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ADE - Siu Paula 244 729, 1991 UM HEGEL ERRADO* MAS VIVO Noticia sobre o Seminario de Alexandre Kojeve Paulo Eduardo Arantes* ‘0 presente artige autor mostra como os semindrios realizados pur Alexandre Kojéve sobre Hegel transfoig ivddio filosdfico mais ive fjancesa dos anos 30, Entre ox fuenciadus, destaca-se dicow wn trabalho Dr. Lacan” a ser rublicado no préximo IDE (22). ‘Rumorao Conereto ‘ Depois do longo eclipse que se seguiu A vitéria da Contra Revolugfio na Alemanha de 1848, quand a tradigo hegeliana passou entdo a levar vida elaidestina e muito simplificada no mundo paralelo da soei pade-se dizer que o hegelianisms renasceu pard a cultura viva.em pelo menos dois momentos. Ao Jogo dese séoulo, leita interessadn de Hegel destagou-se em dss ccasiies da idefinidaintermiténgia da revivals acadeni- ‘08, com vaniagem evidenté, ao sh pani sacl i linha ‘en snlal, onde, Sem precisar ser 98, ohegelianismo ressusciton eeditnentos u serem reativados, Ivez por isso ten vivido mais disereta- ombra de problemas extra-filoséficos — tratava-se am elenco temitivo dado, de Filosofia da BEC. P e autor de “Hegel: A Order do Tepo™ Pali, WSL n 0 segundo momento de apogeu e interesse vivo deu-se jjustamente na Franga dos anos 30 ¢ do imediato pos- guerra, Ali, o renascimento da filosofia hegeliana alimen- tou um curto-circuito muito mais aparatoso do que 0 supra-citado similar alemao, alids igualmente extra- universitario, Uma constelago na qual entravam a reeém descoberta fernomenologia alemdi (uma pacata especialida- de universitaria que trocara de sinal 20 cruzar a fronteira), sobras da fronda surrealista, transformagées na prosa de ficedo (que permitiram a Sartre mesclar Céline, parddia do Cogito e intencionalidade husserliana), prestfgio crescente dda Revolugao Russa refluindo sobre a Dialética (em 1935 Henry Lefebvre publicara os cademos de Lénin sobre Hegel). Rumava-se finalmente em diregao ao Concreto (outra expressfo predileta da época), cumprindo-se 0 programa para o qual, um pouco sem querer, década anterior, Jean Wahl achara um nome. Vers le Cancret era co titulo do livro que reanimara os vinte anos de Sartre ¢ podia abrigar tanto a “inf diagnosticada por Hegel, quanto a futura vitima desta figura, a Existéncia segundo Kierkegaard, ponto ¢ contra- ponto introduzidos na Franga filoséfica pelo mesmo Jean Wahl autor do livro em questo, na abertura do periodo que estamios estamos considerando, Tudo isso ¢ muito mais ~ da Psicologia Concreta de Politzer ao desalinho ‘anti-burgués do novo romance americano, pasando pelo convite a fantasia transgressiva que se imaginou anunciado pela nova etnologia francesa ~ juntara-se para armar uma formidavel maquina de guerra ditigida contra alguns pilares da Terceira Repitblica: as boas manciras literrias, itdria (neo-kantiana, otimista, espiritualista), o bergsonismo, a vida interior, 0 o colonialismo, a filosofia univ progresso da cigncia, o humanismo de Jules Ferry, a experiéneia dos mais velhos etc, Nessas aliangas sem encontro marcado foi se configurando aos poucos a nova sensibilidade responsével pela reinvengao francesa de Hegel. Lido a queima-roupa, fora de foco porém redivivo, Hegel tomnou-se um filésofo contempordineo, reclamado ‘como um autor de vanguarda nos efrculos mais avangados do tempo! TCE Vincent Descombes, Le Mame et F Autre - Quarante-cing ans de philosophic francaise (1933 - 1978), Pasi, Minuit, 1979, p. 2 LUMTIEGEL ERRADO MAS VIVO PALILO EDUARDO ARANTES vir-a-ser mundo da filosofia ‘Ao ado de um outro Livro pioneiro de Jean Wahl (Le malheur de la Conscience dans la Philosophie de Hegel, 1929), ¢ dos estutlos ignalmente precursores de Koyré, costuma-se atribuir com razio a responsabilidade por tal ‘metamorfose & aparigo metedrica de Alexandre Kojéve nnesse cenério de inconformismos parisienses. E por isso mesmo mais de um observador considera 0 Seminério sobre a Fenomenologia do Espirito na Ecole Pratique (que de 1933 a 1939 conseguiu reunir em torno da figura profética de Kojéve