apressada marcha até ao acampamento de
Guimons. O dele, além disso, tinha de transportar uma dupla carga.
Era necessário deterem-se quanto antes e fazer frente aos perseguidores,
ainda que o número de inimigos, muito superior, não permitisse alimentar
grandes esperanças de vitória.
O terreno elevava-se numa suave pendente. Green pensou que se os
esperassem no alto teriam pelo menos alguma vantagem. Mal alcançaram o
cimo, fez deter os seus companheiros e explicou-lhes o plano. Maine, Stuart e os
vaqueiros aceitaram sem discussão.
Mal tinham acabado de esconder os cavalos atrás de umas rochas quando
Maine exclamou, assinalando uma curva do caminho por onde acabavam de
aparecer alguns cavaleiros:
— Aí estão!
— Disparem — Ordenou Green. — É preciso detê-los.
Ante o repentino e inesperado ataque, os bandidos, surpreendidos,
retrocederam precipitadamente para se colocarem ao abrigo das balas. Mas a
trégua que isso concedeu a Green e aos seus companheiros foi curta. Em breve
os pistoleiros começaram a atacá-los ferozmente e o jovem compreendeu que
não poderiam resistir muito tempo. Era necessário tomar uma determinação.
Chamou Maine e expôs-lhe o seu plano:
— Eu ficarei aqui, cobrindo a retirada. Entretanto vocês, com a Mary,
tentarão juntar-se ao Daves.
Stuart, que se tinha aproximado trabalhosamente, ouviu aquilo, e pareceu-
lhe um insulto.
— Pensa seriamente que vamos fugir à frente dessa chusma, deixando-o
sozinho para enfrentá-los? Basta que um de nós leve a menina Mary para pô-la a
salvo. Os outros ficarão aqui. Que lhe parece, Maine?
Este encolheu os ombros, ao mesmo tempo que as feições de Green se
endureciam. Na sua voz havia uma nota autoritária e seca quando replicou:
— É uma ordem, Stuart. Suponho que ouviu o Guimons dizer que tinha
descoberto a minha identidade de agente. Pois bem, é verdade. Pertenço
efectivamente à Polícia Rural, com o posto de sargento. O Maine é meu
subordinado. Ele compreende perfeitamente que a nossa missão consiste em
proteger a expedição, para que o gado possa chegar ao Oregão. Não consentirei
que se desperdicem aqui homens que são necessários para a defesa da
manada.
— Mas é que...
— Não me convencerá, Stuart. Logo que tenham terminado connosco, os
bandidos cairão sobre a manada. O mais provável é que os aniquilem a todos, se
os apanham desprevenidos. Você e o Maine comunicarão ao senhor Daves o
que aconteceu. O Maine substituir-me-á em tudo até que eu consiga reunir-me a
vocês.
Stuart contemplou-o com uma mescla de admiração e surpresa.
— Até que se reúna connosco? — Exclamou. — Não sonhe escapar com
vida...
Nos lábios de Green esboçou-se um leve sorriso, mas a sua voz tinha
perdido aquele tom enérgico e imperioso quanto respondeu:
— Já escapei de piores. Não é altura de fazer suposições, Stuart. Não há
tempo a perder. Tu, Maine, comunica as minhas ordens aos rapazes e procurem
retirar-se sem que eles o notem. Eu continuarei a disparar.
Maine preparou-se para obedecer, mas Stuart objectou de súbito:
— A menina Mary não aceitará esta situação. Tenho a certeza de que se
negará a partir.
Green franziu a testa.
— Obriguem-na. É necessário. Podem dizer-lhe que... Fui atingido por
uma bala e que me mataram.
Mary Edwin não podia ver Green do ponto onde se encontrava. O jovem
tinha-a deixado de guarda aos cavalos mais para mantê-la afastada do perigo
que por qualquer outra coisa.
Ela aceitara convencida de que desempenhava uma missão importante.
Quando viu aparecer repentinamente Maine, Stuart e os outros dois
vaqueiros, ficou surpreendida.
— Depressa, menina! — Disse Stuart. — Fujamos daqui!
— O Alan? — Perguntou a rapariga, ao mesmo tempo que tentava dirigir-
se para ele. O condutor deteve-a.
