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com suas atividades, até mesmo com a presenga de membros das elites’*'. Enfim. nesse sentido & possivel que 0 papel da religido no Brasil, muito mais complexo, no tenha sido o mesmo do que desempenhou na realidade inglesa deserita por Thompson air Mas seo remu era apresentado como alternativa saudivel que deveria subs as priticas "barbaras" das camadas populares, como se dava o envelvimento de tais unadas? E seri que houve sucesso no intento das elites? Bletivamente, as camadas populares nZo deixavam de comparecer aos eventos niuticos ¢ assist As competigdes da forma que fosse possivel: "A enseada inteira se engalana para os dias de certame maritimo. O povo trepa no cais. Cruzam carruagens. No lado do mar hé barcas da Cantareira, pejadas de povo, com charangas, com dangas ¢ namoros. Aiém das barcas, rebocadores e fanchas pojadas de familias. Aié as 6 horas da tarde & um delivio no ‘mar, na praia. (..) Respira-se, em todo 0 caso, um ambiente de alegria, de mocidade, de festa, que agrada e que faz bem" ™. © comentario de Raul Pompéia sobre uma regata realizada pelo clube Guanabarense também pode dar uma idéia da participagao das diversas camadas da populate: “& incalculével a populagdo que se moveu para os festejas em todos os arrabatdes. Os bonds no podiam conter a loracao desmedida do tréfego, principalmente da volta. (..) A Praia de Botafogo, extensissina ¢ larga, era insuficiente para acomodar 0 rdnsito ¢ 0 estacionamento dos veiculos, do povo, que ali apareceu na noite de domingo”. idade de membros das camadas do remo, havia até mesmo a possil populares participarem das competigges como remadores, embora nunca fossem. dirigentes ou associados @ clubes. Alberto Mendonga menciona que, de fato, foram catraciros © pescadores 0s que primeiramente se interessaram pelas corridas de barcos. Na transiggo dos anos 1880/1890 ainda era possivel tomar parte nas regatas sem ser membro de clubes, Muitos grupos de remadores se inscreviam por conta propria, sem representar a bandeira de nenhuma associagio: “Assim de mistura com clubs perfeitameme constituidos, havia esparsos esses pequenos, porém, fortes elementos, *\ CAMPOS, Alexandre. Dicionsrio de curiosidades do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: CIL., 1965. EDMUNDO, ap.cit, p40. In: POMPELA, Raul. Créinieas do Rio, Rio de Janeiro: Seoretaria Municipal de Cultura, 1996, p38 128 “Tal possibilidade, contude, para darem incremento de vati: ds festas maritima’ no perdurou, ¢ logo exigit-se que os remadores fossem associados 208 cludes, 0 que exctuia os das camadas populares. Até mesmo as suas possibilidades de assistir as competigdes foram limitadas. Se & mais fécil ter acesso as regatas, ja que se desenrotam nas praias - logo, no senda necessirie pager ingressos, como nas hipédramos - deve-se considerar que as arquibancadas montadas pelo clubes, e principalmente o Pavilhdo, acabaram por "selecionar methor 0 pibiico", impedindo a "mistura" entre camadas sociais, Conta Edmundo™* que certa vez estava Maria de Melo, conhecida por sua ‘ousadia e por seus costumes avangados para a época, em um bar nas instalagdes do Pavilhiio de Regatas, quando percebeu que Monteiro Lopes, conhecide politico, fora proibido de entrar por ser negro. Indignada, Maria de Melo teria ido até as proximidades do Cais do Porto, convocando cerea de trinta negros para invadirem o Pavilho, Apesar de bastante curiosa, essa historia levanta algumas dividas. Sera que um politico conhecido seria realmente proibido de entrar no Pavilhdo? Que interesse levaria ‘05 negros do Cais do Porto a seguirem a convocatoria de Maria de Melo? Independente da veracidade e/ou exageros de Edmundo, fica claro que 0 autor pretendeu mostrar que 9 Pavilhio nao era um local onde as camadas populares eram aceitas com facilidade, neste caso estabefecendo uma relagaio entre negros e populares. Mas teriam as camadas populares seguido a ligiea das elites e incorporado os sentidos que estas desejavam propagar? De acordo com Corbin, quando ".. no inicio dos anos 1840, na Europa inteira, a estrada de Jerro atinge 0 litoral e wn novo dispositive de progresso vem ‘alterar a fisionomia das esténcias (..) a figura da praia se turva, os mitos de entrecrucam, os esterestipos se acunnélam ene uma confuse concorréncia’ Isso poderia ter se dado de forma diferenciada no Rio de Janeiro, inclusive devido as caracteristicas da organizacdo geografica da populagao. A cidade nasceu bem proxima do mer, © que permitiu as camadas populares um acesso mais facilitado as “ MENDONGA, op.cits p37. 8 Opeit Opie, p86. praias. Todavia, a ocupagdo ou nio desses espagos no decorria da proximidade geografica, e sim de injungdes culturais, como vimos no decorrer desse capitulo. A prineipio, para os membros das camadas populares que moravam nas praias mais distantes do centro da cidade, 0 mar fazia pane de seu eotidiano. J4 para os que moravam mais préximo do centro, ¢ estavam mais imersos e sujeitos aos imperativos sociais, a relagao de distincia com o mar era mantida, embora possivelmente dle maneira mais atenuada do que para os individuos das elites. De qualquer forma, para as camadas populares o uso do mar nfo estava naquele momento ligado aos aspectos higiénicos, a satide € a estétiea, seguindo uma logica completamente diferenciada, inclusive no que se refere ao pudor. Mendonca”, Inezil Penna Marinho** ¢ Edmundo” dao fartos exemplos de como tais camadas (ressaitarido-se os nativos e os pescadores) faziam uso do mar para suas atividades \iidicas, algumas inclusive ligadas 4 cultura corporal de movimento, embora cometam 0 equivoco (pelo menos no sentido de uma definiggo de campo esportivo) de considerarem tais atividades como esportivas’™, Tais priticas estavam na verdade ligadas a sua necessidade de sobrevivéncia e/ou as suas tradigfes, aos seus usos costumes, as suas festas, Todavia, tal forma de relacionamento com o mar e com as praias acabacia modificada pelas diversas iniciativas de regulamentagao ¢ controle implementadas a partir da articulagflo de consideragdes médicas/morais/estéticas, € mesmo simplesmente pelo desejo de imitar os membros da elite que passaram cada vez. mais a chegar perto do mar. Assim, as camadas populares passaram a sofrer a influéncia de um modelo construido pelas elites, nao sem interferir na pratica especifica que estava surgindo: uma tentativa de domestieagao que deve set compreendida como um processo de dupla via de reinterpretagao; nao passivo. Morse argumenta que as praias cariocas, pensadas a principio como estratégias popuilistas de pacificagao e controle, foram incorporadas de forma ativa pela populagao, © que torna dificil tragar paralelos com outras praias do mundo: © Opeit 28 MARINHO, Inczil Penna. Contribuigdex para a histiria da Educagado Fisica no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1945, © Opt. °°. Para se ter uma idéia melhor, Mendonga (op.cit) considera, a partir de uma erBnica de Joaquim Manucl de Macedo, que as rexatas nasceram no Rio de Janeico em 1566, quando se realizou 2 serie de boatathas visando a expulsio dos franceses da Baia de Guanabara, O nome da erénica de Macedo € *A ‘origem das regatas no Brazil’. 