algumas futuras notabilidades, maio- res e menores, da inteligéneia francesa do pés-guerra: enire tantos outros, Raymond Queneau, Merleau-Ponty, Jacques Lacan, Georges Bataille, Pierre Klossowski, Raymond Aron, Jean Hyppolite, Eric Weil, € mais espora- dicamente a visita de André Breton, cuja estrela brithava hha mais tempo no e6u de Paris) 0 epis6dio filos6fico mais significativo da cultura francesa dos anos 30°, E deve ter sido mesmo. De outro modo mal se compreenderia a extensiio exorbitante do seguinte juizo de Merleau-Ponty: se é verdade, como ele acreditava naqueles anos de 40, que uma civilizagao organica esté para nascer, depois da tabula rasa da Guerra, encontraremos a chave cultural desse novo classicisma na “raison élargic” entrevista por Hegel ha mais de um século.* Na verdad, esta chave fora inventada de véspera, mais exatamente, na década anterior, depois que Kojve ensinara a traducir a atuatidade na Tinguagem “figurada” da Fenomenologia do Espirito, Quem acompa- se 0 sobrevoo de Kojéve, no entanto rente a0 texto (que traduzia e parecia reinventar no ato, sairia com a impressio de que finalmente assistira a0 vir-a-ser mundo da filosofia, realizagao da filosofia & qual ¢ geragio de Sartre confiara a tarefa de arrancé-la da cultura defunta de 2- CF. p. ex. Roberto Salvadori, Hegel in Francia, Bari, De Donato, 1974, p. 11, Paras figuras do Semindsio, ver Dominique Autre, Alexandre Kojéve, Pati, Grasset, 1990, pp. 253-263, Segundo consta, 0 ‘Semindrio também alcangou Sartre, gracas a techo publicado em ‘Mesures (1939), onde Kojéve traduze comenta as pinas da Fenomenolegia sobre a uta pelo Reconhecimento ea Disletica do Senhor e do Fscravo, Como se sabe, as ligbes de Kojeve s6 foram fragmentariamente reanidase publicadas por Raymond Queneau em 1947: Alexandre Kove, Invodution ala Lecture de Hegel, Paris, Gallimard, 1947 3 CF. Mesleau-Ponty, Sens er Non-sens, Pars, Nagel, 5*e4., 1966, pp. 109-110. ” ‘que se alimentava a caquética burguesia francesa de entre- guerras.* AA fantasia hermentutica de Kojéve parecia nfo ter limites. Nisto concizente com a extravagancia do personagem: dandy arroinado, simpatizante da Unio Sovistica stalinisia, depois da Guerra, alto funcionatio do governo francés. Quanto ao dandismo, por exemplo, traton de lhe dar forma filos6fi seus anos de rentier exilado em Berlim ¢ Paris nos termos concebendo a bizarrice de repassar os a figura hegeliana do homem do Prazer, conforme se 18 ‘num manuscrito de 1936, “Fausto ou o intelectual bur- gues" Devaneio de intelectual em férias, manobrando entre deseo e trabalho, propriedade e consumo, ao qual no faltava um complemento obrigatério: o proletariado, Como se vé, transposigdes livres no dois sentidos, seri falar nas obsessbes de época encamado por Mefiste estilizadas através da nomenelatura hegeliand, Note-se de passagem que esse modo muito original de ampliar o Ambito das figuras hegelianas fard escola. Sartre, por exemplo, no por acaso também um ide6logo do ativismo acabrinhado pelo divércio entre vida intelec- tual e mundo da producdo: assim, quando advoga a causa perdida dos intelectuais, vé na posigdo em falso que os define um caso clissico de “consciéneia infeli2”, ou quando investe contra essa apologia do consumo improdu- tivo que vem a ser 0 objeto surrealista de um Marcel Duchamp, nfo encontra melhor argumento do que reexpor 4 figura fenomenoldgica do “ceticismo”. Nao digo que isto cexplique muita coisa, mas no é outra a origern das assim chamadas “categorias hegelianas” que integram o repert6- do Dr. Lacan, na verdade extrapolagies kojevianas de algumas figuras da Fenomenologia:: veja-se, por exemplo, © destino lacaniano da inexistente categoria do “prestigio” (n6 imaginério de um confronto de vida e morte), na verdade um enxerto do dandy Kojve, para o qual a razio suprema de um gesto residiria na “elegdincia da auséneia 4 CE, Sartre, “Question de Method”, in Critigue de ta Raison Dialectique, Paris, Gallimard, 1960, p.24. 