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Informativo 619-STJ
Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE
DIREITO ADMINISTRATIVO
CÓDIGO DE TRÂNSITO
 Carros dos conselhos profissionais não podem ser registrados como veículos oficiais.

DIREITO CIVIL
OBRIGAÇÕES
 Pedido para analisar se existe mesmo o débito não pode ser considerado ato que interrompe a prescrição (art. 202,
VI, do CC).

DANOS MORAIS
 É possível que o juiz utilize presunções e regras de experiência para a comprovação do dano moral da pessoa jurídica.

DIREITO DO CONSUMIDOR
CONCEITO DE CONSUMIDOR
 Súmula 602-STJ.

PRÁTICA ABUSIVA
 Súmula 603-STJ.

VÍCIO DO PRODUTO
 Dever do comerciante de receber e enviar os aparelhos viciados para a assistência técnica ou para o fabricante.

DIREITO EMPRESARIAL
MARCA
 Danos materiais e morais em caso de uso indevido de marca.

SOCIEDADES
 Ação de regresso proposta pela empresa cindida contra a empresa resultante da cisão.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL


EXECUÇÃO
 O prazo para cumprimento voluntário de sentença deverá ser computado em dobro no caso de litisconsortes com
procuradores distintos (art. 229 do CPC).

AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE


 Conversão da ação reintegratória em indenizatória.

DIREITO PENAL
LEI DE DROGAS
 Decisão que reconhece detração penal analógica virtual não serve para fins de reincidência.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1


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DIREITO PROCESSUAL PENAL


PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA
 Cartório que não certificou o dia do recebimento da sentença.
RECURSOS
 Súmula 604-STJ.

DIREITO TRIBUTÁRIO
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
 Apresentação anula de relatório das atividades exercidas pela entidade beneficente não era requisito para o gozo
da imunidade tributária.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
AUXÍLIO-ACIDENTE
 O segurado especial tem direito ao auxílio-acidente sem precisar comprovar o recolhimento de contribuição como
segurado facultativo.

PENSÃO POR MORTE


 Menor sob guarda é dependente para fins previdenciários.

DIREITO ADMINISTRATIVO

CÓDIGO DE TRÂNSITO
Carros dos conselhos profissionais não podem ser registrados como veículos oficiais

Os conselhos de fiscalização profissional não possuem autorização para registrar os veículos


de sua propriedade como oficiais.
STJ. 1ª Turma. AREsp 1.029.385-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 05/12/2017 (Info 619).

Imagine a seguinte situação hipotética:


O Conselho Regional de Engenharia de São Paulo (CREA/SP) requereu ao DETRAN que os carros de sua
propriedade fossem registrados no órgão como veículos oficiais.
Os veículos oficiais estão disciplinados pela Lei nº 1.081/1950.
O DETRAN negou o pedido, o que fez com que o CREA impetrasse mandado de segurança contra o ato.
A pergunta que surge, portanto, é a seguinte: os conselhos profissionais podem registrar seus veículos
como carros oficiais?
NÃO.
Os conselhos de fiscalização profissional não possuem autorização para registrar os veículos de sua
propriedade como oficiais.
STJ. 1ª Turma. AREsp 1.029.385-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 05/12/2017 (Info 619).

A Resolução Contran nº 529/78 assegurava o emplacamento de veículos pertencentes a autarquias e a


Resolução nº 756/91 dispunha sobre as cores das placas de identificação de veículos pertencentes a
entidades públicas. Tais atos, no entanto, foram revogados pela Resolução Contran nº 298/2008.
Por outro lado, o § 1º do art. 120 do Código de Trânsito Brasileiro prevê que somente serão registrados
como oficiais os veículos de propriedade da Administração Direta, seja da União, dos Estados Membros,
do Distrito Federal ou aos Municípios, de qualquer um dos Poderes da República.
Assim, mostra-se inviável que o Conselho de Fiscalização Profissional, que possui natureza de autarquia,
componente da administração indireta, registre seus veículos como oficiais.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2


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DIREITO CIVIL

OBRIGAÇÕES
Pedido para analisar se existe mesmo o débito não pode ser considerado
ato que interrompe a prescrição (art. 202, VI, do CC)

O pedido de concessão de prazo para analisar documentos com o fim de verificar a existência
de débito não tem o condão de interromper a prescrição.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.677.895-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/02/2018 (Info 619).

Imagine a seguinte situação hipotética:


A empresa 1 prestou serviços para a empresa 2.
Por esses serviços, a empresa 1 deveria receber R$ 400 mil, que deveriam ter sido pagos em agosto/2012.
Em julho de 2017, ou seja, 4 anos e 11 meses depois, a empresa 1 enviou notificação à empresa 2
requerendo que esta efetuasse o pagamento da quantia devida, acrescida de juros e correção monetária.
A empresa 2 respondeu a essa notificação solicitando prazo para que o setor técnico da empresa
analisasse os documentos enviados e, assim, pudesse confirmar se os serviços que estão sendo cobrados
foram realmente prestados.
Como não houve resposta, a empresa 1 ajuizou, em setembro/2012, ação de cobrança contra a empresa 2.
A ré, em contestação, afirmou que a pretensão está prescrita conforme prevê o art. 206, § 5º, I, do Código Civil:
Art. 206. Prescreve:
(...)
§ 5º Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;

A autora refutou a alegação sustentando que o pedido feito pela empresa ré para analisar os documentos
foi uma causa interruptiva da prescrição, nos termos do art. 202, VI, do CC:
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
(...)
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito
pelo devedor.

A tese da autora foi acolhida pelo STJ?


NÃO.
O pedido de concessão de prazo para analisar documentos com o fim de verificar a existência de débito
não tem o condão de interromper a prescrição.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.677.895-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/02/2018 (Info 619).

Para que se enquadre nesse inciso VI do art. 202, deve ter sido praticado um ato que, de forma inequívoca
(sem dúvidas), demonstre que o devedor reconheceu o direito do credor.
Assim, não serve para interromper a prescrição o ato do devedor que “(...) traduz simples possibilidade de
que tenha havido o reconhecimento ” (CAHALI, Yussef Said. Prescrição e decadência. São Paulo: RT, 2ª ed.,
2012, p. 129).
No mesmo sentido é a lição de Gustavo Tepedino:

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 3


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“A lei não especificou que atos, judiciais ou extrajudiciais, poderiam ensejar a interrupção da
prescrição, deixando ao magistrado essa tarefa. É certo, contudo, que o reconhecimento deve ser
inequívoco, motivo pelo qual a eventual existência de dúvida quanto à sua configuração já afasta
o efeito estabelecido na norma.” (Código civil interpretado, Vol. 1, Parte Geral e Obrigações. Rio
de Janeiro: Renovar, 2ª ed., 2007, p. 390).

O pedido de concessão de prazo para analisar os documentos apresentados pela ré só poderia ser
considerado como ato inequívoco que importasse em reconhecimento de débito (direito de receber) se
este pedido de prazo fosse para o devedor analisar o montante dos valores (quantia exata a ser paga) e
não para analisar se o serviço tinha sido ou não prestado (analisar a própria existência do débito).

DANOS MORAIS
É possível que o juiz utilize presunções e regras de experiência
para a comprovação do dano moral da pessoa jurídica

Não se admite que o dano moral de pessoa jurídica seja considerado como in re ipsa, sendo
necessária a comprovação nos autos do prejuízo sofrido.
Apesar disso, é possível a utilização de presunções e regras de experiência para a configuração
do dano, mesmo sem prova expressa do prejuízo, o que sempre comportará a possibilidade de
contraprova pela parte ou de reavaliação pelo julgador.
Ex: caso a pessoa jurídica tenha sido vítima de um protesto indevido de cambial, há uma
presunção de que ela sofreu danos morais.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.564.955-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/02/2018 (Info 619).
Cuidado: existem julgados em sentido contrário, ou seja, dizendo que pessoa jurídica pode sofrer
dano moral in re ipsa. Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 1327773/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 28/11/2017 (Info 619).

Imagine a seguinte situação hipotética:


A empresa 1 levou para protesto, em desfavor da empresa 2, um título de crédito que já havia sido pago.
Diante disso, a empresa 2, protestada indevidamente, ajuizou ação de indenização por danos morais
contra a empresa 1.

As pessoas jurídicas podem sofrer dano moral?


SIM. Esse tema está, inclusive, sumulado:
Súmula 227-STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

No mesmo sentido, o art. 52 do CC prevê:


Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

Vale ressaltar, no entanto, que “o dano moral de pessoa jurídica não é idêntico àquele sofrido por um
indivíduo. Percebe-se que a expressão dano moral é usada como analogia, uma vez que envolvem direitos
extrapatrimoniais, mas não são de natureza biopsíquica e tampouco envolve a dignidade da pessoa
humana.” (Min. Nancy Andrigui).
O que se protege é a honra objetiva da pessoa jurídica. Assim, quando se fala que a pessoa jurídica pode
sofrer danos morais, o que se está dizendo é que ela pode sofrer danos contra seu bom nome, fama,
reputação etc.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4


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Assim, é possível que a pessoa jurídica sofra dano moral (Súmula 227/STJ), desde que demonstrada ofensa
à sua honra objetiva (imagem e boa fama) (STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 913.343/RS, Rel. Min. Marco
Buzzi, julgado em 06/03/2018).

Dano moral in re ipsa


Em algumas situações, a doutrina e a jurisprudência afirmam que a demonstração do dano moral não é
necessária, bastando se demonstrar que houve a prática do ato. Nesse caso, fala-se em damnun in re ipsa,
também conhecido como dano moral in re ipsa.
Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier ensinam que o dano moral deve ser considerado
in re ipsa quando ele decorrer da existência de uma comunhão de valores éticos e sociais ou, ainda, de
uma essência comum universal dos seres humanos. Em outras palavras, existe uma espécie de “consenso”
de que aquele fato gera um dano moral não sendo necessário que se prove que houve sofrimento. É o
caso, por exemplo, da perda de um ente querido. Não se exige que a pessoa comprove que sofreu nem o
quanto sofreu. Basta que se comprove o ilícito que levou à morte de alguém e a autoria deste ilícito. O
dano moral é in re ipsa. (Dano moral de pessoa jurídica e sua prova. In: Anuário de Produção Intelectual.
Curitiba: Arruda Alvim Wambier, 2008, p. 151).

Pessoa jurídica pode sofrer dano moral in re ipsa?


A partir do que foi exposto acima, não há como aceitar que o dano moral sofrido pela pessoa jurídica possa
ser classificado como in re ipsa, ou seja, sem a necessidade de apresentação de qualquer tipo de prova.
Não é possível que o julgador dispense qualquer tipo de comprovação para caracterizar os danos morais
sofridos pela pessoa jurídica.
É possível, contudo, que o magistrado, ao julgar pedido de indenização formulado por pessoa jurídica,
utilize presunções ou regras de experiência.
Veja o que dizem Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier:
“Regras de experiência norteiam o juiz a entender ter havido dano moral de pessoa jurídica, como
por exemplo, no caso de protesto de título já pago. (...) Sabe-se que a empresa que tem título
protestado fica impedida de participar de licitações, assiste à desconfiança de seus fornecedores,
deixa de ter crédito. Estas consequências não precisam ser diretamente provadas, porque se sabe
que elas ocorrem: são as regras comuns da experiências. Mas não se trata de dano in re ipsa, pois
se está, aqui, diante de situação que admite contra-prova. (...) o dano moral de pessoa física é in
re ipsa e, pois, não aproveita ao réu a alegação e comprovação de que não houve abalo; o dano
moral de pessoa jurídica pode, eventual e circunstancialmente, dispensa prova direta e ser
provada pela via das presunções. Entretanto, prova de que o dano efetivamente não ocorreu
certamente aproveitará àquele que se apontou como causador da lesão.” (Dano moral de pessoa
jurídica e sua prova. In: Anuário de Produção Intelectual. Curitiba: Arruda Alvim Wambier, 2008,
p. 159-160)

Em suma:
Não se admite que o dano moral de pessoa jurídica seja considerado como in re ipsa, sendo necessária
a comprovação nos autos do prejuízo sofrido.
Apesar disso, é possível a utilização de presunções e regras de experiência para a configuração do dano,
mesmo sem prova expressa do prejuízo, o que sempre comportará a possibilidade de contraprova pela
parte ou de reavaliação pelo julgador.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.564.955-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/02/2018 (Info 619).

Cuidado porque existem precedentes em sentido contrário:


Há julgados do STJ em sentido contrário ao que foi explicado acima e afirmando que a pessoa jurídica pode
sim sofrer dano moral in re ipsa:

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5


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(...) O dano moral por uso indevido da marca é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da
mera comprovação da prática de conduta ilícita, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos
concretos ou a comprovação probatória do efetivo abalo moral. (...)
STJ. 4ª Turma. REsp 1327773/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017 (Info 619).

DIREITO DO CONSUMIDOR

CONCEITO DE CONSUMIDOR
Aplicação do CDC aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas

Súmula 602-STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos empreendimentos


habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas.
STJ. 2ª Seção. Aprovada em 22/2/2018, DJe 26/2/2018.

