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The House of the Rising Sun [Phobos ou os órfãos de amor]

Bruno Schiappa

Lídia Muñoz, Isabel Guerreiro, Guilherme Barroso, Maria Curado Ribeiro e


Diogo Tavares © Sofia Marques Ferreira

Phobos ou os órfãos do amor, de Diogo Tavares; Co-criação de Alexandre Tavares e


Sylvie Rocha; Interpretação: Diogo Tavares, Guilherme Barroso, Isabel Guerreiro, Lídia
Muñoz e Maria Curado Ribeiro; Música original: Manuel Rubio; Design Gráfico: Tiago
Silva; Exposição Fotográfica: Fernando Lopes; Vídeo Instalação Timeless: Sofia
Marques Ferreira; Apoio à produção: Daniela Cardoso e Henrique Costa e Santos

Quartel de Santa Bárbara, 6 de maio de 2018


A parceria entre Alexandre Tavares e Sylvie Rocha na exploração de um cruzamento de
linguagens cénicas resulta numa proposta mais arriscada em Phobos. Arriscada porque,
o dilema referencial constitui o tecido da receção. Apesar de, imediatamente, nos
remeter para uma situação de medo (fobia, do grego phobos), o texto de Diogo Tavares
é, felizmente, permeável a várias leituras. Essa condição permite que os encenadores
instalem a sua imagética sem prejuízo da leitura e das sensações de cada espectador.
O espetáculo apresenta uma casa na qual uma mulher, designada como Tutora (Lídia
Muñoz) recebe regularmente órfãos que procuram um espaço onde possam sentir o
amor, o carinho e a integração de que são desprovidos. No entanto, essa mesma Tutora
tem como objetivo principal a encenação da morte sucessiva de cada um. A essa
encenação que remete para os chamados snuff movies, a mulher intitula O Meu Anjo
Vermelho, numa alusão aos serafins – os anjos de seis asas que estão mais próximos de
Deus e cuja etimologia é “queimar” ou “incendiar”. Mas a perversidade da Tutora vai
mais longe. Cabe, a cada um dos órfãos ir matando um ou outro consoante o limite de
opressão que cada um consegue suportar. Quando uma encenação termina com sucesso,
um novo órfão integra o grupo sobrevivente, sem saber que o espera um período de
privação de alimentos e de constante desestabilização que o levará ao desespero.
Esta recorrência ionesquiana torna o espetáculo inquietante o suficiente para nos
conduzir numa viagem Grand Guignol.
O espaço descoberto pela dupla co-criadora é, per se, um cenário adequado, eficaz e
aproveitado por Sylvie e Alexandre de modo magnífico e fantástico. O casarão – outrora
um quartel da GNR – impõe-se logo na entrada como se estivéssemos perante um
cenário de um filme de horror. Esta sensação é ampliada pelo facto de a noite já estar
instalada. Numa primeira ala do casarão, um conjunto de belíssimas fotografias de cena,
a preto e branco, da autoria de Fernando Lopes, não desvenda a fábula mas provoca
uma estranha nostalgia dos “nossos mortos”. A partir daí somos então conduzidos pelo
pátio até uma outra entrada para o casarão. A receção é feita pela Tutora, numa
composição certeira de Lídia Muñoz, que nos conduz então por uma escadaria. No vão
dessa escada temos a primeira visão holocáustica: uma mulher (Isabel Guerreiro numa
fisicalidade atlética e violenta) está presa como se fosse um cão feroz prestes a atacar
para sobreviver. A Tutora, impávida na sua posição de poder, prossegue a subida.
Chegamos então a uma sala enorme, repleta de objetos antigos. As cadeiras e sofás
onde, por indicação de Guilherme Barroso, nos sentamos, estão numa disposição de
arena: Percebemos que vamos ver o espetáculo per angolo porque a distribuição dos
assentos não permite nenhuma perspetiva centrale. Guilherme Barroso, numa dança
com movimentos sinuosos que nos encanta como uma serpente, prossegue na
distribuição dos espectadores pelo espaço. Diogo Tavares está sentado numa cadeira de
rodas figurando um paraplégico. Maria Curado Ribeiro interrompe a música mas
Guilherme retoma – ainda não está tudo pronto. Calça umas luvas de latex e começa