5-Cf Dominique Auftet, op. cit, pp. 139-144, IDE- Sto Pa, (2:72.79, 191 de qualquer razio natural” Kojéve projetava Para o stalinismio, mesmo procediment ‘no Termidor russo © que imaginava ser 0 Estado Universal homogéneo de Napoledo, outra ficgdo quase exata & qual suspendera sua interpretagdo do desfecho da Spi: hegeliana, Como prezava a mise-en-seéne, ninguém sabia, cm tais matérias de atualidade, onde terminava 0 hegelianismo aplicado e principiava a ironia da vida obliqua. De curtos-circuitos em recobrimentos inespera- dos, Kojeve ia assim impregnando o munclo de hegelianismo gragas um enorme talento de narrador, Jouvado em todos os testemunhos a seu respeito, Introdu- indo personagens pitorescos na galeria das figuras hegelianas, dramatizadas nesse meio tempo, revertendo situagSes em cenas que se sueedem com velocidade teatral, Kojeve acabou transformando @ austera Fenomenologia num folhetim onde se narra a génese do mundo modemo. Breve “histéria de desejos desejados” ‘O enredo kojeviano podria ser resumido como segue. Na ‘rigem do livro (ou no epflogo), veinos Hegel sneditando ccartesianamente & sua mesa de trabalho, As circunstincias esse novo Cogito (hist6rico agora) porém so outras: ‘quem filosofa é um contempordineo de Napoledo vivendo ‘hum mundo antag6nico moldado pelo trabalho. O Saber Absoluto nio é uma doutrina a mais (mesmo derradcira), porén uma maneira de viver na qual se concentra um maximo de conseiéncia, Nela convergem identidade pessoal e auto-compreensfo do proceso mundial, concebi- do segundo as coordenadas que se viu, no horizonte derradeiro, a Revolugo Francesa arrematando, na forma da luta final, uma “anuopogénese” (como dizia Kojéve) comandada igualmente por esta outra forma de Ago que é 0 Trabalho (maidisculas de Kojéve). Esses os dois princt- pios do universo kojev: de vigorar na pés-histéria de uma sociedade enfim reconci- liada, isto €, sem classes, ou melhor, sem Senhor ou 10, Trabalho e Luta, que deixam 6 -Vivent Descombes, op cit, pA8 7 Vicent Descombes, op cit, p. 40. Cf tb. Dominige Auttet.cp. Dp. 239-241; Pierre Machery, “Divagations hégélieanes de Raymond Queneau’, i A quoi pense la Linéranure?, Pats, PUP, 1990, p55, 6 Escravo, Essa satisfago apaziguadora no seria-entretanto concebivel se 0 homem nio Fosse pura inquietide. Inquietude na qual mora a negagao ¢ da qual brota a chave do edificio, a consciéncia-de-si, foco de um discurso na primeira pessoa, para além da mera relagio positiva de conhecimento. A esta altura nosso Autor aproveita a Tigao de Koyré, que bavia transposto para o Espirito a formula hegeliana do tempo, este ser andimalo que nao sendo 6, € sendo nao é, Es a a fonte da inquietagao e do ativismo de corte agonistico do Autor Mas ainda nfo esti configurado 0 segundo paso na diego da auto-explicagao da batalha de Tena na eabega pensante de Hegel, um pouco como se desenrolava a batalha de Borodino aos pés de Pierre Bezoukov. A primeira premis ‘a viria a ser 0 momento jé meneionado da quictude passiva da consciéneia inteiramente absorvida pela contemplagio do objeto. Sera preciso desperté- esse torpor, nomeando os elementos que chamam a conscigncia a si, que a impelem a dizer Bu, J4 conhecemos, tum deles, a temporalidade originétia, cuja cist constitutiva empurra o sujeito nascente para o futuro (vir a ser aquilo que se é). Kojéve chamard Agio esse impulso ccuja matriz € uma distincia interior definida pela negagio. Eacstanegatividade & procura de satisfagdo, Desejo. concebida em fungao da histéria Esta a segunda premiss ser nartada, cuja culminago silo as guerras napolednicas, horizonte da reconstragiio hegeliana. No texto, sem ser apenas isto, 0 Desejo & 0 que explica o nascimento da ipseidade a partir da Vida, ela mesmo tempo e inquictude. Kojéve apresenta-o entio como um “nada revelado”, revelagio de um “‘vazio avido de contetido”, “um nada que nadifica” ete. (Politizada um jpresenga de uma auséncia”, pouco a esmo, repare-se até onde chegou a “angéstia” descrita por Heidegger na conferéncia de 1929 anos depois, este mesmo vazio iluminado pelo desejo reapare- cer no “manque” sartriano), Nosso autor nota a seguir