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Mudanças na representação e participação política de povos indígenas na América Latina

A ainda recente onda de redemocratização na América Latina representou em alguns


casos melhorias em termos de participação e representação política de povos indígenas. O
aumento deu-se principalmente em países com grande parte da população composta por
indígenas, como alguns da América Central, México, Peru (mais de 50% da população geral),
Chile (11%) e principalmente Bolívia (50%), em que o ápice foi a eleição do presidente Evo
Morales (LUCIANO et al, 2004; SAÚDE, 2014).

O fenômeno dos chamados “partidos étnicos”, pode tanto ter colaborado como ter se
beneficiado de um processo mais profundo, mas não se limitaram a isso; alguns chegaram a
conseguir agrupar setores populares não indígenas, como o Aliança Social Indígena (ASI) na
Colômbia (LUCIANO et al, 2004). Por outro lado, a ausência de partidos étnicos, como no
caso do Brasil, ou pelo menos de partidos étnicos de expressão nacional, e consequente
inserção de indígenas com aspirações políticas em partidos políticos ditos tradicionais, traz
algumas consequências interessantes. Não apenas esses representantes veem-se obrigados a se
posicionar entre esquerda e direita no espectro político, como acabam envolvidos, dessa
forma, no debate relativo às questões da sociedade envolvente, a nível local ou nacional
(RUFINO, 2000). Os partidos podem ainda, envolver índios de afiliações diferentes em
conflitos partidários, o que para o cacique Mbyá-Guarani José Cirilo, “gera brigas por coisas
que não são dos indígenas” (NASCIMENTO, 2014).

Os desafios são inúmeros a começar pelo próprio conceito de democracia


representativa e até mesmo separação da política de outras esferas da vida social, concepções
muitas vezes em desacordo com formas tradicionais de fazer político. O próprio ato,
necessário à representação política, de delegar poderes de decisão de um grupo a uma pessoa
(que aliás, quando se trata de candidatos brancos, pode lembrar muito a histórica prática
estatal da tutela), pode diferir muito em relação a essas formas, seja em relação à maneira
como são tomadas as decisões referentes ao grupo (ausência de lideranças e decisões
coletivas) ou em relação a quem ocupa as posições de liderança. No último caso, em lugar do
“sábio ancião, com sua oratória sensível, seu zelo pela reatualização permanente do legado
mitológico e da tradição, seu prestígio guerreiro”, os “jovens talentosos, escolarizados,
falantes do português, minimamente conhecedores dos códigos e peculiaridades do mundo
dos brancos” são quem consegue se inserir na política por meio do sistema eleitoral
(RUFINO, 2000). Além disso, com frequência, candidatos indígenas contam apenas com
votos de indígenas, dependência que é agravada em função de especificidades na legislação
para esses eleitores, como no Brasil o alistamento facultativo em situações específicas
(NASCIMENTO, 2014).

Essas questões, no entanto, não impediram que candidatos indígenas concorressem e


até mesmo ganhassem cargos, do nível municipal ao federal, ainda que com muito mais
dificuldades e menos sucesso que candidatos brancos. Na América Latina, onde os povos
indígenas representam 8,3% da população total (SAÚDE, 2014), o panorama é bastante
heterogêneo, refletindo questões internas como a composição étnica da população, mas pode-
se observar avanços no geral.

Alguns países, como Bolívia, Peru e Equador contam com mais de 50% da população
geral composta por indígenas (LUCIANO et al, 2004), mas mesmo entre esses há diferenças
significativas. No Peru, por exemplo, o primeiro partido indígena surgiu apenas em 1996, o
Movimento Indígena da Amazônia Peruana (MIAP), e tem enfrentado problemas com fraudes
(LUCIANO et al, 2004).

