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VIII Colóquio Marx Engels

NARRATIVA DE ARTE E LUTA NAS RUAS DO BRASIL


A formação da Rede Brasileia de Teatro de Rua

Luiz C. Checchia
(pós-graduando no programa Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades, da FFLCH/USP)
Comunicação para o GT 9 - Cultura, capitalismo e socialismo

INTRODUÇÃO
O presente ensaio debruça-se sobre a específica questão: como o desenrolar político recente levou à
formação da Rede Brasileira de Teatro de Rua, a RBTR, levando-a a assumir o papel de coletivo
teatral nacional com o posicionamento de esquerda mais radical dentre os demais, tornando-se,
assim, o principal espaço real de debate entre fazedores de teatro e seus simpatizantes por meio da
construção de um discurso político coerente com seus posicionamentos, a ponto de acolher artistas
de outras modalidades teatrais que carecem de espaços de debate político.

1. UMA QUESTÃO TEÓRICA


Duas compreensões são necessárias para que possamos prosseguir nesse pequeno ensaio: a primeira
é definirmos o que significa teatro de rua e qual sua relação com o chamado teatro de grupo. Por
outro lado, este ensaio baseia-se em determinadas categorias de análise definidas pelo sociólogo
britânico Raymond Williams, sem as quais este ensaio tornar-se-ia tão somente uma exposição
superficial do desenvolvimento do teatro de rua organizado no Brasil.

1.1 O teatro de grupo, uma definição pertinente


A análise do fenômeno teatral pode ser realizada por diferentes “recortes”, tais como os aspectos
estéticos, históricos, técnicos entre outros; dentre tais possibilidades analisaremos os processos de
produção para compreender o significado de teatro de grupo. Por processos de produção
entendemos, por um lado, o conjunto formado pelas relações de trabalho, objetivos de produção,
formas de relação com o público teatral em particular e com a sociedade como um todo; por outro
lado, os processos de produção envolvem também o conjunto de manifestações artísticas realizadas,
que podemos definir como estética do grupo. Isso posto, identificamos que há na realidade
brasileira dois modelos de produção principais: o teatro comercial e o teatro de grupo; ao primeiro a
prática teatral importa enquanto valor de troca: um espetáculo teatral é tão somente uma mercadoria
como qualquer outra, com seus métodos de exploração do trabalho, extração de mais-valor, geração

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de lucro etc. Ao teatro de grupo, por sua vez, importa o valor de uso, portanto, o teatro não como
mercadoria mas como criação plena, trabalho vivo, em termos lefebvrianos: teatro como obra, neste
sentido, a montagem teatral estabelece uma relação com a sociedade não como mercadoria,
portanto, como objeto de consumo, mas como manifestação simbólica das relações e das
contradições da sua sociedade, ou seja, como elemento social fundamental. Assim, uma das
principais características do teatro de grupo é trazer para a cena os conflitos instalados no seio das
sociedades, não expondo-os como anomalias sociais, como postula o pensamento hegemônico, mas
como constituintes das relações societárias classistas, patriarcais e racistas, por isso, é comum que
as montagens teatrais realizadas por coletivos de teatro de grupo terem como temas a luta entre o
trabalho e o capital, a condição das mulheres, negros, índios, campesinos e da comunidade GLBTT,
enfim, as lutas da classe trabalhadora e dos seus segmentos chamados de minoritários, ou seja,
todos que não são burgueses, homens e brancos. Para isso, diferentemente das relações de trabalho
comuns aos empreendimentos comerciais do teatro-mercadoria, que normalmente duram apenas o
período de contrato entre a empresa produtora e o conjunto de artistas e técnicos e técnicas
envolvidos, o teatro de grupo se realiza, sobretudo, pela organização de grupos fixos, cujo principal
princípio é a manutenção do trabalho coletivo permanente, baseado em pesquisas estéticas e
técnicas continuadas, e, o que não é incomum, organizados em amplas associações, sejam formais
(sindicatos e cooperativas), ou informais (coletivos e movimentos), reunindo grupos e artistas
interessados na luta política e econômica.
Dentre o movimento de teatro de grupo, destacam-se artistas e grupos de uma forma teatral
específica: o teatro de rua. Embora o teatro de rua brasileiro contemporâneo seja majoritariamente
formado por grupos de teatro – portanto com as mesmas demandas de seus parceiros de teatro de
espaços fechados, outras demandas específicas fazem parte de seus universo. A começar pela total
falta de possibilidades de sobrevivência via venda de ingressos, já que é totalmente impossível fazê-
la em espaço aberto; o debate sobre as transformações objetivas e subjetivas que as ruas – e as
cidades em geral – têm sofrido na contemporaneidade: antes espaço social, de encontro, de relações
entre as pessoas que formam o público, as ruas tornaram-se espaço cujo principal finalidade é a
circulação e a troca de mercadorias, colocando, assim, o teatro de rua em um novo ambiente, agora
hostil e quase que inapropriado à sua realização. Neste sentido, a prática do teatro de rua torna-se,
também, um exercício e uma luta pelo chamado direito à cidade, um embate no campo do
simbólico, da questão do que significa, na atual sociedade de consumo, o espaço público.

