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07 a 09 de Maio de 2012
1 Introdução
Uma Descoberta
Abril de 2010, num colégio elitizado de uma cidade de médio porte no interior
do Paraná, uma professora de quarto ano, se esforçava em desenvolver um assunto, que
junto com a data comemorativa da Páscoa era tema da semana: 19 de Abril – Dia do
Índio. Inicia escrevendo com letras garrafais a palavra ÍNDIO, assim desejava que as
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crianças fossem dizendo palavras que lhes viessem à mente a partir desse enunciado. A
professora imaginava e preparara a aula nesse sentido, de que as palavras associadas
seriam: arco, flecha, oca, rio, cocar, peneira, mata, floresta, natureza, pesca, nudez,
tribo, aldeia... E numa atitude lúdica ela apresentaria novos conceitos sobre a cultura
indígena, inclusive narrando às crianças que a população indígena atualmente está na
universidade e que há pouco havia sido convidada a formatura de indígenas, uma
Guarani formada em Enfermagem e um Kaingang, formado em Direito. Entretanto para
embaraço da professora, depois de um longo e estéril silêncio a primeira palavra
associada foi: POBRE.
Durante a semana estava prevista a apresentação de um documentário, no
laboratório de informática, entre outras coisas, a carta do cacique Yeha Noha e uma
entrevista onde um líder Yawanawá desabafa sobre o resultado esmagador do contato
com os não indígenas, ele chamava atenção para fato da religiosidade de seu povo ter
sido profundamente afetada pela força brutal da intolerância e deslocamento de poder,
ou seja, a língua e os rituais de seu povo foram condenados e interpretados como ritos
de feitiçaria, um ranço da Idade Média e caça as bruxas. O fato do colégio que a
professora trabalhava ser confessional potencializou o desconforto que foi se
desenvolvendo em indignação, passando impreterivelmente por uma comoção estranha
que afetou inclusive as crianças até então alheias ao tema da semana, a data
comemorativa e o conceito cultural do que fosse: ÍNDIO.
Ao retornar à sala de aula as crianças ao menos estavam curiosas a respeito da
emoção causada à professora a partir da apresentação daqueles documentários. Portanto
talvez agora houvesse uma condição potencializada para redimensionar o conceito
cultural da palavra ÍNDIO.
Retomando a ideia inicial somado a algumas pistas deixado pelos
documentários, ela arriscou narrar a formatura daqueles (as) indígenas e problematizar
sobre os aspectos da vida cotidiana desses povos que estão inseridos no modo de vida
ocidental, todavia é uma gente de características culturais, lingüísticas, antropológicas
distintas da nossa, mas que apesar da diferenças são dotados de uma singularidade
riquíssima. E conforme a professora ia narrando a experiência sua com povos indígenas,
o conceito de pobreza e riqueza ia se redimensionando, e o ÍNDIO foi deixando de ser
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pobre, sem antena parabólica, jogos eletrônicos, internet, celulares, casas bem equipadas
com eletro-eletrônicos, sem roupas, sapatos ou bicicleta, para um ÍNDIO que tem outras
coisas e também essas, por que não?
É necessário informar que a professora mencionada fui eu e a partir dessa
experiência desenrolou acontecimentos que serão narrados a seguir.
A Surpresa de um Encontro.
Partindo dessa experiência, procurei me informar um pouco mais sobre a
realidade indígena no Paraná, na Universidade Estadual de Maringá. Em conversa com
Prof.º Lúcio Tadeu Mota, foi-me permitido participar da III Oficina de Produção de
Material Xetá, dos dias 24 a 26/08/2010. Foram três dias intensos, de uma beleza ímpar,
não acreditava que estava ali com aquela gente, um povo, uma “sociedade”, a sociedade
Xetá, fragmentos da História ali, com pesquisadores, lingüistas, autoridades, todos
engajados na revitalização da língua Xetá.
Notei logo dois grupos distintos: o corpo técnico, acadêmico, especialistas e o
Povo Xetá. Tratei de sentar num cantinho da sala, havia três mesas onde o povo se
reuniria para tal oficina, ajudei as acadêmicas e pesquisadoras com a exposição da linha
do tempo do povo Xetá e me sentei novamente. Lá do outro lado havia uma das mesas
onde estava preenchida na sua maioria por crianças e adolescentes, só havia um senhor
mais velho que mais tarde identifiquei com Ap, , enteado de Tikuein com D. Conceição
.
