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Em agosto de 2001, a Comissão Executiva do PFL – Partido da Frente Liberal – realizou seu primeiro
Congresso Nacional dedicado ao tema “A Revolução na Educação”. Dele resultou uma proposta a
ser encaminhada ao Congresso com vistas a tornar o Ensino Fundamental uma prioridade nacional,
elevando-se progressivamente os anos de escolaridade obrigatória e formando quadros técnicos,
médios e superiores que permitam uma base sólida ao desenvolvimento do País.
O Rio Estudos publica os pareceres do deputado Walfrido Mares Guia e dos professores Antonio
Paim e Cláudio de Moura Castro abordando aspectos diversos do Ensino Básico no Brasil. Ao
reconhecer a melhoria dos níveis de atendimento escolar – que hoje atinge 97 por cento das crianças
de 7 a 14 anos – e a diminuição dos índices de repetência e da taxa de evasão, não esquecem que
muita coisa ainda precisa ser feita em prol da educação plena dos cidadãos brasileiros.
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definido na sala de aula – simplesmente pulveriza as taxas de repetência. O
FUNDEF é imbatível na expansão de matrículas da rede municipal.
Já a batalha da qualidade, do alto desempenho para todos os alunos, ou
acontece no chão da escola, diariamente, ou não acontece.
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Para alinhar o trabalho individual de todos os que trabalham na escola, o
diretor e sua equipe imediata devem explicitar, explicar, divulgar amplamente e
utilizar regularmente os seguintes elementos estratégicos:
Direções estratégicas da escola
• Finalidade;
• missão & visão;
• metas & medidas;
• principais estratégias;
• valores.
Para que esses elementos cumpram sua função é necessário que estejam:
redigidos na linguagem que faz mais sentido para os professores;
bem compreendidos;
suficientemente divulgados (de fácil acesso, visíveis);
integrados aos planejamentos e práticas de professores e
funcionários.
Integração escola-classe-aluno
O alto desempenho de todos os alunos depende do grau em que a
aprendizagem de cada aluno se apoia numa classe bem direcionada, estruturada,
alinhada com as finalidades e metas da escola.
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Os três sistemas escola-classe-aluno têm de jogar de forma alinhada, cada
um dando suporte ao outro, da seguinte forma:
a escola apóia as classes (sob a liderança do diretor e sua equipe
imediata);
a classe apóia cada aluno (sob a liderança do professor);
o aluno conduz sua aprendizagem pessoal.
Quando a integração é bem-sucedida, as metas definidas pela escola,
relativamente às competências e desempenho dos alunos, chegam intactas até a
sala de aula.
O apoio de um sistema ao outro significa que uma meta definida pela escola,
além de chegar intacta até o aluno, recebe contribuições específicas da escola e da
classe, antes mesmo de o aluno se ocupar com a meta.
O papel do diretor da escola é fazer da integração desses três sistemas seu
plano pessoal. Essa é outra tarefa indelegável – os professores, individualmente, e
muito menos os alunos, não têm a prerrogativa de comandar essa integração.
O resultado da integração dos três sistemas é o deslocamento, pelas classes,
das metas & medidas da escola, e o desdobramento, aluno por aluno, das metas &
medidas de sua classe.
Existe uma metodologia para se fazer isso sistematicamente, chamada
Sistema de Gestão Integrado, cujo detalhamento ultrapassa o escopo desta
conferência. Quando a metodologia está em prática para toda uma rede pública,
outro sistema é acrescentado a essa “corrente”: a Secretaria (Municipal ou Estadual)
de Educação. O papel da Secretaria, sob o comando de sua equipe de liderança, é
apoiar as escolas, com cada escola da rede desdobrando as metas & medidas da
Secretaria.
Elementos da integração escola-classe-aluno
• Desdobramento de metas;
• plano de melhoramento da escola, trazendo as metas da escola e as
contribuições da equipe de liderança para seu atingimento;
• planos de ação pessoais, pelos quais os professores, funcionários e
alunos alinham suas ações e fazem seu planos de melhoramento nas
suas respectivas metas.
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Exemplos de sistemas de informação & análise
Sistemas para:
• identificar as necessidades e expectativas das partes interessadas
(alunos, pais, professores, funcionários, empregadores e comunidade em
geral);
• conhecer os níveis de satisfação/insatisfação das partes interessadas com
o trabalho da escola;
• avaliar os níveis de aprendizagem dos alunos, especialmente em testes
padronizados, externos às classes;
• monitorar o progresso das metas da escola;
• identificar necessidades de educação & treinamento, de melhoramento.