1.2 O teatro de grupo/rua como formação emergente


Parece-nos claro que o teatro de rua é uma formação no sentido que Raymond Williams (1979,

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p.122) atribui ao termo, ou seja, para ele, formações “são mais identificáveis como movimento e
tendências (…) que em geral podem ser percebidas com facilidade, de acordo com suas produções
formativas.”; importa não confundirmos aqui movimento enquanto formação e movimento
social/cultural, no sentido de agrupamento político de pessoas e organizações. Movimento aqui
significa corrente artística, tendência estética, arcabouço formal de criação artística compartilhado
por um grupo de artistas. Percebemos que o teatro de grupo, e sobretudo o de rua apresentam-se
hoje como uma tendência política e estética com procedimentos específicos, teia de relações
políticas e estéticas, linguagem e identidade próprias, ainda que não deixem de ser teatro. Portanto,
tendências dentro da prática da forma artística teatro. Devemos considerar, ainda, que essa
tendência, ou tendências, carregam em si uma relação dialética entre elementos residuais e
emergentes, tendo residual como aquilo que
por definição, foi efetivamente formado no passado, mas ainda está no processo
cultural, não só como um elemento do passado, mas como um elemento ativo no
presente. (WILLIAMS, 1979, p.125)

Sendo uma das modalidades mais antigas, senão a mais, da prática teatral, o teatro de rua, por
lógica, é em si um todo residual. Já o teatro de grupo, por sua vez, embora tenha hoje feições
contemporâneas, também carrega em si subsumida antigas organizações coletivas, que remontam,
por exemplo, as trupes medievais. Por outro lado, as urgências do tempo presente forçam, dentro
dessas formações, novas maneiras de organização, de relações econômicas e políticas e, sobretudo,
estéticas, que reconfiguram o próprio fazer teatral como um todo. Formações emergentes, quase que
por natureza em oposição ao é hegemônico, dominante, e que, justamente por isso, ainda em
processo.
como apontaremos a seguir, o movimento teatral em particular – e muito dos movimentos
culturais em geral –, mantiveram estreita relação política e organizativa com o Partido dos
Trabalhadores, desde sua fundação. Reconheciam nele o ente que organizava os diversos setores (ou
setoriais) da sociedade civil, no sentido de estabelecer as devidas pontes entre eles no sentido de
construção de uma plataforma política, um programa político, unificado e de consenso. Todavia, tais
pontes foram implodidas pelo partido quanto assume o Governo Federal. Neste sentido, acreditamos
que o vazio ideológico e organizacional vivido pela esquerda provoca ainda uma situação de
elementos em suspensão, ainda não se constituíram as figuras semânticas que possam dar identidade
e organização à esquerda, ainda fragmentada e sem conseguir um discursos coerente e unificador.
Acreditamos que desta estrutura de sentimentos emergem diversos elementos – que potencialmente
podem constituir as figuras semânticas que possam constitui as instituições e formações desse

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tempo histórico – tais como os movimentos sociais e culturais organizados sem mais um partido
que estabeleça as pontes entre eles.

2. A Chegada de Lula ao poder e o rompimento com parte dos setores da esquerda


A chegada de Luís Inácio Lula da Silva ao governo brasileiro marca uma ruptura e uma
continuidade: por um lado há um radical realinhamento das forças politicas, realinhamento
integrante de um projeto politico e econômico responsável pelas mais significativas mudanças
sociais ocorridas até então no Brasil, desde a redemocratização; por outro lado, para operar tais
mudanças, o governo Lula estabeleceu aproximações e acordos com políticos e partidos políticos
até então tidos não apenas como adversários na políticas, mas como verdadeiros inimigos de classe,
constituindo o processo chamado de pacto conservador pelo cientista social André Singer. Esse
pacto, justificado pelos dirigentes do Partido dos Trabalhadores, como condição necessária para
garantir a chamada "governabilidade" provocou profundas críticas nos setores sociais posicionados
mais a esquerda e que eram apoiadores ou mesmo filiados ao partido, chegando ao ponto de, no
segundo mandato de Dilma Rousseff, não poder contar sequer com o apoio tático deles. Dentre tais
setores a esquerda que se afastam do governo petista estão os movimentos sociais cujos objetivos de
luta são a arte e a cultura e que serão tratados, genericamente, por movimentos culturais.

