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Hans Joas e Wolfgang Knöbl

O que é teoria?1

Tradução: Alexandre Werneck2

Nossa decisão de iniciar esta série de conferências sobre teoria social moderna com a pergunta
“o que é teoria?” pode fazer se erguerem algumas sobrancelhas. Afinal, boa parte de vocês fez
cursos sobre as grandes figuras da teoria sociológica – como Émile Durkheim, George Herbert
Mead e Max Weber – que não apresentaram nenhuma discussão sobre a “natureza” da teoria.
Os organizadores desses cursos corretamente supuseram que vocês já detinham uma compre-
ensão intuitiva de “teoria” ou que logo a teriam. De qualquer forma, vocês devem a esta altura
estar em condições de caracterizar as abordagens bastante diferentes da realidade social ado-
tadas por Weber, Mead ou Durkheim. Como é bem sabido, Weber descreveu os fenômenos
do Estado ou da política de um ponto de vista completamente diferente de Durkheim; o pri-
meiro tinha, assim, uma concepção teórica sobre a natureza da política bastante diferente do
outro, embora ambos se referissem aos mesmos fatos empíricos em suas abordagens socioló-
gicas. A concepção de Mead de ação social claramente difere e de forma marcante da de We-
ber, embora alguns dos termos que eles usassem fossem semelhantes, e assim por diante. To-
dos esses autores, portanto, sustentam suas abordagens sociológicas com diferentes teorias
(plural!). Mas a percepção dessa diferença não nos fez avançar um passo decisivo no caminho
de resolver a questão da “natureza” da teoria? Se fôssemos comparar todas essas teorias e ava-
liar o que elas compartilham entre si, encontrando assim seu mínimo denominador comum,
não teríamos – poderíamos nos perguntar – já atingido uma compreensão adequada de teoria
(singular!)? Uma comparação desse tipo certamente nos proveria, por assim dizer, com os

1
Extraído de: JOAS, Hans [e] KNÖBL, Wolfgang. Social Theory: Twenty Introductory Lectures. Cambridge (RU),
Cambridge University Press, 2009, pp. 1-19.
2
Esta tradução foi feita a partir da edição inglesa de 2009, traduzida para o inglês por Alex Skinner. Ela não foi
cotejada diante da edição original alemã, de 2004. (N.T.)
elementos formais que compõem uma teoria (sociológica); poderíamos entender o que a teo-
ria social de fato é.
Infelizmente, porém, essa proposta de solução não nos leva muito longe. Desde que a
sociologia foi criada, no século XIX, seus profissionais acadêmicos nunca foram bem-
sucedidos em alcançar um consenso verdadeiramente estável em relação a seu objeto e sua
missão. Eles nunca chegaram realmente a um acordo nem mesmo sobre seus principais con-
ceitos. Por conseguinte, não deve ser nenhuma surpresa que a “correta” compreensão da teo-
ria também tenha sido algo ferozmente debatido. A relação entre teoria e pesquisa empírica é
um tema controverso, porque alguns cientistas sociais consideram que primeiro precisamos
realizar um intensivo trabalho empírico para preparar o terreno para uma teoria social cientí-
fica decente, enquanto outros afirmam que a pesquisa empírica sem uma prévia e abrangente
reflexão teórica produziria, na melhor das hipóteses, resultados inexpressivos e, na pior delas,
resultados errôneos. E os teóricos do pensamento social também mostraram ideias muito dife-
rentes sobre a relação entre teorias e visões de mundo. Enquanto alguns enfatizavam que teoria
sociológica ou teoria social é uma questão puramente científica apartada de visões de mundo
políticas ou religiosas, outros sublinharam que as humanidades e as ciências sociais nunca de-
vem romper por completo com tais crenças, e que a ideia de uma ciência “pura”, a ideia de
sociologia por exemplo, é, portanto, quimérica. A disputa em torno da relação entre teoria e
questões normativas ou morais estava intimamente ligada a isso. Embora alguns sociólogos
fossem da opinião de que a ciência deve, em princípio, abster-se de fazer quaisquer declara-
ções de natureza normativa, política ou moral, outros apelaram por uma ciência sociopoliti-
camente engajada, que não recuaria na abordagem ao “deve” (como uma pessoa deve agir?
Como uma sociedade boa ou justa deve ser estruturada?). Desse ponto de vista, a ciência e,
particularmente, as ciências sociais não devem agir como se apenas disponibilizassem os re-
sultados de pesquisa sem nenhuma responsabilidade por como eles são utilizados. A pesquisa
em ciências sociais certamente tem consequências. Devido a isso, a disciplina não pode ser
indiferente ao que é feito com suas descobertas. E finalmente, a relação entre teoria e conheci-
mento cotidiano, de senso comum, também tem sido objeto de intenso debate. Enquanto al-
guns têm postulado que a ciência, incluindo as ciências sociais, é de maneira geral superior ao
senso comum, outros afirmam que as ciências humanas e sociais são por demais enraizadas
neste mundo cotidiano e dependentes dele para ter pretensões tão presunçosas assim. Assim,
como se pode ver, o próprio conceito de teoria é altamente controverso. Qualquer tentativa,
do tipo acima insinuado, de se encontrar um denominador comum das teorias produzidas
pelas principais figuras da sociologia não chegaria a nada; permaneceria impossível responder
à pergunta: “O que é teoria?”. E mesmo um empreendimento desse tipo não contribuiria em
nada para se chegar a uma decisão em relação aos debates que brevemente descrevemos.
Mas será que precisamos mesmo debater e esclarecer de forma precisa o que é “teoria”?
No final das contas, você “entendeu” os autores clássicos da sociologia, e talvez tenha partici-
pado de cursos sobre eles sem ter que explicitamente questionar o conceito de teoria. Por que,
então, propomos um debate sobre princípios básicos enfrentando a “natureza” da teoria ape-
nas neste ponto – ao nos determos sobre teoria sociológica ou teoria social moderna? Há duas
respostas para essa pergunta. A primeira é conformada pela história como um todo ou pela
história da disciplina em específico. Quando, entre outros, Weber, Durkheim e Simmel, os
chamados pais fundadores, trouxeram a disciplina “sociologia” ao mundo, esse processo em
geral envolveu indivíduos lutando para fazer valer a reputação científica do objeto e confron-
tos com outras disciplinas que desejavam negar a legitimidade da sociologia. Obviamente, os
sociólogos também discordavam uns dos outros, de fato muitas vezes, mas isso não era nada
comparado com a situação que lhe era própria quando a sociologia foi finalmente estabelecida
nas universidades, a partir de meados do século XX em diante. A sociologia moderna, tal qual
as ciências sociais modernas como um todo, agora apresenta uma pletora de escolas teóricas
concorrentes – não sem uma boa razão é que precisaremos de mais 19 conferências para aju-
dar a apreciar essa diversidade. E nesse contexto de tremenda competição teórica, questões
epistemológicas – questões relativas aos pré-requisitos e características da ciência e da cons-
trução da teoria científica – desempenham um papel significativo. As disputas entre as diver-
sas escolas teóricas das ciências sociais disseram e geralmente dizem respeito à correta com-
preensão da teoria. A esse respeito, é preciso pelo menos um certo grau de compreensão des-
sas questões a fim de compreender como e por que as modernas teorias em ciências sociais se
desenvolveram como se desenvolveram.
A segunda resposta diz respeito tanto à história da disciplina quanto a questões pedagó-
gicas. As ciências sociais modernas são caracterizadas não apenas por um grande número de
teorias concorrentes, mas também por uma divisão extremamente danosa entre conhecimen-
to teórico e conhecimento empírico. Uma espécie de divisão do trabalho, por assim dizer, sur-
giu entre aqueles que se veem como teóricos e aqueles que se veem como pesquisadores soci-
ais empiristas ou empíricos. Como resultado dessa rígida divisão do trabalho, esses dois gru-
pos quase não percebem mais os resultados um do outro. Mas os conhecimentos teórico e
empírico não podem verdadeiramente ser separados. Esta conferência sobre a “natureza” da
teoria visa, assim, fornecer-nos uma oportunidade de pensar sobre o que a teoria é, sua impor-
tância para a pesquisa empírica e a maneira como o conhecimento empírico sempre conforma
seu homólogo teórico. Com esta conferência, desejamos transmitir aos entusiastas da teoria
entre vocês – se houver algum – que as teorias sociais nunca estão livres de observações ou
pressupostos empíricos. É, portanto, um erro olhar desconfiadamente para os empiristas, es-
ses “mastigadores de números”. Nesta conferência, queremos também ajudar os atuais ou fu-
turos entusiastas da empiria e (possíveis) desprezadores da teoria entre vocês a compreender
que observações empíricas – por mais banais que possam ser – não estão livres de afirmações
teóricas; não há, portanto, nenhum mal em se envolver com a teoria de forma contínua. Isso é
verdade em parte porque, apesar de toda a conversa sobre o declínio da influência das ciências
sociais, devemos ter em mente que as teorias científicas sobre o social continuam a ter um
enorme impacto; basta apenas pensar na teoria marxista no passado ou nos debates altamente
férteis sobre a globalização e a individualização nas seções culturais e políticas dos jornais de
hoje em dia. As teorias não apenas permeiam os instrumentos de pesquisa social empírica,
mas também conformam o mundo social que desejam estudar; só por essa razão, mesmo os
cientistas sociais empiristicamente inclinados não podem simplesmente passar por cima des-
sas teorias, argumentando que desejam se orientar despidos de todas as especulações teóricas e
preferem dedicar-se à realidade (empírica). Pois mais uma vez: os conhecimentos teórico e
empírico estão intimamente ligados demais para uma atitude como essa ser justificada.
Mas se é verdade que, como descrito anteriormente, nenhum entendimento incontestá-
vel da teoria já tenha surgido no interior das ciências sociais, se se provou impossível esclare-
cer definitivamente a relação entre o conhecimento teórico e o empírico, entre teoria e visões
de mundo, entre teoria e questões normativas e entre teoria e conhecimento de senso comum,
isso significa que questões sobre a “natureza” da teoria não têm sentido? Não, não significa.
Não há motivos para resignação e cinismo, por duas diferentes razões. Primeiro, rapidamente
se nota, quando se estuda sociologia, por exemplo, que ela não é a única disciplina em que a
questão do status da teoria é discutida. As outras ciências sociais, da ciência política à história,
passando pela economia, enfrentam problemas semelhantes, ainda que as discussões sobre
questões básicas tendam a desempenhar um papel menos central nesses casos. E como se verá,
nem mesmo as aparentemente incontestáveis ciências naturais estão imunes a tais disputas.
Segundo, é certamente possível alcançar um entendimento capaz de produzir um consenso,
ainda que composto de várias etapas, valendo-se justamente das controvérsias sobre o estatuto
de teorias, algumas das quais dotadas de uma história muito longa. Isso, no entanto, nos obri-
ga a analisar com precisão onde e em que grau haja consenso em torno da “natureza” da teoria,
em que momento e por que esse consenso tenha se rompido e quando, ao longo da história
dessas controvérsias, tentativas tenham sido feitas, repetidas vezes, para reestabelecer o con-
senso anterior. Isso é precisamente o que pretendemos elucidar.
Em um nível muito básico, as diversas escolas e disciplinas teóricas estão de acordo pelo
menos no fato de que as teorias devem ser entendidas como generalizações. Ou, colocando-se
no sentido inverso, o que pode ser mais fácil de entender: toda generalização é já uma teoria.
Usamos teorias desse tipo o tempo todo, especialmente na vida cotidiana. Sempre que se use o
plural, sem ter de fato verificado antes disso se nossa generalização realmente se aplica a todos
os casos, estamos simultaneamente lançando mão de uma teoria: “Todos os alemães são nazis-
tas”, “todos os homens são machistas”, “a maioria dos sociólogos diz coisas incompreensíveis”,
etc. são teorias desse tipo. Com base em nossas observações de que alguns alemães são de fato
fascistas em sua maneira de pensar, de que muitos homens de fato se comportam de forma
misógina, e de que alguns sociólogos se esforçam para falar uma forma geralmente ininteligí-
vel de nossa língua, concluímos que todos os alemães são assim, que todos os homens se com-
portam desse modo, que a maioria dos sociólogos falam dessa forma. É claro que não verifi-
camos isso realmente. Não conhecemos cada alemão ou cada homem e nem já nos deparamos
com a maioria dos sociólogos. Quando fazemos afirmações abstratas como essas, não estamos,
portanto, fazendo nada mais do que utilizando uma teoria. Pode-se também dizer que esta-
mos apresentando uma hipótese. Pois o lógico, semiótico e filósofo americano Charles San-
ders Peirce (1839-1914) demonstrou de forma impressionante que na verdade toda a nossa
percepção da vida cotidiana e nossas ações repousa sobre nada senão um trançado de hipóte-
ses (ou abduções, como ele as chama), sem o qual seríamos incapazes de viver uma vida com
algum sentido:

