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Revista Brasileira de Ciências Sociais

ISSN: 0102-6909
anpocs@anpocs.org.br
Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais
Brasil

Connell, Raewyn
A iminente revolução na teoria social
Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 27, núm. 80, octubre, 2012, pp. 9-20
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=10724731001

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A IMINENTE REVOLUÇÃO NA TEORIA SOCIAL*

Raewyn Connell
Tradução de João Maia

A inclusão do que é diferente, da diferença, no corpo processo de trabalho mais amplo no qual o conhe-
das teorias atuais encontra resistência vigorosa... pois cimento é produzido e circulado.
há uma enraizada relutância em encarar o problema
Na produção contemporânea de conhecimen-
crítico, que é a reestruturação do próprio aparato
conceitual (universal). to, tal como vista em universidades, o processo de
anouar abdel-malek, The future of social theory, 1971. trabalho intelectual como um todo envolve a coleta
de dados, o processamento teórico desses dados e a
disseminação e aplicação dos resultados. Isso tudo
O que é teoria? pode ser feito por apenas uma pessoa, e uma for-
ma “artesanal” de organizar o processo de trabalho
Eu proponho uma definição algo ortodoxa. realmente existe nas disciplinas universitárias (Tan-
Teoria é o trabalho que o centro1 faz. cred-Sheriff, 1985). Mas, na maioria dos campos
É claro que a palavra também implica a for- de saber, há uma força de trabalho maior e mais
mação de conceitos, a construção de argumentos complexa, e uma detalhada divisão social de traba-
causais e a definição e o desenvolvimento de méto- lho relacionada à produção de conhecimento. Há
dos. Meu ponto é que essas atividades são formas tarefas organizativas e gerenciais nessa divisão do
de trabalho intelectual, que ocorrem dentro de um trabalho, as quais são realizadas (no nível estratégi-
co) pela teoria.
Conforme apontado por Paulin Hountond-
* Conferência realizada no 35º Encontro Anual da An-
pocs, Caxambu, Minas Gerais, em 26 de outubro de ji (1997), esta divisão social do trabalho sempre
2011. teve uma dimensão geopolítica. Tanto nas ciências
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naturais como nas sociais, o mundo colonizado e Os textos de teoria social envolvem princi-
a periferia global pós-colonial têm sido a zona na palmente uma reificação da experiência social do
qual se coletam os dados em grande escala, e, pos- Norte.3 Às vezes, isso é bem direto, como quando
teriormente, aplica-se o conhecimento organizado. somos informados de que vivemos numa sociedade
A metrópole,2 o centro imperial, tem sido o lugar de redes, ou numa sociedade de risco, ou na pós-
preeminente para a teoria. Metodologia, forma- -modernidade – todas caracterizadas por experiên-
ção conceitual, processamento de dados e debate cias sociais que a maioria da população do mundo
intelectual aconteceram principalmente nas uni- não vive. Nas formas mais sofisticadas e poderosas
versidades, nos museus, nos jardins botânicos e de teoria, contudo, a reificação da experiência so-
nos institutos de pesquisa dessa região do mun- cial da metrópole ocorre num nível mais abstrato.
do. Assim, uma divisão imperial do trabalho es- Eu explorei esse ponto em uma análise de três
trutura o processo social que fundamenta os tex- grandes textos de teoria social geral, escritos por
tos que usualmente nomeamos como “teoria”. As Coleman, Bourdieu e Giddens (Connell, 2006). A
formas de trabalho que constituem e direcionam despeito das grandes diferenças em estilo e substân-
o processo de produção de conhecimento estão cia entre os autores, seus trabalhos compartilham as
concentradas principalmente nas instituições de mesmas características lógicas que refletem o posi-
elite do Norte global. cionamento típico enraizado na metrópole. Talvez
Na Austrália ou no Brasil, nós não citamos o mais importante seja que eles constroem concei-
Foucault, Bourdieu, Giddens, Beck, Habermas etc. tos e métodos para analisar uma sociedade desprovi-
porque eles conhecem algo mais profundo e pode- da de determinações externas. Isso implica dizer que
roso sobre nossas sociedades. Eles não sabem nada suas metodologias teóricas excluem o colonialismo.
sobre nossas sociedades. Nós os citamos repetidas Eles não escrevem a partir da experiência social de
vezes porque suas ideias e abordagens tornaram-se quem foi colonizado, ou se envolveu na coloniza-
os paradigmas mais importantes nas instituições ção, ou ainda está imerso numa situação neocolo-
de conhecimento da metrópole – e porque nossas nial. E, na verdade, suas imaginações teóricas não
instituições de conhecimento são estruturadas para incorporam o colonialismo como um processo so-
receber instruções da metrópole. cial significativo.
Se teoria é o trabalho que o centro faz, então Esse metrocentrismo4 da imaginação socioló-
a mudança revolucionária é possível. Caso esse gica é mais evidente nas teorias da “globalização”.
trabalho seja feito em outros lugares, o centro será De todos os tópicos sociológicos, é nesse que as re-
fatalmente (re)localizado. Os possíveis significados lações entre metrópole e periferia são mais nítidas.
desse processo para as ciências sociais serão o tema Ainda assim, a abundante literatura sociológica fei-
deste artigo. ta no Norte frequentemente projeta características
da modernidade ou pós-modernidade da metrópo-
le para outros espaços. Para muitos teóricos, isso é
A estrutura geopolítica do pensamento tudo o que “globalização” significa. Ao refletirem
sociológico sobre neoliberalismo, escritores do Norte quase
nunca citam pensadores do Sul que pudessem cor-
A construção de conceitos nas ciências sociais rigir seus pressupostos (Connell, 2007).
sempre envolve uma reificação da experiência so- A sombra do metrocentrismo no Norte é o
cial. Dizer isso não é uma crítica em si; algum tipo metrocentrismo no Sul. Escritores de partes muito
de reificação é necessário para se ir além da situa- distintas da periferia global identificaram o mes-
ção imediata e concreta, para podermos falar sobre mo problema em línguas diferentes. Um crítico
outras situações. Mas colocar isso dessa maneira literário australiano escreveu sobre o “servilismo
imediatamente provoca a seguinte questão: que ex- cultural”5 que infestou a vida cultural de seu país
periência social está sendo reificada, e mais especifi- (Phillips, 1950). Um novelista do sudoeste asiático
camente, experiência social de quem? que também foi crítico social inventou um termo