— Não, não — Disse. — Não pode aproximar-se dali... Não pode fazer
nada...
O pobre Stuart não sabia como dar a notícia da falsa morte de Green, mas
o seu próprio nervosismo fez pensar a rapariga no fatal desenlace. Empalideceu
intensamente e murmurou:
— Morreu?
Stuart não teve de assentir nem negar. Mary Edwin, enfraquecida pelos
perigos e emoções passados, levou uma mão à testa. Stuart apressou-se a
sustê-la nos braços.
Pouco depois, enquanto se afastavam, ouviram os tiros com que Alan
Green tentava deter os seus inimigos. Nem Maine, nem Stuart nem os vaqueiros
teriam apostado um centavo a favor do sargento dos Rurais. A suposição de
Mary Edwin tinha-se antecipado apenas uns momentos.

IX

Fred Maine, Stuart, Mary Edwin e os dois vaqueiros conseguiram alcançar


a manada mais depressa do que esperavam, pois Daves tinha feito uma marcha
lenta. Terrivelmente preocupado com a sorte que tivesse corrido à jovem, não
queria afastar-se muito do local onde a tinham raptado. De boa vontade teria
retrocedido, apesar das considerações que lhe tinha feito Green, mas calculou, e
com razão, que o jovem não teria gostado.
Naturalmente, o rancheiro conhecia a verdadeira identidade tanto de Green
como de Maine e Hume. Ele próprio tinha requerido a sua intervenção, apoiado
pelo doutor Maynard. Este, graças às suas frequentes visitas a Cheyenne, tinha-
se posto em contacto com o Governador do Estado, sem despertar o receio dos
bandidos, que tão bem informados demonstravam estar sempre dos planos dos
rancheiros. O governador decidira pedir ajuda aos Rurais do Texas e estes
tinham enviado o sargento Alan Green e mais tarde Hume e Maine.
Ao ver chegar a rapariga sã e salva, Daves abraçou-a cheio de alegria,
sem reparar na ausência de Green nem no desespero que se reflectia nas
feições da jovem.
— Temos de celebrar este triunfo, Mary. O facto de estares aqui prova que
esses cães traidores foram vencidos e que o êxito da expedição está
assegurado.
Mary Edwin rompeu em soluços e Fred Maine apressou-se a apagar
aquele optimismo prematuro.
— Infelizmente não é assim, senhor Daves. Devemos prepararmo-nos
para repelir um novo ataque dos bandidos. Graças ao Sargento Green,
conseguimos chegar até aqui sem sermos alcançados por um grupo de uns vinte
homens que vinham em nossa perseguição.
— O Green! — Exclamou Daves. — É verdade. Não tinha dado pela falta
dele.
Contemplou a desconsolada jovem e compreendeu que a situação em que
tinham deixado Green devia ser desesperada.
— Vamos, pequena, é preciso ter coragem — Disse, tentando consolá-la.
— O Green é um homem de recursos, habituado à luta e aos perigos. Um dos
melhores agentes dos Rurais. É muito possível que consiga enganar esses
bandidos e salvar-se, por muito difícil que seja a situação em que o deixaram.
— O Alan morreu — Disse a rapariga entre soluços.
— Pensa que o teríamos deixado com vida?
Ao ouvi-la, Stuart baixou a cabeça, envergonhado. Longe de Green e da
autoridade que ele imprimia às suas ordens, começava a arrepender-se de ter-
lhe obedecido tão cegamente. Mas a coisa já não tinha remédio.
— Você está ferido, Stuart. Vá tratar-se imediatamente.
— Eu fá-lo-ei — Ofereceu-se a jovem, sem cessar de chorar.
Enquanto se afastavam para o carro, Fred Mame dedicou-se em organizar
a defesa do acampamento. Para ele, como para Green, não se passava nada de
extraordinário. Estavam habituados a arriscar a vida e a fazer respeitar a lei
custasse o que custasse. Daquela vez tinham-nos encarregado da limpeza
daquela rota. O serviço seguinte seria qualquer outra coisa, como o anterior fora
a captura ou morte de alguns pistoleiros tristemente célebres.