130 “Assim as praias cariocas reificadas como pao-e-circo ndo sao aquelas experimentadas como teatro. Aqui ndo se encontra nem a arregimentagdo & @ homogeneizagio das massas de Cone Island e da ‘Riviera’ do Mar Negro soviético, nem a segregacéo privatista com base na renda. ¢..) Ox grupos sociais e étnices se amonioum mas ndo se segregam, & os corpos dramaticamente expostos substiduem sutilmente as hierarguias dos ambientes de trabatho pela elementar hierarquia corporal" *', £ importante compreender melhor as possibilidades ¢ iniciativas de resisténcia e articulagfo das camadas populares naquele momento. Deve-se considerar que 0 quartel final do século XIX foi marcado por um grande ntimero de tensdes sociais, que se desenvolveram como eonseqiiéneia do crescimento urbane (que acabava por destacar mais 2 Jiferengas sociais), da industrializago e do surgimento de uma classe operitia Se o Rio de Janeiro, por ser a maior cidade e centro econémico, politico ¢ cultural do Pais, sentiu em grau bastante intenso as ripidas mudangas ocorridas na trar igo do século, seus habitantes também estiveram entre aqueles que mais se envolveram com os conflites ocasionados por tais mudangas””, Cerlamente nesse momento as camadas populares jé estavam mais eriticas organizadas””, mas nao tanto a ponto de politicamente conseguirem grandes vitdrias, embora tenham obtide algumas conquistas significativas, fruto de algumas greves realizadas™*, Na verdade, a construgo de espagos politicos de intervengao foi claramente dificultada pelo modelo de "democracia” imposto™*. Para se ter uma idéia dos limites possiveis de participagao politica, cerca de 80% da populagao estava excluida do dircito de voto. José Muro de Carvalho procura trabalhar exaustivamente a idéia de que, como as possibilidades politicas de participagio cram muito limitadas, era mesmo no cotidiano que a populagio entabulava resisténcias: ®! MORSE, op cit, p 2 CARVALHO, Jose Mutilo de, op ev "As primeiras assooiagdes beneficentes dle cardtersindieal surgiram em 1860 Uma das reivindicagBes mais freqlentes era a redugao da jomada do wabalho para 8 horas, possibilitando-Ihes maior descenso maior aproveitamento de tempo livre. As grandes reivindicagées em, feral estavan:ligatas a melhoria de suas condigaes de vida **Ainda assim, mesmo com pouca expressio politica, no final do século XIX chegaram a ser criados trés partidos operrios: Panido Socialisia Brasileiro (1890), Partido Operdsio Brasileiro (1893) e Partido Operdsie Socialista (1895). Bt “Havia no Rio de Janeiro um vasto mundo de participagio popular. Sé que este mundo passava uv largo do mundo oficial da politica. (...) A participagdo que existia era de natureza antes religiosa e social ¢ eva fragmeniada”’™. Rosa Maria Barbosa Araijo também faz eco a essa perspectiva "Aa contrario da inictal expectativa popular com a mudanga do regime, @ Republica neutralizou politicamente a cidade. (..)Esse imabilismto, contudo, nda impediu que o povo tivesse opinido sobre os acontecimentos @ as agdes do governo. nem muito menos que as classes populares se manifesiassem publicamente. Ainda que o exercicia da cidadania fosse fimitado, 0 pove rebelou-se em explosdes pertédicas, mostrando insatisfacdo, apresentando suas reivindicacies e denunciando arbitrios” Isto & se poucas resisténcias podem ser observiveis no campo da politica propriamente dita, fundamentalmente as encontramos no cotidiano, naquilo que se costuma considerar como petiférico, inclusive nas atividades lidicas/tradicionais, Era al® na na negativa da “pasteurizag’o" de sua cultura (nas resisténcias no. carnav: capoeira, no cireo, nos jogos de azar, nas brigas de galos e quando, mesmo em menor niimero, realizavam atividades esportivas ao seu modo) que as camadas populares refaziam os cédigos, modificavam as regras, mesmo que aparentemente se submetessem a alguns regulamentos. como no caso de quando compareciam como torcedores as regatas e as corridas de cavalos, processo de resisténcia nfo se dava somente no interior da légica capitalista, mas mesmo no sentido de conservar o estilo de vida que tinham no periado colonial. FE tal proceso ganha grande imporiancia j& que: "O endeusamento do modelo parisiense & concomitante ao desprestigio de nossas tradigdes. Vive-se 0 apogeu da ideologia cientificista que transforma a modernidade em um verdadeiro mito, cultwado petas nossas elites. Mais do que nunca a cultura popular & identificada com negativisma, na medida que ndo compactua com os valores da modernidade"?”. © CARVALHO, op cit, p3l 2 op cit, 287. “Ty existem bons estudos sobre a questi do camaval, Sugico para os que desejarem maiores informagoes: SOIHET, opeit; CUNHA, Maria Clementina Perera. "Voc® me cochece?™ signticades do ccmaval na belle épogue, Projefo Histéria, S&o Paulo, a. 13, p.93-108, jusho/I96; entre outros VELOSO, Ménica Pimenta. as tadicder populares na Belle Epoque cartoca. Rig de Janeiro: Funatte, 1988. p38. Nesse sentido compreende-se por que, a despeito das ages eovernamentais, 0 jogo do bicho née foi climinado até os de hoje. Segundo Micael Herschmann ¢ Katia Lemet. "Talvez um dos exemplos mais ilusires e eélebres de resistencias ds normas e modelos estabelecidos pelo Estado foi o realizado pelo Jogo do Bick” *. Mais ainda, os autores percebem coma os conilitos ao redor desse jogo estavam ligados 0 sentido que as atividades Indicas logravam na sociedade de ent: "4 penetragdo que obteve na sociedide carioca da Belle Epoque demonstra como seus elementos tidicos encontravam co no imagincirio dos agentes sociais de entdo fela que perdura até hoje, haja visto seu crescimento e consolidagao)” ""! A continuidade da existéncia do jogo do bicho, das brigas de gato, das touradas, fruto tanto da resisténcia das camadas populares quanto dos conflitos no interior das elites, demonstra que a repressio a tais atividades tinham mais efeito moral do que efetividade no exterminar dessas "priticas barbara" Gareth Stedman Jones” chama a atengdo para uma outra dimens jo no que se relere a0 controle social do tempo do ndo-trabatho das camadas populares. Para ele, além dos impedimentos e restrigSes, as ages estavam também destinadas a capitalizago do mercado de lazer, o que possibilitaria o oferecimento de atividades consideradas adequadas & propagagio dos valores que interessavam 4s elites. J4 vimos que isso de fato ocorria no que se refere ao remo. Mas Jones também exorta-nos a nfo acreditar que as camadas populares incorporaram passivamente tis valores. Para ele, compreender tal questo de forma linear simplista, somente a partir do esquema “assimilagao-adaptagao- aburguesamento, é ser to funcionalista como qualquer pensamento liberal Logo, mesmo que © esporte fosse apresentado como altemativa ‘saudivel’ ir as atividades 'barbaras’. FE se as camadas permitida, ele nao conseguiu subst popularcs tomavam parte no espetdculo esportivo, principalmente no papel de ©, BERSCHMANN, LERNER, op ct, p61 ©" ibid. pO 2 JONES, Gareth Stedman, Expesion de clase 6 control social? Critica de las ultimas tendencias de 1a historia soctal del "oeio", In: ____. Lenguasjes de elase. Esnudios sobre la historia de a clase abreva inglesa (1832-1982), Madrid: Sigio Veintiuno, 1989, p-72-85. B3 torcedores, isso nfo se deu de forma passiva e/ou excludente no que se refere as outras atividades ludicas existentes em sua cultura®”, 00 s Alias, Seveenko™ desenvolve uma dliscussio muito interessante sobre 0 préprio papel de toreida. Recuperaado a origem da palavra (torcet-se, contorcer-se, remoer- contrait-se), 0 autor argumenta que esta néo é uma fungdo passiva, O torcedor participa ativamente, incorpora lances, influencia nos resultados. Se 0 torcedor incorpora valores, cle também os gera, apresenta dimensdes que os clubes ¢ atletas devem atender para que continuem tendo torcida Mais diretamente, ndio se deve esquecer que os torcedores influenciaram quando, por exemplo, os bondes mudaram 0 percurso para atendé-los, quando levaram os jomais @ mediar a partir de sua I6gica (pois se no as vendas seriam fracassadas), quando denuneiaram os "tribofes" © quebraram os hipédromos devido as faleatruas nos resultados. Alliés, 0s atos de destruigéo estiveram entre as principals formas de resistéacia das camadas populares. Basta lembrar da Revolta do Vintém ¢ da Revolta da Vacina, A populagao sabia que os "tibofes” no estavam somente no turfe, nas regatas (mesmo em menor niimero, devido ao processo de controle e saneamento) ¢ nos esportes em geral. ‘Também estava na imprensa, no Estado e na politica, sé restando a estratégia da turba: "O povo sabia que 0 formal nao era sério. Ndo hevia caminhos de participagdo, a Repiblica nto era para valer. Nessa perspectiva, o bestializado era quem levasse a politica a sério, ra o que se prestasse d manipulacdo, Num sentido talvez ainda mais profundo que 0 dos anarquistas, a politica era tribofe. ‘Quem apenas assistia como fazia o povo do Rio por ocasico das grandes iransformagoes realizadas a sua revelia, estava longe de ser bestializado. Era bilontra"**. £ importante considerar que as camadas populares participavam também como apostadoras, Mesmo que se procurasse criar uma imagem de satide ao redor do esporte, ‘© que realmente parecia interessar Aquelas camadas eram os prémios em dinheiro. Dai decorre grande parte da intensa procura e popolaridade do espetdculo esportivo. Alan Metcalfe & um dos autores que acreditam que o carter de jogo de aposta era . Laminar nesse sentido é a existéneia até a déeada de 30 de uma arena de touradas av lado do hipodromo do Derby Club. Duas priticas a principio wo dispares, uma "bivbara” © outra "moderna", ‘convivendo to proximas e por certo recebendo parte de piblico em comum. Opes, © CARVALHO, José Murilo, op cit p.160. 134 fundamental para as camadas populares nese primeito momento de apreensio do campo esportivo: "Eu ereio que a predomindncta de prémios em dinkeiro e joge/apostas refletem alguns utributos fundamentais da culture da classe trabalhadora. O esporte ndo era um veiculo para a demonstragde de qualidades sociais: era para ganhar Fm alguns aspectos, 0 esporte era a continuagdo do esforga para sobreviver, mas era um esforca que poderia proporcianar uma vitéria momenténea" ‘Também deve-se ter em conta que se a cidade se divide drasticamente, aos pobres sendo destinado 0 espago das periferias ¢ as encostas dos morros*”, também se criam espagos de inter-relagao. tais espagos é possivel identificar uma fértil roca de experiéneias, mesmo que nem sempre explicita, Pode-se citar como um desses espagos a casa de Tia Ciata, responsivel por grande parte do desenvolvimento do samba na cidade, Também o fato de as criangas das clites screm muitas vezes criadas por "mies negras", que de alguma forma lhes passavam um pouce de sua cultura‘”®, Como afirma Velloso, deve -se compreender que: ‘“drremedtando 0 poder, falando a sua linguagen, enfim, mostrando-se cimplice com os seus valores, 0 grupo consegue buriar a vigildncia das elites e preservar ceria autonomia cultural. « tensdo que polariza 0 saldo - simbolo da cultura erudita - @ 0 terreiro - simbolo da cultura popular - desfaz-se através dos biombos gue deixam vazar sons ¢ sinais nas duas direcoes. Eo fendmeno da interpenetragao cultural" *. E por que no considerar as praticas esportivas como um desses espagos de inter-relagio? Como vimos até aqui, as estratégias de diferenciagio no foram suficientes para eliminar a participag2o popular dos eventos turfisticos e de remo, Na verdade, no seio da cultura popular j4 existiam condigdes para o desenvolvimento do remo e do esporte em geral. Se isso ocoreu anteriormente foi devido as préprias resisténcias no dmbito das elites: % METCALFE, Alan, Leisure, sport and working class culture: some insights from Montreal and the northeast coalfields of England. fr: CANTELON, Hart, HOLLANDS, Robert (eds.). Leisure. sport and working class cultures. Toronto: Canadian Press, 1988. p69. ©" propria reforma encaminhada por Passos acirara tal divisto. ‘# Maiores informagdes sobre 0 aumento da divisto entre as classes a existéncia de espagos de inter- relagdo podem ser obtidas no estudo de Araijo (op cit) © Opcit, p53. "Se o prestigio social atraia a populagdo, 0 fato & que a cultura popular da cidade jé era marcada tanto pelo valores da exuberdncta fisica quanto pelo espirito liidico de precipitar os oponentes no ridiculo pela destreza e rapidez de movimento" *"” Obviamente, ndo se pode negligenciar que esses espagos de inter-relagio também ampliaram a influéneia cultural que vinha das elites. Ao freqtientar o samba, a religitio w as atividades festivas e lidieas em geral, os membros das elites acabavam por propagar sua compreenstio acerea de tais atividades, 0 que muitas vezes era consentido pelas camadas populares, até mesmo para obter maior reconhecimento e aceitago. Assim, a despeito de reelaboragdes © da panieipagtio ativa das camadas populares, temos que admitir que a compreensio que vinha das elites foi bastante influente e poderosa. A citagao de Corbin, mesmo se referindo 4 realidade européia, pode também ajudar a compreender 0 que houve na cidade do Rio de Janeiro no que se refere a ocupagdo do mar e das praias, embora deva-se considerar as ressaivas ¢ diferencas j6 observadas neste texto . @ figura do habitante das praias perde sua solidez, ¢..) Nesse meio tempo a domesticagdo imposta (..) diminui e manifesta, a uma sé vez, a disténcia que separa o turista dos trabalhadores da arcia e do sargago. Em breve as classes dominantes virdo deliberadamente oferecer-se como espetdiculo a essa gente das praias, obrigada a ceder este espago a um novo teatro soctat"*"" A principio o habitante das praias assistiu a construgdo de suntuosas casas de membros das clites ao lado de suas modestas residéneias. Depois, suas casas foram compradas (ou desapropriadas). Suas praticas de banhos de mar seriam regulamentadas pelas nosmas juridicas, médicas € morais. & mesma sua possibilidade de participar em eventos de remo foi restrita, devido a0 rigido regulamento dos clubes. Entim, nao se deve superestimar esse processo de apreensdo e resisténcia no que se refere as priticas esportivas. Na verdade, nfo se pode considerar, no que se refere a0 esporte, que houve algo similar ao que acontecia na miisica, por exemplo. Afirma Needell que "Numa sociedade amplamente iletrada como a brasileira, a miisica, ao ° bid, p77. “ Op.it, p212. 