que essa “auséncia de ser” que & 0 Desejo, cujo alvo é um nio-ser que ultrapassa a coisa simplesmente aniquilada no ciclo produgao-consumo, nfo E suficiente, no seu movimento solitétio de transcendéncia, para engendrar um sujeito propriamente dito, Seguindo o {UM HEGEL ERRADO MAS VIVO ~ PAULO EDUARDO ARANTES texto, esbarra no imperativo do Reconhecimento, isto & logo traduzido, na multiplicidade dos desejos, cuja trama, 6. desejo socializado de reconhecimento universal, tans- forma em terceira premissa do saber hegeliano, A quarta e ‘ltima premissa decorre da constatacdo que a multiplica- ‘do de um comportamento negativo redanda em Luta, € Iuta de vida e morte, anulando a reconeiliagio prometida pela mediagio reefproca dos desejos, 0s “desejos deseja- dos”. Um tnico sobrevivente nao resolveria a questo. & preciso que os dois adversétios permanegam em vida, & preciso enfim que um ceda, reconhecendo sem ser teco~ nhecido: um luta e nao trabalha, 0 outro trabalha ¢ no futa mais, o desejo do Senhor nao é mais igual a0 desejo do Outro, que se sujeitou por temer a morte. Nesta desi- gualdade reside mecanismo da evolugao hist6rica, que se doterd uma ver, consumada a sintese, pela satisfagio mitua dos desejos, entre o Senhor ¢ o Bseravo no Estado Univer- sal homogéneo napolednico, Noutras palavras, a hist6ria universal, que Kojéve passa endo a contar, & a histéria das relagées entre Dominaga0 e Servidio, Mas a pastir daqui os seus ouvintes ¢ primeitos leitores nao The deram ‘maior atengao, preferindo a dialética circular do desejo © do seu reconhecimento a parte possivelmente a mais engenhosa da sua fabulagao. que o Existencialismo madrugava e preferia a descrigio de situagSes-limite & narragio de desilusdes cumulativas Existindo pelo Outro “L’homme n’est pas un etre qui est: il est néant qui néantt”: 6 € Sartre mas ainda € Kojéve falando através de Hogel, embora parega um Heidegger (atios 20) acelerado ¢ radical. Esse néant constitutf, como diria Merleau-Ponty, ‘uma auséncia de ser que vindo ao mundo o toma visivel, Kojéve , se mio o descobriu, pelo menos soube projeté-lo ‘com verossimilhanga em Hegel. O espantoso ni é que Kojve seja um dos patronos do Existencialismo francés ‘mas que tena influido decisivamente no rumo da cultura filoséfica francesa apenas comentando Hegel — uma idade de ouro do comentirio que nao voltaré tio cedo. Nestas circunstineias, também nao espanta que o primeiro Hegel francés (por certo apenas 0 autor da Fenomenologia ) tenha sido além de kojeviano, existencialista, % Sirva entio de primeiro termo de comparago uma outra breve recapitulagdo. Veio de Hyppolite a sano do especia- lista e de Merleau-Ponty, a do fil6sofo, mais ou menos na ‘mesma época, 46, 47 — sendo que poucos anos antes, no Ser eo Nada, censurando-lhe entretanto o duplo otimismo (epistemolégico e ontol6gico), Sartre dedicara varias Siginas & “intuigdo genial” de Hegel, ao “me fazer depen- der do outro em meu ser”, Uma intuigao invistvel sem Kojéve. No apanhado de Merleau-Ponty o Hegel de 1805, toma-se um contemporiineo por ter deixado de encadear coneeitos e passar a revelacio do ndicleo mesmo da ext ie Encia, entendida esta thtima nfo como relagao de conheci- mento (contemplagao alichante, diria Kojéve), mas como uma “épreave de la vie” (nela inclufdo 0 risco corride por ‘quem prova alguma coisa com a prépria vida, como ditia © mesmo Kojeve ). “projeto” (moditicado pela consciéncia toda ver que ela se langa numa nova figura) o que Kojtve chamaria de Agio;, igualmente a redefinigdo do homer como “inguietude” ~ mbém reapareve com o nome de por isso “existe” e no apenas vive ~, mais o airemate caracteristico de nosso Autor: cessando esse movimento de transcendéncia, a histéria enfim se suspenderia e 0 ho- mem, ocioso, voltaria ao simples sentimento de si do animal. No fecho do programa ja reencontramos molde kojeviano transformado em lugar comum existencialista: 0 duelo das consciéncias rivais que se trava sobre um fundo de comunicaggio e reconhecimento, a morte do outro inscrita em effgie no olhar