Deu ordens para que os vaqueiros que seguiam à cabeça da manada
desviassem o gado para a pradaria que se estendia à direita da rota, no fundo de
um pequeno vale. Depois distribuiu os homens do modo que lhe pareceu mais
conveniente para assegurar a defesa e dirigiu-se ao encontro do rancheiro.
— Que se passou lá, Maine?
— Quase não sei. O sargento e o Stuart avançaram para um
acampamento onde estava prisioneira a menina. Ouvimos tiros e corremos em
ajuda deles. Foi então que apareceram cerca de vinte bandidos. O Green
ordenou a retirada e depois decidiu ficar para que nós ganhássemos tempo e
conseguíssemos preparar a defesa.
— Já tem tudo pronto?
— Tudo, sim...
Daves decidiu visitar Stuart no carroção. Formulou-lhe a mesma pergunta a
respeito do que acontecera e a explicação do ex-condutor de diligências deixou-o
estupefacto. Não menos estupefacta se mostrou Mary Edwin.
— Como... Como pode um homem ser tão canalha? — Murmurou o
rancheiro. — Realmente já devíamos ter suspeitado do Guimons há muito tempo.
Os roubos em grande escala começaram precisamente pouco depois de ele se
instalar em Casper. Sob o seu ar bonacheirão e a sua ignorância de assuntos
ganadeiros escondia-se o pior dos bandidos. Porque não há dúvida de que...
Como se detivesse, Mary Edwin disse por ele:
— Não há dúvida de que o Guimons matou o meu pai. Pelo que sei, pôde
fazê-lo perfeitamente, simulando depois ter encontrado o cadáver. Talvez o meu
pai tenha descoberto a verdade... Ou talvez o estorvasse vivo... Bem sabem
que...
— Que ele te rondava, o grande canalha — Exclamou Daves. — Se o
apanho à minha frente, não hesitarei em matá-lo com as minhas próprias mãos.
— A Mary deu-lhe um tiro — Explicou Stuart. — É uma pena que não lhe
tenha atravessado o coração.
A rapariga já não lamentava ter disparado contra o criminoso. Não só por
considerá-lo culpado pela morte do pai, mas também por Green. Agora sabia
pelo ex-condutor que Alan não tinha morrido, mas que não havia demasiadas
esperanças de voltar a vê-lo com vida.
— Encarrega-te da farmácia, Mary... Os ladrões não devem tardar a atacar
e devemos estar preparados. O Maine já tem tudo pronto para a defesa.
Passou ainda algum tempo antes que um dos vaqueiros desse a voz de
alarme. Quase imediatamente soaram os primeiros tiros.
Rapidamente se travou violento combate entre os dois grupos. Os homens
de Guimons lançaram uma autêntica chuva de chumbo sobre os expedicionários;
mas estes, bem protegidos, apenas tiveram a lamentar um par de feridos,
enquanto os adversários deviam ter sofrido um maior número de baixas.
Pouco a pouco, o infernal estrépito dos tiros foi decrescendo. No entanto,
Maine não se deixou enganar por aquela aparente retirada dos ladrões. Não era
provável que desistissem tão cedo e a proximidade da noite fazia-o temer que
preparassem qualquer ardil.
Um silêncio impressionante foi substituindo o fragor da luta à medida que
as sombras da noite se estenderam sobre o acampamento. Os homens
permaneceram atentos, inquietos, como se pressentissem que aquela calma era
o prelúdio de um novo e mais terrível ataque.
Transcorreram lentas as horas sem que se desse o temido assalto e a luz
do novo dia surpreendeu os expedicionários nos seus postos de combate. Alguns
dormitavam apoiados às rochas que lhes serviam de parapeito.
Fred Maine pegou nos binóculos e observou o terreno que os rodeava. A
alguma distância havia um pequeno bosque, entre cujas árvores julgou perceber
um movimento suspeito. Mais longe, quase invisíveis no horizonte, distinguiu uns
pontos que pareciam aproximar-se com rapidez. Não tardou em descobrir que se
tratava de um numeroso grupo de cavaleiros.
O movimento que tinha notado antes no bosque tornou-se mais intenso e
em breve ouviram «hurras» e gritos de júbilo. Os bandidos tinham descoberto,
sem dúvida, os cavaleiros que se aproximavam. A julgar pelo entusiasmo que
mostravam, devia tratar-se de alguns reforços que esperassem.
