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IGREJA LUTERANA

Revista Semestral de Teologia

1
Igreja Luterana

SEMINÁRIO
CONCÓRDIA

Diretor
Gerson Luis Linden

Professores
Acir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Gerson Luis Linden, Leo-
poldo Heimann, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum, Vilson Scholz

Professores Eméritos
Donaldo Schüler, Paulo F. Flor
Norberto Heine

IGREJA LUTERANA
ISSN 0103-779X
Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de
Teologia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB),
São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho Editorial
Paulo P. Weirich (Editor), Gerson L. Linden e Acir Raymann.

Assistência Administrativa
Ivete Terezinha Schwantes e Ademir de Lima Plep.

A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografia Bíblica Latino-Americana


e Old Testament Abstracts.

Os originais dos artigos serão devolvidos quando acompanhados de envelope com


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Correspondência
Revista Igreja Luterana
Seminário Concórdia
Caixa Postal 202
93001-970 – São Leopoldo/RS
Telefone: (0xx)51 3037 8000
e-mail: revista@seminarioconcordia.com.br
www.seminarioconcordia.com.br

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Índice

ARTIGOS
Aliança dO SanGUE (final) 5
Paul G. Bretscher

A ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA DA EVOLUÇÃO DARWINIANA E DA TDI 29


Alexsandro Martins Machado

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS 43

LIVROS 187

Igreja Luterana
Volume 70 – Novembro 2011 – Número 2

3
Artigos

A Aliança do Sangue (final)1

Paul G. Bretscher

III. O SANGUE DA REDENÇÃO

Em ambos os testamentos (antigo e novo), a ideia da redenção está


intimamente ligada à da expiação. Redenção é simplesmente outra ima-
gem da salvação, outro lado do diamante da graciosa aliança de Deus
para com o homem caído.
No hebraico são usadas duas palavras com quase igual frequência,
significando redenção. São gaal e padah. Bom número de passagens em
que ambas ocorrem mostram que devem ser consideradas sinônimos.
Por exemplo:

Jr 31.11: Porque o Senhor redimiu [padah] a Jacó, e o livrou


[gaal] da mão do que era mais forte do que ele.
Os 13.14: Eu os remirei [padah] do poder do inferno; e os res-
gatarei [gaal] da morte.
Lv 27.27: Mas, se for dum animal imundo, resgatar-se-á [pa-
dah], segundo a tua avaliação (...); se não for resgatado [gaal],
vender-se-á segundo a tua avaliação.
Is 35.9,10; (...) Os remidos [padah] andarão por ele; os resga-
tados [gaal] do Senhor voltarão.

Dever-se-ia também mencionar um terceiro verbo: qanah. É a palavra


hebraica usual para “comprar”, “adquirir”. Em poucas passagens ele é usa-
do com sentido religioso definido, como sinônimo de gaal e padah. Desta
forma, por exemplo, no cântico libertário de Moisés, Êx 15.13, 16: “Com
a tua benevolência guiaste o povo, que salvaste [gaal] (...) até que passe
o povo que adquiriste [qanah].” Veja-se também Sl 74.2: “Lembra-te da
congregação, que adquiriste [qanah] desde a antiguidade, que remiste
[gaal] para ser a tribo da tua herança.”

Outra palavra que interessa aqui é o substantivo kopher, usualmen-


te traduzido como “resgate”. Observem que kopher é uma das formas
substantivadas de kaphar, “fazer expiação”, do qual tratamos no capítulo

1 BRETSCHER, Paul G. The Covenant of Blood. Concordia Theological Monthly. Vol.


XXV, 1954, n. 1, 2, 3; January, February, March: pp. 1-27; 109-125; 199-209. Traduzido
pelo Rev. Ivo Dreyer, pastor na Comunidade Evangélica Luterana Cristo, Schroeder/SC.
A primeira parte deste artigo foi publicada na edição anterior, volume 70, junho 2011,
número 1.

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Igreja Luterana

anterior. Porém kopher deriva seu sentido original de “cobrir”. Assim o


resgate é uma “cobertura” quase no sentido em que nós hoje temos “co-
brir” um empréstimo. Para o que nós queremos agora é muito importante
observar que kopher, onde quer que seja usado, significa o pagamento
dum preço. Assim, vejam:

Pv 6.35: Um homem enfurecido “não se contentará com o resgate


[kopher], nem aceitará presentes, ainda que sejam muitos.”
Jó 36.18,19: Guarda-te, pois, de que a ira não te induza a es-
carnecer, nem te desvie a grande quantia do resgate [kopher].
Estimaria ele as tuas lamúrias e todos os teus grandes esforços
para que te vejas livre da tua angústia?

A idéia da redenção, como a da expiação, ocupa lugar proeminente na


lei cerimonial do AT. Aqui não nos é necessário definir as particularidades
das leis referentes às várias redenções. Observemos, porém, rapidamente
alguns pontos que nos auxiliam no que buscamos agora.
1. A primeira, e religiosamente mais importante de todas as remissões,
é a do primogênito dos homens e das primeiras crias dentre os animais.
Isso é determinado pela primeira vez em Êx 13.2, 12-15:

Consagra-me todo o primogênito; todo o que abre a madre de sua


mãe entre os filhos de Israel, assim de homens como de animais,
é meu (...). Apartarás para o SENHOR todo que abrir a madre e
todo primogênito dos animais que tiveres; os machos serão do
Senhor. Porém todo primogênito da jumenta (impuro) resgatarás
com cordeiro; se o não resgatares, será desnucado; mas todo
primogênito do homem entre os teus filhos resgatarás. Quando
teu filho amanhã te perguntar: Que é isso? Responder-lhe-ás: (...)
Pois sucedeu que, endurecendo-se Faraó para não nos deixar sair,
o Senhor matou todos os primogênitos na terra do Egito, desde o
primogênito do homem até o primogênito dos animais: Por isso eu
sacrifico ao Senhor todos os machos que abrem a madre; porém
a todo primogênito de meus filhos eu resgato.

Observem que: (1) Em Israel é considerada perdida a vida de todos


os primogênitos machos, tanto dos homens quanto dos animais. Desta
forma é evidente que os filhos de Israel foram poupados da maldição da
décima praga no Egito não porque eles fossem bons e indignos de morte
e julgamento, mas unicamente porque a misericórdia de Deus planejou
redenção para eles; (2) Israel deve estar para sempre ciente de que, por
causa dos seus pecados, suas vidas estão tão perdidas perante Deus tanto
quanto as dos que foram abatidos no Egito; não têm direito à vida; (3) A

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A aliança do sangue

memória disso é simbolizada na lei da redenção. O macho primogênito de


qualquer animal limpo deve ser sacrificado a Deus. Deve morrer. O macho
primogênito de um animal impuro, como o jumento, deveria ser remido
pela morte de um carneiro em seu favor, ou seria desnucado (aqui sem
derramamento de sangue, porque esta não pode ser uma morte sacrificial).
Os primogênitos dentre os seres humanos deviam ser remidos. O modo
desta última redenção não é claramente determinado aqui. A implicação
parece ser, a esta altura, que o filho primogênito também é redimido
pela morte de um carneiro, ou por meio de algum outro sacrifício. Mais
tarde, na Lei do Sinai, Deus toma para Si mesmo os levitas em lugar dos
primogênitos de todo Israel, para servirem como sacerdócio Seu no Seu
Tabernáculo (Nm 3.12,13). Sob este novo esquema os filhos primogênitos
do restante de Israel são agora redimidos por dinheiro (cinco siclos, Nm
3.45-51), a ser usado para o serviço do santuário. O pagamento deste
dinheiro de redenção estava implícito quando os pais de Jesus o trouxeram
ao templo a fim de apresentá-lo ao Senhor “e fazer com ele o que a lei
ordenava” (Lc 2.22,23,27). Em Nm 8.17-19 e 18.15-17, encontram-se as
diretrizes detalhadas sobre este cerimonial de redenção.
Na Lei são também estabelecidas prescrições legais precisas para ou-
tras redenções: redenção de campos (Lv 25.23-34), redenção de homens
que na pobreza se venderam a si mesmos como escravos (Lv 25.47-
55), vingança (“redenção” gaal) cruenta ao abater um assassino (Nm
35.11,12,19,30-33). Em conexão com a lei da vingança cruenta contra um
homicida é claramente determinado que “não aceitareis resgate [kopher]
pela vida do homicida, que é culpado de morte (...) nenhuma expiação se
fará pela terra por causa do sangue que nela for derramado, senão com
o sangue daquele que o derramou.”
Sem discutir detalhadamente qualquer uma destas redenções, em to-
das elas existe um pensamento claro que se relaciona muito intensamente
com o nosso assunto: a redenção em si, no verdadeiro sentido da palavra
(cf. acima, a relação de kopher e qanah com gaal e padah) envolve sem-
pre um preço. O preço pode ser um sacrifício, como de um cordeiro, ou
o pagamento de dinheiro, ou ainda a morte do assassino; porém sempre
há um preço a ser pago. A redenção sempre custa alguma coisa.
Voltemo-nos agora especialmente às muitas passagens nas quais
Deus é chamado de Redentor do Seu povo. Será que estamos, então,
aprovados ao ver em cada emprego do substantivo “Redentor” a idéia
de que custa alguma coisa a Deus salvar o homem? Eu defendo que isso
é uma implicação muito necessária da própria palavra. Com certeza, há
muitas passagens em que este sentido é obscurecido, nas quais a divina
redenção do Seu povo é atribuída não ao pagamento de um preço, mas
a um simples ato do Seu poder:

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Igreja Luterana

Êx 6.6: Vos resgatarei com braço estendido, e com grandes ma-


nifestações de julgamento.
Êx 15.13,16: Com a tua benevolência guiaste o povo, que sal-
vaste; com a tua força o levaste à habitação da tua santidade
(...) Sobre eles cai espanto e pavor; pela grandeza do teu braço
emudecem como pedra; até que passe o teu povo, ó Senhor, até
que passe o povo que adquiriste [qanah].
Sl 77.14,15: Tu és o Deus que operas maravilhas, e, entre os
povos tens feito notório o teu poder. Com o teu braço remiste o
teu povo, os filhos de Jacó e de José.
1 Cr 17.21: Quem há como o teu povo Israel, gente única na
terra, a quem tu, ó Deus, foste resgatar para ser teu povo, e
fazer a ti mesmo um nome, com estas grandes e tremendas coi-
sas, desterrando as nações de diante do teu povo, que remiste
do Egito?

Pode-se perceber que todas estas passagens referem-se à libertação na


qual o poder de Deus foi demonstrado mais notavelmente, especialmente
a libertação do Egito. Mesmo aqui a palavra redimir carrega a implicação
de que Deus teve que pagar algum preço, a fim de ser o Deus de miseri-
córdia para com esta nação pecadora e rebelde, e para que pudesse usar
o Seu poder em favor deles, e não para destruí-los. (Vejam especialmente
as palavras: “Na tua misericórdia” e “adquiriste”, na passagem acima, de
Êx 15).
Há outras passagens nas quais a redenção divina está especialmente
associada à ideia de um preço que Deus teve que pagar:

Sl 74.2: Lembra-te da tua congregação, que adquiriste [qanah]


desde a antiguidade, que remiste (gaal) para ser a tribo da Tua
herança.
Is 43.1-3: Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu
nome, tu és meu (...) Porque eu sou o Senhor teu Deus, o Santo
de Israel, o teu Salvador; dei o Egito por teu resgate, a Etiópia
e Sabá por ti. Visto que foste precioso aos meus olhos, digno
de honra, e eu te amei, darei homens por ti, e os povos pela
tua vida.

A interpretação desta passagem é difícil. Pode referir-se a alguma


situação política obscura na qual os povos vizinhos de Israel caíram con-
quistados enquanto o próprio Israel é poupado. Em todo caso, está muito
claro que o pagamento de um preço está implícito nas palavras “redimir”
e “resgate”.
Uma passagem marcante é o Sl 49.6-15, que mostra que a redenção

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A aliança do sangue

humana é, definitivamente, redenção da morte, e que o preço é superior


ao que homem algum sonha poder pagar:

Dos que confiam nos seus bens e na sua muita riqueza se gloriam?
Ao irmão, verdadeiramente, ninguém o pode remir [padah], nem
pagar por ele a Deus o resgate [kopher] (pois a redenção da alma
(vida) deles é caríssima, e cessará a tentativa para sempre), para
que continuasse a viver perpetuamente, e não visse a cova.

Os versos seguintes descrevem, poeticamente, o desalento de toda


tentativa humana para fugir da morte. Então, vem o clímax (v. 15): “Mas
Deus remirá a minha alma do poder da morte [sheol], pois ele me tomará
para si.”
Assim fica evidente que o preço para redimir da morte a vida huma-
na, morte à qual ela está sujeita por causa do pecado, está muito acima
daquilo que qualquer um pode pagar. Há somente um que pode pagar o
preço: Deus, em cujas mãos o salmista, confiantemente, se entrega, e
em quem ele encontra a vitória sobre “o poder da sepultura”.
O preço que Deus assumiu pagar pela redenção do pecador torna-se
claro somente à luz do cumprimento. Isto, porém, não significa dizer que
o povo de Deus do AT nada poderia saber a respeito. O próprio protoevan-
gelium (Gn 3.15) o sugere. A Semente da mulher, por meio de quem um
dia a cabeça da serpente seria esmagada e ser-lhe arrebatada a vitória
sobre o homem, esse descendente sofreria em Si mesmo tudo o que o
homem sofre através da maldade do diabo, incluindo a tentação, a dor, o
suor, o sofrimento e, finalmente, a morte. Porque somente através deste
sofrimento conseguirá Ele conquistar a vitória em favor do homem.
Porém, a mais clara de todas as passagens veterotestamentárias sobre
o preço da redenção divina do homem é a que se encontra em Isaías 52
e 53. Aqui estão os grandes luzeiros desses belos textos da redenção,
que demonstram que o alto preço da redenção é a morte o Servo eleito
de Deus. O preço é sangue e, por isso, a aliança da redenção pertence à
aliança do sangue.

Is 52.3: Assim diz o Senhor: Por nada fostes vendidos; e sem


dinheiro sereis resgatados.
Is 52.9,10: Rompei em júbilo, exultai a uma, ó ruínas de Jerusa-
lém; porque o Senhor consolou o seu povo, remiu a Jerusalém. O
Senhor desnudou o Seu santo braço à vista de todas as nações;
e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.
Is 52.13,15: Eis que o meu Servo (...) borrifará muitas nações.

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Igreja Luterana

Este salpicar é o do sangue, como em Êx 24.8. O sangue de animais


aspergiu apenas uma nação. O sangue aspergido pelo Servo será de be-
nefício universal, pois Ele aspergirá “muitas nações”.
Depois vem o cap. 53, que é de todo relevante para os nossos inten-
tos; porém comentaremos apenas algumas frases: Vv. 4-6: “De fato ele
tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si
(...) Mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos.”
Exatamente como as iniquidades e transgressões eram colocadas so-
bre a cabeça do animal do sacrifício (Lv 1.4) ou sobre a cabeça do bode
emissário (Lv 16.21,23), assim o Servo tornou-se o substituto de todos
os homens no pecado e na morte. Vejamos Is 53. 7: “Como cordeiro foi
levado ao matadouro (...)”
Esta imagem difere daquela da “ovelha perante seus tosquiadores”,
que vem logo a seguir. O cordeiro levado ao matadouro é o cordeiro do
sacrifício, que derrama o Seu sangue como oferta pelo pecado. V. 10:
“Quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado.”
O Servo, ao entregar sua vida (i.e., Sua alma), torna-se a oferta pelo
pecado dos homens. V. 11: “Ele [Deus] verá o penoso trabalho de Sua
alma [vida], e ficará satisfeito (...) as iniquidades deles levará sobre Si.”
O sacrifício do Servo, morrendo sob a culpa dos nossos pecados, é
aceitável a Deus. O preço da redenção é pago totalmente: chega à altura da
justiça e da ira de Deus. V. 12: “Derramou a Sua alma [vida] na morte.”
O derramamento de Sua vida contém a imagem do derramamento
do sangue do sacrifício. Pois, ao esvair-se o sangue, esvai-se a vida para
dentro da morte. Este é o preço da redenção. Este preço, a morte do
Servo eleito de Deus, deve ser lido em cada passagem em que Deus é
chamado de Redentor do homem, redimindo-o do pecado e da morte.
Vejamos algumas:

Jó 33.28: Ele redimiu [padah] a minha alma de ir para a cova; e


a minha vida verá a luz.
Jó 33.24: Então Deus terá misericórdia dele, e dirá ao anjo:
Redime-o [pada, variante raro de padah], para que não desça à
cova; achei resgate [kopher].
Jó 19.25,26: Eu sei que o meu Redentor vive, e por fim se levan-
tará sobre a terra. Depois, revestido este meu corpo da minha
pele, em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, os
meus olhos o verão, e não outros.
Sl 103.4: Ele é quem perdoa todas as tuas iniqüidades, quem sara
todas as tuas enfermidades; quem da cova redime a tua vida.
Os 13.14: Eu os remirei do poder do inferno, e os resgatarei
da morte; Onde estão, ó morte, as tuas pragas? Onde está, ó
inferno, a tua destruição?

10
A aliança do sangue

Em todas as passagens acima sentimos uma situação de verdadeiro


consolo e da mais profunda alegria. O homem que viveu em horrível de-
sespero e perseguido pelo horror da morte, encontra, agora, salvação,
vida e vitória – não em sua própria bondade, poder ou habilidade, mas no
preço resgatador pago em favor dele por um Deus extraordinariamente
misericordioso e gracioso.
Visto a Bíblia ensinar tão claramente que a morte está no mundo
unicamente como soma das consequências do pecado humano, não nos
surpreende encontrar outras passagens em que a libertação humana do
pecado é pintada como o alvo da redenção. Desta maneira, os seguintes
textos:

Sl 130.7,8: Espere Israel no Senhor, pois no Senhor há misericór-


dia; nele, copiosa redenção. É ele quem redime a Israel.
Is 44.22,23: Desfaço as tuas transgressões como a névoa, e os
teus pecados como a nuvem; torna-te para mim porque eu te
remi. Regozijai-vos, ó céus, porque o Senhor fez isto; exultai
vós, ó profundezas da terra; retumbai com júbilo, vós, montes,
vós bosques e todas as suas árvores, porque o Senhor remiu a
Jacó, e se glorificou em Israel.
Is 59.20: Virá o Redentor a Sião e aos de Jacó que se converte-
rem, diz o Senhor.

Qualquer redenção que remover do homem a maldição do seu pecado


terá também esta consequência, a saber: apaga a ira de Deus e restaura
a paz entre o homem e o seu Criador. Assim:

Is 54.5,7,8,10: Porque o teu Criador é o teu marido; o Senhor


dos Exércitos é o seu nome; e o Santo de Israel é o teu Redentor
(...) Por um breve momento te deixei, mas com grandes miseri-
córdias torno a acolher-te; num ímpeto de indignação escondi de
ti a minha face por um momento; mas com misericórdia eterna
me compadeço de ti, diz o Senhor, o teu Redentor. Porque os
montes se retirarão, e os outeiros serão removidos, mas a mi-
nha misericórdia não se apartará de ti, e a aliança da minha paz
não será removida, diz o Senhor, que se compadece de ti. (Veja
também Is 63.7-9).

O pleno significado do preço da redenção divina torna-se claro em


muitas passagens do NT. É bem provável que o povo de Israel, ao ler as
Escrituras do AT e perceber as muitas passagens em que seu Deus é cha-
mado Redentor, não aplicou, nestes termos, a esta palavra o pleno sentido
de pagamento de um preço. Porém, à luz do cumprimento soa sempre de

11
Igreja Luterana

novo, com brilhante clareza, o fato de que a nossa redenção custa alguma
coisa e que somente Deus, em Cristo, pode pagar esse preço. O preço é
o sangue e a morte do Filho de Deus.

Mt 20.28 (também Mc 10.45): O Filho do Homem veio (...) para


dar a sua vida em resgate por muitos.
At 20.28: O Espírito Santo vos constituiu bispos para pastorear a
igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue.
Rm 3.24: Sendo justificados, gratuitamente, por sua graça, me-
diante a redenção que há em Cristo Jesus.
1Co 6.20: Porque fostes comprados por preço.
Gl 3.13: Cristo nos resgatou da maldição da Lei, fazendo-se ele
próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito: Maldito
todo aquele que for pendurado em madeiro.
Gl 4.4,5: Deus enviou seu Filho (...) para resgatar os que esta-
vam sob a lei.
Ef 1.7: No qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão
dos pecados, segundo a riqueza da Sua graça. (Vejam também
Cl 1.14).
1Tm 1.6: O qual a Si mesmo se deu em resgate por todos.
Tt 2.14: O qual a Si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos
de toda iniqüidade, e purificar para si mesmo um povo, exclusi-
vamente Seu, zeloso de boas obras.
Hb 9.12: Pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos,
uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção.
Hb 9.15: Intervindo a morte para remissão das transgressões.
1Pe 1.18,19: Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis,
como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil proce-
dimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue
de Cristo, como de cordeiro sem defeito e sem mácula.
2Pe 2.1: Até ao ponto de renegarem o Soberano que os resga-
tou.
Ap 5.9: Porque foste morto e com o teu sangue compraste para
Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação. (Ve-
jam também 14.3,4).

Os apóstolos viam, claramente, em Cristo e Sua morte o cumprimento


de cada referência profética veterotestamentária a Deus como o Redentor
do Seu povo. Desta forma o NT se apoia no AT. Seus grandes conceitos
brotam dos conceitos do AT, exatamente como ele derrama sobre o AT a
luz da salvação plenamente realizada e gloriosa, muito além dos sonhos
humanos.

12
A aliança do sangue

IV. O SANGUE DA CIRCUNCISÃO

As Escrituras não contêm uma única passagem que coloque, clara e


inconfundivelmente, a aliança da circuncisão dentro da aliança do sangue.
Faltando-nos um texto assim, não podemos saber com certeza se o povo
de Israel sempre via no rito da circuncisão o significado do sangue tal
como eu o percebo aqui, ou se tiravam as mesmas conclusões que eu tiro.
Está realmente claro que na maior parte da história do povo de Deus a
circuncisão nada mais era do que uma obra religiosa habitual e rotineira,
e que poucos – se é que houve alguém – a realizavam com uma noção
mais profunda do que a de ser ela mero sinal distintivo do povo escolhi-
do de Deus, dado por Deus. Apesar disso, a ausência de uma referência
escriturística direta não prova que o sinal da circuncisão não tenha um
significado mais profundo. Na verdade, nossa experiência geral com os
sinais sob os quais Deus oferece Sua aliança mostra que o próprio sinal
nunca é apenas um símbolo sem sentido, porém que, de algum modo,
contém em si mesmo a mensagem daquilo que ele significa. Se procu-
rarmos um texto assim no sinal da circuncisão, podemos encontrá-lo, no
mínimo por inferência e dedução, se não por afirmação direta, na aliança
do sangue. Visto que a maioria das conclusões obtidas neste capítulo são
reconhecidamente deduções, não as apresento com certeza dogmática.
Para mim, no entanto, a circuncisão, quando interpretada à luz da aliança
do sangue, depreende uma rica beleza espiritual, plenamente dentro da
analogia da Escritura, e em harmonia com toda referência escriturística
à circuncisão.
A instituição da aliança da circuncisão entre Deus e Abraão está regis-
trada em Gênesis 17. Observem especialmente os vv. 10-14:

Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós e a tua


descendência: todo macho entre vós será circuncidado. Circun-
dareis a carne de vosso prepúcio; será isso por sinal de aliança
entre mim e vós, todo macho nas vossas gerações, tanto o
escravo como o comprado a qualquer estrangeiro que não for
da tua estirpe. Com efeito, será circuncidado o nascido em tua
casa, e o comprado por teu dinheiro; a minha aliança estará na
vossa carne e será aliança perpétua. O incircunciso, que não for
circuncidado na carne do prepúcio, essa vida será eliminada do
seu povo; quebrou a minha aliança.

Os termos desta aliança podem ser esboçados de maneira bem sim-


ples: (1) ela tem em vista todo macho nascido na casa de Abraão, bem
como todo macho escravo comprado por dinheiro; (2) o tempo regular da

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Igreja Luterana

circuncisão é o oitavo dia de vida do bebê; (3) a circuncisão consiste em


cortar a carne do prepúcio; (4) este corte deixará marca permanente na
carne do homem que é circuncidado; (5) esta marca na sua carne ser-lhe-á
por toda a vida, o vestígio e sinal de que ele vive num relacionamento
gracioso com Deus; (6) submissão à circuncisão significa obediência à
ordem de Deus e confiança em Suas promessas. Por isso, aquele que não
é circuncidado rejeita a aliança de Deus, e dela não participa.
Este último ponto, a importância da fé ao receber a aliança da circun-
cisão, é enfatizado pelo apóstolo Paulo, em Rm 4.11: “E Abraão recebeu
o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé que teve quando ainda
incircunciso; para vir a ser o pai de todos os que crêem, embora não cir-
cuncidados, a fim de que lhes fosse imputada a justiça.”
Para Paulo, a fé que confia na aliança da graça de Deus é muito mais
importante do que o sinal exterior da própria circuncisão. Por meio desta
fé Abraão alcançou justiça perante Deus. Sua circuncisão veio a ser o
sinal e o selo de sua justiça, isto é, do seu relacionamento pactual com
Deus. Desta forma a aliança opera em dois sentidos: (1) de Deus para o
homem, levando a graciosa promessa divina de perdão e vitória, selando
esta promessa na carne circuncidada do homem; (2) do homem para Deus,
pelo fato de a promessa e o selo serem recebidos alegre e humildemente,
pela fé. Poderíamos novamente adaptar a explicação de Lutero sobre o
poder do batismo: “Como pode a circuncisão fazer coisas tão grandes?”
Resposta: “O ato exterior da circuncisão, na verdade, não as faz, mas a
palavra de Deus (i.e., seu mandamento e promessa), que está em e com
a circuncisão, e a fé que confia nesta Palavra de Deus na circuncisão. Pois
sem a palavra de Deus a circuncisão nada é, a não ser mutilação da carne;
porém, com a Palavra de Deus ela é a circuncisão, isto é, sinal, símbolo
e selo da graciosa aliança de Deus, na carne do homem.”
Devemos ainda examinar outro importante texto antes de delinearmos
a relação entre a aliança da circuncisão e a aliança do sangue. É aquele
incidente um tanto confuso na vida de Moisés, registrado em Êx 4.24-26.
Ele acontece pouco depois de Moisés receber seu comissionamento divino,
enquanto está peregrinando com Zípora, sua mulher, e seu filho Gérson,
para voltar com Arão ao Egito:

Estando Moisés no caminho, numa estalagem, encontrou-se o


Senhor, e o quis matar. Então Zípora tomou uma pedra aguda,
cortou o prepúcio de seu filho, lançou-o aos pés de Moisés e lhe
disse: sem dúvida tu és para mim esposo sanguinário. Assim o
Senhor o deixou. Ela disse: Esposo sanguinário, por causa da
circuncisão.

14
A aliança do sangue

Evidentemente, Zípora e Moisés haviam outrora discutido a respeito da


circuncisão de seu filho; senão ela não teria chegado a conclusão imediata,
quando a vida de Moisés estava em jogo, de que Deus o afligia por não
ter circuncidado Gérson. A própria Zípora repele a crueldade da circunci-
são. No entanto, agora que a vida de Moisés está por um fio, ela mesma
executa o ato e leva o prepúcio ensanguentado a Moisés, lançando-o aos
seus pés, desgostosa por mostrar que a circuncisão tinha sido realizada.
O SENHOR deixa Moisés restabelecer-se. A observação de Zípora mostra
que ela ainda não entendia o sentido daquele ato; repudia sua crueldade,
tendo sido levada a vencer sua repulsa unicamente por causa da ameaça
à vida de Moisés.
Aqui, porém, interessa especialmente a referência à crueldade do ato
da circuncisão. Está o significado deste sinal especial de Deus para com
seu povo outra vez no derramamento de sangue? É a aliança da circun-
cisão, portanto, apenas outro aspecto da aliança do sangue? Lembremos
de novo o texto-chave, Lv 7.11, e concentremo-nos nele agora: “A vida
da carne está no sangue. Eu vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer
expiação pelas vossas almas.”
“A vida da carne está no sangue”. Já tratamos da carne e do sangue
dos sacrifícios de animais do AT. Porém aqui, na circuncisão, tratamos,
não de carne e sangue de animais, mas do próprio homem, exatamente
como Deus havia dito a Abraão: “Minha aliança estará na vossa carne e
será aliança perpétua.”
Vimos que o sangue de animais não possui valor intrínseco para remir
o pecado, pois o animal é inferior ao homem; não suficientemente pre-
cioso para ser o substituto do homem na morte. O que dizer do sacrifício
humano, o sangue do próprio homem? Isso é coisa nojenta para Deus
(Dt 12.31; 2Rs 16.3; Ez 23.37-39; Mq 6.7). Além do mais, o sacrifício
humano não serve como substitutivo para a morte do homem; o homem
não pode substituir-se a si mesmo, visto que a sua vida já está perdida.
Ainda assim, na circuncisão é derramado o sangue do homem – derrama-
do apenas em parte, não para causar a morte, mas apenas para lembrar
ao homem que sua vida não é sua; que ele não tem direito à vida; que
a morte é fartamente merecida como salário do pecado. A circuncisão
contém, ao mesmo tempo, o evangelho da graça de Deus, pois o homem
ainda vive, embora seja derramado sangue. Ele deve morrer; no entanto,
não morre. O único sacrifício suficientemente precioso, a ser verdadeiro
substituto em favor do homem, ainda será oferecido em favor dele pelo
próprio Deus. “Nele serão benditas todas as nações”. Por toda a sua vida,
pois, o homem leva em sua carne o símbolo e sinal da circuncisão, que lhe
diz que derramou perante Deus um pouco do seu próprio sangue – uma
poderosa recordação do preço que ele deve pagar por seu pecado. Também

15
Igreja Luterana

lhe diz que Deus realizou em favor dele uma libertação maravilhosamente
misericordiosa. Esta é a beleza da aliança e do seu sinal.
O próprio sinal é distintivo e inconfundível. Nenhum outro corte da
carne humana, nenhuma outra perda de sangue humano poderia deixar
um sinal tão claro e permanente, sem, no entanto, prejudicar qualquer
função do corpo. A circuncisão não exige testemunhas nem registros em
papel, nem certificados. A aliança está na carne do homem por aliança
perpétua. Embora seja circuncidado ao oitavo dia, e ainda que não se lem-
bre pessoalmente do ato, ainda assim ele saberá, através de sua própria
carne, que a circuncisão foi realizada. E se ele conhece o seu significado,
sua própria carne irá lembrar-lhe constantemente de que sua vida está
perdida pelo pecado; porém, está salva pela graça de Deus.
E quanto à mulher? Em relação a remissão do primogênito, observamos
que as leis de remissão se aplicam unicamente a crianças do sexo mas-
culino. Aqui, novamente, a circuncisão é apenas para o menino. Significa
isso que a mulher é desprezada e omitida da aliança de Deus? De jeito
nenhum! O sólido parecer da Escritura é que a mulher é a companheira
do homem; que no casamento os dois são uma só carne. Os sinais da
redenção e da circuncisão são dela através do marido. Ao mesmo tempo,
o próprio fato de a mulher não participar pessoalmente da circuncisão
sublinha o fato de que a circuncisão é sinal da graça de Deus, não mais
nem menos. Ela não é a aliança em si. Por sua própria natureza, sendo
sinal, possui valor somente se o homem compreende o que ela significa.
Se ela é símbolo, como Paulo o expressa, então ela tem valor somente
quando o homem está pessoalmente ciente do que ela significa. Se é um
selo, ela o é apenas quando o homem crê o que ela sela (cf. Rm 4.11,
acima). Assim, novamente, o sangue da sua expiação não é superior ao
sangue dos animais sacrificados sobre os altares do homem. É somente
selo, sinal e símbolo de um sangue mais precioso, por vir.
Na Escritura se evidenciam três abusos com a circuncisão, que lan-
çam ainda mais luz sobre a própria circuncisão. O primeiro é o pecado do
homem ante sua sanguinolência, representado por Zípora, que clama a
Moisés: “És para mim esposo sanguinário, por causa da circuncisão”. O
fato de Zípora se ofender dessa maneira indica que ela não percebeu o
significado espiritual do derramamento de sangue. Outrossim, ela não se
submete pela fé ao mandamento de Deus, nem confia na sua promessa
– o que ela devia ter feito, mesmo quando não entendia a plena intenção
do grande favor de Deus. Se alguém se escandaliza com a sanguinolência
da circuncisão, perceba, em contrapartida o valor extremamente grande
que o mesmo Deus, instituidor da circuncisão, coloca no sangue do ho-
mem em outros textos da Escritura. Lembrem, por exemplo, as palavras
da aliança de Deus com Noé: “Se alguém derramar o sangue do homem,

16
A aliança do sangue

pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a


sua imagem” (Gn 9.6). Observem também que a circuncisão é o único
derramamento de sangue humano que Deus irá permitir. Todos os outros
ferimentos na carne humana são condenados como abominação ao Senhor.
Vejam, por exemplo:

Lv 19.28: Pelos mortos não ferireis a vossa carne; nem fareis


marca nenhuma sobre vós: Eu sou o Senhor.
1 Rs 18.28: E eles [os profetas de Baal] clamavam em alta voz,
e se retalhavam com facas e com lancetas, segundo o seu cos-
tume, até derramarem sangue. (cf também Lv 21.5; Dt 14.1;
Jr 16.6).

É, pois, evidente que o sangue é altamente precioso aos olhos de Deus.


Ele não derramaria uma única gota de sangue humano, a não ser que
tivesse razão extremamente importante para requerê-lo. Escandalizar-se
frente a sanguinolência na circuncisão, e na realidade diante do ato, é
deixar de perceber a profundidade da depravação humana ou deixar de
compreender a finalidade da terrível e infalível ameaça de Deus: “No dia
em que dele comeres, certamente morrerás.”
Abuso maior e mais comum acontece com a circuncisão, quando se
perde o seu significado espiritual. Com tanta facilidade ela se torna sim-
plesmente um ritual religioso, cumprimento humano da lei de Deus, que
pelo simples ato exterior, ex opere operato, é suficiente para garantir a
salvação eterna do homem sob a aliança de Deus. Assim o homem es-
queceu que na circuncisão Deus estava lhe dando um presente de valor
tão grande que torna o homem eterna e inevitavelmente devedor a Deus.
A circuncisão subverteu-se numa dádiva que o homem oferece a Deus,
mediante a qual espera receber uma recompensa devido à sua obediência.
Ela se tornou símbolo de orgulho nacional, em vez de humildade pessoal.
Desta forma, a circuncisão pode ser evitada e blasfemada pelos ímpios
filhos de Jacó na história de Diná, em Gn 34; ou, novamente, pelo rei Saul
que, levianamente, ordena que Davi lhe traga cem prepúcios de filisteus
como dote pela sua filha Mical, 1Sm 18. É contra tais ideias mundanas a
respeito da circuncisão, tão falhas em apreciar seu significado espiritual e
por isso viver em espírito de arrependimento humilde e fé diante de Deus,
que se dirigem as muitas exortações ao povo de Deus para circuncidarem
também, e especialmente, os seus corações. Assim, por exemplo:

Dt 10.16: Circuncidai, pois, o vosso coração, e não mais sejais


teimosos.
Dt 30.6: O Senhor teu Deus circuncidará o teu coração, e o co-

17
Igreja Luterana

ração da tua descendência, para amares ao Senhor teu Deus de


todo o teu coração e de toda a tua alma, para que vivas.
Jr 9.25,26: Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que castigarei a
todos os circuncidados, juntamente com os não-circuncidados. Ao
Egito, a Judá e a Edom, e aos filhos de Amom e Moabe, e a todos
os que cortam os cabelos nas têmporas e habitam no deserto,
porque todas as nações são incircuncisas, e toda a casa de Israel
é incircuncisa de coração (cf. também Jr 4.4).
Rm 2.28,29: Porque não é judeu quem o é apenas exteriormen-
te, nem é circunciso o que é somente na carne. Porém judeu é
aquele que o é interiormente, a circuncisão a que é do coração,
no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos
homens, mas de Deus (cf. também Cl 2.11).