Cooperativas habitacionais
Existem determinados empreendimentos habitacionais que são planejados, construídos e comercializados
por sociedades cooperativas.
Um exemplo famoso é o da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop).
A Bancoop foi criada com o objetivo de construir e vender imóveis (em geral, apartamentos) para os
trabalhadores bancários.
A ideia das cooperativas habitacionais é nobre, considerando que o objetivo, em tese, é o de facilitar que
um grupo de pessoas consiga adquirir sua casa própria de forma facilitada, com preços menores, juros
mais baixos e prazo mais extenso para pagamento. Isso porque, na teoria, a cooperativa não possui
finalidade de lucro. Sua finalidade seria apenas a de facilitar para que aquele grupo de pessoas consiga
atingir seu objetivo, que, no caso, seria construir um empreendimento imobiliário para moradia.
Algumas vezes, contudo, na prática, os fins originais das cooperativas habitacionais foram desvirtuados,
sendo comum notícias de irregularidades e até mesmo de crimes cometidos por determinados dirigentes
de sociedades cooperativas.
Assim, infelizmente, aconteceram vários casos de sociedades cooperativas que atrasaram a entrega ou
mesmo não entregaram os empreendimentos habitacionais que lançaram e pelos quais as pessoas
pagaram com o objetivo de ali morarem.

Essas questões foram levadas até o Judiciário e surgiu a seguinte dúvida: os adquirentes desses imóveis
podem ser considerados consumidores? As cooperativas habitacionais podem ser classificadas como
fornecedoras? Essa relação jurídica é regida pelo Código de Defesa do Consumidor?
SIM. O STJ, há muito tempo, firmou a posição de que a cooperativa que promove um empreendimento
habitacional assume posição jurídica equiparada a uma incorporadora imobiliária, estando sujeita,
portanto, às disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Quando lança um plano habitacional, a cooperativa age como prestadora de serviços, e os seus
cooperados (adquirentes) se equiparam a consumidores.
Os cooperados adquirem o imóvel como destinatários finais e são considerados vulneráveis, razão pela
qual se enquadram no conceito de consumidores.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 6


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PRÁTICA ABUSIVA
Banco não pode descontar verbas de natureza salarial depositadas
na conta bancária para quitar mútuo comum

Súmula 603-STJ: É vedado ao banco mutuante reter, em qualquer extensão, os salários,


vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir o mútuo (comum) contraído, ainda
que haja cláusula contratual autorizativa, excluído o empréstimo garantido por margem
salarial consignável, com desconto em folha de pagamento, que possui regramento legal
específico e admite a retenção de percentual.
STJ. 2ª Seção. Aprovada em 22/2/2018, DJe 26/2/2018.

Imagine a seguinte situação hipotética:


João é servidor público aposentado e recebe seus proventos no banco “Moreal”.
João fez contrato de mútuo com o banco, tendo tomado emprestado R$ 40 mil.
O mutuário pagou quase todo o empréstimo, mas ficou devendo R$ 11 mil.
No contrato havia uma previsão de que a dívida decorrente do empréstimo poderia ser descontada
diretamente da conta-corrente que João mantém no banco “Moreal”. A cláusula dizia mais ou menos o
seguinte:
“O MUTUÁRIO autoriza o MUTUANTE a debitar na conta-corrente de que é titular, até quanto os fundos
comportarem, todas as quantias devidas em função do empréstimo tomado.”
Ocorre que, em vez de buscar os meios judiciais para receber a dívida, o banco passou a reter o valor de toda
a aposentadoria de João (R$ 1.500) todas as vezes que ela era depositada, até quitar integralmente a dívida.

A conduta do banco foi lícita?


NÃO. O STJ entende que é ilegal a conduta do banco de se apropriar do salário do cliente, depositado na
conta-corrente, ainda que seja para pagar um mútuo (empréstimo) contraído com esta instituição
financeira e mesmo que exista essa autorização no contrato. Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. AgRg nos EDcl
no AREsp 429.476/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 18/09/2014.

Mas esse desconto foi autorizado pelo contrato assinado?


Ocorre que o STJ entende que esta cláusula que autoriza o desconto é abusiva.

Por que é abusiva?


A conduta de instituição financeira que desconta o salário do correntista para quitação de débito contraria
o art. 7º, X, da Constituição Federal e o art. 833, IV, do CPC, pois estes dispositivos visam à proteção do
salário do trabalhador, seja ele servidor público ou não, contra qualquer atitude de penhora, retenção, ou
qualquer outra conduta de restrição praticada pelos credores, salvo no caso de prestações alimentícias.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social:
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

Art. 833. São impenhoráveis:


IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de
aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por
liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de
trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
(...)
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento
de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 7


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excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto


no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.

Perceba, portanto, que esta cláusula que autoriza o desconto concede ao banco a posição de credor
ultraprivilegiado, considerando que ele poderia “executar” extrajudicialmente a dívida sem estar preso à
limitação legal do art. 833, IV, do CPC. Ora, se o banco ingressasse com uma execução pedindo a penhora
do salário depositado de João, o juiz não poderia deferir essa medida por conta da vedação do art. 833,
IV, do CPC. Logo, com muito mais razão não pode o banco fazer ele próprio a penhora dos valores
depositados.
Como afirmou a Min. Nancy Andrighi, “Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será a
instituição privada autorizada a fazê-lo.” (Resp 1.012.915/PR)
A previsão contratual nesse sentido é, portanto, ilícita por representar uma fraude, uma burla ao art. 833,
IV, do CPC.

Indenização por danos morais


Vale ressaltar que, neste caso, o banco poderá ser condenado a pagar indenização por danos morais por
conta de sua conduta ilícita.
A retenção de verba salarial com o objetivo de saldar débitos existentes em conta-corrente mantida pela
própria instituição financeira credora é conduta passível de reparação moral.

Existe algum percentual baixo que o banco está autorizado a reter (ex: 30% do salário)? Essa
possibilidade existe?
NÃO. É vedado ao banco mutuante reter, em qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos
de correntista para adimplir o mútuo (comum) contraído. “Em qualquer extensão” significa aqui “qualquer
que seja o percentual”. Desse modo, mesmo que seja um percentual baixo (10%, 20%, 30% do salário),
ainda assim essa prática será considerada abusiva.

O que o banco deve fazer nestes casos?


A instituição financeira terá que buscar a satisfação de seu crédito pelas vias judiciais próprias (ajuizar
ação de cobrança, monitória ou de execução, a depender do caso concreto).

Esse contrato celebrado por João e que foi explicado acima é aquilo que se chama de “empréstimo
consignado”?
NÃO. O contrato feito por João não se trata de consignação em folha de pagamento (“empréstimo
garantido por margem salarial consignável” ou simplesmente “empréstimo consignado”).

Em que consiste o empréstimo consignado? O empréstimo consignado também é proibido?


NÃO. No empréstimo consignado, o mutuário autoriza o desconto dos valores da sua folha de pagamento.
Antes mesmo de a pessoa receber sua remuneração/proventos, já há o desconto da quantia, o que é
efetuado pelo próprio órgão ou entidade pagadora.
Em outras palavras, há um desconto direto no salário, remuneração ou aposentadoria, com a participação
do empregador/órgão público.
No empréstimo consignado em folha de pagamento, se é depositada na conta do devedor uma quantia
referente a outra fonte de renda (ex: um “bico” feito pelo mutuário) ou a doação de amigo, tal quantia
não entrará no desconto.
O empréstimo consignado é autorizado pelo art. 45 da Lei nº 8.112/90 e pela Lei nº 10.820/2003. Trata-
se, portanto, de prática permitida (lícita).

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8


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Por que o contrato de empréstimo consignado é válido?


Porque o tomador do empréstimo se beneficia de condições vantajosas, como juros reduzidos e prazos
mais longos, motivo pelo qual a autorização para o desconto na folha de pagamento não constitui cláusula
abusiva.
Além disso, conforme já ressaltado, o empréstimo garantido por margem salarial consignável com
desconto em folha de pagamento possui regramento legal específico e a própria Lei admite a retenção de
determinado percentual.

VÍCIO DO PRODUTO
Dever do comerciante de receber e enviar os aparelhos viciados
para a assistência técnica ou para o fabricante

Atualize o Info 557-STJ


Se o produto que o consumidor comprou apresenta um vício, ele tem o direito de ter esse vício
sanado no prazo de 30 dias (art. 18, § 1º do CDC).
Para tanto, o consumidor pode escolher para quem levará o produto a fim de ser consertado:
a) para o comerciante;
b) para a assistência técnica ou
c) para o fabricante.
Em outras palavras, cabe ao consumidor a escolha para exercer seu direito de ter sanado o
vício do produto em 30 dias: levar o produto ao comerciante, à assistência técnica ou
diretamente ao fabricante.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.634.851-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/09/2017 (Info 619).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João comprou um aparelho celular Samsung na loja “Ponto Frio” no shopping.
Dois meses depois, o som do aparelho não funcionava mais.
Neste caso, João tem o direito de exigir que consertem o produto adquirido no prazo de 30 dias.
Se o produto não for consertado nesse prazo, o consumidor pode exigir a substituição da mercadoria, a
devolução do dinheiro ou o abatimento proporcional do preço.
Isso encontra-se previsto no art. 18, § 1º do CDC:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem
solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou
inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles
decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem
ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o
consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir,
alternativamente e à sua escolha:
I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais
perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.

Voltando ao caso concreto:


João viu na internet que a assistência técnica da Samsung era no centro, o que era longe da sua casa.
Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9
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Diante disso, João voltou ao Ponto Frio e exigiu que ela recebesse o aparelho e o consertasse.
A loja afirmou que João deveria levar o celular diretamente para a assistência técnica da Samsung.

A loja está correta ao agir assim?


NÃO.
Se o produto que o consumidor comprou apresenta um vício, ele tem o direito de ter esse vício sanado no
prazo de 30 dias. Para tanto, o consumidor pode escolher para quem levará o produto a fim de ser
consertado:
a) para o comerciante;
b) para a assistência técnica ou
c) para o fabricante.

O consumidor já teve a frustração de ter adquirido um produto que apresentou vício. Não é razoável que,
além disso, ele tenha que ter o desgaste de procurar onde é a assistência técnica, agendar uma visita e ir
até o local levar o produto. Deve-se facilitar a situação do consumidor e, por isso, o mais correto é que ele
tenha a opção de escolher para quem irá encaminhar o produto com vício.
A responsabilidade da loja (comerciante) decorre da solidariedade passiva imposta pelo microssistema do
CDC a todos os fornecedores integrantes da cadeia de consumo para a reparação dos vícios que os
produtos alienados ao consumidor final venham apresentar.
Impedir que o consumidor retorne ao comerciante para que ele encaminhe o produto para que o
fabricante repare o vício representa lhe impor dificuldades ao exercício de seu direito de possuir um bem
que sirva aos seus propósitos.
O comerciante tem muito mais acesso ao fabricante do bem danificado por ele comercializado do que o
consumidor.

Resumindo:
Cabe ao consumidor a escolha para exercer seu direito de ter sanado o vício do produto em 30 dias -
levar o produto ao comerciante, à assistência técnica ou diretamente ao fabricante.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.634.851-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/09/2017 (Info 619).

DIREITO EMPRESARIAL

MARCA
Danos materiais e morais em caso de uso indevido de marca

Importante!!!
O uso indevido da marca acarreta dano material uma vez que a própria violação do direito
revela-se capaz de gerar lesão à atividade empresarial do titular. O uso indevido da marca
provoca desvio de clientela e confusão entre as empresas, acarretando indiscutivelmente
dano material.
Desse modo, se ficar demonstrado o uso indevido de marca, o juiz deverá declarar a existência
do dano (an debeatur). O quantum debeatur, por sua vez, deverá ser apurado no âmbito da
liquidação pelo procedimento comum, haja vista a necessidade de comprovação de fatos
novos, nos termos do art. 210 da LPI.
Quanto ao prejuízo extrapatrimonial, prevalece que o uso indevido da marca gera dano moral
in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera comprovação da prática de conduta ilícita

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- contrafação -, revelando-se desnecessária a demonstração de prejuízos concretos ou a


comprovação probatória do efetivo abalo moral.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.327.773-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017 (Info 619).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:


COTEMIG é a marca de um famoso grupo que possui colégios e faculdades.
Anos depois, surgiu uma outra instituição de ensino que escolheu uma marca parecida (CETEMIG).
A empresa titular da COTEMIG ajuizou, então, uma ação contra a empresa titular da CETEMIG alegando
que houve a prática de concorrência desleal consubstanciada na utilização indevida, pela ré, no mesmo
ramo de atividade, de marca parecida, que confunde o consumidor.
A autora pediu a suspensão do uso da marca, além de indenização pelos danos patrimoniais e morais
sofridos.
O magistrado julgou parcialmente procedente o pedido para determinar que a ré se abstivesse da
utilização da marca “CETEMIG” e dos domínios de internet e quaisquer outros signos que se confundam
com a marca da autora, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, negando, porém, a indenização sob o
argumento de que não restou comprovado o dano moral.
A autora recorreu alegando que o dano moral, neste caso, é presumido.

