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INTRODUÇÃO
Orser (1996) propõe que a arqueologia do mundo moderno deve ser entendida a
partir de quatro elementos: a modernidade, o colonialismo, o eurocentrismo e o
capitalismo, elementos que analisados numa perspectiva local permitem compreender as
inserções, influencias e particularismos das expressões materiais em relação à
perspectiva macro (global). Sua natureza globalizante deve ser vista a partir de dois
pontos: a ênfase nas conexões globais do mundo moderno que estruturam, mas não
determinam as vidas da população mundial, e a percepção de que práticas diferenciadas
foram desenvolvidas em diferentes partes do mundo (Hall e Silliman, 2006, p. 9).
Assim, esta perspectiva global foi relativizada pela revisão de Orser (1999) e
pela proposta de Gosden (2004) que substituem a Teoria dos Sistemas Mundiais de
Wallerstein (1974) pela Teoria da Rede Social, visando minimizar o caráter
eurocentrista e anglófilo daquela (Funari, 1999), bem como rejeitar o ponto de vista
culturalista (Orser, 1999, p. 88), este último amplamente difundido no estudo
arqueológico da paisagem colonial (ver Yamin e Metheny, 1996), e permitir o
entendimento das histórias locais. Assim, a teoria de rede propõe a compreensão das
O sítio Ruínas do Teatro é composto por ruínas de uma edificação que teve sua
arquitetura alterada ao longo de sua ocupação. Apresentava-se originalmente como uma
edificação térrea com presença de duas portas frontais, uma simples e uma dupla; e
fachada lateral (oeste) sem janelas. Seria uma edificação com 10,35m de largura por
17,81m de comprimento, com um quintal com cais medindo 260m 2, aproximadamente.
A técnica construtiva é alvenaria de pedras calcarias e argamassa de barro, sendo
visível, na parte interna da fachada principal, arcos abatidos no vão das portas,
construídos com tijolos de adobe. Acreditamos que esta edificação tenha sido ocupada
ainda nas primeiras décadas dos oitocentos. Por essa época, a edificação expandiu-se
incorporando a edificação térrea geminada já existente, composta por três portas
simples, com vão de arcos abatidos construídos com tijolos de adobe, mas de menores
dimensões. Esta expansão deu-se também no sentido vertical com o acréscimo de um
segundo pavimento que ampliou muito a edificação. Este segundo pavimento também
foi construído em alvenaria de pedra com a técnica do cangicado diferente da técnica
construtiva das edificações térreas originais que apresentavam as pedras com
acabamento irregular. Os vãos das janelas do andar superior já apresentam arco pleno.
Marcas do barroteamento do telhado e do piso superior são visíveis nas fachadas
internas. No pilar da extremidade da fachada principal há um avanço do que poderia ser
o início de um arco em tijolo de cerâmica maciça, uma abertura que, possivelmente,
promovia o acesso à outra parte da edificação que foi anexada (Figuras 1 e 2).
Por fim, novos acréscimos foram feitos já nos novecentos. Foi erguido, na
fachada lateral, um pilar de tijolos ceramicos com três peças de ferro. Tal acréscimo
possivelmente visava à sustentação de estruturas utilizadas nas atividades empreendidas.
Figura 1 – Sítio Ruínas do Teatro de Laranjeiras.
Figura 2- Planta baixa do sítio Ruínas do Teatro de Laranjeiras.
Figura 3 – Fachada sul interna.
Figura 4 – Fachada Oeste interna.
O trapiche, o cais e a “Athenas Sergipana”
“seiscentos fogos ou perto de três mil pessoas, que pela maior parte vivem de
tráfico de vender mercadorias de Portugal e de comprar gêneros do país para
exportar para a Bahia” (Souza, 1808 apud Nunes, 1989, p. 207).
(...) necessidade para a operação dos trapiches era conjugar estruturas que
permitissem o embarque e desembarque de mercadorias, sua função precípua,
com outras que forneciam armazenagem, guarda e proteção. Contavam com
armazém, pátio e/ou telheiros mal integrados às pontes ou a pequenos cais.
