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A QUESTÃO ESCRAVISTA E O PRESBITERIANISMO NO BRASIL IMPÉRIO

PEDRO HENRIQUE CAVALCANTE DE MEDEIROS

Nesta comunicação apresento os primeiros resultados, ainda parciais, de uma pesquisa


muito mais ampla que resultará no segundo capítulo da nossa tese de doutorado. A pesquisa
realizada no nível do doutorado procura analisar as relações entre o discurso e a prática da
missão presbiteriana no Brasil, no seu processo de nacionalização, e o projeto de nação
brasileira entre o fim do Império e início da República, em questões relacionadas à cidadania
num contexto de secularização da sociedade. Neste momento, nosso objetivo principal é
analisar o vínculo dos principais discursos presbiterianos com relação à escravidão e o
movimento abolicionista.

É conhecida a interpretação sobre a relação entre o discurso e as ações dos protestantes


e a escravidão no Brasil imperial exposta na obra Negro não entra na Igreja espia da banda
de fora: protestantismo e escravidão no Brasil Império, de José Carlos Barbosa. Para o autor,
desde a década de 1870 era patente a ideia de que a extinção da escravidão era algo inevitável
e necessário. Para se efetivar a abolição bastava apenas a escolha de uma melhor forma e uma
propícia oportunidade. “Libertar o escravo era quase um consenso nacional” (BARBOSA,
2002: 104). Além disso, analisando o papel do publicista presbiteriano da propaganda
antiescravista norte-americana no Brasil, James Cooley Fletcher (1823-1901), Barbosa afirma
que para muitos missionários protestantes norte-americanos a abolição estava prestes a
ocorrer.

Entretanto, Barbosa (2002) defende que os missionários protestantes norte-


americanos, principalmente os imigrantes confederados, não se posicionaram em apoio à
abolição. Eles temiam uma insurreição por parte dos escravos, assim como os escravos não
recebiam garantias contra a crueldade dos senhores, o Estado também não tinha como garantir
a segurança dos senhores, principalmente, os que estavam nas regiões mais distantes do
litoral. Ainda assim, o Estado deveria dar uma solução para a questão, para que insurreições
não ocorressem.


Programa de Pós-Graduação em História da UFRRJ. Doutorando em História. FAPERJ.
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Barbosa (2002) afirma que mesmo com o crescimento do movimento abolicionista na


década de 1880, com grande adesão popular, os missionários protestantes ainda mantinham o
propósito principal de implantar o protestantismo no Brasil. Quando trataram da questão, o
fizeram por preocupação essencialmente religiosa. O que os missionários queriam era
demonstrar como a Igreja Católica representava o atraso e demonstrar para os abolicionistas
como o protestantismo era uma melhor opção. Reflexo de uma teologia maniqueísta em que
todas as questões políticas e sociais deveriam pertencer a “César” ou ao Estado e a Igreja
deveria se preocupar apenas com questões espirituais e morais. Além disso, também havia a
ideia de o homem neste mundo ser um peregrino, resignado a sua situação de sofrimento em
direção a uma felicidade futura incomparável e eterna. Essa teologia era a justificativa para a
cautela dos missionários, segundo Barbosa (2002).

Nessa interpretação, os missionários estariam preocupados em converter, integrar e


educar o negro e não em libertá-lo da situação do cativeiro. O discurso dos missionários e
suas ações exemplificariam seu conservadorismo e paternalismo. As ações e discursos dos
missionários protestantes com relação à questão escravista foram pautados na prudência, no
trabalho religioso, evitando-se falar sobre assuntos perigosos. O interesse estava na
regeneração moral do escravo, mais do que na sua libertação do cativeiro. “Nega-se
totalmente ao negro a condição de sujeito da história, encarando-o tão-somente como objeto a
ser resgatado” (BARBOSA, 2002: 186).

Hélio de Oliveira Silva (2010) sustenta uma interpretação diferente de Barbosa (2002).
Para ele, os argumentos de Barbosa (2002) sofrem de anacronismo, ao exigir expectativas do
presente em missionários que viveram há um século e meio atrás, quando a presença
quantitativa e qualitativa dos missionários era irrisória para a sociedade brasileira. Os
primeiros missionários presbiterianos eram contrários à escravidão, mas realmente não se
envolveram inicialmente com o movimento. No entanto, deve-se atentar para o crescimento
do movimento abolicionista e destacar o papel daqueles que endossaram e atuaram em favor
da abolição. A prioridade realmente era a instalação do protestantismo no Brasil, desde 1859,
e o envolvimento com o abolicionismo logo de início poderia comprometer todo o trabalho
missionário de implantação e expansão do presbiterianismo frente a um catolicismo oficial e
majoritário.
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Em 1888, quando a Lei Áurea foi assinada, a Igreja Presbiteriana do Brasil possuía
apenas vinte e seis anos de organização, “a igreja era jovem, inexperiente e estrangeira em
quase dois terços de seus obreiros e boa parte de seus membros” (SILVA, 2010: 47). O ano de
1888 também foi o da organização do sínodo do presbiterianismo nacional, com 3
presbitérios, 62 igrejas locais, 2.947 membros comungantes, 31 pastores, sendo 12 nacionais.