objetivante que o priva do seu “nada constitutivo”, o impasse em que vive o Senhor (outro motivo oriundo do Seminiio), reconhecido por um, desigual e que se desdobrard em novas figuras existencialistas, 0 ddio do outro, o salismo etc. Merleau- Ponty nio chega a empregar um dos termos preferidos de Kojéve, o Desejo (devidamente desnaturalizado pela 6gica nfo-cognitiva do reconhecimento), mas obviamente sem elé nfo Ihe ocorreria ver na consciéncia-de-si hegeliana um ser que ndo & uma existéncia que é pura negatividade etc, Noutras palavras, o Hegel Kojeviano no, 86 se tonara um precursor de Sartre mas fonte de boa parte do vocabulirio da novissima filosofia francesa, ‘Quanto a Hyppolite, embora retome ao tritho historiogréfico universitério, o seu Hegel ainda IDE. Sio Paul, 21: 7219, 1991 parte 0 de Kojéve, ajustado ao elima filoséfico do momen- to, quer dizer um Hegel tesrico da intersubjetividade ¢ da infelicidade da consciéncia, cuja fonte vem a ser a ““impulsdo absoluta” do Desejo e as formas conflituosas de sua satisfagdo, Retornam as obsessbes kojevianas da luta de puro prestigio € do “impasse existencial” da Domina- 640, do Desejo como pura inquietude do Sujeito ete. Mais fiel& letra do Semindrio (do qual entretanto nao foi ass duo), Hyppolite enquadraré a Existéncia na dialética do Desejo: como 0 desejo € sempre “desejo do desejo de um outro” , para “existic” preciso me ver no outro ~ mas aqui | fala o fie freqlentador do Semingrio do Dr. Lacan. Completo este sobrevoo de generalidades de época.vol- tando por um momento & pri da transformagao kojeviana da rel cias em figura central do hegetianismo, isto &, as péginas do Ser eo Nada consagradas & teoria hegeliana do Reco- nhecimento. O que Sartre concede a Hegel com uma das ira exposigdo sistematica Jo dual das conseit mos, retira-The com a outra, Concede-the, por exemplo, na relagao reciproca intema que define o ser-para-outro hegeliano, © passo a frente definitive com respeite & relaglo univoca de identidade do Cogito, arquivado eutéo como ponto de partida da filosofia; concede-the igual te que 0 outro seja de fato um espelhio no qual me reflito e constituo e que, assim sendo, também € verdade que a alteridade & um estigio necessério na constituigio da conscigncia-de-si, isto &, que o caminho da interioridadke passa pelo outro, ¢ tudo o mais enfim que se possa inferir dessa Fungo mediadora do outro, conhecidas as cooxdena- das das filosofias da existéncia, Pois ¢ em nome delas € que do que estipulam como “concreto”, que pass a seguir a censurar o assim chamado otimismo intelectual de Hegel, vitima, no final das contas, de uma concepyio no fundo objetivista da consciéncia, decomposta em termos de conhecimento ¢ ndo de reconhecimento, dimen: original que a relacio dual e solitésia entre sujeito e objeto. Digamos, para encurtar, que sem ser sar ao avant la letre Hegel no cometeu esse equivoco. 0 reproche na verdide niio & bem esse, mas a audacia de flndar uma sociabilidade positiva sobre tal vinculo antitético: dando seqiiéncia (como Kojéve) & dialética da dominagaio ¢ da sujeigdo, teria escamoteado 0 “escdndalo da pluralidade i das conseiéncias”, quando deveria deter-se na truncaca” (Merleau-Ponty) em que se cifra a dispersio ea lialética Ita das consciéncias. Isso posto, observe-se de passagem, atalhando por um ‘momento 2 marcha desta Notfcia, o quanto Jacques Lacan vai se mostrar, nfo sem paradoxo, pelo menos neste onto, muito mais construtivo. A certa altura de sua comunicagdo de 1949 sobre 0 Estégio do Espelho, rejeitan- «do em dois parégrafos a “filosofia contemporanea do ser © do nada”, Lacan niio apenas assinala a idéia disparatada de uma psicandlise, dita existencial, sem inconsciente, mas denuncia 0 propdsito sartriano de confinar a consciéncia do, outro na satisfagao espiiria do “meurtre hégélien”.S Este espasmo hem pensante ndio deixa de ser curioso, Sobretudo Porque vert acompanhado de uma no menos singular percepgdio do Existencialismo como resposta truncada & alienago modema: de unt lado uma formagéo social historicamente