(Honorato e Mantuano, 2015).
Observamos aqui que o porto de Laranjeiras, criado ainda nos seiscentos, e sua
efetiva utilização após a expulsão dos holandeses, já no início dos setecentos, teve papel
fundamental na construção desta primeira paisagem urbana (comercial) de Laranjeiras.
Isto porque o porto representa o ponto focal do surgimento de núcleos urbanos tanto no
litoral como no interior, principalmente se este interior apresentasse um rio navegável
como era o trecho do rio Cotinguiba até Laranjeiras. Ademais, a produção açucareira
que começava a se organizar nos setecentos na província de Sergipe e notadamente no
Vale do Cotinguiba incentivou sobremaneira a ampliação deste sistema de comunicação
(transporte e comércio), ao mesmo tempo em que foi sustentada por ele ao longo dos
oitocentos. Tendo o que se denomina de porto secundário, fazendo ligação com os
portos exportadores do litoral, a cidade de Laranjeiras foi privilegiada por assumir a
posição de entreposto comercial provincial, com seus trapiches desempenhando tanto a
atividade de escoamento da produção açucareira, via grandes portos exportadores do
litoral nordestino como Salvador e Recife, como de comércio de bens visando abastecer
o mercado interno da cidade e da região.
Construídos a partir de um mesmo modelo arquitetônico, a disseminação dos
trapiches pela margem direita do rio Cotinguiba deu-se a partir, primeiramente, da
concentração de edificações composta por praça principal, trapiches portuários,
mercados e, possivelmente, a fugaz alfândega; e num segundo momento, subindo o
curso do rio, no que se entende como processo de expansão da malha urbana de
Laranjeiras por volta de 1830.
Neste período,
De uma forma geral, a segunda metade dos oitocentos aparece como um período
de crise da economia agroexportadora ocasionada principalmente pelo fim do tráfico
negreiro e pela concorrência internacional na produção de açúcar (Amaral, 2012).
Contudo, devemos relativizar tais afirmações, pois segundo Subrinho (2000), ainda que
a partir de 1850 tenha ocorrido uma queda gradativa na exportação brasileira de açúcar,
os dados relativos à produção açucareira sergipana mostram que entre 1860 e 1887, a
participação de Sergipe nas exportações brasileiras passou de 17,27% para 21,73%, ou
seja, ainda que Sergipe vivenciasse o mesmo processo econômico pelo qual passava o
Brasil, os resultados de sua produção foram mais expressivos. Ainda é o autor que
observa que para sanar os efeitos decorrentes das epidemias de cólera e da cessão do
tráfico de escravos africanos, a Província de Sergipe passou a importar escravos, sendo
um grande consumidor de escravos advindos do tráfico inter e intraprovincial
(Subrinho, op.cit., 122-148). Assim, a cidade de Laranjeiras estava amplamente inserida
no sistema econômico mundial, desempenhando o papel que lhe cabia nas relações
capitalistas que se desenhava. Após o fim do comércio transatlântico dos africanos
escravizados a solução local e regional era o incentivo ao comércio interprovincial de
escravos, muito mais do que a imigração europeia.
“Art. 8 – Fica prohibido a criação de Porcos soltos nas ruas, os quaes sendo
encontrados 8 dias depois da publicação desta, serão mortos a ordem do fiscal,
e este o mandará entregar aos prezos deste Municipio, e no cazo que depois de
mortos apareça d’ono a elles, e queira pagar a multa de 2U000 rs. lhe será
entregue depois de recebida a dita multa.”
E ainda:
Ainda Oliveira (1942, p. 147) relata que em 1866 a Igreja Nsa Sra da Conceição
(dos Homens Pardos) “foi construida na antiga Praça do Theatro (...)”. Esses dados
reiteram essa proximidade de um teatro sem nome. Se verificarmos as edificações
históricas preservadas neste lugar, veremos que apenas a edificação do sítio Ruínas
apresentava uma arquitetura condizente como uso para tal fim.