O fundador, Ashbel Green Simonton (1833-1867), considerava a escravidão pecado e


opressão, mas tinha cautela para tratar publicamente do assunto, principalmente diante da
impressão que lhe causou a Guerra Civil norte-americana e a abolição: “as consequências
desse ato, porém, não podem ser calculadas. Se a proclamação for posta em prática uma
revolução formidável está em nosso meio” (SIMONTON, 2002: 157). A mesma cautela é
verificada no jornal Imprensa Evangélica, fundado por Simonton em 1864. Silva (2010)
indica que na década de 1870, o tema aparece raramente no jornal, pois não era intenção atrair
uma atenção indesejada para o periódico por parte de autoridades públicas ou religiosas. Essa
postura só muda a partir da década de 1880. Ao mesmo tempo em que protestantes passam a
dar guarida para membros do movimento abolicionista, como Chamberlain ao acolher os
filhos dos ativistas na Escola Americana, quando esses passaram a sofrer constrangimentos
nas escolas públicas.

Outros missionários se posicionaram contra o escravismo. Emanuel Vanorden (1836-


1917), ao fundar a Primeira Igreja Presbiteriana do Rio Grande do Sul, na cidade de Rio
Grande, em 1878, adotou a resolução de não aceitar nenhum proprietário de escravos como
membro da igreja a menos que alforriasse seus escravos, pois a escravidão era “um pecado
contra Deus e contra o homem” (MATOS, 2004: 79). Além disso, Vanorden também teria
enviado, em 24 de outubro de 1877, uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Rutherford
B. Hayes (1822-1893), denunciando o transporte de escravos para o Brasil em navios norte-
americanos e pedia providências. Além de, como membro correspondente da Sociedade
Antiescravista de Londres, ter se correspondido com o imperador d. Pedro II congratulando-o
pela abolição da escravidão na província do Ceará e demonstrando sua esperança de ver a
inteira abolição da escravidão no Brasil.

Houve também os opúsculos abolicionistas de James Theodore Houston (1847-1929) e


de Eduardo Carlos Pereira (1855-1923), que analisaremos mais adiante. Dessa forma, Silva
(2010) defende que a Igreja Presbiteriana enquanto instituição manteve uma postura cautelosa
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quanto ao tema devido aos empecilhos legais e sociais para sua efetiva implantação e
permanência no Brasil. No entanto, ainda assim, há exemplos claros de sua posição
antiescravista, como foi afirmado na reunião do Presbitério do Rio de Janeiro em 1886, na
ocasião o tema foi levantado e os pastores reunidos condenaram o escravismo.

Douglas Nassif Cardoso (2009) também discorda dos argumentos de Barbosa. Para
ele, a tese de Barbosa é generalizante sobre as ações dos protestantes com relação à
escravidão. Cardoso se propõe a analisar a chamada “Pastoral da Liberdade”, um parecer
elaborado por Robert Reid Kalley (1809-1888) sobre ser certo ou não um cristão possuir
escravos. O documento, de caráter normativo eclesiástico, foi emitido em 1865 a partir de um
questionamento de Bernardino de Oliveira Rameiro, um senhor de escravos que também era
membro da Igreja Evangélica Fluminense, fundada por Kalley em 1855.

Cardoso (2009) destaca que inicialmente Kalley procurou demonstrar que todos
necessitam do serviço de outros e há três formas de se prestar esse serviço, seja por amor, por
salário ou por compulsão. Sobre o direito de propriedade Kalley afirma que cada um tem
direito ao seu corpo e de dispor dele conforme sua vontade, desfrutando dos frutos obtidos
pelo exercício do seu próprio corpo. Dessa forma, a escravidão era um roubo violento. O
senhor deveria amar o escravo como sendo seu próximo, essa era a lei do cristianismo. O
senhor de escravos era inimigo de Cristo e não poderia ser membro da Igreja de Jesus.

Cardoso (2009) indica que em 20 de dezembro de 1865, João Severo de Carvalho,


outro membro da Igreja Evangélica Fluminense e que também possuía escravos, apresentou as
respectivas cartas de alforria na igreja. Bernardino de Oliveira Rameiro, entretanto, foi
excluído por não se submeter à admoestação bíblica, por decisão da igreja reunida em
assembleia e não por uma atitude unilateral de Kalley, o pastor da igreja.

Ao analisar o mesmo fato, Barbosa (2002) demonstra que ao contrário de se pensar


num comprometimento com a causa abolicionista, Kalley teria mantido uma postura muito
reservada sobre o assunto, pois também não queria entrar em conflito com as autoridades
brasileiras. A atitude de Kalley teria sido apenas de âmbito local sem qualquer interferência
na estrutura do sistema escravista.