O terceiro abuso com a circuncisão aconteceu no tempo dos apóstolos,


quando os mestres judeus desejavam retê-la com exigência legal mesmo
depois de ter vindo o cumprimento em Cristo. A circuncisão, como vimos,
pertence à sombra de coisas por vir. O sangue da circuncisão desaparece
inevitavelmente na obscuridade, uma vez que nos foi revelada a plena
glória do sangue da cruz de Cristo. Portanto, ater-se às ordenanças da
circuncisão é muito mais que simplesmente negação da liberdade cristã.
Constitui negação do próprio Cristo – em primeiro lugar, porque da con-
formidade exterior à lei faz-se uma exigência adicional para a salvação, e
assim Cristo já não é mais o Salvador todo-suficiente; em segundo lugar,
porque o pleno significado para o sangue, com sua mensagem de lei e
evangelho, é sepultado sob a vazia realização de uma obra exterior.
O homem que, vendo o sinal da circuncisão em sua própria carne, puder
dizer em arrependimento e fé: “Minha vida está perdida; devo morrer por
causa do meu pecado, todavia, Deus poupou a minha vida e prometeu
oferecer outro sacrifício em meu lugar,” – este homem, descobrindo a
morte e a ressurreição de Cristo, compreenderá, pronta e alegremente,
que aqui está o cumprimento da sua salvação. Colocará agora toda a
sua confiança no próprio Cristo, e entenderá que a circuncisão é agora
tão desnecessária como os sacrifícios veterotestamentários de animais,
pois o Grande Sacrifício já foi oferecido. Os mestres judaicos, por outro
lado, que teimavam em insistir que os cristãos gentios deveriam ser, no
mínimo, circuncidados, revelaram com isso que para eles a circuncisão
era apenas uma obra de obediência por parte do homem, não um canal
de graça de Deus. Mediante esta obediência o homem mereceria o favor
de Deus; cumpriria sua parte no acordo (barganha) com Deus e poderia
esperar pela recompensa divina. Havia, talvez, um toque de orgulho na-
cionalista nesta insistência com a circuncisão. Querendo glorificar Israel,
esqueceram de glorificar o Deus de Israel.

18
A aliança do sangue

Qualquer desses espíritos é totalmente incompatível com a verdadeira


religião de Deus tal qual ela chega ao seu auge em Jesus Cristo. Paulo
dedica quase a Epístola aos Gálatas a este problema. Ele não faz rodeios.
Vejam, por exemplo, suas instigadoras palavras em Gl 5:

Eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de


nada vos aproveitará. De novo testifico a todo homem que se
deixa circuncidar, que está obrigado a guardar toda a lei. De Cristo
vos desligastes vós que procurais justificar-vos na lei, da graça
decaístes. (Porque nós, pelo Espírito aguardamos a esperança
da justiça que provém da fé.) Por que em Cristo Jesus, nem a
circuncisão, nem a incircuncisão, tem valor algum, mas a fé que
atua pelo amor (vv. 2-6).
Oxalá até se mutilassem os que vos incitam à rebeldia [i.e., que
eles se mutilassem a si mesmos] v.12.

Ou de Gl 6.12-17:

Todos os que querem ostentar-se na carne, esses vos constran-


gem a vos circuncidardes, somente para não serdes perseguidos
por causa da cruz de Cristo. Pois nem mesmo aqueles que se
deixam circuncidar guardam a lei, antes querem que vos circun-
cideis, para se gloriarem na vossa carne. Mas longe esteja de
mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo (...)
Pois nem a circuncisão é coisa alguma, nem a incircuncisão, mas
o ser nova criatura (...) Quanto ao mais, ninguém me moleste;
porque eu trago no corpo as marcas [não da circuncisão, mas]
de Jesus.

Assim, diz Paulo, se tu queres levar no teu corpo qualquer marca ou


sinal físico da realidade de que és cristão, não o seja a circuncisão, antes,
porém, as marcas dos sofrimentos que, como nova criatura, tens supor-
tado por causa de Cristo.

V. O SANGUE DA PÁSCOA

O auge cerimonial e espiritual da religião do AT era a celebração da


Páscoa; no NT, é a Ceia do Senhor. Nestas duas comemorações, espe-
cialmente porque uma se liga à outra, a aliança do sangue é revelada em
toda a sua clareza e beleza. As palavras que Jesus proferiu naquela noite
pascal no Cenáculo: “Isto é meu sangue, o sangue do Novo Testamento”,

19
Igreja Luterana

constituem a simples chave que confirma e sumariza a unidade dos tes-


tamentos na aliança do sangue. Se este cálice é o sangue de Jesus Cristo
no novo testamento, então há, ou havia, também o sangue do antigo
testamento. Agora, porém, o novo cumpre o antigo e o anula. Fluindo o
sangue do Novo Testamento de Cristo, cessará para sempre o fluir vete-
rotestamentário do sangue de animais.
O que Jesus estava celebrando pela última vez com Seus discípulos
no cenáculo, em Jerusalém, era a Páscoa do AT. A celebração havia sido
instituída pelo próprio Deus a fim de ser comemorada para sempre nos
tempos de Israel como memorial da poderosa e graciosa libertação do
povo de Deus da escravidão egípcia. Se ela convinha a Jesus, embora es-
tivesse Ele mesmo sem pecado, para cumprir toda a justiça em favor dos
pecadores, então Ele teve que comemorá-la, e o fez com alegria. Pedro e
João fizeram os preparativos. Eles providenciaram o cenáculo como lugar
em que Jesus, na companhia dos Seus discípulos, poderia celebrar a festa.
Providenciaram o cordeiro sem defeito, e o sacrificaram no templo. Puseram
o sangue com hissopo na verga e na ombreira da porta. O cordeiro foi
assado ao fogo, de acordo com a ordem de Deus, assado inteiro e levado
para o jantar juntamente com pães ázimos tempero para carne, e o vinho,
que era parte essencial de cada refeição. Enquanto comiam a refeição
pascal, cujo significado tanto Ele como Seus discípulos compreendiam,
Jesus institui a celebração do Novo Testamento, que deve permanecer como
preciosa herança da Igreja “até que Ele venha”. Os discípulos estavam
comendo o corpo do cordeiro que haviam sacrificado. Todavia Jesus agora
lhes dá o pão, dizendo: “Tomai, comei, isto é o meu corpo, que é dado
por vós”. Os discípulos estavam bem cientes da importância central do
sangue do cordeiro, que é passado nos umbrais da porta. Todavia, Jesus
agora pega o cálice de vinho, dá-o a eles, e diz: “Bebei todos deste. Isto
é o meu sangue do Novo Testamento, que é derramado por muitos para
a remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim”.
Pode-se obter bom número de paralelos importantes entre a celebração
do AT e a do NT:

1. Cada uma é instituída por ordem de Deus. Vejam Êx 12.1ss.: “O


Senhor falou a Moisés e Arão (...) Dizendo (...) Guardá-la-eis (...) por
todas as vossas gerações.” Também 1 Co 11.23ss: “O Senhor Jesus (...)
disse (...) fazei isto (...).”
2. Cada celebração acarreta o sacrifício de um cordeiro. No AT, vejam
Êx 12.23: “É o sacrifício da Páscoa do Senhor” (também Êx 34.24; 23.18;
Nm 9.7). No NT, observem especialmente 1 Co 5.7: “Pois também Cristo,
o nosso cordeiro pascal, foi imolado.” Também as palavras “dado” e “der-
ramado”, na instituição da Ceia do Senhor, indicam sacrifício.
3. Em cada comemoração o sacrifício consiste num cordeiro sem de-

20
A aliança do sangue

feito. Assim, Êx 12.5: “Vosso cordeiro será sem defeito.” No NT, vejam 1
Pe 1.19: “Sois (...) redimidos (...) pelo precioso sangue de Cristo, como
de cordeiro sem defeito e sem mácula.” Também Hb 4.15: “Embora sem
pecado.” O cordeiro da AT, sendo fisicamente perfeito, não tinha motivo
para ser morto. Cristo, nosso Cordeiro, é sem pecado e, portanto, não
sujeito à morte, pois a morte é o salário do pecado.
4. Em cada celebração não era quebrado nenhum osso do sacrifício.
Assim, Êx 12.46: “Nem lhe quebrareis osso nenhum.” No NT, vejam Jo
19.33-36: “Chegando-se, porém, como vissem que já estava morto, não
lhe quebraram as pernas (...) para se cumprir a Escritura: ‘Nenhum dos
seus ossos será quebrado’.” Aqui João vê, novamente, em Jesus “o Cordeiro
de Deus”, o cumprimento do sacrifício do cordeiro pascal do AT.
5. Em ambas as comemorações, é comendo a carne do sacrifício que
o indivíduo participa do sacrifício e recebe pessoalmente seus benefícios.
Assim, Êx 12.47: “Toda a congregação de Israel o fará.” Vejam também
1Co 10.18: “Considerai o Israel segundo a carne: não é certo que aqueles
que se alimentam dos sacrifícios são participantes do altar?” Na festa do
NT, vejam as palavras de Jesus: “Tomai, comei; isto é meu corpo, que é
dado em favor de vós.”
6. Em cada celebração o sangue derramado na morte é sumamente
importante. No AT, o sangue do cordeiro deve ser passado, com hisso-
po, nas ombreiras e nas vergas das casas em que se come a festa (Êx
12.7,22). A Lei do AT, como vimos, proíbe comer sangue (Gn 9.4; Lv
17.10-14). No NT, porém, o sangue se torna parte da celebração: “Tomai,
bebei todos deste; isto é meu sangue do Novo Testamento.” A própria
idéia de que o sangue deste novo sacrifício deve ser bebido indica, outra
vez, que a aliança do sangue chegou ao seu cumprimento. O respeito por
todo sangue, inculcado tão profundamente no AT, é agora substituído pela
reverência maior para com o sangue de Jesus Cristo, o Filho de Deus. A
ordem do Concílio da Igreja de Jerusalém, para que as igrejas gentílicas
se abstivessem de carne de animais sufocados e de sangue, foi dada por
causa da consciência dos judeus, como é explicado em Atos 15.20,21:
“(...) que se abstenham (...) da carne de animais sufocados e do sangue.
Porque Moisés tem, em cada cidade desde tempos antigos, os que os
pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados.”
7. A cada celebração Deus une Sua promessa. Desta forma, Êx 12.13:
“Quando eu vir o sangue, quando eu ferir a terra do Egito” (vejam também
v. 23). Com a ordenança da Páscoa Deus une, portanto, a promessa de
poupar Seu povo da praga da morte dos primogênitos, que Ele lançaria
sobre os egípcios. Há certas implicações que não podemos perder de vista.
Está claro que no julgamento de Deus o povo de Israel merece a morte e
a destruição tanto quanto os egípcios. Por outro lado, por que é necessário
um sacrifício a fim de poupá-los? O próprio fluir da vida do cordeiro para

21
Igreja Luterana

a morte, como sempre acontece no esquema sacrificial, implica expiação:


a morte de um animal em favor da morte do homem. Assim a Páscoa
testifica a impressionante verdade de que o homem é pecador, e que o
salário do pecado é a morte. Mas a Páscoa é, acima de tudo, evangelho.
A ira de Deus recai, não sobre o homem, que merece morrer, mas sobre
o cordeiro imaculado, sendo o homem poupado da destruição da parte
de Deus. Indiretamente, portanto, a promessa de perdão do pecado e
da graça divina está inserida no sacrifício pascal. Na Ceia do Senhor, do
NT, o perdão do pecado é prometido diretamente: “Isto é Meu sangue,
derramado em favor de vós para a remissão dos pecados”.
8. Tanto a Páscoa quanto a Ceia do Senhor são dadas ao homem como
solenidade memorial. O povo de Israel deve celebrar anualmente a Páscoa
para se lembrar da maravilhosa libertação divina de seus pais da servidão
egípcia; portanto, do poder, da misericórdia e da fidelidade do Senhor.
Desta forma, Êx 12.14,26-27:

Este dia vos será por memorial e o celebrarei como solenidade ao


SENHOR: nas vossas gerações o celebrareis por estatuto perpétuo
(...). Quando os vossos filhos vos perguntarem: Que rito é este?
Respondereis: É o sacrifício da páscoa do SENHOR, que passou
por cima das casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu os
egípcios e livrou as nossas casas.

O fato de a solenidade ter de ser celebrada ano após ano mostra, no-
vamente, que o significado do sacrifício do cordeiro vai muito além daquele
evento transitório da libertação do Egito. Este é o sangue da aliança da
graça de Deus com seu povo, por todas as suas gerações, pelo qual eles
podem estar sempre seguros da contínua misericórdia e do perdão de Deus,
bem como da Sua fidelidade; o sangue pelo qual Ele nunca os abandonará,
mesmo se eles se voltarem contra Ele. Ele, porém, certamente levará a
efeito o cumprimento da Sua aliança da redenção. É interessante observar
quantas vezes faz-se referência, no AT, à poderosa manifestação da graça
de Deus para com Seu povo no Êxodo. Do começo ao fim da história de
Israel, este é o grande acontecimento histórico sobre o qual se fundamenta
a fé em Javé, acontecimento ao qual a memória se volta para conforto e
garantia de contínuo perdão e livramento em toda tribulação.
A Páscoa do NT também é solenidade memorial – porém não mais da
libertação do Egito, mas de Jesus Cristo, que pelo Seu sangue é “o Cor-
deiro de Deus que leva embora o pecado do mundo.” Desta forma, 1Co
11.25,26: “Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue. Fazei isto
todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque todas as
vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte
do Senhor até que Ele venha.”

22
A aliança do sangue

Quando nós hoje comemos o corpo de Cristo na Ceia do Senhor e


bebemos o Seu sangue, devemos fazê-lo em memória da Sua morte. O
próprio fato de comermos Seu corpo é nossa garantia de que Ele real-
mente morreu, exatamente como o comer do cordeiro assado do AT era
prova clara e evidente de que o cordeiro realmente havia derramado seu
sangue na morte. Além disso, nosso comer e beber nesta celebração nos
dizem que Cristo morreu como sacrifício – e que não foi simplesmente
morto como os animais que servem de alimento, porém que morreu vo-
luntariamente – com uma determinação, a saber, em favor da remissão
dos nossos pecados, como substituto para a nossa morte. Finalmente,
cada comungante deste sacrifício, cada pessoa que come e bebe dele, tem
a garantia absoluta da parte de Deus: “É por ti que Ele morreu; por tua
salvação e para tua vitória sobre a morte. Por meio deste comer e beber
te tornas participante no Seu sacrifício.” Ele realmente morreu; Ele morreu
como sacrifício. Ele morreu por mim! Tudo é minha garantia pessoal da
parte de Deus quando eu como e bebo em memória de Cristo, anunciando
a morte do Senhor até que Ele venha.
9. O nono paralelo entre a Páscoa do Antigo e a do Novo Testamento
diz respeito à necessidade da fé. Embora a palavra “fé” não seja men-
cionada no relato da instituição da Páscoa, ela está claramente implícita.
Vejam, por exemplo, Êx 12.27,28: “Então o povo se inclinou, e adorou.
E foram os filhos de Israel, e fizeram isto: como o SENHOR ordenara a
Moisés, assim fizeram”.
Comparem também Êx 4.31: “E o povo creu (...)”.
A própria obediência nos diz que eles creram. Quão fácil teria sido ri-
dicularizar esta estranha ordem de Deus, desprezar o sangue e considerar
tola superstição o fato de alguém crer que o sangue na porta iria apartar
da casa a morte. Quão prudente teria sido a sabedoria dos homens que
achavam impossível que numa única noite, sem aviso, seria destinado à
morte o primogênito de todos os egípcios, e unicamente o primogênito,
dos homens e dos animais!
Israel, porém, não se submetia a nenhuma dessas dúvidas. Levava
a sério tanto as ameaças de Deus, bem como Suas promessas. Humil-
demente eles obedeciam – e pela obediência da fé foram poupados. A
importância da fé neste evento é reconhecida pelo autor de Hebreus, que
observa (11.28): “Pela fé (Moisés) celebrou a páscoa e o derramamento
do sangue, para que o exterminador não tocasse nos primogênitos dos
israelitas.”
Contrastem isso com a reação de muitos nos dias de Ezequias. Quando
o rei reinstituiu a Páscoa, desleixada há décadas, eles “riram-se e zom-
baram dos mensageiros” (2 Cr 30.10) porque julgavam tudo aquilo algo
tolo e desnecessário, pois não tinham fé.

23
Igreja Luterana

Assim também no NT, para celebrar devidamente a Ceia do Senhor, é


necessário verdadeiro espírito de humildade, arrependimento e fé. Por isso
Paulo adverte: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do
pão e beba do cálice.” (1 Co 11.28). Aquele que come de modo leviano,
negligentemente, como se estivesse dando alguma coisa a Deus, em vez
receber dEle as mais preciosas dádivas e promessas – essa pessoa traz
maldição sobre si mesma. É “réu do corpo e do sangue do Senhor” e “come
e bebe juízo para si, não discernindo o corpo do Senhor” (1 Co 11.27,29),
corpo este que se discerne pela fé. Tal pessoa pisoteia o Filho de Deus,
profana o sangue da aliança com o qual foi santificado, e ultraja o Espírito
da graça (Hb 10.29). Também no AT a ira de Deus se volta contra toda a
rotina, orgulho e observância das Suas celebrações cerimoniais sem a fé.
Assim, Is 1.14: “As vossas solenidades (incluindo a Páscoa), a minha alma
as aborrece; já me são pesadas: estou cansado de sofrê-las.”
10. A décima comparação entre a Páscoa do AT e a Ceia do Senhor, do
NT, é antes um contraste, uma contraposição de valores. O relato da Pás-
coa deixa claro que o sangue do cordeiro nos umbrais das portas não tinha
valor real, intrínseco. Não é sangue de superstição que, por ser sangue,
tenha algum poder mágico para afugentar os espíritos destruidores. Pelo
contrário, ele é chamado de “sinal”. “O sangue vos será por sinal nas casas
em que estiverdes” (Êx 12.13). Desta forma o sangue do cordeiro tem o
poder de poupar vidas humanas, não por ser sangue, mas unicamente de-
vido à ordem e à promessa de Deus. Ele tem poder porque Deus diz que ele
possui este poder. É a aliança do sangue, o sinal da promessa da graça de
Deus. Visto ser ele apenas um sinal, nenhum cordeiro é suficiente para este
sacrifício. Deviam ser sacrificados tantos cordeiros para que todo o Israel
pudesse comer e o sangue ser passado em cada porta. Dois mil novilhos e
dezessete mil ovelhas estavam envolvidos nos sacrifícios de Ezequias (2Cr
30.24). Ano após ano a matança deveria continuar, pois o sangue é sinal do
preço futuro. Ele próprio não é o preço da redenção para libertar o homem
do pecado e da morte (vejam também Hb 10.1,2).
Quão infinitamente mais precioso é, portanto, o sangue da Páscoa
do NT. Este é o sangue do Filho de Deus, o sangue do Novo Testamento,
“que é derramado em favor de muitos, para a remissão dos pecados” (Mt
26.28); não por poucos, nem sendo necessário derramá-lo sempre de
novo, senão que é o único sacrifício por todo o pecado do mundo inteiro.
Este é o sangue do Cordeiro de Deus, que leva embora o pecado do mun-
do. O sangue do cordeiro do AT é sinal da aliança de Deus. A aliança é o
sangue do Cordeiro de Deus, de modo que Jesus pode verdadeiramente
dizer, não “isto significa o novo testemunho do meu sangue”, mas “este é
o novo testamento.” Este cálice é o meu sangue, e este sangue é o novo
testamento. Não mais um sinal da graça e do perdão, mas o perdão, a
salvação e a própria vitória!

24
A aliança do sangue

11. A última comparação entre a Páscoa e a Ceia do Senhor diz respeito


a sua restrição. Êx 12 deixa claro que a Páscoa não é para todos: Vejam
os vv. 43-48: “Nenhum estrangeiro comerá dela. Porém todo escravo
comprado por dinheiro, depois de o teres circuncidado, comerá dela. O
estrangeiro e o assalariado não comerão dela. (...) Nenhum incircunciso
comerá dela.”
A celebração da Páscoa é concedida exclusivamente ao povo da aliança
de Deus. Na verdade também não-israelitas, todo aquele que desejasse
entrar nesta aliança, deveria fazê-lo mediante o rito da circuncisão. Assim
também a Ceia do Senhor pertence unicamente ao povo de Deus, à Igreja
Cristã, ao único corpo de Cristo. Vejam 1Co 10.17: “Porque nós, embora
sendo muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos
participamos do único pão.”
Aqueles que participam desta Ceia para a glória do único verdadeiro
Deus e Salvador Jesus Cristo não ousem comprometer a exclusividade
desta fé, participando em quaisquer outras celebrações ou sociedades
religiosas. Assim, 1Co 10.20,21: “Eu não quero que vos torneis associa-
dos aos demônios. Não podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos
demônios.”
Exatamente como a circuncisão era pré-requisito fundamental para a
participação na celebração da Páscoa, assim o Batismo se faz necessário
para os que desejarem receber a Sagrada Comunhão. Embora isso não
seja afirmado diretamente, está, porém, implícito nas passagens acima,
pois vinculam-se à ordem missionária de Mateus 28: “Ide e ensinai [fazei
discípulos de] todas as nações, batizando-as (...)”. A Ceia do Senhor é
somente para cristãos; porém o meio divinamente ordenado para tornar-
se cristão é o Batismo cristão.
Estes são os maiores paralelos entre a Páscoa e a Ceia do Senhor.
Aqui, novamente, vemos claramente demonstrado como o NT procede
do Antigo, o ilumina e é revelado já no Antigo. Pois a religião da Bíblia,
Antigo Testamento e Novo, é essencialmente uma só. No próprio ponto
central dessa uma só religião está o conceito do sangue.
Resta, além disso, um pensamento a ser trabalhado nesta discussão
da aliança do sangue como é revelada na Páscoa e na Ceia do Senhor.
É o significado do comer da carne dos sacrifícios. Referimo-nos à sua
importância no ponto 5, acima; porém são pertinentes aqui algumas
observações adicionais. A Páscoa não era o único sacrifício a ser comido
na religião do sangue do AT. Determinadas porções de certas ofertas por
pecados e transgressões, trazidas pelo povo, deviam ser comidas pelos
sacerdotes no santuário (cf. Lv 6.26,29,30; 7.6-9). Não nos interessam
agora as detalhadas regulamentações que regiam esse comer. Está claro,
porém, que o comer dos sacrifícios por parte dos sacerdotes era mais

25
Igreja Luterana

do que simples meio de suprir suas necessidades físicas. Ele tinha real
significado religioso. Certa vez, quando Arão e seus filhos queimavam o
bode de uma oferta pelo pecado em vez de comê-lo, Moisés os reprova
severamente, dizendo (Lv 10.17-20): “Por que não comestes a oferta pelo
pecado no lugar santo? Pois coisa santíssima é: e o SENHOR a deu a vós,
para levardes a iniquidade da congregação, para fazerdes expiação por
eles diante do Senhor” (vejam também Êx 29.33). Desta forma, o comer
da oferta pelos sacerdotes faz parte do ritual pelo qual é feita expiação
em favor do povo.
A única oferta, além da Páscoa, a ser comida pelo próprio povo era a
da oferta de paz. Esta era sempre um sacrifício de ação de graças e louvor
voluntários a Deus por Suas bênçãos (Lv 7.12,16; 19.5). Normalmente a
própria pessoa que trazia a oferta pacífica matava o animal; porém o sa-
cerdote queimava a gordura sobre o altar, e recebia a coxa e o peito como
porção sua (Lv 7.29-34). Depois o próprio ofertante comia a carne cozida
(2Cr 35.13; Zc 14.21); não assada, como acontecia com o cordeiro pascal.
Duas regras claras regiam este comer: (1) a carne devia ser comida no
dia em que era oferecida (ou no caso de um voto, no dia seguinte). Toda
carne deixada para depois do tempo estipulado, deveria ser queimada (Lv
7.15-17); (2) Ninguém moral ou cerimonialmente impuro poderia comer
a oferta pacífica (Lv 7.20,21). Em Lv 7.18 é dito, indiretamente, que esse
comer também possuía significado religioso: “Se da carne do seu sacrifício
se comer ao terceiro dia, aquele que a ofereceu não será aceito, nem lhe
será atribuído o sacrifício: coisa abominável será, e a pessoa que dela
comer levara a sua iniqüidade” (vejam também Dt 15.20).
Desta descrição podemos perfeitamente inferir que a oferta pacífica,
quando devidamente oferecida e comida em fé, é aceita por Deus, sen-
do imputado perdão a quem a ofereceu e dela come. O significado mais
completo deste comer é sintetizado nestas palavras do apóstolo Paulo,
em 1 Co 10.18: “Considerai o Israel segundo a carne; não é certo que
aqueles que se alimentam dos sacrifícios são participantes [comungantes]
do altar?”
Aqueles que comem dos sacrifícios são participantes do altar. Comer
a carne do cordeiro sacrificado é ter a garantia pessoal de que o cordeiro
sacrificado morreu vicariamente, em favor daquele que dele come. Assim,
a refeição pascal era a mensagem divina personalizada e individualizada da
graça para quem dela comia. E desta forma, no NT, o comer do sacrifício
dá a quem come a mais elevada garantia: “O sacrifício foi oferecido em
meu favor, por meu pecado; não apenas pelo pecado do mundo em geral,
mas por mim individualmente.”
Isso tem consequências importantíssimas para a doutrina da presença
real. Uma Ceia do Senhor em que não se come o corpo e nem se bebe

26
A aliança do sangue

o sangue do sacrifício não possui qualquer significado sacramental. Ela


simplesmente não é a Ceia do Senhor. Ela perde todo bocado do conforto
e da certeza pessoal que Cristo deseja dar ao pecador nesta Ceia. É como
se o judeu se escandalizasse com a sanguinolência do sacrifício do cordeiro
pascal e dissesse: “Comerei o pão, e que o pão represente o cordeiro.”
Ele se tornaria culpado de rejeitar a aliança de Deus, pois sem a morte do
cordeiro não há sacrifício; e sem o comer do sacrifício não há certeza para
ninguém de que o sacrifício é seu perdão e salvação. A mesma coisa com
a Ceia do Senhor. Substitutivos, símbolos, apenas pão e vinho, de nada
adiantarão. Ou comemos do verdadeiro sacrifício e bebemos o próprio
sangue derramado por nós – por mais impossível que seja explicar isso –
ou, afinal, não comemos nem bebemos nada. Por isso, se não comemos
o verdadeiro sacrifício, fazemos uma farsa do sacramento.
O argumento dos Reformados, de que o corpo de Cristo se encontra no
céu e que, portanto, não pode estar verdadeiramente presente, evidencia-
se totalmente errado aqui. Nós comemos o corpo que é “dado”, “partido”,
isto é, o corpo que morreu. Bebemos o sangue “derramado”; e o próprio
derramamento de sangue significa morte. No sacramento nós proclamamos
a morte do Senhor até que Ele venha. É o corpo e o sangue do Cordeiro
de Deus, nossa Páscoa, que é sacrificado em nosso favor, é o corpo e o
sangue que comemos e bebemos nesta Ceia – e sacrifício significa morte.
Aqui, na morte de Cristo, está a Sua maior glória e nossa eterna esperança.
Esta observação, evidentemente, não diminui o mistério. Se, afinal, fizer
alguma coisa, ela se une a ele: pois nós devemos sempre reconhecer que
o Cristo morto e o Cristo vivo são um só, inseparável e imutavelmente
único. Porém, no sacramento toda a nossa atenção se concentra em Sua
morte pelo nosso pecado na aliança (testamento) do Seu sangue. Para a
razão humana tudo isso é mistério medonho. Todavia, para a fé simples
e de criança, é mistério sublime, algo de grande conforto e de profunda
alegria.
Esta é a aliança do sangue, um dos grandes temas que soa ao longo
de toda a Escritura Sagrada como o coro de magnífica e harmoniosa mú-
sica. Deus conceda que esta música da salvação através do sangue possa
brotar mais e mais em nossos corações até participarmos com Cristo da
nova celebração no reino de nosso Pai.

27
A ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA DA
EVOLUÇÃO DARWINIANA E A TDI
Alexsandro Martins Machado1

INTRODUÇÃO

A luta pela sobrevivência da fé tem sido um desafio desde a sua gê-


nese. Das perseguições por parte dos judeus às grandes perseguições
romanas; dos anfiteatros aos tribunais do mundo moderno a fé tem sido
objeto de ataques. E a forma mais sutil e eficaz de se combater toda e
qualquer defesa de cunho teológico é a argumentação racional baseada
em uma cosmovisão arreligiosa, e este trabalho diz respeito a esse campo
de crítica ao cristianismo. Na verdade, em nossos dias, devido ao grande
avanço científico e filosófico, a crença em um ser superior tem sido te-
mática de ataques ferrenhos por parte de grandes intelectuais, como por
exemplo, o professor de Oxford, Dr. Richard Dawkins. E mais uma vez a
necessidade de oferecer uma resposta coerente às indagações levantadas
se faz necessário.
No entanto, os apologistas da fé dos tempos modernos necessitam
aprender agir de maneira coerente com o campo no qual estão sendo
desafiados a lutar, e precisam enfrentar os adversários com as mesmas
armas com as quais estão sendo atacados, pois, agindo desta forma,
talvez consigam mostrar para as pessoas que doam seus ouvidos e aten-
ção aos apóstolos do ateísmo moderno que ser cristão não é sinônimo
de ignorância e falta de cultura. E para que tal situação se consuma de
maneira eficaz nos ouvidos destas, o conhecimento científico pode ser um
grande aliado e talvez represente uma urgência para os teólogos destes
tempos presentes.
Neste trabalho faremos uma breve introdução ao debate que tem se
acalorado em nossos dias frente um tema muito polêmico que é a teoria
da Evolução. Não temos por intenção sanar todas as dúvidas, mas abrir
a discussão e deixar nossos leitores de olhos abertos à importância que
esta temática representa. Acreditamos que não será a única publicação
que será feita em nossas revistas, mas que servirá de introdução a muitas
que virão e que, com certeza, queremos participar delas.


1
Alexsandro Martins Machado é Bacharel em Teologia (ULBRA), Licenciado em História
(ULBRA), Bacharelando em Genética e Biologia Molecular (ULBRA), Pós-graduado em
Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia (UNIASSELVI), Pós-graduando em Teologia
(Seminário Concórdia). É professor de Ensino Religioso e Filosofia no Colégio São Lucas
(ULBRA) de Sapucaia do Sul/RS desde 2009 e Colégio Luterano Concórdia de São Leopoldo
desde 2011.

29
Igreja Luterana

Pensando dessa forma, desejamos aos leitores destas breves palavras


uma boa leitura e o desejo que Deus os engaje nesta luta contra as forças
que se opõem à fé que uma vez se manifestou em nossas vidas e serve
de canal pelo qual Deus nos dá, gratuitamente, a salvação em Cristo.

DARWIN

No outono de 1831, um jovem estudante de teologia apresentava-se a


um capitão chamado Fitzroy como candidato voluntário para uma viagem
através do mundo em sua embarcação. Este entusiasmado jovem alegava
interesse por pesquisa científica. No entanto, após breve observação, o
Capitão hesitou em levá-lo por que considerava que, pela forma do nariz
do rapaz, ele não tinha nem mentalidade nem energia necessárias para
ser um bom cientista. O nome deste jovem era Charles Robert Darwin.
No entanto, talvez felizmente, para o progresso do pensamento cien-
tífico, o Capitão Fitzroy mudou de idéia, e o jovem estudante de teologia
embarcou para a maior de suas experiências; dar a volta ao mundo e,
de acordo com alguns cientistas “cristãos” evolucionistas, interpretar a
palavra de Deus como esta se revela no texto sagrado dos seres vivos e
no planeta terra. Henry Thomas e Dana Lee Thomas em A vida de grandes
cientistas chega a dizer que Darwin

saiu a explorar e interpretar a palavra de Deus como foi gravada


na Bíblia dos Seres Vivos. Da aula de teologia, que é o estudo
de Deus, foi promovido ao sacerdócio da antropologia, que é o
estudo do homem. E a sua missão de sacerdote foi relatar aos
seus semelhantes à épica, embora ainda incompleta, jornada
humana do ínfimo ao sublime. (THOMAS, 1965, p.107)

Mas quem foi este homem que marcou a história da ciência e por que
tanto espanto causa aos religiosos? É a respeito disto que falaremos no
próximo ponto ao explanarmos um pouco da vida deste brilhante natura-
lista britânico do século XIX.

A VIDA DE DARWIN

Darwin nasceu em Shrewsbury, no dia 12 de fevereiro de 1809, filho


de um dos mais influentes médicos da Inglaterra, o Dr. Robert Waring
Darwin, e neto de um célebre naturalista chamado Erasmo Darwin. Sua
mãe provinha de uma família da alta sociedade e que cultivava grande
interesse pelas artes. Assim, desde pequeno, Charles foi criado num am-
biente de alto nível cultural.

30
A ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA DA EVOLUÇÃO DARWINIANA E A TDI

Quando pequeno, o menino revelava um singular interesse por animais


e certo espírito de catalogador de espécies. Não são poucas as referên-
cias que falam de suas gigantescas coleções de insetos e pássaros entre
outros que o pequeno naturalista coletou em sua infância. A curiosidade
pelo comportamento animal o fascinava a tal ponto de quase perder-se
em seu jardim familiar observando a bicharada em seu habitat.
O Dr. Robert muitas vezes externou sua preocupação com seu filho,
que para ele era tido como um grande preguiçoso, e temia muito pelo
futuro do menino. Também o fato de o menino Charles não revelar inte-
resse pelo seu ensino no colégio assustava seu pai. Especialmente pelo
fato deste tê-lo enviado a um colégio de estudos clássicos, onde o menino,
para decepção de seu pai, nunca se fechou com as disciplinas estudadas
no mesmo e principalmente pelo estudo de latim e grego. Os professores
também notavam esse desinteresse e declaravam que o pequeno Darwin
tinha atitudes de “atividade de um cérebro desarranjado”. Seus colegas
compartilhavam do parecer dos professores, inclusive deram o apelido de
“Fumaça” ao menino naturalista, talvez por sua atenção dispersa e atitude
inconstante. O pai, aborrecido com o jovem de experiências “absurdas” e
suas caçadas de ratos, o enviou para estudar medicina na Universidade
de Edimburgo.
Na vida, como estudante de medicina, o jovem não demorou a de-
monstrar seus desacertos com o curso, pois considerava muito entediante
as aulas de anatomia. Já nas aulas de prática médica a carreira encontrou
o seu fim. Darwin ficou horrorizado com as cirurgias que eram feitas, pois
as pessoas urravam de dor, especialmente pelo fato de naquele tempo
tudo ser feito sem anestesia.
Percebendo que o garoto não havia nascido para ser médico, seu pai
o envia para estudar teologia no Christ’s College. Foram três anos per-
didos, conforme o próprio Darwin nos relata. No entanto foi ali que ele
teve contato com o professor Henslow, mestre este que intercedeu para
que Darwin pudesse ingressar na viagem a bordo do navio Beagle como
naturalista.
Charles Darwin partiu em sua viagem ao redor do mundo no ano de
1831, da qual retornaria cinco anos mais tarde com uma rica coleção de
exemplares de espécies desconhecidas do velho mundo em que fora criado.
E devido às comparações que fizera entre as estruturas morfológicas dos
animais e a observação que já fazia sobre a luta pela sobrevivência, este
teólogo entrou em conflito com suas prerrogativas religiosas.
Depois de muitas experiências, investigações e pesquisas em outros
autores, o homem que outrora foi considerado um menino sem futuro,
cujo nariz não despertou afinidade em Fitzroy, lançava um livro que aba-
laria os alicerces da sociedade acadêmica mundial. Neste livro, Darwin

31
Igreja Luterana

revelava sua teoria, o fruto de suas pesquisas bem como suas conclusões.
Abria espaço para críticas, como também declarava que a mesma ainda
precisava de alguns complementos, mas mesmo sem expressar isto de
forma direta, deixava claro que seu posicionamento o colocava em rota
de colisão com o pensamento religioso. Darwin teria feito uma viagem de
longos cinco anos ao redor do mundo, pesquisando-o, talvez para mudar a
concepção que o homem tinha do mesmo. Seu livro A origem das espécies
por meio da seleção natural ainda hoje continua como uma grande obra.
A bíblia de todo naturalista e biólogo que visa entender o mundo pura e
simplesmente por meio de processos físico/químico/biológicos.

O LEGADO DE DARWIN

O legado de Darwin, hoje, é conhecido de todo mundo. Para ele, a


diversidade biológica que vemos em nossa frente é fruto de mudanças que
os seres vivos vieram tendo com o passar de longos períodos na história
da vida sobre a terra. Na verdade, a vida teria se originado em um tempo
muito longínquo, em pequenos microrganismos de estruturas bem simples,
sendo indicados hoje como os coacervados os candidatos a este ponto da
história evolutiva da vida e, a partir de então, por mudanças que estes
organismos vieram sofrendo com o passar dos anos, alguns se tornaram
mais aptos na luta pelo alimento enquanto outros que teriam tido mudanças
que os desfavoreceram na luta pela sobrevivência acabaram extintos. E
numa sucessão de bilhões de anos esta variação teria dado origem a toda
e qualquer espécie de seres vivos dos tempos presentes.
O mecanismo de explicação de Darwin, em sua obra, não é muito di-
fícil de ser entendida e sua comprovação, para o naturalista, vem de suas
experiências com seleção de espécies em cativeiro com fins de reprodução
visando diferenciações morfológicas. E como tudo isto foi comprovado
por experimento, para Darwin o mecanismo que fazia com que através
do cruzamento de poucas amostras de pombos fosse possível a produção
de novos exemplares com características que os diferenciava de seus an-
cestrais, a evolução seria plausível de maneira um tanto similar. Só seria
necessário que a terra tivesse mais tempo de existência do que os seis
mil anos alegados pela religião e o conhecido calendário de Usher.
E para dar mais força ao que Darwin vinha alegando, outros cientistas
de renome como Charles Lyell, Ernest Heinrich Haeckel e Alfred Wallace
trouxeram cada um suas contribuições para a teoria da evolução. Assim,
não era só um naturalista que estava a fazer estas afirmações, mas as
evidências começavam a brotar de vários ramos da ciência. E desde lá
até nossos dias não param de surgir novas evidências que corroboram o
que Darwin argumentou em sua obra.