136 contravio da literatura, era acessivel a todos, e « contribuigao do povo era rica difusa” © esporte era uma pri ica com uma dit imica completamente diferente da -niisica, de certa torma até mesmo mais "antificial”, estande muito situada no ambito das priticas culturais das elites, mais adequada a seu ethos. Cabe entio umn posicdo de ‘equilibrio ao analisar 0 esporte entre as camadas populares, tanto no decorrer do século XIX quanto na virada do século, Ni pode negar que ao redor do esporte houve o intuito de controle corporal da popnlagao por parte das elites, até mesmo porque, na transigdio do século XIX para o XX, jd eram notiveis agdes mais estruturadas no que se refere a uma i wtervengdo no ambito da higiene das camadas populares, expressa na publicagio de isica nas escolas"'* e na pedagdgi ‘manuais, no estimulo & pritica da gindstiea e da Educagao permisso de acesso controlado a algumas priticas esportivas, iniciativas por certo também engajadas em um projeto de melhor controle ¢ preparago da mao-de-obra. Contudo, nao se pode afirmar que a dimenstio de controle corporal era unica, lincar ¢ mesmo prioritiria, como vimos no decorrer do estudo: houve reelaboragdes. Mas se as camadas populares entabularam reelaboragdes © formas diferenciadas de aprender 0 objeto, elas nem sempre foram priotitérias, até mesmo porque, ae contrario da miisica, © esporte estava menos diretamente ligado a sua cultura, Se resisténcias cfetivas existiram, foi quando se tentou pasteurizar e controlar aquilo que fazia parte de sua cultura; seus habitos ¢ costumes, Enfim, como no turfe, ndo creio que seja adequado afirmar que as camadas populares apreenderam 0 remo, mas por certo tiveram uma participaedo ativa nessa prética esportiva. No caso especifico do esporte, somente mais tarde, com o futebol, ficatia mais sso de reelaboragio € apreensdio. Como afirma Carvalho’ claro o pro "Assim o mundo subterrdneo da cultura popular engoliu aos poucos 0 mundo sobreterréneo das culturas das elites. Das repiiblicas renegadas pela Reptiblica foram surgindo os elementos que constituiriam uma primeira identidade coletiva da cidade, materializada nas grandes celebrages do carnaval e do futeboi” *™. 209. infonagdes sobre a inclusto da Educaglo Fisica nas escola brasileras podem ser btidas no estado de Melo (op it, 19982) “CARVALHO, José Murilo, pct, p41 Além disso, deve-se pensar o impacto do esporte na sociedade sem considerar as camadas populares como completamente dispostas a resistir aos sentidos propagados pelas efites, como também sem se renderem a eles por completo. Tais camadas também. ineorporaram muitos dos valores difundidos, até mesmo para deles fazer uso de acordo com seus interesses. Isso pode set identificado no caso da dominagio maseulina, na questo das apostas ¢ na utilizago € percepsilo do esporie como forma de ascensio social Jones esti entre aqueles que criticam os que vem as camadas populares (destacadamente a classe operitia) somente a partir de seu supasto “cardter revolucionario""’. Ainda mais, deve-se tomar cuidado para nfo politizar extremamente wwias esportivas lidicas, Para o autor: "Clara que 0 carnaval, as férias ou as partidas de futebot podem converter-se em ocasidio de lutas sociais importantes, ‘Mas em todos os casos descobririamos que atuaram como ocasido ou catalisadores das acontecimentos que desencadearam e nao como causa" *" Para sintetizar, sfo adequadas as colocagdes de Alan Tomliso "Formas de esporte ¢ lazer cresceram em padrdes especificos das condigies sociais. As formas de dominacdo potencialmente estabeleceram formas de resisténcia, mas ndo hé nenhuma caracteristica inerente ao esporte que 0 faca um objeto wtdpico ou subversivo no que se refere as estruturas de dominagdo" *"" Enfim, a ecuyagao do mar completa entdo um ciclo. Antes desconsiderad> pelas, elites, somente os habitantes que residiam proximo as praias o utilizavam para as atividades de sobrevivéncia e/ou [ddicas ligadas a sua cultura, As elites comegaram a ocupar as areias impulsionadas pelo seu carter terapéutico € pelas possibilidades de contemplagao. Posteriormente, um novo setor das elites ocupou as praias, j4 com outros sentidos, ligados diretamente as suas compreensies de sade fisiea © moral © aos desafios que eram langados pelo progresso, pela industrializagi “JONES, op et © autor @ ainda mais entético ao afirmar que 05 que compreendem dessa forma tacabam formulando um explicago que é ".resiado de wns modelo surrealista da consciéncia de classe paler revoluefondria gue jamats fol visto na hstéria real" p81), bid. p85, “17 TOMILISON, Alan, Good times, bad times and the politics o leisure: working class culture in the 1930's in a small northern English’ working class community, fa: CANTELON, Hart, HOLLANDS, Robert (eds), Lersure, sport and working class cultures, Toronto: Canadian Press, 1988. p59 138 Nesse processo, os antigos habitantes das praias perderam espaco, assistiram tentativas de dizimar ou controlar suas antigas atividades Iidicas, permitidas agora segundo um novo padrio. Se nfo acorreu o desaparecimento completo dos sentidos significados originais de ocupagdo das praias. sem divida estes foram bastante alterados. Como afirma Gilberto Velho: "No ierreno dos costumes é das mentatidades, ou da cultura de wn modo mais sintéico, assistimas 2 convivéncia e constantemente ao confronto de visoes de mundo diferenciadas, quando ndo antagénicas. Todavia, no decorrer do processe de interagao entre mentalidades e/ou culturas particulares, ao lado de inegével destruigio material e simbélica, produzem-se combinagdes ¢ transculturagdes (..) geradoras de novos significados e temas culturais"™"*, Por fim, quero assumir os limites dessa compreensio relativa as camadas populares. Nao foi realmente fécil conseguir muitos indicios sobre elas, [ato comum enire os que estudam tal grupo na realidade brasileira. Com isso ndo estou a minimizar a importancia das apreensdes apresentadas, mas a assumir que se faz necessdrio continuar ‘a buscar mais dados que nos permitam uma interpretagao mais clara e referendada sobre assunto. 6. As mulheres e 0 remo Como vimos no capitulo anterior, a partir de meados do século XIX paulatinamente as mulheres passaram a ocupar maior visibilidade na sociedade e sua presenga nos eventos de turf, ao mesmo tempo que exnressava tal mudanga, também ajudava a consolidé-la, Como teria se dado envolvimento de mulheres eom 0 remo? ‘A principio, poderlamos pensar que as dificuldades seriam maiores, pois as preocupagdes com 0 pudor cram mais notiveis no remo do que no turfe e poderia se constituir em um elemento para afastar as mulheres. Mas o seu processo de conquista de cespagos era crescente, também estando ligado as mudangas na estrutura sociocultural da cidade. Desde 0 inicio, os banhos de mar, mesmo que com muitas restrigdes, tiveram um importante significado para clas. Encarados como uma atividade ligada a satide, acabavam por lhes permitir uma nova oportunidade de convivio social. Segundo Alain “15, VELHO, Gilberto, Estilo de vida e modemidade. Estndos Histdricos, Rio de Janeito, v.8, 0.46, p227- 234, julho-dezembro/ 1995. p.228, Corbin: "Para as (..) condenadas ao lar (..) @ prescrigdo médica possibilita wma liberdade inesperada, reserva de sdlidos prazeres"*"°, Enquanto isso, para 03 homens 03 banhos «le mar tinham um sentido ligado aos novos papéis que esperava-se que 2cupassem, a um aovo padrilo de maseulinidade: "O homem, ao contrério, protagoniza uma cena de coragen; almeja 0 heroismo de ter enfrentado as invectivas do mar, de ter sentido na pele 0 