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Do blog Jeocaz
No Brasil do século XX, a tortura foi praxe nos dois maiores períodos ditatoriais que o
país viveu, na época do Estado Novo (1937-1945) e do regime militar (1964-1985), sendo
institucionalizada neste último período, banalizando-se e revelando-se como um método
eficaz de garantir um Estado de ilegalidade.
Foi durante a ditadura militar que as maiores atrocidades foram cometidas contra os que
se opunham ao regime. Neste período os estudantes, os intelectuais, os engajados
políticos, foram as principais vítimas do sistema que contestavam. Em plena Guerra Fria,
a elite brasileira posicionou-se do lado dos Estados Unidos e da direita ideológica. Ser
comunista passou a ser terrorista. Combatê-los era, segundo a visão do regime, defender
a pátria de homens que comiam criancinhas, pregavam o ateísmo e destruíam as igrejas e
os conceitos familiares. No engodo de proteger o Brasil da ameaça comunista, instalou-
se uma ditadura, que para manter os princípios da caserna ortodoxa, calou, torturou e
matou sem o menor constrangimento, centenas de brasileiros.
A tortura durante o período do regime militar não livrou o Brasil dos militantes de
esquerda, tão pouco destituiu da mente das pessoas o direito à liberdade de expressão que
todos sonhavam. Se na sua propaganda o regime salvou o Brasil de terroristas comunistas,
nos seus porões ela garantiu a sobrevivência de 20 anos de um Estado ilegítimo, feito sob
a força bruta e o silêncio dos seus cidadãos.
Identificação dos Torturados
Para que se perceba os princípios que regeram a tortura na época do regime militar, é
preciso que se perceba também quem eram os torturados, ou os que se enquadravam nesse
perfil de sórdida arbitrariedade. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Europa e o
mundo foram divididos pelos aliados vencedores e por suas ideologias. Objetivamente,
Estados Unidos e União Soviética formaram duas forças antagônicas que ao encerrarem
uma guerra, construíram uma outra, a chamada Guerra Fria.
Uma vez estabelecida a ditadura militar no Brasil, em 1 de abril de 1964, era preciso
sustentá-la e legitimá-la. Apoiada logisticamente pelos EUA, baseando-se principalmente
nos princípios anticomunistas da Guerra Fria, será dentro da Escola Superior de Guerra
que se formulará os princípios da doutrina da segurança nacional, tendo como alvo o
combate à esquerda, à eliminação dos “inimigos internos”. Para que se estabeleçam tais
princípios, atos institucionais e leis repressivas dão legitimidade ao regime, e órgãos de
informação são criados para que possam vigiar, identificar e eliminar o inimigo.
Em 9 de abril de 1964 é editado o primeiro Ato Institucional, que passaria para a história
como AI-1, que legitimava o governo, estabelecendo 60 dias para que se acabasse o
regime de exceção. O AI-1 dava poderes ao regime militar para cassar mandatos,
suspendendo os direitos políticos por dez anos. João Goulart, Luiz Carlos Prestes,
Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e Leonel Brizola são os primeiros cassados. O
expurgo atingiu governadores, 50 deputados, 49 juízes, 1200 militares e 1400 civis.
Legitimada através de atos institucionais, ao mesmo tempo a ditadura criava órgãos para
vigiar e manter sob controle o pensamento em todos os setores da população. Sob as
perspectivas mencionadas, surgiu, em 13 de junho de 1964, o Serviço Nacional de
Informações (SNI), com a finalidade de coordenar por todo o território nacional as
atividades de informação e contra-informação, assegurando assim, os conceitos
estabelecidos pela doutrina da Segurança Nacional. Criado pelo general Golbery do
Couto e Silva, o SNI veio à tona com um acervo de três mil dossiês e cem mil fichas com
informações sobre as principais lideranças políticas, sindicais, estudantis e empresariais
do Brasil. O SNI espalhou os seus tentáculos por toda a parte, funcionando durante a
ditadura como uma polícia secreta comparável às SS de Hitler. Seus agentes infiltrados
acompanhavam os considerados subversivos, doutrinavam colaboradores, arrebanhando
voluntários por todas as partes, vigiando desde as igrejas aos meios de comunicação.