Olhando para fora de minha janela nesta adorável manhã de primavera, vejo uma azaleia em
plena floração. Não, não! O que vejo não é isso, embora seja essa a única maneira como posso
descrever o que vejo.
Essa é uma proposição, uma frase, um fato; mas o que percebo não é uma proposição, sentença,
fato, e sim apenas uma imagem, que torno inteligível em parte por meio da declaração de um fa-
to. Essa afirmação é abstrata, mas o que vejo é concreto. Realizo uma abdução quando da mes-
ma forma expresso em uma frase algo que vejo. A verdade é que todo tecido de nosso conheci-
mento é um feltro emaranhado de pura hipótese... Nem o menor avanço pode ser feito no co-
nhecimento para além do estágio do olhar vago, sem promover uma abdução a cada passo.
(Peirce, Ms. 692, citado em Thomas A. Sebeok e Jean Umiker-Sebeok, “You Know My Method”:
A Juxtaposition of Charles S. Peirce and Sherlock Holmes, p. 23)

Teoria é algo tão necessário quanto inevitável. Sem ela, seria impossível aprender ou agir
de forma consistente; sem generalizações e abstrações, o mundo existiria para nós apenas co-
mo uma caótica colcha de retalhos de experiências discretas e desconexas e impressões senso-
riais. É claro que, na vida cotidiana, não falamos de “teorias”; nós as usamos sem a consciência
de que o estamos fazendo. Em princípio, atuar e pensar cientificamente não funcionam de
formas diferentes, exceto pelo fato de que em nosso caso, naturalmente, a formação e mobili-
zação de teorias ocorre de maneira um tanto deliberada. Hipóteses ou teorias específicas são
propostas para lidar com problemas específicos; tenta-se então combinar várias dessas teorias
específicas para gerar uma teoria mais geral que una as várias generalizações de forma consis-
tente. Mas, de mais a mais, a construção de teorias, de afirmações generalizantes, é um com-
ponente significativo tanto da vida cotidiana quanto da ciência. É nosso único meio de nos
aproximar da “realidade”. O filósofo anglo-austríaco Karl Raimund Popper (1902-1994) ex-
pressou isso com elegância, embora de maneira não muito distinta de Charles Sanders Peirce:

Teorias são redes lançadas para capturar aquilo a que chamamos “o mundo”: para racionalizá-lo,
explicá-lo, e para dominá-lo. E nos esforçamos para tornar a rede cada vez mais fina (Popper, A
Lógica da pesquisa científica, p. 59).