O afastamento de tais setores significou – e ainda significa, posto que se trata de processo em
andamento –, também um realinhamento, sobretudo, nos movimentos e entidades de classes, como
sindicatos, suas centrais e associações. É no bojo desses realinhamentos que os movimentos
culturais em geral e os ligados ao teatro em particular, constroem uma nova crítica e, com ela, uma
nova prática – e por que não, como veremos, uma nova reorientação poética e estética. Essa nova
condição, que entendemos constituir uma nova estrutura de sentimentos1, como denominou, o
sociólogo marxista Raymond Williams, é marcada por novas contradições ainda não superadas
pelos movimentos. Essa estrutura de sentimentos atingiu, de certa forma, quase que a totalidade dos
partidos, sindicatos e movimentos de esquerda: enquanto desmoronava a identificação entre o
Partido dos Trabalhadores junto a militantes e entidades, nenhuma outra representação conseguia
aglutinar ao seu redor essa massa de pessoas, ou seja, a esquerda quedava dispersa e fragmentada;
nesse cenário, antigas organizações buscar rever suas participações nas lutas populares, enquanto
outras surgem no bojo dessas mudanças. É esse processo histórico em que surge, em março de
2007, a Rede Brasileira de Teatro de Rua, a RBTR, em encontro realizado na cidade de Salvador,
1 “As estruturas de sentimentos podem ser definidas como experiências sociais em solução, distintas de outras
formações semânticas sociais que foram precipitadas e existem de forma mais evidente e imediata. (…) mas essas
solução específica não é nunca um mero fluxo. ” (WILLIAMS,1979,p.136)

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BA, com a presença de articuladores de nove estados: Bahia, Pernambuco, Maranhão, Ceará, Rio
Grande do Norte, Roraima, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. A organização surge a partir
de demandas comuns que já estavam postas em diferentes estados e regiões do Brasil: é preciso
frisar que Estados como Acre, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais já contavam com
coletivos de teatro de rua, especificamente, ou de teatro de grupo com grande participação de
grupos que tinham a rua como palco principal. Assim, o encontro realizado em Salvador foi o ponto
culminante de um processo de organização entre organizações que buscavam uma forma de
fortalecimento político. Desde então a RBTR tem realizado dois encontros anuais, redigindo e
tornando pública, em cada um deles, uma carta que expõe os posicionamentos tomados na ocasião,
bem como apresentando um conjunto de demandas.
O intercâmbio político e estético promovido pela RBTR é composto por ações de integração,
debates, formação política, formação estética e circulação de espetáculos; dentre tais ações,
destacamos: A formação e a constante intensificação de um circuito de mostras de teatro de rua pelo
Brasil, cada qual realizado por um grupo e contando, rotineiramente, com a solidariedade de outros
grupos, delas destacamos a Feira de Teatro de Rua de Sorocaba, realizada pelo grupo Nativos Terra
Rasgada, a Mostra Cena Vermelha de Teatro de Rua de Osasco, sob a organização da Cia Teatro dos
Ventos; a Mostra Lino Rojas de Teatro de Rua, na cidade de São Paulo, produzida pelo Movimento
de Teatro de Rua de São Paulo; A Mostra de Teatro de Rua de Santos, sob realização da Trupo Olho
da Rua; o Festival Amazônia Em Cena, pelo Grupo O Imaginário, de Rondônia, dentre muitos
outros. Acreditamos ser digno de destaque também o aumento do número de publicações realizadas
pelos próprios grupos: apenas como exemplo, lembramos que durante o pré-encontro estadual do
Movimento de Teatro de Rua de São Paulo, foram lançados O Caderno do Grupo Parlendas, Buraco
d'Oráculo, Grupo Pavanelli de Circo e Teatro de Rua, com Análises e o texto completo da peça A
Cobra Vai Fumar, do Teatro Popular União e Olho Vivo; o incremento de um circuito de encontros e
seminários regionais e estaduais, nos quais tem sido possível ampliar tanto o debate e o
desenvolvimento estético quanto a percepção e a participação política, destacando-se entre eles os
seminários anuais de dramaturgia de rua, sob responsabilidade do Grupo Pavanelli e do Centro de
Pesquisa Para o Teatro de Rua Rubens Brito. Por fim, é preciso destaca a entrada do movimento de
teatro de rua no universo acadêmico, seja por meio do aumento de pesquisas de pós-graduação, seja
por meio de publicações cujo objetivo é a análise sobre o teatro de grupo em geral e o teatro de rua
em particular, como o periódico Rebento, atualmente publicado pelo Instituto de Artes da UNESP.
Pelo exposto, é possível observar a organização de um segmento da classe trabalhadora em
coletivos e movimentos articulados – em maior ou menor grau de acordo com a região e o grau de
politização de seus participantes – ainda em processo de capilarização, conquistando cada vez

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novos participantes.