A partir do SNI, um eficiente mecanismo repressivo foi montado, com métodos eficazes
de vigilância e controle sobre o cotidiano dos brasileiros, obedecendo a uma hierarquia.
O SNI assessorava diretamente ao presidente do Brasil; os ministérios eram atendidos
pelas DSIs (Divisões de Segurança e Informação); sendo os ministérios civis, autarquias,
empresas e órgãos públicos atendidos pelas ASIs (Assessorias de Segurança e
Informações).
No governo de Castelo Branco o Exército quis criar o seu centro de informações, mas
com as restrições do presidente, o CIEX (Centro de Informações do Exército) só teve o
seu projeto implementado no governo Costa e Silva. O CIEX teria grande alcance
nacional, tornando-se um dos principais órgãos de tortura e repressão.
Em dezembro de 1968 Costa e Silva fechou o Congresso, o AI-5 foi decretado, dando
plenos poderes ao presidente e, entre outras coisas, abolindo o hábeas corpus aos presos
políticos, legalizando a tortura. Nos ventos do AI-5, foi promulgado em 1969 o AI-14,
que estabelecia a pena de morte, a prisão perpétua e o banimento do país dos que eram
considerados terroristas e atentavam contra a nova Lei de Segurança Nacional.
A tortura do regime militar instalou-se no Brasil desde o primeiro dia que foi dado o
golpe, em 1 de abril de 1964. A primeira vítima de tortura foi o líder camponês e
comunista Gregório Bezerra. No dia do golpe, o coronel Vilocq amarrou Gregório
Bezerra com cordas, ordenando que soldados o arrastasse pelas ruas de Recife,
humilhando-o com vitupérios verbais, espancando-o com uma vareta de ferro. O coronel
incitava o povo para ver o “enforcamento do comunista”. Diante do horror, religiosos
telefonaram para o general Justino Alves Bastos, que pressionado, impediu um martírio.
Gregório Bezerra levou coronhadas pelo corpo, além de ter os pés queimados com soda
cáustica. No dia do golpe, Recife foi um dos lugares que mais sofreu atrocidades dos
golpistas, tendo civis agredidos e mortos em passeatas que protestavam a favor da
democracia.
Um mês depois do golpe, presos políticos eram conduzidos para o navio Raul Soares,
rebocado do Rio de Janeiro até o estuário de Santos, litoral paulista. A prisão flutuante
era dividida em três calabouços, batizados com nomes de boates famosas da época: El
Moroco, salão metálico, sem ventilação, ao lado da caldeira, ali os prisioneiros eram
expostos a uma temperatura que passava dos 50 graus; Night in Day, uma pequena sala
onde os presos ficavam com água gelada pelos joelhos; Casablanca, lugar que se
despejava as fezes do navio. Os três calabouços eram usados para quebrar a resistência
dos presos. Sindicalistas e políticos da Baixada Santista passaram pela prisão flutuante
do Raul Soares, que foi desativada no dia 23 de outubro de 1964.
Mesmo diante de tantas evidências, o governo militar jamais admitiu que havia tortura no
Brasil, o presidente Castelo Branco chegou a negar publicamente a existência de
truculência em seu governo. Mas contrariamente às palavras do presidente, no dia 24 de
agosto de 1966, foi encontrado boiando no rio Jacuí, afluente do rio Guaíba, em Porto
Alegre, o corpo do sargento Manoel Raimundo Soares, já em estado de putrefação, com
as mãos amarradas para trás. O sargento fazia parte dos militares expurgados do exército
por causa do seu envolvimento com a militância política no governo João Goulart. O seu
corpo trazia marcas de tortura, causando grande comoção e revolta da população na
época. Este foi o primeiro caso de tortura e morte que causou grande repercussão, ficando
conhecido popularmente como o “caso das mãos atadas”. Os militares prometeram
investigar as circunstâncias da morte do sargento e punir culpados, mas arquivaram o
caso e jamais tiveram o trabalho de investigá-lo.
Quanto mais tempo durava o regime militar, mais pessoas faziam oposição às atrocidades
por ele cometidas. Estudantes, padres, intelectuais e vários setores da sociedade passaram
a contestar o regime. Aumentava a contestação, a resposta era a intensificação da tortura,
conseqüentemente, a sofisticação dos métodos ocasionava um grande número de mortos.