flagelo da dgua salgada, e de sair vencedar" ** No inicio, as mulheres "de respeito" tomavam banho de madrugada, quando 0 dia ainda nao clareara, ¢ usando uma indumentéria muito pesada € rigorosa, que era constituida de: *..calgas muito largas de baéta to éspera que mesmo mothade nao the pode cingir 0 corpo Do mesmo tecido, un blusdo com gola larguissima, d marinheira, obrigada a lago, um taco ampio que serve de enfeite ¢, ao mesmo tempo, de tapume « wma possivel manifestagdo de qualquer linha capaz de sugerir 0 feitio vago de wm seto. As caleas vao até tocar 0 tornozelo (quando ndio caem rum babado largo, cobrinde 0 peito do pé. Téda a roupa é sempre azul-marinho e encadarcada de branco. Sapatos de ona e corda, amarrados no pé e na perna, a romana. Na cabeca, vastas toucas de oleado, com franzido & Maria Antonieta, ou exagerados chapeldes de aba larga, tornando disformes as cabecas, por uma época em que os cabelos sdo uma longa, escura e pesada massa"? Mesmo com tanta roupa ¢ tantas restrigdes. a presenga de mulheres nos banhos de mar significava uma distensao grande nos costumes da cidade e durante muito tempo mexeu com a imaginagao dos homens. Era comum nas casas de banho, por exemplo, encontrar cartazes com os seguintes dizeres: "E expressamente proibido fazer furos nestas cabines a verruma ou pena. os encontrados nessa prética devendo ser entregues & agdo da poticia" ™, E nos jomais, observagées como esta: 4 CORBIN, op cit, .89. ghia. p89) © EDMUNDO, op eit, p.838. * Apid EDMUNDO, vp. 9-837, Importante notar que, segundo Alain Corbin (op cit), em Brighton, de acordo com um guia, em 1876, indiscretos homens tentavam a todo euste observar as mulheres por jocasido de seus banos de mar curioso ver uma moga , quando é bem feita ow, como se diz, quando é hem acabada, sakir e entrar no mar. (..) Quando sale, e aki esté 0 busilis, a roupa adhere ao corpo (..) se nota muito a cintura bem feita, muito seio hem contornado" ™ Otto dos Prazeres, famoso cronista da cidade, também declarou o que sentira a0 ver uma mulher banhando-se, em artigo publicado na Revista da Semana: "Foi na Praia do Flamengo. Vie-se de roupdo de banko, eujas dobras mais salientavam wm verdadeiro modelo de estatudria grega. Atirou-se a agua e se ndo fisse a flanela, que the cobria a extraordindria phistice, poderia ser comparada a Venus. Fitei-a, fitei-a de wna maneira capaz de deixar em séco todo 0 molttado reino de Netuno, Saiu. Passou-me por perto, pingando, © 0 meu olhar feve maior eloguéncia que um volume inteiro de discurso""™* Apesar dos avangos, na década final do século XIX Herminia Adelaide (uma conhecida artista) ainda escandalizava a populagao ao banhar-se na Praia do Flamengo 5, desenhando suas belas formas fisicas. Todos paravam ‘com roupas coladas a0 corpo’ para olhar; as mogas de familia, encabuladas, viravam 0 rosto para os lados, ¢ os homens, com a cabega povoada de fantasias, niio sabiam bem que atitude tomar"*, As mogas de familia ainda ntio podiam dar idéia de seu corpo nos banhos de mar - que, se ‘ja eram mais aceitos, deveriam ainda seguir normas estéticas/morais rigidas. Mas as mudangas estavam rapidamente em curso”. Andrade" percebe como, no Rio de Janeiro da virada do séoulo, a mulher ¢ 0 humem sio retratados de forma diferenciada. Aes homens se procura representar a partir de uma imagem de agdo e poder, figuras alidis bem adequadas e caracteristicas do novo modelo de pratica esportiva. Jé as mulheres estavam associadas a familia, 4 casa ‘ao lazer, neste apenas como expectadoras. Realmente, pereebe-se ainda uma participagio direta bem pequena de mulheres nos esportes, Tirando algumas poucas ©. GAZETA DA TARDE, 1882, apad RENAULT, 1982, opt, p-172 24pm BARBOSA, op.ct, p15. #5 Liny sinal de ousadia fominina, segundo © joralista Francisca de Assis Barbosa (Jn: REBELO, cit), era. a utilzaeao de eadargos vermelhos, ao invés do tradicional branco, na vestimenta de banho. RODRIGUES FILHO, op.cit, 1945. Fm vivios espagos jf era possivel perceber um niimero maior de mutheres mais independentes que eseandalizavam @ populasao, como 0 caso de Herminia, da ja citada Maria de Melo © mesmo de Chiquinha Gonzaga, que suepreendia nos saldes © nos espagos musica da cidade. Op cit ui excegdes, nfo sto fartamente identificaveis mulheres como atletas e mesmo dirigentes/orgenizadoras de clubes e competigaes, ‘No caso do remo, s6 foi possivel identificar tes iniciativas de participagdo de mulheres como remadoras, Aiada assim, somente uma pode ser caractericada como uma rentativa de patti ago no campo esportive propriamente dito. Dois dos fates se deram por volta de 1882/1883, quando irés francesas remavam nao competitivamente em Niteroi (senhoritas Massiere, Tribouillet e Vianna), enquanto algumas inglesas faziam 0 mesmo em So Cristévao (irmas Fox). A terevira e mais notivel iniciativa ¢ a criagtio do Grupo de Regatas Feminino da {ha de Pombeha (pequena ilha na Baia de Guanabara), em 19017, Esse grupo nao sobreviveu muito tempo, disputou apenas uma prova contra remadoras do Club Cajuense e sequer chegou a ser accito para participar das regatas organizadas pelos clubes "masculinos"™, Isso no significa que niio houvesse valotizacio da participagao feminina. A presenga de mutheres nas regatas era constantemente ressaltada e estimulada, ji que se watava de uma pritica saudével, principalmente para as jovens mutheres que “enfeitavam'" o ambiente. A mulher era atribuido o papel de torcedora soudivel e atenta 208 novos tempos. Assim, nio € surpreendente que um 0 jornalista se preocupasse até mesmo em citar nominalmente algumas das mulheres presentes na importante regata de 9 de agosto de 1903: "Desde 10 horas que comegaram a chegar os convidados e entre elles aquellas caravanas de peregrinas jovens, trajandio vesies alegres, quaes sorrisos infantis das alvoradas de agosto (...) Era enorme o mimero de senhoritas, de (ailletes claras ¢ elegantes (...)" Na verdade, até mesmo para garantir 0 "cariter familiar", os eventos deveriam contar com a presenga de mulheres. Essa era uma dimensto de grande importancia, pois se 0 novo contexto sociocultural permitia ¢ estimulava uma maior exposig¢ao publica, o 9, sua divetocia era formada por: Silvia Peixoto (presidente), Gabriela Filgueiras (vice-presidente), Blisa Joppert {secretiria) e Alice Ferrera (fesoureira). Maiores intormagBes podem ser obtidas em: LICHT, Henrique. O remo través dos tempos. Porto Alegre: Corag, 1986, 4A despeita de somente ter encontrado poucos indicios, no descarto a possibilidade de que cutras mulheres tenham praticado o remo, principalmente no que se refere a wma prética no-esportiva (isto &, ‘ndo-competitiva, estruturads em clubes). "A CANOAGEM, Rio de Janeiro, ano 1, 1.7, p.1-?, agosto/1903. p.6, 2 Papel da familia, mesmo que alterado, continuava valorizado. Tratava-se ndo de criar uma oposigiio & familia, mas deslocd-la para o local das competigdes, garantindo uma coeréncia nos discursos e no ferindo suseetibilidades. a presenga feminina era rstimulada, estava, contudo, condicionada por barreiras © controles. Na verdade, era plenamente identificdvel "a subordinagdo das mulheres. pois elas sempre desempenham fung@to de coadjuvanie (..) a énfase recai sobre 0 mundo doméstico, quase sempre a fronteira que delimita a existéncia das mulheres das