A tese da autora foi acolhida pelo STJ?


SIM. Vamos entender com calma os argumentos do STJ, expostos abaixo com base nas lições do grande
Min. Luis Felipe Salomão.

O que é marca?
A marca “é qualquer sinal distintivo (tais como palavra, letra, numeral, figura), ou combinação de sinais,
capaz de identificar bens ou serviços de um fornecedor, distinguindo-os de outros idênticos, semelhantes
ou afins de origem diversa.
Cuida-se de bem imaterial, cuja proteção consiste em garantir a seu titular o privilégio de uso ou
exploração, sendo regido, entre outros, pelos princípios constitucionais de defesa do consumidor e de
repressão à concorrência desleal.” (Min. Luis Felipe Salomão)

Funções da marca
a) identificar o produto ou serviço, distinguindo-o do congênere existente no mercado;
b) assinalar a origem e a procedência do produto ou serviço;
c) indicar que o produto ou serviço identificado possui o mesmo padrão de qualidade; e
d) funcionar como instrumento de publicidade, configurando importante catalisador de vendas.

Primeiramente, a empresa autora terá direito de ser indenizada por danos materiais?
SIM. A jurisprudência do STJ entende que há presunção da ocorrência de prejuízos materiais quando se
constata o uso indevido da marca, uma vez que a própria violação do direito é tida como capaz de gerar
lesão à atividade empresarial do titular.
O uso indevido da marca provoca desvio de clientela e confusão entre as empresas, acarretando
indiscutivelmente dano material.
A própria Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) presume a existência dos danos materiais, sendo
decorrência natural da contrafação e da violação da concorrência do mercado. A norma, inclusive,
estabelece critérios específicos para se melhor alcançar o quantum debeatur.
Veja o que diz a Lei:
Art. 208. A indenização será determinada pelos benefícios que o prejudicado teria auferido se a
violação não tivesse ocorrido.
Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de
prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de
Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11
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concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios
alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço,
ou entre os produtos e serviços postos no comércio.
§ 1º Poderá o juiz, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação,
determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da citação do réu,
mediante, caso julgue necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória.
§ 2º Nos casos de reprodução ou de imitação flagrante de marca registrada, o juiz poderá
determinar a apreensão de todas as mercadorias, produtos, objetos, embalagens, etiquetas e
outros que contenham a marca falsificada ou imitada.
Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado,
dentre os seguintes:
I - os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; ou
II - os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou
III - a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão
de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem.

A norma, em nenhum momento, condiciona a reparação à efetiva demonstração do dano, até porque,
como dito, é inerente ao uso indevido da marca a concorrência desleal, o desvio de clientela, a confusão
entre estabelecimentos, independentemente da análise do dolo do agente ou da comprovação de
prejuízos.
O dispositivo autoriza a reparação material se houver “ato de violação de direito de propriedade industrial
e atos de concorrência desleal”, ou seja, a demonstração do dano perpassa pela comprovação da
existência do fato - uso indevido de marca.
Ademais, deve-se levar em consideração que a referida prova é de dificílima execução.
Desse modo, se ficar demonstrado o uso indevido de marca, o juiz deverá declarar a existência do dano
(an debeatur). O quantum debeatur, por sua vez, deverá ser apurado no âmbito da liquidação pelo
procedimento comum, haja vista a necessidade de comprovação de fatos novos, nos termos do art. 210
da LPI.
Nesse sentido:
O dano patrimonial causado ao titular de direito de marca configura-se com a violação dos interesses
tutelados pela Lei de Propriedade Industrial, sendo despicienda a comprovação da intenção do agente em
prejudicar a vítima ou do prejuízo causado, devendo o montante ser apurado em liquidação de sentença.
STJ. 3ª Turma. REsp 1635556/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/11/2016.

E quanto ao dano moral? Vamos pelo início: a pessoa jurídica pode sofrer dano moral?
SIM. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral (Súmula 227-STJ).
A pessoa jurídica é possuidora de bens extrapatrimoniais.
Conforme previsto no art. 52 do CC, apesar de despida de direitos ligados à personalidade humana (saúde,
integridade física e psíquica), a pessoa jurídica é titular de direitos da personalidade, tais como à tutela ao
nome, à marca, à imagem, à reputação, à honra (objetiva), à intimidade (como nos segredos industriais),
à liberdade de ação etc.

No caso de uso indevido de marca, o dano moral precisa ser provado?


NÃO. O tema ainda não é pacífico no STJ, mas prevalece que o dano moral decorre automaticamente da
constatação do uso indevido da marca.
Os prejuízos causados pelo uso não autorizado de marca alheia prescindem de comprovação, pois se
consubstanciam na própria violação do direito do titular, derivando da natureza da conduta perpetrada.
A demonstração do dano se confunde com a demonstração da existência do fato, cuja ocorrência é
premissa assentada pelo acórdão recorrido.
STJ. 3ª Turma. REsp 1674375/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 07/11/2017.

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Por sua natureza de bem imaterial, é ínsito que haja prejuízo moral à pessoa jurídica quando se constata
o uso indevido da marca. Isso porque, obrigatoriamente, a reputação, a credibilidade e a imagem da
empresa acabam sendo atingidas perante todo o mercado (clientes, fornecedores, sócios, acionistas e
comunidade em geral), além de haver o comprometimento do prestígio e da qualidade dos produtos ou
serviços ofertados, caracterizando evidente violação de seus direitos, bens e interesses extrapatrimoniais.
Assim, o dano moral por uso indevido da marca é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da
mera comprovação da prática de conduta ilícita - contrafação -, revelando-se desnecessária a
demonstração de prejuízos concretos ou a comprovação probatória do efetivo abalo moral.

Em suma:
O uso indevido da marca acarreta dano material uma vez que a própria violação do direito revela-se
capaz de gerar lesão à atividade empresarial do titular. O uso indevido da marca provoca desvio de
clientela e confusão entre as empresas, acarretando indiscutivelmente dano material.
Desse modo, se ficar demonstrado o uso indevido de marca, o juiz deverá declarar a existência do dano
(an debeatur). O quantum debeatur, por sua vez, deverá ser apurado no âmbito da liquidação pelo
procedimento comum, haja vista a necessidade de comprovação de fatos novos, nos termos do art. 210
da LPI.
Quanto ao prejuízo extrapatrimonial, prevalece que o uso indevido da marca gera dano moral in re ipsa,
ou seja, sua configuração decorre da mera comprovação da prática de conduta ilícita - contrafação -,
revelando-se desnecessária a demonstração de prejuízos concretos ou a comprovação probatória do
efetivo abalo moral.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.327.773-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017 (Info 619).

SOCIEDADES
Ação de regresso proposta pela empresa cindida contra a empresa resultante da cisão

Cabe ação de regresso para ressarcimento de condenação relativa a obrigações tipicamente


societárias suportada exclusivamente por empresa cindida contra empresa resultante da
cisão parcial, observando-se a proporção do patrimônio recebido.
Ex: a Tele Sudeste surgiu a partir da cisão parcial da Telebrás (a Tele Sudeste é 2,42% do
patrimônio original da Telebrás); determinado banco propôs ação contra a Telebrás e a Tele
Sudeste cobrando uma quantia decorrente de uma obrigação de debênture (obrigação
societária) anterior à cisão; ambas foram condenadas a pagar o valor total de R$ 5 milhões; a
Telebrás cumpriu o julgado e quitou integralmente a dívida; em seguida, a Telebrás ajuizou
ação regressiva contra a Tele Sudeste cobrando 2,42% do valor pago pela condenação judicial.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.642.118-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 12/09/2017 (Info 619).

Imagine a seguinte situação hipotética:


A Telebrás foi parcialmente cindida e, dessa cisão, surgiram 12 novas empresas.
Uma das empresas resultantes dessa cisão parcial foi a Tele Sudeste.
A Tele Sudeste surgiu a partir da cisão de 2,42% do patrimônio da Telebrás.
Cerca de 1 ano depois da cisão, o Bank of America ajuizou ação de cobrança contra a Telebrás e a Tele
Sudeste, em litisconsórcio passivo, exigindo o pagamento de R$ 5 milhões.
Vale ressaltar que a cobrança feita pelo Bank of America estava relacionada com debêntures que teriam
sido adquiridas pelo banco antes da cisão e que não teriam sido pagas corretamente. Em outras palavras,

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13


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a demanda proposta pela debenturista estava relacionada com obrigações tipicamente societárias
(relacionadas com o direito societário) ocorridas antes da cisão.
As duas rés foram solidariamente condenadas a pagar o Bank of America.
A Telebras, então, cumpriu o julgado, pagando R$ 5.269.112,39 ao debenturista.
Alguns meses depois, a Telebrás ajuizou ação de regresso contra a Tele Sudeste pleiteando o
ressarcimento proporcional da obrigação paga, correspondente ao patrimônio líquido transferido a essa
companhia (2,42%). Em outros termos, a Telebrás falou o seguinte: eu quitei sozinha a condenação, mas
você também tem obrigação de pagar parte dela, proporcionalmente ao valor que eu transferi do meu
patrimônio para você quando da sua criação.
A Tele Sudeste contestou o pedido afirmando que ficou previsto na assembleia geral que determinou a
cisão que caberia à Telebrás todas as obrigações referentes à parcela remanescente do patrimônio, sem
solidariedade entre a Telebrás e cada uma das novas sociedades.

O pedido da Telebrás deve ser julgado procedente?


SIM.
Cabe ação de regresso para ressarcimento de condenação relativa a obrigações tipicamente societárias
suportada exclusivamente por empresa cindida contra empresa resultante da cisão parcial, observando-
se a proporção do patrimônio recebido.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.642.118-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 12/09/2017 (Info 619).

Em outras palavras, a Tele Sudeste deverá também ser condenada a ressarcir 2,42% do valor que a
Telebrás pagou a título de condenação judicial. Ex: 2,42% de R$ 5 milhões (mais os juros, correção
monetárias, honorários etc.).

Obrigações decorrentes da cisão


A responsabilidade por obrigações decorrentes da cisão envolve duas classes de obrigações:
a) obrigações tipicamente societárias (decorrentes do vínculo societário que agrega os acionistas); e
b) obrigações cíveis lato sensu (advindas da apuração do patrimônio líquido da sociedade cindida).

No tocante à primeira classe, nos termos do art. 229, § 1º, da Lei das Sociedades Anônimas (LSA), verifica-
se que haverá indiscutível sucessão de direitos e obrigações relacionados no protocolo de cisão:
Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para
uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia
cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a
versão.
§ 1º Sem prejuízo do disposto no artigo 233, a sociedade que absorver parcela do patrimônio da
companhia cindida sucede a esta nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão; no caso
de cisão com extinção, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia
cindida sucederão a esta, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e
obrigações não relacionados.

Com efeito, com a cisão ocorrerá o aumento de capital da empresa destinatária, que absorverá a parcela
do patrimônio líquido cindido a título de integralização das ações subscritas em benefício dos sócios da
empresa cindida. Assim, há um completo entrelaçamento do quadro societário das empresas em
negociação.
A atribuição de participação societária na empresa receptora aos sócios da empresa cindida, na medida
em que configura elemento essencial do instituto jurídico, não pode ser afastada por mera disposição
contratual, sob pena de absoluto desvirtuamento do instituto jurídico.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14


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No caso analisado, tem-se que a natureza da obrigação debatida é inquestionavelmente de direito


societário. Por via de consequência, é devida a ação de regresso para ressarcimento pela empresa
resultante da cisão, observando-se a proporção do patrimônio cindido recebido.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO
O prazo para cumprimento voluntário de sentença deverá ser computado em dobro
no caso de litisconsortes com procuradores distintos (art. 229 do CPC)

Importante!!!
Em regra, o prazo para cumprimento voluntário da sentença é de 15 dias úteis (art. 523 do CPC).
Se os devedores forem litisconsortes com diferentes procuradores, de escritórios de
advocacia distintos, este prazo de pagamento deverá ser contado em dobro, nos termos do art.
229 do CPC/2015, desde que o processo seja físico.
Assim, o prazo comum para cumprimento voluntário de sentença deverá ser computado em
dobro (ou seja, em 30 dias úteis) no caso de litisconsortes com procuradores distintos, em
autos físicos.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.693.784-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017 (Info 619).

BENEFÍCIO DO PRAZO EM DOBRO


Em que consiste o chamado benefício do prazo em dobro?
Quando houver litisconsórcio, seja ele ativo (dois ou mais autores) ou passivo (dois ou mais réus), caso os
litisconsortes tenham advogados diferentes, de escritórios diferentes, os seus prazos serão contados em
dobro. É o que determina o art. 229 do CPC/2015:
Art. 229. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia
distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo
ou tribunal, independentemente de requerimento.

Por que existe esse benefício?