Pau-de-Arara – O preso era posto nu, abraçando os joelhos e com os pés e as mãos
amarradas. Uma barra de ferro era atravessada entre os punhos e os joelhos. Nesta posição
a vítima era pendurada entre dois cavaletes, ficando a alguns centímetros do chão. A
posição causava dores e atrozes no corpo. O preso ainda sofria choques elétricos,
pancadas e queimaduras com cigarro. Este método de tortura já existia na época da
escravidão, sendo utilizado em várias fases
sombrias da história do Brasil.
Cadeira do Dragão – Os presos eram sentados nus em uma cadeira elétrica, revestida de
zinco, ligada a terminais elétricos. Uma vez ligado, o zinco do aparelho transmitia
choques a todo o corpo do supliciado. Os torturadores complementavam o mecanismo
sinistro enfiando um balde de metal na cabeça da vítima, aplicando-lhe choques mais
intensos.
Balé no Pedregulho – O preso era posto nu e descalço em local com temperatura abaixo
de zero, sob um chuveiro gelado, tendo no piso pedregulhos com pontas agudas, que
perfuravam os pés da vítima. A tendência do torturado era pular sobre os pedregulhos,
como se dançasse, tentando aliviar a dor. Quando ele “bailava”, os torturadores usavam
da palmatória para ferir as partes mais sensíveis do seu corpo.
Telefone – Entre as várias formas de agressões que eram usadas, uma das mais cruéis era
o vulgarmente conhecido como “telefone”. Com as duas mãos em posição côncava, o
torturador, a um só tempo, aplicava um golpe violento nos ouvidos da vítima. O impacto
era tão violento, que rompia os tímpanos do torturado, fazendo-o perder a audição.
Soro da Verdade – Era injetado no preso pentotal sódico, uma droga que produz
sonolência e reduz as inibições. Sob os efeitos do “soro da verdade”, o preso contava
coisas que sóbrio não falaria. De efeito duvidoso, a droga pode matar.
Geladeira – O preso era posto nu em cela pequena e baixa, sendo impedidos de ficar de
pé. Os torturadores alternavam o sistema de refrigeração, que ia do frio extremo ao calor
exacerbado, enquanto alto-falantes emitiam sons irritantes. A tortura na “geladeira”
prolongava-se por vários dias, ficando ali o preso sem água ou comida.
Para que se desenvolvessem métodos tão sofisticados de tortura, praticados com grandes
requintes, era preciso que o governo militar desenvolvesse a propaganda do culpado, cada
torturado era culpado, era o temível comunista que assaltava bancos, o terrorista que
comia criancinhas, que ameaçava a família, assim, era criado o preconceito contra os
torturados, que eram culpados e merecedores de todos os suplícios que se lhe eram
impostos em uma sala de tortura.
Os recrutados para exercer a tortura eram indivíduos que recebiam favorecimentos dos
seus superiores, gratificações e reconhecimento de heróis, pois ajudavam a livrar o país
dos terroristas comunistas. Eram pessoas intimamente agressivas, com desvio de
personalidade, que legitimadas em seus atos sem limites, tornavam-se incapazes de ter
sentimentos por quem torturava.
Se por um lado a tortura coibia, causava medo e terror em quem se deixara apanhar e,
principalmente, em quem ainda estava livre, militando na clandestinidade, por outro lado
ela causava um grande problema, como esconder os torturados mortos. O que fazer com
os corpos, uma vez que o regime militar negava veementemente a existência da tortura
nos seus calabouços?
Para resolver o problema dos torturados mortos, médicos legistas passaram a fornecer
laudos falsos, que escondiam as marcas da tortura, justificando a morte da vítima como
sendo de causas naturais. Muitos dos mortos pela repressão tinham no laudo médico o
suicídio como a causa mais comum, vários foram os “suicidas” da ditadura. Outras causas
que ocultavam a tortura nos laudos eram a dissimulação de atropelamentos, acidentes
automobilísticos ou que tinham sido mortos em tiroteios com a polícia, jamais eram
reveladas as torturas.
