Nesse capítulo do qual estudamos, a autora busca investigar o Rio de
Janeiro como um espelho da cultura ocidental moderna e Porto Alegre como
uma cidade em contraste identitário. A ideia do “mito de Paris”, como referência e incentiva as transformações urbanísticas da mesma. Ao longo do século XIX, o Brasil passará por algumas mudanças no âmbito político, econômico e social. De uma monarquia, passará para um regime republicano. As cidades com perfis de cidade colonial brasileira começariam a ser substituídos, no século XIX, pela proposta europeia de metrópole moderna, de uma cidade ideal. Sendo assim, a remodelagem da cidade do Rio de Janeiro atenderia os anseios de apresentar esse centro urbano como o cartão postal de um país que aspirava ser civilizada, essa imagem, porém, não agradava a todos, principalmente os literatos da época. O autor nos leva a compreender que a cidade é o espaço que se situa acima do bem e do mal, amoral e relativa. A cidade é sempre um desafio, portanto, ela deve ser analisada a partir daquilo que ela representa para cada indivíduo. Vendo o desenvolvimento da capital do país, outros lugares do Brasil, como Porto Alegre, começaram a se espelhar no Rio de Janeiro. As visões do desenvolvimento da capital gaúcha vão oscilar entre o viver moderno/urbano, agitado pelo crescimento acelerado de sua população e no oposto, mais visível, a vida simples de campo. Assim, Porto Alegre fica em um dilema: seguir o progresso proposto pelas referências transmitidas por Paris e pelo Rio de Janeiro para assim se configurar enquanto metrópole ou preservar as tradições e os hábitos rurais. Através do olhar literário que também se expandia sobre o urbano dessa cidade, podemos perceber o confronto dessas imagens do passado com as do presente. O olhar se volta para o positivo do rural voltado para o passado, num trabalho de recuperar, pelo imaginário, um tempo e um espaço preciso. Assim, a visão que se tem da cidade supracitada é bipolar. Embora o Brasil ter sido um país independente, ele ainda necessitava de uma identidade nacional e viram como fonte de referência a Europa, onde era o centro cultural do mundo. O Rio de Janeiro busca inspiração na cultura brasileira de raiz, como os contos e crenças indígenas, no folclore, etc e tenta se adequar aos padrões de modernidade que a Europa mostrava. O Rio de Janeiro vem como uma forma de ser uma “vitrine” do país, em todos os aspectos, literatura, música, moda, etc. Na arquitetura vemos a desconstrução das construções coloniais de caráter barroco e a construção dos “boulevards”, que são grandes avenidas que eram comuns na Europa. A ideia de transmitir a imagem de um Brasil em progresso era a principal preocupação dessa época. A autora trata a imagem da “moderna” Rio De Janeiro como o espelho dos referenciais europeus de beleza urbana, essa intenção da construção de um imaginário de “progresso” por meio das reformas urbanas está presente na maioria das cidades brasileiras. O Imaginário urbano passa a ser objeto de estudo da História cultural essa área da História amplia o espectro das fontes de forma espetacular, com ênfase nas múltiplas cidades dentro da mesma cidade, Sandra Jathaí Pesavento, autora de maior renome nesta temática, demonstra como a literatura evidencia as outras cidades.
A literatura de Lima Barreto é o guia desse outro Brasil, na obra Os
Bruzundangas, Barreto narra um país fictício chamado Bruzundanga. O país, assim como vários países reais, está impregnado de corrupção, nepotismo, injustiça e crueldade. Através do escárnio e da zombaria, Lima Barreto, critica as relações de interesse, os privilégios da nobreza e das oligarquias rurais, a desigualdade, as transações ilícitas, o uso de propina e tantas outras mazelas que castigam e exaurem uma nação.
Pesavento transforma a literatura em indício, afinal se a literatura é uma
representação, uma teatralização do “real” qual a distância da literatura das reformas urbanas? Sendo que as cidades, ou os locais de poder da cidade, são construídos com intenções similares, buscando “teatralizar” representar uma ideia, seja ela uma ideia de “progresso” ou “modernidade” até mesmo uma ideia de “beleza”. Essa percepção aflora nossos olhos para a penumbra das intencionalidades, a cidade é palco, palco de muitos atores.
Desta forma a literatura torna se fonte rica para enxergar atores
suprimidos pela representação do moderno, na literatura a penumbra das intencionalidades torna se talvez mais evidente, lógico o historiador não deve se resumir a um crítico literário, não que essa função seja menor, mas a dimensão histórica vai além do texto escrito. O historiador cultural do urbano deve cruzar olhares. A problemática dos olhares é importantíssimo para as percepções das “cidades dentro das cidades”, Lima Barreto, Machado de Assis e tantos outros conferem olhares minuciosos, Machado narra um cotidiano tão perfeitamente que parece um crime não usar o seu olhar como critica a teatralização das cidades ditas “modernas”.