A Bolívia, talvez o caso mais conhecido, diferentemente desse dois e de outros da


região presenciou o surgimento de partidos étnicos expressivos antes da década de 90, com os
partidos kataristas. Alguns exemplos são o Movimento Revolucionário Tupaj Katari de
Libertação e o partido indígena-camponês Instrumento Político para Soberania dos Povos
(IPSP) ligado ao Movimento pelo Socialismo (MAS) que possuía a maior bancada de
oposição do parlamento (LUCIANO et al, 2004) e o Movimento Indígena Pachakutik (MIP).
O IPSP é um exemplo interessante de como o sistema partidário influencia na inserção
política de povos indígenas (aliança com setores populares não indígenas, no caso
camponeses) e em como eles se posicionam ideologicamente (dentro da tendência de
alinhamento com partidos de esquerda). Em 2002 haviam 41 cadeiras de partidos indígenas
no parlamento boliviano (LUCIANO et al, 2004).

Nos casos em que a população indígena corresponde a apenas uma parcela reduzida da
população nacional, políticas de cotas podem favorecer um aumento no número de
representantes indígenas, que por sua vez surgiram graças a partidos indígenas, pelo menos
em parte. Na Venezuela, onde os indígenas representam apenas 1% da população nacional
(LUCIANO et al, 2004), possui um partido indígena desde 1997, o Partido do Povo Unido
Multiétnico da Amazônia (Puama), e em 1999, na Assembléia Constituinte, garantiu o direito
de cadeira reservada em nível nacional, estadual e local. A Colômbia, que conta com uma
população indígena de 1,7% (LUCIANO et al, 2004), também possui uma política de reserva
de vagas e tem desde 1990 um partido indígena, a Aliança Social Indígena (ASI).

No Brasil, em que 0,5% (SAÚDE, 2014) da população é composta por indígenas, a


presença de um partido indígena poderia ter contribuído para aprovação da Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 320, de autoria do deputado federal Nilmário Miranda (PT-
MG) que prevê a criação de quatro vagas específicas para indígenas no Congresso Nacional.
Desse modo, a presença de indígenas em cargos eletivos no legislativo federal brasileiro
continua restrita ao mandato do deputado federal e cacique xavante Mário Juruna, de 1983 a
1987, responsável pela criação da Comissão Permanente do Índio. As candidaturas, no
entanto, persistem; no primeiro mapeamento de candidatos realizado pelo TSE usando o
critério “cor ou raça”, 0,32% foram identificados como indígenas (STREIT, 2018),
porcentagem ínfima, mas relativamente proporcional à porcentagem de população indígena no
país.

Ao mesmo tempo, a própria relevância da representação no Legislativo para garantir


avanços em questões de interesse dos povos indígenas pode ser questionada, levando em
consideração que estes muitas vezes obtêm mais sucesso agindo por meio de associações,
como afirma Carmen Junqueira, professora titular do Departamento de Antropologia da
Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP (GOMES, 2014), e que as ações federais relativas
a essas questões são atribuição do Executivo, onde têm ocorrido avanços na representação
indígena, principalmente por meio dos conselhos. O fato de que a FUNAI nunca foi presidida
por um índio aponta, no entanto, para as limitações desse avanço, e as ameaças vindas do
legislativo mostram que ainda que não seja provável conseguir avanços, é necessário barrar
retrocessos.

A candidatura de Sonia Guajajara pelo PSOL à vice-presidência (segundo ela mera


formalidade, se tratando na verdade de uma copresidência) do Brasil traz algumas questões
semelhantes: ainda que não tenha efeitos diretos sobre a presença de indígenas em cargos
eletivos, assim como com Dilma e as mulheres, como aponta o professor de Antropologia na
Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) Spensy Pimentel (SOARES, 2018) sua
presença nos debates deve trazer assuntos tradicionalmente invisibilizados. Cabe ainda
ressaltar a importância de se tratar de uma mulher, levando em conta que dos 0,34% de
candidaturas indígenas em 2016, apenas 27,62% eram mulheres (STREIT, 2018).
No México, por outro lado, decepcionados com os representantes atuais, milhares de
eleitores da etnia tzeltal rejeitaram o sistema político estabelecido radicalmente, submetendo
um pedido ao Instituto Eleitoral e de Participação Cidadã (IEPC) de Chiapas, pelo direito de
escolher seus representantes segundo seus “usos e costumes”, com base na Convenção 169 da
OIT e no Artigo 2 da Constituição mexicana. Segundo Marisela Garcia Reyes, diretora do
Centro de direitos indígenas (Cediac), a política atual, que “responde a uma lógica de poder,
de defesa de interesses privados e acumulação de riqueza”, é contrária aos valores indígenas
(AUTRAN, 2018). Essa opção pode ser uma alternativa, para os que acreditam, como Ângela
Churra, representante indígena do Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico e
Social, que os “caciques das aldeias já têm autonomia para buscar direitos tanto dentro quanto
fora dela”, que um representante na política poderia se “contaminar” e que “política é o povo
falar por si próprio” (NASCIMENTO, 2014).