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em Farsi, Gharbzadegi – grosso modo, “Westoxica- de detalhamento é o recente livro Doing sociology in
tion” ou “ser golpeado pelo Ocidente” – para no- India (Patel, 2011).
mear a condição neocolonial do Irã (Al-e Ahmad, Outra estratégia é a busca por sistemas indíge-
1982 [1962]). Um sociólogo do sudeste asiático nas de conhecimento,8 entendidos como contextos
fala sobre a “dependência acadêmica” na periferia, para produção de um conhecimento que esteve ori-
um aspecto da divisão global do trabalho nas ciên- ginalmente fora do sistema euro-centrado e que tal-
cias sociais (Alatas, 2003). Um filósofo da África vez ainda possa estabelecer uma base para autono-
ocidental nomeia a “extroversão”6 dos intelectuais mia. Essa busca tem sido particularmente vigorosa
no mundo colonizado, isto é, a condição de ser na África (Odora Hoppers, 2002). Como a abor-
orientado para fontes de autoridade externas à sua dagem baseada nas tradições nacionais, ela implica
própria sociedade (Hountondji, 1997). o “pluralismo epistemológico” debatido numa pu-
As formas materiais dessa dependência são blicação recente da CLACSO (Olivé et al., 2009).
familiares. Intelectuais da periferia viajam para Uma terceira estratégia é a crítica pós-colonial
a metrópole para obter treinamento avançado. do pensamento europeu, comum no trabalho de
Nós buscamos publicar nos jornais da metrópole, Edward Said. A tentativa de “provincializar a Eu-
juntar-nos aos “invisible colleges”  7 de lá, e, se tiver- ropa” e os projetos “de-coloniais”9 que discutem (e
mos sorte, obter empregos nas suas instituições. questionam) a América Latina (Chakrabarty, 2000;
Essas práticas agora são poderosamente reforçadas Mignolo, 2005) são os últimos desenvolvimentos
pela governança neoliberal das universidades, pre- dessa estratégia. Um livro recente, Decolonizing
ocupada com a posição competitiva nos rankings European sociology (Gutiérrez Rodríguez, Boatcã e
internacionais que são – surpresa! – centrados no Costa, 2010), aplica essa crítica diretamente para as
Norte global e utilizam o critério de excelência lá ciências sociais.
desenvolvido. Uma quarta estratégia é a tentativa de encon-
As conseqüências intelectuais são menos discu- trar, fora das tradições europeia e norte-americana,
tidas, mas são profundas. Para publicar em periódi- bases para um universalismo alternativo. Interlocu-
cos da Metrópole, deve-se escrever seguindo os gê- tores respeitáveis nessa seara são a ciência islâmica,
neros da Metrópole, citar a literatura da Metrópole incluindo-se aí as tradições islâmicas nas ciências so-
e tornar-se parte do discurso lá produzido. Para um ciais, e a filosofia inspirada em Ghandi (Alatas, 2006;
cientista social, isso significa tanto descrever sua Lal, 2002). Tais projetos não demandam pluralismo
própria sociedade como se fosse a metrópole, supri- epistemológico, mas, na verdade, uma racionalidade
mindo sua especificidade histórica; ou descrevê-la que está fundada em um lugar que não aquele ocu-
em termos comparativos, situando sua especifici- pado pelas tradições metrocentradas.
dade nos parâmetros da metrópole. Neste último
caso, o cientista social torna-se o informante nativo
para o mundo intelectual da metrópole. O encontro colonial como o ponto crucial
É claro que essas pressões são discutidas, e para a teoria social
podem ser resistidas. De fato, existem numerosas
formas identificáveis de resistência, a maioria delas Presente em todos esses projetos, mas não na
envolvendo uma busca por especificidade local. teoria eurocêntrica, está o próprio encontro co-
Nas ciências sociais, a estratégia mais familiar lonial. Este “encontro” não é apenas o momento
de resistência à hegemonia da metrópole é enfatizar de conquista colonial ou de controle indireto, não
as distintas tradições nacionais ou estilos de traba- importa quão importante seja. Implica também a
lho intelectual. Este projeto tem sido proeminente constituição da sociedade colonial, a transforma-
recentemente na Associação Internacional de So- ção de relações sociais sob o poder colonial, as lutas
ciologia, agregando as histórias de muitas sociolo- pela descolonização, a instalação de novas relações
gias nacionais (Burawoy, Chang e Hsieh, 2010; Pa- de dependência, e as lutas para aprofundar ou desa-
tel, 2010). Um exemplo notável com grande grau fiar essa dependência.