Esse entendimento da teoria, isto é, sua função no que diz respeito à generalização, é
agora quase universalmente aceita.
Historicamente, as primeiras controvérsias começaram no nível subsequente; mas elas
também foram superadas, porque, como veremos em um momento, uma perspectiva saiu vi-
toriosa, com sua superioridade amplamente reconhecida.
O objetivo do esforço científico, no entanto, não é produzir generalizações de qualquer
tipo. Preconceitos também são teorias. Eles também são generalizações, ainda que altamente
problemáticas ou equivocadas, como os exemplos acima sobre o comportamento de alemães,
homens e sociólogos claramente atestam. Mas preconceitos são justamente aquilo que os cien-
tistas afirmam não produzir; sua preocupação é formular generalizações precisas com base em
casos individuais (a inferência a partir de um caso individual ou de casos individuais rumo a
uma declaração universal é também denominada “indução” na filosofia da ciência) ou explicar
os casos individuais com precisão com base em teorias (“dedução” – inferir casos individuais a
partir de uma generalização). Entretanto, para falar em teorias “precisas” ou “imprecisas”,
precisamos de um critério. Critério que deve estipular que as teorias são científicas (e não pre-
conceituosas) apenas se suportarem um minucioso exame à luz da realidade, ou que pelo me-
nos possam ser verificadas diante da realidade.
Foi sobre essa questão que o consenso começou a se romper. As pessoas tinham diferen-
tes ideias sobre o que exatamente esse processo de verificação na comparação com a realidade
deve envolver. Parece evidente, por exemplo, que a verificação deva ser o ideal da ciência. Por
um longo tempo, até o início do século XX, essa era de fato a visão comumente sustentada por
cientistas e filósofos da ciência. Se pressupostos teóricos precisam comprovar-se em compara-
ção à realidade, então a melhor abordagem – presumia-se naquele momento – deve ser a de
remover da ciência todo o estoque de preconceituoso conhecimento de senso comum, a fim
de reconstruir o edifício do conhecimento científico em terreno absolutamente sólido. Por
essa perspectiva, observação meticulosa levaria a declarações generalizadas que – repetida-
mente confirmadas por observações individuais e experiências – tornar-se-iam cada vez mais
corretas. Esses princípios e declarações, verificados dessa forma, isto é, com sua pretensão de
verdade confirmada, seriam então combinados, de tal maneira que lenta mas continuamente
mais e mais tijolos de conhecimento verificado pudessem ser acumulados e integrados. Isso,
então, levaria à certeza, ao conhecimento “positivo”, como era chamado, o que é uma das ra-
zões pelas quais os defensores dessa concepção de ciência são conhecidos como “positivistas”.
O problema com essa posição positivista, identificado pela primeira vez de forma clara
pelo mesmo Karl Raimund Popper mencionado anteriormente, é que a verificação não pode
ser um bom critério de validade científica das afirmações pela simples razão de que é na ver-
dade impossível verificar a maioria das afirmações teóricas. Como Popper apresenta em seu
agora famosíssimo livro A lógica da pesquisa científica, publicado pela primeira vez em 1934,
no caso da maioria dos problemas científicos não podemos ter certeza se uma generalização,
ou seja, uma teoria ou hipótese, realmente se aplica a todos os casos. Muito provavelmente, ali-
ás, nunca seremos capazes de verificar de uma vez por todas a afirmação astrofísica de que
“todos os planetas se movem em torno de seus sóis ao longo de uma trajetória elíptica”, por-
que é improvável que algum dia cheguemos a conhecer todos os sistemas solares do universo e,
portanto, presumivelmente nunca seremos capazes de confirmar com absoluta certeza que
cada planeta de fato segue uma trajetória elíptica em torno de seu sol, em vez de outra forma
de trajetória. O mesmo se aplica à declaração: “Todos os cisnes são brancos”. Mesmo que você
tenha visto milhares de cisnes e todos eles fossem de fato brancos, você nunca chegará a ter
certeza de que um cisne preto, verde, azul, etc. não vá aparecer em algum momento. Como
regra, afirmações universais não podem, então, ser confirmadas ou verificadas. Colocando-se
de outra forma: argumentos indutivos (ou seja, a inferência a partir de casos individuais rumo
a uma totalidade) não são argumentos nem logicamente válidos nem verdadeiramente con-
vincentes; a indução não pode ser justificada puramente em termos de lógica, porque somos
incapazes de afastar a possibilidade de que possa finalmente ser feita uma observação que re-
fute a afirmação geral que se esperava corroborar. Tentativas positivistas de rastrear as leis de
volta até as observações elementares ou de as derivar a partir de observações elementares e as
verificar estão, portanto, fadadas ao fracasso.
Essa foi precisamente a crítica de Popper. Ele então propôs um critério diferente, pelo
qual se tornou famoso, a fim de distinguir as ciências empíricas de outras formas de conheci-
mento – do conhecimento de senso comum e da metafísica. Ele elegeu a falsificação3, subli-
nhando que “deve ser possível a um sistema científico empírico ser refutado pela experiência”
(Popper, Lógica, p. 41, grifo do original). Assim, a posição de Popper era a de que, uma vez
que generalizações ou teorias científicas não são, em última análise, demonstráveis ou verifi-
cáveis, elas podem ser checadas em relação à realidade intersubjetivamente, isto é, no âmbito
da comunidade de pesquisadores; elas podem ser repudiadas ou falsificadas. Isso pode soar
trivial, mas é na verdade um argumento engenhoso, que estabelece as bases para “ciência em-
pírica” e demarca sua distinção em relação a outras formas de conhecimento. Com sua refe-
rência à testabilidade e à falsificabilidade fundamentais das proposições científicas, Popper
exclui do reino da ciência primeiramente as chamadas “afirmações existenciais” universais.
Afirmações como “OVNIs existem”, “Deus existe”, “Existem formigas do tamanho de elefan-

3
O termo original usado por Popper, falsification, tem sido traduzido dessa maneira desde a primeira edição do
livro em português. Mantivemos o termo aqui devido à consagração. No entanto, é preciso sublinhar que o ter-
mo falsificação absolutamente não corresponde ao sentido do original. Como se pode depreender do texto, falsi-
fication se refere à possibilidade de demonstrar que algo é falso. Os dicionários registram pelo menos uma conse-
quência desse lapso: o termo falsificabilidade. No entanto, acredito que a melhor solução nesse caso seria usar
refutação, refutabilidade etc., que correspondem exatamente ao sentido proposto por Popper. (N.T.)
tes” não podem ser falsificadas: não posso fornecer nenhuma evidência para refutar a afirma-
ção de que Deus ou OVNIs ou formigas do tamanho de elefantes existam, ao mesmo tempo
que é concebível, pelo menos teoricamente, que se você procurasse o suficiente, acabaria por
encontrar um OVNI, Deus ou formigas elefânticas em algum lugar. Popper não nega que tais
declarações possam fazer sentido. A declaração “Deus existe” é manifestamente muito signifi-
cativa e, portanto, faz sentido para muitas pessoas. A opinião de Popper é que simplesmente
não há sentido ingressar em uma controvérsia científica a respeito da existência de Deus, pre-
cisamente porque uma declaração desse tipo não pode, em última instância, ser refutada.
Em segundo lugar, o critério da falsificação permite-nos agora testar e de fato verificar as
chamadas declarações universais (“Todos os alemães são nazistas”), porque basta uma única
observação – de um alemão que não é um nazista – para levar a afirmação ou teoria ao colapso.
Para Popper, o critério de falsificação é, portanto, o único parâmetro produtivo e ao mesmo
tempo o mais eficiente a nos permitir distinguir afirmações científicas de outros tipos.
Isso confere ao trabalho científico uma dinâmica bastante diferente da que era própria
quando a velha concepção “positivista” de ciência e seu princípio de verificação dominavam.
A abordagem de Popper, que triunfou sobre o positivismo, afasta uma imagem de ciência vista
como uma lenta acumulação de conhecimento; para ele, a ciência significa a constante testa-
gem e o questionamento de nossas suposições teóricas, deliberadamente expondo-as ao risco
de falsificação. Somente as melhores teorias sobrevivem a essa luta (darwiniana). A ciência,
afirma Popper, não está gravada nas pedras: ela é incapaz de alcançar conhecimento, verdade
ou mesmo probabilidade absolutos; a ciência é mais uma constante marcha à frente, um pro-
cesso de “especular” em relação a afirmações teóricas que são constantemente postas em teste.
Teorias poderão ser descritas, portanto, apenas como “provisoriamente garantidas”:

Não é tanto o número de casos corroborativos o que determina o grau de corroboração quanto a
severidade dos vários testes aos quais a hipótese em questão possa ser, e foi, submetida (Popper,
Lógica, p 267, grifos no original).