Maine franziu a testa, preocupado. As forças do inimigo seriam então muito
superiores às suas. Percorreu os postos para avisar todos os homens.
— Não desperdicem munições. A luta vai acender-se de novo. Será
preciso resistir até ao último cartucho.
Lembrou-se de Mary Edwin e a sua expressão tornou-se ainda mais
sombria. Se fossem aniquilados, a jovem ficaria à mercê dos bandidos. Dirigiu-se
para o carro onde a rapariga cuidava dos feridos.
— O inimigo recebeu reforços e não tardará em voltar ao ataque —
Esclareceu. — Espero que os vençamos, mas, se acontecer o pior, não quero
que fique indefesa. Tome este revólver e não hesite em disparar se algum
desses bandidos conseguir chegar até aqui.
Mary Edwin pegou na arma com mão firme e dirigiu a Maine um triste
sorriso.
— Não se preocupe comigo, Maine — Disse. — Saberei defender-me.
Que pensa que possa ter acontecido ao Alan?
— O sargento Green é um homem de recursos. O senhor Daves o disse.
Não se preocupe por ele.
Mas a rapariga estava muito preocupada. Voltou bruscamente a cabeça
para ocultar as lágrimas que lhe assomavam aos olhos e Maine afastou-se,
emocionado. Na realidade, apesar das palavras com que tentara reanimar a
jovem, tinha muito poucas esperanças de voltar a ver Alan Green com vida.
Quando chegou ao seu posto começavam a silvar as balas. Os homens
que pareciam vir em ajuda dos ladrões encontravam-se ainda a alguma distância,
mas os bandidos pareciam desejosos de atacar a manada e vingarem-se das
muitas baixas que tinham sofrido no primeiro embate.
Quando o novo grupo se reuniu ao resto dos assaltantes, o tiroteio
aumentou de intensidade. Os defensores tiveram de abandonar os postos mais
avançados, retrocedendo para posições mais seguras.
Apesar da coragem, quase temeridade, com que lutavam os vaqueiros,
Maine compreendeu que o fim estava próximo. A valentia não era suficiente
quando o inimigo os triplicava em número.
Os bandidos apertavam cada vez mais o círculo em torno do
acampamento, dominando já quase todos os pontos do sangrento cenário. Mary
Edwin via aumentar o número de feridos que precisavam dos seus cuidados e
multiplicava-se para atendê-los.
Entre eles estava Daves. Um projéctil tinha-lhe atravessado a coxa direita.
Ainda que tentasse continuar no seu posto, em breve a debilidade provocada
pela perda de sangue o obrigou a capitular e deixou que o conduzissem à
improvisada enfermaria.
Maine, também ferido num ombro, voltou à luta depois que a jovem lhe
vendou rudimentarmente a ferida. Sofria heroicamente as dores que lhe
provocavam as pancadas da coronha da espingarda ao disparar. Só restavam de
pé ele, Stuart, um tanto recuperado, e três ou quatro vaqueiros. Mas era preciso
resistir a todo o custo.
Maine, Stuart e todos os seus companheiros pareciam multiplicar-se.
Acudiam a um e outro lado, procurando estar sempre no ponto que os bandidos
atacavam com mais ímpeto. Mary Edwin acabou por abandonar os feridos e
correu em ajuda dos defensores. Recarregava as armas e estava atenta aos
movimentos dos inimigos.
Maine não se opôs aquela actividade que, sem dúvida, a punha em maior
perigo. Pensou que era preferível que a rapariga não sobrevivesse ao
aniquilamento total dos homens...
No momento em que outro vaqueiro tombava ferido de morte, um dos seus
companheiros assinalou a Maine um novo grupo de cavaleiros que tinha
aparecido no cimo de uma colina e avançava rapidamente para eles.
— Isto é o fim, rapaz — Disse Maine. — Não poderemos resistir a novo
ataque.
Seguindo as suas ordens, retiraram todos para junto do carro-enfermaria,
colocaram-se em torno dele e prepararam-se para continuar a lutar até ao fim.
Venderiam caro as suas vidas.