Andréa Braga Fonseca (2002) segue a mesma linha interpretativa de Barbosa ao


analisar a imprensa protestante. Para ela, os protestantes entendiam que os escravos eram alvo
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da evangelização e a escravidão era um dos motivos do atraso do país. Elizete da Silva


(2003), que também segue uma linha de interpretação semelhante a de Barbosa, diz que só
houve uma condenação clara da escravidão por parte dos protestantes, principalmente os
batistas, após a abolição em 1888. Os primeiros imigrantes batistas eram refugiados
confederados e possuíam escravos. Para os batistas, a escravidão não era um problema social
a ser enfrentado. O missionário William Buck Bagby (1855-1939) chegou a comprar a
alforria de um escravo que se tornara membro da Primeira Igreja Batista de Salvador. No
entanto, não havia um combate contra a escravidão, a ideia principal era a salvação da alma
do escravo, sua libertação do inferno.

Uma questão interessante ressaltada por Elizete da Silva (2003) é o caso de um clérigo
anglicano ter se negado a ministrar a Ceia do Senhor a anglicanos donos de escravos no
Brasil, em 1861. Entretanto, sua atitude foi repreendida pelo bispo de Londres que lhe
recomendava prudência. Era a demonstração prática da conivência da Igreja Anglicana ao
escravismo brasileiro, em oposição às convenções antiescravistas tomadas na Inglaterra.

Dessa forma, podemos notar a riqueza do tema proposto. No entanto, essa


comunicação representa apenas o início de nossa pesquisa. Nossa intenção é analisar
especificamente as ações e discursos da liderança presbiteriana com relação ao tema da
escravidão.

“Será sempre uma época notável na história pátria. A nação aplaude a medida, e este
aplauso achará eco entre os povos civilizados. São talvez poucos, porém, os que não
consideram a lei muito defeituosa” (IMPRENSA EVANGELICA, 1871: 145). Esse
comentário sobre a Lei do Ventre Livre foi a primeira menção sobre o tema no jornal
presbiteriano Imprensa Evangélica. Barbosa (2002) e Silva (2010) fazem interpretações
opostas sobre esse comentário. O primeiro diz que o comentário era a demonstração da frieza
do periódico sobre a abolição, pois seu “objetivo é tolerar a manutenção e a continuidade do
sistema vigente, até que se consiga encontrar uma saída que não prejudique os interesses tanto
dos senhores como dos escravos” (BARBOSA, 2002, p. 171). Para o segundo, “essa é
claramente uma postura favorável à abolição, ainda que, concorda-se, seja tímida” (SILVA,
2010: 54).
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Entendemos que para compreender esse comentário da Imprensa Evangélica, é


importante considerarmos a transformação que o projeto do Ventre Livre sofreu para sua
aprovação. Inicialmente, o projeto apresentado por Rio Branco à Câmara dos Deputados em
12 de maio de 1871 previa: liberdade do ventre com aprendizagem, isto é, o filho da escrava
nascido após a lei ficaria sob a guarda do senhor até os oito anos quando deveria ser entregue
ao Estado sob indenização ou usufruir de seu trabalho compulsório até os vinte e um anos; e o
escravo poderia ser livre de três formas, fosse pelo direito do escravo poupar um pecúlio para
comprar sua própria alforria, independente de autorização do senhor, fosse pelo direito de
redenção, ou seja, a compra da alforria por terceiros, fosse pelo Fundo de Emancipação,
sustentado por loterias e impostos, para compra anual de alforrias por sorteio. Além disso, a
lei previa de forma imediata a restrição de castigos corporais extremos, a matrícula dos
escravos e a libertação dos de propriedade do Estado.

Segundo Alonso (2015), os opositores do projeto, como José de Alencar, embora não
defendessem a escravidão como princípio, mas apenas pela circunstância econômica e política
do país, demonstravam os benefícios da escravidão ao livrar o escravo do fetichismo da
África e da guerra. A escravidão para eles deveria acabar de forma natural assim como
começou, e não por lei. Diante da oposição, para o projeto ser aprovado, foram necessários
recuos, quais sejam: o senhor só precisava comunicar ao Estado sobre o escravo nascido sob a
Lei do Ventre Livre na sua maioridade, isto é, a lei perdia seu efeito imediato; além disso,
todas as alforrias previstas ficavam condicionadas à autorização do senhor; e os escravos de
ordens religiosas não seriam mais libertos; também ficou vedada a ingerência dos
abolicionistas na ordem privada escravista; e houve restrição para o escravo formar seu
pecúlio para compra de sua alforria, pois só poderia fazê-lo sob a permissão do senhor.

O comentário da Imprensa Evangélica (1871) é sobre a lei aprovada, considerando-a


defeituosa. Além disso, a intenção do editorial era introduzir o endosso ao projeto do
conselheiro Bernardo de Sousa Franco (1805-1875) de libertação e aproveitamento dos
libertos. Para não haver prejuízos para a lavoura com a abolição iminente e diante do pouco
número de imigrantes, era proveitoso transformar os escravos de confiança em trabalhadores
livres e assalariados. O projeto geraria gratidão no escravo para com o seu senhor, melhoraria
o procedimento dos escravos e em pouco tempo todos estariam libertos.
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Em 3 de outubro de 1874, a Imprensa Evangélica retorna ao tema, dizendo que as


dificuldades já se faziam sentir e enfatizava que os libertos tinham o mesmo valor de um bom
imigrante. Em 6 de dezembro de 1874, o editorial comenta a iniciativa de José Pereira de
Campos Vergueiro de abrir contas correntes para seus escravos, “para aquelles cujo caracter e
procedimento os têm tornado mais merecedores de confiança e consideração” (IMPRENSA
EVANGELICA, 1874: 180), poderem acumular pecúlio e comprarem sua própria alforria. A
intenção era torná-los colonos libertos, prontos para aproveitarem a liberdade, regularizando
seus casamentos, investindo na instrução, com implantação de escola e compra de livros, e
fornecendo-lhes bíblias com um compendio doutrinário protestante. Para o editorial, isso
atendia ao bem estar dos cativos e ao interesse do senhor, tal exemplo deveria ser seguido.