32
A ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA DA EVOLUÇÃO DARWINIANA E A TDI

Devido a esta situação, a teoria da origem das espécies por meio da


seleção natural dominou o cenário científico mundial durante os seus 150
anos de existência, e toda e qualquer pessoa que sonhasse se aventurar na
viagem ao mundo das ciências biológicas tinha de aceitar a evolução das
espécies conforme exposto pelo pensamento do naturalista britânico Char-
les Darwin. Mas esta situação não ficaria inquestionável para sempre.

TEORIA DO DESIGN INTELIGENT

Na década de 90, do século XX, uma equipe de cientistas renoma-


dos começou a levantar certas questões em relação ao mundo natural
que não encontravam explicações lógicas na teoria darwiniana. E graças
aos esforços de um grande advogado norte-americano chamado Phillip
E. Johnson, no ano de 1993, na cidade de Pajaro Dunes, no estado da
Califórnia, realizou-se um encontro destes pesquisadores com fins de
discutirem seus pontos de desacordo com a teoria da Evolução. Estive-
ram presentes cientistas das mais variadas áreas. Eram físicos, químicos,
biólogos, matemáticos e outros. Inclusive grandes nomes que figuravam
em publicações defendendo a teoria evolutiva por seleção natural. Cito
aqui o próprio autor de uma obra fantástica em defesa da evolução, o
Doutor Dean H. Kenyon, o qual outrora evolucionista, agora debandaria
em defesa de uma explicação alternativa sobre a origem da vida e da
variedade biológica.
Estes homens trouxeram de suas áreas contribuições para o que viria
se configurar como a teoria da origem da vida e das variações entre as
espécies por um designer projetista. Alguns destes cientistas, outrora
grandes defensores da teoria da evolução por meio da seleção natural, no
entanto, agora haviam mudado de ideia. Iniciava assim uma fase científica
no que já era conhecido desde a década de oitenta como Teoria do Design
Inteligent (TDI).
Na década de 90 do século XX muito se produziu neste sentido. Foram
vários livros que apareceram defendendo que nem tudo na natureza podia
ser explicado pelo modelo evolutivo conforme proposto por Darwin e os
neodarwinistas. E desta vez não era uma teoria baseando seus argumentos
em prerrogativas religiosas como fazia e faz o criacionismo, mas brotava
um rebento do próprio campo especulativo do empirismo científico.

Design significa desenho, projeto, plano, tipo de construção


ou planejamento. Basicamente, a Teoria do Design Inteligente
(TDI) é uma teoria científica com consequências empíricas e
desprovida de qualquer compromisso religioso. Ela se propõe a
detectar empiricamente se o design observado na natureza é um

33
Igreja Luterana

design genuíno (produto de uma inteligência organizadora) ou


um produto do acaso, necessidades e leis naturais. (LOURENÇO,
2007, p. 42)

O doutor Phillip Johnson sentiu-se satisfeito pelo encontro de Pajaro


Dunes, pois ali pode perceber que não faltariam aliados em sua homérica
aventura na luta contra a teoria que imperava nos meios científicos. Seu
livro Darwin no banco de réus foi um sucesso e ainda hoje reflete esta
feliz investida do renomado advogado.
Ao lado deste defensor do TDI, homens como Michael Behe também
fizeram suas publicações como a sua grande obra A caixa preta de Darwin.
Neste trabalho, este grande bioquímico lançou a público os fundamentos
do que seriam os princípios básicos da TDI. Sua analogia da ratoeira
como princípio da complexidade irredutível tem prendido muitos ratos de
laboratório que persistem no pensamento darwiniano. E como o espaço
que temos é limitado, iremos nos deter no conceito da complexidade
irredutível.

A COMPLEXIDADE IRREDUTÍVEL

O conceito de complexidade irredutível, conforme Behe expõe nas


páginas 47 a 56 de sua obra, apresenta-se como confronto ao que Darwin
expõe em sua obra A Origem das Espécies: “Se pudesse ser demonstrada
a existência de qualquer órgão complexo que não poderia ter sido formado
por numerosas, sucessivas e ligeiras modificações, minha teoria desmo-
ronaria por completo” (BEHE, 1997, p. 47). De acordo com o proposto
por Behe, existem na natureza certas estruturas muito complexas em
que um número muito grande de “peças” moleculares que interdependem
umas das outras para que o sistema estrutural tenha uma funcionalidade
não encontram explicação pelo modelo evolutivo. Para exemplificar sua
interpretação, ele usa uma ratoeira com sua funcionalidade e a inter-
dependência de cada parte que forma sua estrutura, e a partir deste
exemplo, o bioquímico desafia a comunidade científica a demonstrar, por
experimento, a possibilidade de se retirar uma peça das partes essenciais
da ratoeira e mesmo assim ela continuar funcionando para o objetivo a
que foi planejada.
Desta analogia, Behe entra no mundo microscópio, e mostra toda a
complexidade e interdependência de certas estruturas moleculares pre-
sentes nos seres vivos, que assim como no caso da ratoeira, desafia o
mundo científico para que demonstrem por experimento como poderiam
retirar partes essenciais destas estruturas e as mesmas permanecerem
com sua funcionalidade. Desta forma, ou estas estruturas, assim como a
ratoeira, teriam sido planejadas e construídas com suas peças em conjun-

34
A ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA DA EVOLUÇÃO DARWINIANA E A TDI

to ou não seria possível que a origem da mesma se desse por processos


evolucionários conforme proposto pelos apologistas da teoria darwiniana.
A isto se deu o nome de complexidade irredutível, ou seja, uma estrutura
cuja funcionalidade depende da presença de várias peças moleculares
devidamente ordenadas e planejadas para a função que desempenham.
Mas detectar e definir complexidade irredutível é algo que depende de
muita minúcia e atenção às leis físico-químicas que regem o mundo em
que vivemos, e Michael Behe sabe bem disto.

O primeiro passo para determinar a complexidade irredutível


consiste em especificar a função do sistema e todos os seus com-
ponentes. Um objeto irredutivelmente complexo será composto
de várias partes, todas as quais contribuem para a função. A fim
de evitar os problemas encontrados em objetos extremamente
complexos (tais como olhos, besouros, ou outros sistemas bio-
lógicos multicelulares) começarei com um exemplo mecânico
simples: uma modesta ratoeira. (BEHE, 1997, p. 50)

Após este primeiro passo, o bioquímico anuncia as partes essenciais


de uma ratoeira e para este ponto uma pequena ilustração da mesma
está sendo usada abaixo:

Behe anuncia qual seria o segundo passo para a detecção de comple-


xidade irredutível:

O segundo passo para determinar se um sistema é irredutivel-


mente complexo consiste em perguntar se todos os componentes
são necessários à função. Nesse exemplo, a resposta, claro, é sim.

35
Igreja Luterana

Suponhamos que, enquanto está lendo durante a noite, você ouve


o ruído de pequenas patas na copa, vai até uma gaveta e pega a
ratoeira. Infelizmente, devido à fabricação defeituosa, falta uma
das peças listadas acima. Que parte poderia estar faltando, mas
que, ainda assim, nos permitiria pegar o rato? (Ibidem, p. 51)

Mas para podermos entender como a evolução não encontra resposta


para os sistemas biológicos de complexidade irredutível precisamos ter
bem claro as distinções entre os conceitos de precursor físico e conceitual
e para este ponto Behe novamente se esmera em sua explicação. E quanto
ao precursor físico ele afirma o seguinte:

A ratoeira descrita acima não é o único sistema que pode imo-


bilizar um rato. Em outras ocasiões, minha família usou uma
ratoeira de cola. Em teoria, pelo menos, podemos usar uma caixa
inclinada, apoiada em uma vareta que pode ser derrubada. Ou
podemos simplesmente atirar no rato com uma espingarda de
chumbinho. Esses, porém, não são precursores físicos da ratoeira
comum, uma vez que não podem ser transformados – um passo
darwiniano após outro – em uma ratoeira com base, martelo,
mola, trava e barra de retenção. (Ibidem)

O que ele quer dizer com isto é que, para que uma estrutura biológica
possa ser entendida como irredutivelmente complexa, ela não pode apre-
sentar possibilidades de ser fruto de pequenas mudanças graduais que
ocorreram em organismo mais simples cujo resultado foi a estrutura mais
especializada, por exemplo; ao analisar a estrutura do olho, não podemos
defini-lo como uma estrutura que apresente complexidade irredutível se
podemos observar estruturas mais simples que por mutações possíveis
viessem a dar a capacidade de visão a seres que a desenvolveram. E assim
definimos o conceito de precursor físico. Já o precursor conceitual parte
de um princípio diferente.

Para esclarecer esse ponto, considere a seguinte sequência:


prancha de skate, trem de brinquedo, bicicleta, motocicleta, au-
tomóvel, avião, avião a jato, espaçonave. Parece uma progressão
natural, uma vez que é uma lista de mecanismos, todos os quais
podem ser usados para transporte, e também por estarem alinha-
dos em uma ordem crescente de complexidade. Eles podem ser
conceitualmente ligados e fundidos em um contínuo único. Mas,
digamos, será a bicicleta um precursor físico (e potencialmente
darwiniano) da motocicleta? Não. Trata-se, apenas, de um pre-
cursor conceitual. Nenhuma motocicleta na história, nem mesmo

36
A ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA DA EVOLUÇÃO DARWINIANA E A TDI

a primeira, foi fabricada apenas modificando-se uma bicicleta


através de etapas. É bastante possível que um adolescente, numa
tarde de sábado, pegue uma velha bicicleta, um velho motor de
cortador de grama e algumas peças avulsas e (com umas duas
horas de trabalho) construa uma motocicleta que funcione. Mas
esse fato demonstra apenas que seres humanos podem planejar
sistemas irredutivelmente complexos, o que já sabemos.

E após delimitar o que seria, falando de uma forma simples sobre os


postulados do princípio da complexidade irredutível, no livro Caixa preta
de Darwin, Michael Behe passa do campo teórico para o prático e começa
a citar exemplos do que ele está falando em sistemas bióticos. E para
surpresa de qualquer leitor, os exemplos são fantásticos. No entanto nos
limitaremos a expor a figura de apenas um dos exemplos trabalhados em
seu livro.
Depois de ter falado da complexidade irredutível das células que nadam
usando um cílio, Behe dedica boa parte de sua obra falando do flagelo
bacteriano e deste traremos uma figura e pequena abordagem. Mas an-
tes disto veja que biólogos evolucionistas já produziram muito sobre este
sistema complexo, mas ninguém arrisca uma resposta darwiniana para
sua complexidade.

A literatura profissional geral sobre o flagelo bacteriano é quase


tão rica quanto a existente sobre o cílio, com milhares de traba-
lhos sobre o assunto publicados nos últimos anos. Esse fato não
é surpreendente: o flagelo é um sistema biofísico fascinante e as
bactérias flageladas têm importância médica. Ainda assim, mais
uma vez, a literatura evolucionista brilha pela ausência. Embora
nos digam que toda a biologia deve ser vista através das lentes
da evolução, nenhum cientista jamais publicou um modelo que
explicasse a evolução gradual dessa extraordinária máquina
molecular. (Ibidem, pág.78)

A estrutura do motor do flagelo é tão complexa que Behe cita como este
já foi encarado e analisado por pesquisadores. Veja em poucas palavras o
que o livro Caixa preta de Darwin traz em maiores profundidades.

A natureza rotativa do motor flagelar bacteriano constituiu uma


surpreendente e inesperada descoberta. Ao contrário de outros
sistemas que geram movimento mecânico (músculos, por exem-
plo), o motor bacteriano não usa energia diretamente, que é
armazenada em uma molécula “portadora”, como a ATP. Em vez
disso, para se mover o flagelo usa a energia gerada por um fluxo

37
Igreja Luterana

de ácidos que circula na membrana bacteriana. Os requisitos de


um motor baseado em tal princípio são muito complexos e estão
sendo objeto de pesquisa ativa. Muitos modelos foram sugeridos
para o motor, nenhum deles simples. [...] O flagelo bacteriano
usa um mecanismo de remo. Por isso mesmo, deve satisfazer as
mesmas condições que outros sistemas de natação. Uma vez que
o flagelo bacteriano é necessariamente composto de pelo menos
três partes – um remo, um rotor, e um motor – ele é de comple-
xidade irredutível. A evolução gradual do flagelo, assim como a
do cílio, encontra obstáculos enormes. (Ibidem, p. 78)

38
A ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA DA EVOLUÇÃO DARWINIANA E A TDI

Com esta figura, podemos observar a complexidade do motor existente


em bactérias ciliadas, como a Escherichia Coli. Literalmente temos um
motor e, diga-se de passagem, o mais potente motor do mundo. Complexo,
e numa estrutura onde para que seu funcionamento seja real, ele neces-
sita de todas as peças montadas numa sequência lógica. E para este tipo
de motor, não temos nenhum exemplo na natureza que possa servir de
precursor físico para tal complexidade, ou seja, temos a nossa frente um
exemplo vivo de complexidade irredutível. O que isto significa? Bom, isto
nos diz que, ou este sistema segue uma automatização inteligentemente
planejada ou não há como explicar tal estrutura senão por meio de um
milagre. Mas milagres são coisas de religiosos e neste caso muitos evolu-
cionistas têm preferido acreditar em milagres do que num designer.
Quem se interessou por este sistema molecular complexo poderá
acessar um pequeno vídeo que mostra este motor flagelar em pleno fun-
cionamento pelo seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=
QklutWm19MY&feature=fvsr
Com este pequeno exemplo podemos perceber que bactérias do tipo
Escherichia coli não causam dores somente físicas, mas causam dores
psíquicas e filosóficas em muitos cientistas.
Junto à complexidade irredutível, a TDI conta com antevidência genial
e a informação aperiódica como ponto de apoio para a sua defesa, no
entanto, não teremos tempo e espaço suficiente para falar das mesmas
neste artigo, mas ofereceremos referências de onde as mesmas podem
ser encontradas e, talvez, num próximo trabalho falaremos delas.
A realidade é que a teoria do design inteligent tem oferecido sérios
questionamentos para a teoria da Evolução e não são poucos os cientistas
que têm abandonado a teoria darwiniana e abraçado a TDI. No entanto,
no mundo acadêmico, esta situação tem provocado muitas controvérsias,
e como fruto destas, os debates estão surgindo entre evolucionistas e
TDIstas.
No ambiente universitário, podemos citar como exemplo deste con-
fronto os Simpósios realizados na Universidade Mackenzie nos anos de
2008, 2009 e 2010 sob o tema Darwinismo hoje, e que contou com a
presença de grandes nomes tanto da TDI quanto da Evolução. Os Simpó-
sios com suas palestras e debates estão todos disponíveis nos seguintes
endereços virtuais:
1º Simpósio realizado em 2008: http://www.mackenzie.br/11549.
html
2º simpósio realizado em 2009: http://www.mackenzie.br/2_darwi-
nismo_videos.html
3º Simpósio realizado em 2010: http://www.mackenzie.br/3_darwi-
nismo_videos.html

39
Igreja Luterana

E no que diz respeito a uma leitura mais pormenorizada dos pressu-


postos e evidências da TDI, o Professor Dr. Marcos Eberlin disponibiliza
de maneira virtual sua grande obra Fomos Planejados no seguinte ende-
reço:
http://www.fomosplanejados.com.br/
Além de contarmos com grandes obras publicadas como: Darwin no
banco de Réus; Caixa preta de Darwin; Criação X Evolução; O enigma das
origens; Não tenho fé suficiente para ser ateu; Deus existe e tantos outros.
Destes cito também na bibliografia conforme usada para este trabalho.

Conclusão

Uma parte do mundo universitário, hoje, tem aberto as portas para


este incrível debate científico-filosófico. E os dois lados têm apresentado
suas teorias e as defendido de maneira honrosa e digna de suas titulações.
No entanto, tanto um lado quanto o outro possui lacunas e evidências. A
pergunta que fica é: qual será o clímax disto tudo? Talvez o futuro venha
a nos revelar. Mas como podemos ver do que foi escrito acima, há uma
história fantástica por traz deste debate que merece nossa atenção, princi-
palmente por sermos uma instituição envolvida com escolas onde a teoria
darwiniana convive e conviverá com a confessionalidade. E como lidar com
esta situação talvez seja o grande desafio para o qual precisamos nos po-
sicionar de maneira coerente para evitar dois extremos; o indiferentismo
com a confissão de fé e o fundamentalismo religioso.
A esperança do mundo cristão precisa partir de uma fé desafiadora
contra os falsos ensinamentos e é a mesma que Dr. Behe transparece em
seu livro bem como quando expõe ao falar das palestras da professora
Dra. Lynn Margulis:
Lynn Margulis é professora emérita de biologia na Universidade de
Massachusetts. Muito respeitada por sua teoria, amplamente aceita, de
que as mitocôndrias, as fontes de energia das células de plantas e animais,
foram outrora células bacterianas independentes, Margulis diz que a his-
tória acabará por julgar o neodarwinismo uma “pequena seita religiosa
do século XX, dentro da fé religiosa geral da biologia anglo-saxônica”. ‘
Em suas muitas palestras, ela pede a biologistas moleculares presentes
na plateia que citem um único e inequívoco exemplo de formação de
uma nova espécie pelo acúmulo de mutações. Ninguém aceita o desafio.
(BEHE, 1997, p. 35)
Se este desafio de Margulis sobreviver às novas descobertas e tiver a
divulgação necessária, poderemos num futuro bem próximo trazer Deus

40
A ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA DA EVOLUÇÃO DARWINIANA E A TDI

para os debates científicos e falar com consciência acadêmica e científica


que esta presente existência não se limita simplesmente a um mundo
material, mas sim que o mesmo é fruto de um designer que planejou de
acordo com sua antevidência genial como as coisas deveriam ser. E a gran-
de contradição da formação educacional que Ron Carlson ironiza poderá
ser encarada ao campo que lhe pertence, o da especulação filosófica:

No ensino básico, me ensinaram que um sapo transformando-se


em príncipe era conto de fadas. Na universidade, me ensinaram
que um sapo transformando-se num príncipe era um fato!” (Ron
Carlson)

REFERÊNCIAS

DARWIN, Charles Robert. Origin of Species, 6. ed. Nova York: New York
University Press, 1988.
BEHE, Michael. Caixa preta de Darwin: o desafio da bioquímica à teoria
da evolução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 1997.
JOHNSON, Phillip E. Darwin no banco de réus. São Paulo: Cultura
Cristã, 2008.
LOURENÇO, Adauto. Como tudo começou: uma introdução ao Criacio-
nismo. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2007.
GEISLER, Norman; TUREK, Frank. Não tenho fé suficiente para ser
ateu.
FLEW, Antony. Deus existe: as provas incontestáveis de um filósofo que
não acreditava em nada. São Paulo: Ediouro, 2008.
MORRIS, Henry M. et al. O enigma das origens.
COLLINS, Francis. A linguagem de Deus: um cientista apresenta evi-
dências de que Ele existe.
DAWKINS, Richard. As evidências da Evolução: o maior dos espetá-
culos da terra.
THOMAS, Henry, THOMAS, Dana Lee. Vida de grandes cientistas. Porto
Alegre/ RS: Editora Globo, 1965.
Sites:
http://www.mackenzie.br/11549.html
http://www.mackenzie.br/2_darwinismo_videos.html
http://www.mackenzie.br/3_darwinismo_videos.html
http://www.fomosplanejados.com.br/

41
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

Primeiro Domingo no Advento


27 de novembro de 2011

Salmo 80.1-7; Isaías 64.1-9; 1 Coríntios 1.3-9; Marcos 11.1-10

O TEMPO

Estamos no tempo de Advento, um tempo antes do Tempo. Olhando


para as vitrines e lojas, parece que esse Tempo já chegou. Mas Advento
é diferente da euforia de dezembro. Advento é tempo de sobriedade, vi-
gilância, esperança, paciência. Hoje, no dia de Advento, o Rei está vindo.
Estamos preparados para recebê-lo?

AS LEITURAS DO DIA E SUGESTÕES HOMILÉTICAS

Isaías nos dá dicas para esta preparação no Advento. “Sais ao encon-


tro daquele que com alegria pratica a justiça, daqueles que se lembram
de ti nos teus caminhos” (64.5, TM 64.4). Nestas palavras você ouve o
eco do “Fazei isto em memória de mim”. “Praticar a justiça” e “lembrar
do SENHOR nos seus caminhos” tem a ver com a fé. Praticar a justiça e
lembrar do SENHOR são atos decorrentes da fé.
Advento é, na verdade, uma celebração de três tipos de adventos,
vindas de Jesus. É um olhar para o Seu primeiro advento em humildade
vindo através da Virgem, da manjedoura e da cruz. Esta é a razão porque
ouvimos novamente o Evangelho do Domingo da Entrada Triunfal (Qua-
resma) neste Domingo de Advento. Este é o Rei que esperamos. Aquele
que entrou em Jerusalém montado num burrico emprestado cuja coroa é
feita de espinhos e cujo trono é uma cruz. Este é o Rei que declara guerra
em prol de Seu povo e até mesmo em prol de Seus inimigos. O mundo
jamais conheceu Rei ou líder como este que dá a Sua vida para salvar o
mundo.
Assim como foi glorioso e triunfante o advento da Entrada Triunfal,
ele também foi um advento de humildade e fracasso. O Rei entra em
Jerusalém para morrer, para ser crucificado por mãos de políticos e reli-
giosos. Voluntariamente o Rei entra sozinho na batalha para vencer nosso
pecado tornando-se pecado por nós, para vencer nossa morte por meio
da Sua morte.
Jesus veio para cumprir a justiça de Deus em nosso lugar. Este é o
pressuposto. Não há como nós cumprirmos a justiça de Deus. É o que
Isaías confessa e admite: “Todos nós somos como o imundo, e todas as

43
Igreja Luterana

nossas justiças, como trapo da imundícia” (64.6, TM 64.5). O melhor que


imaginamos ser, o melhor que imaginamos fazer - tudo é trapo de imundí-
cia. (A propósito, o termo hD[i significa “período menstrual” e só é usado
nesta passagem.) Esta é uma confissão. Não se trata de um sentimento
de tristeza ou de culpa; enfim não se trata de sentimento algum. Trata-se
de uma atestação, a realidade imutável de que qualquer coisa que fizer-
mos, por mais pura e sublime, está manchada, poluída pelo pecado de
sorte que o que consideramos “obras justas” são, na verdade, imundícia
à luz da lei de Deus.
Reconhecer a gravidade do nosso pecado ou, mais propriamente, da
nossa natureza pecaminosa é apenas o prelúdio da preparação para o
tempo de Advento. É também uma súplica, um grito por misericórdia,
um olhar sobre as promessas de Deus. “Não te enfureças tanto, ó SE-
NHOR, nem perpetuamente te lembres da nossa iniquidade.” É a súplica
de Isaías. “Olha, nós te pedimos: todos nós somos o teu povo.” Somos
o teu povo!
Deus se lembra de nós, sim, mas apenas por causa de Jesus. Este é o
acordo que Ele fez conosco. Mas apenas Ele o fez: nosso pecado em troca
da justiça de Jesus. “Troca feliz”, como diria Lutero. A entrada de Jesus em
Jerusalém não foi por um circuito de vitória. Não era um Rei voltando para
casa em triunfo depois de derrotar seus inimigos na batalha. Não se tratava
de uma parada militar. Antes, era para que se “cumprisse toda a justiça”.
E embora a multidão de discípulos estivesse certa em cantar “hosana ao
Filho de Davi”, eles não faziam a mínima ideia do que isso significava ou
para que Ele tinha vindo. A ficha só iria cair naquele fim de semana.
O que nos sustenta é o segundo advento de Jesus, o advento da sua
glória oculta. É o advento da Sua vinda sacramental, a saber, pela Palavra
e Santa Ceia - uma vinda por vezes desprestigiada. Muitas vezes pensamos
e agimos como se Jesus tivesse vindo, ido e um dia voltará. Mas a noção
da “volta” de Jesus não faz justiça à presença de Jesus. A invisibilidade
de Jesus não faz dEle um ausente. Na verdade Ele está mais plenamente
presente conosco do que quando esteve com o Seu primeiro grupo de
discípulos. Ele está conosco por meio da Sua Palavra em todas as suas
formas sacramentais, ou seja, no Batismo, Santa Ceia, na palavra do per-
dão anunciada em Seu Nome - até a consumação dos séculos! Jesus está
conosco, como prometeu. Ele retornou à Sua glória anterior à direita do Pai
para que pudesse “ser tudo em todos” e “encher todas as coisas”. Significa
que Aquele que estamos esperando é o Mesmo que já está aqui. O Reino
que estamos aguardando é o Reino que já veio. A glória que esperamos
é a glória que já está aqui, embora de forma humilde e oculta.
Na epístola de hoje o apóstolo diz: “Não vos falta nenhum dom, aguar-
dando vós a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual também vos

44
Primeiro Domingo no Advento

confirmará até ao fim para serdes irrepreensíveis no Dia de nosso Senhor


Jesus Cristo.” Havia em Corinto aqueles que achavam que lhes faltavam os
necessários dons espirituais para sobreviver. De outro lado, havia aqueles
que achavam que transbordavam dons. Paulo lhes assegura que nenhum
dom lhes faltava. Textualmente, dois termos são importantes aqui: pri-
meiro, embora os Coríntios preferissem talvez o termo pneumatika, para
“dons espirituais” (12.1), Paulo emprega o termo cari,smata para lhes
lembrar de que tudo o que têm é por graça (1.7). Porque onde a Palavra
é pregada, o corpo e sangue de Cristo são distribuídos, onde há Batismo,
ali está o dom espiritual necessário para preparar o caminho do Senhor.
Podemos até cismar que não estamos preparados para o Advento e
que não nos sentimos “espirituais” ou “tão perto de Deus” como deverí-
amos. Mas, “espiritual” nada tem a ver com sentimento ou emoção; tem
a ver com fé, é “Espiritual”. Fé é confiança nas coisas que hão de vir. É a
certeza em coisas que se não veem. Advento é tempo de fé. Se sentimos
ou não, não vem ao caso porque nada nos falta, Espiritualmente falando.
Temos Cristo, Sua Palavra e sacramentos, portanto, temos tudo o que
precisamos no preparo para o Dia de Cristo.
Este é o terceiro Advento - a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo em
grande glória para julgar vivos e mortos. É o dia da ressurreição e da
Vida.
Vem o Dia quando o pecado não mais existe, quando a morte morreu,
quando a vida reina e quando o governo de Jesus se torna visível a todos.
Isto é Advento. Não é fazer compras e mais compras, preparar-se para as
festas, cozinhar, assar e comer. Claro, fazemos isso e não está nada errado
em fazê-lo, mas há algo mais em andamento. O Dia está chegando. Sua
Luz começa a brilhar. É a primeira vela no Advento. A Estrela não demora
a chegar. Na Sua luz vemos a Luz. Nela estamos preparados. Aquele que
veio em humildade, que vem em Palavra e Sacramento, virá em glória -
mara,na qa,, “Vem, Nosso Senhor!” (16.22).

SUGESTÃO DE TEMA

“Preparados para os adventos do Rei”

Acir Raymann
São Leopoldo/ RS
acir.raymann@gmail.com

45
SEGUNDO DOMINGO NO ADVENTO
4 de dezembro de 2011

Salmo 85; Isaías 40.1-11; 2 Pedro 3.8-14; Marcos 1.1-8

NOTA INTRODUTÓRIA

A segunda carta de Pedro tem como um dos seus alvos mais específi-
cos ensinar seus leitores a lidar com os falsos ensinos e com os que ficam
indiferentes, e até zombam da palavra de Deus (2 Pe 2.1; 3.3-4).
Uma palavra importante dessa epístola é conhecimento. O antídoto
para ensinos falsos e profetas infiéis é aperfeiçoar-se na habilidade em
discernir as coisas (2 Pe 1.3, 5, 8; 3.1, 18). Aquela situação particular
exigia uma ênfase tríplice no ensino apostólico de Pedro. 1º, estimular o
crescimento cristão a partir da capacitação dada por Deus (capítulo 1);
2º, combater veementemente falsos ensinos e falsos profetas (capítulo
2) e 3º, encorajar e animar à vigilância em função do iminente retorno
do Senhor Jesus (capítulo 3).

2 PEDRO 3.8-14

Ao tocar no assunto da promessa da volta de Jesus, Pedro lembra o


povo de Deus que aqueles que estão fazendo pouco caso ou vista grossa
desse assunto esquecem que esse mesmo mundo já havia sido destruído
pelo dilúvio e que esses mesmos céus e terra agora estão reservados
para o fogo.
Nas entrelinhas é possível perceber que a armadilha que os descren-
tes estavam tentando armar para os cristãos era a aparente “demora”
de Deus em cumprir suas promessas de retorno e destruição. Por isso as
palavras de 2ª Pedro 3.8-14.

O TEXTO

Vv.8-9: Pedro possivelmente faz referência direta ao Salmo 90.4. Lá


o salmista contrasta a eternidade de Deus com o curto espaço de tempo
de vida do ser humano. Aqui, o apóstolo quer mostrar o contraste entre
a eternidade e a paciência de Deus com a impaciência humana.
O que pode parecer demorado às pessoas deveria ser visto como uma
manifestação da paciência de Deus, dando mais tempo para que haja
arrependimento de todos. O primeiro componente do arrependimento é

46
Segundo Domingo no Advento

olhar para si, reconhecer que somos pecadores e depois voltar nossos olhos
para Jesus Cristo, nosso Senhor. O segundo elemento do arrependimento
é deixar de olhar para si como fonte de segurança e autocontemplação e
olhar confiadamente para o Deus misericordioso revelado através de Jesus
Cristo. O grande desejo de Deus é que nossas esperanças e expectativas
de futuro, nesta vida e para a eternidade, sejam colocadas nas mãos
bondosas de Deus.
V.10: A promessa de Deus é essa: um dia Jesus volta. Só que a na-
tureza cronológica dessa volta é de completa imprevisibilidade. Não dá
para marcar no relógio ou numa agenda. Outra coisa que ele deixa claro
é que a partir do seu retorno não haverá mais nada a fazer.
Todo dia é o dia do Senhor. Porém, sua promessa é que haverá o
último dia do Senhor. Nesse dia ele mostrará todo o seu poder, sua dis-
posição para salvar e sua autoridade para julgar. Nesta “passagem final”
de Deus por esta terra o universo todo entrará em colapso, céus e terra
se desintegrarão. A mente humana não tem condições de imaginar esse
dia, senão esperá-lo em atitude de contrição e fé.
V.11: A vida santificada é uma resposta do pecador justificado pela
fé em Cristo Jesus. Não há como separar este pedido de Pedro de tantas
outras exortações à santidade nas outras epístolas.
É preciso lembrar que esses pedidos são endereçados em primeiro
lugar a cristãos batizados e regenerados pelo Espírito Santo. É muito curta
a nossa visão em perceber a dimensão real da participação humana no
processo de santificação. Porém, uma vez que o Espírito e Cristo habitam
no cristão, não é difícil compreender que, em última análise, Deus faz de
fato tudo em nossa vida, inclusive a vida santificada.
Todavia, é importante diferenciar a forma como tratamos desse tópico.
Ou falamos em vida santificada como fruto da fé e sinal de gratidão por
tudo o que Deus nos concede; ou falamos em santificação como obras que
mereçam alguma espécie de recompensa. É óbvio que a motivação à vida
santificada não pode ser carregada com nenhum tipo de compulsão legal.
Assim, o apelo a seguir a vontade de Deus em nossas vidas é fruto da
gratidão e isto por sua vez eliminará qualquer ideia de que “nos tornamos
bons fazendo coisas boas”. Nem fará com que se reivindique alguma honra
especial ou recompensa. Vida santificada com espírito de gratidão trans-
ferirá a glória somente a Deus. Por isso que Lutero considera a gratidão
como a mais excelente virtude e melhor forma de servir a Deus, pois ela
é uma obra exclusiva do cristão, ninguém outro a consegue praticar.
V.12: “Venha o teu reino” é uma petição ensinada por Jesus e orada
pelos cristãos de todos os tempos. Ela não deixa de ser um pedido para
que Jesus volte logo. Por esse versículo, a vida piedosa também poderia
“apressar” a chegada do dia do Senhor. Porém, isto ocorrerá desde que

47
Igreja Luterana

esta vida promova o arrependimento de incrédulos, preparando assim o


caminho do Senhor e indo ao encontro do que de fato Deus quer, a saber,
que todos cheguem ao arrependimento. É possível até que essa alusão de
Pedro esteja relacionada à crença judaica de que o pecado das pessoas
impede a aparição do Messias, mas se bem entendido, pode ensinar os
cristãos algo sobre viver piedosamente.
Só que essa interpretação conflita um pouco com a visão paulina, es-
pecialmente em 2 Ts 2.1-7, quando o apóstolo fala que a vinda de Jesus
“não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o
homem da iniquidade, o filho da perdição (v.3).
Vv.13,14: A promessa para os que creem é de um novo lar. Novos céus
e nova terra. É uma frase bonita e que está reafirmada na revelação feita
ao apóstolo João em Apocalipse 21.1. No novo que nos espera tudo será
diferente, a começar pela vida para sempre e sem pecado algum. Enquanto
esperamos por isso, Pedro encoraja seus leitores a se empenhar pela paz,
pureza e justiça. Estas são dádivas de Deus, operadas e concedidas pelo
Espírito através do ouvir do Evangelho, da recepção dos sacramentos e
que é vivida no dia a dia. Recomendação parecida o apóstolo Paulo faz aos
Romanos (Rm 12.9-21). Ser encontrado na paz é mais do que remover
pensamentos e atos hostis, mas é um estado em que Deus confere a paz
através da fé em Jesus Cristo.

REFLEXÃO HOMILÉTICA

Deus é um Deus que faz promessas. Ao longo das Escrituras ele não
só promete como mantém e honra o cumprimento delas. Ele garante
deixar aberta a porta da salvação (Ap 3.8). Ele promete nos proteger e
livrar do mal (Ap 3.9-10). Ele também assegura que um dia irá voltar e
que nenhum dos que creem em Jesus serão afastados da presença dEle
(Ap 3.11-12a).
Quando se sabe das promessas de Deus, não se faria de tudo para
obtê-las? Um dos maiores desejos do ser humano é viver e viver bem. Se
possível para sempre. O tema morte é seguramente um assunto que nem
gostamos de falar, ainda que seja uma realidade tão presente e real. O
mesmo quem sabe poderia ser dito em relação à volta do Senhor Jesus.
Quando se olha para as promessas de Deus, especialmente àquelas que
nos prometem vida eterna, um novo céu e um novo lar, é difícil acreditar
que haja tantas pessoas que ainda não creem nas promessas de Jesus. É
sinistro. Não obstante, a maioria das pessoas procurarem por essa vida
e muita gente o fazem fora do cristianismo, quem sabe seja essa uma
prova muito convincente que o mal existe. Que o diabo cega as pessoas
com a incredulidade e o ser humano definitivamente não consegue por

48
Segundo Domingo no Advento

si só mover uma palha para crer nas promessas que Deus faz. Crer em
Jesus e na vida eterna é um dom. Não confiar na promessa da vida eterna,
algo que o ser humano tanto sonha, é prova de que estamos mortos em
nossos pecados e cegados pelo mal.
Porém Deus não desiste de nos relembrar sempre de novo as suas
promessas. Hoje ele está nos certificando que além de tudo é paciencio-
so, que deseja que todos cheguem ao arrependimento [à contrição e à
confiança], antes de implodir o mundo todo e apresentar um novo céu e
uma nova terra, maquete desenhada no livro de Apocalipse e nos quais
habita justiça e que já podemos observar com os olhos da fé.