Mary Edwin empunhava agora valorosamente o revólver que Maine lhe
tinha entregado. Alguns dos feridos fizeram um supremo esforço para empunhar
novamente as armas.
Ouviu-se uma enorme gritaria entre as fileiras dos bandidos.
Imediatamente cessaram os disparos. Sem dúvida preparavam-se para cair
sobre os dizimados defensores da manada. Maine e os seus companheiros
dispuseram-se a recebê-los com uma descarga cerrada, mas o ataque não se
produziu.
Subitamente começaram a soar descargas cada vez mais nutridas. No
entanto, nem um só projéctil caiu sobre os assombrados expedicionários.
De súbito ouviu-se uma voz que todos reconheceram. Era a de Alan Green!
— Ânimo, rapazes!
— Alan! — Exclamou a jovem, com a voz embargada pela emoção.
Escutou atentamente, julgando ser vítima de uma alucinação, mas ao voltar
a ouvi-lo convenceu-se de que se tratava, efectivamente, do jovem.
Momentaneamente enlouquecida, tentou correr para o lugar onde tinha soado a
voz amada. Maine, que se encontrava junto dela, teve de fazer grandes esforços
para a conter.
— Por favor, menina — Suplicou. — Não vê que não conseguiria chegar
com vida até onde está o sargento Green?
A rapariga chorava e ria ao mesmo tempo, repetindo sem cessar:
— Salvou-se! Salvou-se!
Stuart correu a ajudar Maine, assim como o próprio Daves. Ela, finalmente
mais calma, compreendeu que eles tinham razão e resignou-se a esperar que os
bandidos fossem vencidos e que Alan pudesse chegar junto dela. Agora que ele
tinha voltado tão milagrosamente, não duvidava nem por um momento da
completa derrota dos bandidos.
A sua fé no triunfo viu-se confirmada. Os bandidos, desmoralizados por
aquele ataque que não esperavam, não tardaram em empreender uma
desordenada fuga, perseguidos pelos homens que tinham chegado em auxílio
dos expedicionários.
Alan Green reconheceu Gene Guimons num dos fugitivos. Pelos vistos,
mesmo ferido, quisera estar presente ao ataque final. Green partiu atrás dele a
todo o galope. Guimons era acompanhado por Duck, o hercúleo vaqueiro a quem
dera fenomenal tareia, e que mais tarde ajudara Dorsey no rapto da jovem.
O sargento rilhou os dentes. Eram dois, mas não lhe importava. De súbito,
o cavalo que Duck montava tropeçou numas raízes e despediu o cavaleiro pelas
orelhas. Guimons nem sequer olhou para o seu sequaz. Continuou a galopar
loucamente, desejoso de fugir à perseguição do Rural.
Duck, ao comprovar que Green se aproximava, tentou derrubá-lo. O
sargento não se deixou surpreender. Adiantou-se-lhe na acção e viu como o tipo
deixava cair o revólver e tombava de bruços. Não precisou de se certificar para
saber que estava morto. Ele costumava desperdiçar poucos projécteis.
Saltou sobre o corpo de Duck e continuou a perseguição a Guimons. O
cavalo que este montava era potente e veloz, mas não tanto como o do Rural.
Pouco a pouco, inexoravelmente, a distância entre os dois ia-se encurtando.
Guimons voltou-se na sela e disparou. O projéctil silvou à frente de Green,
que continuou a esporear a sua montada. Os dois cavalos voavam mais que
corriam.
Guimons disparou de novo. Desta vez a bala quase alcançou o jovem.
Green decidiu deter a louca corrida do seu inimigo. Apontou cuidadosamente e
disparou. Guimons encolheu-se, pelo que Green pôde comprovar que fizera alvo.
Mas não o quisera matar. Pretendia apenas feri-lo e fazê-lo prisioneiro. Um
julgamento e uma sentença de morte seriam muito mais exemplificadores que
uma morte no campo.
— Detenha-se, Guimons!
Este, por toda resposta, voltou a disparar. Cavalgava quase voltado para a
garupa do cavalo, para poder fazer melhor pontaria. Mas sem cessar em nenhum
momento de esporear selvaticamente o animal.