Tanto para Alonso (2015), quanto para Machado (2014) e Barbosa (2002), o
paternalismo se encontrava em todo o movimento abolicionista. Havia no movimento a ideia
de mediar os conflitos entre senhores e escravos, criando vínculos de gratidão entre eles.
Jornais abolicionistas exaltavam essa ideia de forma acrítica, ofuscando os anos de violência
do cativeiro. Joaquim Nabuco (1849-1910), por exemplo, desejava a reconstrução da nação
pela valorização do trabalho livre e a redenção moral dos senhores, para os quais era dirigida
a propaganda abolicionista, pois os escravos não teriam condições de receberem a mensagem
dentro da ordem e nem de lutarem por si próprios. A ideia de melhoramento moral dos
escravos estava presente no movimento. Joaquim Nabuco via o cativo como portador de todos
os vícios corruptores da sociedade. No Manifesto da Sociedade Brasileira contra a
Escravidão, assinado também por Joaquim Nabuco, a ideia dos senhores agindo para atender
as necessidades morais do escravo, também estava presente. Isso interessava aos senhores,
pois teriam uma mão de obra barata e grata.

Durante a década de 1870, a Imprensa Evangélica não assume uma posição clara ao
lado do movimento abolicionista, mas também não defende a manutenção da escravidão, pelo
contrário, vislumbra a iminência da abolição. No entanto, a imprensa de forma geral, de
acordo com Machado (2014), somente a partir do crescimento do movimento, quando o tema
passa a sensibilizar a opinião pública, passou a dar atenção maior à questão abolicionista,
antes não havia apoio à causa. O primeiro periódico a apoiar, de forma ambígua, o movimento
foi a Gazeta de Notícias fundada em 1876, que também publicava anúncios escravistas para
poder sobreviver.
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A visão reformista dos protestantes (BARBOSA, 2002), contra a revolução, exposta


pela Imprensa Evangélica, estava presente em todo o movimento abolicionista (MACHADO,
2014). Os abolicionistas almejavam o progresso com liberdade, exaltação do trabalho livre,
instrução e moralização do liberto. Essa visão paternalista manteve-se até a abolição. Embora
dentro de sua esfera de ação, isto é, a evangelização e a implantação do protestantismo no
Brasil, a Imprensa Evangélica acompanhou o desenvolvimento do movimento abolicionista.

De acordo com Alonso (2015) e Carvalho (1998), o movimento abolicionista teve


início tardiamente no Brasil. Contribuíram para a organização do movimento: a abolição nos
Estados Unidos; a aceleração da urbanização no Brasil; o uso do espaço público pelos liberais,
a partir de 1868, para contestar a hegemonia dos conservadores, forçando-os a responderem
com modernização, ampliação do acesso ao ensino superior, barateamento dos custos da
imprensa e um projeto de Lei do Ventre Livre; a mensagem do governo brasileiro à Junta
Francesa de Emancipação em 1866; e a menção ao tema na fala do trono de 1867.

Alonso (2015) e Carvalho (1998) afirmam que em oposição aos abolicionistas, os


escravistas mantinham o discurso de que com a abolição a economia do país entraria em crise.
Em resposta, o movimento abolicionista apelava para a retórica da compaixão, do direito e do
progresso. A abolição na tradição inglesa era uma questão religiosa, no Brasil, tornou-se um
problema público ou político. No Brasil o movimento não teve apoio da Igreja oficial, uma
igreja retrógrada, segundo os abolicionistas. O movimento foi caracterizado pela laicidade dos
teatros para propagação das ideias e deslegitimação do sistema. Com a arte, o senhor se
transformou de figura paterna em personagem vil. Nas conferências-concerto, promovidas
principalmente por Abílio Borges, entre 1869 e 1871, foram entregues 191 títulos de alforria.
Em 1868, André Rebouças trabalhava para construir pontes entre o associativismo
abolicionista e o governo em prol da abolição.

Alonso (2015) demonstra que o movimento pode crescer durante os governos liberais,
entre 1878 e 1885, por tolerarem manifestações em espaço público. Todavia houve reação do
escravismo que se organizou em congressos agrícolas. O movimento de início era de elite,
sem radicalismos. No entanto, a estrutura de pensamento escravista da sociedade foi se
diluindo, graças ao iluminismo, ao romantismo e ao pensamento protestante quaker, a
escravidão tornou-se obstáculo para a felicidade e pecado e o escravo passou a ser visto como
bom selvagem vítima do cativeiro. Conforme essas ideias foram se inserindo na sociedade, o
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movimento de elite passou a ser um ativismo social popular. O repertório abolicionista passou
ao senso comum em 1880.