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O pensamento social que emerge dessa ex- ciologia do século XIX por meio do contraste entre
periência histórica é o que chamei de “Southern “primitivo” e “moderno”.
theory” (Connell, 2007). Seja como for chamada A teoria do Norte geralmente pressupõe uma
e analisada, essa experiência histórica – que, vale epistemologia consolidada, dentro da qual formas
lembrar, envolve a maioria das pessoas no mun- sociais coerentes podem ser traçadas – uma ordem
do – é crucial para a teoria social. Qualquer for- de gênero, uma estrutura de classe etc. Como Nina
ma de teoria social que não discute o encontro Laurie (2005) observou de forma aguda ao discu-
colonial define-se automaticamente como um as- tir formas de gênero que emergiam nas “guerras
sunto de menor importância. Isso inclui a maior da água” em Cochabamba, na periferia tal episte-
parte do que é atualmente conhecido como “teo- mologia não pode ser pressuposta. A colonialidade
ria” na sociologia. do poder, para usar a expressão de Aníbal Quijano
Entender e teorizar a partir do encontro co- (2000), cria diferentes condições para o entendi-
lonial é uma tarefa desafiadora, além de ser tra- mento do social.
balho para muitas mãos. Sem a pretensão de to- Terceiro, o fato de que o encontro colonial foi
mar a frente desse trabalho, talvez seja útil indicar ontoformativo;10 em grande escala, ele criou reali-
alguns de seus componentes, que implicam uma dades sociais que não existiam anteriormente. Isto
tarefa distinta das realizadas pelos já conhecidos foi afirmado com clareza particular por Valenti-
projetos de teoria do Norte. ne Mudimbe no seu A invenção da África (1988).
Primeiro, a escala, a extensão e o impacto so- Essa “invenção” é não apenas uma imagem cultu-
cial da violência mundo afora. A supressão violenta ral, tal como mapeada por Said e Mignolo em ou-
da resistência durou por quatrocentos e cinquenta tros contextos. É também a criação de uma nova
anos, dos espanhóis atracando no Caribe com espa- ordem social. A conquista instala uma “estrutura
das e armas de fogo até os ingleses e franceses bom- colonizadora” cujas tarefas, tal como Mudimbe as
bardeando aldeias do alto de jatos (se contarmos as vê, são dominar o espaço, reformar as mentes dos
recentes guerras estadunidenses em apoio aos seus nativos, e integrar as economias locais ao capitalis-
próprios regimes prepostos, a contagem está em mo global. Essa história inclui a criação do Estado
quinhentos anos). colonial, a atividade dos missionários, a criação de
As duas “guerras mundiais” na Europa e no Pa- economias de plantation e da criação pastoril, e a
cífico Norte empalidecem em comparação; esta foi história completa do desenvolvimento, das minas
a verdadeira Guerra Mundial. Ela não apenas subs- assassinas de Potosí aos buquês feitos de flores que
tituiu regimes políticos, mas destroçou mundos são agora transportadas de forma chocante de avião
sociais, exterminou algumas populações, e deixou da África Central para a Europa Ocidental.
um rastro poderoso de corpos e deficiências físicas Estruturas de gênero e de classe são criadas sob
e mentais ao redor do planeta (Meekosha, 2011). condições únicas no mundo colonial, e não sim-
Para tomar um padrão social como exemplo, a vio- plesmente importadas ou modificadas. Sempre que
lência colonial foi extremamente marcante na for- mencionamos o outro componente das análises
mação das masculinidades nas sociedades coloniais “interseccionais” atuais – raça –, estamos diante de
da periferia (Nandy, 1983; Morrell, 2001). uma das mais fundamentais criações do colonialis-
Segundo, a reelaboração dos enquadramentos mo, pois conceitos modernos de raça são precisa-
de causalidade social e temporalidade. A teoria so- mente um produto tardio do Império.
cial europeia pressupôs uma sucessão inteligível de A teoria do Sul também pode ser expressa
formas sociais, isto é, assumiu uma ideia de tempo em outros gêneros. O livro Gharbzadegi, de Al-e
contínuo. A colonização criou o tempo descontí- Ahmad’s, tem uma forma literária bem diferente
nuo, uma sucessão que não é inteligível a partir das de, digamos, Bowling alone (Putnam, 2000), em-
dinâmicas sociais da sociedade pré-colonial. Essa bora ambos tratem da alienação e contenham aná-
disjunção é levada à frente nas culturas colonial e lise social combinada à crítica cultural. Diferenças
pós-colonial. Ela foi mesmo incorporada pela so- ainda mais radicais podem ser encontradas. Alguns