Uma questão constante no debate a respeito da representação política de minorias


étnicas envolve os conceitos da cientista política Hanna Pitkin (1967) de representação
descritiva e representação substantiva. O primeiro diz respeito à presença de representantes de
um grupo em instituições políticas e o segundo à promoção dos interesses de um grupo,
independente do pertencimento ou não do representante ao grupo em questão. A discussão
geralmente gira em torno da relação entre as duas, se a representação descritiva
necessariamente implica em substantiva, mas talvez uma pergunta mais interessante a esse
respeito seria quem defende os interesses de grupos étnicos minoritários quando esses grupos
não são descritivamente representados nessas instituições. Enquanto a resposta for incerta,
vale a pena insistir na participação representativa desses grupos.

Referências:

AUTRAN, Frédéric. Mexique: «La politique est en contradiction avec les valeurs indigènes».
Libération, 19 jun. 2018. Disponível em:
<http://www.liberation.fr/planete/2018/06/19/mexique-la-politique-est-en-contradiction-avec-
les-valeurs-indigenes_1660442>. Acesso em: 01 jul. 2018.

GOMES, Karina. Demandas indígenas perdem espaço na política. Carta Capital, 18 out.
2014. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/demandas-indigenas-perdem-
espaco-na-politica-2977.html>. Acesso em: 30 jun. 2018.

LUCIANO, Gersem José dos Santos et al. Índios e parlamentos. 2004.


NASCIMENTO, Fernanda. Indígenas enfrentam falta de visibilidade. Jornal do Comércio,
Porto Alegre, 27 mar. 2014. Disponível em:
<http://www.jornaldocomercio.com/site/noticia.php?codn=157723>. Acesso em: 30 jun.
2018.

RUFINO, Marcos Pereira. Instituições dos brancos. Povos Indígenas no Brasil, setembro de
2000. Disponível em:
<https://pib.socioambiental.org/pt/%C3%8Dndios_e_as_elei%C3%A7%C3%B5es#Candidato
s_ind.C3.ADgenas_mostram_for.C3.A7a_nas_Elei.C3.A7.C3.B5es_Municipais_de_2008 >.
Acesso em: 02 jul. 2018.

SAÚDE, educação e participação política de indígenas melhoraram na América Latina. Rádio


Câmara, 30 de setembro de 2014. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/COM-A-PALAVRA/474982-
SAUDE,-EDUCACAO-E-PARTICIPACAO-POLITICA-DE-INDIGENAS-
MELHORARAM-NA-AMERICA-LATINA.html>. Acesso em: 02 jul. 2018.

SOARES, João. O que afasta os indígenas da política?. Deutsche Welle, 09 mar. 2018.
Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/o-que-afasta-os-ind%C3%ADgenas-da-
pol%C3%ADtica/a-42901976>. Acesso em: 30 jun. 2018.

STREIT, Maíra. 35 anos depois do deputado Juruna, indígenas continuam sem representação
política no país. Agência Pública, 25 abr. 2018. Disponível em:
<https://apublica.org/2018/04/35-anos-depois-do-deputado-juruna-indigenas-continuam-sem-
representacao-politica-no-pais/>. Acesso em: 30 jun. 2018.

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