Machado (2014), ao analisar o desenvolvimento dos jornais abolicionistas, destaca


uma mudança de inclinação, mais favorável aos senhores, da Gazeta de Notícias, após a saída
de José do Patrocínio (1853-1905), em 1881. Outros jornais abolicionistas surgiram em 1880,
como O Abolicionista, mais agressivo contra a escravidão, mas ainda muito mais preocupado
com a imagem do país no exterior do que com o escravo e mantendo a ideia da harmonia
entre escravos, futuros libertos, e os senhores. Semelhante era a posição dos jornais
republicanos, como A República, fundado em 1870, e O Paiz, fundado em 1884. Os jornais
conservadores ainda tinham forte influência no início da década de 1880, mas em 1884, o
jornal abolicionista de Patrocínio, Gazeta da Tarde, passa a ter maior influência na sociedade.

É a partir de 1884 que a Imprensa Evangélica também assume uma posição clara de
apoio ao movimento com cerca de quatorze publicações tratando do tema. Para Edwiges Rosa
dos Santos (2009), isso se dá no momento de maior influência de pastores nacionais na
direção do periódico. De acordo com Barbosa (2002), esse posicionamento do jornal é
explicado pela percepção que os evangélicos têm do movimento, caracterizado por sua
popularidade e por se manter na ordem.

Segundo Alonso (2015) a década de 1880 foi significativa para a ascensão das novas
lideranças do movimento abolicionista, dentre os quais, destaca-se Joaquim Nabuco,
trabalhando dentro das instituições políticas, e José do Patrocínio, no espaço público. Joaquim
Nabuco defendia a criação do mercado de terras, a cessão ou venda a baixo custo de terras às
margens das ferrovias para colônias de imigrantes, especialmente europeus, além da pequena
propriedade e do imposto territorial. Nabuco buscou apoio para a causa em suas viagens pela
Europa. Sua relação com o movimento chegou a causar tensões dentro do Partido Liberal
prejudicando sua eleição para o ano de 1881, embora procurasse demonstrar a legalidade do
movimento.

Alonso (2015) destaca que a reforma eleitoral de 1881 não impediu a vitória dos
conservadores nas eleições. A saída de Joaquim Nabuco do parlamento e a ascensão do
Gabinete de Martinho Álvares da Silva Campos (1816-1887), em 1882, tirou o abolicionismo
da pauta institucional. O movimento continuou no espaço público com o avanço do
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associativismo, pois entre 1878 a 1885, foram criadas 227 associações, por todas as
províncias do Império, além de apoio de outras instituições ao movimento, como o Instituto
dos Advogados.

Segundo Alonso (2015) o abolicionismo retornou para a agenda do governo em 1882,


com a ascensão do Gabinete de João Lustosa da Cunha Paranaguá (1821-1912),
principalmente devido à propaganda doméstica e à abolição em Cuba, mas não houve ação
efetiva por parte do governo com relação à questão. Contudo, o movimento continuou a
avançar, pois no ano de 1883, a Comissão Central Emancipadora iniciou a campanha pela
libertação de territórios, que servissem como cidades refúgio para escravos fugidos,
conseguindo a libertação do Ceará, em 25 de março de 1884, e do Amazonas, em 24 de abril
de 1884. O movimento estava ainda mais unido contra um inimigo comum. O tema se tornou
assunto predominante na sociedade. Ainda em 1883 é publicado o Manifesto da Confederação
Abolicionista, primeiro a defender de forma generalizada a abolição sem indenização, e O
Abolicionismo de Joaquim Nabuco, obra intelectual mais aprimorada do movimento, baseada
na razão nacional, de cidadania para libertos e escravos. As duas obras, ainda atreladas à ideia
de uma reforma legal em prol da abolição, não havia a defesa do valor moderno da liberdade
do indivíduo em si, como afirma Carvalho (1998). Sobre a obra de Nabuco, a Imprensa
Evangélica (1884: 73), em 24 de maio de 1884, recomenda sua leitura: “o livro (...) merece
ser lido por todos os que amam o paiz e querem o seu progresso”.

Segundo Alonso (2015), a partir da ascensão do Gabinete de Manuel Pinto de Sousa


Dantas (1831-1894), membro da Libertadora 7 de setembro, em 6 de junho de 1884, o assunto
retorna às instituições imperiais, iniciou-se a era da união entre governo e movimento. A
reforma de Dantas propunha o cancelamento dos títulos de propriedade de escravos de meia-
idade registrados como mais velhos, a fixação de preços de escravos, a taxação da posse, a
proibição da venda de escravos entre províncias, a pequena propriedade, o salário mínimo
para libertos e a abolição sem indenização para 1900. Diante do desamparo do governo, os
escravistas passaram a lutar no espaço público, nos Clubes da Lavoura. Os conservadores
fizeram forte oposição ao projeto no Parlamento e Dantas conseguiu do imperador a
dissolução da Câmara. Neste momento, os abolicionistas são acusados de serem socialistas e
nihilistas. Rui Barbosa defendeu o projeto de Dantas da acusação de ser comunista.
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Contudo, Alonso (2015) ressalta que durante a campanha se constatou como os


abolicionistas estavam em geral fora da política partidária, pois, não pertenciam às elites, não
tinham renda mínima para serem eleitores e nem idade mínima para candidatura. Os
republicanos se interessavam mais pela mudança de regime político do que pela liberdade dos
cativos. Joaquim Nabuco se destacou como grande orador e controlador das massas, e, ainda
que os conservadores tenham conseguido mais uma vez a maioria da Câmara, ele entrou como
suplente em 3 de julho de 1885, era a vitória do movimento.