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elementos importantes do pensamento social de Ali Sul e da conversão neoliberal da ANC (Congresso
Shariati (1986) são expressos na forma de sermões, Nacional Africano).
e não se encontra tal formato tão facilmente na so- Eu não quero sugerir que a teoria do Sul é
ciologia feita no Norte! profundamente distinta da teoria do Norte, e que
Como as condições do trabalho intelectual e habita um mundo diferente. Isso remete à crítica
a história social das intelligentsias são diferentes no que Domingues (2009) corretamente fez à versão
mundo colonizado daquelas existentes na metrópo- de Mignolo do projeto “de-colonial”, o de que este
le, o caráter da teorização provavelmente também inverte a dicotomia modernidade-tradição da teoria
será distinto. Instituições acadêmicas são menos do desenvolvimento. Intelectuais na periferia estão
poderosas e movimentos sociais importam mais. É constantemente utilizando elementos do pensa-
claro que se podem encontrar importantes pensa- mento produzido na metrópole, e as preocupações
dores no Norte que escreveram no contexto desses de pesquisadores do Sul obviamente se encontram
movimentos – Antônio Gramsci logo vem à men- com aquelas das disciplinas do Norte. Mas o pen-
te. Mas não são muitos, comparados com os aca- samento social na periferia global ocorre sob con-
dêmicos. Na lista de chamada dos teóricos do Sul, dições diferentes, tem pressupostos e possibilidades
encontram-se frequentemente pessoas como Plaa- distintas, e suas consequências têm, para utilizar
tje, Sun, Kenyata, Fanon, Prebisch, cujos trabalhos uma metáfora, um centro diferente de gravidade.
foram produzidos em um contexto de luta política,
ou Shariati, Amin, Hau’ofa e outros que trabalha-
ram na fronteira entre academia e ativismo. Mudando o conteúdo da teoria
A estruturação colonial da realidade social não
termina com a descolonização formal, como Qui- Uma teoria social focada no Sul global tem
jano, entre outros, enfatizou. Uma ciência social uma conexão com o projeto do conhecimento in-
adequada globalmente deve se preocupar com as dígena conforme sugerido acima, mas é fundamen-
formas tomadas pelo encontro colonial após a in- talmente preocupada com as transformações da so-
dependência política. ciedade e do conhecimento no mundo colonizado.
A brilhante e triste análise do desastre de Considere-se, por exemplo, a discussão sobre gêne-
Bhopal11 por Veena Das, em seu Critical events ro e terra feita por Marcia Langton, uma intelectual
(1995), é exemplar, relacionando corporações aborígene12 de destaque na Austrália, em seu paper
transnacionais, o estado desenvolvimentista pós- sobre a “Grandmother’s Law” (1997).
-colonial, a ideologia legalista e o silenciamento Na antropologia dominante no mundo anglo-
da voz popular. We are the ocean (2008), de Epeli -saxão, a cultura aborígene australiana tem sido
Hau’ofa, uma rara contribuição para o pensamen- retratada como patrilinear e patriarcal. Mas essa
to social oriunda de pequenos estados insulares, representação veio predominantemente de antro-
oferece uma análise afiada do contínuo desorde- pólogos homens convencidos da inferioridade das
namento de sociedades insulares do Pacífico des- mulheres. As mulheres, por sua vez, têm demons-
de suas independências formais: a criação de uma trado que os direitos femininos estavam inscritos
classe dominante dependente em torno da ajuda em sistemas pré-coloniais de posse da terra, embora
internacional e dos negócios e a relegação da lín- estes operassem de forma distinta, ou abarcassem
gua e culturas locais para áreas habitadas pelos lugares diferentes, do que os direitos masculinos
pobres e sem escolaridade. Como Wiebke Keim sobre a terra.
(2008) observa, o apartheid sul-africano propiciou Nas condições da conquista colonial violenta
a emergência de uma escola específica de ciências e da pressão radical sobre culturas aborígenes no
sociais na forma de uma sociologia industrial crí- mundo pós-colonial, essa ordem terra-gênero foi
tica. Após o fim do apartheid, trabalhos notáveis brutalmente interrompida, conforme demonstrado
foram feitos sobre relações de gênero e sexualidade seja pela memória social, seja pela documentação
no contexto da grande crise de HIV na África do histórica (Somerville e Perkins, 2010). Mas o povo