Popper está, portanto, menos preocupado em exigir que os cientistas mantenham dis-
tância do conhecimento de senso comum e seus preconceitos do que com incentivar uma dis-
posição para repetidamente examinar sua(s) própria(s) teoria (ou teorias) em busca de provas
potencialmente falsificadoras, a fim de se livrar de todas as teorias sem chance de sobrevivên-
cia. Os cientistas não precisam buscar evidências para confirmar suas próprias teorias, e sim
ativamente despir-se de todas as falsas certezas por meio do consistente uso do princípio da
falsificação! Popper coloca essa ideia de uma maneira concisa, como lhe era típico: “Aqueles
entre nós que não estiverem dispostos a expor suas ideias ao risco de refutação, não tomem
parte do jogo científico” (Logica, p. 280).
A superioridade da concepção popperiana de ciência sobre o seu antecessor positivista é
agora amplamente reconhecida; a falsificação é geralmente vista como um critério melhor pa-
ra definir o que é ciência do que a verificação. A esse respeito, há mais uma vez consenso so-
bre o que a teoria é e o que ela pode fazer. Mas, reconhecidamente, os cientistas discordam
sobre se a ênfase de Popper em teorias científicas como generalizações que podem ser testadas
contra a realidade e são, portanto, falsificáveis, seja realmente tudo o que pode ser dito sobre o
conceito de teoria. Os defensores da abordagem da “escolha racional”, que examinaremos na
quinta conferência, na verdade concordam com essa abordagem conquanto eles desejem re-
servar o conceito de “teoria” apenas para aqueles sistemas de afirmações nos quais os fatos so-
ciais são explicados de maneira bastante explícita com o auxílio de uma afirmação universal,
uma lei geral. Nesse modelo, “teoria” é algo entendido apenas como um sistema explicativo:
“Toda a explicação tem início com a pergunta de por que o fenômeno em análise existe (ou
existiu) dessa forma, funciona (ou funcionou) como funciona (ou funcionou) ou muda (ou
mudou) da maneira que se sugere que faça” (Esser, Soziologie Allgemeine Grundlagen [Sociolo-
gia: Fundamentos gerais], p 39). Para explicar algo, você precisa, entre outras coisas, de uma
declaração universal – e são apenas sistemas explicativos baseados em tais afirmações univer-
sais que podem ser chamados “teorias” do ponto de vista dessa abordagem. O modelo da esco-
lha racional se recusa a honrar com o título de “teoria” outras reflexões, aquelas não imedia-
tamente preocupadas com a produção de proposições na forma de leis.
À primeira vista, essa abordagem, que condiz com a concepção popperiana de teoria,
soa razoável e pouco propensa a críticas. Além disso, essa definição de “teoria” tem a vanta-
gem de ser bastante restritiva e precisa: você sabe exatamente o que dizer quando usa o termo
“teoria”. No entanto, isso não é tão pouco problemático e nem tão autoevidente quanto pode
parecer, porque a relação entre o conhecimento teórico e o empírico gera problemas bastante
graves para a abordagem popperiana. A aplicabilidade do critério de falsificação trazido à cena
por Popper (bem como a do critério de verificação por ele vencido) repousa na suposição de
que o nível de observação empírica ou da interpretação ou da explicação teórica podem ser
claramente distinguidos, e de que, com isso, afirmações puramente teóricas podem ser testa-
das em comparação a observações isoladas, puramente empíricas. Pode-se falsificar e refutar
uma afirmação teórica com certeza absoluta apenas se as observações por meio das quais se
tenta falsificá-la sejam corretas e indiscutíveis. As observações não podem ocasionar o surgi-
mento de ainda mais teoria, porque senão é claramente possível que, devido ao fato de as pró-
prias observações já poderem conter uma teoria falsa, se estivesse falsificando (ou verificando)
uma afirmação erroneamente. Em outras palavras, para a falsificação (ou verificação) ser con-
sumada sem problemas, seria necessário acesso direto a uma forma de observação não media-
da, livre de teorias.
Sabemos, no entanto – como a longa citação de Peirce já nos deixou bem claro e de for-
ma tão poderosa –, que esse não é o caso. Toda observação feita na vida cotidiana, e cada
afirmação a seu respeito, estão já permeadas de teoria. E o mesmo também se aplica a obser-
vações e afirmações científicas. No interior de uma comunidade de cientistas, observações
empíricas devem ser formuladas em uma linguagem de observador, que ou se baseia direta-
mente na linguagem comum ou, se uma terminologia explicitamente especializada for usada
no processo de observação, cujos termos podem ser explicados e definidos com o auxílio da
linguagem comum. E essa linguagem comum está, é claro, sempre já “infectada” com teoria.
Peirce mostrou que cada observação é uma generalização e, portanto, uma teoria elementar:
linguagens observacionais inevitavelmente implicam já teorias, que direcionam nossa atenção
para certos fenômenos e ajudam a determinar o modo como os percebemos. Mas isso também
significa que nunca podemos descrever casos individuais sem que haja generalizações implíci-
tas. Assim, é impossível manter uma separação estrita entre o conhecimento empírico e o teó-
rico. E a ideia, que remonta a Popper, de que é possível falsificar as teorias de uma maneira
direta, mostra-se insustentável.
Se não houver polaridade, nenhuma divisão estrita entre conhecimento empírico e co-
nhecimento teórico, como definiremos seu relacionamento? O sociólogo americano Jeffrey
Alexander, com cujo trabalho nos depararemos novamente no decorrer deste ciclo de confe-
rências (veja Palestra XIII), deu uma sugestão muito útil a esse respeito. Ele fala não de uma
“polaridade”, mas de um “continuum”:

A ciência pode ser vista como um processo intelectual que ocorre no contexto de dois ambientes
distintos, o mundo empírico observacional e o mundo não empírico metafísico. Embora afirma-
ções científicas possam estar orientadas mais para um desses ambientes que o outro, elas nunca
podem ser determinadas exclusivamente por um ou outro sozinhas. As diferenças entre o que é
percebido como tipos agudamente contrastantes de argumento científico devem ser entendidas
antes como representantes de diferentes posições sobre um mesmo continuum epistemológico
(Alexander, Theoretical Logic in Sociology, Vol. I, p. 2).

Assim, de acordo com Alexander, o pensamento científico está em constante movimen-


to entre os extremos – aos quais finalmente nunca chegamos – que ele chama de “ambiente
metafisico” e “ambiente empírico” – o que está em sintonia com o argumento de Peirce de que
somos incapazes de acessar o mundo diretamente, sem teoria. Alexander tentou esboçar esse
quadro na Figura 1.1 (ibid., p.3).