O papel do diretor é decisivo para a implantação de sistemas de informação e
análise. Os sistemas não vão aparecer só porque são uma boa idéia. Eles dão
trabalho, e as pessoas estão acostumados a viver sem eles. O diretor tem de eleger
o trabalho com fatos e dados como uma prioridade de sua gestão, uma questão
quase pessoal.
(*) O professor Walfrido Mares Guia é deputado por Minas Gerais, integrando a bancada do PTB.
Preside a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Foi secretário de Educação de Minas
Gerais e vice-governador do Estado, introduzindo importantes reformas no ensino médio, providência
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que pôde acompanhar durante oito anos ininterruptos, o que faculta avaliação conclusiva. Sendo
diretor do Colégio Pitágoras, de Belo Horizonte, renomada instituição educacional, reúne portanto
notável experiência tanto da escola pública como da privada.
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Mas educação se dá nas escolas e, melhor dito, na sala de aula. E, para
mexer nessa sala de aula, ministros e secretários mandam pouco.
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Aprender habilidades básicas para a vida e não decorar os afluentes do
Amazonas
Isso tem de ser substituído por competências que sirvam para operar
inteligentemente no cotidiano. A primeira série de competências é ler, ler bem,
entender o que leu, ser capaz de transpor para o mundo real o que está escrito no
papel. A segunda série é usar números e quantidades. Pesquisas na Alemanha
mostram que, na vida real, usam-se as quatro operações, proporções, áreas,
volumes, juros, tabelas, gráficos e pouco mais. De que serve aprender crivo de
Eratóstenes, séries de Taylor, hessianas orladas, integrais, e por aí afora? Nem
universitários usam isso.
A teoria ainda defendida é de que isso é um bom exercício mental. Dizia-se o
mesmo do xadrez, do latim etc. Está por ser demonstrado. E, como nos diz a
psicologia cognitiva, sem o contexto essas coisas entram por um ouvido e saem pelo
outro.
Portanto, a escola tem de levar muito mais tempo ensinando o que a vida
cotidiana requer, pois isso é o que realmente conta, não apenas como resposta
prática, mas como real aprendizado.
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A tecnologia: ensino melhor para muitos e não o melhor ensino para poucos
A tecnologia pode ser usada para melhorar um ensino que já é esplêndido e
já fez tudo que poderia ser feito para melhorar. TV, computador, CD-ROM, DVD.
Internet é o último cartucho para oferecer algo mais. É assim que acontece no Media
Lab do MIT, em muitos laboratórios de psicologia cognitiva e, em geral, nos países
desenvolvidos.
É a busca, a qualquer custo, da última gota de melhoria de um ensino que já
é o melhor possível, com os melhores professores.
Mas, para nós, pobres em muitas direções e, sobretudo, pobres na qualidade
média dos nossos professores, a tecnologia deveria ter um sentido diferente.
Temos gente competente e criativa no ensino, nas ciências e em todas as
áreas, mas são muito poucos. O desafio da tecnologia é fazer chegar às massas a
criatividade desta gente cujo alcance se extingue em alguns poucos privilegiados.
Quem teve chance de aprender Matemática Financeira com Mário Henrique
Simonsen? Algumas poucas centenas de alunos. Mas o vídeo do Mário ensinando
Matemática Financeira custa alguns reais para ser reproduzido. Não é tão bom
quando o Mário em pessoa. Mas é melhor do que quase todos os professores de
Matemática Financeira. E, sobretudo, é infinitamente melhor do que a aula
presencial em uma pequena faculdade do interior. Esse é o grande potencial da
tecnologia. O próprio Colégio Pitágoras está encomendando uma nova versão do
curso do Mário.
O mesmo faz o Telecurso e a Tele-escola. Levam a melhor produção que o
dinheiro pode comprar para um aluno que jamais teria acesso a uma aula de tal
calibre.
Gasta-se 1.000 a 1.500 dólares por minuto para produzir uma aula. Quando
se divide por milhões de alunos, é quase de graça.
O Brasil é líder mundial no uso da TV e vídeo de ensino. É o uso de uma TV
padrão internacional e capacidade de exportação para os usos em escolas. Só
Brasil e México fizeram isso. Escola do Ceará que está usando telecurso tem
melhores resultados do que a escola convencional, além de ser um pouquinho mais
barata.