Por essa razão não pôde aperceber-se do perigo para que galopava. Uma
enorme cortada erguia-se quase a pino sobre um desfiladeiro, no fundo do qual
corria uma pequena linha de água. Green tentou avisá-lo, mas Guimons parecia
não ver nem ouvir nada.
— Bastardo maldito! — Gritou. — Não conseguirás apanhar-me!
Enquanto falava, cravou ainda com mais força as esporas nas ilhargas do
animal. Este, enlouquecido, saltou para o vazio. Guimons largou o revólver e
gritou horrorizado. Depois agarrou-se desesperadamente às rédeas, mas já era
demasiado tarde...
Do alto do precipício, Green compreendeu que a sua intenção de apanhá-
lo vivo tinha fracassado. Cavalo e cavaleiro jaziam no fundo do abismo,
praticamente destroçados. A rota fizera a sua justiça, adiantando-se à dos
homens.
Deu meia volta e galopou novamente para o acampamento. Procurou
ansioso Mary Edwin e descobriu-a no meio de um grupo de sobreviventes. Ela
tinha-o reconhecido também e correu ao seu encontro. Uniram-se num apertado
abraço.
Passado o primeiro momento de emoção, a jovem quis saber como tinha
ele conseguido livrar-se dos bandidos. Olhava para ele como sé não pudesse
ainda acreditar que estava ali, são e salvo.
— Foi relativamente fácil, querida — Respondeu o jovem, tentando tirar
importância ao que tinha feito. — Perseguiram-me durante algum tempo. Depois,
quando calculei que vocês já se tinham afastado o suficiente, decidi despistá-los.
Quando o consegui dirigi-me a Sun Valley, onde sabia que encontraria ajuda.
— Tu sozinho contra essa chusma! — Murmurou Mary, admirada.
Alan Green sorriu.
— Já me vi em maiores apuros. O pior, desta vez, foi pensar que tu
estavas em perigo e longe de mim.
A chegada do xerife de Sun Valley, que voltava ao acampamento com
parte dos homens que tinham acorrido em ajuda dos expedicionários e alguns
prisioneiros, pôs fim ao diálogo dos dois apaixonados.
— Creio que os poucos bandidos que conseguiram escapar não terão
vontade de voltar às suas actividades criminosas nesta rota — Comentou
satisfeito. — O número de baixas foi espantoso.
Sem lugar a dúvidas, o xerife tinha razão. Sem chefe, assustados e
maltratados, era pouco provável que os poucos que tinham conseguido fugir se
atrevessem a tentar novos assaltos. A rota do Oregão podia dizer-se que tinha
ficado definitivamente limpa de ladrões de gado. A luta tinha sido longa e dura.
Muitas vidas tinham sido sacrificadas, mas dali em diante, os honrados
ganadeiros não se veriam ameaçados pelos bandidos. O fantasma da ruína
afastar-se-ia de Casper.
Depois de um bem merecido descanso e de serem tratados o melhor
possível todos os feridos, a manada pôs-se de novo a caminho. Alguns homens
de Sun Valley juntaram-se a eles e acompanharam-nos até ao Oregão, pois os
homens que tinham ficado em condições eram muito poucos para a condução de
uma tão grande manada.
Antes de recomeçar a marcha, Stuart, com ar contrito, aproximou-se de
Mary Edwin. Esta, que se preparava para montar a cavalo ajudada por Green,
olhou-o interrogativamente.
— Não me guarde rancor, menina — Disse, hesitante.
— Deixei-a pensar que o Green tinha morrido porque...
Uma alegre gargalhada da jovem interrompeu-o.
— Sou tão feliz que não poderia guardar rancor a ninguém, Stuart. Além
disso, o Alan contou-me o que se passou. Creio que, na verdade, com quem teria
de zangar-me seria com ele.
Mas o olhar que lhe dirigiu mostrava tudo menos zanga.
Stuart afastou-se, sorridente.
Pouco depois, enquanto cavalgavam, Fred Maine aproximou-se de Green.
Olharam-se e nos seus olhos brilhou uma luz de tristeza. Certamente pensavam
em Tom Hume, o companheiro assassinado. Mas voltaram a sorrir ao con-
templarem a massa enorme de reses que avançava para a meta final.
— Missão cumprida, sargento…
— Sim, Maine, missão cumprida.

FIM

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