Considerando, ainda que este suposto teatro “já existia” antes da visita do
Imperador, já que este visitou a Igreja Nossa Senhora da Conceição em 1860 deixando
inclusive um donativo de 500$000 para o término de suas obras, parece plausível que a
edificação tenha sido cogitada para receber um “novo teatro” para a cidade.
Azevedo (1975) relata, sem citar as fontes, que este prédio seria um teatro que
nunca chegou a ser totalmente concluído. E ainda Silva e Nogueira (2009) observam
que a denominação de Teatro São Pedro parece estar associada a uma suposta
homenagem à D. Pedro II, após sua visita a cidade de Laranjeiras. Da mesma forma que
o autor anterior, este não relata a fonte na qual coletou os dados. Possivelmente
recorrendo às informações constantes nestes autores, Mello (2011: 7) observa, ainda,
que o Imperador Dom Pedro II teria contribuído “com donativos para conclusão das
obras” do teatro e que este, mesmo ainda com as obras paralisadas, teria sido “palco
para a visita de D. Pedro II, acompanhado do Imperatriz D. Tereza Cristina à
Laranjeiras”.
Esta forja pode ter sido do tipo daquelas encontradas no interior do Brasil por
Saint Hilaire (1975) e que tinham por finalidade atender a um mercado regional
pequeno. Estas forjas produziam ferro maleável, amplamente fabricado no Brasil nos
séculos oitocentos e novecentos, já que sua técnica mais rudimentar permitia um fácil
aprendizado (Landgraf et al., 1994). A literatura brasileira tende a chamar essas forjas de
"forja catalã" nomenclatura possivelmente imprópria já que a forja catalã é um
equipamento mais desenvolvido, de mais de 2 metros de altura e normalmente
caracterizado pela injeção de ar por meio de trompa d'água. De acordo com Eschwege
(apud Landgraf et al, op.cit.), estas forjas rudimentares seriam corretamente
denominadas de fornos de Galícia.
Usinas Proprietários(as)
Aroeira José Paes Franco
Boa Luz D. Helena Franco
Bismarck Otto
Conceiçã Antonio da Silveira Linhares
o
Paty José do Prado
Retiro Gonçalo Diniz de Faro Dantas
Trindade Prado e Companhia
Palmeiras Francisco Pimentel Franco
São Luis Cyro Meneses
São José Albano Franco
Fonte: Almanak Laemmert (1910, p.16).
Quadro 4 – Trapiches de armazenamento de algodão em Laranjeiras
TRAPICHES ARMAZENAMENTO
(fardos)
1924-1925 1926-1927 1927-1928
Santos Leite 7.112 8.066 6.422
Santo Antonio 4.761 2.707 2.828
São Francisco 7.058 5.602 7.782
Fonte: Rel. Pres. Est. Bras. (1925, p.51); Rel. Pres. Est. Bras. (1928, p. 94)
Assim, a edificação ao abrigar atividades de oficina e fundição, em possíveis
dois momentos, foi reintroduzida na rede de lugares que materializavam tanto as
relações de poder entre os proprietários dos engenhos/usinas, dos trapiches e do
comércio/transporte fluvial e de cabotagem, como também o ideal modernizador
(progressista e capitalista) que se consolidava na primeira metade dos novecentos.
Em 1965, Américo Muniz Barreto assumiu a propriedade e este parece ter sido o
momento em que foi construída, em uma parte do terreno, uma pequena vila de
residências (Santos, 2015). A vila era constituída de três casas do tipo porta-janela,
sendo utilizados para a construção do alicerce materiais retirados da edificação
oitocentista, principalmente as pedras calcárias (fundações). As casas foram erguidas
com alvenaria de tijolos que receberam uma camada de barro e pintura branca como
acabamentos (Figura 13).