Muitos legistas chegavam a apresentar laudos de torturados mortos como se desfrutassem
da mais perfeita saúde. Quando não se podia ocultar as evidências da tortura, muitos
cadáveres eram enterrados como anônimos, sem que os familiares jamais soubessem o
que aconteceu aos corpos dos seus mortos. As valas clandestinas dos mortos da ditadura
ocultavam dos familiares a marca das torturas neles praticadas. Entre os médicos legistas
que assinaram laudos falsos para encobrir a tortura, tornaram-se notórios Harry Shibata,
Isaac Abramovitch e Paulo Augusto Queiroz Rocha.
Mas nem sempre os falsos laudos conseguiram esconder a tortura. Em novembro de 1969,
Chael Charles Schreier, militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-
Palmares), foi preso, torturado e morto. O seu corpo foi enviado para um hospital,
portanto ele já estava morto quando lá deu entrada. No relatório do exército,
Outro laudo falso, assinado por Harry Shibata, foi o que dizia que a causa da morte do
jornalista Vladimir Herzog, ocorrida nos porões da ditadura, em 1975, tinha sido suicídio.
Desmascarada a farsa, o assassínio de Herzog por tortura teve grande repercussão,
fazendo com que o então presidente, general Ernesto Geisel, admitisse que havia tortura
nos porões da ditadura, iniciando um processo para desmantelar a máquina científica da
institucionalização de tão vergonhosa e sanguinária prática. Também o caso da morte do
operário Manoel Fiel Filho alcançou repercussão nacional, provando que a ditadura
torturava e matava os seus opositores.
Além dos mortos e desaparecidos (também mortos, mas jamais tendo sido encontrados
os seus corpos), a tortura deixou danos indeléveis aos que sobreviveram a ela, levando
alguns ao suicídio, como aconteceu ao dominicano Frei Tito de Alencar Lima. Os que
sobreviviam à tortura, eram permanentemente ameaçadas e vigiadas pelo regime
opressivo. Até hoje, os torturados têm dificuldade na sua maioria, em falar dos horrores
que sofreram nos porões da ditadura.
Os que ousaram a contestar a ditadura eram na sua maioria, jovens idealistas, muitos
politizados e engajados, outros em processo de politização, que se atiravam aos ideais,
dispostos até mesmo a morrer por eles. A maioria dos torturados que morreram eram
jovens.
Mortos e Desaparecidos
Uma lista oficial dos mortos e desaparecidos no período da ditadura militar (1964-1985),
foi divulgada pelo Grupo Tortura Nunca Mais. São considerados desaparecidos casos que
se tem dados da tortura cometida contra o militante e da sua eventual morte, mas que o
seu corpo jamais foi encontrado ou identificado. Entre os casos está o do Stuart Edgard
Angel Jones, que apesar das evidências do seu assassínio, é oficialmente um
desaparecido, uma vez que não apareceu um cadáver para oficializar a sua morte. Os
mortos foram divididos na lista como militantes políticos e outros, é o caso de Zuleika
Angel Jones, mãe de Stuart, cuja morte jamais foi esclarecida. Segue a lista dos mortos e
desaparecidos da ditadura militar. Esta lista pode ser encontrada no site do Grupo Tortura
Nunca Mais, onde a ficha de cada morto ou desaparecido é divulgada, podendo ser
pesquisada.
Mortes Oficiais:
1964
Albertino José de Oliveira
Alfeu de Alcântara Monteiro
Ari de Oliveira Mendes Cunha
Astrogildo Pascoal Vianna
Bernardinho Saraiva
Carlos Schirmer
Dilermando Mello do Nascimento
Edu Barreto Leite
Ivan Rocha Aguiar
Jonas José Albuquerque Barros
José de Sousa
Labib Elias Abduch
Manuel Alves de Oliveira
1965
1966
José Sabino
Manoel Raimundo Soares
1967
1968
1969
1970
1975
Ângelo Arroyo
João Baptista Franco Drummond
João Fosco Penito Burnier (Padre)
Manoel Fiel Filho
Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar
1977
1979
1980
1983
Outras Mortes:
Mortes no Exílio:
Desaparecidos no Brasil:
Argentina
Bolívia
Chile
Jane Vanini
Luiz Carlos Almeida
Nelson de Souza Kohl
Túlio Roberto Cardoso Quintiliano
Wânio José de Matos
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