A mensagem central é que observações estão de fato bastante próximas da realidade, isto
é, do “ambiente empírico”, mas que é impossível reproduzir a realidade diretamente, pois as
observações estão vinculadas a pressupostos metodológicos, leis, definições, modelos e mesmo
“pressuposições gerais”, que estão relativamente próximos ao polo do “ambiente metafísico”.
Mas isso significa – e retornaremos a esse ponto mais adiante – que é bastante equivocado
tentar limitar o trabalho científico à construção de teorias, no sentido de sistemas explicativos,
e tentativas de falsificá-las. Se a argumentação científica de fato tiver lugar ao longo do conti-
nuum descrito por Alexander, então a tarefa de teorização científica sem dúvida equivale a
mais do que afirmam, por exemplo, os defensores da abordagem da “escolha racional” menci-
onados anteriormente. Se “pressuposições gerais”, “classificações”, “conceitos” etc. desempe-
nham um papel tão significativo no processo de pesquisa quanto “leis” e observações – ou pe-
lo menos um papel não sem importância –, não há nenhuma razão para aceitarmos que po-
demos avançar em nossa compreensão apenas nos concentrando nessas leis e observações.
Também seria difícil manter a noção de que o termo “teoria” deve ser reservado exclusiva-
mente para os sistemas de afirmações que consistem em leis e observações. E muitos cientistas
sociais têm, de fato, adotado uma concepção de teoria concebida de maneira mais ampla.
Vamos, no entanto, retornar diretamente ao fato, problemático para o falsificalismo po-
pperiano, de que é impossível traçar uma linha divisória rígida entre os níveis de conhecimen-
to teórico e empírico. O próprio Popper – em sua defesa – certamente reconhecia essa dificul-
dade: “Não existem observações puras: elas são permeadas por teorias e guiadas tanto por pro-
blemas quanto por teorias” (Popper, Logik der Forschung, p 76; grifos no original).4 Ele tam-
bém enfatizava que cada versão de uma observação, cada declaração a respeito de um evento,
cada “afirmação básica”, utiliza conceitos que não podem ser corroborados por dados sensori-
ais não mediados. Ele, portanto, também era da opinião de que qualquer tentativa de testar
uma teoria deve ser concluída ou ter início com algum tipo de conjunto de instruções básicas
sobre cuja correção pesquisadores devem concordar com base ou em convenções ou por uma
tomada de decisão. A ciência, para Popper, é, portanto, construída não sobre uma rocha, e sim,
em um certo sentido, sobre dogmas (provisórios), convenções ou decisões (mais ou menos)
arbitrárias de cientistas para reconhecerem como corretas afirmações básicas a respeito de ob-
servações. Mas esse não era um grande problema para Popper, uma vez que ele era da opinião
de que podemos, por nossa vez – se alguma dúvida surgir quanto a sua exatidão –, submeter
essas afirmações básicas ao escrutínio, ou seja, testá-las.
Mas, no final das contas, filósofos da ciência e cientistas que realizavam pesquisas sobre
como os cientistas realmente trabalham estavam insatisfeitos com a defesa popperiana do mé-
todo da falsificação. E um livro que se tornou quase tão famoso quanto a Lógica de Popper
desempenhou um papel particularmente importante nesse debate: A estrutura das revoluções
científicas, de Thomas S. Kuhn, publicado em 1962. Kuhn (1922-1996), um americano origi-
nalmente formado em física, investigou o processo de pesquisa em sua disciplina de origem de
uma maneira quase sociológica, dando ênfase em um primeiro plano ao desenvolvimento his-
tórico da física (e da química), e, em um plano mais geral, à maneira por meio da qual novas

4
Esse trecho de Logik der Forschung, tradução alemã de A lógica da pesquisa científica, aparece em um adendo
acrescentado pelo autor em 1968; ele não constava da versão inglesa.
teorias passam a existir nas ciências naturais. Kuhn fez uma descoberta surpreendente e bas-
tante fora de sincronia com o princípio da falsificação defendido por Popper. A história da
ciência certamente apresenta inúmeros casos em que afirmações científicas específicas foram
falsificadas. No entanto, o que Kuhn observou em sua análise histórico-sociológica foi que, via
de regra, isso não conduziu em seus momentos à rejeição de teorias inteiras, das quais essas
afirmações eram derivadas, ou a sua substituição por outras. Kuhn mostrou que a história das
ciências naturais está repleta de novas descobertas, invenções etc. que contradizem fundamen-
talmente as principais teorias em voga em suas épocas: a descoberta de Lavoisier do oxigênio,
por exemplo, fundamentalmente contradizia a teoria reinante do flogístico, segundo a qual
esta “substância” é liberada por todos os corpos queimados. Mas a descoberta de Lavoisier não
levou à rejeição imediata da “antiga” e – como sabemos agora – incorreta teoria do flogístico.
Muito diferentemente, ela foi tornada mais específica, modificada e reconstruída a fim de tor-
nar compreensível a descoberta de Lavoisier; esta descoberta não foi considerada uma falsifi-
cação, e sim apenas uma observação problemática, um enigma temporário, uma “anomalia”
no interior de uma teoria comprovada. Kuhn documentou uma infinidade de casos similares
na história da ciência, dando atenção ao fato – e este é o ponto chave – de que essa adesão às
teorias antigas não representava de jeito nenhum uma expressão de dogmatismo ou irraciona-
lidade. Inúmeras vezes houve boas razões para esse conservadorismo: as velhas teorias tinham
provado seu valor no passado; era possível integrar as novas descobertas ao desenvolvimento
das teorias antigas, por exemplo por meio de hipóteses auxiliares; as novas teorias ainda não
haviam sido totalmente desenvolvidas e eram deficientes ou incompletas; era possível que se
estivesse lidando apenas com erros de medição, em vez de com uma falsificação genuína; e
assim por diante. Em resumo, no contexto da prática científica, há muitas vezes uma total falta
de critérios claros pelos quais se determinar quando uma teoria deve ser considerada falsifica-
da.
O livro de Kuhn trata exclusivamente da história das ciências naturais. Mas descrições
muito semelhantes do processo de pesquisa podem, naturalmente, também ser encontradas
nas ciências humanas e sociais, nas quais parece ser ainda mais difícil derrubar uma teoria,
isto é, falsificá-la como um todo, por meio de uma observação empírica. Basta apenas pensar
na história do marxismo: como uma teoria das ciências sociais, o marxismo pode, é claro – e
ele próprio exige nada menos que isso –, ser testado contra a realidade social. Agora, muitas
das afirmações teóricas formuladas ou defendidas por Marx, ou por marxistas, para falar cui-
dadosamente, conflitam com a realidade empírica. Muito do que Marx previu nunca aconte-
ceu: a polarização da população em uma classe rica capitalista de um lado e um proletariado
numericamente grande de outro não ocorreu; as revoluções socialistas previstas por Marx e
Engels não ocorreram, pelo menos não onde deviam, ou seja, nos países industrialmente
avançados e sob a liderança da classe operária; revoluções vitoriosas tiveram lugar no máximo
nas periferias globais e com um papel importante a ser desempenhado pelo campesinato, ou
seja, o grupo “errado” de pessoas; a dissolução de todos os laços particularistas, prevista por
Marx e Engels no Manifesto comunista, supostamente promovida pela economia – entre ou-
tras coisas, eles previram que os Estados-nação desapareceriam – também não ocorreu. Na
verdade, o final do século XIX e o século XX viraram as suposições de Marx e Engels de cabe-
ça para baixo: foi a grande era do nacionalismo e dos Estados-nação. Pois se se respeitasse o
princípio popperiano da falsificação, todas essas observações teriam inevitavelmente levado
conclusivamente à refutação do marxismo e, portanto, a sua rejeição definitiva. Mas isso não
ocorreu. Aqueles convencidos da validade do marxismo como uma abordagem para a pesqui-
sa sempre conseguiram convencer a si mesmos, e claramente a outros também, da produtivi-
dade do paradigma, por meio de uma série de hipóteses auxiliares. A proletarização da maio-
ria da população em países altamente industrializados, é isso que o argumento propõe, não
ocorreu porque o capitalismo conseguiu aliviar a pobreza “doméstica” intensificando a explo-
ração do “Terceiro Mundo”; essa foi também a razão pela qual as revoluções não tiveram lugar
nos países ocidentais, nos quais os trabalhadores foram “comprados” pelo capital, por via de
benefícios sociais, por exemplo, mas ocorreu, em vez disso, nos países do pobre e explorado
Terceiro Mundo; e Marx e Engels podem realmente ter se apressado ao preverem o fim dos
Estados-nação, mas hoje – na era da globalização – as coisas se encaminharam exatamente
como eles sempre previram; e assim por diante. Em resumo, a teoria marxista não estaria er-
rada, apenas exigiria adaptações a alterações das condições históricas.
Vocês podem decidir por si próprios o que fazer com essa defesa do pensamento de
Marx. Para nossos propósitos, o que importa é a percepção de que as ciências naturais e soci-
ais em geral, e de jeito nenhum apenas o marxismo, parecem impor um número bastante
grande de linhas defensivas das quais os advogados de uma teoria podem protegê-la contra a
falsificação empírica. De fato, as teorias das ciências sociais têm de algumas maneiras se mos-
trado ainda mais resistentes à falsificação inequívoca do que as das ciências naturais. As ciên-
cias sociais não apenas apresentam desentendimentos a respeito de o que precisamente a falsi-
ficação implica, mas ainda sobre o que exatamente uma teoria quer dizer. Enquanto teorias
das ciências naturais são na maior parte formuladas de forma relativamente clara, as ciências
sociais e humanas são mais frequentemente confrontadas com o problema de que não há ne-
nhum acordo real sobre qual é precisamente o conteúdo de uma teoria. Você pode estar fami-
liarizado com esse fenômeno por conta de seus cursos sobre os autores clássicos sociológicos
ou da leitura de bibliografia secundária sobre eles. O que Marx, Durkheim, Weber etc. real-
mente querem dizer? Qual é a interpretação correta, de uma vez por todas, das teorias de Marx,
Durkheim, Weber e outros? Uma teoria cujo conteúdo é muito controvertido é, parece lógico,
algo fracamente passível de falsificação empírica inequívoca.
Mas voltemos a Kuhn e seu livro A estrutura das revoluções científicas. Segundo ele, nas
ciências naturais, de todo modo, não há argumentos lógicos convincentes contra uma teoria;
não pode haver falsificação inequívoca. E, Kuhn sugere, não devemos nos surpreender se a
rotina diária de pesquisa se passe sem muitos sinais de crítica. Teorias vigentes são usadas por
longos períodos sem serem verificadas, precisamente porque os estudiosos estão convencidos
de sua fecundidade fundamental. Esse tipo de pesquisa rotineira Kuhn chama de “ciência
normal”. Ocorrências enigmáticas ou contraditórias, experimentos problemáticos etc. não são
considerados como falsificações no curso dessa “ciência normal”, mas sim, antes disso, repe-
timos, como anomalias, que se espera ser possível remover ou resolver em algum momento
com os meios teóricos vigentes. A “ciência normal” é a pesquisa

firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas, realizações que alguma
comunidade científica em particular reconheça por algum tempo como fornecedoras das funda-
ções para a sua prática continuada (Kuhn, Estrutura, p. 10).

Além disso, ainda segundo Kuhn, a história da ciência apenas muito raramente apresen-
ta casos de cientistas individuais que de repente abraçam um novo edifício teórico em resposta
a um argumento persuasivo ou uma experiência impressionante. A verdadeira irrupção de
teorias genuinamente novas ocorre de uma maneira que muitas vezes tem pouco a ver com
critérios puramente científicos. As antigas teorias muitas vezes se tornam demasiado comple-
xas por conta do constante acréscimo de novas hipóteses auxiliares a fim de explicar “anoma-
lias”, intensificando a necessidade de teorias mais simples. E essa necessidade é muitas vezes
articulada por uma nova geração de cientistas, que subitamente descartam a velha teoria e um
grande número dos quais estão dispostos a lançar um olhar renovado para novas descobertas e
“anomalias”, e que são, portanto, receptivos a novas teorias. Esse é o momento que Kuhn
chama de “revolução científica”. E, então, como ele também afirma, tem lugar uma mudança
de paradigma. Um antigo “paradigma” – uma forma antiga de olhar para fenômenos, uma
antiga grande teoria, e os métodos de pesquisa a ela associados – é substituído bastante rapi-
damente por um novo “paradigma”, assim como no passado a “astronomia ptolomaica” e a
“dinâmica aristotélica” foram substituídas, respectivamente, por suas homólogas “copernica-
na” e “newtoniana”, e a óptica corpuscular deu lugar à “óptica ondulatória”.
O ponto crucial nessas revoluções no trabalho científico descrito por Kuhn é que nunca
houve um critério empírico claro que teria tornado possível justificar de forma convincente e
persuasiva para todos os cientistas a guinada necessária em relação ao velho paradigma e a
mudança de direção rumo a um novo. Na história da ciência, não foi o conhecimento empíri-
co em si o que levou à rejeição final de uma teoria anteriormente considerada correta. Em vez
disso, as decisões sobre essas questões foram muitas vezes moldadas por circunstâncias bas-
tante banais, “ordinárias”. Foram muitas vezes fatores “biológicos” o que contribuiu para uma
nova teoria irromper, quando, por exemplo, uma geração de cientistas se tornou muito velha e
uma nova, aberta a inovações teóricas, se seguiu a ela. Mas isso também significa que os perí-
odos de “ciência normal”, tanto quanto os de “revoluções científicas”, são acompanhados por
lutas de poder e conflitos de interesses opostos (entre pesquisadores outsiders e estabelecidos,
entre os cientistas mais jovens e os mais velhos). A ciência é um empreendimento que não
pode ser totalmente separado dos fenômenos sociais que desempenham papeis na vida cotidi-
ana, assim como outros contextos.
As teorias antigas e as novas são, Kuhn afirma, “incomensuráveis”5; elas não podem de
fato ser comparadas e contrastadas. As revoluções científicas, portanto, não promovem a al-
ternância entre teorias semelhantes, mas entre teorias tão diferentes que podem ser descritas
como diferentes “visões de mundo”, expressão também utilizada por Kuhn.

Tomemos agora, portanto, como um dado indiscutível da realidade que as diferenças entre pa-
radigmas sucessivos são tão necessárias quanto irreconciliáveis... a recepção de um novo para-

5
A expressão original de Kuhn é incommensurables, que soa como um cognato, mas que deve ser entendido com
atenção: em português, incomensurável é algo que não pode ser medido, dada sua enormidade, mas o sentido
original diz respeito à direta leitura etimológica do termo: trata-se de algo que não (in) pode ser medido (mensu-
rable) juntamente (co), ou seja, pelo mesmo padrão, com outra. Dizer que dois paradigmas são incomensuráveis,
em Kuhn, quer dizer que eles não podem ser comparados, medidos por um mesmo padrão. (N.T.)
digma muitas vezes exige uma redefinição da ciência correspondente. Alguns problemas antigos
podem ser relegados a outra ciência ou declarados totalmente “não científicos”. Outros, anteri-
ormente inexistentes ou triviais, podem, com um novo paradigma, tornar-se os arquétipos da
conquista científica significativa. E como mudam os problemas, assim também, muitas vezes,
muda o padrão que distingue uma solução científica real de uma mera especulação metafísica,
um jogo de palavras, ou uma brincadeira matemática. A tradição científica normal emergente de
uma revolução científica não apenas é incompatível, como muitas vezes, na verdade incomensu-
rável com aquela que havia passado (Kuhn, Estrutura, p. 102).