Anselmo Ernesto Graff


São Leopoldo/RS
agraff@uol.com.br

49
TERCEIRO DOMINGO NO ADVENTO
11 de dezembro de 2011

Salmo 126; Isaías 61.1-4, 8-11; 1 Tessalonicenses 5.16-24;


João 1.6-8, 19-28

Advento nos remete à teologia do já e ainda não. Estamos, diaria-


mente, lidando com as coisas últimas e penúltimas da teologia. É nesta
perspectiva que direciono este estudo: com vistas à volta de Cristo, como
lidamos com nossa vida enquanto o grande dia não chega?
As leituras do dia nos ajudam a caracterizar a espera por Cristo, des-
crevendo as coisas penúltimas que marcam os cristãos.
Apropriadamente escolhida, a passagem do apóstolo Paulo agora
analisada pode nos dar um norte para vivermos a expectativa da volta
de Cristo. Vejamos as orientações de Paulo para nos preparar para o
encontro final.
“Regozijar-se” ou “alegrar-se” é um fruto do Espírito (Gálatas 5.22-23).
Como Paulo afirma em Colossenses 1.24, há boas razões para manifestar
um “estado de alegria ou de bem-estar”. A espera é proporcionada por uma
certeza de acontecimentos e acompanhada por este estado, mesmo tendo
todos os motivos contrários para se alegrar. Afinal, os tessalonicenses,
assim como Paulo, também estavam sendo perseguidos, o que poderia
levar a outra avaliação da realidade. Por isso o fruto do Espírito, uma
alegria que não se encontra em meio à dor deste mundo e muito menos
é fruto da teologia da glória. A alegria descrita é em termos da teologia
da cruz. Assim como, depois de uma longa estiagem, brotam em meio à
secura plantas que novamente crescem e dão frutos.
A outra marca que acompanha aqueles que aguardam a volta de Cristo
é a oração. Lutero sugere que o “Pai Nosso é prescrito para nós para que
vejamos e ponderemos a necessidade que nos há de impelir e obrigar a que
oremos incessantemente” (Catecismo Maior III, 24). Também a Fórmula
de Concórdia nos ajuda entender o que Paulo está sugerindo: “Devemos
pedir sem cessar pelo mesmo Espírito e por sua graça, por intermédio de
exercício diário de ler e praticar a palavra de Deus, ele preserve em nós
a fé e seus dons celestes, nos fortaleça de dia a dia e nos conserve até o
fim” (Declaração Sólida II, 16).
“Dar graça” ou literalmente “expressar gratidão pelos benefícios ou
bênçãos recebidas” também acompanha os crentes nos tempos penúlti-
mos. Em outras palavras, é perceber o que se ganhou e cuidar do que se
ganhou. Como membros do corpo de Cristo, os cristãos são convidados a

50
Terceiro Domingo no Advento

“cumprir” com suas responsabilidades dentro desse corpo. Essa respon-


sabilidade é gratidão, é benécia, é responsabilidade, é vocação.
Essas três marcas ou características acompanham aqueles que aguar-
dam pela volta de Cristo. “Alegria”, “oração” e “gratidão”, essas três, são a
resposta da atuação do Espírito Santo. Quando Paulo sugere “não apagar
o Espírito” ele pode estar refletindo a moralidade. A ética e a vida cristã
fazem parte das coisas penúltimas. Nenhum ser humano constrói uma nova
realidade pelas ações e intenções éticas. Pelo contrário, a fé existencial
e confessada cria em nós uma novidade de vida responsável na vocação.
Apatia e imoralidade, palavras bem presentes nesta carta, não fazem parte
da vocação cristã e elas podem “apagar o Espírito”.
No versículo 20 Paulo usa a palavra “profecia” para marcar bem a quem
os tessalonicenses sempre de novo precisavam dar ouvidos. Profetas, tanto
do Antigo como do Novo Testamento, apresentam a palavra de Deus para
situações específicas e sempre de novo apontam para as últimas coisas. A
esses precisamos ouvir em vez de valorizar os dons e habilidades, como
aconteceu com alguns de Tessalônica. Em 1 Coríntios 14.2, Paulo nos
mostra o que é mais urgente: ouvir a profecia: “Pois quem fala em outra
língua não fala a homens, senão a Deus, visto que ninguém o entende,
e em espírito  fala mistérios. Mas o que profetiza fala aos homens, edifi-
cando, exortando e consolando”.
Esta profecia é testada diante do mal. “Julgar” e reter o que é bom e
“abster-se” do mal. Como afirmam nossas Confissões: “Somente a Escri-
tura Sagrada é o único juiz, regra e norma de acordo com que todas as
doutrinas devem e têm de ser discernidas e julgadas quanto a serem boas
ou más, corretas ou incorretas” (FC Epítome. Prefácio 7).
A “santidade completa” é resultado da obra doadora e pacificadora de
Deus através do Espírito Santo. Ela é aplicada ou dada ao ser humano
como um todo [Paulo usa a expressão “espírito, alma e corpo” para des-
crever o ser humano na sua totalidade] e ela perdurará até a “vinda de
nosso Senhor Jesus Cristo”, quando não mais será necessária a atuação
do Espírito Santo (ver Mateus 25.1-13; 1 Tessalonicenses 4.13-18).
A garantia de tudo isso não é de Paulo nem nossa, mas é “daquele
que nos chama, daquele que nos elegeu e que faz as coisas acontecerem”
(João 6.44).
Uma sugestão homilética é explorar as três marcas que estão pre-
sentes enquanto aguardamos a volta de Cristo e como elas são frutos ou
consequências da atuação do Espírito Santo que nos leva até o encontro
com Cristo, no último dia.

Clóvis Jair Prunzel


São Leopoldo/RS
cjprunzel@gmail.com

51
Quarto Domingo no Advento
18 de dezembro de 2011

Salmo 89.1-5 (19-29); 2 Samuel 7.1-11, 16; Romanos 16.25-27;


Lucas 1.26-38

Contexto

As leituras bíblicas que estabelecem o tema para o dia têm como


elemento comum o papel do rei Davi. A base está na leitura do Antigo
Testamento (2 Sm 7.1-11,16). Davi manifesta sua vontade de erigir um
templo para Deus. Mas ao invés de ver sua iniciativa reconhecida, recebe
da parte de Deus, por boca do profeta Natã, a promessa de que Deus é
que irá erigir a casa de Davi e que esta casa e o seu reino serão para sem-
pre. O Salmo do dia (Sl 89.1-5, 19-29) faz referência direta à promessa
encontrada em 2 Samuel 7. Deus fez uma aliança com Davi e estabelecerá
sua posteridade e firmará o seu trono (vv. 3,4, cf. v. 29). O Salmo deixa
explícito que na base destas ações de Deus para com Davi e sua casa está
à fidelidade de Deus. O evangelho do dia faz menção à promessa de duas
maneiras: na referência feita pelo narrador de que José era “da casa de
Davi” (Lc 1.27) e nas palavras do anjo Gabriel a Maria, referindo-se ao
Menino: “Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai” (v. 32).
O texto da epístola do dia conclui a carta de Paulo aos Romanos com
um tom doxológico. Alguns documentos (variantes) colocam este mes-
mo texto ao final do capítulo 14 ou do capítulo 15. Mas a maioria e os
melhores documentos têm este texto ao final da Epístola. De fato, é um
final muito próprio para este que é um dos mais importantes escritos do
Novo Testamento. Alguns temas da própria Epístola retomam agora numa
expressão de louvor às realizações de Deus – o poder de Deus para con-
firmar, a ação objetiva do evangelho, a manifestação do projeto de Deus
nas Escrituras, etc.

Destaques do texto

Paulo estabelece como motivo básico para o louvor a Deus o fato de


que ele é “poderoso para vos confirmar”. A Nova Tradução na Linguagem
de Hoje (NTLH) explicita o que o uso do verbo sthri,zw denota: “Ele pode
conservar vocês firmes na fé”. Esta ação de Deus é feita por intermédio
de pessoas que ele envia (cf. Lc 22.32; At 18.23; 1 Ts 3.2), mas é ele o
autor da conservação na fé e, desta forma, da proteção aos seus filhos
contra as ameaças à salvação (cf. 2 Ts 3.3).

52
quarto Domingo no Advento

A ação de Deus em sustentar seus filhos acontece, conforme expressa


Paulo, “conforme o meu evangelho e a pregação (proclamação) de Jesus
Cristo”. A segunda expressão poderia ser lida como um genitivo subjetivo
(possessivo) – a proclamação que é de (pertence a) Jesus Cristo (= Jesus
é aquele que proclama); ou como um genitivo objetivo – a proclamação
a respeito de Jesus Cristo (ou seja, aquela proclamação em que Jesus é
o objeto, o tema, o assunto). As duas alternativas são possíveis e nada
impede que as duas idéias sejam consideradas, ainda que a segunda
pareça ser mais provável. Levando em conta o genitivo objetivo, as duas
expressões usadas por Paulo no texto são sinônimas: o “evangelho” é a
“pregação de Jesus Cristo”. A NTLH deixa isto explícito ao traduzir: “de
acordo com o evangelho que eu anuncio, isto é, a mensagem a respeito
de Jesus Cristo.”
Vale lembrar que em Paulo (e isto vale para o Novo Testamento como
um todo) “evangelho” tem um sentido dinâmico – refere-se à proclamação,
ao anúncio concreto da ação salvífica de Deus. Assim, por exemplo, Paulo
pode referir-se ao “início do evangelho” (Fp 4.15) como sendo o começo
da sua ação de proclamar a mensagem de Cristo (NTLH - “nos primeiros
tempos em que anunciei o evangelho”). Em Paulo – e assim sempre deve
ser para a proclamação cristã – o evangelho, a mensagem a respeito de
Jesus, é o que há de mais fundamental. Ele desvenda a vontade eterna
de Deus, não apenas apresentando-a como uma mensagem entre outras,
mas sendo o instrumento dinâmico e fundamental da ação de Deus – Deus
salva por meio do evangelho (cf. Rm 1.16; 2 Tm 1.10).
A ação de Deus em sustentar seus filhos, tendo em vista a salvação,
está dentro da “revelação do mistério guardado em silêncio nos tempos
eternos”. O próprio evangelho (como boa nova da salvação em Cristo) é um
“mistério”, assim como particularmente a ação de Deus de salvar gentios
e judeus pelo mesmo meio, a obra redentora de Cristo (cf. Ef 3.4-6; Cl
1.26,27; 2.2,3). Ele precisa ser revelado. Ninguém chega a ele por meio
de uma reflexão própria ou sabedoria humana (cf. Mt 11.25). Conhecer
a Deus, sua obra, a salvação, é dádiva, pois é revelação sua para os que
nada conheciam e nem tem como descobrir com seus próprios recursos
intelectuais ou morais.
A ação de Deus em manifestar seu plano de salvação, por meio do
evangelho, que desvenda o mistério e proclama Cristo, busca a “obediência
da fé, entre todas as nações”. A expressão “para a obediência por fé” –
u`pakoh. pi,stewj - (também usada em Rm 1.5) pode significar “obedecer
à mensagem da fé” ou ainda “obediência que brota da fé”. Uma expressão
semelhante (usando o verbo u`pakou,w) é encontrada em At 6.7, onde Lucas
se refere ao crescimento do anúncio da palavra de Deus entre os judeus,
inclusive com sacerdotes vindo a crer – Lucas expressa isto dizendo que

53
Igreja Luterana

até mesmo alguns dentre os sacerdotes “obedeciam à fé”. Desta forma,


não se deveria considerar a “obediência” aqui como uma expressão de
submissão à lei, mas trata-se da aceitação daquilo que é dado na fé, ou
seja, a graça de Deus. A ação de Deus em desvendar o mistério oculto
através da proclamação do evangelho traz como fruto levar as pessoas a
reconhecerem na sua graça em Cristo o único caminho de redenção.
No v. 27 Paulo retoma o que iniciara no v. 25, com uma expressão no
dativo, mostrando seu propósito de reconhecer a glória de Deus em suas
ações de sustentação do seu povo e revelação do evangelho a todos os
povos: “Ao Deus único e sábio seja dada glória”. É significativo que numa
Epístola conhecida pelo seu conteúdo doutrinário, em que se destaca o
ensino sobre a justificação pela fé, conclua com uma nota doxológica, cúl-
tica! No entanto, isso não foge do que se poderia esperar do apóstolo. Em
Paulo solidez doutrinária e espírito de adoração andam lado a lado. Para
ele não existe uma distinção entre o que é “teórico” e o que é “prático”
na vida dos cristãos e da Igreja. Firmeza no ensino puro da palavra de
Deus e atitude de glorificação ao mesmo Deus estão dentro da fidelidade
daquele que reconhece em Deus o doador de todas as boas dádivas.

Sugestão de uso homilético

Considerando-se o contexto litúrgico, especialmente a partir da pro-


messa de Deus a Davi em 2 Sm 7, chama a atenção o fato de que Deus
prefere servir a ser servido! Davi quer lhe construir uma casa, mas é
Deus que estabelecerá a casa de Davi e a abençoará. Por meio desta
casa (descendência) abençoará todos os povos, na vinda do “filho de
Davi”, Jesus Cristo. A fidelidade de Deus em garantir a realização de sua
promessa também é um elemento importante a ser considerado para a
mensagem deste dia, levando em conta a proximidade do Natal, com o
início da concretização das promessas de salvação.
No texto da Epístola, Deus é glorificado por aquilo que ele tem realizado
– na conservação dos seus filhos na fé, no desvendamento de seu propó-
sito eterno em Cristo, através da palavra profética e pela manifestação do
evangelho a todas as nações. A celebração conduzida por Paulo neste final
da Epístola é uma antecipação do reconhecimento que a Igreja triunfante
fará na eternidade. Ela tem em vista a manifestação da graça de Deus no
tempo, através do evangelho de Cristo. São muito próprias as palavras
com as quais Martin Franzmann conclui seu comentário à Carta aos Roma-
nos, referindo-se a este texto: “os romanos não precisam temer; sejam
quais forem as tarefas que empreenderem, não trabalharão inutilmente.
Precisam apenas prostrar-se em adoração perante o Deus cuja sabedoria
dirige toda história ao alvo que ele lhe destinou, à glória de sua graça. A

54
quarto Domingo no Advento

fé percebe esse alvo e essa glória mesmo agora e canta louvores a Deus
por meio daquele em quem a glória de Deus se manifestou, por meio de
Jesus Cristo.” (Carta aos Romanos, Concórdia Editora, p.231).
Uma das possibilidades de organizar o material do sermão seria com
um tema exortativo, apontando para as razões dadas por Paulo para o
louvor a Deus:
Deus seja louvado para sempre, também entre nós:
- Pois age com poder para nos conservar firmes na fé, operando por
meio da proclamação sempre eficaz do evangelho de Jesus;
- Pois manifestou o que nenhuma pessoa poderia descobrir por si só,
e o fez a todos os povos, pelo anúncio de sua palavra.
- Pois agindo desta forma conosco e com os povos Deus mais uma
vez expressa sua fidelidade, a mesma revelada a Davi e concretizada no
“filho de Davi”, nascido em Belém.

Gerson L. Linden
São Leopoldo/RS
gerson.linden@gmail.com

55
DIA DE NATAL
25 de dezembro de 2011

Salmo 2; Isaías 52.7-10; Hebreus 1.1-6 (7-12); João 1.1-14 (15-18)

JESUS VEIO PARA NOS PURIFICAR

CONTEXTO

1. É Natal de Jesus. O maior evento da história da igreja cristã. Dia


do maior de todos os milagres: Jesus, a segunda pessoa do Deus Triúno,
deixa os céus, vem à terra, torna-se criança e nasce pobre em Belém, com
um único grande objetivo – purificar os pecadores, salvar os pecadores,
dar a vida eterna aos pecadores.
2. A nossa perícope não fala especificamente sobre a história do Natal
de Jesus. É um documento teológico que fala sobre a pessoa de Cristo,
sua obra redentora e seu retorno aos céus. Mas os cristãos, que vão ao
culto, querem ouvir novamente a história do milagre do Natal de Jesus.
Se não houver algumas profecias do AT e se não for repetido o cenário do
nascimento de Jesus, conforme a história de Lucas – se isto não ocorrer, os
ouvintes voltarão frustrados do culto. Por isso, importa, antes de analisar
Hebreus 1.1-6, lembrar alguns momentos específicos referentes ao Natal
de Jesus. Escolher algumas das seguintes sugestões:
- Is 9.2 : “O povo...viu grande luz”
- Is 9.6 : “Um menino... seu nome será”
- Is 6.14: “A virgem ... Emanuel”
- Gl 4.4,5: “Plenitude do tempo... enviou seu Filho”.
- Lc 2.7-20: “Deu à luz... hoje vos nasceu...voltaram”
3. Por melhor que possa ser o sermão sobre a perícope, se o pregador
não contar a história do milagre do Natal de Jesus, os ouvintes voltam para
seus lares insatisfeitos e decepcionados. Há estudos sobre esta colocação.
Nós também somos assim.

TEXTO

1. O autor de Hebreus apresenta um profundo estudo teológico sobre


a Cristologia da segunda pessoa da Santíssima Trindade. Mas, apesar da
importância dos muitos atributos e qualificações do Salvador, dois verbe-
tes merecem destaque especial: Filho (Jesus) e purificação. É o sumário
da mensagem da perícope. Vejamos alguns detalhes que enriquecem a
mensagem:

56
Dia de Natal

2. Deus falou: muitas vezes, de muitas maneiras – Deus não silen-


cia:
• Falou pessoalmente
• Falou através de anjos
• Falou através de sonhos
• Falou através de visões
• Falou através dos profetas (há textos bíblicos).
оо Fala hoje na Sagrada Escritura
оо Fala hoje através dos pregadores cristãos.
3. Últimos tempos falou por meio do Filho:
- O Filho é Jesus Cristo
- Sobre “últimos tempos” há duas interpretações:
оо Nos dias em que Jesus viveu na terra
оо Com Jesus iniciaram os tempos escatológicos, i.e. a última
fala até o fim do mundo;
оо Esta segunda parece ser a mais correta.
4. Seu Filho:
• É Jesus Cristo, a segunda pessoa da Trindade
• Filho de Deus
• Herdeiro de todas as coisas
• Através de quem Deus criou o universo
• Sustenta todas as coisas do mundo
• É esplendor da glória de Deus Pai
• É purificador dos nossos pecados
• É maior que os anjos
• Vitorioso, é exaltado à direita de Deus
• “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra” – Mt 28.18
• Conferir Fp 2.5-11.
Curiosidade: Embora apresente a clara doutrina (Cristológica), Hebreus
não menciona o nome Jesus nem salvação, usa outro linguajar. Mas a
verdade bíblica está clara nas palavras: Filho e purificação do pecado.
5. Purificação dos pecados:
• Aqui está expresso o resumo de toda a obra redentora de Jesus
Cristo.
• A palavra traduzida por purificação significa:
оо Tornar puro e santo o que é impuro e pecador
оо Lavar o que está sujo
оо Limpar a sujeira
оо Declarar limpo e com saúde espiritual
оо “Tirar a roupa imunda e colocar roupa nova e limpa”
• O produto que Jesus usou para nos purificar é, especialmente,
o seu sangue. Só o sangue de Jesus lava, limpa e purifica: 1

57
Igreja Luterana

Jo 1.7: “E o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo o


pecado”.
• Lutero, explicação 2º Art. Credo Cristão: “Creio que Jesus Cris-
to... me salvou de todos os pecados... com seu santo e precioso
sangue...”
6. Os pecados
• São a impureza espiritual
• São a sujeira que condena e mata
• Rm 5.12: “Por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo
pecado a morte”.
• Rm 6.23: “Porque o salário do pecado é a morte...”
7. Natal de Jesus
- Paulo: “Quem me livrará do corpo desta morte?”
- Hebreus: “O Filho nos purificará de todos os pecados”
- Mt 1.21: “Nome de Jesus porque ele salvará o seu povo dos pe-
cados deles”
- Lc 2.10,11: “Não temais... hoje vos nasceu o Salvador, que é
Cristo, o Senhor.
- Jo 3.16: “Deus... deu seu Filho... nele crê... tenha a vida eter-
na”.

DISPOSIÇÃO

Baseados no texto e contexto do Natal, sugerimos a seguinte dispo-


sição:
- Ressaltar e chamar a atenção pelo grande evento do dia: Natal
do Salvador Jesus.
- Próprio declamar as conhecidas palavras de Lc 2.10-12
- As palavras: “hoje vos nasceu o Salvador” leva ao tema da Epístola
para o culto de hoje:

JESUS VEIO PARA NOS PURIFICAR

Para justificar este tema, três razões principais:

1. Porque só Jesus tem o poder de nos purificar


1.1 A igreja cristã celebra hoje o maior milagre do mundo e da cris-
tandade: o nascimento de Jesus Cristo. Jesus veio, nasceu, foi “introdu-
zido”.

58
Dia de Natal

1.2 Jesus é o Filho de Deus. É a segunda pessoa do Deus Triuno, é o


“Verbo que se fez carne e habitou entre nós”.
- Jesus é maior que os profetas e os anjos que anunciaram seu
Natal. Jesus veio para salvar.
1.3 Só Jesus é Deus, é eterno, é Criador, é Salvador,
- È o Purificador
- Jesus é Deus Forte, Príncipe da Paz, o Bom Pastor
- É o Reconciliador
- Só o seu sangue pode tirar as impurezas do pecado
- E o processo de purificação de Cristo começa com o Menino
Jesus, continua no Calvário e culmina com sua ressurreição e
ascensão.
1.4 Sem Natal de Jesus
- não existe purificação dos nossos pecados
- não existe salvação e libertação da morte
- Feliz Natal só com Jesus, o Purificador.

2. Porque a nossa impureza é muito grande


2.1Ninguém pode salvar-se, não pode purificar-se, não pode limpar-
se, não pode comprar ou pagar o preço de sua redenção. Importa ler e
comentar o Sl 49.7.
2.2 O pecado tornou impuro e causou a doença, envelhecimento, morte
de todo o universo, de todas as criaturas.
2.3 A incredulidade, a rejeição de Jesus, o inferno, a condenação e
morte eterna são causadas pelo pecado.
2.4 A salvação ou purificação espiritual não pode ser removida “com
ouro ou prata”, mas somente “o sangue de Cristo nos purifica de todo o
pecado”.
2.5 Por isso o povo de Deus olha para o Jesus Purificador e lembra as
promessas de Deus em Is 1.18: “Os seus pecados... mas eu os lavarei e
vocês ficarão brancos como a neve, brancos como a lã” – purificados.
2.6 Natal de Jesus: “Hoje vos nasceu o Salvador”.

3. Porque sem a purificação é impossível entrar na vida eterna


3.1 O cap. 21 de Apocalipse fala do novo céu e nova terra e das be-
lezas e felicidades que há na vida eterna. Mas também em 21.8 o Cristo
glorificado relaciona os que não vão entrar na vida eterna, entre os quais
estão os impuros, os pecadores: “... aos incrédulos... aos impuros... a
parte que lhes cabe será no lago que arde...”
3.2 Paulo reforça esta impossibilidade de um impuro entrar na vida
eterna: “... nenhum impuro... tem herança no reino de Cristo e de Deus”
(Ef 5.5)

59
Igreja Luterana

3.3 Em 1 Co 5.9,10, o apóstolo repete esta verdade: “Não vos enga-


neis: nem impuro... herdarão o reino de Deus”
3.4 Por isso: “Fugi da impureza” (1 Co 6.18); “Vinde a mim todos...
e eu vos aliviarei” ( Mt 11.28); “Por isso quem crê no Filho tem a vida
eterna” (Jo 3.36)

CONCLUSÃO

1. Natal é o milagre em que Jesus veio salvar o mundo


2. Jesus veio para nos purificar de todos os pecados
3. Só Jesus tem este poder de nos purificar
4. Como nossa impureza é muito grande, só o sangue de Jesus nos
pode lavar e limpar
5. É condição de Deus: só os purificados por Cristo poderão viver na
felicidade da vida eterna
6. Por isso: “Glória a Deus”! Feliz Natal!

Leopoldo Heimann
São Leopoldo/RS
pastorleopoldoheimann@yahoo.com.br

60
VÉSPERA DE ANO NOVO
31 de dezembro de 2011

Salmo 90.1-12; Isaías 30.(8-14)15-17; Romanos 8.31b-39;


Lucas 12.35-40

CONTEXTO

O texto de Romanos 8.31-39 precisa ser reconhecido no seu contexto, a


fim de não perder o ponto fulcral que é a doutrina da eleição da graça que
fundamenta a perícope. No entanto, antes de desenvolver o ensinamento
sobre a eleição da graça, o apóstolo expõe os artigos fundamentais da
doutrina cristã: o pecado, a justificação e a santificação. Desta forma, a
doutrina da eleição da graça, tal como é ensinada nos textos anteriores
à nossa perícope bem como outras passagens (Ef 1.3ss.; 2. Ts 2.13ss.;
2Tm 1. 9; 1 Pe 1.1,2), está plena de conforto para os cristãos e serve de
fortalecimento para a vida cotidiana.

ÊNFASES E ANÁLISE DOS TEXTOS

Salmo 90.1-12
O título apresenta Moisés como autor, sendo que os versículos 7-12
demonstram um fundo histórico definido: os últimos meses da caminha-
da do povo de Israel pelo deserto, quando a geração adulta que saíra do
Egito estava agora rapidamente desaparecendo. Por isso, os primeiros
versículos (1-6) mostram o Criador como sendo eterno e a vida terrena
efêmera. O primeiro versículo, como Dt 33.27, mostra que o povo de Deus
não tinha lugar de habitação desde os dias de Abraão e que o Senhor
sempre tinha sido, e continuava sendo, o lugar de descanso e refúgio
para seu povo (Sl 91.9). Nos versículos seguintes (7-12) as tristezas da
vida são constrastadas com a santidade de Deus, único onde é possível
encontrar a serenidade à alma e segurança de vida. Quem conhece...?
(v.11) destaca a importância do ser humano de buscar o arrependimen-
to e voltar os olhos e o coração para seguir o Senhor, o que demonstra
corações sábios (v.12)
Isaías 30.15-17
O texto está inserido dentro de um contexto onde o ponto eram as
negociações com o Egito, a fim de estabelecerem uma aliança. Isaías
chama à atenção da loucura de tal objetivo, por isso dirige a mensagem
ao povo, chamado de filhos rebeldes. Estes haviam demonstrado falta

61
Igreja Luterana

de confiança no Senhor e agora procuravam fazer aliança com o Egito.


Mesmo alertados contra tal prática pelo profeta de Deus, mantinham-se
persistentes em seus intuitos políticos, o que caracterizava uma rebelião
contra o Senhor. Mesmo Deus advertindo o povo e mostrando o caminho
certo de libertação, nada é obedecido e as admoestações se tornam vãs (v.
15) e resposta do povo a Deus: “não” (v.16). Por isso os próprios cavalos
adquiridos no Egito serão usados para fugir em cavalgada precipitada e
desesperadora.
Romanos 8.31b-39
Este texto demonstra a importância da fé a partir da grandiosidade do
amor de Deus no propósito da salvação em Jesus Cristo. Isso o escritor
faz incentivando os seus leitores a tirarem as conclusões a partir de suas
perguntas:
V. 31: Poderia haver maior e vigoroso incentivo à fé do que a certeza
da presença do Senhor Deus ao lado dos seus? Não há nenhum mais po-
deroso do que o Senhor Todo-poderoso, Criador dos céus e da terra. Não
há, absolutamente, nenhum outro que pode fazer frente a Deus.
V. 32: Pois este Deus não poupou a seu próprio Filho, repetindo as pa-
lavras encontradas em Gn 22.12. Na interpretação judaica, o episódio com
Isaque é tratado como exemplo clássico da eficácia redentora do martírio.
Assim, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?, nos lembra
a promessa de Mt 6.33: “Buscai pois, em primeiro lugar, o seu reino e a
sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”.
Vv. 33 e 34: Estes dois versículos apresentam uma linguagem foren-
se que nos remete ao “perto está o que me justifica; quem contenderá
comigo?” (Is 50.8ss.). Não há ninguém que possa acusar os eleitos de
Deus, nem mesmo Satanás. V.34: as palavras o qual está à direita de Deus
lembra o Salmo 110.1: “Disse o SENHOR ao meu senhor: Assenta-te à
minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés”.
Estas palavras, cuja interpretação messiânica era axiomática entre os
judeus dos tempos de Cristo, foram aplicadas a Jesus desde os primeiros
dias da igreja, e demonstram o seu lugar de supremacia sobre o univer-
so. Assim, e também intercede por nós, nos remete ao quarto Cântico
do Servo (Is 52.13-53.12), onde diz, no final, que “pelos transgressores
intercedeu” (Is 53.12).
V. 35: Quem nos separará do amor de Cristo? Através da fé o cristão
está unido inseparavelmente com Cristo por causa do seu amor. Não há
nada que possa romper a ligação de sua comunhão com Cristo ou de tirar
a fé. Para exemplificar, o apóstolo nomeia algumas influências hostis em-
pregadas por Satanás que, porventura, poderiam prejudicar esta ligação:
tribulação (amargura, tormento, contrariedade, adversidade); angústia
(aflição, ansiedade, agonia); perseguição (tratamento cruel com sofri-

62
Véspera de ano novo

mento físico, tratamento injusto, maledicência, desonra); fome (falta de


alimento, penúria, miséria, falta do necessário para sobrevivência); nudez
(falta de vestuário, falta de ornatos, privação, simplicidade, singeleza);
perigo (estado que prenuncia um mal para alguém, risco, situação grave);
e, espada (o auge da perseguição, com a morte como prenúncio).
V. 36: Num parêntesis o apóstolo mostra que o carregar de todas estas
dificuldades e aflições está profetizado nas Escrituras, quando se refere
ao Sl 44. 22, onde a igreja do Antigo Testamento lamenta que muitos
membros precisam sofrer o martírio por causa de sua posição inabalável
ao lado de Deus, que são considerados e tratados como ovelhas para o
matadouro.
V. 37: A partir de πασιν υπερνικωµεν (somos super vencedores,
mais do que vencedores) o filho de Deus pode ter a certeza de que, ape-
sar de todas as aflições nomeadas no versículo anterior, ele é mais do
que vencedor (“super vencedor”) por intermédio do Salvador, que está à
direita de Deus.
Vv. 38 e 39: Através da explanação apresentada no texto, o apóstolo
leva o leitor à conclusão do capítulo, onde qualquer poder existente no
universo, seja ele bom ou mau, não tem capacidade e força suficiente
para separar os filhos de Deus do amor do Pai que lhes foi assegurado
em Cristo.
Lucas 12.35-40
Neste texto do Evangelho Jesus salienta a importância da correta
utilização dos bens para esperar a segunda vinda do Filho do homem, a
qual é certa. Nesta espera, é sempre bom lembrar que as coisas terrenas
são passageiras e os seguidores de Jesus devem estar alertas e cientes de
que, nesta espera vigilante, crises acontecerão e deverão ser enfrentadas
com uma fé fortalecida e alicerçada na Palavra de Deus. Por isso, Jesus diz
(vv.35-36) para estarem os vossos lombos cingidos (υµων - demonstra
uma ênfase dada por Cristo), i.é, cada discípulo precisa estar pessoal-
mente pronto e alerta. Os mantos longos dos orientais eram dobrados e
amarrados ao redor da cintura, assim quando o senhor chamar os seus
servos estes estarão prontos para qualquer serviço que ele desejar. Por
isso, o senhor (κυριοσ) que encontra seus servos em tal prontidão ficará
tão satisfeito com os seus servos que inverterá os papéis, dando lugar aos
servos à mesa e ele mesmo, o senhor, os servirá (v.37). O estar preparado
e vigilante é destacado como importante em todo e qualquer momento,
seja na segunda vigília ou na terceira (os judeus dividiam a noite em três
vigílias; os romanos em quatro) (v.38). E Jesus mostra isso de uma foma
bem prática, exemplificando com a figura do chefe de um lar que, se
soubesse da hora em que o assaltante viria, estaria alerta e em prontidão
para defender sua família. Por isso, Cristo alerta seus seguidores: estai

63
Igreja Luterana

preparados (γινεσθε ετοιµοι), vivendo em permanente prontidão para


não serem surpreendidos pela chegada inesperada do Senhor.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Introdução: a efemeridade da vida e do que é importante em nosso


mundo atual, salientando como tantas coisas (músicas, moda, acessórios,
modelos de automóveis, bens de consumo, etc.) que eram importantes
no princípio do ano hoje já são coisas do passado.

Tema: Só temos uma certeza: Deus nos ama!

1. No mundo tudo passa e nós passamos.


a) Moisés chama a nossa atenção disso no Salmo 90.
b) Muitas pessoas colocam seu coração em coisas efêmeras e a socie-
dade de consumo é um exemplo visível disso.
c) Deus não é um deus de consumo. O deus de consumo se chama
Mammon.
d) O povo de Israel que procurava fazer aliança com o Egito, contra a
vontade de Deus (conforme Isaías 30).
e) Tudo passará – isso traz o sentimento de angústia, medo, pavor sobre
o futuro para todos que não conhecem a mensagem do amor de Deus.

2. Na certeza do amor de Deus há vida.


a) O apóstolo, em Romanos 8, expõe as provas e a certeza do amor
de Deus por todos seus filhos.
b) A doutrina da eleição da graça é confortadora para todos os filhos
de Deus.
c) Por isso Jesus alerta para que nunca deixemos de estar atentos e
vigilantes (Lucas 12), mantendo sempre firmes a chama da fé.

Conclusão: Só temos uma certeza: Deus nos ama! E nesta certeza


vivemos e nos movemos no mundo e na relação com os que estão ao
nosso lado. A certeza de que somos amados por Deus nos dá forças para
superarmos as dificuldades que precisamos enfrentar no nosso viver coti-
diano. Mas, sempre lembrados de que “estamos no mundo, mas dele não
somos” e que estamos caminhando rumo à patria celeste, que é o nosso
verdadeiro lugar! Que este seja o nosso foco no ano que se inicia.

Clóvis Vitor Gedrat


São Leopoldo/RS
cgedrat@gmail.com

64
PRIMEIRO DOMINGO APÓS NATAL
1 de janeiro de 2012

Salmo 111; Isaías 61.10-62.3; Gálatas 4.4-7; Lucas 2.22-40

CONTEXTO

a) Histórico: Qual seria o clima que pairava sobre o povo de Israel


ao tempo do primeiro natal? Não seria exagero afirmar que havia tensão
no ar. Vejamos alguns fatos para tentar corroborar essa tese.
1. A nação de Israel vivia sob o tacão do império romano, que se fir-
mava como o maior império já existente sobre a face da terra;
2. O rei Herodes é marionete de Roma, além de perverso;
3. Há quatrocentos anos os céus se fecharam. Não há mais profetas,
não há mais anjos, não há revelação. Curiosamente, a última palavra do
Antigo Testamento, Malaquias 4.6, é palavra “maldição”…
Haveria Deus abandonado para sempre seu povo?
Vejamos Gálatas 4.4: “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus
enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei”.
Não. Deus não abandonara seu povo nem se esquecera de suas pro-
messas. O Messias (“Cristo” em grego) viria para implantar o Reino de
Deus. Nenhum aspecto do plano divino saíra errado. Todos os aconte-
cimentos, seu tempo e desdobramentos, estavam debaixo do controle
absoluto de Deus.
b) Litúrgico: Agora, se você costuma ler os trechos bíblicos tradi-
cionais que narram os acontecimentos que antecedem o primeiro natal,
possivelmente já tenha notado o seguinte:
1. Deus rompe os quatrocentos anos de silêncio de maneira escan-
dalosa!
Há tal volume de manifestações angelicais, comparáveis apenas ao
Apocalipse. Anjos aparecem em visões, visitações e sonhos a José, Zaca-
rias, Maria e aos pastores de Belém.
2. Há uma mesma mensagem que aparece em todas as manifesta-
ções. Veja:
- Mas, depois de ter pensado nisso, apareceu-lhe um anjo do Senhor
em sonho e disse: “José, filho de Davi, não tema receber Maria como sua
esposa, pois o que nela foi gerado procede do Espírito Santo” (Mateus
1.20).
- Mas o anjo lhe disse: “Não tenha medo, Zacarias; sua oração foi

65
Igreja Luterana

ouvida. Isabel, sua mulher, lhe dará um filho, e você lhe dará o nome de
João” (Lucas 1.13).
- Mas o anjo lhe disse: “Não tenha medo, Maria; você foi agraciada
por Deus!” (Lucas 1.30).
- Mas o anjo lhes disse: “Não tenham medo. Estou lhes trazendo boas
novas de grande alegria, que são para todo o povo: Hoje, na cidade de
Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lucas 2.10,11).