Com a vitória dos conservadores, o imperador demitiu o Gabinete Dantas e nomeou


José Antônio Saraiva (1823-1895), para quem o Ventre Livre era o suficiente, para dar
prosseguimento ao projeto da Lei dos Sexagenários. A reforma Dantas foi deturpada por
Saraiva e efetivada por João Maurício Wanderley (1815-1889), o barão de Cotegipe, nomeado
para o Gabinete em 1885. A nova lei mantinha os sexagenários cumprindo serviço ainda por
três anos, deixando o local de trabalho apenas com autorização do juiz de órfãos. Todavia, de
acordo com Alonso (2015) a essa altura, o escravismo só se mantinha com o amparo legal, a
sociedade já estava dividida. Era o momento da união do governo com o escravismo, início da
época repressiva contra os abolicionistas e do acirramento do combate dos abolicionistas
contra o governo. Em 1886, Joaquim Nabuco, ao lado dos positivistas desejosos de um
executivo forte e modernizador, denunciava a traição do Poder Moderador e mencionava o
apoio da imprensa protestante ao abolicionismo. Essa menção é reproduzida em 24 de julho
de 1886 na Imprensa Evangélica (1886: 235): “todos os dias nós lemos nos pequenos jornais
protestantes que se publicam no Brazil escriptos de propaganda abolicionista”.

Sobre a aprovação da Lei dos Sexagenários, a Imprensa Evangélica (1885: 169) a


noticia com pesar: “como lei emancipadora, ella não merece a confiança dos que desejam a
libertação dos escravos (...) queremos que uma lei efficaz seja adoptada para sua inteira
emancipação, no praso mais curto possivel”.

A repressão do Gabinete Cotegipe incluiu o empastelamento de jornais, como o Vinte


e Cinco de Março, em Campos, e a tentativa contra a Gazeta da Tarde, em 1885, indicada por
Machado (2014). Situação que talvez justifique o receio da redação da Imprensa Evangélica
de, em 1885, só publicar cinco artigos sobre o tema, em 1884 foram quatorze e em 1886
foram vinte. Todavia, o movimento ainda primava pela ordem, temendo manifestações
populares. Alonso (2015) destaca que do teatro o movimento passou a investir no choque
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moral nas ruas, como a procissão de 1886, quando Patrocínio e João Fernandes Clapp (1840-
1902) andaram pelas ruas da Corte com as escravas Eduarda, quinze anos, e Joana, dezessete
anos, torturadas, a primeira tendo ficado cega e a segunda, após a procissão, tendo morrido. O
caso revoltou a sociedade, principalmente, com a absolvição da senhora torturadora, mesmo
diante de todas as provas. Com isso, aumentou a adesão da população ao acoitamento de
escravos fugitivos, isto é, aumentou a desobediência civil. O movimento cresceu nas sombras.

Alonso (2015) ressalta que com a tensão entre o Gabinete e o Exército, em 1887, o
governo perdeu suas armas contra o movimento. O clima de guerra civil na sociedade era
patente no fim do ano de 1887, com o massacre dos escravos que caminhavam para o porto de
Santos a fim de pegar o navio para a província liberta do Ceará e nenhuma menção da questão
escravista pela princesa no encerramento do ano legislativo. No ano de 1888, a Igreja também
já havia passado a apoiar o movimento, com a notícia de que o papa Leão XIII enviaria, a
pedido de Joaquim Nabuco, uma encíclica contra a escravidão, ainda que o envio do
documento tivesse sido adiado para não haver conflito entre o governo e a Santa Sé, os
prelados passaram a fazer declarações públicas em prol da abolição. O Partido Liberal aderiu
de fato em março de 1887. Saraiva passou a apoiar também em fevereiro de 1888. Senhores
passaram a libertar seus escravos entre fins de 1887 e 1888, a fim de controlar o processo,
devido ao aumento das fugas.

Pressionada e acusada de ser alheia a política, a princesa Isabel toma a decisão de


mudar o Gabinete no início de 1888, nomeando João Alfredo Correia de Oliveira (1835-
1919), o ministro que aprovara a Lei do Ventre Livre, com a missão de propor um projeto de
abolição da escravatura. O projeto, o mais simples e curto sobre a abolição, foi aprovado e
assinado em 13 de maio de 1888, nem governo e nem movimento queria dificultar o
andamento do projeto, por isso, não foi discutido nem indenização nem disciplina de trabalho.
Segundo Alonso (2015), simbolicamente, o projeto de Dantas fora aprovado.