Quando a revolução estiver concluída com êxito, a ciência ingressará em uma fase
“normal” mais uma vez, e as pesquisas realizadas pela comunidade científica se basearão em
certas regras e normas inquestionadas de prática de pesquisa como era antigamente, até a
ocorrência de uma nova revolução científica.
As análises de Kuhn na história e na sociologia da ciência, como ele apontou, determi-
nam consequências profundas para a filosofia da ciência. Repetindo, o processo científico não
funciona nem remotamente alinhado à tentativa de Popper de padronização por meio de seu
“princípio de falsificação”. E com base nos relatos de Kuhn, certamente podemos concluir que
é “bom” que os cientistas se abstenham de proceder em estrita conformidade com essa princí-
pio. A ciência normal, isto é, a ciência que procede acriticamente e de forma otimizada em
respeito a certos pressupostos teóricos, pode ser altamente produtiva. Pode muito bem fazer
sentido não rejeitar a teoria toda vez que uma observação contrária brotar: isso sabotaria ou
prejudicaria a prática de pesquisa. Pode fazer sentido inicialmente interpretar as observações
que contradizem a teoria como meras anomalias, na esperança de que os problemas internos à
teoria possam, não obstante, ser resolvidos em algum momento. De fato, esse foi frequente-
mente o caso na história das ciências. Além disso, Kuhn mostrou que um bom número de teo-
rias novas e no final das contas bem-sucedidas foram inicialmente falsificadas com base em
experiências e observações aceitas na época e, tivessem os cientistas aderido ao critério de fal-
sificação de Popper, elas deveriam ter desaparecido imediatamente. O critério de Popper,
Kuhn afirma, não é nem um guia útil para a história da ciência nem é de grande ajuda no pro-
cesso prático de pesquisa.
Finalmente, podemos extrair ainda mais uma conclusão dessas análises sociológicas de
Kuhn. Sua própria escolha terminológica, ao falar em “mudanças de paradigma” e “revolução
científica”, mostra-nos que o progresso científico não é processado sem interrupções, e sim é
repleto tanto de períodos tranquilos quanto de convulsões repentinas. Nisso, Kuhn toma uma
posição contrária tanto ao positivismo, cujos defensores obviamente creem no lento e contí-
nuo desenvolvimento do conhecimento científico apoiado por precisas observações empíricas,
quanto a Popper, que subestimou a importância da fase de ciência “normal” e “rotinizada”. A
ciência, mostra Kuhn, é um processo que desobedece às diretrizes racionais concebidas pelos
filósofos da ciência atrás de suas mesas. Na ciência, fatores aleatórios desempenham um papel
tão significativo quanto os conflitos de status e poder entre as gerações de cientistas mencio-
nadas anteriormente. (Caso você esteja interessado em um livro relativamente curto e bem
escrito sobre os debates no interior da filosofia da ciência, admiravelmente voltado para as ne-
cessidades de um estudante, recomendamos What is this Thing Called Science?, de A. F.
Chalmers.)
Em todo caso, o trabalho de Kuhn foi o ponto de partida para um debate veemente no
interior da filosofia da ciência sobre o status desta, particularmente nos anos 1960 e 1970. En-
quanto alguns o criticaram por dar rédeas soltas ao relativismo (considerava-se que seu dis-
curso sobre a “incomensurabilidade” das teorias, cuja qualidade não poderia ser estabelecida
empiricamente, colocava a ciência no mesmo nível de qualquer outra antiga visão de mundo,
tornando impossível uma discussão racional), outros congratularam as conclusões relativistas
que – assim eles acreditavam – poderiam ser extraídas de suas análises. O filósofo da ciência
Paul Feyerabend, anarquista e por algum tempo um autor altamente na moda, afirmou, por
exemplo, que nem seus métodos nem seus resultados legitimam as ambições dos cientistas: “A
ciência é uma [i]deologia entre muitas” (Science in a Free Society, p. 106), ou seja, apenas uma
forma de conhecimento entre outras (como a magia).
Mas tanto os defensores ortodoxos da ciência quanto seu críticos anarquistas interpreta-
ram Kuhn de forma errônea ou pelo menos de uma maneira muito particular. Kuhn não
afirma que os paradigmas concorrentes constituem totalidades ou visões de mundo hermeti-
camente isoladas uma da outra, entre as quais e em respeito a cujas fecundidades empíricas é
impossível escolher racionalmente, mas em que se poderia na melhor das hipóteses depositar
a fé – como com diferentes religiões. Ele afirmou apenas que em muitos casos não existe ne-
nhum critério empírico verdadeiramente claro a nos permitir decidir por que temos que esco-
lher um paradigma em vez de outro. Isso não é, contudo, o mesmo que dizer que nenhum ar-
gumento pode ser apresentado para aceitar ou rejeitar uma teoria (nessa linha de raciocínio,
ver Bernstein, The Restructuring of Social and Political Theory, pp. 152-67) . De maneira ne-
nhuma, em sua descrição histórica, Kuhn lança um ataque frontal à racionalidade da “ciência”.
Em sua visão, a transição de uma teoria para outra não é nem uma escolha infundada entre
vocabulários nem uma misteriosa transição de um discurso teórico para outro. Há certamente
razões pelas quais é necessário adotar um novo paradigma. É possível discutir racionalmente a
mudança de paradigma a que se aspira ou que se rejeita; os prós e contras de uma teoria em
particular podem ser pesados, mesmo que devamos desistir da esperança de que haja um “ex-
perimento crucial” que tomará a decisão por nós.
Além disso, as análises de Kuhn da história da ciência – apesar de sua radical e proble-
mática noção de “incomensurabilidade” entre paradigmas parecer excluir isso – quase sempre
mostram que os paradigmas se sobrepõem substancialmente. Os vários edifícios teóricos estão
interligados por muitos corredores. De fato, não apenas a história das ciências naturais, mas
também a das ciências sociais, mostram que alguns resultados empíricos são unanimemente
endossados por representantes de diferentes paradigmas, e que mesmo um número de afirma-
ções teóricas conta com a aprovação geral para além dos limites dos paradigmas.
O que tudo isso significa para as ciências sociais ou para a teoria social? Podemos extrair
duas conclusões de nossa discussão sobre a filosofia da ciência até aqui, especialmente a partir
da análise kuhniana, conclusões de grande importância para as conferências a seguir. A pri-
meira: o fato de que o atual panorama teórico das ciências sociais pareça confuso, de que exis-
tam muitas teorias sociais ou paradigmas diferentes, alguns deles em desacordo extremo com
os outros, não significa que essas teorias ou seus teóricos são incapazes de se envolver em um
debate racional. Nas 19 conferências vindouras, os introduziremos a uma série de teorias. Vo-
cês verão – e esta é uma das teses centrais desta série de apresentações – que os diversos teóri-
cos se comunicam uns com os outros, que eles fazem referências críticas uns aos outros, de tal
maneira que suas teorias se sobrepõem, assemelham-se e se complementam em algum grau. O
fato de a sociologia, por exemplo, não se basear em um único paradigma ao qual se tenha che-
gado por meio de abstração (o que se aplica, por exemplo, à economia, na qual uma escola
teórica específica é claramente dominante ou hegemônica), o fato de uma diversidade teórica
muito lamentada e confusa prevalecer no interior da sociologia, isso tudo não significa que ela
esteja fragmentada, ou seja obrigada a se fragmentar, em uma coleção de abordagens desco-
nectadas.
Para os que estão agora sendo apresentados ao mundo da teoria social moderna, isso le-
va a uma conclusão inescapável: vocês provavelmente não se tornarão especialistas em todas
as escolas teóricas apresentadas no curso de seus estudos; ninguém pode esperar isso de vocês,