ÊNFASES

A vinda de Jesus a este mundo foi com o propósito de cumprir as


determinações de Deus aos homens.
Plenitude, estado completo determinado por Deus
Quando Deus viu que nenhum ser humano seria capaz de cumprir a
lei que Ele houvera determinado, então chegou o momento dEle enviar
Jesus Cristo.
Romanos 3.9-18: Que se conclui? Temos nós qualquer vantagem?
Não, de forma nenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto
judeus como gregos, estão debaixo do pecado; como está escrito: Não
há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a
Deus; todos se extraviaram, a uma se fizeram inúteis; não há quem faça
o bem, não há nem um sequer.
Ora, sabemos que tudo o que a lei diz aos que vivem na lei o diz para
que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus.
Deus cumpriu as promessas que havia prometido
Deus cumpriu a promessa de Gênesis 3.15: “Porei inimizade entre ti
e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá
a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”.
Uma das promessas é que o Senhor Jesus viria nascido de uma
mulher
Portanto, Jesus Cristo é o cumprimento desta profecia, pois Ele é
descendente da mulher:
Lucas 1.26-35: No sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado, da parte de
Deus, para uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem des-
posada com certo homem da casa de Davi, cujo nome era José; a virgem
chamava-se Maria. E, entrando o anjo onde ela estava, disse: Alegra-te,
muito favorecida! O Senhor é contigo. Ela, porém, ao ouvir esta palavra,
erturbou-se muito e pôs-se a pensar no que significaria esta saudação.
Mas o anjo lhe disse: Maria, não temas; porque achaste graça diante de
Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo
nome de Jesus. Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus,
o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre

66
Primeiro domingo após natal

a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim. Então, disse Maria ao anjo:
Como será isto, pois não tenho relação com homem algum? Respondeu-
lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te
envolverá com a sua sombra; por isso, também o ente santo que há de
nascer será chamado Filho de Deus.
Veio para cumprir a lei em forma de ordenanças
Cristo viveu no período da lei, durante sua vida ele viveu a lei e, na
sua morte, ele cumpriu toda a lei e as escrituras.
Gálatas 4:5: Para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que
recebêssemos a adoção de filhos.
Romanos 10.1-4: Irmãos, a boa vontade do meu coração e a minha
súplica a Deus a favor deles são para que sejam salvos.
Porque lhes dou testemunho de que eles têm zelo por Deus, porém
não com entendimento.
Porquanto, desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer
a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus.
Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê.
Romanos 3.20: Visto que ninguém será justificado diante dele por obras
da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado.
Agora a justiça de Deus é concedida a nós por meio da fé em
Jesus Cristo
Efésios 2.8,9: Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não
vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.
Gálatas 2.16: Sabendo, contudo, que o homem não é justificado por
obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido
em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não
por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado.
Portanto, não queiramos ser justificados por guardar a lei em forma
de ordenanças, mas sim, confiando no que Cristo fez por nós na cruz.
Cristo na sua morte cumpriu a lei que não podíamos cumprir; sendo as-
sim podemos ser justificados pela sua graça, um favor que Deus oferece
a nós pecadores.
Eis aí a razão maravilhosa de Jesus Cristo vir a este mundo!
João 3.16: Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o
seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha
a vida eterna.
Nos ama, veio nos buscar e quer nos salvar.
No texto de Gálatas 4.4,5 diz: “Vindo, porém, a plenitude do tempo,
Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei, para resga-
tar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção de
filhos”.
No tempo determinado por Deus, Ele enviou seu filho Jesus nascido

67
Igreja Luterana

de mulher, nascido sob a Lei, ou seja, sob a obrigação de obedecer a Lei


em nosso lugar tendo o propósito de nos resgatar da maldição do pecado.
Quando Adão e Eva pecaram, fizeram a maldição cair sobre eles mesmos
e sobre todas as sucessivas gerações. A partir da queda de Adão, os seres
humanos têm vivido debaixo de uma grande maldição e sofrimento. Todo
o avanço da ciência e da tecnologia não é capaz de dar ao ser humano a
verdadeira felicidade. Olhando para este texto de Gálatas, entendemos
que através de Jesus fomos resgatados dessa maldição. Veja Gálatas
3.13: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por
nós, pois está escrito: maldito todo aquele que for pendurado no madeiro.
Ele nos resgatou para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por
Jesus Cristo”. Todo aquele que se achega a Jesus Cristo e o recebe como
seu Salvador e Senhor não vive mais debaixo da maldição da Lei, é uma
pessoa abençoada. Jesus é o Salvador que veio da parte de Deus para
salvar o homem:
a) da ira de Deus - Evangelho de João 3.36: “Por isso quem crê no Filho
(Jesus) tem a vida eterna; o que, todavia se mantém rebelde contra o Filho
(Jesus) não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus”.
b) da condenação - Romanos 8.1: “Agora, pois, nenhuma condenação
há para os que estão em Cristo Jesus”.
c) da escravidão de Satanás, do império das trevas - Colossenses
1.13: “Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o
reino do seu amor” e Gálatas 5.1: “Para a liberdade foi que Cristo nos
libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais de novo ao jugo
da escravidão”.
d) da escravidão do pecado - Romanos 6.1,2: “Que diremos, pois? Per-
maneceremos no pecado, para que a graça seja mais abundante? De modo
nenhum! Como viveremos no pecado, nós que para ele morremos”?
Quando Adão e Eva pecaram, Deus foi até eles (Gênesis 3-8) com
a promessa de libertação da maldição do pecado (Gênesis 3.15). Essa
promessa se cumpriu quando Deus enviou Jesus para ser o Caminho de
volta para Ele (Pai). Jesus é o Caminho para a reconciliação com Deus.
Ande nesse Caminho e será salvo.
Muitos dizem que todos os caminhos levam a Deus, e em parte não
deixa de ser verdade: os outros caminhos levam a Deus para juízo; só
Jesus, o Caminho, nos conduz para a Salvação.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Tema: O Natal veio lançar fora todo o medo, porque Cristo nos liber-
tou!

68
Primeiro domingo após natal

Partes: I- da ira de Deus


II- da condenação
III- da escravidão de Satanás
IV- da escravidão do pecado

Aplicação: Com o Natal, vem a paternidade de Deus e, consequente-


mente, nossa filiação: “a fim de redimir os que estavam sob a Lei, para
que recebêssemos a adoção de filhos. E, porque vocês são filhos, Deus
enviou o Espírito de seu Filho ao coração de vocês, e ele clama: “Aba,
Pai”. Assim, você já não é mais escravo, mas filho; e, por ser filho, Deus
também o tornou herdeiro” (Gálatas 4.5-7). Não fomos esquecidos nem
abandonados!
A mensagem do Natal é de paz eterna, não da transitória UPP (Unidade
de Polícia Pacificadora), porque essa pode falhar, mas do Príncipe de Paz,
que veio para reacender a esperança no coração do homem.
A mensagem do Natal é de grande alegria, porque foi nos dado o
Salvador, que é Cristo, o Senhor.

Paulo Gerhard Pietzsch


São Leopoldo/RS
pgpietzsch@yahoo.com.br

69
CIRCUNCISÃO E NOME DO SENHOR /
DIA DE ANO NOVO
1 de janeiro de 2012

Salmo 8; Números 6.22-27; Gálatas 3.23-29; Lucas 2.21

PERÍCOPES DO DIA

No Ano Litúrgico, o dia é o da Circuncisão e Nome do Senhor, cujo


relato encontra-se no texto do evangelho de Lucas. No calendário civil, é
o dia de Ano Novo. Para muitos pregadores surge sempre a questão: Que
tema pregar? Algum retirado das perícopes do dia, ou algo relacionado
com o Ano Novo?
As perícopes conduzem-nos à reflexão sobre o nome de Deus e mais
especificamente sobre o nome do Deus-homem, Jesus Cristo. Para que
serve um nome? Entre nós, o nome identifica alguém. Se dissermos
“fulano de tal”, sabemos de quem se trata. Se o nome identifica, não é
capaz, porém, de revelar mais coisas a respeito de alguém, como, por
exemplo, o que faz, seu caráter, sua maneira de se portar, entre outras.
Algo diferente acontece com o nome de Deus. Não somente identifica a
Deus, mas também revela algo a respeito do relacionamento dEle com a
sua criação e, mais especificamente, com a humanidade. Nos textos para
o dia isto aparece da seguinte forma, resumidamente:
O Salmo 8 canta a magnitude do nome do Senhor. Exalta, na verda-
de, o próprio Senhor, cujas obras são nomeadas no decorrer do Salmo.
Quando o nome do Senhor é mencionado, imediatamente se revela diante
de nós o próprio Senhor. Por isso, bendizer e invocar o nome do Senhor
significa agir em relação ao Senhor e não apenas ao nome empregado
por Ele para se apresentar.
O texto de Números 6.22-27 apresenta a bênção que deveria ser dita
sobre os filhos de Israel. Eles seriam abençoados em nome do Deus Trino,
de forma que o nome do Senhor seria posto sobre os filhos de Israel. Na
verdade, quem estaria sobre eles era o próprio Senhor para abençoá-los.
Não era o nome semelhante a algo mágico com poder inerente, porém
Deus na pessoa do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Em Lucas 2.21 lemos que, tendo sido circuncidado ao oitavo dia, o
menino recebeu o nome de JESUS, como havia sido ordenado pelo anjo a
José (Mt 1.21). Por que Jesus? “Porque ele salvará o seu povo dos pecados
deles”. O nome, portanto, revela a pessoa: o Salvador.

70
Circuncisão e nome do senhor/dia de ano novo

TEXTO: GÁLATAS 3.23-29

No texto de Gálatas encontramos detalhes a respeito da obra daquele a


quem, por ordem divina, foi dado o nome JESUS. O apóstolo Paulo refere-
se ao “nome completo”: Cristo Jesus. Parece que a intenção do apóstolo
é deixar clara aos seus leitores a verdade na qual ele confiava, ou seja,
de que o filho de Maria é o Messias (Cristo) Salvador (Jesus). O texto
de Lucas leva-nos à concessão do nome que antecipa quem será aquela
criança circuncidada ao oitavo dia. Com Lucas olhamos para frente; com
Paulo, olhamos para trás, para aquilo que se tornou possível graças à pes-
soa e obra de Jesus. É, todavia, um olhar para trás diferenciado, pois não
contempla simplesmente algo que aconteceu, contudo vem acompanhado
da confissão do valor presente e sempre atual daquilo que aconteceu. É
o que descreve o texto de Gl 3.23-29.
V. 23: Paulo aponta para dois momentos distintos: antes e depois da
chegada da “fé”. Que fé? A resposta encontra-se no versículo anterior, o
22, onde Paulo menciona “a fé em Jesus Cristo”. No versículo 23, com
continuação no 24, o apóstolo descreve a realidade de antes da chegada
da fé.
“Estávamos sob a tutela da lei e nela encerrados”. A idéia aqui é a da lei
como uma sentinela que vigia para que ninguém dela escape. A lei moral
quanto a cerimonial exerceram tal função. Pelas palavras seguintes de
Paulo depreende-se que não se tratava de uma sentinela vigiando quem
estava separado para a condenação e morte, mas “para a fé que, de fu-
turo, haveria de revelar-se”. A lei moral, escancarando a pecaminosidade
tanto de judeus quanto de gentios, deixava à mostra a incapacidade de
alguém encontrar, pela lei, a justiça necessária para se apresentar diante
de Deus. Tal justiça viria com a chegada da “fé”: Cristo Jesus. A lei ceri-
monial, repleta de tipos, apontava para a promessa da vinda do Antítipo
que traria a justiça exigida pela lei, contudo não alcançada por ninguém
através dos seus esforços e obras.
V. 24: Neste versículo Paulo descreve a função da lei até a vinda de
Cristo: serviu de paidagogós, de aio para conduzir a Cristo. O paidagogós
era geralmente um escravo utilizado por um pai rico, grego ou romano,
que tinha como tarefa acompanhar os meninos dos sete aos dezessete
anos, quando então alcançava a maturidade. Vigiava o menino, corrigia
sua conduta e o guardava de amizades e influências perigosas. Tudo
fazia com o objetivo de deixar o menino em condições de alcançar uma
maturidade honrada. O que era feito, portanto, acontecia com vistas à
chegada da maturidade, quando acabava a tarefa do aio. “A lei nos serviu
de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por
fé”, afirma Paulo. A função da lei como aio terminou com a chegada de

71
Igreja Luterana

Cristo. Tendo chegado Cristo, chegou aquele que justifica por meio da fé
nele. A lei não justifica, contudo, na sua função de paidagogós, conduziu
a Cristo, que é o evangelho.
V. 25: Aparece agora a realidade que surge com a chegada da fé: “já
não permanecemos subordinados ao aio”. Por quê? Porque o aio em nada
justifica. Além disso, havia chegado Aquele para quem o aio conduzia.
Os apóstolos não foram enviados ao mundo por Cristo para oferecer o
antigo sistema legal judeu. A missão deles foi outra: anunciar a Cristo e
a justificação por meio da fé nele.
V. 26: Os judaizantes entre os gálatas queriam converter o aio, a lei,
em um dirigente tirano, quando Deus nunca assim quis que acontecesse.
Colocavam exigências diante dos gálatas, impondo-lhes a necessidade de
cumpri-las a fim de serem salvos. A verdade, todavia, era outra: “vocês
são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus”. Não é a submissão ao
aio que torna alguém filho de Deus, porém a fé em Cristo Jesus. Importa
destacar aqui a função da fé não como uma boa obra, todavia tão somente
como meio receptor daquilo que nos vem de Cristo, ou seja, perdão dos
pecados e justiça diante de Deus.
V. 27: Um grande versículo a respeito do batismo! O batismo em Cristo
tem como resultado o revestir-se de Cristo. Toda a ação do batismo está
inteiramente conectada a Cristo. O batismo é a maravilha que é porque
está ligado a Cristo, sua pessoa e obra. Por isso dizemos que não é possível
separar os meios da graça, e o batismo como sacramento é um meio da
graça, da reconciliação objetiva em Cristo. Revestir-se de Cristo é estar
coberto pela justiça de Cristo, a qual basta por si própria, não havendo
necessidade de ação humana para preencher alguma falta na justiça de
Cristo recebida no batismo.
V. 28: Em Cristo existe unidade. É Cristo quem une não a raça, a
condição social ou o sexo. Unidos todos estão na condição de filhos de
Deus. Evidentemente que Paulo não está promulgando a chegada de uma
nova situação física. Homem permanecia sendo homem; mulher conti-
nuava sendo mulher; escravo permanecia escravo e liberto era liberto,
assim como judeu não deixava de ser judeu, nem grego deveria apagar
sua origem grega. Paulo está falando na situação na casa de Deus, onde
todos os crentes são por igual, filhos amados do Pai celestial. São muitos
e permanecem sendo muitos, todavia, em união com Cristo, são um, um
só corpo. Vindo Cristo, nada mais se exigia dos gálatas para estarem em
pé de igualdade com os judeus diante de Deus.
V. 29: Ser de Cristo tem como resultado mais duas coisas: ser des-
cendência de Abraão e herdeiros segundo a promessa. Era a situação dos
cristãos gálatas. Espiritualmente eram também filhos de Abraão. O que
conta diante de Deus não é a filiação por meio da carne, porém através

72
Circuncisão e nome do senhor/dia de ano novo

da fé. Ser de Cristo por meio da fé torna alguém descendente de Abraão


e herdeiro segundo a promessa. Qual promessa? De que no descendente
de Abraão seriam benditas todas as famílias da terra (ver Gl 3.8,9).

SUGESTÃO HOMILÉTICA

O texto da epístola (Gl 3.23-29) oferece material aplicável a uma série


de mensagens, pois pode ser abordado sob diversos ângulos. É uma ri-
queza de conteúdo! Para ficar dentro da temática do domingo, a sugestão
é a seguinte: aproveitar o texto para apresentá-lo como o cumprimento
da missão consignada a Jesus Cristo por ocasião de sua circuncisão e
recebimento do nome. Por que JESUS? De que maneira cumpriu a mis-
são indicada pelo seu nome? Qual o resultado de tal cumprimento para
a nossa vida? É um caminho possível de ser seguido, embora existam
outros, evidentemente.

Paulo Moisés Nerbas
São Leopoldo/RS
pmnerbas@gmail.com

73
EPIFANIA DO SENHOR
Salmo 72.1-11(12-15); Isaías 60.1-6; Efésios 3.1-12; Mateus 2.1-12

SALMO 72.1-11(12-15)

A expressão o filho do rei indica o filho de Deus, Jesus Cristo. O Salmo


é claramente messiânico. Da obra do Filho de Deus, e somente nele, os
aflitos (v. 2), o povo (v. 3) e os aflitos do povo (v. 4) terão julgamento
justo, paz, salvação e liberdade da opressão e do opressor.
Portanto, o filho de Deus terá como sua missão dedicar-se aos inde-
fesos e oprimidos. Primariamente trata-se da acusação que paira sobre
a humanidade rebelde contra a comunhão de Deus. Por esta razão o
opressor é aquele que acusa a humanidade e a martiriza com a ameaça
do juízo de Deus e que oculta do ser humano a possibilidade de ver Deus
na sua misericórdia. O opressor se manifesta por meio de pessoas que não
anunciam o perdão e a graça de Deus, que exercem opressão lançando
culpa sobre o povo que é de Deus. Sem a intervenção do filho do rei, a
justiça de Deus não se concretiza.
Entretanto, não basta que o o Filho de Deus leve a justiça de Deus
aos que estão privados dela. Também é necessário combater os inimigos
que combatem a justiça que vem de Deus, ou o Evangelho. São auto-
ridades, são reis que querem rivalizar com o próprio Deus e impor uma
outra justiça sobre os fracos e aflitos. Mas eles terão de lamber o pó e
dar honra a Deus.
Por quê? Porque ele acolhe o necessitado que clama, o aflito e o desvali-
do. Ele é quem diz: “Graças te dou, ó Pai, ...que revelaste aos pequeninos”
(Mt 11.25 -27), para então lançar o doce convite: “Vinde a mim todos os
que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28).

ISAÍAS 60.1-6

A igreja que prega e vive o Evangelho é a nova Jerusalém, em oposi-


ção a Jerusalém da lei opressora que sufoca a graça de Deus e a substitui
pela opressão, intolerância e culpa. A Jerusalém que mata e amordaça os
profetas de Deus e, finalmente, mata o próprio filho, esta Jerusalém deve
ser destruída para que floresça a Jerusalém divina. A profecia de Isaías
aponta para aquele que fará resplandecer o reino de Deus onde impera
a cegueira dos fariseus, aqueles que pensam que veem, mas são cegos;
que se dizem sábios, mas são loucos; que se proclamam juízes do povo,
mas são perversos e maus.

74
epifania do senhor

O evangelho da graça de Deus em Cristo, este Evangelho precisa estar


presente e morar ali onde o sofrimento moral, o sofrimento da alma e o
sofrimento físico moram. Deus quer estar com aqueles que são vitimiza-
dos pelo sofrimento ou ameaçados porque se veem cercados por ele. Ali
Deus quer morar. Somente a presença de Deus pode iluminar a vida e
dar esperança. A ele as multidões acorrem. Mas sua presença precisa ser
apontada entre o povo pela pregação do Evangelho, a boa notícia de um
Deus presente e salvador.

MATEUS 2.1-12

Deus não depende da sabedoria dos sábios. Aliás, a sabedoria dos


sábios não ultrapassa a si própria. Ela está limitada à dimensão humana
que é limitada pelo pecado da separação de Deus. Portanto, por mais que
o ser humano possa saber e conhecer, este saber nada revela além da-
quilo que a sua experiência lhe revela. Esta experiência está limitada pela
cegueira humana que nada sabe além de si própria. Ela tem uma noção a
respeito de Deus e de quem ele deve ser. Mas também este conhecimento
está limitado à experiência humana. Neste sentido, estão certos aqueles
que afirmam que as religiões têm deuses feitos à imagem do homem.
Também entre os que se dizem cristãos, é comum apresentarem Deus à
imagem do homem. Fazem isto os que racionalizam a respeito de Deus.
Assim, os que querem ser justos diante de Deus pelo fato de cumprirem
a lei e não serem vistos como injustos e maus. Aí se contam também os
moralistas, como eram os fariseus.
Deus, entretanto, não se manifesta pela sabedoria dos sábios. Ele nasce
“entre as menores de Judá”, a ínfima Belém. Ele é frágil naquela criança.
Ele é humilde naqueles panos. Não se impporta em ser conhecido como
filho de Maria e de José. Pelo contrário, ele assume a carne e o sangue
sobre si como todos os pecados a eles aderidos e vem para ser despre-
zado, punido e morto. Entretanto, ele é o Todo-Poderoso, digno de todas
as honras, a quem céus e terra prestam seus serviços e louvor. Porque
ele decidiu salvar os cansados, sobrecarregados e aflitos, enriquecer os
depauperados, curar as feridas e dar-lhes felicidade em vez de castigo.

EFÉSIOS 3.1-12

Era mais fácil falar mal do apóstolo Paulo do que falar bem. Maior
e mais bem qualificado era o número dos que o perseguiam do que o
número dos que o seguiam. Vinha de Jerusalém, do centro da igreja, o
questionamento contra Paulo. E tinham maior credibilidade do que ele.
Afinal, eram cumpridores da lei e pregavam aquilo que era mais coerente
com aquilo que tinham como herança do passado escriturístico.

75
Igreja Luterana

Quem era Paulo? Um perseguidor dos crentes. Dizia-se convertido.


Entretanto, estava entre gentios e defendia que estes não necessitavam
adotar os costumes, as leis da piedade herdada do judaísmo. Algo ofensivo
para aqueles que reverenciavam a lei como fora herdada e que, segundo
criam, não conflitava com a fé no Nazareno.
Entretanto, nada parece demover Paulo de insistir numa outra visão
do reino de Deus. Para ele Jesus, o perseguido e morto, era agora seu
Senhor de cuja revelação ele não se afasta, haja o que houver. Aquele que
o chamou às portas de Damasco, este é o verdadeiro Deus. Nem tanto
pela sua glória e poder que o derrubaram e cegaram. Mas muito mais por
tudo aquilo que o Saulo condenava em Jesus, o Nazareno. Ele chamava
para sua comunhão pessoal os pecadores, os afastados, os doentes e os
perseguidos e os confirmava como membros do reino de Deus e filhos
amados de Deus. Nada poderia horrorrizar mais o fariseu Saulo. Esse
Nazareno conspurcava e, pela sua atitude, no entender de Saulo, fazia
deboche da pureza da religião tal qual os fariseus, escribas, saduceus e
todos os religiosos entendiam.
Mas isto tudo se diluiu às portas de Damasco. A glória de Deus o
iluminou na pessoa de Jesus. Ele, que o perseguia, era amado enquanto
o perseguia. Ele não só amava as vítimas de uma religião intolerante e
orgulhosa, mas amava mesmo os perseguidores, os que faziam as vítimas
daquela religião. Quem poderia imaginar Deus desta maneira? Mas Deus
é insondável. Ele decidiu salvar todos indistintamente por uma dimensão
de compaixão, misericórdia e perdão inimaginável ao ser humano. Mas
ele o fez e o demonstrou ali, às portas de Damasco.
De modo que Paulo, agora, é alguém com um só propósito de vida:
proclamar esta verdade que, para o ser humano, será sempre um misté-
rio: Deus salva a todos sem distinção. Eu, que sou o maior dos pecadores
(1Tm 1), Deus tocou no corpo de modo que não me resta outra coisa do
que testemunhar deste Deus que se revela maior do que tudo em graça
e misericórdia.
Quem pode aceitar isto? Os perdidos e desesperados em seus pecados
e culpas, os pequeninos, os aflitos a quem este Deus é apresentado. Os
que se fazem justos e prezam a sua justiça própria, estes têm muitas
dificuldades em aceitar-se como necessitados de perdão e compaixão.
A Epifania sublinha a universalidade da presença de Jesus no mundo.
Jesus não se apresenta como Rabino de Jerusalém. Ele não vem das es-
colas oficiais de Jerusalém. Sua atuação provoca desconfiança e repúdio
por parte da igreja oficial, representada pelos escribas e sacerdotes de
Jerusalém. Pode-se vê-lo identificado com os de “sangue impuro” da
Galiléia, mesmo na Samaria e até em Tiro e Sidon. Entre os judeus ele
pode ser visto entre os excluídos moralmente e os doentes fisicamente.

76
epifania do senhor

Ele acolhe na sua comunhão pessoal aqueles que já não tinham mais
honra e dignidade “espiritual”. Ele os dignificou com o seu acolhimento
a ponto de eles vislumbrarem nele a redenção de suas vidas moralmente
desperdiçadas.
A Epifania nos confronta com perguntas: Para que e para quem que-
remos ser igreja? Quem são os que acolhemos? Que tipo de pessoa se
sente bem e à vontade na igreja que somos?
Paulo tem somente uma resposta: repetir o movimento de Jesus
identificado com os perdidos, os de fora, os de longe e levar até eles a
comunhão de Deus. Não como exigência ou tarefa. Mas como a própria
natureza do ser igreja de Jesus Cristo.
A igreja é muito rápida e categórica em atribuir culpa e responsabili-
dade aos que se afastam e se mantêm à distância da igreja. Dificilmente
se percebe na igreja uma autorreflexão de corresponsabilidade pelo afas-
tamento daqueles que se mantêm à distância da igreja.
É exatamente aí que Paulo identifica a sua missão como consequência
e seguimento da missão do Filho de Deus. Este não brilhava sob as luzes
da elite religiosa de Jerusalém. Ele era luz na escuridão dos perdidos, dos
“pequeninos”, dos excluídos de Jerusalém e de seu templo. A estes Jesus
somente tinha duas palavras: “Hipócritas!” ou então: “Quem não nascer
de novo, não pode ver o reino de Deus.”
Mas os perdidos da casa de Israel, os galileus, os samaritanos, os de
Tiro e de Sidon, os de fora, os ladrões, os doentes e endemoninhados, a
estes finalmente chegou o Reino de Deus na pessoa do Nazareno.

SUGESTÃO DE ORGANIZAÇÃO DO MATERIAL

Tema: Deus procura os herdeiros do Reino


Falsos herdeiros agem como proprietários e barram os herdeiros
Jesus restabelece o direito dos herdeiros legítimos
Em Jesus e através da igreja, Deus dá posse da herança aos herdeiros
legítimos

Paulo P. Weirich
São Leopoldo/RS
weirich.proskep@gmail.com

77
PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA -
O BATISMO DO SENHOR
8 de janeiro de 2012

Salmo 29; Gênesis 1.1-5; Romanos 6.1-11; Marcos 1.4-11

O MAIOR PRESENTE: O BATISMO DE JESUS E O MEU BATISMO

Acredito que a maioria, se não todos, gostam de receber presentes.


Qual é o maior e melhor presente que você já recebeu? Você lembra
quando recebeu este presente?
O maior presente que eu já recebi é um presente do qual nem sempre
me lembro. Muitas vezes, até, pareço esquecê-lo completamente. Mas,
hoje, quero lembrá-lo, quero falar dele e compartilhar com vocês pelo
menos alguns aspectos importantes de seu significado.
Sim, estou falando do meu Santo Batismo. Acredito que todos aqui
foram batizados. Então, na medida em que falo do significado do meu
batismo para mim, cada um está convidado a refletir no significado de
seu próprio batismo.
A Escritura Sagrada fala muito sobre o batismo. Ela descreve sua insti-
tuição, seu rico significado e relata casos de pessoas que foram batizadas.
Só o fato de saber que o batismo foi instituído por Cristo e tem a ordem
e a promessa de Deus, já deveria me levar a lhe dar alto valor. Mas Deus,
em sua Palavra, vai além e também fala dos múltiplos benefícios que o
batismo me traz. À base de diferentes textos, quero, portanto, recordar
o que aconteceu comigo no dia do meu batismo.
No dia do meu batismo eu morri e fui sepultado. Não, não estou falando
de forma figurativa como, por exemplo, no caso de uma pessoa que me
ligou uma noite dizendo: “Pastor, hoje eu nasci de novo!” Ele acabara de
sofrer um assalto e, quase milagrosamente, escapara com vida após contar
com uma morte praticamente certa. Não é neste sentido que eu morri
no dia do batismo. Mas, diz a Bíblia, eu morri literalmente. Vejamos Rm
6.3,4: “Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em
Cristo Jesus fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com
ele na morte pelo batismo”. Ali eu morri com Cristo para a vida antiga, a
vida do pecado.
Mas, assim como Cristo não permaneceu na morte, eu também
novamente ressuscitei com ele para uma nova vida. Que presente ma-
ravilhosamente indescritíve! Quantas pessoas gastariam fortunas para
reverterem sua idade e nascerem de novo se isso fosse possível. Basta

78
primeiro domingo após epifania - o batismo do senhor

pensar no quanto se gasta com produtos de maquiagem e com cirurgias


plásticas que apenas escondem as marcas do envelhecimento. É, também,
muito conhecida a lenda da fonte da juventude onde as pessoas idosas
mergulham e saem com um corpo jovem. Mas maquiagens e cirurgias só
conseguem esconder a idade e a tal fonte da juventude não existe. No
entanto, o batismo realmente me fez nascer de novo, como Jesus prometeu
a Nicodemos. O batismo me transferiu de uma vida sem Deus para uma
vida nova em que sou filho e herdeiro de Deus.
A Igreja Antiga procurou simbolizar esta transição na cerimônia do
batismo. Primeiro os catecúmenos (os que iam ser batizados) eram levados
para uma sala pequena, escura e fria. Lá renunciavam ao diabo e todas
as suas obras e caminhos. Depois eram levados para a sala do batistério,
uma sala magnífica, aquecida, bem iluminada, decorada com mosaicos
lembrando o paraíso. Nesta sala eram batizados em nome do Pai, e do
Filho e do Espírito Santo.
Outra dimensão deste batismo é que ele me lavou dos meus pecados.
Na cerimônia de batismo da Igreja Antiga, os catecúmenos tiravam suas
roupas antes do batismo e, quando saíam da água, recebiam uma túnica
branca representando a justiça de Cristo que agora os cobria. Este costume
lembra a palavra de Paulo aos Gálatas (3.27) quando ele diz: “Pois todos
quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes.” A sujeira do
pecado foi completamente lavada, removida pela água, agora estou limpo,
puro, sem culpa diante de Deus. Ali se cumpriu a promessa encontrada
em Isaías 1.18: “Ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata,
eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como
o carmesim, se tornarão como a lã”.
Com meus pecados perdoados, as portas do céu se abriram para mim e
tenho acesso ao Reino de Deus, estou integrado já agora no Reino da graça,
recebendo perdão e vida e caminho em direção ao Reino da glória.
Outro aspecto importante de meu batismo é que, através dele, eu fui
incorporado em Cristo. Ou seja, me tornei parte de seu corpo. Por isso,
tudo o que acontece com seu corpo também acontece comigo. Se ele
morre, eu morro com ele; se ele ressuscita, eu participo de sua vitória e
também ressuscito. Se ele está no céu, eu também estarei lá com ele.
Se eu sou parte ou um membro do corpo de Cristo, isto também me
faz olhar para o lado e perceber que sou irmão dos demais batizados,
que há muitos outros que também receberam este grande presente e que
somos membros uns dos outros, que convivem como os membros de um
mesmo corpo e que devem servir-se mutuamente desta forma.
Para me capacitar e guiar nesta nova vida em Cristo, me foi concedido
no batismo o próprio Espírito Santo. Ele me chama pelo evangelho, me
guia, ilumina, santifica, me conserva na nova vida que recebi.

79
Igreja Luterana

Muitos dão pouco valor ao batismo e o desprezam e põem outras coi-


sas em seu lugar e dão um valor mais elevado a essas coisas. Só que, à
diferença do batismo, cerimônias e ritos inventados pelo ser humano não
têm a ordem e a promessa de Deus.
Realmente, o presente que recebi no dia do meu batismo é tão grande
e maravilhoso a ponto de exceder toda a compreensão. Não posso vê-lo,
nem senti-lo – ele está além de minha razão e de meus sentidos. Mas
pela fé que o Espírito Santo acendeu e conserva no meu coração eu posso
receber este presente.
Mas, o que acontece se eu esquecê-lo? Se eu não lhe der a devida
importância e viver a antiga vida de pecados como se eu não tivesse sido
adotado por Deus? A certa altura, na Igreja Antiga, alguns ensinavam que
o batismo só me purifica dos pecados anteriores. Após o batismo eu preciso
me esforçar e viver uma vida agradável a Deus, sem pecados. Mais tarde,
alguns começaram a ensinar que se o navio do meu batismo naufragar,
isto é, se eu voltar a pecar após o batismo, eu ainda teria a possibilida-
de de me salvar agarrando-me à tábua da penitência. Lutero contestou
esta opinião dizendo que o navio do batismo não naufraga jamais – Deus
sempre é fiel à sua promessa. Se eu cair do navio – se eu voltar a viver
em pecado – o que preciso fazer é nadar de volta ao navio, isto é, preciso
sempre de novo me arrepender e me apropropriar sempre de novo do
perdão e da nova vida que o batismo me oferece e concede.
O melhor, o mais maravilhoso que o batismo tem para me conceder
ainda está no futuro. Sou lembrado disto ao pensar no batismo do meu
Salvador Jesus. Ao sair da água, Deus Pai lhe falou do céu: “Tu és meu
Filho amado, em ti me comprazo”! Por causa deste batismo e de tudo
o que se seguiu na vida terrena de Jesus, eu também vou estar um dia
na presença de Deus e, então, ele vai olhar para mim e dizer: “...tu és
meu filho querido, tu me dás muita alegria!”. Este momento vai ser tão
indescritivelmente maravilhoso que ele vai perdurar para sempre e eu vou
louvar a meu Deus e Salvador por toda a eternidade.
Que presente maravilhoso Deus me deu no meu batismo. Quero sempre
me lembrar dele e lhe dar o merecido valor. Deus o conceda. Amém.
[Este texto é uma adaptação de uma mensagem originalmente profe-
rida numa devoção na capela da ULBRA – Canoas, no dia 07/11/2011]

Paulo Wille Buss


São Leopoldo/RS
pwbuss@hotmail.com

80
SEGUNDO DOMINGO APÓS EPIFANIA
15 de janeiro de 2012

Salmo 139.1-10; 1 Samuel 3.1-10 (11-20); 1 Coríntios 6.12-20;


João 1.43-51

CONTEXTO

Cenário Litúrgico: Epifania é a manifestação de Deus e da obra de Jesus


ao mundo. No segundo domingo de Epifania as leituras apontam para as
seguintes manifestações:
• Salmo 139.1-10 (antífona, v. 14): Deus se manifesta como
aquele que nos criou maravilhosamente e conhece até nossos
pensamentos.
• 1 Samuel 3.1-10: Deus se manifestou a Samuel para confirmá-lo
como profeta de Israel.
• 1 Coríntios 6. 12-20: Deus se manifesta através do uso que
fazemos do nosso próprio corpo.
• Jesus se manifesta para o início de seu ministério.

Cenário Histórico: A comunidade de Corinto está imersa em grandes


problemas: divisões partidárias, pretensas sabedorias, egoísmo, orgulho
espiritual, imoralidades, idolatria, preparo inadequado para a Santa Ceia,
desordem na liturgia do culto. Parece que tudo está a indicar que isto nem
seria uma congregação cristã. No entanto, Paulo dirige sua carta “a igreja
de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados
para ser santos” (1Co 1.2). Ele deixa claro que Deus é o motivador para
que os pecados sejam vencidos.
Dentro deste cenário, onde a graça de Deus se manifesta em meio
aos pecadores, o texto da epístola para o Segundo Domingo de Epifania
enfoca o uso do corpo para a glória de Deus.

TEXTO

O amor de Cristo precisa regular toda a nossa vida dentro da liberdade


cristã. Nada vai me subjugar ou me tornar cativo: “Todas as coisas me
são lícitas, isto é, sou livre para fazer o que desejo. Trata-se de uma afir-
mação de liberdade cristã que, possivelmente, Paulo mesmo tenha usado
(cf. Rm 7.6; Gl 5.1,13), mas que agora alguns coríntios citavam como

81
Igreja Luterana

pretexto para o seu comportamento libertino”.1 Paulo deve estar citando


um ditado comum em Corinto e os coríntios estavam aplicando este ditado
de maneira errônea, pensando que poderiam fazer o que quisessem com
o seu corpo que isto não afetaria o seu espírito. Mas eu não me deixarei
dominar por nenhuma delas: podemos nos tornar escravos de liberdades
inconvenientes, e isto não edifica (1Co 10.35).
O apóstolo exemplifica com os alimentos que são recebidos pelo
estômago. No dia do juízo Deus destruirá tanto os alimentos quanto o
estômago. O processo de comer é moralmente indiferente. Mas tornar-se
escravo do estômago pode ter consequências indesejáveis. O outro exem-
plo é mais sério: o uso impróprio de nosso corpo, especialmente no que
se refere à promiscuidade sexual, pois nosso corpo é santuário de Deus
(1Co 3.16-17). A prostituição é declaradamente contra a vontade de Deus
(1Ts 4.3-5). O matrimônio é sagrado e nosso corpo pertence ao Senhor.
A ressurreição de Cristo mostra que Deus põe em grande consideração o
corpo. Consequentemente o nosso corpo, que também é destinado para
a ressurreição, não deve ser utilizado para imoralidades.
Não é somente o espírito que é membro de Cristo; nosso corpo também
é membro de Cristo. Portanto, a pessoa como um todo faz parte do corpo
de Cristo, o que dignifica o nosso corpo físico. Numa relação sexual os
dois corpos se tornam um só, sendo que até um novo ser humano pode
surgir de tal união. Portanto, relações sexuais fora do matrimônio são
perversões da união matrimonial estabelecida por Deus, já desde o início:
“Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se
os dois uma só carne”.
A união com o Senhor é ainda maior do que a união no casamento:
tornamo-nos “um só espírito” com o Senhor (Ef 5.21-33). O ato da fé
estabelece uma união estreita com o Senhor, pois leva o crente a ser um
em espírito com o Salvador (Jo 14.20, 15.4, 17.23).
O pecado da imoralidade sexual tem uma singularidade: é feito com o
próprio corpo. Todos os outros pecados são feitos fora do corpo. Por isso
é que esse pecado é tão singular, visto que nosso corpo é “santuário do
Espírito Santo”. Portanto, nosso corpo é um lugar sagrado para a habitação
do próprio Deus.
O apóstolo enfatiza a grande motivação para nos afastarmos da imo-
ralidade sexual: “fostes comprados por preço”. O preço foi a morte de
Cristo na cruz, que nos motiva a utilizarmos nosso corpo para sua glória:
1Pe 1.18-19; Gl 4.4-5; Fp 1.20.

1 Bíblia de Estudo Almeida.

82
segundo domingo após epifania

APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

Esta perícope expressa bem a realidade de nossa sociedade atual.