elites". Com isso nfo estou a afismar que necessariamente as mulheres tinham uma atitude passiva perante 0 espeticulo esportive € no contexto da sociedade. Elas tinham uma importincia significativa a ser considerada naquela estrutura; "..a subordinagdo a pats e maridos nao significava falta de importéneta. Dentro de um patriarcado tradicional, a posigao da mulher era ao mesmo tempa dependente e central" Araijo também aponta sentido semelhante: "A imtensidade e rapidez das transformagdes urbanas na virada do século XX dew novo impulso a dindmica familiar, neutralizando a supremacia do poder masculino, diversificando as formas de socializacéo da muther"** ‘A autora chega a corsiderar que mesmo o papel do homem e a suposta construgiio de sua masculinidade nfo era tio linear quanto costuma-se acreditar, estando em plena transigao ‘o universo emocional do homem, ao contréirio do que aftrma © esteredtipo de racionalidade e frieza sentimental, os sentimentos ¢ a afetividaile esto presentes e sero expressos Jartamente nesse periodo" **, Coneretamente, as mulheres ja tinham participagdo ativa mais notével e cada vez ‘mais conseguiriam espago no s6 nas atividades esportivas, mas também na sociedade como um todo, principalmente no ambito da educagio, do trabalho & do lazer™* © NEDELL, op ct, p.159. 8 hid. p.159, © Opcit. pS id, pM rao (op et.) arma que mesmo no eédigo evil, ainda que de forma modesta, jd se considerava de forma mais sensivel o papel da mufher na sociedade 143 Naquele momento, “Além da udministragdo doméstica, as mulheres eram estrelas no palco da sociedade" *, Para Etelvina Trindade, a ocupagdo de espagos ¢ ainda mais notdvel exatamente nos momentos de lazer: 0 lazer é responscivel por wna invasiio feminina dos espagos da cidade. Trata-se de um novo dominio, orindo em grande parte do desenvolvimento urbano, no qual a mulher que a sociedade conservadora oitocentista segregara nas dimensdes io privado, retoraa ds ruas para nelas despender seu tempo livre nas lojas, nos parques, nas casas de espeniculos, nos campos de esportes, nos salées das clubes recreativos" **, Temos assim que tomar cuidado para identificar os avangos, tanto dentro da Stica da conquista de espagas (indicador de libertagia) quanto dentro da stica de wma liberdade controlada e eoncedida (indicador de submissiio) "Pois a alta sociedade por mais feminina que fosse em sua expresso, era masculina em sew propésito. Ela servia para manter ¢ promover os interesses das familias da elite, definidos pelos pais e maridas que os supervistonavam"® Needell chama a atengiio para que nfio se confunda um maior mundanisme com liberagao“”, Para cle, a ampliagio da possibilidade de participagao feminina estava também inserida no contexto das necessidades dos homens dos "novos tempos". Além disso, se a urbanizagio trazia interferéneias na reformulagdo dos papéis femininos, as menialidades no mudariam lo rapidamente, Durante muito tempo ainda estaria associada 4 mulher uma idéia de beleza frégil, fundamentalmente situada na aparéneia ¢ no vestuirio. Assim sendo, por exempio, durante algum tempo permaneceriam afastadas do esporte como atletas, jd que ao redor dessa pritica se construira uma vistio antagénica aos papéis delas esperados Enfim, quero adotar uma postura intermediaria, Creio que, ao mesmo tempo que © aumento de sua presenga na sociedade (inclusive nos eventos esportivas) atende aos jinteresses masculinos, nfo se pode negar que também significava uma possibilidade de conquista ¢ liberiago. Se ndo era um indicador de libertaedo propriamente dita, era uma 8" NEEDELL, ap ev 159. ©* TRINDADE, Etelvina. Cidade modema e espayos femininos. Projao Histéria, Sto Paulo, 0.13, 108-120, junhl1996,p.112. © NEEDELL, opt, p.160. thi laa abertura de possibilidade, uma preparagdio para tal. Indicadores claros de que uma mudanga estava em andamento, de que sua presenga deveria ser considerada e de que de ‘alguma forma gozava de alguma importancia 1A imprensa ¢ 0 remo Como no turfe, a imprensa ocupou um importante espago na divuleagda € no desenvolvimento do remo. No remo, contudo, o papel da imprensa foi menos critico e, de alguma forma, esteve mais alinhado com os sentidos e significados que os dirigentes dos clubes e as elites em geral procuravam propagar. Em 1895, foi eriada no Jornal O Paic a primeira coluna especifica dedicada aos esportes nduticos, redigida por Benjamin Mota, Somente ai o remo vencia a resisténcia inicial dos jomais ¢ definitivamente ocupava as paginas do principal meio de divulgagiio da cidade, Afinal, cada vez mais era assunto da moda. Freqtientando as paginas dos jornais da cidide, nao s6 com as noticias sobre os cerlames, como também com aniincio das competigbes a serem realizadas‘*! 192 + logo muitos cronistas e poetas comegam a escrever sobre 0 esporte™?, entre os quais podemos destacar Machado de Assis ¢ Joaio do Rio™®. Entre algumas crdnicas significativas, destacamos a pioneira, de Jorge Odemira, publicada na Gazere de Noticias de 6 de setembro de 1875, onde comenta efusivamente as regatas do dia anterior. Enaltecendo essa atividade como forma interessante de diversio, 0 eutor reivindica investimentos governamentais para a sua continuidade (inclusive, segundo ele, uma forma de "diminuir incéndios ¢ suicidios")"". Mas foi realmente Ulavo Bilac quem melhor expressou o significado das regatas 1°, Defensor entusiasmado da para a cidade, destacadamente em sua erdnica "Salamina moderidade ¢ das reformas urbanas, Bilae era um {3 ardoroso do remo, to Ligado a um, novo estilo de vida para a cidade. Em tal erdnica, Bilac comega exaltando a beleza do mar em mais um dia de regata, a agitagdo a0 redor desse acontecimento social e a participagao feminina: “em muitos jornais da cidade 0s clubes divulgavam suas realizasBes. Notadamente encontrams fartos exemplos em O Patz, na Gazeta de Noticias eno Jornal do Brasil #2 alguns exemplos: Alvaro Moreira, Coelha Neto, Jo80 do Rio, Affinia Peixoto, Octavio da Rocka, Ferceira Viana Filho, entre outros. Algumas dessas crinicas podem ser encontradas no livro de Nelson Costa top.ete Segundo Nicolau Sevcenko (op.cit), Machado de Assis e Jodo do Rio sio cronistas que conseguem bem eaptar, de locas diferenciados, as madangas no cotidiano do Rio de Janeiro do fim do século, “/ODEMIRA, Jorge, Folhetim, Gazeta de Noricte, Rio de Janeiro, 6 de setembro de 1875. #8 Nessa erénica,Bilac narra a regata referenle ao Campeonato Brasileiro de 1900, us “Em cada janela de palacete, um grupo feminino tagarelava. Entre ondas do pov, passavam carruagens, conducindo genie alegre. E a vozeria da multiddo em terra, ¢ a matinada ensurdecedora das lanchas no mar, apitando, - enchiam o ar de riso e delirio" Bilac mostra como 0 piblico assistente era originério das mais diversas camadas sociais; contudo, os locais nes quais assistiam & competi¢ao eram difereneiados segundo sua condigao econémica: arquibancadas, janelas das casas, parapeitos do cais, E importante observar que a movimentagao das elites extravasava as areias das praias, Era uma oportunidade para abrirem suas casa para recepedes Iuxuasas, para receberem seus pares, para abrirem seus sales”, mais um indicador da mudanga nos habitos das elites carioeas do fim do século. Na mesma crdnica, Bilac mostra também o frenesi € a participagio ativa da torcida ao assistir as reyatas, e mais uma vez reforga a idéia de que um novo modelo de estética compérea ja era aceito © muitas vezes estimulado: "Sao seis, os barcos que entram na justa naval. Fm cada um deles, 4 rapazes, de bragos nus, mostrando os nés reforcados dos biceps.."