Essa regra justifica-se pela dificuldade maior que os advogados dos litisconsortes encontram em cumprir
os prazos processuais e, principalmente, em consultar os autos do processo (STJ AgRg no Ag 963.283/MG).
Em outras palavras, havendo mais de uma parte e, sendo estas representadas por advogados diferentes,
fica mais difícil para os advogados prepararem as peças processuais, já que eles não poderão, em tese,
retirar os autos do cartório, considerando que a outra parte pode também querer vê-los.

Se os advogados dos litisconsortes forem diferentes, mas pertencerem ao mesmo escritório de


advocacia, ainda assim eles terão direito ao prazo em dobro?
NÃO. O art. 229 do CPC exige, expressamente, para a concessão do prazo em dobro, que os advogados
sejam de escritórios diferentes. Assim, se os litisconsortes tiverem advogados diferentes, mas estes
fizerem parte do mesmo escritório, o prazo será simples (não em dobro). Trata-se de uma novidade do
CPC/2015.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15


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Persiste o prazo em dobro mesmo na hipótese de os litisconsortes serem marido e mulher?


SIM, considerando que a Lei não faz qualquer ressalva quanto a tanto, exigindo apenas que tenham
diferentes procuradores (STJ REsp 973.465-SP).

Esse prazo em dobro vale apenas na 1ª instância?


NÃO. O benefício abrange também as instâncias recursais.

Imagine que são dois réus em litisconsórcio (João e Pedro), representados por advogados diferentes, de
escritórios distintos. Ocorre que apenas um deles (João) apresentou defesa, sendo Pedro revel. João
continuará tendo prazo em dobro para as demais manifestações nos autos?
NÃO. Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas 2 réus, é oferecida defesa por apenas um
deles (art. 229, § 1º do CPC 2015).

O benefício do prazo em dobro para os litisconsortes vale para processos eletrônicos?


NÃO. O § 2º do art. 229 do CPC/2015 determina expressamente que não se aplica o prazo em dobro para
litisconsortes diferentes se o processo for em autos eletrônicos. Trata-se de novidade do CPC/2015:
O artigo 229 do CPC de 2015, aprimorando a norma disposta no artigo 191 do código revogado, determina
que, apenas nos processos físicos, os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de
advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo
ou tribunal, independentemente de requerimento.
STJ. 4ª Turma. REsp 1693784/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017.

PRAZO PARA CUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO DA SENTENÇA


Procedimento para execução
O procedimento para execução de quantia pode ser realizado de duas formas:
a) execução de quantia fundada em título executivo extrajudicial;
b) execução de quantia fundada em título executivo judicial (cumprimento de sentença).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João ajuíza uma ação de cobrança contra Pedro e Ricardo.
Vale ressaltar que Pedro e Ricardo possuem advogados distintos, de escritórios de advocacia diferentes.
O juiz julgou a sentença procedente, condenando Pedro e Ricardo a pagarem R$ 1 milhão ao autor.
Houve o trânsito em julgado.

O que acontece agora?


João terá que ingressar com uma petição em juízo requerendo o cumprimento da sentença.

O início da fase de cumprimento da sentença pode ser feito de ofício pelo juiz?
NÃO. O cumprimento da sentença que reconhece o dever de pagar quantia, provisório ou definitivo, só
pode ser feito a requerimento do exequente (art. 513, § 1º do CPC/2015).
Cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente
requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante demonstrativo
discriminado e atualizado do crédito (art. 524 do CPC/2015).
Em outras palavras, o início da fase de cumprimento da sentença exige um requerimento do credor:
Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão
sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do
exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias,
acrescido de custas, se houver.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16


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A partir do requerimento do credor, o que faz o juiz?


O juiz determina a intimação do devedor para pagar a quantia em um prazo máximo de 15 dias.

O prazo de 15 dias, previsto no art. 523 do CPC/2015, é contado em dias úteis ou corridos?
Dias úteis. O tema ainda não está pacificado, mas esta é a posição majoritária:
Enunciado 89 – I Jornada CJF: Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC.

Esse prazo de 15 dias é contado a partir de quando?


Da intimação do devedor para pagar. Não basta que o devedor já tenha sido intimado anteriormente da
sentença que o condenou. Para começar o prazo de 15 dias para pagamento, é necessária nova intimação.
Assim, a multa de 10% depende de nova intimação prévia do devedor.
A forma dessa intimação está prevista no art. 513 do CPC/2015:
Art. 513 (...)
§ 2º O devedor será intimado para cumprir a sentença:
I - pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos;
II - por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando
não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese do inciso IV;
III - por meio eletrônico, quando, no caso do § 1º do art. 246, não tiver procurador constituído nos
autos
IV - por edital, quando, citado na forma do art. 256, tiver sido revel na fase de conhecimento.
§ 3º Na hipótese do § 2º, incisos II e III, considera-se realizada a intimação quando o devedor houver
mudado de endereço sem prévia comunicação ao juízo, observado o disposto no parágrafo único do
art. 274.
§ 4º Se o requerimento a que alude o § 1º for formulado após 1 (um) ano do trânsito em julgado
da sentença, a intimação será feita na pessoa do devedor, por meio de carta com aviso de
recebimento encaminhada ao endereço constante dos autos, observado o disposto no parágrafo
único do art. 274 e no § 3º deste artigo.

Se os executados forem litisconsortes com diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos,


este prazo de 15 dias poderá ser contado em dobro? Em nosso exemplo, Pedro e Ricardo terão 30 dias
para pagar voluntariamente a quantia fixada na sentença?
SIM.
O prazo comum para cumprimento voluntário de sentença deverá ser computado em dobro no caso de
litisconsortes com procuradores distintos, em autos físicos.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.693.784-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017 (Info 619).

O cumprimento voluntário da sentença possui natureza dúplice. Cuida-se de ato a ser praticado pela própria
parte, mas a fluência do prazo para pagamento inicia-se com a intimação do advogado pela imprensa oficial,
o que impõe ônus ao patrono, qual seja, o dever de comunicar o devedor do desfecho desfavorável da
demanda, alertando-o das consequências jurídicas da ausência do cumprimento voluntário.
Assim, uma vez constatada a hipótese prevista no art. 229 do CPC/2015 (litisconsortes com procuradores
de escritórios diferentes), o prazo comum para pagamento espontâneo deverá ser computado em dobro,
ou seja, será de 30 dias úteis.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17


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AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE


Conversão da ação reintegratória em indenizatória

O terreno do proprietário foi invadido por inúmeras pessoas de baixa renda.


O proprietário ingressou com ação de reintegração de posse, tendo sido concedida a medida
liminar, mas nunca cumprida mesmo após vários anos.
Vale ressaltar que o Município e o Estado fizeram toda a infraestrutura para a permanência
das pessoas no local.
Diante disso, o juiz, de ofício, converteu a ação reintegratória em indenizatória
(desapropriação indireta), determinando a emenda da inicial, a fim de promover a citação do
Município e do Estado para apresentar contestação e, em consequência, incluí-los no polo
passivo da demanda.
O STJ afirmou que isso estava correto e que a ação possessória pode ser convertida em
indenizatória (desapropriação indireta) - ainda que ausente pedido explícito nesse sentido -
a fim de assegurar tutela alternativa equivalente (indenização) ao particular que teve suas
térreas invadidas.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.442.440-AC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 07/12/2017 (Info 619).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Em 1990, invasores de baixa renda ocuparam um terreno enorme de João.
O proprietário ingressou com ação de reintegração de posse, tendo sido deferida liminar em 1991.
Ocorre que o mandado não foi cumprido em virtude inicialmente da propositura de inúmeros incidentes
processuais e, em seguida, pela ausência de força policial para a sua efetivação.
Diante da demora para resolver o imbróglio, o Município e o Estado construíram uma infraestrutura no
local para permitir a moradia dos invasores, fazendo ruas e construindo instalações para órgãos públicos
atenderem a população.
O juiz constatou, então, que já não era mais possível devolver a posse do terreno ao proprietário em
virtude de a situação das famílias estar consolidada. Por conta disso, ele decidiu converter, de ofício, a
ação reintegratória em indenizatória (desapropriação indireta), determinando a emenda da inicial, a fim
de promover a citação do Município e do Estado para apresentar contestação e, em consequência, incluí-
los no polo passivo da demanda.

Agiu corretamente o magistrado?


SIM.
A ação possessória pode ser convertida em indenizatória (desapropriação indireta) - ainda que ausente
pedido explícito nesse sentido - a fim de assegurar tutela alternativa equivalente ao particular, quando
a invasão coletiva consolidada inviabilizar o cumprimento do mandado reintegratório pelo município.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.442.440-AC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 07/12/2017 (Info 619).

O STJ já se manifestou no sentido da possibilidade de conversão da ação possessória em indenizatória, em


respeito aos princípios da celeridade e economia processuais, a fim de assegurar ao particular a obtenção
de resultado prático correspondente à restituição do bem, quando situação fática consolidada no curso
da ação exigir a devida proteção jurisdicional, com fulcro nos arts. 461, § 1º, do CPC/1973 (art. 499 do
CPC/2015):
Art. 499. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se
impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18


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Ultra petita ou extra petita


A conversão operada no caso não configura julgamento ultra petita ou extra petita, ainda que não haja
pedido explícito nesse sentido, diante da impossibilidade de devolução da posse ao autor, sendo
descabido o ajuizamento de outra ação quando uma parte do imóvel já foi afetada ao domínio público,
mediante apossamento administrativo, sendo a outra restante ocupada de forma precária por inúmeras
famílias de baixa renda com a intervenção do Município, que implantou toda a infraestrutura básica no
local, tornando-se a área bairro urbano.

Princípio da congruência
Não há se falar em violação ao princípio da congruência, devendo ser aplicada à espécie a teoria da
substanciação, segundo a qual apenas os fatos vinculam o julgador, que poderá atribuir-lhes a qualificação
jurídica que entender adequada ao acolhimento ou à rejeição do pedido, como fulcro nos brocardos iura
novit curia e mihi factum dabo tibi ius e no art. 462 do CPC/1973 (art. 493 do CPC/2015):
Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do
direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a
requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.
Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de
decidir.

Desapropriação indireta
O caso se amolda ao art. 1.228, §§ 4º e 5º, do CC, que trata da desapropriação judicial, chamada também
por alguns doutrinadores de desapropriação por posse-trabalho ou de desapropriação judicial indireta,
cujo instituto autoriza o magistrado, sem intervenção prévia de outros Poderes, a declarar a perda do
imóvel reivindicado pelo particular em favor de considerável número de pessoas que, na posse
ininterrupta de extensa área, por mais de cinco anos, houverem realizado obras e serviços de interesse
social e econômico relevante. Confira:
Art. 1.228. (...)
§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em
extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número
de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços
considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário;
pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

Os conceitos abertos existentes no art. 1.228 do CC/2002 propiciam ao magistrado uma margem
considerável de discricionariedade ao analisar os requisitos para a aplicação do referido instituto.

Participação do Município e do Estado no caso


Vale ressaltar que, em regra, o STJ entende que o simples fato de o Estado e o Município terem feito obras
de infraestrutura no local não significa que eles passam a ter responsabilidade pela invasão ou que esta
conduta configure desapropriação indireta. Nesse sentido:
“(...) inexiste desapossamento por parte do ente público ao realizar obras de infraestrutura em imóvel
cuja invasão já se consolidara, pois a simples invasão de propriedade urbana por terceiros, mesmo sem
ser repelida pelo Poder Público, não constitui desapropriação indireta” (STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp
1.367.002/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 20/06/2013).

No entanto, no caso concreto, a situação é um pouco diferente. Isso porque ficou comprovado que os
danos causados ao proprietário do imóvel decorreram de atos omissivos e comissivos da administração
pública, tendo em conta que deixou de fornecer a força policial necessária para o cumprimento do

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19


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mandado reintegratório, ainda na fase inicial da invasão, permanecendo omissa quanto ao surgimento de
novas habitações irregulares, além de ter realizado obras de infraestrutura no local, com o objetivo de
garantir a função social da propriedade, circunstâncias que ocasionaram o desenvolvimento urbano da
área e a desapropriação direta de parte do bem.

Assim, o Município e o Estado são sujeitos passivos legítimos da indenização prevista no art. 1.228, § 5º,
do CC/2002, visto que os possuidores, por serem hipossuficientes, não podem arcar com o ressarcimento
dos prejuízos sofridos pelo proprietário do imóvel. Nesse sentido, confira:
Enunciado 308 da Jornada de Direito Civil do CJF: A justa indenização devida ao proprietário em caso de
desapropriação judicial (art. 1.228, § 5º) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no
contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa
renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os
possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil.

Enunciado 84 da Jornada de Direito Civil do CJF: A defesa fundada no direito de aquisição com base no
interesse social (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil) deve ser arguida pelos réus da ação
reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização.

DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS
Decisão que reconhece detração penal analógica virtual não serve para fins de reincidência

Importante!!!
É inviável o reconhecimento de reincidência com base em único processo anterior em
desfavor do réu, no qual - após desclassificar o delito de tráfico para porte de substância
entorpecente para consumo próprio - o juízo extinguiu a punibilidade por considerar que o
tempo da prisão provisória seria mais que suficiente para compensar eventual condenação.
Situação concreta: João foi preso em flagrante por tráfico de drogas (art. 33 da LD). Após 6
meses preso cautelarmente, ele foi julgado. O juiz proferiu sentença desclassificando o delito
de tráfico para o art. 28 da LD. Na própria sentença, o magistrado declarou a extinção da
punibilidade do réu alegando que o art. 28 não prevê pena privativa de liberdade e que o
condenado já ficou 6 meses preso. Logo, na visão do juiz, deve ser aplicada a detração penal
analógica virtual, pois qualquer pena que seria aplicável ao caso em tela estaria fatalmente
cumprida, nem havendo justa causa ou interesse processual para o prosseguimento do feito.
Essa sentença não vale para fins de reincidência. Isso significa que, se João cometer um
segundo delito, esse primeiro processo não poderá ser considerado para caracterização de
reincidência.
STJ. 6ª Turma. HC 390.038-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 06/02/2018 (Info 619).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Em 2010, João foi preso em flagrante com uma pequena porção de droga.
O flagrante foi lavrado como sendo tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006).
João foi denunciado e permaneceu preso durante todo o processo, que durou 6 meses.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20


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Ao fim do processo, o juiz proferiu sentença desclassificando o delito de tráfico para o crime de porte de
substância entorpecente para consumo próprio (art. 28 da Lei nº 11.343/2006):
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo
pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será
submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Na própria sentença, o magistrado declarou a extinção da punibilidade do réu alegando que o art. 28 não
prevê pena privativa de liberdade e que o condenado já ficou 6 meses preso. Logo, na visão do juiz, o réu
não tem mais nada a cumprir. Veja o trecho final da sentença:
“Julgo parcialmente procedente a denúncia para desclassificar, em relação ao réu JOÃO DA SILVA
SAURO, qualificado nos autos, a imputação do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 para o art. 28
da mesma lei. (...)
Tendo em vista que o acusado ficou preso processualmente durante 6 meses, julgo extinta a
punibilidade, aplicando-se a detração penal analógica virtual, pois qualquer pena que seria
aplicável ao caso em tela estaria fatalmente cumprida, nem havendo justa causa ou interesse
processual para o prosseguimento do feito.”

Não houve recurso do MP ou da defesa e este primeiro processo transitou em julgado.

Detração penal analógica virtual


Veja que o juiz utiliza uma interessante nomenclatura: detração penal analógica virtual. O que é isso?
Detração: a detração penal ocorre quando o juiz desconta da pena ou da medida de segurança aplicada
ao réu o tempo que ele ficou preso antes do trânsito em julgado (prisão provisória ou administrativa) ou
o tempo em que ficou internado em hospital de custódia (medida de segurança).
Analógica: o juiz afirmou que a detração que ele estava fazendo era “analógica” porque o art. 28 não prevê
pena privativa de liberdade. Logo, o magistrado utilizou-se da analogia para descontar o tempo que o réu
ficou preso preventivamente mesmo o art. 28 não cominando pena de prisão. Em outras palavras, o juiz
utilizou-se da analogia para descontar uma situação que não estava prevista na lei (abater o tempo em
que o réu ficou preso mesmo o art. 28 não prevendo pena de prisão).
Virtual: além disso, a detração foi virtual porque o juiz descontou o tempo que o réu ficou preso
cautelarmente mesmo sem condenar o acusado. É como se ele dissesse o seguinte: eu nem vou condená-
lo pelo art. 28 porque já reconheço que não há interesse processual nisso.

Segundo fato
Em 2012, João é preso novamente com uma quantidade maior de droga em um local conhecido como
boca-de-fumo.
Ele foi denunciado e, ao final, condenado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006).
Na sentença, o magistrado considerou que João seria reincidente pelo fato de ter cometido o primeiro
crime (aquele de 2010) que expliquei acima.
Por conta dessa reincidência, o juiz deixou de aplicar o benefício do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas (tráfico
privilegiado):
Art. 33 (...)
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um
sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja
primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização
criminosa.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21


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A defesa recorreu alegando que a sentença proferida no primeiro processo e que extinguiu a punibilidade
por levar em conta o tempo de prisão provisória do acusado não teria o condão de gerar a reincidência
para o segundo processo. Em outras palavras, a defesa argumentou que a sentença do primeiro processo
não foi condenatória, mas sim extintiva da punibilidade.
O Tribunal de Justiça não concordou com o recurso da defesa. Segundo o TJ, o juiz do primeiro processo
extinguiu a punibilidade pelo cumprimento da pena. A extinção da punibilidade pelo cumprimento da
pena não afasta os efeitos secundários da sanção penal. Logo, se a pessoa praticar um novo delito, será
considerada reincidente por força da primeira condenação.
A defesa não se conformou com a decisão do TJ e conseguiu levar o caso até o STJ.

O que decidiu o STJ? Foi acolhida a tese da defesa?


SIM. O STJ decidiu que:
Não se pode reconhecer a reincidência com base em único processo anterior em desfavor do réu, no
qual - após desclassificar o delito de tráfico para porte de substância entorpecente para consumo
próprio - o juízo extinguiu a punibilidade por considerar que o tempo da prisão provisória seria mais que
suficiente para compensar eventual condenação.
STJ. 6ª Turma. HC 390.038-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 06/02/2018 (Info 619).

Ao contrário do que afirmou o TJ, a decisão do juiz no primeiro processo não foi uma decisão extintiva da
punibilidade pelo cumprimento da pena.
No primeiro processo o juiz proferiu uma decisão extinguindo a punibilidade alegando que houve o
“exaurimento do direito de exercício da pretensão punitiva”. É como se o juiz tivesse dito: não se pode
mais punir o réu porque a prisão cautelar a que ele ficou submetido já foi desproporcional e, em razão
disso, houve o esgotamento da pretensão punitiva.
Assim, não se pode dizer que a sentença do primeiro processo tenha natureza condenatória considerando
que ela apenas reconheceu, ainda que implicitamente, que houve desproporção na adoção de medida
acautelatória constritiva.

Réu ficou sem direito à transação penal no primeiro processo


Vale ressaltar, por fim, que poderia ter sido permitida a realização de transação penal em favor do réu no
primeiro processo. Isso só não foi concedido porque o juiz reconheceu uma solução mais favorável ao
acusado, em razão de ele ter ficado preso preventivamente durante longo tempo, fazendo com que o juiz
optasse pela extinção da punibilidade. Assim, se o réu tivesse celebrado transação penal, ele não seria
considerado reincidente neste segundo processo, considerando que a transação penal não gera maus
antecedentes nem reincidência.
Desse modo, um segundo argumento que “reforça” a tese da defesa está no fato de que o réu teria direito
à transação penal, situação na qual não haveria dúvidas sobre a inexistência de reincidência.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22


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DIREITO PROCESSUAL PENAL

PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA
Cartório que não certificou o dia do recebimento da sentença

Havendo dúvida resultante da omissão cartorária em certificar a data de recebimento da


sentença conforme o art. 389 do CPP, não se pode presumir a data de publicação com o mero
lançamento de movimentação dos autos na internet, a fim de se verificar a ocorrência de
prescrição da pretensão punitiva.
STJ. 6ª Turma. HC 408.736-ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 06/02/2018 (Info 619).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João foi denunciado pela prática de crime, tendo a denúncia sido recebida em 28/09/2010.
Em 25/09/2014, o juiz assinou sentença condenado o réu a uma pena de 1 ano de detenção.
Em 26/09/2014, houve uma movimentação no sistema processual disponível na internet dizendo o
seguinte: “Mandado Expeça-sentença”.
Em 30/09/2014, o réu foi pessoalmente intimado da sentença condenatória e, neste mesmo dia, houve a
sua publicação no Diário de Justiça.
Vale ressaltar que o Ministério Público também foi intimado e não interpôs qualquer recurso.
O réu peticionou, então, ao juiz pedindo que ele reconheça a existência de prescrição.

Houve prescrição neste caso?


SIM, conforme prevista no art. 110, § 1º do CP:
§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou
depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma
hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

Vamos entender com calma.

Qual é o prazo de prescrição no caso?


Como o réu foi condenado a uma pena de 1 ano e houve trânsito em julgado para a acusação, o prazo de
prescrição neste caso é de 4 anos, nos termos do art. 109, V, do CP:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do
art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime,
verificando-se:
(...)
V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

Quais são as causas que interrompem o prazo prescricional?


O art. 117 do CP traz os momentos em que o prazo da prescrição é interrompido.
Interrupção do prazo significa que ele é zerado e recomeça a ser contado a partir daquela data.
Art. 117. O curso da prescrição interrompe-se:
I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa;
II - pela pronúncia;
III - pela decisão confirmatória da pronúncia;
IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis;
V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena;

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23


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VI - pela reincidência.

No presente caso, verifica-se a existência de dois marcos interruptivos da prescrição: o recebimento da


denúncia e, depois, a publicação da sentença.
Desse modo, deve-se verificar se, entre o recebimento da denúncia (28/09/2010) e a publicação da
sentença, passaram-se mais de 4 anos.

O que significa “publicação da sentença” para os fins do art. 117, IV, do CP? Quando a sentença é
considerada publicada? No dia em que ela é divulgada na imprensa oficial?
NÃO. O Código de Processo Penal prevê quando a sentença é publicada:
Art. 389. A sentença será publicada em mão do escrivão, que lavrará nos autos o respectivo termo,
registrando-a em livro especialmente destinado a esse fim.

“Em mão do escrivão”: o que significa isso?


“Em mão do escrivão” significa quando a sentença sai do gabinete do juiz e é entregue ao escrivão ou
diretor de secretaria, sendo isso consignado nos autos por termo e registrado em um livro especial.
Normalmente, é o mesmo dia em que a sentença é assinada ou um dia depois no máximo a depender do
volume de trabalho no cartório.

Publicação da sentença não se confunde com intimação da sentença:


• Publicação: a publicação é o ato de tornar pública a decisão, e daí em diante, imutável por seu próprio
prolator. Isso ocorre quando a sentença é entregue “em mão do escrivão”, ou seja, quando é assinada
pelo juiz e entregue na Secretaria da Vara para os procedimentos cabíveis. Nesse momento, a sentença é
pública. A publicidade da sentença se mostra como requisito indispensável à própria existência do ato.
Trata-se de um autêntico ato processual.
• Intimação: a intimação é o ato de formalmente dar ciência, de maneira específica às partes acerca do
julgado.

Tese da defesa
A defesa alegou que não existe, nos autos, uma informação dizendo expressamente quando ocorreu a
publicação da sentença, ou seja, quando ela foi entregue “em mão do escrivão”.
Logo, essa omissão do cartório em certificar o dia da entrega da sentença não pode prejudicar o réu,
devendo-se considerar que a sentença foi publicada no mesmo dia da intimação.
Em outras palavras, a defesa afirmou o seguinte: eu sei que publicação é diferente de intimação. No
entanto, como não há data de publicação certificada nos autos, a única solução é considerar que isso
aconteceu no dia da intimação.
Assim, entre a data do recebimento da denúncia (28/09/2010) e a data da publicação da sentença
(30/09/2014) passaram-se mais de 4 anos. Logo, houve prescrição.

Resposta do Ministério Público


O Ministério Público não concordou com o pedido da defesa e argumentou que o dia em que houve o
lançamento de movimentação dos autos na internet pode ser considerado como data em que os autos
foram entregues em mão para o escrivão.
Logo, pode-se considerar o dia 26/09/2014 como sendo a data de publicação da sentença.
Assim, entre a data do recebimento da denúncia (28/09/2010) e a data da movimentação dos autos na
internet (26/09/2014) não se passaram mais de 4 anos. Logo, não houve prescrição.

A questão chegou ao STJ. Qual das duas teses foi acolhida: a da defesa ou do MP?
A tese da DEFESA.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24


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Havendo dúvida resultante da omissão cartorária em certificar a data de recebimento da sentença


conforme o art. 389 do CPP, não se pode presumir a data de publicação com o mero lançamento de
movimentação dos autos na internet, a fim de se verificar a ocorrência de prescrição da pretensão
punitiva.
STJ. 6ª Turma. HC 408.736-ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 06/02/2018 (Info 619).

A publicação da sentença é ato complexo que somente se aperfeiçoa com a realização de três providências
cartorárias:
1) o recebimento da sentença pelo escrivão;
2) a lavratura nos autos do respectivo termo; e
3) o registro em livro especialmente destinado para esse fim.
É isso que está previsto no art. 389 do CPP. Leia novamente:
Art. 389. A sentença será publicada em mão do escrivão, que lavrará nos autos o respectivo termo,
registrando-a em livro especialmente destinado a esse fim.