4. UMA LUTA MAIOR QUE A ARTE


Um ponto de maior importância do exposto é que os artistas congregados à RBTR não fazem
do debate sobre reformas das políticas públicas para a cultura a centralidade de sua existência.
Embora lutem por melhorias onde possível, as conquistas pontuais não são a totalidade de suas
demandas. Ao contrário disso, as cartas da RBTR apontam cada vez mais para a radicalidade do
discurso político de esquerda: não se trata mais apenas de lutar por políticas que atendam as
demandas de artistas. Trata-se de um posicionamento que transcende as questões apenas do tempo
presente, e foca o horizonte de uma outra realidade. Muitos artistas de rua afirmam que sua arte não
se encaixa no tempo presente, no tempo histórico do capital, por isso, aproximam-se de um discurso
e de uma prática transformadora, carregando para seus trabalhos, esse posicionamento. Neste
sentido, destacamos que alguns dos principais grupos da grande São Paulo e da capital paulista, por
exemplo, como Buraco d'Oráculo, Cia Teatro dos Ventos, Dramaturgia Rural, Grupo Alma, Grupo
Pavanelli, Brava Cia, Teatro União e Olho Vivo, Cia Estável de Teatro e Grupo Parlendas, entre
outros, têm apresentado peças cujas temáticas falam objetivamente sobre o universo o trabalho, seu
conflito com o capital e as possibilidades de uma revolução futura.
A RBTR, no bojo das críticas ao Governo Federal, e às frustrações de um projeto político não
realizado, em sua plenitude, pelo Partido dos Trabalhadores, assumem o seu tempo, a tarefa e o peso
que dela advém
Nada e ninguém podem subjugar ou destruir esse tempo que ajuda a fazer os
explorados e os oprimidos adquirirem consciência dos delineamentos de uma
sociedade futura radical diferente. Não pode haver ilusões quanto à árdua escalada
que se deve empreender para alcançar esse cume. (MEZAROS, 2007, p. 24)

CONCLUSÃO
A se considerar a proposta de tomarmos esse processo histórico como a emergência de uma
estrutura de sentimentos, acreditamos que dela algumas novas relações e organizações políticas
possam se configurar. Como demonstrou Raymond Williams, há uma estreita relação entre as
estruturas de sentimentos e as formações emergentes, e nos parece aqui que a RBTR é uma
experiência, neste sentido, típica. Ainda é impossível afirmar com precisão se a Rede Brasileira de
Teatro de Rua se constituirá como uma figura semântica de seu tempo. Nesse tempo histórico, no
qual as possibilidades e experiências, nas palavras de Williams, “ainda estão em solução”, parece

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que muita coisa acontecerá até que novas certezas apontem no horizonte; ainda assim, a RBTR se
mantem como um dos elementos em solução mais organizado no cenário cultural nacional. E isso
não é pouco.

Por fim, percebemos que é evidente que o atual Estado não tem interesse em lidar com os
interesses e objetivos dos artistas de teatro de grupo e, sobretudo, como os de teatro de rua. A atual
orientação das políticas públicas para a cultura – que estão em consonância com as orientações em
geral de todas as políticas econômicas do Governo Federal – caminham no sentido diametralmente
oposto àquele pretendido por tais artistas, que é da Arte Pública e fim dos mecanismos de renúncia
fiscal e privatização/mercantilização da cultura.

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BIBLIOGRAFIA

GOHN, Maria da Glória. Sociologia dos movimentos sociais. São Paulo, Cortez editora, 2013.

LEFEBVRE, Henri. La presencia y la ausencia: contribuición a la teoria de las


representaciones. Cidade do México, Fondo de Cultura Económica do México, 1983.

______________. O direito à cidade. São Paulo, Editora Moraes, 1991.

MÉZARÓS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo, Boitempo Editorial, 2007.

SINGER, André. Os sentidos do lulismo, reforma gradual e o pacto conservador. São Paulo,
Companhia das Letras, 2012.

WILLIAMS, Raymond. Cultura. São Paulo, Paz e Terra, 2000.

_________________. Marxismo e literatura. São Paulo, Zahar Editores. 1979.

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