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aborígene lutou tenazmente por sua vida. Langton do neoliberalismo, e a agenda do neoliberalismo é
argumenta que as tradições femininas, suas regras, um caso em questão.
seus enraizamentos nos lugares e o conhecimen- Até agora, embora amplamente criticado no
to para seguir em frente (“Grandmother’s Law”13), Sul global, o neoliberalismo tem sido teorizado a
provaram-se extraordinariamente persistentes e partir do Norte global. Suas raízes históricas estão
mostraram-se fundamentais para a manutenção da supostamente fincadas nas ideologias dominantes
sociedade aborígene. Mulheres mais velhas, portan- da metrópole; seu núcleo político seria composto
to, tornaram-se a chave para a sobrevivência social de desregulamentação, privatização e o recuo do
sob o impacto severo do colonialismo. Na vida Estado de bem-estar social; e acredita-se que ele
aborígene contemporânea, “aunty”14 é um termo tenha sido exportado para o resto do mundo por
de grande respeito. conta do triunfo da nova direita liderada por Rea-
A ênfase de Langton nos direitos sobre a terra, gan e Thatcher.16
a preocupação mais importante da política aborí- De uma perspectiva do Sul, contudo, deve-
gene australiana na última geração, é notável. A -se começar com o fato de que o primeiro regime
terra é um assunto quase ausente da teoria de gê- neoliberal não emergiu nem nos Estados Unidos,
nero no Norte (com exceção do ecofeminismo), e nem no Reino Unido, mas no Chile (Silva, 1996).
praticamente ausente também da teoria social do Boa parte da periferia global não tinha um Estado
Norte em geral. Entretanto, é um assunto funda- de bem-estar social para ser revertido. Na Austrá-
mental para o entendimento do poder colonial e lia e na Nova Zelândia, foram os governos traba-
pós-colonial. lhistas de centro-esquerda, não os da nova direita,
Isso não é novidade no Brasil, dada a presença os quais trouxeram o neoliberalismo, em meio ao
do Movimento dos Sem Terra (MST) na política pânico diante da posição competitiva declinante na
contemporânea e os insolúveis conflitos sobre o economia global. A coerção também esteve relacio-
uso da terra na região amazônica. Nesse ponto de nada à história latino-americana do neoliberalismo,
vista, o trabalho de João Maia (2008) sobre Eu- tanto quanto o pânico social (Gómez, 2004). Em
clides da Cunha e o espaço no pensamento social boa parte do mundo, a mudança chave trazida pelo
brasileiro abre excitantes perspectivas para a histó- neo­liberalismo foi uma alteração na estratégia desen-
ria da teoria. A celebração e a estereotipação dos volvimentista, de uma industrialização substitutiva
sertanejos na criação da identidade nacional têm da importação para um crescimento liderado por
importantes ressonâncias no culto ao outback15 exportações e baseado em vantagens competitivas. A
por parte dos colonos australianos na mesma épo- estatística chave para o neoliberalismo não é o ta-
ca. Trazendo a discussão para o presente, a terra e manho do setor público em relação ao setor privado
o seu lugar no processo social serão um assunto na economia nacional, mas o crescimento agregado
de suma importância no desenvolvimento de uma do comércio mundial. O neoliberalismo não pode
sociologia do meio ambiente, como, por exem- ser entendido apenas como economia política, pois
plo, na investigação sobre a criação de mercados envolve fundamentalmente mudanças nas relações
globais de carbono (Benton-Connell, 2011). Há sociais e na vida organizacional (Connell, 2010).
novos trabalhos surgindo que desenvolvem pers- Assim, Moeletsi Mbeki (2009) vê a era dos
pectivas do Sul na teoria sobre o urbano (Edensor programas de ajuste estrutural na África como
e Jayne, 2011). nada menos do que um novo mercantilismo, ba-
A mudança que ocorrerá na teoria social pelo seado num pacto faustiano entre elites políticas
crescimento de perspectivas do Sul é, em parte, por africanas e corporações multinacionais que que-
conta do advento de novos assuntos, tais como a rem acesso aos recursos do continente – petróleo,
violência ontoformativa e a importância social da minerais etc. São as desigualdades do poder global
terra, mas também em parte envolve perspectivas que estão no coração do problema, que espremem
alternativas sobre temas já existentes. Os mercados a produção local feita fora do setor agrícola, e pro-
globais de carbono já mencionados são um projeto duzem uma situação na qual largas somas de aju-