Liberalidade sexual é até uma virtude em nossos dias. Afinal, pensa-se
que ninguém tem nada a ver com a vida dos outros. Que cada um fique
na sua e não perturbe as atitudes dos outros. No entanto, se nos tempos
bíblicos havia a prostituição cultual, e por isso também o apóstolo tinha
que advertir seus congregados de Corinto, em nossos dias tudo quer se
resolver com sexo com responsabilidade. Entendendo-se que todas as
relações sexuais são lícitas quando duas pessoas consentem, mesmo que
seja fora do casamento.
Mas é necessário que tomemos posição frente a isso e que deixemos
claro que o cristianismo sempre será um contraponto ao mundo descrente
e jamais se conformará com as atitudes que são contrárias à vontade de
Deus. Nós precisamos deixar que Deus atue através de nós, de nossos
atos e de nosso corpo. Somos exemplo para o mundo.
A Epifania de Deus através de nós se dá com nosso exemplo e com
nossas palavras.
Assim o texto nos sugere o alvo, a moléstia e o meio de superar a
moléstia.
Alvo: Deus se manifesta através de nós.
Moléstia: Sermos dominados pelos nossos pecados de maneira a não
permitirmos mais que Deus nos governe.
Meios: O preço pago pelos nossos pecados foi a morte de Cristo. É
somente isso que nos pode mover a uma vida que nos faz fugir da im-
pureza.

PROPOSTA HOMILÉTICA

DEUS QUER SE MANIFESTAR ATRAVÉS DE NÓS


I. Ele nos motiva a uma vida de sobriedade motivada pela ressurreição
de Cristo, garantia de nossa própria ressurreição (vv. 12-14).
II. Ele nos motiva a utilizarmos nosso corpo como santuário de Deus
(vv. 15-20).

Raul Blum
São Leopoldo/RS
raulblum@yahoo.com.br

83
TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA
22 de janeiro de 2012

Salmo 62; Jonas 3.1-5,10; 1 Coríntios 7.29-31 (32-35);


Marcos 1.14-20

CONTEXTO

1 Coríntios 7.29-35 – que será estudado neste auxílio homilético – é


a segunda de uma série de cinco leituras da Primeira Carta aos Coríntios
previstas para o período pós-Epifania, no ano B da Série Trienal. Pelo que
parece, é o único trecho de 1 Coríntios 7 incluído na Série Trienal. Quem
se arriscaria a pregar sobre ele? Que temas de Epifania encerra?
Como de costume, na Série Trienal, a leitura-mestra é o Evangelho do
dia (Mc 1.14-20). A leitura do Antigo Testamento – Jonas 3.1-5,10 – foi
escolhida em função do seu paralelismo temático com a leitura do Evan-
gelho. Os temas do arrependimento e da evangelização são comuns aos
dois textos. O Salmo do dia – Salmo 62 – traz, como um de seus temas,
o apelo a que se confie em Deus e não em seres humanos. Isto é, sem
dúvida, arrependimento, no sentido bíblico do termo (“volta para Deus”).
E que dizer de 1 Co 7.29-35?
Antes de tentar responder esta questão, convém analisar o contexto
literário da leitura da Epístola. No capítulo 7 Paulo começa a responder
às perguntas que os coríntios lhe haviam enviado por escrito. A primeira
pergunta, respondida de forma bem ampla nesse capítulo, tem a ver com
o casamento. Paulo se mostra a favor do casamento (v. 2), encara a se-
xualidade de forma positiva (v.5), mas revela a sua preferência pessoal
pela condição de solteiro (v.8).
Aos casados, Paulo lembra o princípio da indissolubilidade, ressaltan-
do que o fato de um dos cônjuges não ser cristão não se constitui em
motivo para divórcio. Com isto, admite a possibilidade do que chamamos
de “casamento misto”, ou seja, o casamento pode se tornar e continuar
misto, embora Paulo insista, mais adiante (v. 39), que, para quem ainda
vai casar, o ideal é casar “no Senhor”.
Por estar num contexto romano (Corinto era uma cidade de cultura
romana), Paulo leva em conta a possibilidade de a mulher deixar o marido
(v. 13). É claro que Paulo admite a possibilidade de o cônjuge descrente
apartar-se (v. 15), naquilo que passou a ser caracterizado como uma
situação de “abandono”. Contudo, ao cristão não se faculta tal iniciativa.

84
terceiro domingo após epifania

Isto leva à afirmação, comum no campo da ética matrimonial, de que o


cristão sofre abandono (“divórcio”), mas não o promove.
Depois, Paulo traz aquela surpreendente argumentação de que cada
um deveria permanecer “na vocação em que foi chamado” (v.20). Com
certeza, isso fará mais sentido à luz do que ele afirma mais adiante, no
v. 29: “o tempo se abrevia”. Num tom semelhante, o apóstolo de Cristo
insiste que “por causa da angustiosa situação presente” (v.26), a melhor
opção é permanecer como se está: quem é casado, fique casado; quem é
solteiro, não deveria procurar casamento. Ao mesmo tempo acrescenta:
“Se te casares, com isto não peca” (v. 28). E com isso tem início a perícope
do terceiro domingo após Epifania.
Digno de nota é que, na recente revisão da Série Trienal, foi adicio-
nada a possibilidade de se estender a perícope até o v. 35. Antes dessa
revisão, a perícope se limitava a 1 Co 7.29-31, formando uma leitura que,
reconhecidamente, tem um caráter ou conteúdo mais genérico, podendo
até ser lida, de forma inadequada, fora do contexto. No entanto, como
todo texto tem o seu contexto, que precisa ser respeitado, acrescentou-se
a possibilidade de ler, também, os vv. 32-35. A extensão dos limites da
perícope ajuda a manter a parte “menos ocasional” (vv. 29-31) dentro
de seu contexto “ocasional” (ou seja, aquilo que ocasionou a escrita do
texto), que é a discussão de questões relacionadas com o casamento.
Esse acréscimo dos vv. 32 a 35 acentua a “estranheza” do texto e pode
representar um desafio para o pregador, mas sugerimos que se acate
essa sugestão.

ALGUNS DESTAQUES DO TEXTO

Na tradução de Almeida (Revista e Atualizada; doravante ARA), o texto


(“Isto, porém, vos digo”) sugere que o apóstolo está prestes a trazer um
novo ensinamento. Uma possibilidade, menos viável, aparece na NTLH (“o
que eu quero dizer é isto”), que faz das palavras de Paulo uma explicação
do que ele havia dito anteriormente.
Ao dizer que “o tempo se abrevia” (v. 29), Paulo faz uso do termo
kairós (traduzido, em algumas Bíblias inglesas, por “tempo marcado” ou
“tempo fixado”), dizendo que esse tempo se abrevia. Literalmente (e o
particípio synestalménos é formado a partir de um verbo raro, no NT, pois
ocorre apenas duas vezes), se diz que “o tempo encolheu”. NTLH expressa
isso muito bem, ao dizer: “não nos resta muito tempo”. O mesmo tema
da brevidade do tempo aparece no v. 31 e, também, em Rm 13.11,12 e
em Ef 5.16 e 1 Pe 4.7.
Na continuação do v. 29, o texto de Almeida soa estranho (“o que
resta”), por se tratar de uma tradução bem literal de tó loipón. Outras

85
Igreja Luterana

traduções (como NTLH e NVI) expressam o significado disso em termos


de “e daqui em diante”. Isto diz mais do que “o que resta”.
De agora em diante, diz Paulo, há cinco situações (certamente, não se
trata de uma lista exaustiva) que devem ser vistas como penúltimas ou
não definitivas: casar, chorar, alegrar-se, comprar, tratar das coisas deste
mundo. Onde Almeida diz: “os casados” (antecipando algo que seria feito
também na NTLH), o texto diz, literalmente, “aqueles que têm esposa”
(NVI). Parece que Paulo preserva a perspectiva bíblica normal, ou seja,
tem em vista pessoas do sexo masculino. No entanto, é claro que isso se
aplica também às mulheres casadas, o que justifica a tradução por “os
casados”.
A afirmação “os casados sejam como se não fossem” (v.29) pode ser
entendida de forma errônea, como se estivesse a sugerir que o vínculo
matrimonial pode ser ignorado ou que a pessoa pode se comportar como
se solteira fosse. É claro que o sentido do texto não é esse. Aparente-
mente, não há tradução que consiga dar conta dessa dificuldade. Será
preciso explicar que se trata de uma relativização do casamento à luz da
afirmação inicial, “o tempo se abrevia”. À luz do convite para “as bodas”
e diante da tentação de escusar-se em termos de “casei, e não posso
ir”, é preciso dizer: “casei, mas é como se não tivesse casado”. Afinal, o
casamento não é levado para o céu.
No v. 31, a frase “e os que se utilizam do mundo, como se dele não
usassem” forma um resumo do que foi dito anteriormente e serve de tran-
sição para o que segue que é uma retomada do início: “porque a aparência
deste mundo passa”. Em ARA, “aparência” traduz o termo grego schema,
que, na outra vez em que ocorre no NT (Fp 2.7), é traduzido por “figu-
ra”. O sentido parece ser o de “forma” ou “aspecto exterior”, algo que é,
também, sugerido pelo termo “aparência”. No entanto, isso poderia levar
a discussões como “se Paulo prevê a passagem da aparência do mundo,
está ele dizendo que no seu âmago, essencialmente, o mundo continuará
a ser o mesmo?” (Este poderia ser um argumento a favor da teoria de que
o mundo será transformado, e não recriado. No entanto, isso não parece
estar no horizonte do apóstolo, neste texto.) Traduções de equivalência
funcional, como NTLH e A Bíblia para Todos (de Portugal), simplificam as
coisas, dizendo, respectivamente, “este mundo, como está agora” e “este
mundo, tal como é”. Ao dizer que a aparência do mundo “passa”, Paulo
faz uso do mesmo verbo que aparece em 1 João 2.17.
No v. 32, a tradução de Almeida (Revista e Atualizada) exagera, ao
inserir o advérbio “realmente” (em “o que realmente eu quero”). O texto
diz apenas: “E quero que estejais despreocupados”, no sentido de “livres
de preocupações” (no grego, o adjetivo amerímnos). NTLH diz: “Eu que-
ro livrá-los de preocupações”. No que segue, o texto grego traz quatro
ocorrências do verbo merimnáo, da mesma raiz do adjetivo “despreocu-

86
terceiro domingo após epifania

pado”. Por três vezes, ARA traduz isso por “cuidar”, mas na última, no v.
34, emprega a expressão “se preocupa com”. Este exemplo mostra que a
exegese sempre terá de ser feita a partir do original, pois, do contrário,
não será possível perceber certos padrões ou determinadas repetições.
(Cabe o registro de que, neste ponto, NTLH é mais coerente, pois utiliza
as formas “se interessa por” e “está interessado em”). Quanto ao tema
das “preocupações”, interessam os paralelos em Mt 6.25; 13.22; Fp 4.6;
1Tm 5.5; Lc 10.41.
Mais adiante, no v.34, nossas traduções (ARA e NTLH) não deixam
entrever a dificuldade exegética apresentada pelo texto grego. A Tradu-
ção Brasileira, de 1917, faz uma tradução bem literal: “Também a mulher
que não está casada e a virgem cuida (sic) das coisas do Senhor”. Qual
a diferença, neste caso, entre a mulher não casada e a virgem? A Bíblia
para Todos diz: “a mulher que não se casou, ou a jovem que está solteira”.
ARA e NTLH concordam na interpretação disso em termos de “viúvas” e
“solteiras” (embora ARA prefira, neste caso, o termo “virgem”), o que
parece ser a solução mais adequada.
Por fim, a segunda metade do v. 35 apresenta ainda outras comple-
xidades. Segundo ARA, Paulo diz que não tem a intenção de enredar os
cristãos. Aqui, “enredar” é usado no sentido de “emaranhar em rede”.
Acontece, porém, que, hoje, o verbo “enredar” aparece mais no sentido
de “iludir”, o que não é o caso neste versículo. A rigor, Paulo está dizendo
que não quer “pôr um cabresto” nos cristãos. Ele não quer “impor limi-
tações”, que é algo negativo, mas tem em vista algo positivo: “o que é
decoroso e vos facilite o consagrar-vos, desimpedidamente, ao Senhor”.
O uso do termo “decoroso” nos traz outro problema, pois significa “aquilo
que é decente”. Isso poderia levar à conclusão de que ignorar o conselho
de Paulo, casando-se, implicaria fazer algo “indecente”. Na verdade, o
termo grego denota algo como “boa ordem”. E o texto como um todo é,
sintaticamente, menos claro do que as traduções dão a entender: “mas
para a boa ordem e o devotamento ao Senhor sem distrações”. Como se
não bastasse esse caráter elíptico, caracterizado pela falta de um verbo,
o texto ainda nos apresenta dois hápax: “devotamento” (traduzido, em
ARA, por “consagrar-vos”) e “sem distrações” (traduzido, em ARA, por
“desimpedidamente”). NTLH expressa bem o significado: “Quero que
façam o que é direito e certo e que se entreguem ao serviço do Senhor
com toda a dedicação”.

A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO TEXTO

O pregador que ousar encarar esse texto de 1 Coríntios 7 pode, com


razão, inquirir se traz algum tema de Epifania. A resposta será facilitada,

87
Igreja Luterana

se pudermos mostrar que 1 Coríntios 7 tem conexão com a leitura do


Evangelho (Mc 1.14-20), e que a leitura do Evangelho apresenta temas
de Epifania. Com certeza, o tema do “pescar gente” (Mc 1.17, NTLH) se
relaciona com a Epifania. E o texto de 1 Coríntios 7 tem em comum com
o texto do Evangelho essa ênfase no tempo (o termo kairós aparece tanto
em Mc 1 como em 1 Co 7) que “está cumprido” (Mc 1) e “se abrevia” (1
Co 7). Embora esse tema escatológico não seja específico da Epifania,
certamente se encaixa muito bem também nesse período do ano litúrgico.
Afinal, escatologia é um dos grandes temas (se não “o” grande tema) do
Novo Testamento.
Paulo, perguntado sobre assuntos ligados ao casamento, acaba falan-
do a respeito dele no contexto escatológico. O pregador de hoje poderia
fazer o inverso: abordar o assunto “escatologia”, mostrando seu impacto
sobre situações como casar, prantear, rir, comprar coisas, tratar das coisas
deste mundo. E a postura do cristão em relação a essas coisas não deixa
de ser uma manifestação ou pregação (“epifania”) da presença do reino
de Deus em sua vida.
Não há como não perceber que Paulo entende estar, de fato, vivendo
os últimos dias. Vive na passagem do “já” para o “ainda não”, sendo que
o “ainda não” já surge no horizonte. Diante de tal urgência, a sobriedade
do apóstolo nos surpreende. Ele poderia ter dito: “não passa deste ano;
portanto, declarem o fim do casamento, deixem de comprar, fujam para
o deserto”. Mas ele não faz isso. Ele preserva aquilo que Lutero viria a
chamar (ainda que de forma esporádica) de “os dois reinos” de Deus ou
“os dois regimentos” de Deus. Dito de forma mais simples, Paulo afirma
tanto a “criação” quanto a “redenção”. A redenção (“o tempo se abrevia”)
não anula a criação (casar, comprar, etc.). Agora, a presença da redenção
não permite que se viva como se nada tivesse acontecido; ao contrário,
a redenção mostra que a criação se tornou “penúltima” (para usar um
termo popularizado por Bonhoeffer). A partir da redenção, surge uma
tensão entre os “dois reinos”.
É nessa mesma linha que se precisa entender a preferência de Paulo
pelo celibato. Este é um detalhe que os protestantes tendem a minimizar,
por terem como opção preferencial o matrimônio, e que os católicos ten-
dem a exagerar, por darem tanto valor a essa opção (que, desde muito,
deixou de ser opção para se tornar imposição, no caso de alguns). Paulo
jamais impõe a sua preferência. E o que ele diz no começo de 1 Coríntios
7 (vv. 2-7) é surpreendente, especialmente à luz do que muitos Pais da
Igreja diriam em séculos subsequentes. “Que os dois não se neguem um
ou outro”, diz Paulo. Nisto, não há o mínimo sinal de orientação no sentido
de observar a castidade (como “abstinência dos prazeres do amor”, na de-
finição de Houaiss) dentro do casamento ou de limitar as relações sexuais

88
terceiro domingo após epifania

a finalidades de procriação. Quanto ao celibato que Paulo pessoalmente


prefere, não há nenhum mérito nele; ele é apenas preferível, no entender
de Paulo, “por causa dos tempos difíceis em que estamos vivendo” (v. 26).
Não há nenhuma razão ligada a práticas de ascetismo ou de desprezo pela
matéria que leva o apóstolo a preferir o celibato (Paulo não era platônico!),
mas unicamente a sua visão escatológica. Embora esta temática não seja
propriamente de Epifania, nunca seria demais abordá-la, ainda que seja
em palestra ou estudo bíblico. O tema é interessante por si só, e existe
muita incerteza a respeito. Como o texto de 1 Coríntios 7 não volta, na
Série Trienal, esta é a chance do pregador. Agora, que não esqueça que
o foco principal ainda é o Senhor e o serviço a Ele.

Vilson Scholz
São Leopoldo/RS
vscholz@uol.com.br

89
QUARTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
29 de janeiro de 2012

Salmo 111; Deuteronômio 18.15-20; 1 Coríntios 8.1-13;


Marcos 1.21-28

SABEDORIA É DISCERNIR E EDIFICAR EM AMOR

CONTEXTO LITÚRGICO E DEMAIS LEITURAS

Epifania é o tempo das luzes. É hora de cantar com Simeão: “Agora


despedes em paz o teu servo, segundo a tua Palavra, pois os meus olhos
viram a tua salvação, a qual preparaste perante a face de todos os povos,
luz para alumiar as gentes e para glória de teu povo Israel.”
As leituras deste domingo trazem a luz que revela a natureza da sa-
bedoria: temer a Deus, ouvir Seu profeta, buscar conhecimento, discernir
situações e visar o amor ao próximo para tomar decisões, “pois o amor
edifica” (1 Co 8.2). Nesse sentido, viver a Epifania é ter sabedoria e refletir,
ainda que imperfeitamente, a luz que brilhou em Zebulom e Naftali.
A grosso modo, sem pretensões sistemáticas, as leituras deste domingo
nos ajudam a enumerar as etapas da sabedoria:
1. O Salmo 111, ecoando Provérbios, explicita o primeiro passo para
a Sabedoria (hmkx): “o temor de YHWH é o princípio da sabedoria”
(111.10).
2. Para ser sábio não basta conhecimento (tc;d/gnw/sij). É necessário
temer a Deus e ouvir o Seu Profeta “em cuja boca Deus porá Suas pala-
vras” (Dt 18.18). Jesus Cristo, em seu Ofício Profético, traz às nações uma
“nova doutrina” que maravilhava o povo, porque Jesus “ensinava como
quem tem autoridade e não como os escribas” (Mc 1.22).
3. O verdadeiro discernimento (hnb) pode ser interpretado como um
passo para a sabedoria. Discernir é ter a capacidade de tomar decisões,
aplicando o conhecimento para agir.
4. Discernir equivale a pautar a vida pela ética da decisão, não pelo
moralismo árido. Esse exercício nem sempre é fácil, pois muitas vezes o
sábio “quebrará regras” para seguir a “lei do amor”. O sábio aplica na vida
todo seu discernimento, conhecimento e temor a Deus.

90
quarto domingo após epifania

O TEXTO E SEU CONTEXTO

A cidade de Corinto era cosmopolita. Pessoas de todas as partes do


Império Romano habitavam a cidade, que reunia várias rotas de comér-
cio entre Oriente e Ocidente. Havia judeus em número suficiente para o
estabelecimento de uma sinagoga (At 18.4). A moralidade do povo judeu
contrastava com a licenciosidade do modo de vida coríntio. A expressão
“corintianizar” era uma forma educada de dizer “ir para os diabos”. Ao
mesmo tempo, os coríntios eram famosos pelo alto nível intelectual e
filosófico. “Perseguir palavras coríntias” era uma expressão que sugeria o
estudo de letras e filosofia (MORRIS, 2000, p. 12).
O trabalho de Paulo em Corinto foi rechaçado pelos judeus da sinagoga.
Aparentemente, apenas a família de Justo, o chefe da sinagoga, tornou-
se cristã. A Igreja coríntia também era cosmopolita: gregos, romanos,
ricos, pobres, ex-escravos reuniam-se para estudar a Palavra e receber a
Santa Ceia. Em meio a essa riqueza cultural, os cristãos de Corinto tinham
dificuldades na vida cotidiana. A primeira epístola de Paulo aos coríntios
reflete as inquietações do apóstolo acerca de diversas irregularidades
de conduta dos cristãos daquela localidade: problemas na comunhão
(divisões na igreja, partidarismos, contendas entre membros que eram
resolvidas na justiça); imoralidade sexual (incesto, fornicação e adultério);
problemas na adoração e no ensino (desordens no culto, dúvidas acerca
da ressurreição). O orgulho e a falta de amor ao próximo eram as raízes
dos males da igreja de Corinto.

O TEXTO

1 Coríntios 8 trata de um dos problemas da igreja coríntia: o que fazer


com a comida sacrificada/oferecida aos ídolos. Havia um impasse entre
os cristãos: comer ou não comer essa comida?
Não podemos limitar a perícope a uma pregação simplista que ensi-
na a “não fazer o irmão tropeçar”. As orientações paulinas ultrapassam
essa dimensão. Nesse texto, Paulo condena o orgulho dos coríntios em
ter “conhecimento teológico” (8.2) e ensina que toda decisão deve ser
tomada visando o amor ao próximo: “o conhecimento torna arrogante, mas
o amor edifica” (8.2). Assim sendo, todas as decisões, tanto individuais
como comunitárias, precisam frisar o amor a Deus e ao próximo. O amor
é a justa medida de qualquer atitude e decisão.
Os coríntios eram conhecedores da doutrina: “Acerca das coisas sacri-
ficadas a ídolos, sabemos que todos temos conhecimento” (1 Co 8.1). No
entanto, esse conhecimento (gnosis) era estéril, pois não era aplicado na
vida prática. O slogan da vida de muitos cristãos coríntios era “sei de tudo

91
Igreja Luterana

e, por isso, posso fazer o que quiser”. Viviam uma liberdade egoísta,
pois não possuíam “discernimento” (hnb). Sem discernimento, faltava-
lhes sabedoria (hmkx) para aplicar o conhecimento na vida cotidiana. Por
exemplo, na questão da comida sacrificada a ídolos (eivdwloqu,twn), parte
dos cristãos tomava decisões com base na seguinte lógica:
1. O ídolo nada é, pois há somente um Deus (v.4);
2. Se os ídolos não existem, então a comida em altares pagãos foi
oferecida ao “nada”;
3. Por essa razão, posso comer qualquer alimento oferecido a ído-
los.
Paulo concorda com as premissas dessa lógica: “sabemos que não
há Deus, exceto um. (...) existem os assim chamados deuses (...), mas
para nós há somente um Deus, o Pai, de quem são todas as coisas (...);
e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós tam-
bém, por ele” (v. 4ss - ARA). No entanto, Paulo discorda da conclusão a
que chegaram os coríntios: “Vede, porém, que esta vossa liberdade não
venha, de algum modo, a ser tropeço para os fracos. (...) É destruído,
pois, o fraco por causa do teu conhecimento, o irmão por quem Cristo
morreu” (v. 9; 11).
O apóstolo dos gentios quer mostrar que a liberdade cristã não deve
ser pautada por um individualismo irresponsável que nos leva a tomar
decisões com base em uma lógica fria e egoísta. Ser sábio é ter discer-
nimento para fazer escolhas com base no “temor de YHWH” e no “novo
ensino” de Cristo, o profeta prometido. Ser sábio é usar da liberdade para
tomar decisões visando a “edificação” (oikodomei) do próximo. Paulo su-
gere: “se a comida escandaliza o meu irmão, nunca mais comerei carne
a fim de não escandalizar meu irmão” (v.13).
No caso da Igreja de Corinto, a questão da comida sacrificada a ídolos
se refletia em duas situações distintas:
Comer em rituais pagãos de sacrifícios (v. 10):
1. Alguns cristãos não viam problema em comer nos banquetes de
cultos pagãos. Para eles, desde que não se tomasse parte no ritual
propriamente dito, não haveria problema em comer a comida, pois
os deuses não existiam e, por essa razão, a comida foi dedicada
ao “nada”.
2. Carne vendida nos mercados:
Conforme 1 Co 10, parte da carne vendida nos mercados de Corinto
provinha de altares pagãos. Muitos se sentiam receosos em comer
qualquer tipo de carne, pois era quase impossível estabelecer a
origem da carne.
A questão de comer ou não alimentos sacrificados a ídolos era uma
questão semiótica e, por essa razão, a pergunta a ser feita é “como meu

92
quarto domingo após epifania

irmão lê o que estou fazendo”. A preocupação é com aquele que lê/re-


cebe a mensagem, não com quem escreve/passa a mensagem. Posta de
outra forma, a questão dos alimentos oferecidos aos deuses pagãos não
se resumia à intenção daquele que come, mas deveria abarcar também
a leitura que o “irmão fraco” faz do ato.

COMENTÁRIOS HOMILÉTICOS

Visto que toda a problemática da perícope é uma questão semiótica,


vamos utilizar o esquema comunicacional de Jakobson:
1. Emissor: cristão coríntio que come alimentos oferecidos a ídolos
(v.10)
2. Código: ato de comer esses alimentos (1 Co 8; 10)
3. Mensagem que o Emissor pensa transmitir: “estou comendo
alimentos oferecidos ao ‘nada’, pois deuses são ‘nada’” (vv. 1-3)
4. Receptor: irmãos mais fracos (v.11)
5. Como o Receptor decodifica o “código”: escândalo (vv.10,11)
Agir preocupando-se somente com a mensagem que pensamos trans-
mitir é exercer uma liberdade egoísta e irresponsável. É necessário aten-
tar para os olhos do próximo e evitar “más leituras” que ele possa vir a
fazer de nossos atos. Dessa forma, ser sábio é saber viver a liberdade de
forma responsável, isto é, utilizar o conhecimento e discernimento para
“construir/edificar” em amor.
Ao tomar decisões, Paulo nos aconselha a:
1. “fazer tudo para a glória de Deus” (10.31);
2. “não ser pedra de tropeço” e “não escandalizar o irmão” (8.13;
10.32);
3. “não buscar o próprio interesse, mas o de muitos, para que sejam
salvos” (10.33);
4. pautar a vida no amor, pois “o amor edifica” (8.2).
Ao pautar a vida no amor, tomaremos decisões que evitam o “escân-
dalo” do irmão mais fraco, que Paulo define como aquele “por quem Jesus
morreu” (v.11). Aqui reside o segredo de toda a sabedoria e liberdade: ver
Cristo no próximo e ser Cristo para o próximo. Somos habilitados a agir
assim pelo “empoderamento” que recebemos do próprio Cristo. Ele “a si
mesmo se esvaziou, tomou a forma de servo, tornando-se à semelhança
de homens, a si mesmo se humilhou e foi obediente até a morte de cruz”
(Fl 2.5-8). A morte de Cristo é o “escândalo” da liberdade. Ele livremente
“dá a sua vida por nós” a fim de “buscar e salvar o perdido” (Lc 19.10).
Esse é o “novo ensinamento” que deixou perplexos os judeus de Cafarnaum
(Mc 1.22). A mensagem da cruz edifica o cristão e a igreja, pois ela revela
o amor incondicional de Deus: Ele ama a todos indistintamente.

93
Igreja Luterana

O mesmo Cristo que morreu e ressuscitou realiza em nós “tanto o


querer como o realizar” (Fl 2.13). Pela graça de Deus, que nos é dada na
Palavra, Batismo e Santa Ceia, recebemos a sabedoria para discernir e
agir em favor de todos, para a edificação do próximo. Nada ilumina mais
que o amor.
“A vida estava com ele e a vida era a luz dos homens.
A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevalecem contra
ela”.

REFERÊNCIAS

DICIONÁRIO INTERNACIONAL DO ANTIGO TESTAMENTO. São Paulo: Vida


Nova, 1998.
DICIONÁRIO INTERNACIONAL DO NOVO TESTAMENTO. São Paulo: Vida
Nova, 1998.
GIBBS, Jeffey. Lectionary at Lunch. Saint Louis: Concordia Seminary,
2010. http://concordiatheology.org/lalp/
MORRIS, L. 1 Coríntios. São Paulo: Vida Nova, 1999.

Mário Rafael Yudi Fukue


São Paulo/SP
rafaelfukue@yahoo.com

94
QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
5 de fevereiro de 2012

Salmo 147.1-11; Isaías 40. 21-31; 1 Coríntios 9.16-27;


Marcos 1.29-39

Os textos

Os textos para o culto apontam para o grande amor de Deus para com
o seu povo, bem como seu interesse e preocupação com o indivíduo, para
com toda a sua criação. Ao mesmo tempo enfocam a resposta do cristão
ao amor de Deus por meio do louvor, culto, serviço, gratidão, etc.
O salmista convida o povo de Israel a louvar a Deus das mais variadas
formas, pois o Senhor havia mudado a sorte de Israel. Jerusalém sen-
do reconstruída e o povo sendo trazido de volta. Na profecia de Isaías,
o Senhor fala de sua presença, consolo e força dados ao seu povo. O
evangelista Marcos se lembra da cura da sogra de Pedro, curas de outras
pessoas, a expulsão de demônios e a função de profeta do Salvador Jesus,
anunciando o evangelho por onde passava.
Merece destaque o fato de Deus conhecer e saber o nome de cada
estrela, também de cada pessoa do povo de Israel, de Jesus ter curado,
atendido e dado atenção às pessoas que estavam à sua volta, que vi-
nham procurá-lo. É o próprio “Deus conosco” que se faz Deus de toda a
humanidade, não somente dos descendentes de Israel. É Deus amando,
cuidando, fortalecendo e salvando o seu povo!

Contexto Litúrgico

Nesse período a Epifania está chegando aos seus momentos finais. A


Quaresma está às portas e será novamente lembrado e enfatizado o sofri-
mento salvífico de Jesus pela humanidade (o que na verdade é lembrado
em cada culto). Agora, o ministério de Jesus, de curas e pregação, merece
destaque. É Epifania e Jesus está manifestando às pessoas sua própria
pessoa e obra. A missão de Deus é bastante enfatizada nesse momento
– o que, na verdade, precisa ser destacado não somente em meados de
janeiro e fevereiro, ou criar um mês específico para isso, mas deve fazer
parte da vida da igreja, da sua vida diária.

95
Igreja Luterana

O TEXTO PARA O SERMÃO

No capítulo 9 de 1 Coríntios, o apóstolo Paulo está em defesa de seu


ministério, isso porque o mesmo estava sendo questionado, posto em
dúvida e em descrédito (veja 9.2). Havia falsos pregadores que haviam
se infiltrado na cidade de Corinto. Os historiadores cristãos e hermeneutas
não estão em acordo sobre quem eram essas pessoas. A partir da leitura
da carta, pode-se dizer que eram pregadores com ideias dualistas, um
misto de pensamento e práticas gnósticas bem como helenistas e judaicas.
Paulo era uma ameaça a esses pregadores. Logo, deveria ser rejeitado
pelos seus ouvintes, não deveriam dar mais ouvidos ao pregador da “nova
religião”.
Para a pregação, a divisão do texto começa no v.16. Este e os versí-
culos seguintes resumem bem o que está em jogo no capítulo. Mas fica a
sugestão de o pregador/liturgista falar resumidamente do contexto antes
ou após a leitura – é claro que isso pode ser feito na mensagem também.
Paulo vai num crescente em seu discurso: Paulo-ministério-pregação-
evangelho-salvação. O foco é salvar o indivíduo. Por mais que aconteça a
defesa do ministério, o ponto alto é a salvação dos seus ouvintes.
Nota bem que a salvação dos cristãos de Corinto é que estava em jogo.
Ouvir falsa pregação, pseudo mensageiros e suas mensagens é pernicioso
à fé cristã, é um caminho largo à perdição que se apresenta. O próprio
Salvador Jesus afirma, “Quem é de Deus escuta as palavras de Deus” (Jo
8.47). Veja o alerta que João faz em 2 Jo 9-11. Heresia agrada o velho
homem, o mundo e Satanás. Deus não se agrada disso. Ensino falso é a
“contra-missão”.
O apóstolo lembra-se do privilégio e da responsabilidade que tinha de
pregar o evangelho. O pregador tem um belo texto para falar do ministério
e sua importância. No texto Paulo deixa claro que está trabalhando não
em favor de si mesmo, mas em nome e da parte de Deus. Vem à mente
o que o próprio Senhor fala sobre Paulo, o seu escolhido, “eu escolhi esse
homem para trabalhar para mim, a fim de que ele anuncie o meu nome
aos não-judeus, aos reis e ao povo de Israel” (At 9.15).
Na sequência, Paulo afirma que o evangelho era e estava sendo
anunciado a todas as pessoas de todas as formas. Aqui entra em questão
o ponto de contato com os outros textos: o cuidado, a preocupação, o
zelo, amor do apóstolo para com o indivíduo (características e ações do
próprio Deus por meio de seu servo). O mensageiro de Deus não fica no
pedestal ou lá se coloca, mas desce ao nível das pessoas. Aqui a lei é para
o próprio pregador. Quantas vezes a mensagem está num nível que as
pessoas ouvem, mas não entendem o que está sendo dito? E o pregador
como pessoa dá a impressão de superioridade?

96
quinto domingo após epifania

Também merecem destaque as imagens dos esportes usadas pelo


apóstolo Paulo. a) Corrida: numa corrida só um é o vencedor. Na corri-
da divina todos os corredores (seres humanos) seriam perdedores. Mas
Cristo Jesus tornou-se o único vencedor. Por causa desse vencedor, todos
os que nele creem são vencedores. E para que não houvesse desleixo e
acomodação da parte dos coríntios, Paulo faz um alerta “corram de tal
forma que ganhem o prêmio” (v.24). Essa é a corrida do cristão. Uma
corrida em busca da coroa da vida eterna e não apenas de uma de folhas
de louro (Ap 2.10); b) Luta de boxe: Paulo chega a afirmar que trata
de forma dura o seu próprio corpo. Ele está na luta, é a luta do cristão.
Após ter chamado outros para a luta, ele mesmo não quer esmorecer e
ser eliminado. Ainda está nesse mundo e tem a consciência de que ele
mesmo precisa da salvação. O evangelho é para Paulo também. Nas duas
imagens vemos o “já” e o “ainda não” presentes. Mais alguns subsídios:
1) sobre a salvação do próprio pastor/pregador, ver 1 Tm 4.16; 2) sobre
a luta do cristão, veja Rm 7.14-25.

SUGESTÃO PARA A PREGAÇÃO

Tema: Ganhem o Prêmio (v.24)


O ser humano busca ganhar prêmios
- vida diária: loteria, títulos, glória
- na Bíblia: Adão e Eva, Caim, Saul...
Porém o que ganhou foi castigo
- queda em pecado e suas consequências;
- todos têm esse “prêmio”
Cristo conquistou o prêmio
- A vitória, a vida verdadeira (eterna).
Já ganhamos o prêmio
- o cristão já tem a vida eterna;
- e ainda não; a luta do cristão para permanecer na fé.

André dos Santos Dreher


Frederico Westphalen/ RS
andredreher@gmail.com

97
SEXTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
12 de fevereiro de 2012

Salmo 30; 2 Reis 5.1-14; 1 Coríntios 10.(19-30)31-11.1;


Marcos 1.40-45

LEITURAS DO DIA

Salmos 30: O Salmo fala da gratidão do filho de Deus por ter rece-
bido a ajuda e o cuidado no desespero, angústia e medo. A alegria que
vem depois do sofrimento, e que é dada por Deus, é incomparavelmente
superior a qualquer dor ou angústia que podemos sentir ou viver. Isso
é uma promessa de Deus para nós para crermos no seu amor, bondade
e perdão. O Salmista Davi nos mostra que de fato Deus ajuda e nos livra
da angústia, do sofrimento, da doença e até do medo da morte.
2 Reis 5.1-14: A cura de Naamã indicada pela menina israelita levada
como prisioneira, que ficou sendo escrava da mulher de Naamã, aconteceu
diferentemente do esperado por Naamã, que imaginou ter um tratamento
e “atendimento” especial (10). O desconhecimento e por conseqüência a
incredulidade na palavra do profeta Eliseu fez Naamã murmurar (11-12).
Convencido por seus empregados (13) Naamã retrocede, se submente a
palavra do profeta Eliseu e pode viver as bênçãos da cura (14).
Marcos 1.40-45: Jesus demonstra compaixão para com o leproso
curando-o da enfermidade que o segregava socialmente. Jesus pede ao
leproso para que se submeta ao exame do sacerdote para garantir-lhe
o reingresso na sociedade local. Também pede o sacrifício que Moisés
ordenou para que seja reintroduzido na sua familia de fé.