*“* Em outro de seus escritos ("Chronica"), Bilac deixa ainda mais claro o seu entendimento sobre a importincia do remo para a cidade em transformagao: "Basta comparar a grande geragdo, que actualmente envethece no Rio de Janeiro, & geracdo nova que ahi se esté formando com 0 exercicio do remo, para ver que beneficios se estado cothendo do desenvolvimento do sport-ndutico. Ver essa mocidade, exhuberan.2 de saiide e de alegria - é cousa que encanta € orguiha. (...) O contacto didrio com a ar livre com as perigos do mar salvaa do desanimo e do abatimento moral” Os clubes de remo perceberam o quanto @ imprensa e os cronistas eram importantes para a difusio do esporte, e nao foram poucas as iniciativas que “spud, MENDONGA, op it, 398. “Os sais j& existian no Rig de Janeiro desde @ tempo do Império. Tinham seatide aproximado ao dos clubes (local Ge contato enire 05 membros das elites, de expresso de status ¢ distingdo, de desfile © ‘ostencagia), com 0 diferencial de que eram ainda mais seletivos, pois aconteciam na residéncia de alguem. que somente convidava um circulo muito fechado de pessoas. Era, logo, um espago intermedirio enire 0 eardter privado da familia ¢ 0 carater pablico dos clubes. Os convidados passavam algumas horas tocando pisno, conversando, recitanda, Maiores informagSes podem ser obtidas no estudo de Needell (open) 18 spud, MENDONCA, op cit,» 398. 9 Apud. MENDONCA, op.cit, p397 146 entabularam para atingir seu intuito. Por exemplo, pode-se perceber tal preocupagito ja no cédigo do Conselho Superior de Regatas**”. "artigo 115 - O Consetho, permittindo 0 sew estado financeiro, deverd promover a fundaciio de uma revista destinada a tratar de assumptos referentes ao sport nautico em geral, ¢ & crengdo de uma biblioteca e museu sobre esse ramo de sport"! Ji em 1899 fora criado © primeiro petiddico especifico: O Remo, ditigido por Joao Canabarro (diretor do Club de Regatas), com periodicidade irregular e de curta duragio. Tal petiddico noticiava as agdes da Unido ¢ do Conselho Superior de Regatas. Em 1902 foi langado o primeiro nimero de Sport Nautico - orgam official da Federagito Brazileira de Soviedades de Remo, wm suplemento da Revista da Semana. Contudo, foi em 1903 que surgiu um periddico mais estruturada: A Canoagem - revista Sportiva, publicedo semanalmente, que, embora também publicasse noticias de vérios esportes, era centralmente dedicado ao remo, Tanto que posteriormenie também assumiu como subtitulo "orgam official da Federagio Brazileira das Sociedades do Remo", ‘Mesmo com segdes dedicadas & esgrima, aos esportes hipicos (turfe equitagao), ao futebol, ao jago de pelotas, ao ciclisma ¢ ao atletismo, o remo realmente ocupava espago especial nessa revista, com a divulgagao das atas das reunides da Federagao Brazileira, divulgagdo de informagdes das regatas € dos clubes, difusdo de aspectos téenicos do remo, noticias do exterior e até uma curiosa coluna de "bisbilhotices" (segd0 Raio X), assinada por um certo "Coruja”. Na verdade, editor, Samuel Pontual Junior, cra membro-diretor da Federagio Brazileira. Assim, afirmava no editorial do primeira numero: “Acreditamos que 0 titulo de nossa escotha, inculeando 0 assumpto de nossa particular elei¢do, ndo franqueard, nem nutriré animosidade por parte dos nossos collegas do sport, desde que o nosso fim & propagar ¢ estimular os sports, que maiores vantagens apresentam sob 0 porto de vista do desenvolvimento physico de uma raga" *. "©. Deve-se considerar que desde a coluna especifica para os esportes niuticos do jomal O Paix, dos artigos de Curvello Jinior em Semana Sportiva e da coluna publicada no periidico Brasil Sport tais preocupagdes ja existiam, *' CODIGO do Conselho Superior de Regatas, up-c, p25. *° PONTUAL JUNIOR, Samuel, Editorial. 4 Canoagem, Rio de Janeiro, ano 1, 1.1, pl, julro/1903, 147 Nesse editorial ficava claro que os clubes de remo se consideravam os mais adequados ao novo sentido da pritica esportiva, Outros esportes, como o ciclismo € atletismo, ainda reajustavam seus discursos, estavam se organizando e nao gozavam do mesmo prestigio © popularidade, Ainda persistia em relagto a tais esportes uma desconfianca quanto a seu pronunciado cariter de jogo de azar. O turfe continuava popular, sendo também incluido no periddico, nao sem uma curiosa justificativa do editor, que procurava marcar bem as diferengas: “Incluimos no nosso programma o sport-hyppico, cuja bella organisagdo merece ser assignada, devido & grande aceitagto por parte do nosse piblico e dos beneficios para o Pais" *, Se bem que a revista tenha sido muito bem recebids pelo piblico, principalmente pelos dirigentes dos clubes ¢ pelos atletas*™, a Federagdo Brazileira, em 1903, ainda incluia entre seus projetos um jornal diatio sobre o remo, Parece que aquela instituigao considerava pouco uma publicagio semanal somente parcialmente dedicada a0 esporte nautico, mesmo que fosse de forma prioritéria. Tratava-se de difundir ainda mais e com maior constincia as especitficidades do remo. Interessante observar como em um periddico como A Canoagem, 130 preocupado com o esporte e sua relagio com a "raga" (em certo sentido com a satide), podem-se encontrar muitos antincios de cigarros ¢ cervejas. Os Cigarros Campeonato ofereciam uma canoa para quem levasse maior miimero de magos 4 Pibrica, promocdo constantemente divulgada e estimulada pelo proprio periédico. Também eram encontrados na revista antincio: da cerveja Ritter, do charuto Pollock e do Chopp Nautico. As relagies constantes entre drogas ¢ esporte, até hoje plenamente identificdveis, deviam existir na época de forma to direta por alguns motivos basicos: a) no se tina tanta clareza dos prejuizos do cigarro ¢ da cerveja para a saiide; basta dizer que alguns anos antes ainda se vendiam cigarros de maconha como benéficos para os problemas de aasma; b) essa questo no era to relevante quando a revista precisava de anunciames para se manter ativa, pois somente com o resultado das vendas nas bancas isso nfo era possivel: ¢) mesmo que o discurso da saide fosse utilizado, to ou mais importante era a tid. pl * Enconira-se no segundo nimero de 4 Cancagem a informagio de que houve uma festa na redag3o para comemorar 0 langamento do periddico, sendo freqdentada por “mogos fortes, coradas, chetos de verve, arin” questo da imagem, ¢ isso justificaria até mesmo pequenas "incoeréneias"; na verdade, no se sabia exatamente nem mesmo quais eram os beneficios do esporte para a satide®, sem falar que as doengas cardiovasculares niio cram uma preocupagdo central naquele momento. Enfim, percebe-se o acirrar de uma relagdo que de alguma forma ja existia com o turfe desde o século XIX: a utifizagao do esporte como objeto de propaganda. Diversas companhias ampliavam as iniciativas de ligagdo de seu nome as diferentes praticas esportivas. Com a popularidade crescente dessas manitfestagSes, percebia-se que seria interessante associa-las a marca da empresa ¢ de seus produtos. Por exemplo, nas paginas de 4 Canoagem pode-se encontrar