Os missionários protestantes, por meio da Imprensa Evangélica, acompanharam o


movimento. Ao longo da década de 1880, contabilizamos 71 publicações abolicionistas no
jornal em conjunto com artigos de valorização do trabalho, de necessidade de educação dos
libertos e de imigração.
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Além das publicações na Imprensa Evangélica em apoio ao movimento abolicionista,


dois opúsculos escritos por lideranças do presbiterianismo foram publicados na década de
1880. O primeiro, O Christianismo e a escravidão, de James Theodore Houston, missionário
da Igreja Presbiteriana dos EUA, a igreja do Norte. O segundo, A Religião Christã em suas
relações com a Escravidão, de Eduardo Carlos Pereira, pastor presbiteriano nacional,
ordenado em 1881.

Houston (1884) proferira suas ideias na Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, em 10


de agosto de 1884, seu discurso foi publicado pela Tipografia de G. Leuzinger e Filhos. Para
Houston (1884) o assunto era uma questão prática, isto é, responder qual era o ensino do
Cristianismo sobre a escravidão? E saber se o Cristianismo era indiferente ao escravismo? A
sua intenção era analisar a escravidão a partir da exegese bíblica e posteriormente se
posicionar sobre o assunto.

Seu discurso é contra os que procuravam justificar a escravidão a partir da sua


existência entre os hebreus no Antigo Testamento. Segundo Houston (1884), um hebreu
poderia se tornar escravo em três condições: pobreza, punição por roubo e por vontade
paterna. No primeiro caso, a escravidão era voluntária, o escravo não poderia ser vendido e
sua situação não era perpétua. No segundo caso, sua escravidão durava até a restituição do
valor roubado. No terceiro caso, normalmente ocorria que a filha vendida como escrava se
tornava esposa do filho do senhor.

Houston (1884) indica as possibilidades em que um escravo poderia ser liberto: após
cumpridas as obrigações para remissão; no ano do Jubileu, quando todos os escravos hebreus
eram libertos; ou após seis anos de serviço. “Assim vemos que a servidão judaica era regulada
pela lei, de modo a não se tornar um mal para o paiz, nem uma especie de oppressão para o
servo” (HOUSTON, 1884: 6).

A respeito dos escravos gentios, Houston (1884) demonstra ser a condição deles mais
favorável que a dos escravos do Brasil, pois aquela escravidão não era nem hereditária, nem
opressiva e nem infamante. O escravo brasileiro “está completamente á mercê de seu senhor,
não tem nenhuma esperança de protecção contra a avareza e tyrannia do mesmo”
(HOUSTON, 1884: 7), as leis brasileiras haviam desconsiderado a qualidade de seres
racionais dos escravos. Só havia escravidão hereditária de gentios entre os hebreus em casos
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de prisioneiros de guerra, mas não havia tráfico de escravos, nem havia o costume de mantê-
los acorrentados em ferros. Escravos fugidos não eram entregues aos senhores, a pessoa do
escravo deveria ser protegida, eles tinham direitos que todos deveriam respeitar. O assassino
de um escravo deveria ser punido como se matasse um homem livre e um escravo ferido
deveria ser liberto. “Em geral o tratamento dos escravos era suave e brando tendo-se em vista
a justiça e equidade” (HOUSTON, 1884: 8).

Houston (1884) explica que a Lei de Moisés, dada por Deus, não estabelecia a
escravidão, mas a permitiu e a regulou a fim de evitar crueldades. Nos tempos antigos os
prisioneiros de guerra ou eram mortos ou eram reduzidos à escravidão, neste caso, a
escravidão era “sem duvida a mais moderada e portanto a preferivel” (HOUSTON, 1884: 9).
Nos tempos do Novo Testamento, já não há qualquer menção da existência de escravidão
entre os israelitas. Portanto, alguns costumes sociais eram tolerados até o estabelecimento de
um regime melhor. Assim como a poligamia que foi tolerada, mas não era lícita, assim
também foi com a escravidão.

De acordo com Houston (1884), uma vez que diante do Evangelho todo o homem
deve ser considerado irmão, não importando sua nação ou credo, a lei que condenava o tráfico
de escravos entre os hebreus, agora vale para todos os homens, quem escraviza é digno de
morte. “Não é licito agora sob as leis do Evangelho um homem escravisar o seu semelhante
contra a vontade deste, seja desta ou daquella nação, quer desta ou daquella côr” (HOUSTON,
1884: 10). Além disso, o Cristianismo é “amigo de todo e qualquer movimento que tenha por
fim alliviar os opprimidos, e facultar a todos, sem distincção de côr, o poderem fruir todas as
bençãos provenientes da verdadeira liberdade” (HOUSTON, 1884: 11). Com a expansão do
Evangelho, a escravidão tende a acabar. O Evangelho traz a libertação espiritual, mas também
cobriria a libertação da tirania e opressão, que era fruto do pecado do homem. O que é
contrário a lei suprema do amor de Deus a todos os homens não pode ser aprovado pelo
Cristianismo, por cujo princípio não há acepção de pessoas.