Este momento retrata a busca não somente por Sergipe, mas por toda a Região
Nordeste, de inserção no cenário desenvolvimentista de JK. Na década de 1950, a
estrutura produtiva de Sergipe ainda era pouco diversificada com predomínio do setor
agropecuário (cana-de-açúcar, algodão e culturas de subsistência) e um setor industrial
representado pela produção têxtil e de açúcar (Lacerda et al., 2009). Tal economia
resultava em tímido desenvolvimento urbano com grande parte da população residindo
na área rural e com renda que não lhe permitia acesso ao mercado consumidor e de
serviços característicos dos grandes centros urbanos. Não é à toa que as feiras livres
continuavam a ser o grande polo de consumo sergipano.
AGRADECIMENTOS
À Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Sergipe
pelo apoio financeiro através do Edital Hermes 2013/2014, à FAPITEC pela cessão da
Bolsa de Iniciação Científica, à CAPES pela bolsa de mestrado, à Superintendência do
IPHAN-SE pelo convite para participar do projeto de recuperação volumétrica do sítio
Ruínas do Teatro de Laranjeiras e a Msc. Jeanne Cordeiro pela análise arquitetônica.
REFERENCIAS
BEAUDRY, M. The Boot Mills complex and its housing: material expressions of
corporate ideology. Historical Archaeology, Filadélfia, v. 23, n. 1, p.18-32, 1989.
HOLTORF, C.; WILLIAMS, H. Landscape and Memories. In: HICKS, D.; BEAUDRY,
M.C. (Eds.). The Cambridge Companion to Historical Archaeology. Cambridge:
Cambridge Press, 2008. p. 235-254.
LIMA, T. A. Pratos e mais pratos: louças domésticas, divisões culturais e limites sociais
no Rio de Janeiro, século XIX. Anais do Museu Paulista, História e Cultura
Material, São Paulo, v. 3, p. 129-191, 1996a.
MALTA, M. Imagens porta adentro e uma história com móveis. In: SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA, 24., São Leopoldo, 2007. Anais Eletrônicos... São
Leopoldo: ANPUR, 2007. Disponível em: http://anais.anpuh.org/wp-
content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S24.0325.pdf. Acesso em: 9 set. 2016.
5 Segundo relatório técnico arqueológico de acompanhamento e resgate do patrimonio material e cultural do Quarteirão
dos Trapiches em Laranjeiras – Sergipe. Aracaju: IPHAN, 2008.
6 O Triunfo, Trimestre I, nº 3, 1844; O Correio Sergipense de 20/06 /1946.
7 O Laranjeirense de 14/10/1888; O Republicando de 08/09/1889.
8 A informação mais antiga disponível nos periódicos sobre o Teatro Santo Antonio encontra-se no jornal O Conservador de
20/12/1871. A partir da década de 1880, a informação passa a ser concomitante com a referencia sobre a rua do “theatro
novo”.
9 Gazeta de Sergipe de 04/04/1891.
10 Gazeta de Sergipe de 04/02/1891, nº 20.
11 Relatório dos Presidentes de Província, 1900, p. 41; Almanak Laemert, 1906.
12 Almanack Laemmert, 1910-1914.
13 Jornal de Sergipe, 15/02/1879; Jornal de Aracaju, 20/08/1873 e 10/03//1874.
14 Relatório dos Presidentes dos Estados Brasileiros, 1890, p. 3.
15 Relatório dos Presidentes dos Estados Brasileiros, 1925, p.45.
16 Relatório dos Presidentes dos Estados Brasileiros, 1925, p. 51.
17 Ainda está em andamento o levantamento da documentação escrita e oral sobre esta ocupação. Contudo é necessário
observarmos que as intervenções arqueológicas ocorreram apenas no que seria o quintal desta vila e não nas áreas internas
das residências O monitoramento arqueológico que havíamos planejado para as ruínas da vila não foi efetuado devido ao
cronograma de execução do projeto de recomposição volumétrica, exigido por medida judicial.