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da externa produzem nada a não ser estagnação Quais recursos poderiam ajudar a mudar essa
econômica. Eu não concordo totalmente com o situação? O mais óbvio é o próprio recurso represen-
argumento de Mbeki – ele vê outro tema neoli- tado por outras partes da periferia. Conexões Sul-Sul
beral como solução: uma transição para a cultura são comuns nas discussões econômicas e políticas,
empreendedora. Mas eu acho que o seu argumen- e estão entrando na agenda intelectual. O recente
to oferece uma visão significativamente diferente encontro na Malásia de organizações de ciências so-
daquelas encontradas nas análises do Norte sobre ciais da América Latina, África e Ásia é um exemplo
o neoliberalismo. promissor. Eu estou feliz de ver que as associações
nacionais de ciências sociais da Austrália, que histori-
camente selecionaram seus conferencistas apenas nos
Refazendo o processo Estados Unidos e no Reino Unido, estão começando
a convidar palestrantes de outras partes da periferia.
Eu defini teoria como uma forma de trabalho Como uma socióloga australiana que sou, estou fe-
intelectual, em especial a parte diretiva do processo liz de ter sido convidada este ano para palestras em
de produção na formação de conhecimento. Isso conferências na Costa Rica, na África do Sul e no
liga a compreensão da teoria ao ser social dos traba- Brasil. Na Austrália, nós temos um site (<www.sou-
lhadores intelectuais que executam esse trabalho, às thernperspectives.net>), dedicado às ligações Sul-Sul
suas condições industriais e às práticas nos locais de ao redor de um amplo arco de disciplinas.
trabalho. A orientação dos intelectuais na periferia Essas ainda são pequenas iniciativas; elas são
para a metrópole global, intitulada “extroversão” ou promissoras, mas ainda não têm escala para pro-
“dependência acadêmica” na literatura acima men- duzir impacto nas práticas estabelecidas de de-
cionada, é um fato empírico, e pode ser traçada pendência. O impacto dos movimentos sociais, ao
por intermédio de surveys com a força de trabalho menos em termos potenciais, tem escala maior. Os
intelectual, como fizemos para o caso australiano movimentos de povos indígenas têm certamente
(Connell, Wood e Crawford, 2005) produzido a base para projetos de conhecimen-
As condições de trabalho afetam a produção tos indígenas na Nova Zelândia, no Canadá e na
intelectual de outras maneiras ainda. Thandika África. Movimentos de mulheres ao redor do Sul
Mkandawire (2005) chamou a atenção para as global forneceram as bases para múltiplos feminis-
tendências de financiamento de ciências sociais mos (Bulbeck, 1998). O Fórum Social Mundial,
na África, que deixaram a maior parte do finan- que liga movimentos sociais ao longo do Sul, ten-
ciamento de pesquisa nas mãos de ONGs de de- tou agir como um intelectual coletivo, mas não sei
senvolvimento que administram ajuda externa. como avaliar o resultado final.
Tais ONGs irão provavelmente preferir pesquisas Nós ainda estamos diante do fato de que a
aplicadas com resultados práticos à pesquisa fun- maior parte dos recursos mundiais para o trabalho
damental, além de terem horizontes curtos e, por- intelectual localiza-se no Norte global. Abdel-Ma-
tanto, provavelmente não financiarem programas lek (1971) notou isso quarenta anos atrás:
contínuos de pesquisa. Além disso, têm agendas
que mudam rapidamente, o que torna difícil a Há dois grandes obstáculos: por um lado, a
formação de perspectivas de longo prazo. (Isso é, concentração no Ocidente dos principais ins-
em geral, verdadeiro para as partes mais pobres trumentos culturais e científicos, os frutos do
da periferia, embora não se aplique tão rigorosa- Império e a revolução científica e tecnológi-
mente para países ricos na periferia, tais como a ca que enfatizou significativamente os efeitos
Austrália, nem para instituições de elite no Brasil desta concentração; e, por outro lado, a rela-
e na África de Sul). As circunstâncias materiais de tiva fraqueza daqueles instrumentos nos paí-
pesquisa podem, portanto, criar uma dependên- ses da esfera Tricontinental (ou seja, o Sul), o
cia de pacotes teóricos e metodológicos já prontos que acelera a fuga de cérebros” (Abdel-Malek,
oriundos da metrópole. 1971, p. 25).

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Será que a enorme concentração de recursos no as ciências sociais. Na imaginação neoliberal, há


sistema universitário do Norte e suas instituições de apenas uma ciência social, a economia neoclássi-
pesquisa pode ser um ativo para o projeto do Sul? ca. Cada problema, ou quase cada problema, tem
Gayatri Spivak lançou a famosa pergunta: “Pode o uma “solução de mercado”; e se os mercados para
subalterno falar?”. A questão agora é: Pode a metró- uma dada área da vida social não existem ainda, os
pole escutar? E, caso escute, que mudanças práticas neoliberais são assombrosamente bons em criá-los
poderiam resultar disso? – mercados para educação, para água, para créditos
Eu não subestimo a dificuldade de mudança de carbono, para tecidos humanos, e muito mais.
nas instituições do Norte. Eu ensinei por cinco Em tal contexto, as outras ciências sociais tor-
anos em universidades norte-americanas, e estou nam-se residuais ou cosméticas, e têm pouca presen-
ciente da dimensão fortemente institucionalizada ça nas principais políticas públicas. A sociologia tem
do currículo e da pedagogia de pesquisa lá. Mais um lugar no mundo neoliberal: por um lado, como
uma vez, a ascensão da governança neoliberal com pesquisa de mercado, e por outro, como a ciência
seu sistema de competição e ranqueamento prova- responsável por descobrir como gerenciar e contro-
velmente vai reforçar a homogeneidade dos progra- lar grupos que são falhas do mercado – os pobres,
mas universitários – gerentes acadêmicos não po- os desprezados, os incompetentes, os criminosos, os
dem se dar ao luxo de se desviarem muito daquilo não empreendedores.
que é feito pelos líderes do mercado. Mas há outras possibilidades para as ciências
Ao mesmo tempo, estou ciente da diversidade sociais. A ciência social pode dar voz aos margina-
cultural e intelectual nesse mesmo sistema universi- lizados, pode fazer críticas das estruturas de poder,
tário e da existência de grupos relevantes de traba- e pode circular ideias sobre novas possibilidades so-
lhadores intelectuais que têm compromisso com o ciais. Isso pode acontecer, por exemplo, na sociologia
internacionalismo e com a justiça social (daí a exis- da educação, como evidenciado na “pesquisa social-
tência de revistas como a Third World Quaterly). O mente engajada” sobre escolas na África do Sul (Vally
outro lado da “fuga de cérebros” mencionada por et al., 2008). Se uma democracia ativa e participativa
Abdel-Malek é a presença na metrópole de inte- deve ser desenvolvida, o conhecimento científico-so-
lectuais expatriados do Sul, sendo que alguns deles cial é necessário, e é mesmo um componente chave
têm feito contribuições formidáveis ao irem além para o autoconhecimento da sociedade.
do conhecimento eurocêntrico. Não se pode deixar Atualmente, o conhecimento produzido por
de mencionar Edward Said, Chandra Talpade Mo- grande parte das pesquisas de mercado – o maior
hanty, Amartya Sen e Walter Mignolo. volume de pesquisa social, vale lembrar – é apro-
Possibilidades, portanto, existem. As tarefas priado pelos ricos e poderosos. É utilizado tatica-
envolvem refazer o currículo nas universidades do mente pelos seus representantes na gerência corpo-
Norte, desenvolver novas formas de conexões práti- rativa, ao mesmo tempo que é preservado dos olhos
cas entre trabalhadores intelectuais e encontrar for- do público e dos competidores, na forma de “infor-
mas de financiar trabalho intelectual transnacional mação confidencial”. Mas, a princípio, a produção
que não impliquem a replicação da agenda formu- de conhecimento social pode ser alargada na forma
lada no Norte. de um empreendimento transparente e cooperati-
vo. Ela pode ser usada para guiar um processo de
decisão coletivo que, entre outras coisas, pode ser
A necessidade de ciências sociais e a urgência direcionado para resistir às manipulações de mer-
da teoria cado. Para que a democracia participativa flores-
ça em uma escala mundial, um dos requisitos é a
A consolidação do neoliberalismo como o produção de conhecimento social acessível na mais
enquadramento dominante da vida política, eco- ampla escala possível e que seja gerado a partir das
nômica e organizacional, numa escala global, tem preocupações da maioria das pessoas. Uma ciência
consequências de longo prazo importantes para centrada no Sul, de fato.