No caso concreto, as formalidades não foram adequadamente cumpridas. Isso porque não houve lavratura
do termo nem registro em livro especial.
O que existe é, apenas e tão somente, o lançamento do andamento processual “Mandado Expeça-
sentença”, registrado junto ao sistema eletrônico de gerenciamento de processos (eJUD) do Tribunal.
Para o STJ, esse registro na internet não pode ser caracterizado como ato processual. Trata-se apenas de
uma facilidade oferecida aos jurisdicionados para que possam acompanhar com maior comodidade o
andamento dos feitos judiciais.
Assim, o simples registro de movimentação dos autos físicos na internet possui um cunho meramente
informativo (não vinculativo) e que não gera qualquer efeito legal.
Como via de consequência, sob a ótica do direito penal, esse registro na internet não possui o condão de
interromper o lapso prescricional, na forma do art. 117, IV, do CP.
Portanto, em havendo dúvida resultante da omissão do cartório em certificar a data de recebimento da
sentença, deve-se considerar como data de publicação o primeiro ato que demonstrou, de maneira
incontestável, a ciência da sentença pelas partes (e não a data do mero lançamento de movimentação dos
autos na internet).
Assim, não tendo sido cumpridos os requisitos elencados no art. 389 do CPP, não se pode considerar que
a prescrição tenha sido interrompida.

RECURSOS
Não cabimento de MS para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal

Súmula 604-STJ: O mandado de segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo a
recurso criminal interposto pelo Ministério Público.
STJ. 3ª Seção. Aprovada em 28/2/2018, DJe 5/3/2018.

Efeito devolutivo
Significa dizer que, quando o recurso é interposto, a análise da questão discutida é “devolvida” para a
apreciação do Poder Judiciário, que irá proferir um novo julgamento, mantendo ou não a decisão anterior.
Todo recurso possui efeito devolutivo.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25


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Efeito suspensivo
Se um recurso tem efeito suspensivo, isso significa que a sua interposição impede a eficácia/aplicabilidade
da decisão recorrida.
Em outras palavras, a decisão recorrida não produzirá efeitos (não poderá ser executada) enquanto o
recurso não for julgado.
Nas palavras de Renato Brasileiro, o efeito suspensivo “consiste na impossibilidade de a decisão
impugnada produzir seus efeitos regulares enquanto não houver a apreciação do recurso interposto.”
(LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 1664).

Exemplo de recurso com efeito suspensivo


Apelação contra a sentença condenatória.

Exemplos de recursos sem efeito suspensivo


Recurso em sentido estrito (em regra).
Agravo em execução (art. 197 da LEP), salvo no caso de decisão que determina a desinternação ou
liberação de quem cumpre medida de segurança.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


João encontra-se em presídio federal. Terminou o prazo para a sua permanência e a consequência natural
disso é que ele retornaria para o presídio estadual.
O Ministério Público requereu a renovação de sua permanência na unidade prisional federal.
O juiz, contudo, negou o pedido e determinou o encaminhamento de João ao presídio estadual.
Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs agravo em execução ao Tribunal de Justiça.
O agravo em execução é um recurso que possui efeito meramente devolutivo, ou seja, não goza de efeito
suspensivo. Isso significa que a decisão determinando o retorno de João ao presídio estadual já poderia
produzir efeitos.
Diante desse cenário, o Ministério Público, além de interpor o agravo em execução, impetrou também um
mandado de segurança no próprio TJ, distribuído por dependência para o Desembargador Relator do
agravo em execução, pedindo a concessão de efeito suspensivo para o recurso interposto.
Em outras palavras, o Ministério Público afirmou: eu sei que o agravo em execução não possui efeito
suspensivo ope legis (por força de lei), portanto, estou pedindo nesse mandado de segurança, que seja
atribuído efeito suspensivo ope iudicis (efeito suspensivo impróprio), ou seja, por decisão do magistrado,
segundo a análise do caso concreto considerando que a transferência do preso poderia gerar dano
irreparável ou de difícil reparação à sociedade.

Esse mandado de segurança poderá ser concedido? É possível a impetração de mandado de segurança
nesses casos?
NÃO. O mandado de segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto
pelo Ministério Público.
Se a lei não confere efeito suspensivo para aquele recurso, não se pode dizer que a parte tenha direito
líquido e certo de obtê-lo. Logo, se não existe direito líquido e certo, não é caso de concessão de mandado
de segurança. Nesse sentido:
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido do descabimento de mandado de
segurança para conferir efeito suspensivo a recurso em sentido estrito interposto à decisão que concede
liberdade provisória, por ausência de amparo legal e por tal manejo refugir ao escopo precípuo da ação
mandamental.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 384.863/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 05/10/2017.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26


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Outro argumento invocado pela jurisprudência para não admitir o MS nesses casos é o de que, “por
observância ao princípio constitucional do devido processo legal, não pode o Parquet buscar restringir o
direito do acusado além dos limites conferidos pela legislação de regência” (Min. Felix Fischer).

Exemplo comum no qual o MP tenta o MS e a jurisprudência rechaça:


O juiz defere a liberdade provisória em favor do réu e o MP interpõe recurso em sentido estrito contra
essa decisão (art. 581, V, do CPP). Ocorre que esse recurso não tem efeito suspensivo. Logo, mesmo ainda
estando pendente o RESE, o réu já será colocado em liberdade (a decisão concessiva de liberdade já será
imediatamente executada). Tentando evitar isso, o MP impetra mandado de segurança pedindo a
concessão de efeito suspensivo. Esse pedido, contudo, não terá êxito. Isso porque a jurisprudência
entende que não é cabível a impetração de mandado de segurança para fins de conferir efeito suspensivo
a recurso em sentido estrito interposto contra decisão que defere a liberdade provisória.

Por que a súmula fala apenas em “Ministério Público” (e não inclui a defesa do réu)?
Porque, no caso do réu, o instrumento cabível não seria o mandado de segurança, mas sim o habeas
corpus para evitar a execução provisória de uma decisão que lhe é desfavorável.

Já que não cabe mandado de segurança, qual seria o instrumento cabível a ser manejado pelo MP?
O Ministério Público poderia propor uma medida cautelar para tentar obter efeito suspensivo do recurso.
É o que ocorre, por exemplo, no caso dos recursos especial e extraordinário.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
Apresentação anula de relatório das atividades exercidas pela entidade beneficente
não era requisito para o gozo da imunidade tributária

A apresentação anual de relatório circunstanciado das atividades exercidas por entidades


beneficentes de assistência social ao INSS, prevista na segunda parte do art. 55 da Lei nº
8.212/91, não configurava requisito legal válido para a fruição da imunidade tributária
prevista no art. 195, § 7º, da CF/88.
A segunda parte do inciso V do art. 55 da Lei nº 8.212/1991 não era requisito legal para a
fruição da imunidade, mas sim uma mera obrigação acessória com o fim de permitir a
fiscalização do cumprimento da obrigação principal de aplicação integral dos recursos da
entidade beneficente nos objetivos institucionais (art. 14, II, do CTN).
STJ. 1ª Turma. REsp 1.345.462-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 07/12/2017 (Info 619).

Imunidade tributária
Imunidade tributária consiste na determinação feita pela Constituição Federal de que certas atividades,
rendas, bens ou pessoas não poderão sofrer a incidência de tributos.
Trata-se de uma dispensa constitucional de tributo.
A imunidade é uma limitação ao poder de tributar, sendo sempre prevista na própria CF.
As normas de imunidade tributária constantes da Constituição objetivam proteger valores políticos,
morais, culturais e sociais essenciais e não permitem que os entes tributem certas pessoas, bens, serviços
ou situações ligadas a esses valores.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27


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Onde estão previstas as hipóteses de imunidade tributária?


Como já dito, a imunidade tributária deverá ser sempre prevista na Constituição Federal.
As hipóteses mais conhecidas estão listadas no art. 150, VI, da CF/88.
Existem, contudo, inúmeras outras imunidades previstas ao longo do texto constitucional. Veja alguns
exemplos:
• Art. 5º, XXXIV, “a” e “b”, LXXIII, LXXIV, LXXVI e LXXVII: imunidade que incide sobre “taxas”.
• Art. 149, § 2º, I: imunidade referente a “contribuições sociais” e CIDE.
• Art. 195, § 7º: imunidade incidente sobre “contribuições sociais”.

Imunidade para entidades beneficentes de assistência social


A Constituição Federal conferiu imunidade para as entidades beneficentes de assistência social afirmando
que elas estão dispensadas de pagar contribuições para a seguridade social. Veja:
Art. 195 (...)
§ 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência
social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

Obs: apesar de a redação do parágrafo falar em “isentas”, a doutrina afirma que se trata, efetivamente,
de uma hipótese de imunidade. Não é um caso de “isenção”.

O § 7º do art. 195 da CF/88 traz dois requisitos para o gozo desta imunidade:
1) que se trate de pessoa jurídica que desempenhe atividades beneficentes de assistência social.
Obs: a assistência social é tratada no art. 203 da CF/88. O STF, contudo, confere um sentido mais amplo
ao e afirma que os objetivos da assistência social elencados nos incisos do art. 203 podem ser conseguidos
também por meio de serviços de saúde e educação. Assim, se a entidade prestar serviços de saúde ou
educação também poderá, em tese, ser classificada como de “assistência social”.

2) que esta entidade atenda a parâmetros previstos na lei.

A lei a que se refere o § 7º é lei complementar ou ordinária?


COMPLEMENTAR. Esse assunto era extremamente polêmico na doutrina e na jurisprudência, mas o STF
apreciou o tema sob a sistemática da repercussão geral e fixou a seguinte tese:
Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar.
STF. Plenário. RE 566622, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 23/02/2017 (repercussão geral) (Info 855).

As imunidades tributárias são classificadas juridicamente como “limitações constitucionais ao poder de


tributar” e a CF/88 exige que este tema seja tratado por meio de lei complementar. Confira:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
(...)
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

Isso gera alguma confusão porque aprendemos, logo no início da faculdade, que, quando a Constituição
Federal fala apenas em "lei", sem especificar mais nada, ela está se referindo à lei ordinária. Ex: art. 5º,
XXXII ("o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor"). Trata-se do Código de Defesa do
Consumidor, uma lei ordinária (Lei nº 8.078/90).
Também aprendemos que a Constituição, quando quer exigir lei complementar, o faz expressamente. Ex:
art. 18, § 2º ("Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou
reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar.").
O § 7º do art. 195, contudo, deve ser interpretado em conjunto com o art. 146, II. Assim, a Constituição exigiu
sim lei complementar, mas não diretamente no § 7º do art. 195 e sim na previsão geral do art. 146, II.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28


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Além disso, o STF afirmou que a imunidade de contribuições sociais serve não apenas a propósitos fiscais,
mas também para a realização dos objetivos fundamentais da República, como a construção de uma
sociedade solidária e voltada para a erradicação da pobreza. Logo, esta espécie de imunidade não pode ficar
à mercê da vontade transitória de governos. As regras para gozar dessa imunidade devem ser respeitadas
por todos os governos, não sendo, portanto, correto que o regime jurídico das entidades beneficentes fique
sujeito a flutuações legislativas constantes, muitas vezes influenciadas pela vontade de arrecadar. Assim, um
tema tão sensível como esse não pode ser tratado por lei ordinário ou medida provisória.
Assim, diante da relevância das imunidades de contribuições sociais para a concretização de uma política de
Estado voltada à promoção do mínimo existencial, deve incidir nesse caso a reserva legal qualificada prevista
no art. 146, II, da CF/88 (lei complementar).

Existe alguma lei que preveja os requisitos que deverão ser atendidos pela entidade para gozar da
imunidade de que trata o § 7º do art. 195 da CF/88?
SIM. Os requisitos legais exigidos na parte final do § 7º, enquanto não editada nova lei complementar
sobre a matéria, são somente aqueles previstos no art. 14 do CTN.
Assim, para gozarem da imunidade, as entidades devem obedecer às seguintes condições:
a) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
b) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
c) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de
assegurar sua exatidão.

Mas o CTN (Lei nº 5.172/66) é uma lei ordinária ou complementar?


O CTN foi editado em 1966 como sendo uma lei ordinária. No entanto, ele foi "recepcionado com força de
lei complementar pela Constituição Federal de 1967, e mantido tal status com o advento da Constituição
Federal de 1988, visto que, tanto esta quanto aquela Magna Carta reservavam à lei complementar a
veiculação das normas gerais em matéria tributária, a regulação das limitações ao poder de tributar e as
disposições sobre conflitos de competência." (ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. Salvador:
Juspodivm, 2017, p. 249).
Em suma, atualmente, o CTN possui status de lei complementar e, portanto, atende o requisito do art.
146, II, da CF/88.

Observação:
Este entendimento do acima explicado (RE 566622) vale também para a imunidade prevista no art. 150,
VI, "c", da CF/88:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
(...)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades
sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins
lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

Assim, a lei de que trata o art. 150, VI, "c", da CF/88 é uma lei complementar (atualmente, é o art. 14 do CTN).

Art. 55 da Lei nº 8.212/91


O art. 55 da Lei nº 8.212/91 previa requisitos para que as entidades beneficentes de assistência social
pudessem gozar da imunidade tributária do § 7º do art. 195 da CF/88.
A segunda parte do inciso V do art. 55 exigia, como requisito para a imunidade, que a entidade beneficente
apresentasse, anualmente, relatório circunstanciado de suas atividades.
Vale ressaltar que, posteriormente, esse art. 55 foi revogado pela Lei nº 12.101/2009.