definida pelo predominio da “fungio utilitéria’”, de outro, o individuo asfixiado pela forma concentracionéria do vinculo social: 0 Existencialismo seria entaio uma espécie de repositério dos impasses subjetivos resultantes desse confronto elementar. Mais exatamente, uma soma de reages atrofiadas, a saber: uma liberdade que precisa dos muros de uma pristo para se afirmar; exigéncia de engajamento na qual se exprime a impoténcia da consciéncia em face de situagées no lim insuperdveis; uma estilizagdo sadica e voyeurista da relago sexual; enfim uma personalidade que s6 se realiza no suicidio. Mal comparando, um juizo muito proximo de Lakées nos seus momentos menos \spirados. Lacan ainda rio reconhecia nesses avatates da intersubjetividade o feito de sua dimensio imaginatia, imitando-se (em todos (8 sentidos) a assinalar 0 ponto vulnerével da nova filoso- fia, a inadmissfvel auto-suficiéncia do Eu, alids, jé repara- ‘a, inerente a seqiiéncia de seus “desconhecimentos” cconstitutivos, Uma tecla (a desmontagem do Cogito ) na qual, como se sabe, Lévi-Strauss iria bater na préxima década, Ocorte que nao era este o bom alvo, pois Sartre se ‘antecipara aos seus futuros contendores na critica das 8 CE Tacques Lacs Fonetion da Je ade du Miroir comme formatcur de la in Ecrits, Paris, Seuil, 1966, p. 99. LUM HEGEL ERRADO MAS VIVO PAULO EDUARDO ARANTES ilusbes do Eu, do qual distinguira justamente o soi-méme de uma consciéncia inobjetivavel ~ apenas a palavea consciéncia punha na pista errada, ficava faltando porém fazer ju i¢a 20 ins6lito da fusdo de auto-suficiéneia e nada, Mas voltemos ao fio hegeliano, no caso, a meada das intengdes assassinas que comandatiam a luta pelo reconhe- cimento, Dela estd exclufdo, pelo mecanismo bem calcula do da rentincia astuciosa, qualquer desfecho mortal (para desconsolo de um Bataille). Lacan sabe muito bem disso, da Aufhebung camarada que suprime deixando oportuna- mente em vida o sujeito anulado, uma negagfo que sujeita ‘sem aniguilar. Neste ponto, a0 contrario de Sartre, segue a ligdo kojeviana, fazendo surgir dessas crises —e da matriz delas, a iética do Senhor ¢ do Escravo~, sinteses constitutivas do vinculo social que assegure a coexisténcia das conscincias, de outro modo impossivel. Como sabe~ ‘mos, fora do simbélico no ha salvacio: quer tam ‘bém, nfo interromper a dialética que conjura a dispersio das conscigncias seria em principio dar um passo além da intersubjetividade visada pela negatividide dos filésofos da existéncia. Fica no entanto a impressio bizarra de que é preciso descentrar a con: cia, confiscando Ihe a auto- suficigncia, para recentrar 0 vineulo social ameagado pela anarquia existencialista Na antecdmara da [deologia Francesa? Nao foi 56 existencialismo que brotow no Seminsirio de Kojtve. Curiosamente, futuros préceres da dcologia Francesa conclufram seus anos de aprendizagem no Principal laboratério da finada (trinta anos depois, ao ser desbancada pelo Estruturalismo e Cia.) filosofia da consciencia, do sentido, do concreto, da praxis etc - a comegar pelo Dr. Lacan, Se lembrarmos que dois patronos da referida Ideologia, Bataille e Klossowski também assistiam siderados (“suffoques, cloués...”) as demonstra- es de Kojéve, acabarernos surpreendidos pelo reconheci- mento da atmosfera comum que impregnou os primeiros passos dos dois ramos antagénicos em que se bifurcaria 0 modernismo teérico francés. Por um momento, Existén 9-CF, Paulo Eduardo Arantes, “Tentaiva de identificapio da Kdeologia Francesa, in Novos Fstudas, Cebrap, Séo Paulo, 1990, n° 2, « Transgressio se cruzaram sem se reconhecer, 56 mais aiante a aura cientifica de que costumara se cerear a segunda acabaré impondo, inicialmente sob o nome de Estrutura afraseologia epistemolégica do Conceito, como gostavam de falar os althusserianos, contrapondo, segundo uma certa tradigao francesa, Conceito e Conseiéncia, Epistemologia ¢ Fenomenolog , Por sua vez sucedida por um novo ciclo do Desejo. Do lado Temps Modernes (0 outro lado, durante um bom tempo, foi representado por Critique ), basta eferir uma lembranga de Sartre: anos de entre-guerras, recorda, costumsvamos opor 80 naqueles idealismo otimista de nossos professores um certo entusi~ sua familia: insultos, mot dios, mortes,e o inrepardvel das eatistrofes. smo pela violéne! Considere-se a questo da “pluralidade das consciéncias” Ja, contra 0 satisme da metafisica universitaria, que oscilava, segundo como se dizia entio."' Costumava-se evor seus criticos, entre 0 solipsismo (uma objego muito prezada no perfodo) ¢ um vago Espirito que parecia ‘emanar da boa vontade de uma Liga das Nagées cientifico- ‘moral. A exist@ncia de uma segunda conseiéneia subvertia 6s planos de concérdia universal de um Brunchschvieg Nos anos 30, 0 problema do Outro tornaracs a ponta de langa da nova filosofia, a filosofia conereta, depois da existéncia, Para completar 0 argumento bastava um passo vagamente pressentido porém anulado pelas simples multiplicagio dos Cogito solitérios: como introduzir a rivalidade na nogo mesma de sujeito? O quanto era insstisfat6ria a solugo transcendental husserliana, Sartre se encarregari dedi seu uso 0 “je est un autre” do poeta, Quando entio Kojeve expOs a dialética do Senhor e do Escravo, dando-The a feigdo agonistica que se vin, estava encontrada a nova chave. -lo nagueles anos, até adaptar para ‘Veja-se agora o futuro lado Crisigue, Mas antes observe- ‘mos de novo o quanto a imagem da dialética hegetiana que Kojive apresentava aos seus ouvintes era tudo menos pacificadora, Nosso Autor detinha-se de preferéneia, na 10 Ct Saree, “Question de Methods", edit, p24. 1 =No qve segue, acompanto observavses de Vincent Descombes, oct, pp234-36, | IDE. S80 Paulo, (21: 72, 1991 narrativa inicidtica em que transformara a Fenomenologia, ‘nos momentos paradoxais, excessivos, momentos que também representavam uma ameaga para a prépria identi- dade do nartador."" A sabedoria final erm que se resolve 0 Saber Absoluto representa contudo uma espécie de calmaria inesperada e derradeira, o paroxismo da trajet6ria se dissolve no ameno sopro ut6pico do epilogo. Anos depois, Queneau batizou esse desfecho de Dimanche de la Vie (titulo de um romance que publicou em 1951), expres- fio que Foi buscar numa passagem de Hegel sobre a pintura holandesa, onde o filésofo celebra a reconciling do espitito modemo coms a prosa capitalista do mundo." Pois no Domingo da Vida kojeviano a ordem instrumental capitalista se volatiliza, perdurando, fora do tempo en: {quanto suporte da negagtio, o desejo pacificado de uma vida animal depurada, pois completando-se a suntropogénese, nfo se pode mais falar em homem. Sendo este tltimo definido pela Agdo, ndo haveria de fato lugar para a existéncia ociosa no universo belicoso de Kojéve, salvo no domfnio inesperado da pdis-histria animal da preguiga em que se exprime o Saber Absoluto reino do Sabio. Eliminando 0 negativo, a Satisfagio que se instala de vez (Beftiedigung) toma a forma da arte, do Jogo, do amor etc." Noto de passagem que em mais de ‘uma ocasido Lacan ird se referir a esse Domingo da Vida, mas para de existent tar, como mandava o lugar-comum Lista, a quimera de um Saber Absoluto.!° Ou ima preci nente, Voltaré a insistir numa alienagao reoiproca irredutivel, sem saida, que tem de durar até 0 finr; se ni for assim, isto é, se esquecermos o principal (c © idilio final) da ligo kojeviana, a saber, que a realidade de cada indi luo reside no ser do outro, o discurso 12- CE Vinceat Descombes, ibid, p. 2 13 -C Pier Macherey,Divagations hégetiennes de Raymond (Queneau, op cit, p. $4 14 -Cf. Kojtve,Inroducton, edit p. 135. 