muitas empresas que procuravam estabelecer uma relagao entre seus produtos de saide e o esporte, como a Agua Salutaris*® Emulsio da Farmacia Abreu Sobrinho*”, E possivel perceber que algumas empresas constantemente ofereciam prémios** ¢ ajuda para os pdreos a serem disputados, sempre preocupadas em veicular seus produtos e/ou logomareas. Como usualmente afirmavam os dirigentes dos clubes, “os capitalistas estéo sempre ajudando" Destacdiveis também sio os patrocinios das companhias Ferro-Carril do Jardim Botiinico ¢ Sul América. Tais companhias pagavam 4 Federagdo Brazileira para realizar regatas anuais com seus nomes. Sobre tais prémios, opina Mendonca. "Nao fora o conhecimento exacto da sua propaganda por um exercicio physico todo benéfico e salutar, no fora os relevantes servigos que 0 nosso paiz absorve com a divulgacao dlesse utit sport @ talver nao tivessemas 0 ensejo de fazer upologia da creagdo d'esses honrosos premios” "Quando falava-se dos beneficios do esporte 2 sale, normalmente citavaese que ajudariam a desobstruir os poros, livrar @ corpo das impurezas e potencializar a energia. Como pode-se ver, nada ‘muito claro ou rigoroso cientificamente. Maiores informag8es podem ser obtidas no estudo: SANTANNA, Denise Bernuz2i. O receto dos "trabalhadores perdidos": corpo e cidade, Projera Histaria, ‘Sao Paulo, n.13, p.121-128, junio/1996. 5” Bsa chamada era sempre publicada: "A Agua Salutors 4s refeigdes torna © rower forte +7 Alguns exemplas de anncios: "Os rowers do Natagdo, em vez de cerveja ou vinho, bebem, d meza, a Emulsio da Pharmzeia Abreu Sobrinho”; “Na pista do Velo-Club, chegou na ponta Joasinho, porque bbebco Emulsio da Pharmacia Abreu Sobrinho"; “Quereis ganhar sozinho, um pareo de natagdo” Bebe do Abrea Sobrinho, 2 vigorosa Emulsto"; "E's rower? E queres pois ser domingo campedo? Na Lapa 72, ‘Sompra ur vicra de emulsao” Por exemplo, o representante da Cerveja Ritter ¢ dos Charatos Pollock sempre oferecia para os pareos premios como canivetes. A Ferreira Baltazar & C. também constantemente oferecia eaixas de vino "MENDONCA, op.ct., B84 149 A fala meio envergonhada e cheia de justificativas de Mendonga pode dar uma i6ia de possiveis polémicas acerca de tais realizagdes. Na verdade, ¢ um paradoxo aparente a aceitagdo desses incentivos por um grupo que tanto se empenhou em promover 9 amadorismo no esporte. Contudo, de alguma forma, os organizadores ficavam sem muitas opgdes. Os custos da realizagto de regatas cram bastante elevados € © amadorismo era muito mais uma questo de diseusso, ou simplesmente centrada na figura dos atletas, do que uma possibilidade pragmética, Alias, © apoio das companhias Sul América e Ferro-Carril do Jardim Botinico é bastante emblemati co, A primeira empresa estava ligada ao ramo de seguros e 20s, novos negécios dos capitalistas e industriais que surgiam na cidade, A segunda, criada em 1882 em substitui¢ao A pioneira Botanic Garden Rail Road, incorporava um novo sentido de velocidade para o Rio de Janeiro. Companhias ligadas & ago ¢ risco nos negocios e & velocidade patrocinando o esporte da modernidade: realmente denunciador das mudangas pelas quais passava a sociedade carioca do momento. 8, Aloumas palavras finai Nos eseritos de poetas € cronistas cariocas pode-se identificar como o mar realmente passara a ocupar outro espago na cidade. Se Afranio Peixoto, ao falar sobre a vida do carioca no fim do século XIX, afirma que "o hanko de mar era disereto, sem 466 publicidade, roupas até os punhos ¢ até os tornozelos” *, ja Joao do Rio expressa assim suas impressdes sobre Copacabana nos primeiros anos do século XX: “dtentel, A praia estava cheia “le genie também. Em certos pontos cavatheiros ¢ damas abancados em térno de mesas a bebericar; em outros, grupos de observadores: @ em féda sua extensdo, a movimentagdo quase nua da multiddo de bankistas (..) criangas corriam (..) Javens de simples caledo, os cabelas presas num lenco de cir aguda, estendiam na areia sob enormes para-séis, de riscas rubras" Obviamente 9 mar ja era encarado de outra forma, ligado a um novo estilo de vida saudavel, onde as praticas esportivas se destacavam. Enfim, nos primeiros anos do século XX, “©, PEIXOTO, Aftnio, A vida carioca no fim do século XIX. Apud COSTA, Nélson, up.cit.p.270, “©. BARRETO, Paulo, Copacabana. dpud COSTA, Nélson, op.cit, p50. 150 ‘A revolugdo, que vinha fazendo 9 nosso sport, jd disseminador de tanto prestigio ¢ factor inconteste da educacdo physica ¢ moral de nossos mogos mareantes, tomou em 1903 incremento notdvel (..) A sua divulgagao excedia a expectativa dos mais irtransigentes scepticos ¢ pode-se afirmar com seguranca que esse salutar exercicio encontrava, no apoie moral das nossas classes sociais, margem illimtada a consecgdo do seu nobre idea" Observa Alvaro Moreira, importante poeta e cronista, como o esporte fazia parte de um novo estilo de vida na cidade do Rio de Janeiro: "A terra carioca tem 0 tempo de vida contado as avessas. Os anos vdo passando, ela vai ficando mais nova. Quem a procura, na lembranca dos dias coloniais, encontra uma velhinha tristonka. (..) Com D. Pedro 1. et-la chegada ao outono. (..) Pelo meio do Segundo Império, ela rejuvenesce escandalosamente, (...) Quando se praclamou a Repniblica, andava a terra carioca nos seus vinte anos... De entéo para hoje, ficou assim (..) enumera todos os costureiros e chapeleiros de Paris... diz de cor « biografia de todos os artistas de cinema... entende de esportes como ninguém.. conversa em francés, inglés, italiano, espanhol... ama os (poeias... toma ché com furor. .¢ danca tudo, E linda!" Naquele momento, ndo sé no Rio de Janeiro, como também um muitas importantes cidades do pais*, o remo ja se encontrava bastante desenvolvido e aveito. Mesmo com peculiaridades decocrentes de cada cultura local, pode-se afirmar que os seus sentidos e significados eram bastante aproximados do que tentei apresentar neste capitulo referente a cidade do Rio de Janeiro", As instituigdes de remo, constantemente ¢ mais denotadamente ainda, passaram a adotar discurso do valor da "educagao physica", e tal esporte a ser reconhecido como uma das formas mais “8, MENDONCA, op cit, pl “©. MOREIRA, Alvaro. Cidade mulher, 1923. Apud. COSTA. Nélson. op cit, p21 6 remo ji era praticado em SKo Paulo, Santos, Salvador, Porto Alegre, Vitiria, Recife, Fortaleza, lente outras cidades “Lim exemplo disso pode ser claramente identificado em Belém do Pari, onde a5 regatas eram realizadas entre amadores profissionais, mobilizavam pablico, contavam com apoio das entidades govemamentais, imporiago de embarcagSes da Europa, influéncia inglesa, exclusio de clubes nfo alinhados com a organizagdo ceatral, regulamento exigente, Nao é surpreendente que Eduardo Minosi, presidente da Federagdo Brazileira, tenha comparecido ¢ ativamente participudo de regatas realizadas rnaquela cidade, pronunciadamente no ano de 1904. Maiores informagoes podem ser obtidas en: CRUZ, Emesto. Histiria do Club do Remo. Belém: Grafica Urapés, 1970. "6 Tpteressante notar como as publicagSes de remo comegam a publicar artigos sobre a educagio fisica. Por exemplo: DUPRAT, GL. A Edueacdo Physica sob 0 ponto de vista sociolégico. 4 Canoagem, Rio de Janeiro, ano 1. 0.13, p.6°8, setembro!1903, 151

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