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A pergunta que se faz, no entanto, é a seguinte: essa exigência presente na segunda parte do inciso V
do art. 55 podia ser considerada como uma exigência válida para que as entidades beneficentes
gozassem de imunidade tributária? A apresentação anual de relatório circunstanciado de atividades era
uma exigência válida para que as entidades beneficentes pudessem gozar da imunidade tributária?
NÃO. Como já explicado, os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei
complementar. A segunda parte do art. 55, V, da Lei nº 8.212/91 extrapolou os requisitos estabelecidos
no art. 14 do CTN. Logo, essa apresentação de relatório das atividades, por não estar prevista em lei
complementar, não pode ser considerada como uma exigência válida para que a entidade goze da
imunidade tributária.
Essa exigência de que as entidades apresentassem esse relatório de atividades pode, no máximo, ser
considerada como uma obrigação tributária acessória, mas não pode ser reputada como exigência para
gozo da imunidade tributária porque não estava prevista em lei complementar.

Em suma:
A apresentação anual de relatório circunstanciado das atividades exercidas por entidades beneficentes
de assistência social ao INSS, prevista na segunda parte do art. 55 da Lei nº 8.212/91, não configurava
requisito legal válido para a fruição da imunidade tributária prevista no art. 195, § 7º, da CF/88.
A segunda parte do inciso V do art. 55 da Lei nº 8.212/1991 não era requisito legal para a fruição da
imunidade, mas sim uma mera obrigação acessória com o fim de permitir a fiscalização do cumprimento
da obrigação principal de aplicação integral dos recursos da entidade beneficente nos objetivos
institucionais (art. 14, II, do CTN).
STJ. 1ª Turma. REsp 1.345.462-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 07/12/2017 (Info 619).

Vale ressaltar, mais uma vez, que o art. 55 da Lei nº 8.212/91 foi revogado pela Lei nº 12.101/2009.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

AUXÍLIO-ACIDENTE
O segurado especial tem direito ao auxílio-acidente sem precisar
comprovar o recolhimento de contribuição como segurado facultativo

Importante!!!
O segurado especial, cujo acidente ou moléstia é anterior à vigência da Lei n. 12.873/2013,
que alterou a redação do inciso I do artigo 39 da Lei n. 8.213/1991, não precisa comprovar o
recolhimento de contribuição como segurado facultativo para ter direito ao auxílio-acidente.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.361.410-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 08/11/2017 (recurso
repetitivo) (Info 619).
Obs: depois da Lei nº 12.873/2013 o segurado especial continua tendo direito ao auxílio-acidente
sem precisar comprovar o recolhimento de contribuição como segurado facultativo. Assim, a tese
seria melhor redigida se afirmasse o seguinte:
O segurado especial, seja antes ou depois da Lei nº 12.873/2013, tem direito ao auxílio-acidente sem
precisar comprovar o recolhimento de contribuição como segurado facultativo.

O que é o auxílio-acidente?
- É um benefício previdenciário pago ao segurado que

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30


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- sofreu um acidente de qualquer natureza (não precisa ser acidente do trabalho),


- ficou com sequelas e,
- por conta disso,
- continua laborando,
- mas ficou com a capacidade de trabalho reduzida para a atividade que habitualmente exercia.

Veja o conceito previsto na Lei nº 8.213/91:


Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após
consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que
impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Redação dada pela
Lei nº 9.528/97)

O auxílio-acidente é um valor a mais, pago pela Previdência Social, como forma de indenizar o segurado
pelas sequelas que ele passou a apresentar em decorrência do acidente sofrido. A pessoa em gozo de
auxílio-acidente continua recebendo, portanto, o seu salário.
Assim, ao contrário da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença, o auxílio-acidente não substitui
a remuneração do segurado, sendo ao contrário um plus, um valor extra.

Segurado especial
O segurado especial é a única espécie de segurado que é definida pela própria CF/88:
Art. 195 (...) § 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal,
bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar,
sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de
uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos
termos da lei. (Redação dada pela EC 20/98)

O legislador infraconstitucional denominou o segurado previsto no § 8º do art. 195 da CF/88 de "segurado


especial" e regulamentou este dispositivo trazendo uma definição mais detalhada do que seja esta espécie
de segurado. Isso se encontra no art. 12, VII, da Lei nº 8.212/91 (art. 11. VII, da Lei nº 8.213/91).

Resumo das características principais do segurado especial:


Atividades desempenhadas:
O segurado especial pode ser de quatro espécies:
1) Produtor rural que explore atividade agropecuária em área de até 4 módulos fiscais;
2) Produtor rural que explore atividade de seringueiro ou extrativista vegetal (não importa o tamanho da
área);
3) Pessoa que trabalhe como pescador artesanal ou assemelhado, sendo a pesca a sua profissão habitual
ou principal meio de vida;
4) Cônjuge, companheiro, filho (ou equiparado) maior de 16 anos de idade, de uma das pessoas listadas
nos números 1 a 3 acima e que, comprovadamente, trabalhe com o grupo familiar respectivo.

Produtor rural pode ou não ser o dono da terra: o segurado especial que for produtor rural pode ser
proprietário da terra trabalhada ou então usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro
outorgados, comodatário ou arrendatário rurais.
Imóvel rural: para ser segurado especial, a pessoa deverá residir em imóvel rural ou próximo a ele.
Economia familiar: o segurado especial deve exercer suas atividades individualmente ou em regime de
economia familiar.
Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é
indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido

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em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art.


9º, § 5º, do RPS).
Sem empregados permanentes: o segurado especial não pode ter empregados permanentes (mas pode
ter o auxílio eventual de terceiros).
Como regra, se a pessoa, mesmo atendendo às características acima expostas, possuir outra fonte de
rendimento, ela não poderá ser enquadrada como segurado especial. Essa regra (e as exceções) estão
previstas no § 9º do art. 11, da Lei n. 8.213/91 (art. 9º, § 8º, do Decreto n. 3.048/99).

Auxílio-acidente e segurado especial


A redação original do art. 39 da Lei nº 8.213/91 previa o seguinte:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a
concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de
pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural,
ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do
benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou
II - dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo
estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma
estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social.

Conclusões decorrentes desse art. 39:


• O segurado especial tem direito à aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença,
auxílio-reclusão e pensão por morte no valor de 1 salário-mínimo. Fundamento: inciso I.
• Viram que o inciso I fala que todos os benefícios do segurado especial serão sempre no valor de 1 salário-
mínimo. O inciso II, contudo, abre a possibilidade de o segurado especial ter benefícios previdenciários
com renda mensal superior a 1 salário-mínimo. No entanto, para isso, é necessário que o segurado especial
pague contribuições como segurado facultativo. Neste caso, ele poderá ter direito, inclusive, à
aposentadoria por tempo de contribuição, o que não é previsto no inciso I.

Até aqui, tudo bem. Sem polêmica.


A dúvida que havia era a seguinte: o inciso I não menciona o auxílio-acidente. Diante disso, havia uma
interpretação restritiva defendendo que o segurado especial não tinha direito ao auxílio-acidente, a não
ser que decidisse fazer recolhimentos como segurado facultativo.

Essa tese restritiva foi acolhida pelo STJ? Para ter direito ao auxílio-acidente era necessário que o
segurado especial pagasse contribuição previdenciária como segurado facultativo?
NÃO. O STJ decidiu que o segurado especial não precisa comprovar o recolhimento de contribuição como
segurado facultativo para ter direito ao auxílio-acidente.
Realmente o inciso I do art. 39 da Lei nº 8.213/91 não mencionava o auxílio-acidente. No entanto, os
segurados tinham direito a esse benefício com base no § 1º do art. 18 da mesma Lei. Veja a redação
original deste dispositivo:
Art. 18 (...)
§ 1º Só poderão beneficiar-se do auxílio-acidente e das disposições especiais relativas a acidente
do trabalho os segurados e respectivos dependentes mencionados nos incisos I, VI e VII do art. 11
desta lei, bem como os presidiários que exerçam atividade remunerada.

Obs1: o inciso VII do art. 11 fala sobre o segurado especial.


Obs2: a redação atual do § 1º do art. 18 é a seguinte:

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32


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Art. 18 (...)
§ 1º Somente poderão beneficiar-se do auxílio-acidente os segurados incluídos nos incisos I, II, VI
e VII do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei Complementar nº 150/2015)

Dessa forma, desde o § 1º do art. 18 da Lei nº 8.213/91 assegurou o auxílio-acidente ao segurado especial
desde a sua redação originária. Esse direito era assegurado, não com base no art. 39, I, mas sim com
fundamento no art. 18, § 1º.
Havendo aparente colisão entre dois dispositivos, deve prevalecer a interpretação que seja mais favorável
ao segurado, em face do caráter social do direito previdenciário e da observância do princípio in dubio pro
misero (Resp 412.351/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 17/11/2003).

Lei nº 12.873/2013
O que expliquei acima e que espero que você tenha entendido foi que: o segurado especial, desde a edição
da Lei nº 8.213/91, sempre teve direito ao auxílio-acidente, sem precisar pagar contribuição como
segurado facultativo.
Vale ressaltar, no entanto, que, como havia resistência em reconhecer esse direito por conta da má-
redação do inciso I do art. 39, o legislador resolveu deixar a situação mais clara. Diante disso, foi editada
a Lei nº 12.873/2013, que alterou o inciso I do art. 39 para fazer constar ali, expressamente, que o
segurado especial tem sim direito ao auxílio-acidente.
Assim, a redação atual do inciso I do art. 39 é a seguinte:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a
concessão:
(...)
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de
pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86,
desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período,
imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses
correspondentes à carência do benefício requerido; ou (Redação dada pela Lei nº 12.873/2013)

Ressalto, no entanto, mais uma vez, que a Lei nº 12.873/2013 apenas deixou claro esse direito do segurado
especial. Ele já existia, contudo, mesmo antes da alteração legislativa. O tema foi objeto de recurso
especial submetido à sistemática dos recursos repetitivos. Veja a tese fixada pelo STJ:
O segurado especial, cujo acidente ou moléstia é anterior à vigência da Lei n. 12.873/2013, que alterou
a redação do inciso I do artigo 39 da Lei n. 8.213/1991, não precisa comprovar o recolhimento de
contribuição como segurado facultativo para ter direito ao auxílio-acidente.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.361.410-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 08/11/2017 (recurso
repetitivo) (Info 619).

Pelo que foi explicado, a tese fixada poderia ser mais clara se afirmasse o seguinte:
O segurado especial, seja antes ou depois da Lei nº 12.873/2013, tem direito ao auxílio-acidente sem
precisar comprovar o recolhimento de contribuição como segurado facultativo.

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PENSÃO POR MORTE


Menor sob guarda é dependente para fins previdenciários

Importante!!!
O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu
mantenedor, comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto
da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à
vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei n. 9.528/97. Funda-se
essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente
(8.069/90), frente à legislação previdenciária.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.411.258-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 11/10/2017
(recurso repetitivo) (Info 619).
No mesmo sentido: STJ. Corte Especial. EREsp 1.141.788-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado
em 7/12/2016 (Info 595).

BENEFICIÁRIOS
Em um regime de previdência, seja o regime geral (administrado pelo INSS), seja o regime próprio
(destinado aos servidores públicos), quando falamos em “beneficiários da previdência”, essa expressão
abrange duas espécies: segurados e dependentes.
Segurados Dependentes
São pessoas que, em razão de exercerem um São as pessoas que recebem uma proteção
trabalho, emprego ou cargo, ficam vinculadas previdenciária pelo fato de terem uma relação
diretamente ao Regime de Previdência. com o segurado.
Estão vinculados diretamente ao Regime de Estão vinculados de forma reflexa, em razão da
Previdência. relação que possuem com o segurado.
Ex: o servidor público federal, em virtude do cargo Ex: a esposa do servidor público federal é
por ele desempenhado, vincula-se ao regime beneficiária do regime previdenciário próprio na
próprio de previdência dos servidores federais. qualidade de dependente.

DEPENDENTES
O que são os dependentes para fins previdenciários?
Os dependentes são pessoas que, embora não contribuindo para a seguridade social, podem vir a receber
benefícios previdenciários, em virtude de terem uma relação de afeto (cônjuge/companheiro) ou
parentesco com o segurado.

Quais os benefícios que os dependentes receberão?


Quem define isso é a lei. Em geral, todos os regimes de previdência preveem a pensão por morte como
um benefício que os dependentes recebem quando ocorre o falecimento do segurado.

É o segurado quem escolhe quem são seus dependentes para fins previdenciários?
NÃO. A relação dos dependentes é definida pela legislação previdenciária. Assim, não é o segurado quem
os indica. É a própria lei quem já prevê taxativamente quem tem direito de ser considerado dependente
(art. 16 da Lei nº 8.213/91).

Os dependentes precisam se cadastrar no INSS?