Lima Barreto Ataca e critica os governantes e políticos (chamados de
mandachuvas), o processo democrático, considerado tão corrupto quanto os antigos governos, a cultura, a literatura, os falsos intelectuais, o exército e a política internacional. Essa acida critica ao moderno ao novo sempre igual é um ataque a essa imagem do “novo” Rio de janeiro, nesse sentido as reformas maquiam a cidade que Lima Barreto vem a enxergar.
Em outro espectro está à apropriação dos imaginários, Rio de janeiro se
apropria dos ideais parisienses e por ser uma apropriação o resultado é sempre um “outro”, afinal as particularidades não podem ser tão facilmente apagadas, e quando aparentarem não existirem, o olhar historiográfico ilumina novas percepções e perspectivas.
O sanitárismo é um artificio que “os modernos” usaram para apagar o
velho e colocar o novo, mas representar a cidade como limpa e higiênica impõe aos moradores uma prática não cotidiana, a velocidade da imposição do novo é diferente da velocidade da mudança das práticas.
O texto mostra essa disputa entre progresso e tradição, mas iremos
ampliar essa percepção para captarmos esse processo de limpeza social existente nas cidades brasileiras, junto com a limpeza social vem a solidificação da memória social, sempre referente à relação presente-passado- presente, em outras palavras ”um passado para justificar um futuro”.
O processo de construção de memória perpassa por monumentalizar
lugares de memória, fatos elegidos pelos construtores dessa nova memória, bem como os nomes dos personagens deste novo grupo, usando esse “grandes nomes” para batizar praças, avenidas, locais de poder, etc.
Construindo assim uma memória urbana, uma identidade local. Não
precisamos ir longe para, nos ver inseridos nessa realidade, nossas identidades seja ela nordestina, baiana, ilheense ou Grapiúna são resultados dessas disputas de memorias de imaginários de práticas. As cidades são resultados de diferentes olhares, de diferentes desejos, cada um idealizando e praticando seu ideal, quando um ideal de urbano é colocado outros são suprimidos, restando fragmentos, assim podemos exemplificar, retornando aos literatos já citados, O cortiço e a Bruzundanga
Ilhéus e Itabuna não se distanciam da realidade demonstrada no texto,
ilhéus se apropria do imaginário construído por Jorge Amado, selecionando e silenciando obras críticas, se sustentando na questão do cacau, explorando no turismo diversas identidades, A “baianidade” a “terra do cacau”, “o litoral”. Nunca é interesse dos grupos evidenciar o adensamento urbano desordenado, a má distribuição de renda, e obviamente não seria esses grupos guiam os olhares para o seu “real”.
Nesse sentido entendemos o real como solidificação de olhares em
detrimento de outros, assim Itabuna é vista como cidade polo de comércio e serviços lugar onde trabalhadores livres fazem riqueza, pelo seu próprio suor, inclusive é o lema da cidade Merces Laborum Suorum “A recompensa de seus trabalhos".
Esses imaginários construídos conflitam com as realidades praticadas,
se Itabuna tem como imaginário “a recompensa de seus trabalhos” nas praticas cotidianas ela é vista como uma cidade violenta, nesse ponto o trabalho do historiador se insere, cabe a nossa profissão cruzar olhares, questionar representações, imaginários, se é uma cidade violenta, o que sustenta isso? Como se tornou assim? Violenta em que medida? E para quem?
Assim o texto além de demonstrar à construção da cidade do Rio de
Janeiro a autora versa sobre múltiplos olhares dessa cidade e como as cidades são palcos de disputa, seja de memória de imaginários ou de identidades sociais, com essa analise percebemos as multiplicidades de uma cidade, feita de muitos “eus”, de muitos conflitos de muitas sobreposições, nas palavras de pesavento “A cidade é objeto da produção de imagens e discursos que se colocam no lugar da materialidade e do social e os representam”. Assim, a cidade é um fenômeno que se revela pela percepção dados pelo viver urbano e também pela expressão de utopias, de esperanças, de desejos e medos, individuais e coletivos, que esse habitar em proximidade propicia’.
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras,
1990.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades
imaginárias. Rev. Bras. Hist., São Paulo , v. 27, n. 53, p. 11- 23, June 2007. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 01882007000100002&lng=en&nrm=iso>. access on 05 July 2018. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882007000100002.
PROSPERO, Carolina. Lima Barreto esculacha o Brasil em “Os
Bruzundangas” site: Homo Literatus link HTTPS://homoliteratus.com/lima- barreto-esculacha-o-brasil-em-os-bruzundangas acesso 04/07/2018