Um garoto de 11 anos, o J., ficou a me olhar e a sorrir, me senti atraída por
aquele sorriso tímido, que abaixava os olhos por vezes em seguida a me olhar de novo.
Aproveitei a empatia e me aproximei do grupo, pedi permissão para me sentar com eles,
eles aceitaram e já me elegeram “secretária” do grupo, responsável pelos registros em
papel manilha dos relatos e histórias que seriam narrados.
Em algum momento R. se aproximou interessada em me contar mais sobre eles,
só então soube que era esposa de Ap. Numa simplicidade desconcertante e cativante
fomos conversando, quando descobriu que eu era professora e que trabalhei com
crianças menores que a faixa etária escolar (Educação Infantil) me convidou para ir para
São Jerônimo-PR, narrou às dificuldades em relação aos pequeninos, falou da escola, de
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uma turma de pré-escolares, mas que os menores não tinham assistência escolar, falou
sobre o cacique Hipólito, que é Kaingang, falou de sua casa, seus afazeres, sua filha
casada que faz bolos deliciosos e já fizera para dois casamentos na Terra Indígena de
São Jerônimo. Contou a não existência de escola bilíngüe Xetá... Contou de um filho
que cria e como foi sofrido fazê-lo sobreviver, já que veio para ela muito doente...
No período da tarde, do terceiro dia de oficina, julguei que as crianças tivessem
exauridas, pois aquelas tarde do final de agosto, quente, seco era sufocante manter-se na
sala de trabalhos, no entanto logo que o líder deles, C. notou a ausência do grupo das
crianças foi até o local solicitando que voltássemos que todos deviam estar na oficina,
fiquei até envergonhada de ter tido a iniciativa de tirá-los da sala. Mas o resultado desse
pequeno espaço de tempo foi significativo.
A experiência foi ímpar, brincando com eles, duas situações opostas fizeram
desta experiência um lampejo de criatividade e intuição. Num primeiro momento
estávamos brincando espontaneamente, nos balançando naqueles instrumentos de
ginástica, uma das meninas, Y., se não a M. disse: “- Parece que a gente está voando!”
Então comentei que havia sonhado que voava, mas que eu tinha dificuldade de fazer
movimentos circulares no ar, a M., ou a Y., não me recordo direito, explodiu num
comentário: “- Eu sempre sonho que estou voando, fugindo do meu pai que voa atrás de
mim então eu acordo.” A Y. disse: “- Eu tive um pesadelo, meu pai estar sendo
esfaqueado e eu e minha mãe vendo tudo, depois esfaqueiam minha mãe e eu acordei.”
Eu continuei dizendo que em Guarapuava tinha um museu e quando fui lá a primeira
vez, vi o casco de uma jibóia na parede em exposição, naquela noite sonhei que uma
daquelas havia engolido minha mãe, acordei chorando muito...
Continuamos brincando, então comentei sobre o tempo seco que faz a pele ficar
com um aspecto ressecado e com rachaduras e o quanto minha pele estava ressecada.
Queria alguma coisa para passar que melhorasse, esperava que ela me confidenciasse
uma fórmula da mata, talvez com folhas medicinais, argila, cera de abelha, sabe-se lá...
Mas M. de súbito exclamou, no afã de ajudar: “- Minha mãe usa monange! ’ Uma
graça!
Na sequência lá vem o P., meu filho, 11 anos (que nesse dia se ausentou na
escola, para viver uma experiência significativa na Universidade Estadual de Maringá).
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Ele tem o costume de capturar animais de pequeno porte, sempre com o intuito de
protegê-los e cuidá-los, argumenta que estão machucados e que se ele não ajudar vão
morrer. Eu insistia que soltasse o bichinho! Vinha com uma pombinha nas mãos
(filhote) por certo tentando impressionar a criançada, todos gritavam atrás dele, uns
cinco ou seis meninos Xetá: “- Solte ela, solte ela...”