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A IMINENTE REVOLUÇÃO NA TEORIA SOCIAL  17

Em tal projeto, a teoria é central – entendida 3 N.T.: Raewyn utiliza frequentemente o par Norte-
como trabalho diretivo no processo de produção -Sul para designar as regiões ricas do Atlântico Norte
da formação de conhecimento. Mas esse próprio (Estados Unidos, Canadá e Europa) e os países tidos
trabalho deve ser descentralizado e democratiza- como periféricos na geopolítica global, respectiva-
mente. Mantivemos a tradução literal, por entender-
do, caso não se deseje que esse processo caia em
mos que o conceito de “Sul global” já tem boa circula-
armadilhas vanguardistas ou tecnocráticas. Minha ção nas ciências sociais nacionais, por mais que restem
definição da teoria na abertura deste artigo é histo- dúvidas sobre sua precisão.
ricamente específica, e pode ser ultrapassada, caso 4 N.T.: A partir deste momento, Raewyn irá utilizar
o trabalho diretivo na formação de conhecimento frequentemente o neologismo “metro-centrism” para
seja feito de baixo para cima, em processos parti- designar o viés adotado pela teoria social. Optamos
cipativos de definição da agenda. Isso, eu sugiro, é por um neologismo em português, “metrocentrismo”.
a essência da revolução iminente na teoria social. 5 N.T.: O conceito original em inglês é “cultural crin-
Não se trata apenas de relocalizar esse trabalho no ge”, que guarda uma poderosa aliteração que se perde
Sul global, que, de qualquer modo, não é um “cen- na tradução. Com a anuência da autora, optamos pela
tro”. Trata-se de democratizar todo o processo diri- tradução para o português.
gido pela teoria, isto é, a produção e circulação de 6 N.T.: O conceito utilizado por Raewyn no original
conhecimento social. em inglês é “extraversion”, termo consagrado na psi-
cologia de Carl Jung para designar uma atitude de
obter satisfação em objetos do mundo exterior ao su-
Notas jeito. Mantivemos a tradução para “extroversão” por
conta da palavra ser assim traduzida por dicionários
1 N.T.: Raewyn utiliza constantemente o par “centro- jungianos no Brasil. Note-se que o uso sociológico do
-periferia” para descrever a assimetria na geopolítica conceito implica certo deslizamento semântico, já que
do conhecimento global. Mantivemos a expressão, o citado Hountondji está falando de propriedades de
pois ela é utilizada em língua portuguesa, mas ressal- uma coletividade histórica, e não do sujeito da teoria
tamos que Raewyn está se referindo uma relação espe- psicanalítica.
cífica e histórica entre centro e periferia, marcada pela
7 N.T.: O conceito de “invisible colleges” tem largo trân-
expansão do colonialismo europeu sobre o mundo a
sito na sociologia da ciência e é utilizado para desig-
partir do século XV.
nar a formação de redes não explícitas ou oficiais que
2 N.T.: Raewyn utiliza o termo “metrópole” como sinô- exercem efeito sobre a produção de ideias e o reconhe-
nimo de “imperial center”, isto é, o mundo europeu e cimento e prestígio das mesmas. Preferimos manter
anglo-americano, no qual se concentram os recursos o conceito em inglês e situar o leitor nesta nota. Para
materiais, intelectuais e científicos que reproduzem as maiores informações, cf. Crane (1965).
assimetrias entre Norte e Sul. Preferimos traduzir o
8 N.T.: Aqui Raewyn refere-se ao clássico debate so-
termo como metrópole por entendermos que há pre-
bre “indigenous knowledge”, que ocupou muitos dos
cedente na vida intelectual brasileira para esse uso, em
melhores sociólogos africanos ao longo da década
especial no caso da historiografia marxista inspirada
de 1980 e 1990, entre eles o nigeriano Akinsola
em Caio Prado Júnior. Afinal, toda a discussão sobre
Akiwowo. Esse debate buscava na cultura nativa das
o “sentido da colonização”, familiar a quase todos os
sociedades africanas conceitos e epistemologias que
cientistas sociais leitores da RBCS, repousa sobre uma
pudessem servir de alternativa ao repertório teórico
descrição das relações entre colônia e metrópole. Em-
europeu. No caso da língua portuguesa, encontra-
bora esse sentido “nativo” remeta principalmente à
mos as seguintes traduções: conhecimento indígena,
dinâmica Brasil-Portugal, não nos parece desproposi-
conhecimento local e conhecimento tradicional. Em
tado reter o conceito para ilustrar uma assimetria mais
acordo com a autora, optamos por “conhecimento
ampla e, em última instância, “colonial” em sua natu-
indígena”, a despeito do lugar semântico específico
reza. Entretanto, evitamos traduzir “metropolitan” por
que o termo “indígena” tem no Brasil em relação
“metropolitano”, por entendermos que esse adjetivo
ao caso africano. Ressaltamos que o debate original
seria imediatamente associado pelo leitor ao mundo
refere-se a formas de pensamento que não estariam
urbano e suas características. Nesse caso, optamos por
contidas nas matrizes da racionalidade iluminista
“da metrópole” e similares.
europeia.