O TEXTO DE 1 CORÍNTIOS 10.(19-30) 31-11.1

O Cenário litúrgico nos remete ao fim do Tempo da Epifania, o tem-


po especial da manifestação de Jesus aos gentios e o inicio próximo do
tempo da quaresma, um tempo de reflexão na Paixão de Cristo, a obra
salvadora.
O contexto desse texto nos leva as práticas idólatras com ofertas, que
eram comuns na cidade de Corinto e afrontavam a fé cristã causando uma
série de dúvidas sobre a legitimidade de certas práticas e hábitos comuns
naquela igreja. A ideia que alguns cristãos tinham era que por serem li-
vres do jugo da lei poderiam fazer qualquer coisa. Mas a advertência de
Paulo sinaliza o cuidado que se deve ter com o testemunho que damos.

98
sexto domingo após epifania

Nem sempre o que a liberdade nos garante, o bom senso nos autoriza
realizar. O foco deve ser sempre o testemunho claro e inequívoco da graça
de Deus.
1 Co 10.19-22. Nesta sessão o texto fala da prática dos sacrifícios
oferecidos pelos pagãos, os gentios (e;qnoj), um sacrifício a demônios
(daimoni,wn) e não a Deus (qeo,j). Paulo adverte os cristãos no sentido de
não se associarem, terem comunhão (koinwno,j) com os demônios. Não é
possível beber (pi,nw) o cálice do Senhor (poth,rion kuri,ou) e beber do
cálice dos demônios (poth,rion daimoni,wn). Beber precisa ser entendido
figurativamente, como receber na alma o que serve para refrescar, fortale-
cer e nutrir para a vida eterna. Não é possível compartilhar, ser ou tornar-
se participante (mete,cw) ao mesmo tempo da mesa do Senhor (tra,peza
kuri,ou) e da mesa dos demônios (tra,peza daimoni,wn). As expressões
Cálice do Senhor (poth,rion kuri,ou) e mesa do Senhor (tra,peza kuri,ou)
nos remetem a seção do capítulo 11.17 onde o apóstolo Paulo discorre
sobre a Santa Ceia, pois a Santa Ceia também é entendida, histórica e
culturalmente como mesa do Senhor e cálice do Senhor. Compartilhar
tornando-se participante da mesa do Senhor e da mesa dos demônios é
entendido como uma provocação (parazhlo,w) ao Senhor. Compartilhar
das duas mesas provocaria ciúme, rivalidade, ira no Senhor.
1 Co 10.23- 11.1. Nesta sessão o texto fala da postura diante de uma
prática, o testemunho que se dá pela opinião e o juízo que se faz dessa
prática. A expressão “tudo eu posso” traz duas advertências. “Tudo eu
posso” condiz em tese com a liberdade dada e garantida ao ser humano,
mas em síntese se restringe em virtude da necessidade de proteção que o
ser humano tem. “Tudo eu posso” mas nem tudo é bom, convém (sumfe,rw)
nem tudo pode contribuir a fim de ajudar, ser produtivo, ser útil, essa
é a primeira advertência. “Tudo eu posso” mas nem tudo é útil, edifica
(oivkodome,w), nem tudo vai promover crescimento em sabedoria cristã,
afeição, graça, virtude, santidade, bem-aventurança, nem tudo vai fazer
crescer em sabedoria e piedade. Em 1 Co 6.12 aparece mesma expressão
com um final mais enfático: “Mas eu não serei dominado” (evxousia,zw), o
verbo no passivo ali, remete a dependência da graça. Em outras palavras
poderia se dizer que quem está na graça, por fé e no poder do Espírito
Santo não permitirá que circunstâncias tenham poder ou autoridade sobre
o corpo, não permitirá seu corpo ser usado para desonra, mas o dominará
mantendo-o sujeito a própria vontade sob a graça. Como diz Lutero no
Catecismo Menor ao explicar o que significa o batizar com água: “Signi-
fica que o velho homem em nós, por contrição e arrependimento diários,
deve ser afogado e morrer com todos os pecados e maus desejos, e, por
sua vez, sair e ressurgir diariamente novo homem, que viva em justiça e
pureza diante de Deus eternamente. Como diz Paulo em Romanos, capí-

99
Igreja Luterana

tulo sexto: “Assim, quando fomos batizados, fomos sepultados com ele
por termos morrido junto com ele. E isso para que, assim como Cristo
foi ressuscitado pelo poder glorioso do Pai, assim também nós vivamos
uma vida nova.” (Romanos 6.4 NTLH) Buscar, requerer, exigir (zhte,w) o
próprio interesse deve ser preterido em favor o interesse alheio. Em Mt
6.33 Jesus diz que devemos colocar nosso interesse em primeiro lugar em
Deus. O conselho dado (25-27) para comer de tudo que for oferecido sem
perguntar quer proteger o sentimento das pessoas. O que não sabemos,
não conhecemos, não pode nos perturbar. Quando tomamos conheci-
mento (28) nos tornamos reféns da consciência (sunei,dhsij) (1Co 8.7).
Tomamos consciência de algo e temos ciência do que é moralmente bom
e mal sendo impulsionados para fazer o primeiro e evitar o último, glori-
ficando um, condenando o outro. A consciência do outro passa a ser juiz
da nossa liberdade (29), o que nos leva a abrir mão do interesse próprio
exigindo para si algo (30). Deus deseja que o testemunho dos seus filhos
quer, comendo (evsqi,w) ou bebendo (pi,nw) ou fazendo qualquer outra
coisa seja feito para a glória (do,xa) de Deus (qeo,j) (31). Nossas ações
podem converter-se em mau testemunho, mau exemplo (avpro,skopoj),
alguém que faz os outros tropeçar conduzindo-os ao pecado pelo modo
de vida que leva (32). Os outros citados aqui são de fato todos: Judeus
( vIoudai,oj); não judeus, gentios (e[llhn) povos que tinham uma práti-
ca religiosa e cúltica diferente dos judeus; a igreja (evkklhsi,a) de Deus
(qeo,j), a reunião dos cidadãos chamados para fora de seus lares para a
assembleia de Cristãos reunidos para adorar na esperança da salvação
eterna em Jesus Cristo e que observam seus próprios ritos religiosos. O
apóstolo Paulo se coloca como um modelo, um exemplo (1Co 4.6) alguém
que procura agradar a todos sem interesse próprio visando única e exclu-
sivamente a salvação. (33)
Essa sessão tem como foco central o exemplo, o testemunho dos
cristãos redimidos por Cristo. Paulo se coloca como um exemplo para
que Cristo seja o grande exemplo de humildade, do esvaziar-se (Fp 2.7)
em prol da salvação dos perdidos no pecado. Por outro lado chama a um
testemunho seguro e focado na verdade sem conchavo e parceria de con-
veniência com aquilo que afronta a fé verdadeira e autêntica na salvação.
Temos uma cura garantida, que não é física mas espiritual e que se dá
pelo perdão dos pecados que graciosamente pode se manifestar em cura
física (2 Rs e Mc).
Com um objetivo de vida o texto nos leva a testemunhar nossa fé com
segurança e autenticidade abrindo mão daquilo que não nos compromete
espiritualmente mas nos desafia missionariamente. Somos chamados a sair
da zona de conforto espiritual para testemunhar nossa fé sem abrir mão
da nossa convicção bíblica e doutrinária mas com tolerância e amor.

100
sexto domingo após epifania

PROPOSTA HOMILÉTICA

Façam tudo para a glória de Deus! (31)

1. Não provocando ciúmes no Senhor. (22)


- Não bebendo e comendo ao mesmo tempo do cálice e da mesa do
Senhor e do cálice e da mesa dos demônios. (21)
2. Buscando o interesse dos outros. (24)
- O interesse próprio pode não ser bom e nem útil. (23)
3. Abrindo mão da liberdade por causa do próximo. (28-29)
- Quando nosso foco é a salvação do perdido, privamo-nos de
direitos, de liberdades para que a salvação não seja rejeitada,
mas recebida.
4. Seguindo o exemplo de Cristo. (33-11.1)
- O exemplo da cura de Naamã em 2 Rs demonstra o poder da
palavra de Deus, pois quando Naamã se submete à palavra do
profeta e a segue, a cura acontece. Também a cura do leproso no
Evangelho de Mc demonstra o desejo que Jesus tinha em oferecer
o alívio, a cura. Jesus pede ao homem curado da lepra buscar a
aprovação do sacerdote e cumprir com o ritual de sua fé.

Horst Musskopf
Porto Alegre/RS
hsmusskopf@bol.com.br

101
Sexto Domingo após Epifania
12 de fevereiro de 2012

Salmo 30; 2 Reis 5.1-14; 1 Coríntios 10.(19-30)31-11.1;


Marcos 1.40-45

Contexto Litúrgico

Os textos estão inseridos no período onde a proclamação da voz de


Deus ecoa pelo mundo; onde os festejos natalinos e de passagem de ano
ficaram para trás e a época de Quaresma está às portas. Neste contexto,
que denota o movimento da história da salvação através da pregação,
o domingo parece convidar ao contemplar dos atos poderosos de Deus,
em cada etapa de sua revelação. Passado, presente e futuro estão nas
mãos do Senhor. A Igreja é convidada a seguir sendo o cartaz de Cristo
no mundo.

Leituras do dia

Salmo 30
Um texto que expressa a dependência do salmista em relação ao
Senhor. É a constatação de que sem a mão de Deus de nada vale toda
expectativa humana. Nos 12 versículos em que foi dividido o salmo, o
décimo retrata em forma de súplica esta carência. Somente Deus é o au-
xílio, capaz de mudar cenários de dor e derrota em alegria e paz. E Deus
faz isso por pura compaixão, sendo este o grande motivo do louvor e das
ações de graças do povo.
2 Rs 5.1-14
Uma coletânea de situações e sentimentos desenha a linha melódica
desta história. A condição de Naamã: soldado valente, mas com uma do-
ença terrível; a esperança, diante da dica da escrava israelita. O medo do
rei de Israel diante do pedido por cura; a confiança do profeta Eliseu; a
indignação de Naamã diante da simplicidade do método de cura proposto;
a insistência dos oficiais a que seja aceita a palavra do profeta; e, enfim,
“carne firme e sadia como a de uma criança”.
Marcos 1. 40-45
Nos dois primeiros versículos, um diálogo emocionante. Um doente
impuro, de joelhos, pede: “Senhor, se quiseres, podes purificar-me” (RA);
Jesus, “movido de grande compaixão” (RC), encosta nele e diz: “Quero,
fica limpo!”. Uma conversa fantástica, com um desfecho fantástico! O

102
sexto domingo após epifania

restante da história é que parece não ter o mesmo tom porque, diante
de uma recomendação veemente, a não obediência e um ‘problema’ para
Jesus. Será que Jesus depois disso não pensou que melhor teria sido não
promover esta cura? Por que curar aquele ‘língua solta’, que agora causa
uma exposição não pretendida pelo mestre? Claro que são perguntas
apenas provocativas, pois Jesus quer curar e por isso ele cura. Jesus não
está sujeito a ‘reações adversas’ de seus atos. Jesus é dono da situação.
Mas este final é, no mínimo, interessante.

Ênfases gerais

- A dependência em relação a Deus. A mão do Senhor, através de


meios que ele próprio escolhe, é o diferencial diante das limita-
ções humanas.
- O importante é que Deus pode e quer limpar, curar, trazer de volta
ao convívio. Deus pode e quer mudar situações e sentimentos.
- O modo de agir de Deus algumas vezes causa indagações de nos-
sa parte. Foi o caso de Naamã. É o caso das ‘perguntinhas’ que
podem surgir a partir da leitura do evangelho do dia.

Ênfases textuais da epístola

O contexto e anotações preliminares de 1 Coríntios 10. (19-30)


31-11. 1
O contexto anterior traz os motivos da proposta de Paulo aos cristãos.
São questões de relacionamento entre cristãos e destes com pessoas de
fora. Paulo já anteriormente recorre ao exemplo dos antepassados (10.1).
Paulo usa o exemplo como uma espécie de recurso pedagógico. “Tudo
isso aconteceu para nos servir de exemplo” (10. 6), e “a fim de servir de
exemplo para os outros... e servirem de aviso para nós” (10. 11). Usando
exemplos, o apóstolo fala a uns, pensando em outros, quando trata da
consciência (10. 29).
O texto: 10. 31-11.1
Vers. 31: Portanto (Ei;te ou=n), ou seja, havendo situações como as
descritas acima, “vivam de modo que...”. Tudo com um só e grande ob-
jetivo: ‘para a glória de Deus fazei’ (eivj do,xan qeou/ poiei/teÅ). Na carta
aos Colossenses, capítulo 3.17, Paulo liga a questão a Cristo e mostra que
Deus só é glorificado através de Cristo. De cara o apóstolo mostra que
qualquer atitude cristã só tem algum valor quando o objetivo está fora de
si mesmo, ou seja, sem qualquer intenção egoísta de autopromoção.
Vers. 32: A preocupação principal é quanto ao perigo do tornar-se
tropeço aos outros (avpro,skopoi.. gi,nesqe). Significa causar culpa para al-
guém, tornar alguém culpado, pois o mesmo termo é usado em Filipenses

103
Igreja Luterana

1.10, quando Paulo fala no discernimento em escolher as melhores coisas


e ser achado inculpável (avpro,skopoi) no dia de Cristo.
Vers. 33: Agora Paulo traz o assunto para mais perto de si – “Façam
como eu” (NTLH). Longe de ser uma atitude de vanglória ou querendo
dizer que o exemplo está nele, Paulo parece colocar-se como exemplo
de submissão. Ele se coloca como exemplo de imitador. Para o benefício,
para vantagem de outros tudo é feito. Então, como grande referencial,
ele aponta para Cristo.
Cap. 11.1: Parece ser centro da reflexão de Paulo nesta perícope. Para
este convite ele preparou seus leitores. Todos os argumentos e exemplos
trazidos convergem para este versículo. Ele já havia dito algo parecido
no capítulo quatro, versículo 16. O convite não é novidade, mas precisa
ser repetido neste momento, com toda firmeza e clareza. – Sede meus
imitadores, como também eu sou de Cristo (RA) - (Mimhtai, mou gi,nesqe(
kaqw.j kavgw. cristou/fc).
Obviamente Paulo não tem em mente ser a concretização de um
modelo a ser imitado (cf. Fp 3. 12-17). Ali Paulo não destaca nenhuma
qualidade específica sua, mas exatamente algo fora de si, ou seja, o alvo
que ele persegue a vida toda. Ele afirma que ainda não chegou. Imitar
neste sentido é algo como correr atrás. Uma corrida feita de quedas e de
um constante ‘ser levantado’ por Cristo. Uma leitura do capítulo quatro
desta primeira carta aos coríntios é de grande valia na compreensão do
que Paulo quer dizer quando convida a que seja imitado.
Ser imitador e ‘imitável’, no caso de Paulo, não é procurar atingir ou
imaginar ter atingido um ideal de conduta. O próprio apóstolo mostra isso
em Rm 7. 14-25. Ele se descreve como uma infeliz criatura. E como é que
aqui ele tem coragem de convidar a que seja imitado? Este é o ponto alto
da proposta. Ser imitador de Paulo é reconhecer-se um miserável pecador
que somente é capaz de alguma coisa boa quando Deus o toca com sua
misericórdia. Porque na perspectiva de Paulo, imitar a Cristo é um constan-
te rastejar rumo à misericórdia de Deus, revelada na cruz de Cristo, que
produz e opera tudo em nós. Paulo se esquiva de ser o ‘imitável’ quando
aponta para Cristo. Ele coloca as coisas no seu devido lugar.
Ser imitador não é a reprodução de padrões morais, mas uma atitude
de louvor do ser humano alcançado pelo perdão de Deus. Ser imitador não
é atitude com o fim de, mas um viver a partir de algo que Deus realiza
do princípio ao fim. No texto em estudo, parece que Paulo faz a seguinte
convocação: Imitem o imitador de Cristo. Paulo não se considera ‘o cara’;
mas imitador do ‘cara’. Isso é o que importa.

104
sexto domingo após epifania

ENCAMINHAMENTO HOMILÉTICO

Somos o cartaz de Cristo. Somos a imagem de Cristo que os outros


leem. A tarefa é fazer de tudo para que as pessoas façam a leitura correta.
Que jamais leiam que em nós ou em qualquer outro ser humano reside,
por força, sabedoria ou obra própria, algo a ser imitado. Que jamais con-
siderem o cartaz tão ou até mais importante quanto o que ele traz escrito.
Isso seria um tropeço e faria de nós uma causa deste tropeço. O cartaz
precisa unicamente apontar para Cristo, senão não serve pra nada.
O texto lança luz sobre o foco da pregação e vida cristã – apontar para
Cristo. Nada existe no ser humano, seja em Paulo, ou em nós, que mereça
ser imitado fora de Cristo. Somente quando, e à medida que, Cristo agir
em nós, é que podemos ser ‘imitáveis’. Olhar para a vida do apóstolo, sua
autoavaliação diante de Cristo, é referência e exemplo a ser imitado pelo
cristão. O primeiro versículo do capítulo 11 somente faz sentido se visua-
lizado dentro desse berço. A partir disso pode ser disposta a mensagem,
destacando esta dinâmica tarefa de ser imitador e imitável. O convite de
Paulo é para todos os cristãos: Imitem o imitador de Cristo.
Os textos que formam o conjunto de leituras deste domingo servem
como apoio e ninho para esta reflexão, pois denotam o poderio de Deus
que tudo opera no ser humano. Algumas vezes usando meios aparente-
mente simples demais; ou então usa ‘potes de barro’ para transportar seu
tesouro. A maior notícia a ser pregada é a disposição de Deus em salvar,
curar, trazer de volta ao convívio, como o evangelho do dia mostra. Deus
quer chegar perto. Deus se faz achar na palavra. Deus se faz ver e imitar,
através do cartaz que cada pregador, cada cristão é convidado a ser. Eis
a tarefa de ser imitador e imitável. Quais as implicações disso na nossa
relação com Cristo e sua palavra? Que implicações práticas têm isso no
nosso dia a dia? No nosso ministério pastoral?

Sugestão de roteiro e tema

Uma sugestão de roteiro da mensagem é desenhar a realidade humana


pecadora, propondo, num primeiro momento, a imitação como o jogar-se
nos braços de Cristo em fé. A partir disso, convidar à tarefa de ser imitável.
O contexto das palavras de Paulo é um suporte interessante na abordagem
e condução do tema. O que faz de alguém ser imitador e imitável?
Tema: - O convite é: ser imitador e imitável.

Arnildo Münchow
Canguçu/RS
arnildomunchow@yahoo.com.br

105
A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR
19 de fevereiro de 2012

Salmo 50.1-62; Reis 2.1-12 (ou Êxodo 34.29-35);


1 Coríntios 3.12-13 (14-18); Marcos 9.2-9

CONTEXTO LITÚRGICO

O Messias que se revela no brilho do rosto de Jesus nos é apresenta-


do nesta semana que marca a passagem da Epifania para a Quaresma.
Numa olhada rápida e superficial pode-se dizer que a partir desta semana
muda o foco dos temas trabalhados. Deixa-se um período de anunciação
e proclamação passando para um tempo de introspecção e reflexão. Uma
análise mais profunda, porém, faz perceber que estamos saindo definiti-
vamente do ciclo do Natal, adentrando o ciclo da Páscoa. E o claro elo é
o Messias cumprindo as promessas de Deus, o qual está presente tanto
no Natal como na Páscoa. Ele é o motivo de toda alegria no Natal e é a
razão de toda comemoração pascal.
No Messias, o plano amoroso de Deus, de salvar todo aquele que nele
crê, está rigorosamente sendo colocado em prática. A alegria do Natal
não teria sentido se esta ocasião fosse apenas um dia de dar presentes,
ou um período de enfeitar as lojas e as casas, ou ainda para comemorar
o nascimento de um simples menino. Rapidamente essa data cairia no
esquecimento, se a razão da alegria natalina fosse apenas o dia de ani-
versário de um grande profeta, milagreiro ou um mestre, como muitos o
consideram. Da mesma forma a alegria da Páscoa rapidamente seria es-
quecida se junto com o coelhinho e os chocolates não figurasse o Messias
encarnado, pregado numa cruz e ressuscitado.
Não é este esvaziamento do sentido natalino e pascal que o mundo
vive? O Messias vivo não tem sido apenas um pequeno detalhe de todo ar-
ranjo festivo do Natal e da Páscoa? Não carece até mesmo a igreja cristã de
uma valorização maior da presença real do Salvador na vida dos cristãos?
O que tem dado sentido ao calendário das congregações luteranas muitas
vezes não gira ao redor de seus próprios eventos e projetos (almoços,
jantares, programa de aniversário, projetos de construção, estabilidade
financeira...)? Qual é o verdadeiro lugar do Messias em nossa vida?
Na transfiguração do Senhor o Messias brilha e fica claro que Jesus
realmente é o Messias prometido. Isso torna a presença de Moisés e Elias
ainda mais relevante na história de Marcos, pois se o brilho do Messias
também aparece no rosto de Moisés e Elias vestidos de branco e conver-

106
A transfiguração do senhor

sando com Jesus, é ainda mais verdade que o Messias é apresentado por
Moisés e Elias (Torah e profetas). Foram eles os mensageiros da aliança,
escolhidos e enviados por Deus que criaram a expectativa do nascimento
do Messias e agora confirmam que o menino nascido em Belém é verda-
deiramente o Messias. Consequentemente tudo o que vem acontecendo
com Jesus nestes dias apenas confirma que o Messias está indo para
Jerusalém para definitivamente ser consagrado no Gólgota.

TEXTOS BÍBLICOS

Sl 50.1-6: O salmista profetiza a vinda do Messias que claramente é


identificado com o Deus Todo- Poderoso. O Messias é Deus e a sua pre-
sença vem acompanhada de Sinais da Trindade. Transparecem ações como
chamar, brilhar, presença, testemunhar, julgar e reunir sempre associadas
ao que Deus faz por nós e não como ações humanas. O Messias vem para,
entre outras coisas, reunir o seu povo espalhado pelo mundo.
2 Rs 2.1-12 (Êx 34.29-35): Embora duas situações diferentes se-
jam apresentadas nestes textos, o foco é o mesmo: ambos descrevem
resultados da ação do Messias em seus mensageiros. Em 1 Rs Elias
é transposto da dimensão terrena para a dimensão eterna sem passar
pela morte. Talvez fosse assim com todos nós se o pecado não tivesse
entrado no mundo, mas nós não temos esta opção. Nem outra opção por
nossas próprias forças, a não ser depender do Messias. Logo, só podemos
compreender esse texto se enxergarmos nele o Messias agindo milagro-
samente no profeta e gerando nele vida plena.
Não muito diferente é a mensagem no Êx 34. Ao aparecer em público,
após estar com Deus, o rosto de Moisés brilha. Pessoas não são, e nem
podem ser, fonte de luz, apenas refletem. Mas Cristo é luz (Jo 8.12). Logo:
é Cristo quem brilha por meio de Moisés e em Moisés.
Mc 9.2-9: Não é uma simples história contada, mas há um fato único
e especial acontecendo na presença de três testemunhas: Pedro, Tiago e
João. Três testemunhas também da nova Aliança estabelecida na Santa
Ceia. Assim há representantes da antiga Aliança (judeus, povo escolhido)
e da nova Aliança (graça universal). Há mensageiros do Antigo Testamento
e também do Novo. E agora juntos testemunham o Messias que se revela
no brilho do rosto de Cristo. Há aqui uma clara fórmula para se conhecer
o Messias: Torah e Profetas + evangelistas e apóstolos revelam o
Messias. E a sua identidade é Deus Vivo e Deus de Pessoas Vivas eter-
namente. Moisés e Elias não são espíritos ou imagens, mas pessoas vivas
que já estão do outro lado da morte e acompanham o Cristo glorificado
que na Páscoa também passa para o outro lado da morte, revelando-se
vencedor sobre o pecado e a morte (assunto que será amplamente abor-
dado na Quaresma).

107
Igreja Luterana

2 Co 3.12-13: Sem dúvida Lei e Evangelho e suas devidas atribui-


ções são o assunto de Paulo neste texto. Paulo usa as figuras “brilho de
Moisés” em contraste com o “brilho de Cristo”, justamente para mostrar a
astronômica diferença entre ambas. Embora tanto a lei como o evangelho,
em última instância, reflitam a glória de Deus, é verdade também que a
lei coloca o foco no homem que muitas vezes tenta se glorificar por meio
da obediência dela. Enquanto que o evangelho coloca o foco no Messias,
isto é: no brilho de Cristo.
O brilho da lei rapidamente desaparece e é ofuscado pelo coração duro
e incrédulo dos seres humanos, já o brilho do evangelho permanece. O
brilho da lei depende de méritos alcançados por meio das obras, já o brilho
do evangelho é graça e depende unicamente a confiança no Messias. Em
nossa relação de confiança em Deus transparecemos o Messias e quem
verdadeiramente brilha é Cristo e não as nossas obras, nossos méritos.
O apóstolo usa uma figura tipológica e explora o efeito da antítese. Seu
objetivo é produzir nos leitores o efeito contrário ao relatado na figura de
Moisés (Christian Wolff). Por assim dizer, o apóstolo usa um tratamento de
choque para chamar atenção para Cristo. Aos invés de seguir o caminho
da Lei, e os seus próprios caminhos, Paulo desafia os cristãos de Corinto
a seguir o Evangelho e a andar no caminho de Cristo.

APLICAÇÃO HOMILÉTICA

O pregador só tem duas opções: ou pregará o brilho de Cristo e de


sua Obra, ou concentrará sua mensagem no brilho dos homens e de suas
obras (Schlatter). O texto bíblico indicado coloca o pregador diante da cruz
de qualquer teólogo: a clara distinção entre Lei e Evangelho. O apóstolo
aponta para a necessidade de distingui-los corretamente para colocar o
foco no lugar certo. Além de distingui-las corretamente, o pregador terá de
trabalhar com ambas as partes; lei e evangelho. Ele não poderá explorar
uma e ignorar a outra.
Neste caso, a Lei será bem aplicada neste texto quando usada para
mostrar a verdadeira necessidade de um Salvador. O Salvador permanen-
temente é anulado pelos pagãos e idólatras quando seguem os deuses da
sua imaginação. E invariavelmente o Messias é ofuscado em nossa vida
e até anulado pela nossa arrogância e pretensão moralista de cumprir os
mandamentos à risca. Neste caso, o véu que encobre Cristo em nosso
coração é o orgulho de não admitir a necessidade do Salvador. Cristo
muitas vezes é apenas um meio para concretizar os meus objetivos de
“fazer acontecer nesta paróquia”, de “os meus planos darem certo”, de
“eu ter menos problemas no ministério do que o meu colega ao lado”, de
“meu trabalho ser um modelo a ser seguido por todos” e de “a minha vida

108
A transfiguração do senhor

impecável ser a razão de todo o meu sucesso”.


A lei corretamente aplicada mostra que Cristo deve ser e é a verdadeira
causa de todas as coisas. E nós somos apenas instrumentos nas mãos de
Deus, ou “vasos de barro”, como diz o apóstolo na continuação do texto
da carta aos cristãos de Corinto.
Já o evangelho é corretamente aplicado se Cristo é apresentado como
o Messias. Isto é: a nossa única opção para sermos aceitos por Deus. A
glória de Cristo brilha na vida sobre a morte. Para aqueles que colocam
a sua esperança em Cristo há consolo. Estes não precisam de máscaras
como Moisés tentou usar, pois voltados para o Senhor o véu não encobre
o brilho de Cristo. E felizmente, nós, com o rosto descoberto, refletimos
a glória de Cristo para o mundo. Somos espelhos do seu brilho para o
mundo.

Sugestão de esboço de sermão

“Cristo brilha”
Na Lei – apontando para a necessidade do Messias
No Evangelho – na boa notícia que encontramos o Messias na Escri-
tura (Moisés e Elias + apóstolos)
Em nós – quando olhamos para Cristo e confiamos nele. (Natal e
Epifania)
Para sempre – nos tornando espelhos e vencedores sobre a morte
(Quaresma e Páscoa).

OBRAS CONSULTADAS

NOVO TESTAMENTO INTERLINEAR GREGO PORTUGUÊS. Barueri (SP):


Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.
SCHLATTER, Adolf. Die Korinther Briefe. Ed. Revisada. Stuttgart: Calwer
Verlag, 1962.
WOLFF, Christian. Der zweite Brief des Paulus an die Korinther. Berlin:
Evangelische Verlagsanstalt, 1989.

Arsildo Fernando Wendler


Santa Rita, Guaíba/RS
awendler@uol.com.br

109
QUARTA-FEIRA DE CINZAS
22 de fevereiro de 2012

Salmo 51.1-13 (14-19); Joel 2.12-19; 2 Coríntios 5.20b-6.10;


Mateus 6.1-6, 16-21

CONTEXTO

A Quarta-Feira de Cinzas dá início à Quaresma, período onde a igreja


cristã reflete de forma especial sobre o sacrifício de Cristo em favor da
humanidade.
Nesse contexto a epístola em estudo está bem inserida, revelando a
ação de Jesus (v.21) a fim de reconciliar as pessoas com Deus (v.20b),
levando assim a igreja a uma vida de abnegação, a exemplo do próprio
apóstolo Paulo.
Nossa atenção nesse estudo exegético está concentrada nos versícu-
los iniciais (5.20b – 6.3), tendo em vista a ênfase para a Quarta-Feira de
Cinzas.

ÊNFASES

V. 20b: “vos reconcilieis com Deus”


Essa expressão precisa ser entendida dentro de seu contexto. É preciso
olhar desde o v.18, quando o texto deixa claro que o ato da reconciliação
é obra de Deus em Cristo Jesus. Ao usar essa expressão, Paulo quer en-
sinar que não rejeitemos ou desprezemos o ato da reconciliação, como
vai ficar claro logo no versículo 1 do capítulo 6. A melhor tradução para
a expressão katallaghte é: sede reconciliados, evidenciando que isso
acontece por meio de Jesus Cristo.
V.21: “conheceu” - gnonta = ginwskw – Indica um conhecimento
adquirido pela experiência. Podemos ler: “aquele que não experimentou
o pecado”.
“ele o fez” – epoihsen = ele foi feito. “Deus colocou nossos pecados
sobre Jesus sem pecado, e no nosso lugar Deus o puniu com a morte”
(Chave Linguística). Convém ler o texto paralelo de Gl 3.13: “Cristo nos
resgatou da maldição, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar”.
“justiça de Deus nele” – dikaiosunh Qeou en autw. A justiça está em
Cristo e não em nós. Não é uma virtude que adquirimos pela conversão. É
um estado de relacionamento com Deus através de Cristo. É por estarmos
em Cristo que somos justos. Esse versículo tem uma íntima relação com

110
quarta-feira de cinzas

Rm 1.17: “visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em


fé, como está escrito: O justo viverá por fé”, e também com 1 Co. 1.30:
“Mas vós sois dele em Cristo Jesus”.
V.1: Paulo aponta para a preocupação de que os coríntios não rece-
bessem essa mensagem e ela ficasse sem efeito, não recebessem a graça
de Deus em vão: kenoj = vazio, sem resultado. Mas que a partir de sua
reconciliação pessoal com Deus, exercessem agora, como ele, o ministério
da reconciliação. Paulo fala dele mesmo em 1 Co. 15.10 dizendo que a
graça de Deus o torna quem ele é, age nele e o move a agir (trabalhar)
em favor dos outros.
V.3: “escândalo” – proskoph = tropeço, uma ocasião para tropeçar.
Nesse texto Paulo fala especialmente aos ministros, como ele, mas também
a todos os cristãos, lembrando que não sejam motivo de outros cristãos
virem a cair da fé, por causa de sua rejeição à graça ou por não viverem
a reconciliação de Deus em Cristo.
Vv. 4 a 10: Uma vida abnegada (vida de renúncias) é vivida em todas
as situações relatadas nesses versículos, sabendo que a graça de Deus
é sempre presente na vida do cristão. Quando o cristão está em Cristo,
ele tem a força do próprio Cristo auxiliando-o nas diversas situações. Nos
momentos citados o cristão sempre se lembra de sua relação íntima com
o próprio Cristo.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO



Tema: Reconciliados, reconciliando!
Introdução: Explanar sobre o significado da Quarta-feira de Cinzas,
iniciando o período da Quaresma.
I. A necessidade da reconciliação
A. Somos pecadores condenados e inimigos (separados) de Deus.
B. Nossas próprias forças não nos permitem chegar a Deus.
II. Deus nos reconcilia com ele mesmo
A. Através de Jesus Cristo, colocando nossos pecados sobre ele.
B. Declarando-nos justos ao ver Jesus em nós.
III.Deus nos quer anunciando a “reconciliação” para o mundo
A. Valorizando a graça de Deus
B. Vivendo momentos de dificuldades e tristezas, ou de bonança e
alegrias como quem está “em Cristo” – na graça.

Aurélio Leandro Dall”Onder


Campo Bom/RS
amdonder@viavale.com.br

111
PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMA
26 de fevereiro de 2012

Salmo 25.1-10; Gênesis 22.1-18; Tiago 1.12-18; Marcos 1.9-15

SALMO 25. 1-10

Só recebe ajuda plena quem se entrega em confiança. Enquanto não


nos entregamos nas mãos de Deus, não conseguimos experimentar sua
ajuda e proteção integralmente.
No Salmo 25 há uma sequência de atitudes internas que levam ao
convívio íntimo com Deus: confiança – confissão – arrependimento – en-
trega. A proposta é um derramar-se diante de Deus.
A confiança remete ou move o indivíduo à oração e à confissão. Destas
atitudes resulta o recebimento das bênçãos de Deus – ajuda e proteção.
Deus é fiel e guia com amor, ele cumpre suas promessas.

GÊNESIS 22.1-18

Deus põe Abraão à prova, assim ele também testa nossa confiança
e entrega incondicional a ele. Estar sob o cuidado de Deus não significa
estar livre de provações. Nossa humanidade julga como punição, castigo e
injustiça certas situações a que somos submetidos. O apelo é: pense que
isto faz parte da sua humanidade; não caia fora; não desista; não largue
tudo. Acompanhe o plano divino para sua vida com confiança. Abraão
foi até o fim. No final veio a intervenção divina providenciando a Abraão
exatamente aquilo que lhe faltava. Assim Deus continua a providenciar o
que os seus filhos necessitam.

TIAGO 1.12-18

“Feliz aquele que nas aflições continua fiel. Depois de sair aprovado,
receberá o prêmio que Deus tem prometido aos que o amam.” A quares-
ma nos lembra das tentações que Cristo passou. Mostra-nos que Cristo
passou por tudo. Mostra que Cristo foi até o fim. Cristo acompanhou o
plano divino. Foi fiel até o fim. Recebeu a aprovação de Deus. Recebeu
o prêmio final – ressurreição e volta para o céu. Nós também seremos
vencedores se permanecermos fiéis aos planos divinos, mesmo que por
vezes não os compreendamos.

112
primeiro domingo na quaresma

MARCOS 1.9-15

A primeira tentação
- Satanás investe diretamente na aparente vulnerabilidade de Jesus.
A fome – uma necessidade natural. Aqui pode surgir o pensamento
humano: Que mal há em ceder? “Todo mundo” precisa disso! O
motivo para aceitar e cair seria logicamente compreendido por
qualquer humano que viesse a julgar a situação.
- Na realidade, surge aqui a tentação para desconfiar das promessas
e da providência divina. O engano seria a fome – uma necessidade
humana.
- A resposta de Jesus é a resposta que Adão e Eva deveriam ter dado
a Satanás. Olhando para a Palavra e para as promessas de Deus,
assumir postura de confiança diante destas promessas.
- Jesus não nega a necessidade humana, mas a coloca diante das
promessas divinas de cuidado e proteção.
- Adão e Eva foram vencidos no Éden. Jesus vence Satanás no
deserto. As condições eram diferentes e a atitude diante de Deus
também. Em ambas as situações, os personagens eram livres e
foram tentados. Jesus, mesmo sendo o Filho de Deus, não parte
para o confronto e não aceita argumentar; ele cita a Palavra e
esta afugenta Satanás.
A segunda tentação
- Aqui Satanás trabalha em outra dimensão – estimula a confiança.
“Deus cuidará de você”, pode fazer, você tem os anjos a seu ser-
viço. Confia nisso e se lança. A confiança que desconfia e que é
presunçosa, na verdade, é falsa. Seria mais um capricho humano,
uma demonstração humana. Do alto do templo – todos assistiriam
ao espetáculo, seria uma boa forma de se autopromover. Vaidade
e soberba poderiam facilmente empurrar na direção da aceitação
da proposta.
- Jesus está no caminho da confiança e obediência ao Pai e não dos
caprichos humanos. Satanás está de Bíblia na mão pregando para
Jesus, mas Jesus rapidamente identifica a Palavra que o protege
da queda e reage novamente com esta Palavra do Pai.
A terceira tentação
- A cobiça levou Adão e Eva a serem vencidos. O diabo conhece
as fraquezas humanas, seus desejos, suas inclinações naturais e
investe nestes pontos.
- “Se prostrado me adorares”. - Quero ser seu Deus. Não quero você
apenas para “uma” tentação. Aqui o diabo não mente, ele assume
seu papel com verdade e transparência total.

113
Igreja Luterana

- Uma vez só, que pode não significar um grande mal, não satisfaz
Satanás. Ele quer ser adorado, seguido. Ele quer ser senhor da
vida daquele que caiu em tentação.

As armas para vencer:


- fé (sacramentos)
- Palavra
- Oração.