Sobre a postura dos apóstolos, principalmente Paulo que recomendava a obediência


dos escravos aos senhores, Houston (1884) diz que naquele contexto, eles não tinham
qualquer influência sobre a sociedade, eram pobres, poucos e desprezados. Entrar numa luta
contra a estrutura da sociedade causaria uma barreira insuperável para o progresso do
Evangelho.
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Ao fazer referência ao Gabinete Dantas, Houston (1884) pede para seus leitores
apoiarem a todo o movimento abolicionista, principalmente naquele momento em que ele
havia se tornado popular e nacional, tendo alcançado a alta administração do Estado. O Brasil
era o único país civilizado no continente a manter a escravidão e isso era prejudicial moral,
espiritual e materialmente.

O outro opúsculo, A Religião Christã em suas relações com a Escravidão, de Eduardo


Carlos Pereira, foi publicado inicialmente em série na Imprensa Evangélica, no ano de 1886.
Barbosa (2002: 173) diz que “Eduardo Carlos Pereira procura mostrar, no editorial, a
importância da religião como agente dos movimentos sociais”. A publicação em volume
único foi feita por meio da Tipografia de Jorge Seckler e editado pela Sociedade Brasileira de
Tratados Evangélicos, criada por Pereira.

Pereira (1886) denuncia a prática do suplício contra o escravo, comum nas fazendas do
Brasil, critica e amaldiçoa a todos os escravistas envolvidos na aprovação da Lei Saraiva-
Cotegipe. A consolação para o escravo era saber que seu sangue e seus gemidos estavam
sendo recolhidos no cálice da ira de Deus. A imprensa deveria levantar com som de trombeta
e denunciar ao povo a “monstruosidade deste peccado nacional” (PEREIRA, 1886: 7). Manter
a escravidão era ofensivo às leis de Deus. Também há uma denuncia sobre a existência de
escravistas como membros das igrejas evangélicas: “esse crime que mancha ainda o seio das
egrejas evangelicas do Brazil, com grandissimo detrimento do Evangelho” (PEREIRA, 1886:
7).

Pereira (1886) também se propõe a fazer uma análise sobre a escravidão no Antigo e
no Novo Testamento. A partir disso, declara-se que a escravidão não tem sanção divina. Entre
os hebreus havia tolerância a essa realidade do mundo antigo. No entanto, os legisladores
brasileiros do século XIX haviam legitimado o roubo sacrílego de africanos, reduzidos à
escravidão após a Lei de 1831, pois a Lei dos Sexagenários, da forma como foi aprovada, não
exigia a declaração da naturalidade da nova matrícula. Pereira (1886) lamenta que o Gabinete
Dantas tenha caído simplesmente porque queria a liberdade daqueles que já haviam passado
sessenta anos de sua vida no cativeiro. Na lei mosaica um escravo ferido deveria ser liberto,
mas na legislação brasileira, um escravo seviciado deveria ser devolvido ao seu senhor.
Pereira (1886) afirma que para Deus todos deveriam trabalhar com suas próprias mãos.
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Pereira (1886) exorta aos seus leitores a se posicionarem em apoio ao movimento


abolicionista, diz que naquele momento não cabia mais a reserva, manter-se distante da
questão era sinal de infidelidade. Portanto, o cristão não poderia ser escravista. O crente não
poderia tentar justificar a escravidão com textos isolados da Bíblia. Quem justificava a
escravidão por circunstâncias econômicas deveria confiar na providência de Deus. Aqueles
que quisesse manter escravos estavam sob a maldição de Deus, pois era vergonhoso ver
incrédulos libertando seus escravos e crentes tentando mantê-los no cativeiro. Por fim, o
exemplo de Cristo deve ser seguido, pois ele libertou o homem do pecado, os cristãos devem
libertar seus escravos, a liberdade deveria ser devolvida ao seu verdadeiro dono, a pessoa do
escravo.

Conclusão

Terminamos esse artigo destacando o quanto o tema da relação entre as ações dos
protestantes e a questão escravista ainda é um campo de estudos aberto para novas pesquisas,
com muitas lacunas a serem preenchidas. A principal interpretação sobre essa relação
defende, em geral, que os protestantes foram letárgicos devido a uma teologia maniqueísta, só
pensavam na salvação espiritual do negro. Outros defendem que lideranças significativas
entre os protestantes, embora tímidas e reservadas, mantiveram uma posição abolicionista
muito tempo antes de 1888.

Nosso foco neste texto foi introduzir a análise dessa relação entre os presbiterianos e o
movimento abolicionista. Percebemos que embora na década de 1870 o jornal Imprensa
Evangélica, principal porta-voz da missão presbiteriana no Brasil, tenha tratado muito pouco
sobre a questão, quando o fez, suas ideias paternalistas e reformistas dialogaram com a
retórica do movimento. Na década de 1880, principalmente em 1884, o jornal aumentou a
quantidade de publicações, tomando uma posição clara ao lado do movimento. Com a
publicação dos opúsculos abolicionistas presbiterianos ficou claro que embora se
mantivessem em sua esfera de ação, ou seja, a prioridade na evangelização e implantação do
presbiterianismo no Brasil, eles acompanharam e, de forma geral, apoiaram o movimento
17

abolicionista. As publicações refletiam a percepção das lideranças presbiterianas com relação


ao desenvolvimento do movimento abolicionista.

Bibliografia

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18

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