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9 O termo “de-colonial” tem origem no grupo de estu- ALATAS, Syed Farid. (2003), “Academic depen-
diosos latino-americanos que se apropriaram critica- dency and the global division of labour in
mente da discussão lançada pelos estudos subalternos the social sciences”. Current Sociology, 51 (6):
indianos. Grosso modo, esses estudiosos afirmaram que 599-613.
a relação entre modernidade e colonialismo não data
. (2006), Alternative discourses in Asian
do século XVIII, mas sim do início da expansão eu-
ropeia sobre o mundo, ainda nos estertores do sécu-
social science: responses to eurocentrism. New
lo XV. Nesse sentido, a Renascença e a formação do Delhi, Sage.
pensamento moderno europeu devem ser encarados AL-E AHMAD, Jalal. (1982 [1962]), Gharbzade-
como o “outro lado” do colonialismo, o que exigiria, gi (Weststruckness). Translated by John Green
portanto, um trabalho crítico de “de-colonização”. Os and Ahmad Alizadeh. Lexington KY, Mazda
pensadores identificados com esse grupo são Fernan- Publishers.
do Coronil, Walter Mignolo e Ramón Grosfoguel, BENTON-CONNELL, Kylie. (2011), Off the ma-
entre outros. rket: Bolivian forests and struggles over climate
10 N.T.: Raewyn aqui utiliza o conceito de “ontoforma- change. Cochabamba, Democracy Center.
tive” elaborado por ela para analisar como processos BULBECK, Chilla. (1998), Re-orienting Western fe-
de construção de gênero implicam modelagens e rup- minisms: women’s diversity in a postcolonial world.
turas sociais e culturais violentas, que são inscritas no
Cambridge, Cambridge University Press.
próprio corpo.
BURAWOY, Michael; CHANG, Mau-kuei &
11 N.T.: O assim chamado “Bophal disaster” foi um va-
HSIEH, Michelle Fei-yu (eds.). (2010), Fa-
zamento industrial de gás ocorrido na Índia em 1984,
cing an unequal world: challenges for a global
e até hoje considerado um dos piores desastres indus-
triais da história mundial, causando milhares de feri- sociology. 3 vols. Taipei, Academia Sinica.
mentos e outros efeitos no longo prazo. CHAKRABARTY, Dipesh. (2000), Provinciali-
12 N.T.: Aqui Raewyn refere-se ao povo aborígene, na-
zing Europe: postcolonial thought and histori-
tivo da Austrália. O termo não está sendo usado de cal difference. Princeton, Princeton Univer-
forma genérica e pejorativa (como às vezes ocorre na sity Press.
língua portuguesa), mas historicamente precisa. CONNELL, Raewyn. (2006), “Northern theory:
13 N.T.: Uma tradução aproximada para esse termo po- the political geography of general social the-
deria ser “Lei da vovó”. ory”. Theory and Society, 35: 237-264.
14 N.T.: “tiazinha”. . (2007), Southern theory: the global
15 Outback refere-se às vastas e áridas terras no interior
dynamics of knowledge in social science. Cam-
do continente australiano, guardando, portanto, al- bridge, Polity Press.
guma semelhança com a categoria “sertão”, utilizada . (2010), “Understanding neolibera-
também de forma muito livre pelos brasileiros. lism”, in Susan Braedley e Meg Luxton (eds.),
16 Para exemplo amplamente citado dessa abordagem, Neoliberalism and everyday life, Montreal/
ver Harvey (2005), o qual teoriza o neoliberalismo Kingston, McGill-Queen’s University Press.
como uma expressão do capitalismo avançado na pp. 22-36.
metrópole. CONNELL, R. W.; WOOD, Julian & CRA-
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