Agora lendo a dissertação da Carmem Silva (1998), imagino o quanto é
simbólico esse gesto de captura (era comum o rapto e roubo de crianças Xetá nas
décadas de quarenta e cinqüenta), o que perfeitamente pode fazer parte da memória
coletiva do grupo Xetá. Conforme o etno-historiador Lucio Tadeu Mota (2003), a etnia
Xetá foi contactada no Paraná no ano de 1940. Estudos da antropóloga e pesquisadora
Carmem Lúcia da Silva (1998) afirmam que, no final dos anos de 1940, agrimensores
da Companhia de Colonização, avistaram estranhos índios. Em seguida, o auxiliar do
Serviço de Proteção ao Índio (SPI) visitou a região da Serra dos Dourados para verificar
a procedência das notícias de que existiam índios selvagens nesta região. Com o passar
dos anos, o povo Xetá desapareceu do cenário paranaense, sobreviveram alguns
indivíduos (crianças e jovens), expropriados do seu território, retirados de seus
familiares e de seu referencial cultural, para serem criados por famílias brancas que
habitavam diferentes pontos do Paraná.
Nesses episódios do relato dos sonhos e pesadelos, do hidratante monange e do
filhotinho de pomba, a gente pode suspeitar que as duas culturas se misturem,
entrelaçam: Uma proposta pedagógica carece reconhecer e contemplar esses pontos
antagônicos, complementares e que de certa forma constitui a construção ininterrupta de
uma sociedade considerada extinta, mas que assim como no filme Caminhando nas
nuvens, estrelado com o protagonismo de Anthony Quinn, quando a partir de uma única
raiz, depois de um parreiral todo ser exterminado por um incêndio, houve a esperança
do recomeço a partir de uma única raiz de muda sobrevivente da tragédia. Portanto oito
crianças sobreviveram, a raiz de um povo que teimou em continuar a sua existência.
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indianista, artista de seu povo e ativista político do movimento indigenista do Peru, que
iniciei as primeiras reflexões mais pontuais sobre A problemática dos “índios
misturados” e os limites dos estudos americanistas: um encontro entre antropologia e
história, texto de João Pacheco de Oliveira filho, na obra “Ensaios em Antropologia
Histórica” (1999) e a obra de José Uriel Garcia “O Novo Índio” (1930). O que essas
duas obras têm em comum é a resignificação do conceito sobre o ÍNDIO.
A obra de João Pacheco traz elementos interessantes à reflexão sobre o conceito
cultural do que é ser índio e/ou considerado como tal:
“É preciso entender que as manifestações simbólicas dos índios atuais
estarão marcadas comumente por diferentes tradições culturais. Para
serem legítimos componentes de uma cultura, costumes e crenças não
precisam ser exclusivos daquela sociedade, frequentemente sendo
compartilhados com outras populações (indígenas ou não). Tais
elementos culturais também não são necessariamente antigos ou
ancestrais, constituindo-se em fato corriqueiro a adaptação de pautas
culturais ao mundo moderno e globalizado.” (FILHO, 1999,p.117)
Partindo das experiências expostas acima, foi que me inscrevi para seleção 2011 no
Programa de Pós Educação da UEM. A ideia era investigar a realidade da criança Xetá a partir
da necessidade exposta na oficina.
A motivação era colaborar na elaboração de proposta para educação infantil Xetá. É
claro que a ausência de território tradicional (há mais de dez anos corre na justiça a luta pelo
território tradicional) e da língua Xetá (a revitalização da cultura e língua materna, deste povo,
que está sendo realizada por meio da memória dos mais velhos, empreendida pelo Programa
Interdisciplinar de Estudos de Populações/Laboratório de Arqueologia, Etnologia e
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Palavras finais
Nesse sentido, autores como TOMÁS, MÜLLER, SARMENTO apontam, para o
protagonismo infantil e a expansão da compreensão sobre os mundos sociais e culturais
das crianças, considerando que suas são realidades heterogéneas e múltiplas (Tomás
2011, p.133). No entanto, a infância tem sofrido um processo de ocultação,
historicamente construídas sobre as crianças (...) ocultando a realidade dos mundos
sociais e culturais das crianças (Sarmento, 2007, p.26).
Portanto, a valorização das crianças como sujeitos de direitos em situação
peculiar de desenvolvimento, exatamente como garante o Estatuto da criança e do
Adolescente ( Lei Brasileira n. 8.069/1990) e, ainda, como produtoras e transmissoras
de culturas que devem ser identificadas, preservadas e potencializadas, formam o
mosaico de atitudes políticas e epistemologia que elabora um novo pensar e agir a
respeito da existência da criança no mundo (Müller, 2007,p.15). A criança Xetá, nesse
contexto, apresenta uma ilustração incontestável de tal protagonismo e jeito de ser a se
traduzir.
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REFERÊNCIAS
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