Diante do potencial e do impacto já observado do meio televisivo, o
computador é um instrumento do futuro e não uma ferramenta que tenha impacto no
nível presente de ensino. Como no mundo econômico o computador é uma
ferramenta de trabalho, é importante que os alunos tenham acesso a ele. Mas seus
usos na educação persistem sendo de resultados duvidosos e de relação custo-
eficiência reduzida. O mesmo não se dá com a TV e vídeo que jamais foram bem
usados na educação formal nos países desenvolvidos. Só no Brasil e México.
Mas, escola se faz com professores: sem melhorá-los, tudo o mais é paliativo
Temos de apoiar o professor com os melhores livros, as melhores pedagogias
e as tecnologias. Tudo tem de ser feito para lhe dar retaguarda.
Mas há um limite. Educação se faz com professores, e boa educação se faz
com bons professores. Disso não saímos e não vamos sair. Quanto mais se
consegue fazer com a máquina, mais crítica fica a atuação do professor, onde a
máquina não chega.
Daí termos uma necessidade imperiosa de melhorar nossos professores. Isso
significa muitas coisas: desenhar uma carreira mais inteligente, com salários iniciais
mais atraentes; sistemas de promoção baseados no mérito, formas corretas de
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avaliar o mérito, aposentadorias compatíveis com a pobreza do País e em uma
idade que corresponda aos novos padrões demográficos da sociedade brasileira.
Tudo isso é fácil na teoria, mas extremamente penoso na prática, diante das
desconfianças mútuas, entre professores, sindicatos e governo. Há a
irresponsabilidade e o fisiologismo das administrações locais e há o peleguismo de
muitos sindicatos combinado com uma ideologia bolorenta, cujo objetivo principal é
manter no poder as velhas lideranças. É um diálogo difícil, às vezes até mais fácil
com os professores do que com seus líderes.
É imprescindível desenhar melhores fórmulas de preparar professores. Para o
fundamental, talvez a escola normal superior seja boa fórmula. Mas, no ensino
médio ainda estamos patinando. Há brigas memoráveis no CNE, resistência à
mudanças, resistências a outras fórmulas de preparar professores.
O papel das universidades públicas tem de ser redefinido. Que sentido faz
oferecer um curso de medicina gratuita, seguido de uma residência, um mestrado e
um doutorado para um médico se especializar em cirurgia plástica de padrão
internacional? Ao mesmo tempo, as escolas de educação, monopolizadas por
grupos que não descobriram que o regime militar foi abandonado na década de
oitenta, oferecem cursos pobres, recrutando mal seus estudantes, aferrando-se a
fórmulas caducas. Boa parte da formação de professores se dá no sistema privado.
Ou seja, o público forma gratuitamente cirurgiões plásticos. Os futuros professores
têm de pagar para fazer seu curso. Na China, o único ensino superior gratuito é o
que prepara professores.
Como grande parte dos professores que irão ensinar aos nossos filhos e aos
nossos netos já estão contratados, não há alternativa senão melhorar o seu
desempenho por meio de programas de treinamento.
Mas a experiência brasileira mostra um excesso de cursinhos e uma
escassez de resultados. Grande parte dos cursos versa sobre as teorias
pedagógicas da moda. Piaget, Vigotsky, Emília Ferrero, Gramsi (falando sobre
formação profissional para uma economia que já não existe mais mesmo no Brasil).
Muito é pregação da velha guarda, sobre a dignidade do professor, a formação do
homem integral etc.
Menos mal os cursos do Faxinal, no Paraná, onde se levava teatro, música,
ópera e outras atividades culturais aos professores. Pelo menos que se erre de
forma original.
Ensinar conteúdo é certamente importante, sobretudo considerando que
muitos professores não dominam tais conteúdos. Todavia, isso é pecado mortal,
chamar um curso de “conteudista” é pior que xingar a mãe. Por alguma razão, ajudar
os professores a dominar conteúdos que devem ensinar aos seus alunos virou crime
hediondo na cabeça de muitos.
O que também sabemos é oferecer aos professores instrução precisa de
como utilizar os livros e materiais pedagógicos que estão efetivamente em suas
salas de aula. Mas isso não é considerado chique. Isso é careta. É xingado de
instrução programada, de adestramento, de transformar o professor em robô etc.
O Brasil é o terceiro país do mundo em franquias. A primeira franquia em
educação no mundo foi o Yazigi. Não é pois surpresa que o desenvolvimento das
franquias em educação onde escolas de primeira linha, com coleções competentes
de livros texto, passaram a ensinar os professores dos franqueados a usar os seus
materiais e apoiá-los em suas necessidades concretas.