Somente no momento em que forem receber o benefício. Antes de terem direito ao benefício, os
dependentes do segurado não se inscrevem na autarquia previdenciária.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34


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Classes de dependentes:
A Lei divide os dependentes em três classes:
1ª CLASSE a) Cônjuge Para que recebam os benefícios
b) Companheiro (hétero ou homoafetivo) previdenciários, os membros da
c) Filho menor de 21 anos, desde que não 1ª classe NÃO precisam provar
tenha sido emancipado; que eram dependentes
d) Filho inválido (não importa a idade); economicamente do segurado
e) Filho com deficiência intelectual ou mental (a dependência econômica é
ou deficiência grave (não importa a idade). presumida pela lei).
2ª CLASSE Pais do segurado. Para que recebam os benefícios
3ª CLASSE a) Irmão menor de 21 anos, desde que não previdenciários, os membros da
tenha sido emancipado; 2ª e 3ª classes PRECISAM provar
b) Irmão inválido (não importa a idade); que eram dependentes
c) Irmão com deficiência intelectual ou mental economicamente do segurado.
ou deficiência grave (não importa a idade).

GUARDA
Concessão da guarda para pessoa diversa dos pais
A legislação prevê algumas hipóteses em que a criança ou o adolescente pode ser colocado sob a guarda
de uma pessoa que não seja nem seu pai nem sua mãe.
A concessão da guarda é uma das formas de colocação do menor em família substituta, sendo concedida
quando os pais não apresentarem condições de exercer, com plenitude, seus deveres inerentes ao poder
familiar, seja por motivos temporários ou permanentes.

A concessão da guarda para terceiros implica, necessariamente, a perda do poder familiar pelos pais?
NÃO. A concessão da guarda, diferentemente da tutela, “não implica em destituição do poder familiar,
mas sim, transfere a terceiros componentes de uma família substituta provisória a obrigação de cuidar da
manutenção da integridade física e psíquica da criança e do adolescente.” (ROSSATO, Luciano Alves;
LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente. Comentado
artigo por artigo. 6. ed. São Paulo: RT, 2014, p. 187).

Hipóteses
Existem três hipóteses em que a guarda poderá ser deferida a outras pessoas que não sejam os pais da
criança ou adolescente:
a) quando tramitar processo judicial para que a criança ou adolescente seja adotado ou tutelado, situação
em que poderá ser colocado, liminar ou incidentalmente, sob a guarda do adotante ou tutor (art. 33, §
1º do ECA). Nesse caso, a guarda destina-se a regularizar juridicamente a situação de quem já está, na
prática, cuidando do menor. O ECA fala que a guarda “destina-se a regularizar a posse de fato”;
b) quando essa transferência da guarda for necessária para atender a situações peculiares ou para suprir
a falta eventual dos pais ou responsável (art. 33, § 2º do ECA). Ex: pais irão fazer uma longa viagem
para o exterior, ficando a criança no Brasil;
c) quando o juiz verificar que nem o pai nem a mãe estão cumprindo adequadamente o dever de guarda
do filho, situação em que deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da
medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade
(art. 1.584, § 5º do CC).

Responsabilidades do guardião
A pessoa que recebe a guarda, chamada de “guardião” (ou “detentor da guarda”), tem a obrigação de
prestar assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente.

Informativo 619-STJ (09/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35


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O guardião, no exercício de suas responsabilidades inerentes à guarda, tem o direito de fazer prevalecer
suas decisões em relação ao menor, podendo, para isso, opor-se em relação a terceiros, inclusive aos
próprios pais da criança ou adolescente (art. 33, caput, do ECA).

GUARDA E EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS


A criança ou adolescente que está sob guarda é considerada dependente do guardião?
Para responder a esta pergunta é necessário fazer um histórico da legislação.

Lei 8.069/90
Em 1990, foi editado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) prevendo que sim. Veja o
que estabelece o § 3º do art. 33 do ECA:
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de
direito, inclusive previdenciários.

Redação original da Lei 8.213/91


Em 1991, foi publicada a Lei nº 8.213/91, que trata sobre os Planos de Benefícios do Regime Geral de
Previdência Social (RGPS). Essa Lei elencou, em seu art. 16, quem seriam as pessoas consideradas
dependentes dos segurados. O § 2º do art. 16 previu que o menor que estivesse sob guarda judicial deveria
ser equiparado a filho e, portanto, considerado como dependente do segurado.
Em outras palavras, a redação original da Lei nº 8.213/91 dizia que o menor sob guarda era considerado
dependente previdenciário do guardião.

MP 1.523/96 e Lei 9.528/97


Em 1996, foi editada a MP 1.523/96, que alterou a redação do § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91 e excluiu
o menor sob guarda do rol de dependentes.
A justificativa dada para esta alteração foi a de que estavam ocorrendo muitas fraudes. O avô(ó), já aposentado,
obtinha a guarda de seu neto(a) apenas para, no futuro, deixar para ele(a) pensão por morte, quando falecesse.
A criança continuava morando com seus pais e esta guarda era obtida apenas para fins previdenciários. Dessa
forma, a intenção do Governo foi a de acabar com os efeitos previdenciários da guarda.
A referida MP foi, posteriormente, convertida na Lei nº 9.528/97.

ECA não foi alterado, o que gerou polêmica


Ocorre que o legislador alterou a Lei nº 8.213/91, mas não modificou o § 3º do art. 33 do ECA.
Assim, os advogados continuaram defendendo a tese de que o menor sob guarda permanece com direitos
previdenciários por força do ECA.
O INSS, por sua vez, argumentava que o art. 33, § 3º do ECA foi derrogado implicitamente pela Lei nº
9.528/97. Segundo a autarquia, a Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.528/97, é lei posterior
e mais especial do que o ECA. Assim, no conflito entre a atual redação do art. 16 da Lei nº 8.213/91 e o
art. 33, § 3º da Lei nº 8.069/90 deveria prevalecer o primeiro diploma, ante a natureza específica da norma
previdenciária.
A jurisprudência oscilava, ora em um sentido, ora em outro. A questão, no entanto, foi agora pacificada
pela Corte Especial do STJ.

A criança ou adolescente que está sob guarda é considerada dependente do guardião? A guarda confere
direitos previdenciários à criança ou adolescente? Se o guardião falecer, a criança ou adolescente que
estava sob sua guarda poderá ter direito à pensão por morte?
SIM.
Ao menor sob guarda deve ser assegurado o direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o
falecimento se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei nº 9.528/97 na Lei nº 8.213/91.

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O art. 33, § 3º do ECA deve prevalecer sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da
Previdência Social, em homenagem ao princípio da proteção integral e preferência da criança e do
adolescente (art. 227 da CF/88).
STJ. Corte Especial. EREsp 1141788/RS, Min. Rel. João Otávio de Noronha, julgado em 07/12/2016.

O ECA não é uma simples lei, uma vez que representa política pública de proteção à criança e ao
adolescente, verdadeiro cumprimento do mandamento previsto no art. 227 da CF/88.
Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa
humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e
adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a
interpretação de todo o ordenamento jurídico.
Desse modo, embora a lei previdenciária seja norma específica da previdência social, não menos certo é
que a criança e adolescente contam com proteção de norma específica que confere ao menor sob guarda
a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários. Logo, prevalece a previsão do
ECA trazida pelo art. 33, § 3º, mesmo sendo anterior à lei previdenciária.

Este entendimento vale também para o Regime Próprio de Previdência Social?


SIM.
O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor,
comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do
Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória
1.523/96, reeditada e convertida na Lei n. 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei
especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.411.258-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 11/10/2017 (recurso
repetitivo) (Info 619).

Veja outros precedentes no mesmo sentido:


(...) 1. O menor sob guarda judicial de servidor público do qual dependa economicamente no momento
do falecimento do responsável tem direito à pensão temporária de que trata o art. 217, II, b, da Lei
8.112/90.
2. O art. 5º da Lei 9.717/98 deve ser interpretado em conformidade com o princípio constitucional da
proteção integral à criança e ao adolescente (CF, art. 227), como consectário do princípio fundamental da
dignidade humana e base do Estado Democrático de Direito, bem assim com o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/90, art. 33, § 3º). (...)
STJ. Corte Especial. MS 20.589/DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 03/06/2015.

(...) 1. Caso em que se discute a possibilidade de assegurar benefício de pensão por morte a menor sob
guarda judicial, em face da prevalência do disposto no artigo 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA, sobre norma previdenciária de natureza específica.
2. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu campo de incidência amparado pelo
status de prioridade absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria comprometida com as
regras protetivas estabelecidas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. A Lei 8.069/90 representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro
cumprimento da ordem constitucional, haja vista o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 dispor que
é dever do Estado assegurar com absoluta prioridade à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá- los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
4. Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa
humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e

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adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a
interpretação de todo o ordenamento jurídico.
5. Embora a lei complementar estadual previdenciária do Estado de Mato Grosso seja lei específica da
previdência social, não menos certo é que a criança e adolescente tem norma específica, o Estatuto da
Criança e do Adolescente que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os
efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei n.º 8.069/90), norma que representa a política de
proteção ao menor, embasada na Constituição Federal que estabelece o dever do poder público e da
sociedade na proteção da criança e do adolescente (art. 227, caput, e § 3º, inciso II). (...)
STJ. 1ª Seção. RMS 36.034/MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26/02/2014.

Exemplo:
João, avô de Beatriz, de 10 anos, tem a guarda de sua neta, concedida judicialmente.
Vale ressaltar que João é servidor público do Estado do Mato Grosso.
O Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Mato Grosso, editado em 2004, traz, em seu art. 245, a
relação das pessoas que podem ser consideradas dependentes dos servidores.
O art. 245 não incluiu no rol de dependentes para fins previdenciários o menor sob guarda.
João morreu. Beatriz terá direito à pensão por morte.
Se ocorrer o óbito do segurado de regime previdenciário que seja detentor da guarda judicial de criança
ou adolescente, será assegurado o benefício da pensão por morte ao menor sob guarda, ainda que este
não tenha sido incluído no rol de dependentes previsto na lei previdenciária aplicável.

EXERCÍCIOS

Julgue os itens a seguir:


1) Por terem natureza jurídica de autarquia, os conselhos de fiscalização profissional possuem autorização
para registrar os veículos de sua propriedade como oficiais. ( )
2) O pedido de concessão de prazo para analisar documentos com o fim de verificar a existência de débito
tem o condão de interromper a prescrição para a ação de cobrança. ( )
3) O Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos
pelas sociedades cooperativas. ( )
4) É vedado ao banco mutuante reter, em qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos de
correntista para adimplir o mútuo (comum) contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa,
excluído o empréstimo garantido por margem salarial consignável, com desconto em folha de
pagamento, que possui regramento legal específico e admite a retenção de percentual. ( )
5) Cabe ao consumidor a escolha para exercer seu direito de ter sanado o vício do produto em 30 dias: levar
o produto ao comerciante, à assistência técnica ou diretamente ao fabricante. ( )
6) O uso indevido da marca gera dano moral in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera
comprovação da prática de conduta ilícita - contrafação -, revelando-se desnecessária a demonstração
de prejuízos concretos ou a comprovação probatória do efetivo abalo moral. ( )
7) Cabe ação de regresso para ressarcimento de condenação relativa a obrigações tipicamente societárias
suportada exclusivamente por empresa cindida contra empresa resultante da cisão parcial, observando-
se a proporção do patrimônio recebido. ( )
8) O prazo comum para cumprimento voluntário de sentença não deverá ser computado em dobro mesmo
que haja litisconsortes com procuradores distintos, em autos físicos. ( )
9) A ação possessória pode ser convertida em indenizatória (desapropriação indireta) - ainda que ausente
pedido explícito nesse sentido - a fim de assegurar tutela alternativa equivalente (indenização) ao
particular que teve suas térreas invadidas. ( )

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10) É inviável o reconhecimento de reincidência com base em único processo anterior em desfavor do réu,
no qual - após desclassificar o delito de tráfico para porte de substância entorpecente para consumo
próprio - o juízo extinguiu a punibilidade por considerar que o tempo da prisão provisória seria mais que
suficiente para compensar eventual condenação. ( )
11) Havendo dúvida resultante da omissão cartorária em certificar a data de recebimento da sentença
conforme o art. 389 do CPP, não se pode presumir a data de publicação com o mero lançamento de
movimentação dos autos na internet, a fim de se verificar a ocorrência de prescrição da pretensão
punitiva. ( )
12) O mandado de segurança pode ser utilizado para conseguir efeito suspensivo em recurso criminal
interposto pelo Ministério Público. ( )
13) O segurado especial, cujo acidente ou moléstia é anterior à vigência da Lei n. 12.873/2013, que alterou
a redação do inciso I do artigo 39 da Lei n. 8.213/1991, não precisa comprovar o recolhimento de
contribuição como segurado facultativo para ter direito ao auxílio-acidente. ( )
14) O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor,
comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do
Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória
1.523/96, reeditada e convertida na Lei n. 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial
do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária. ( )

Gabarito
1. E 2. E 3. E 4. C 5. C 6. C 7. C 8. E 9. C 10. C
11. C 12. E 13. C 14. C

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