especialmente porque vocês teriam enorme dificuldade para encontrar um professor de ciên-
cias sociais que esteja verdadeiramente a par de e atualizado com todas essas correntes teóricas.
Mas não tentem escapar dessa confusão refugiando-se na primeira teoria que os atraia. Há já
alunos demais que conhecem apenas uma única teoria muito bem e que são tão entusiastas
dela que desdenhosamente ignoram todas as outras abordagens. Infelizmente, um razoável
número de seus professores, que, não raro, se especializaram em uma única teoria e conside-
ram todas as outras em princípio “ruins” ou inúteis, são exemplos vivos de tal comportamento.
Como já dissemos, as várias abordagens existentes na sociologia têm muito potencial para o
intercâmbio mútuo. Por isso, os aconselhamos a entrar em diálogo com diferentes correntes
teóricas à medida que avancem em seus estudos. Isso os ajudará a evitar a unilateralidade e o
cegamento em relação a outras perspectivas. Dado que, como vimos, os conhecimentos empí-
rico e teórico estão bastante interligados, essas são armadilhas que certamente se transferiri-
am para seu trabalho empírico.
A segunda conclusão a ser tirada do “debate” entre Popper e Kuhn é diretamente rele-
vante para as conferências a seguir. Se é verdade que as questões teóricas não podem ser resol-
vidas unicamente com meios empíricos, que os níveis do conhecimento empírico e do teórico
não podem ser claramente separados, que – como elucida a Figura 1.1, produzida por Jeffrey
Alexander – devemos trabalhar com a presunção de que os ambientes empírico e metafísico
variam ao longo de um continuum, então fica claro também que o trabalho teórico em ciên-
cias sociais precisa representar mais do que as meras criação e falsificação de leis ou declara-
ções universais, como seria o caso de acordo tanto com Popper quanto com os teóricos da es-
colha racional. A teoria social deve também preocupar-se com o que é chamado “pressuposi-
ções gerais” do diagrama de Alexander. Assim, as questões teóricas variam de generalizações
empíricas a sistemas abrangentes de interpretação que interligam atitudes básicas de caráter
metafísico, político e moral ao mundo. Qualquer um desejoso de se tornar parte do mundo
das ciências sociais não pode, portanto, se furtar a ingressar no debate crítico em todos esses
níveis. Aqueles que esperam se manter com teorias puramente empíricas se decepcionarão. (É
sem dúvida desnecessário repetirmos mais uma vez que nossa concepção da teoria não é in-
contestável. Como dissemos, defensores de teorias da escolha racional sequer descreveriam
muitas das teorias apresentadas adiante como “teorias”. Se desejar dar uma olhada na contro-
vérsia em torno da pergunta “O que é teoria (social)?”, sugerimos comparar o primeiro capí-
tulo do livro de Jeffrey Alexander Twenty Lectures: Sociological Lectures Since the World War
II com os comentários de Hartmut Esser, um dos principais teóricos da escolha racional na
Alemanha, em seu livro Soziologie: Allgemeine Grundlagen, caps. 3 e 4).
Se tomarmos como base esse conceito amplo de teoria, não significa que o debate deve,
necessariamente, ser levado a cabo sem controle, com cada teórico como estudioso de sua
própria teoria e nada se colocando no caminho de um aumento arbitrário do número delas?
Muito simplesmente, a resposta é “não”. Tornou-se de fato evidente no interior das disciplinas
das ciências sociais – e isso nos leva de volta a nossa primeira conclusão – que, apesar da
grande diversidade teórica, os estudiosos estão em grande parte de acordo sobre quais são os
temas de investigação fundamentais ou centrais. E que é possível identificá-los. Acreditamos
que o desenvolvimento teórico das ciências sociais pode ser entendido como algo que gira em
torno de três questões muito específicas. Que são: “O que é ação?”, “O que é ordem social?” e
“O que determina uma mudança social?”. Todos os teóricos – e isso se aplica tanto aos autores
clássicos da teoria sociológica quanto aos modernos teóricos sociais – dedicaram-se a essas três
perguntas. E devemos acrescentar que elas, naturalmente, estão sempre estreitamente interli-
gadas: as ações dos seres humanos nunca são totalmente aleatórias. As ordens sociais sempre se
desenvolvem, e isso está sujeito à mudança histórica. Embora os escritos dos teóricos discuti-
dos a seguir abordem essas questões de formas marcadamente diferentes – alguns estão mais
interessados na ação do que na ordem, muitos se preocuparam mais com a estabilidade do
que com a mudança social –, essas questões mutuamente entrelaçadas sempre estiveram pre-
sentes. O que torna essas perguntas tão particularmente interessantes é o fato de que o proces-
so de respondê-las quase inevitavelmente leva teóricos a produzir certos diagnósticos de seus
tempos. As ideias muitas vezes abstratas dos diversos teóricos a respeito da ação social, da or-
dem social e da mudança social ganham expressão – seja direta ou indireta – em avaliações
muito concretas do estado das sociedades contemporâneas, seu futuros “caminhos de desen-
volvimento” e mesmo de seus passados. O confronto com essas três questões não é, portanto,
um exercício puramente formalista ou um fim em si mesmo, mas nos leva direto ao coração
do campo de atividades que torna as ciências sociais tão intelectualmente estimulantes e atra-
entes para um vasto público: seu esforço para compreender as sociedades contemporâneas e
detectar suas tendências futuras.
Pois esse fato nos oferece uma base a partir da qual estruturar as conferências seguintes.
Nossa tese é que o desenvolvimento da teoria social moderna pode ser entendido como uma
busca incessante de respostas para as três questões mencionadas e que o consequente debate
foi elevado a um outro nível na década de 1930 por um grande sociólogo americano, ao qual
sucessivos teóricos repetidamente se referem – implícita ou explicitamente, com aprovação ou
crítica – até hoje. Estamos nos referindo a Talcott Parsons; em função da importância de seu
trabalho para a teoria social moderna, as próximos três conferências são dedicados a ele. A
história da recepção da obra de Parsons demonstra com enorme clareza exatamente o argu-
mento que apontamos e sublinhamos anteriormente: de forma nenhuma a sociologia sim-
plesmente se pulverizou em várias escolas teóricas, nem esse nunca foi o seu destino. Em vez
disso, é uma disciplina na qual o desenvolvimento da teoria foi impulsionado por comunica-
ção, discordâncias racionais e debates polêmicos. Entre outras coisas, a tendência dos estudio-
sos a constantemente se remeterem ao sistema de pensamento produzido por Talcott Parsons
criou a unidade que queremos agora retratar nas 19 conferências que se seguem.
Apresentaremos aqui em tantos detalhes quanto o contexto atual permita como Parsons
entendia a ação social, como ele concebeu a ordem social, o que ele tinha a dizer sobre a mu-
dança social, como ele interpretou “sua era” – e como e por que outras escolas teóricas con-
trastavam com seus pontos de vista. Pretendemos também brevemente introduzir os mais im-
portantes autores, fundadores de diversas escolas teóricas. Pretendemos oferecer uma visão
geral dos campos de pesquisa empírica em que as diversas escolas teóricas foram mais capazes
de desenvolver seus pontos fortes, mas também aqueles que expuseram seus pontos fracos. E
este último detalhe deve ser de particular interesse para aqueles que tendam ou finalmente
tenderão ao empirismo. Ele deixará perfeitamente claro mais uma vez um ponto a que nos
referimos em diversas ocasiões: a definitiva impossibilidade de traçar uma linha divisória níti-
da entre o conhecimento empírico e o teórico.

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