Esses programas, inclusive o do Colégio Pitágoras, vão muito bem. É uma
inovação brasileira, tanto quando se saiba, única no mundo. Oferecem às escolas
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exatamente o que precisam: apoio para os professores no cotidiano da sala de aula,
cuja dinâmica é inevitavelmente regida pelos livros texto (assim é em Genebra e em
Washington, nas melhores escolas que pude ver funcionando).
Uma alternativa interessante que vi proposta, mas não vi os seus resultados,
é deixar por conta das próprias escolas e de seus diretores propor que cursos tomar.
O estado de Minas Gerais adotou esse sistema, mas a implementação começou
bastante no fim da gestão anterior. Não vi avaliações dos resultados.
(*) O professor Cláudio de Moura Castro formou-se em economia pela UFMG, com pós-graduação
nas universidades norte-americanas de Berkeley e Vanderbilt, mas dedicou-se à educação. Exerceu
o magistério em universidades brasileiras e estrangeiras; foi diretor geral da CAPES e trabalhou no
Banco Mundial e no BID. Hoje, é presidente do Conselho Consultivo da Faculdade Pitágoras, em
Belo Horizonte.
(1) Tem em vista as aposentadorias no serviço público.
(2) Ele narra experiência que vivenciou com a filha pequena. A menina contestou, em visita ao jardim
zoológico, que a ave apontada fosse uma ema. “No meu livro é avestruz”, disse. Crianças pobres não
têm familiaridade com os livros.
(3) Os nomes referem-se a afluentes do Amazonas. As demais referências são fórmulas decoradas
sem utilidade. Princípios de cultura geral são ensinados de outras maneiras.
(4) Richard P. Freynman (1918/1988), Prêmio Nobel de Física (1965), esteve no Brasil nos anos
cinqüenta, trabalhando com cientistas brasileiros. Deixou um registro dessa experiência em livro de
memórias, transcrito na revista Parcerias Estratégicas, do MCT, nº 9; outubro, 2000.
OBS.: Notas do editor.
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A escola é uma comunidade. Não um distrito ou um sistema escolar nessa
concepção. Por essa razão, o papel do diretor da escola difere dos outros
administradores, mas a escola necessita de líderes. Seus assuntos internos e
externos devem ser administrados dia após dia, a cada momento. Mas a escola não
é uma comunidade comum, como uma cidade ou um estado. É uma comunidade
devotada à aprendizagem e seus cidadãos são os professores e os estudantes
engajados nessa atividade. Deve também incluir os pais, cuja cooperação com a
escola é essencial ao seu sucesso.
A função primordial do chefe da escola é ensinar e aprender. Ele deve,
portanto, administrar todos os outros assuntos de modo a facilitar essa atividade
principal. O que significa isso? Como isso redefine o papel do diretor na escola? A
pessoa escolhida para essa posição deve ser um professor competente e dedicado,
com muita experiência de sala de aula.
Não é suficiente para o diretor estar familiarizado como os regulamentos
administrativos, ser perito em procedimento burocrático ou dotado de agudeza
política, por mais importantes que sejam tais qualificações. O diretor deve ser, em
primeiro lugar e acima de tudo, o que o título implica – o professor-chefe, o mestre,
como é chamado nas escolas particulares, o líder dos outros professores que
também são denominados mestres. O importante é que o diretor lidere sua
comunidade escolar. Foi demonstrado, em repetidos estudos, que a qualidade do
ensino e da aprendizagem existente numa escola é amplamente determinada pela
qualidade de tal líder.
O líder educacional é raro. Duas condições parecem estar sempre
relacionadas com o desempenho do diretor. Uma é a autoridade para contratar e
demitir professores (em consulta com representantes do corpo docente e com
observância do procedimento necessário, conforme estabelecido pelas regras
administrativas e pelos regulamentos sindicais). Como corolário, o diretor deve
também ter voz – preferivelmente uma voz de controle – quanto às nomeações e
promoções, de modo que estas aconteçam de maneira adequada a promover os
objetivos educacionais da escola.
A segunda condição é a de que o diretor deva ser a autoridade e tenha o
poder de fazer valer os padrões de conduta – aquela medida de decoro e bom
procedimento da parte do corpo discente que é indispensável à aprendizagem e ao
ensino. Não é apenas necessário para o diretor ter tais poderes; é também
necessário para os pais reconhecerem a autoridade do diretor em fazer valer as
regras de conduta que tornam a comunidade escolar um lugar seguro e sadio para
aprender.
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