então uma “viagem” dadaística: as personagens ensaiam cenas interrompidas
sucessivamente. A luz vai abaixo várias vezes. Enquanto os ensaios não estiverem num
ponto de perfeição os órfãos não comem. A fome é cada vez mais intensa. Os rasgos
violentos dos comportamentos de Serpa (Guilherme Barroso), Franco (Diogo Tavares),
Neves (Maria Curado Ribeiro) e Piedade (Isabel Guerreiro) são desativados pela
“visita” inesperada da Tutora (Lídia Muñoz) que, numa candura paradoxalmente
ameaçadora interrompe os ensaios quando ouve sons que denunciam a agressividade
instalada entre os órfãos. Entre um humor cáustico arrabaldiano, e declarações
disruptivas, a cena evolui até à morte “acidental” de Franco. A Tutora está enfim
satisfeita com a sua encenação e coloca a sua “joia da coroa” – o sangue na veste branca
do seu serafim. Os órfãos vão poder finalmente comer. Mas antes têm que solucionar o
facto de haver um elemento a menos, para que o grupo possa continuar a servir os seus
desejos deíticos. Os órfãos escolhem um espectador para substituir Franco. Já podem
comer.
Para além do excelente aproveitamento do espaço, Rocha e Tavares apresentam uma
convivência entre cena e movimento numa simbiose perfeita sem que a articulação entre
as duas se note, i.e., a ligação resulta subtil e maviosa. Toda a encenação é orgânica,
sem devaneios nem efeitos superficiais. A dupla co-criadora usufrui (e permite-nos
usufruir) das características e talentos dos atores mostrando uma direção profunda e
direcionada de modo excelente. É desse modo que temos acesso a: uma Tutora que
Lídia Muñoz compõe com grande graciosidade, sem qualquer esforço, imprimindo-lhe
as características associáveis às beatitudes de quem considera que o mal que faz é pelo
bem; uma Piedade que Isabel Guerreiro defende com a sua certeira visão do que está em
jogo nas questões da sobrevivência, para além da sua capacidade física de rapidamente
reagir aos estímulos certos para cada momento; um Franco que não queremos ver ser
representado por mais ninguém a não ser pelo camaleónico Diogo Tavares; um Serpa
que Guilherme Barroso – surpreendente – conduz com um tato e uma ternura que ainda
não nos tinha mostrado em outros papéis, e que, para além da sua presença elegante,
imprime ainda todas as oscilações psicológicas que a personagem deve ter; uma Neves
que – tenho que fazer uma ressalva porque não conhecia de todo o trabalho dela – Maria
Curado Ribeiro eleva ao estatuto de personagem de antologia, tal a versatilidade com
que trata cada momento e cada cena.
Apesar de o cenário ser realista, não é excessivo, e todos os adereços fazem sentido
ganhando um valor semiótico bem direcionado. A música de Manuel Rubio completa o
tom inquietante e imprime muito bem a sensação necessária de suspense.
Regressando ao ponto de partida deste artigo, o que é manifestamente superior neste
espetáculo é a questão do dilema referencial. Independentemente das razões
dramatúrgicas de Diogo Tavares, Alexandre Tavares e Sylvie Rocha, a minha
subjetividade é aceite e isso é o mais valioso. Eu recebo este espetáculo como uma
parábola do ofício de um determinado tipo de teatro. Aquele em que os encenadores são
ditadores e não tratam os atores como pessoas mas como marionetas ou animais
escorraçáveis – se os houver – e onde os próprios atores acabam por ser os maiores
inimigos uns dos outros, exatamente por haver uma opressão em vez de direção.
Acredito que, felizmente, esse teatro está em extinção. Mas existiu e muitos atores
sobreviveram a ele. Infelizmente, outros não. Acredito que, se há coisa que os atores
mais querem, tal como todas as pessoas e todas as personagens, é serem amados. Mas
muitas vezes entravam em zonas de pecado e miséria, tal como se entrava na The House
of the Rising Sun.

Bruno Schiappa

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