15~ Cf. pex. Lacan, Le Séminaire, XL, Pars, Seuil, 1975, p. 201 “Lembremes aqui”, esereve Lacan no primeira nimero de Sciice, cevocande a sala do Seminirio da Escola Prética onde se formou eu Hegel, “a desraciu de um saber tl que pée frja o humor de wn ‘Queneau, ou seja, seu Dimanche de la Vie, ov o advent do indolente € do libertino, mostrando nun preguiga absolut o prazer psp» para satisfazer animal. Ou somente asabedoria que aulentiea oso sarddnico de Kojive, que fo para nés dois nosso mest", apead [lisabeth Roudinesco, Histria da Psicandlise na Franca ud bras, Rio, Zaha, 1988, VI, p. 159, n do do Saher Absoluto consagrara uma divisto bastarda: de unt lado, os yue imaginam ter encerrado o discurso huma- ‘no, do outro, os que se contentam em “tocar jazz, dancar, se divertr, os boas-pragas, os bonzinhos, 0s libidinosos”. Mas isto foi dito em 1955." Ultimo residuo da vanguarda cexistencialista? Mas esta ia ouvir Boris Vian, enquanto insistia no cardter perene da alienagdo reciproca, Seja ‘como for, @ existéncia ociosa de Kojéve também compor- tava um forte elemento de provocagio vanguandista, cconsagrando 0 reino do frivolo, do jogo etc ~era a derrisao dia ordem burguesa que entronizava."” Pode-se dizer que Bataille deu um jeito de introduzir 0 Domingo da Vida, na forma da excitagao poética diante do heterogénco, no.desfecho da dialética kojeviana do Senhor € do Escravo, que remanejou em favor da souveraineté do primeiro, Na mesma época em que se entregava aos devaneios que se pode presumir quando ouvia Marcel Mauss anuriciar que os interditos foram feitos para ser violados, Bataille entendia a sabedoria final de Kojeve como o avesso de um desregramento bem dosado da existéneia profana, minada por uma espécie de vertigem vanguardista diante do espetacuto de uma luta em tomo de alvos cruelmente destisérios, mais afinada com a exaltagio 10 preditério do que com a parabola da cscasser. formadora.!* postica do sacri Nestes termos, ja ndo surpreende relembrar que 0 anti hegelianismo programatico da Ideologia Francesa tenha se escorado nos sentimentos ambguos dos mais fervorosos ouvintes de Kojéve."°Veja-se, por exemplo, Klossowski em 1960, adaptando sem esforgo aos designios do dia a Kojeviana da dialética do Senhor e do Escravo, chamando enfim Vontade de Poténcia 0 Desejo primordial da consciéneia soberana culpabilizada pelas sutilezas da vers 16 -Semindrio, H, verso brasil Rio, Zaha, 2 ed, 1987, p. 96. 17-Cr. Vineent Descombes, op cit, pp. 26,45. IB CL Derrida, “De l'économie restreinte& l'économie générale - Un ‘égéinnisme sans réserve" in LEcritare et a Différence, Patis, cui, 1967. Sobre Bataille ¢ Kojtve, cf. px., Denis Holier, “De 'au-dela «de Hegel absence de Nietzsche", in Baualle (obra coletiva), Pais, UGE, 10/8, 1973: D. Anfiret, op cit, pp. 359-364. Ver também a carta e Bataille a Kojtve de 1997 in Denis Holler (org), Le Colege de Soctolopie, Pris, Gallimard, 1979, pp. 170-177, 19-C¥. Vincent Descombes,op.cit, pp. 25-26, de Marie Christine Laznik Penot, LUM HEGEL ERRADO MAS VIVO - PAULO EDUARDO ARANTES: consciéncia servil.® fi verdade que potcos anos antes, Deleuze, relendo a Genealogia da Moral, pusera em circulagdo uma versdo nietzscheana das relagdes kojevianas entre Senhor e Escravo, no propésito de mos- ‘rar na dialética uma invengdo reativa dos impotentes.*! E assim por diante, Nao haverd_portanto exagero se incluismos 0 Seminério, de Kojave na drvore genealigica da kleologia Francesa. Na encruzilhada, Hegel, do qual sem diivida prevalecerd a versio existencialista, nos termos que se viu, Mas sobrevi- verd também a imagem de um Hegel estranhamente contemporafico de uma outra vertente do modernisino te6rico francés. mt Summary In the present article, the author points out how the lec- sures held by Alexandr Kojéve on Hegel's “The Phenom. enology of the Mind” at the “Ecole Pratique des Hautes Etudes” became one of the most important episodes of French culture during the thirties. J. Lacan, one of Kojeve's attentive listeners, was very much influenced by his version of Hegel. In our next number, IDE (22),P. E. Arantes writes on this subject. Unitermos Filosofia francesa Histéria da filosofia Filosofia ¢ psicandlise Psicandlise francesa Paulo Eduardo Arantes Rua Oscar Freire, 1667 - apto. 52 (05409 - Sao Paulo - SP Fone: (O11) 881-1041 20. Ci. Piere Klossowski, Nietzsche et le Cercle Viciews, Pais, Mercure de France, 1968, pp. 21-CF.G. Deleuze, Nietsehe et i Philosofie, Paris, PUF, 1962,

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