As promessas divinas podem ser resumidas: 1 Co 10.13


O conselho divino é claro: Mt 26.41 e Tg 4.7
As tentações podem ser entendidas como um exercício necessário para
sermos aprovados por Deus. Deus avisa a respeito delas para não sermos
surpreendidos ingenuamente. Jesus ensina a pedir “não nos deixe cair em
tentação”. Este assunto é sério para ser incluído na oração modelo.
Martinho Lutero nos esclarece quando e como acontecem as tentações
– Catecismo Maior – sexta petição.
As tentações sofridas por Jesus simbolizam os campos principais das
nossas tentações: sustento - proteção - prosperidade - segurança.
A quaresma é um tempo de preparação e aproximação a Deus. Deus
tem um plano para nos aproximar dele; o diabo tem um plano para nos
distanciar de Deus.
Lutero, no Pai nosso, nos alerta sobre o que recebemos do Pai para
podermos vencer as tentações. Estamos munidos para a vitória, pois ela
já está conquistada por Jesus.

Breno Cláudio Thomé


Lajeado/RS
thomebreno@gmail.com

114
SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA
4 de março de 2012

Salmo 22.23-31; Gênesis 17.1-7; Romanos 5.1-11; Marcos 8.27-38

CONTEXTO HISTÓRICO E LITÚRGICO

Na carta aos Romanos, o apóstolo Paulo fala sobre a igualdade que


todos os seres humanos têm em relação ao pecado. Todos são pecadores
(Rm 3.9). Da mesma forma deixa claro que todos podem ser salvos, jus-
tificados, por meio da fé em Jesus Cristo (Rm 3.22).
Neste contexto, o apóstolo fala de Abraão, pai do povo de Israel. Ele
havia sido circuncidado, mas diz também que esta circuncisão não é o que
o fez ser aceito por Deus, mas sim a sua fé (Rm 4.3).
E assim como Abraão, também nós somos aceitos por Deus por meio
da fé em Jesus Cristo. O texto de Romanos 5.1-11 fala sobre as decorrên-
cias desta justificação (ser aceito por Deus), como é a vida de um cristão
que já está justificado.
Os demais textos para este domingo ressaltam a aliança de Deus com o
seu povo. A leitura do Antigo Testamento fala da aliança feita com Abraão
e consequentemente com toda a sua descendência. Esta aliança parte do
coração de Deus e não da intenção de Abraão.
O texto de Marcos 8.27-38 mostra Jesus falando aos seus discípulos
que ele deveria sofrer e morrer para assim resgatar o pecador. Também
mostra a reação de Pedro ao querer resolver o que somente Deus pode
resolver. Ele queria poupar a vida de Jesus, mas somente a morte de Jesus
poderia justificar o pecador.
Estamos no período da quaresma, onde a ênfase do período é o arre-
pendimento e preparo para a celebração da Páscoa. Por isso é necessário
confiar na aliança de Deus conosco, naquilo que Cristo fez por nós, reco-
nhecendo nossa condição de completa dependência de Deus.

ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE

Dikaiwqe,ntej – “justificados”. Verbo no aoristo passivo indicando o


tempo definitivo, pontual, no qual cada pessoa é justificada, o momento
em que ocorre a justificação do pecador. Estando no passivo também
mostra que esta ação vem de fora, não pertence a nós, mas brota do
coração de Deus.

115
Igreja Luterana

O termo, portanto, mostra o caráter justo de Deus sendo ele o jus-


tificador, pelo sangue, daquele que tem fé em Jesus. Ser justificado é o
pronunciamento do pecador como justo mediante a fé no Senhor Jesus.
pi,stewj – “fé”. Aqui denota confiança, crer. Sem fé é impossível
agradar a Deus (Hb 11.6). A fé é o meio que nos liga à graça de Deus.
Por meio da fé em Jesus, a confiança na obra de Cristo por nós, temos
acesso à graça.
ca,rin – “graça”. É a disposição graciosa de dar algo – neste caso,
de Deus em relação ao ser humano. Neste texto se refere ao presente
dado a nós (justificação) por meio da fé em Jesus. É um presente, nós
não o merecemos e não pode ser comprado por algum favor ou obra do
ser humano. Pela fé em Jesus nós estamos nesta graça, na esperança da
glória de Deus.
do,xhj to/u qeo/u – “glória de Deus”. É o que ele essencialmente é e
faz. É manifestado na pessoa de Cristo, em quem essencialemente a sua
glória sempre brilhou. A glória de Deus pela qual ficamos na esperança é
a manifestação completa do seu poder que se dará em forma definitiva
quando estivermos com Cristo no céu.
Até aqui o texto fala sobre o olhar para a esperança na glória de Deus,
a certeza da salvação. A partir do versículo 3, Paulo fala da realidade
vivida aqui neste mundo. E, por isso, ele fala das aflições. Pois mesmo
justificados, ainda teremos aflições neste mundo.
Mas precisamos lembrar que ele, neste texto, está falando sempre
dos já justificados. Para estes, as aflições não são sinônimo de tristeza
ou desespero. E olhando para o texto, podemos resumir como é a vida
de um justificado aqui neste mundo da seguinte forma:
Justificados Passamos por aflições Caráter aprovado
Esperança na glória de Deus
dokimh. – “caráter aprovado”. Significa literalmente a qualidade de ser
aprovado. O verbo, da mesma raiz, dokima,zw, é usado primeiramente aos
metais. Na septuaginta ele é usado em Pv 17.3, onde fala da purificação
da prata e do ouro. De semelhante forma as aflições sempre vêm para
fortalecer, para purificar a nossa fé. Jamais é usada para provar e reprovar,
mas sempre aprovar.
Em 1 Pe 1.7 é usado o mesmo verbo para falar da confirmação da fé
através das provações, assim como o ouro deve ser apurado pelo fogo.
dia. pneu,matoj a`gi,ou – “mediante o Espírito Santo”. A fé que nós dá
a esperança da Vida Eterna é obra do Espírito Santo em nós.
O amor de Deus se mostra quando Jesus morre pelos ímpios (a``sebw/n
- termo que se refere ao incrédulo, aquele que age em contravenção das
ordens de Deus). Esta é a loucura do amor de Deus: morrer por alguém
que não merece. Cristo morre pelos pecadores, não pelos justos.

116
segundo domingo na quaresma

katallage,ntej – “tendo sido reconciliados”. Conjugação do verbo


katalla/ssw que, ao se referir a pessoas, significa mudar de inimizade
para amizade, reconciliar. No que se refere à relação entre Deus e o ser
humano, o uso deste verbo mostra que a reconciliação é a realizada por
Deus, exercendo sua graça para com o homem pecador com base na morte
de Cristo em sacrifício propiciatório devido ao pecado.
A mudança na atitude de Deus para com o pecador mostra o seu grande
amor. Ele nos reconcilia através de Cristo Jesus. Nós somos reconciliados,
nunca Deus. Quando os escritores do Novo Testamento falam sobre o
assunto da ira de Deus, a hostilidade é representada não como da parte
de Deus, mas do homem. E esta é a razão porque o apóstolo Paulo nun-
ca usa sob este aspecto o verbo diallassw, mas sempre katallassw,
porque a primeira denota concessão mútua depois de hostilidade mútua,
ideia ausente no verbo katallassw.

PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

Estamos vivendo em uma realidade onde o ser humano quer resposta


imediata para tudo. Os meios de comunicação nos tornam cada vez mais
imediatistas. Mas muitas coisas nós somente aprendemos com a experi-
ência. E assim é com o sofrimento. Deus permite certos acontecimentos
para que ele possa nos fortalecer na fé e assim nos manter focados na
esperança da salvação em Cristo.
Estamos cercados por denominações cujo slogan é: “Pare de sofrer!
Venha receber uma poderosa oração e seja curado de todas suas enfer-
midades”. Eles ensinam que o sofrimento não pode fazer parte da vida
de um verdadeiro cristão.
Mas o texto nos fala que o sofrimento faz, sim, parte da vida dos cris-
tãos e que Deus permite isto na vida de um cristão não como um castigo,
mas ele é um meio que Deus usa para aumentar a sua fé, assim como o
ouro e prata são purificados.
É claro que nós não queremos ter uma vida de sofrimentos. Mas é
necessário que os vejamos como uma forma de Deus nos aproximar dele.
Deus jamais permite uma aflição para nos afastar dele, mas, pelo contrário,
ele quer nos aproximar da sua graça.
O objetivo de Deus em tudo o que ele faz é manter o ser humano firme
na fé em Jesus, na esperança da salvação. O nosso pedido a Deus não
deve ser de que nos livre das aflições, mas que ele use todos os meios
para nos manter firmes na fé em Jesus.
Outro ponto de fundamental importância e que deve ser lembrado é
de que o ser humano é passivo na sua justificação. A obra é de Deus e
não do ser humano. Isto é necessário que fique bem claro, pois muitas

117
Igreja Luterana

pessoas acreditam que está nelas o poder da justificação.


O período da Quaresma é um momento especial de reflexão. Neste
domingo somos convidados a olhar para o grande presente que Deus nos
deu através de Jesus, a salvação. Que em meio a um mundo preocupado
com muitas coisas saibamos entender que Deus age a nosso favor em
todos os momentos, sempre querendo nos aproximar dele.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Assunto: Deus nos prova e aprova!


Objetivo: Mostrar que tudo o que acontece na nossa vida é usado por
Deus para fortalecer-nos na esperança da sua glória.
Tema: A aprovação de Deus
Desdobramentos:
I. O medo diante das tribulações. Quando passamos por aflições
sentimos medo, isso é natural do ser humano. Não sabemos como reagir
no caso de algo que não estava previsto.
II. A busca por soluções fora de Jesus. Diante das aflições, é comum
a procura de soluções fora de Cristo e isto leva a pessoa ao fracasso, não
só aqui no mundo, mas ao fracasso eterno.
III. Jesus nos justificou. O grande presente dado por Deus através
de Jesus Cristo nos tornou seus filhos e hoje temos a esperança na glória
de Deus. Não existe outro meio de estar em harmonia com Deus. Somen-
te através da fé na obra de Jesus por nós e esta obra já foi totalmente
realizada por Jesus.
IV. Nos gloriamos em Cristo em todos os momentos. Deus nos
aprovou em Cristo Jesus e por isso podemos ter a certeza da salvação,
não importando o que vem a acontecer em nossas vidas. Tudo é obra de
Deus em nosso favor e por isso nos gloriamos.
Conclusão: Já estamos aprovados por Deus porque Cristo morreu por
nós. Tudo o que ele permite em nossa vida é para estarmos cada vez mais
firmados na fé em Jesus e esta é a grande mensagem de consolo.

Clóvis Renato Leitzke Blank


Imperatriz/MA
clovisblank@yahoo.com.br

118
TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA
11 de março de 2012

Salmo 19; Êxodo 20.1-17; 1 Coríntios 1.18-31; João 2.13-22 (23-25)

CONTEXTO (CENÁRIO LITÚRGICO E HISTÓRICO)

O apóstolo Paulo escreve a primeira carta aos Coríntios com o objetivo


de tratar de várias questões que estavam causando dificuldades na igreja
que ele tinha fundado e, portanto, conhece bem os cristãos deste local.
Em nosso contexto Paulo aponta para o cumprimento da lei e o sofri-
mento de cruz por Cristo, que é o suprassumo do evangelho. Sua carta
estava endereçada ao povo de Corinto, que sofria influências por parte
dos judeus e gregos, com suas ideias errôneas, pedindo demonstração
de poder e discursos lógicos para crer em Jesus. Esperavam um Salvador
poderoso e não entendiam como alguém morto numa cruz poderia salvar
o mundo. Paulo diz que o Cristo crucificado é o sinal, a sabedoria e o poder
de Deus para a Salvação. Isto está além das exigências e da capacidade e
compreensão humanas, apontando, desta forma, que a palavra de Deus é
loucura para os sábios e eruditos deste mundo, mas nela está o poder de
Deus para a salvação.

ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE

V. 18: A palavra da Cruz – a cruz ocupa um lugar central na procla-


mação do evangelho. É o ponto climático de uma vida de auto-renúncia
e instrumento designado de salvação.
V. 23: Crucificado – enfatiza o estado de condição. Refere-se primei-
ramente ao Senhor exaltado que, em Sua exaltação, permanece o cruci-
ficado. A crucificação é permanente em sua eficácia e em seus efeitos. A
crucificação constitui o centro vital da fé cristã, mas não é aceitável nem
ao judeu nem ao grego. Cristo é o poder de Deus.
Loucura – tolice, aquilo que produz atos, pensamentos ou fala sem
sentido, pura insensatez sem remédio.
V. 25: Louco – “a coisa louca feita por Deus,” é obra de Deus que o mun-
do considera loucura, mais sábia que os homens com toda a sua força.
Os judeus, que buscavam sinais, estavam cegos para o significado do
maior sinal de todos, quando ele esteve diante deles. Os gregos, amantes
da sabedoria, não puderam discernir a mais profunda sabedoria de todas,

119
Igreja Luterana

quando foram confrontados com ela.


V.30 - Sabedoria – Cristo é a verdadeira sabedoria, a união com Ele
torna o crente verdadeiramente sábio. Paulo argumenta que sob a aparente
“loucura” do Evangelho é a verdadeira sabedoria de Deus encarnada em
Cristo, o qual tomou o nosso lugar para que pudéssemos ser salvos pela
graça que vem pela fé em Cristo.

PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

V. 20: Os sábios e instruídos – faz um paralelo com Jó 12.17; Is 19.12.


Deus tornou a sabedoria humana louca. Paulo tinha como preocupação
demonstrar que nenhuma sabedoria humana serve diante de Deus. A
sabedora deste mundo é loucura – Is 44.25. Este mundo é um espetáculo
passageiro, e a sua sabedoria passa com ele. Deus não somente a des-
considerou. Ele a tornou louca. Paulo não quer que haja nenhuma dúvida
quanto à rejeição divina de tudo quanto repouse numa base de sabedoria
meramente humana.
V. 30: Somos aceitos por Deus – expressão usada por Paulo na Carta
aos Romanos para falar sobre a salvação, que vem de graça de Deus, por
meio da fé que a pessoa tem em Cristo Jesus (Rm 3.22 Rm 3.28).

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Tema: A mensagem da cruz


Assunto:  O destaque entre sabedoria e loucura. Paulo afirma que
sabedoria humana é loucura para Deus e a sabedoria de Deus é loucura
para o homem.
1. Loucura para os que se perdem 
A mensagem da Cruz é loucura e escândalo para os que se perdem.
Vivemos numa sociedade que tem os seus valores fundamentados na bus-
ca pela sabedoria humana e, assim sendo, é loucura e escândalo crer na
mensagem do amor de Deus. Para os que se perdem, a cruz é o símbolo
máximo de derrota e fraqueza.
2. Poder de Deus para a salvação
Para aqueles que crêem, é o poder de Deus, pois depositam toda a
sua confiança na mensagem da cruz e ela se torna o poder para salvação
de todo aquele que crê.

3. Cristo é a nossa sabedoria e o nosso poder


A mensagem da cruz revela o o amor de Deus e esse nos constrange.
– Nós amamos porque ele nos amou primeiro. Assim, a mensagem do
evangelho se torna a sabedoria de Deus. “Não se envergonhe do evange-

120
terceiro domingo na quaresma

lho, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (Rm
1.16).

Elmer E. Link
Canoas/RS
elmerlink@gmail.com

121
QUARTO DOMINGO NA QUARESMA
18 de março de 2012

Salmo 107.1-9; Números 21.4-9; Efésios 2.1-10; João 3.14-21

O TEXTO EM SEU CONTEXTO

No ano 52 d.C., ao final de sua segunda viagem missionária, o apóstolo


Paulo para por pouco tempo na cidade de Éfeso. Foi logo até a sinagoga
local e deu testemunho aos judeus de que Cristo é o Messias esperado
e anunciado no AT. Não ficou muito tempo na cidade, mas voltaria lá em
sua próxima viagem missionária.
Paulo, no início de seu trabalho, fica basicamente na sinagoga, pre-
gando a fim de converter os judeus à fé cristã. Depois saiu da sinagoga e
foi para uma sala na escola de Tirano, onde monta uma equipe composta
por: Epafras (Cl 1.7; 4.12,13), Timóteo, Erasto (At 19.22), Gaio e Aris-
tarco (At 19.29). Ali, durante dois anos, trabalham para a conversão dos
gentios a fim de que “todos os habitantes da Ásia ouvissem a palavra do
Senhor...” (At 19.9,10).
Paulo ficou bastante tempo na cidade, mas isso é fácil de entender: a
cidade era o centro do culto pagão da deusa Diana, “a majestade daquela
que toda a Ásia e o mundo adoram” (At 19.27). O templo de Diana foi
eleito uma das sete maravilhas do Mundo Antigo. É nesse contexto que
Paulo prega, e é de fácil compreensão a ênfase que Paulo dá na Salvação
em Cristo e nas Obras, sem separação.

REFLEXÃO HOMILÉTICA

Buscando uma linha de raciocínio, olhemos para os textos do domingo


e vejamos o que eles têm em comum, principalmente o evangelho e a
epístola. O mais óbvio é o amor de Deus pelo ser humano caído em pecado.
Olhando para o evangelho vemos que: “O filho do homem foi levantado...
para que todo o que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo
3.15-16). “Deus AMOU o mundo...” (Jo 3.16). Deus não amou somente
as pessoas, mas o MUNDO, pois não veio julgá-lo, mas veio salvá-lo. Na
epístola, Paulo reafirma isso com bastante ênfase: “ele nos deu vida”...
“Deus sendo rico em misericórdia por causa do seu grande AMOR... nos
deu vida com Cristo – pela graça somos salvos”.
Esse é o aspecto da salvação, que é totalmente imerecida por nós, a
qual é a maior demonstração de amor já vista, pois podemos perceber

122
quarto domingo na quaresma

que Deus providenciou a nossa salvação não por interesse, mas por graça
e infinito amor.
Agora quero chamar a atenção para outro fator que nos costuma pas-
sar despercebido. Jo 3.20,21 fala dos que praticam boas obras e dos que
não praticam boas obras: “quem pratica a verdade aproxima-se da luz,
a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque feitas em Deus”.
Ef 2.10 afirma: “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para as
boas obras”.
Ofuscados pelo brilho do amor de Deus, impressionados com a forma
tão inesperada de salvação por graça e misericórdia, esquecemos de que
o verdadeiro cristão não é o que conhece a sua salvação e cruza os bra-
ços. Nós fomos trazidos à vida pelo amor do SENHOR, somos organismos
vivos em Cristo e não devemos, não podemos ficar parados com medo de
pregar sobre as obras por causa da pura doutrina.
Por isso os nossos ouvintes precisam ser levados a enxergar que
“aquele que não encontrar Cristo em meio aos pobres e necessitados
ainda não tem a fé verdadeira”, porque a fé se manifesta no amor, nunca
na omissão e na passividade.
Não somos salvos por obras, “para que ninguém se glorie”, mas somos
“criados para as boas obras”, que são feitas no mundo para o mundo – por
isso o cristão olha para a criação e se importa com ela. Com os pobres,
desabrigados, os que passam frio, com a poluição, o desmatamento, com
a corrupção.
A vida que temos em Cristo, conquistada por ele na cruz, precisa ser
vivida, já aqui, ainda que, não completamente como na nova terra.

OBJETIVOS

Levar o ouvinte a despertar para o tamanho do amor de Deus por


ele, que é salvo por Jesus, mas que com essa obra de Cristo, deixamos
de ser mortos e nos tornamos organismos vivos para a prática de ações
no mundo.

Tema: Salvos para a ação


Por quê? Pela graça de Deus somos salvos
Por quê? Salvos nos tornamos vivos
Para quê? Para praticarmos a fé em favor do MUNDO.

Elemar Frederico Reus


Curitibanos/SC
elemarreus@yahoo.com.br

123
QUINTO DOMINGO NA QUARESMA
25 de março de 2012

Salmo 119.9-16; Jeremias 31.31-34; Hebreus 5.1-10;


Marcos 10.(32-34) 35-45

CONTEXTO LITÚRGICO

O Quinto Domingo na Quaresma tradicionalmente era conhecido como


“Judica”, nome derivado do Introito daquele domingo “Judica me, Deus”
– “Faze-me justiça, ó Deus” (Salmo 43.1). Em alemão esse domingo é
chamado de Schwarzer Sonntag, devido ao costume de velar (cobrir com
um pano negro) as cruzes, bem como as estátuas dos santos na igreja.
Uma solene preparação para os eventos que ocorrerão durante a Semana
Santa.
Há vários temas que recebem a nossa atenção na proclamação do so-
frimento e morte de Cristo durante o período de Quaresma. Destacamos
apenas dois: Primeiro, a proclamação da Paixão de Cristo confirma a nossa
séria condição de pecadores e a necessidade de arrependimento sincero.
Segundo, este certamente está relacionado com a temática deste domingo,
lembra que a Paixão de Cristo foi uma obra substitutiva em favor de todos
os pecadores, quando Cristo, como sumo sacerdote, entrou no Santo dos
Santos e ofereceu o seu próprio sangue como sacrifício, obtendo assim a
nossa eterna redenção (cf. Hebreus 9.11-15).
No Salmo do dia, o salmista ora pedindo que Deus guarde o seu
caminho e o mantenha perto de seus mandamentos, pois ele não quer
pecar contra o Senhor (Salmo 119.9-11). A leitura do Antigo Testamento
(Jeremias 31.31-34) fala da nova aliança que Deus fará com Israel, uma
aliança que promoverá mudança no coração e perdão dos pecados. De-
vido a essa aliança, Deus promete ao seu povo que jamais se lembrará
de seus pecados. A Epístola (Hebreus 5.1-10) aponta para o Filho que se
tornou perfeito por meio do sofrimento, conquistando a salvação eterna
para todos aqueles que lhe obedecem, cumprindo não apenas a nova
aliança estabelecida pelo Pai, mas também se tornando sua garantia (cf.
Hebreus 7.18-22). O Evangelho (Marcos 10.(32-34) 35-45), por sua vez,
inicia com Jesus predizendo sua morte pela terceira vez (as outras duas
vezes acontecem em Marcos 8.31,32 e 9.30-32), mas o clima muda com
o pedido inusitado de Tiago e João, quando ambos pedem a Jesus que
gostariam de sentar-se ao seu lado quando ele estivesse em sua glória.
Jesus então redireciona todo o grupo para aquilo que importa – a cruz;

124
quinto domingo na quaresma

seguir a Jesus significa também servir, ao ponto de sofrer e morrer! Jesus


deixa claro que ele não veio para estabelecer um reino terreno, mas veio
para morrer como servo de todos, dando a sua vida em resgate por muitos,
conseguindo para nós, de uma vez por todas, a salvação eterna.

TEXTO E CONTEXTO

Ao abordar esse texto, o pregador terá muito a ganhar em termos de


proclamação do evangelho, se considerar não apenas o texto diante de
si, mas também o que o autor da Epístola [na verdade, a Epístola aos
Hebreus é um sermão – palavra de exortação – Hebreus 13.22, com uma
breve carta em anexo – Hebreus 13.20-25] diz no contexto imediato
(Hebreus 4.14-16), bem como no contexto mais amplo (Hebreus 7.1-28;
9.11-15).
V. 1: O autor inicia dizendo que o sacerdócio, em sua natureza, tem
dois aspectos, um humano, o outro divino. É essencial que o sacerdote
seja parte da comunidade – escolhido entre os homens –, pois ele a re-
presenta, mas o seu trabalho tem a ver com as coisas de Deus – nomeado
para servir a Deus – especialmente no que se refere a oferecer ofertas e
sacrifícios pelos pecados em favor do povo. Aqui é importante notar a voz
passiva do verbo kaqi,stemi, o sacerdote era escolhido, apontado por Deus
para a função de sacerdote, ele não se autoconstituía sacerdote.
Vv. 2,3: Outra qualidade importante no sacerdote é que ele pudesse
se identificar com a dor e a miséria humana, mas certamente isso não
era tão difícil para ele, já que ele mesmo tinha suas próprias fraquezas
e lutava com seus pecados. Consciente de suas próprias fraquezas, o
sumo sacerdote podia assim controlar os seus sentimentos de indigna-
ção, repulsa e impaciência, quando alguém vinha buscar sua ajuda. E se
havia ainda alguma dúvida quanto a sua própria condição, o sacerdote
era lembrado de seus próprios pecados, quando no Dia da Expiação, ele
tinha que, primeiro, oferecer um sacrifício pelos seus próprios pecados
e pelos pecados de sua casa, antes mesmo de poder oferecer sacrifícios
pelo povo (Levítico 16.6; Hebreus 5.3).
V. 4: Esse versículo enfatiza o que já havia sido afirmado no v.1, que
o sumo sacerdote era escolhido por Deus. A expressão ouvc e`autw|/ for-
talece a negação de que ninguém, de forma nenhuma, pode tomar essa
iniciativa, exceto Deus. Um verdadeiro sumo sacerdote não entra no
sacerdócio para realizar uma ambição pessoal, mas Deus lhe confere o
ofício para que este o sirva e oficie de acordo com seus propósitos, como
era o caso de Arão (Êxodo 28.1). Todavia, durante os dias de Cristo, o
sumo sacerdócio estava nas mãos de uma família, que havia adquirido o
seu controle absoluto.

125
Igreja Luterana

Vv. 5,6: Agora que o autor deixou claro quais são os requerimentos
necessários para alguém se qualificar ao sacerdócio levítico, a saber: ser
humano (v.1), empático (v.2) e humilde (v.4); ele passa a mostrar que
Cristo também tem essas qualificações e muito mais. Ele afirma que Cristo
não buscou o sacerdócio por sua própria iniciativa, pois ele não tinha ne-
nhuma ambição de glória pessoal. Ao contrário, Deus o consagrou para o
ofício sacerdotal, pois Jesus é Filho de Deus, cuja missão messiânica era
ser o supremo sacrifício pelos pecados da humanidade. Citando o Salmo
2.7 (anteriormente citado em Hebreus 1.5) o autor enfatiza que Cristo
foi divinamente nomeado, ele não teve um “chamado interno”, mas foi
designado por Deus para servir nessa função.
A segunda citação é o Salmo 110.4, um dos Salmos mais mencionados
no Novo Testamento (17 vezes) em referência a Cristo (cf. Hebreus 1.13)
e a razão é clara: Cristo é muito maior que Arão, pois ele é sacerdote
segundo a linhagem de Melquisedeque. Jesus é Rei-Sacerdote eterno;
Arão, o primeiro Sacerdote levítico, jamais pode fazer tal reivindicação.
Melquisedeque foi o sacerdote e rei que abençoou Abraão e dele recebeu
ofertas (Gênesis 14.18-20; Hebreus 7.2,4). Como Melquisedeque, Cristo
também é verdadeiro sacerdote, mas de um sacerdócio eterno, já que é
Filho de Deus.
Cristo é sacerdote para sempre. Que magnífico contraste entre Cris-
to e os demais sacerdotes do Antigo Testamento! Esses vinham e iam,
tinham um tempo determinado para atuar, mas não com Cristo! Ele não
tem sucessor, o seu sacerdócio é eterno, Cristo continuamente intercede
em nosso favor diante do Pai no céu (cf. 1 João 2.1).
Vv. 7,8: O leitor agora é lembrado que Cristo não era apenas sacerdote
dentre o seu povo, mas também era verdadeiro homem. Ele suplicou para
Deus em alta voz e lágrimas (certamente uma referência à sua agonia
no Getsêmani e também na cruz). Como homem, ele pediu ao Pai que o
livrasse daquilo que estava diante dele. Como homem, ele buscou a ajuda
de Deus, sabendo que ele poderia livrá-lo. Todavia, ao clamar por Deus,
Cristo submeteu-se à vontade do Pai. Deus respondeu a oração de Cristo,
enviando um anjo para confortá-lo e fortalecê-lo para poder suportar a
cruz (Lucas 22.39-46). A oração de Cristo também foi ouvida, no feliz
desfecho de sua ressurreição. A frase “e tendo sido ouvida por causa da
sua piedade” expressa a mais profunda humanidade de Cristo, pois ele
conquistou a atenção de Deus não por causa de sua filiação, mas sim,
devido à sua submissão como homem à vontade de Deus.
“Aprendeu a obediência...” Essa obediência não implica imperfeição ou
mesmo pecado por parte de Jesus. A palavra obediência é uma referência
à queda em pecado, quando, devido à desobediência de Adão, muitos se
tornaram pecadores; agora muitos se tornam justos, por meio da obedi-
ência de Cristo (cf. Romanos 5.19).

126
quinto domingo na quaresma

Vv.9,10: “Tendo sido aperfeiçoado...” como no versículo anterior, não


significa que Jesus era imperfeito e precisava ser aperfeiçoado de alguma
forma para cumprir a sua missão, de forma nenhuma! Em Hebreus, teleio,w
jamais significa uma perfeição moral. Aqui o verbo dá mais a entender
que “Cristo foi levado à sua meta final”, ou seja, à obediência por meio
do seu sofrimento. Desta forma, ele estava perfeitamente preparado para
ser o nosso sumo sacerdote, o Autor da salvação!
Tendo feito completa expiação de todos os pecados por meio de sua per-
feita obediência, ao ponto de morrer, Cristo se tornou a fonte da salvação
eterna para todos os que lhe obedecem; ou seja, todos aqueles que creem
que o sacrifício de Cristo pagou pelos seus pecados. Por sua ressurreição
e ascensão Deus nomeou a Cristo como eterno Sumo Sacerdote (Hebreus
4.14), para ser nosso mediador diante de Deus, devido ao seu completo
sacrifício realizado uma vez por todas (Hebreus 9.11-12), outro belo con-
traste entre Cristo e os demais sacerdotes do Antigo Testamento.
Aqui cabe um breve comentário com relação à frase “todos os que lhe
obedecem”. Como foi mencionado acima, obediência nesse caso significa
fé. Na Escritura, a Palavra que leva à fé é algumas vezes denominada
“mandamento” (cf. 1 João 3.23). Mas isso não quer dizer salvação por
obras, ou méritos próprios, mas sim, salvação baseada em Cristo, por
graça (cf. Hebreus 2.9; 4.16; 9.26,28; 13.9, 25; Efésios 2.8-9; Romanos
3.28). “Mandamento” não quer dizer que alguém, por sua própria vontade
corrupta, possa obedecê-lo, ou seja, crer (cf. Romanos 8.7), mas apenas
como alegre resposta à dádiva da fé (Atos 16.34; Romanos 5.2), a qual é
sempre obra criadora de Deus (1 Coríntios 12.3; João 1.12,13).

PONTES E PONTOS DE CONTATO

Há vários aspectos neste texto a serem levados em consideração,


tendo em vista o sermão. Um deles tem a ver com a doutrina da nature-
za humana e divina de Cristo, bem como sua obediência ativa e passiva.
Perguntas que podem ajudar nessa reflexão seriam: Para que fim o Filho
de Deus se fez homem? Por que Jesus tinha que ser verdadeiro homem?
Por que Jesus tinha que ser verdadeiro Deus? Aqui, o Catecismo Menor se
torna um recurso valioso para o pregador, se desejar abordar perguntas
como essas em sua mensagem.
Como o nosso contexto religioso brasileiro é recheado de santos e
padroeiras, seria oportuno enfatizar o ofício sumo sacerdotal de Cristo.
Nenhuma pessoa no mundo, mesmo viva ou morta, nem Maria, José,
São Pedro ou mesmo São Paulo, podem servir como intermediários entre
Deus e nós. Todavia, precisamos de um, ou Deus terá que lidar conosco
como um Juiz severo. Quando temos o verdadeiro intermediário ao nosso
lado, Deus lida conosco como um Pai amoroso e perdoador. O papel do

127
Igreja Luterana

intermediário é crucial, se queremos ter uma relação próxima e amorosa


com Deus. Cristo não só cumpriu a Lei em nosso lugar, mas sacrificou a
si mesmo pelos nossos pecados e ainda hoje intercede por nós diante do
Pai no céu. O texto deixa claro que temos um intermediário eficaz diante
de Deus, Jesus Cristo, o nosso Grande Sumo Sacerdote.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

A meu ver, uma forma de abordar o ensino do texto no sermão seria


comparar e contrastar o ofício sumo sacerdotal de Cristo com os demais
sacerdotes do Antigo Testamento. Um tema que poderia servir de guia
para essa reflexão seria, Sacerdotes, Sacerdotes... e o Grande Sumo
Sacerdote.
Como introdução, o pregador poderia iniciar o seu sermão assim: A
baixa temperatura faz com que eles fiquem bem próximos uns dos ou-
tros, alguns estão deitados no canto, outros estão de pé e ainda outros
caminham de um lado para o outro no apertado curral... mas todos estão
de olho no homem, o homem parado perto do portão. Ele se inclina sobre
a cerca e olha cuidadosamente o rebanho, tentando descobrir quais dos
cordeiros ele irá alimentar e quais ele irá escolher para o sacrifício da
manhã. É um dia festivo e especial entre o povo de Deus, dia sagrado.
Mas ele sabe que no dia seguinte ele vai estar de volta e terá que escolher
novamente, e assim será no outro dia e no outro dia... essa é a vida do
sacerdote.

I – Sacerdotes, Sacerdotes...
1. Escolhidos por Deus e nomeados para servir a Deus em favor do
povo (vv.1, 4)
2. Requerimentos necessários:
- Homem do povo (v. 1)
- Empático (v.2)
- Humilde (v.4)
3. Sua função:
- Ouvir o povo em suas necessidades (v.2)
- Confortar pecadores ignorantes e os que erram (v.2)
- Oferecer sacrifícios pelos pecados do povo (v.3)
- Problema: Sacerdotes eram imperfeitos e pecavam (v.3)
4. Sacerdotes eram transitórios
- Arão, Nadabe, Abiú, Eleazar, Itamar, etc., (Êxodo 28.1; Hebreus
7.23)

128
quinto domingo na quaresma

II – Cristo, O Grande Sumo Sacerdote



1. Escolhido por Deus e nomeado para servir a Deus em favor do povo
(vv.5-9)
2. Suas qualificações:
- Deus e Homem (vv.5-6, 7; João 20.28; 1 Timóteo 2.5; João
1.14)
- Empático (vv.7,8,9; Hebreus 4.15)
- Humilde (vv.5,7-9; Filipenses 2.6-8)
3. Sua função:
- Cumprir a Lei em nosso lugar (Hebreus 4:15; Gálatas 4.4-5;
Romanos 5.19)
- Oferecer a si mesmo como perfeito sacrifício pelos nossos pecados
(vv.7-8; Hebreus 9.11-12)
- Solução: Jesus era perfeito e jamais pecou, tornando-se assim o
Autor da salvação eterna de todos aqueles que nEle creem! (v.9;
Hebreus 7.26,27)
4. Cristo, Sumo Sacerdote para Sempre
- Porque Cristo é Sumo Sacerdote para sempre, ele continua advo-
gando a nossa causa continuamente perante o nosso Pai no céu
(Hebreus 7.23-25; 1 João 2.1-2).

Como conclusão, sugiro que o pregador continue na mesma linha da


introdução, ao dizer: E assim, dia após dia, o sacerdote ia ao curral, em
busca de um novo cordeiro para o próximo sacrifício... até o dia que veio
o Grande Sumo Sacerdote, mas ele não caminhou em direção ao curral,
em busca de um novo cordeiro para o sacrifício, ao invés, ele caminhou
em direção à cruz e, ali, sacrificou a si mesmo como o Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo! (João 1.29).

Ely Prieto
San Antonio, Texas/USA
elyp@lincsa.org

129
Domingo de Ramos/
Domingo da Paixão
1 de abril de 2012

Salmo 118.19-29 ou Salmo 31.9-16; Zacarias 9.9-12;


Filipenses 2.5-11; Marcos 14.1-15.47 ou Marcos 15.1-47
[ou Marcos 11.1-10] ou João 12.20-43

CONTEXTO HISTÓRICO/LITÚRGICO

O grande acontecimento lembrado e celebrado no Domingo de Ramos


é a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, montado em um jumentinho,
conforme registra o evangelho desta perícope em Marcos 11.1-10.
Cabe destacar que o texto do Antigo Testamento desta perícope, Za-
carias 9.9-12, é uma profecia a respeito da entrada triunfal de Jesus em
Jerusalém. Conforme Zacarias 9.9: “Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta,
ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde,
montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta”.
A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém aponta, entre outros, para
o aspecto messiânico deste rei – o Rei Jesus. Jesus veio para anunciar a
paz às nações, e não para fazer guerra (Zc. 9.10). Um rei que viesse para
fazer guerra teria que vir montado em um cavalo, visto que o cavalo era
o “carro de guerra” da época (Pv 21.31).
Apesar de Jesus ter entrado de forma humilde em Jerusalém, montado
em um jumentinho, ele foi recebido da mesma maneira como reis e as
altas autoridades da época eram recebidos: o povo estendeu suas vestes
(ou capas) no caminho pelo qual Jesus ia passar (2 Reis 9.13).
Dentro deste contexto vivido pelos judeus, nos dias que antecederam a
morte de Cristo, cabe a pergunta: o que as pessoas que receberam Jesus
de maneira tão honrosa esperavam que Ele fizesse? As pessoas clama-
vam ‘hosana’, palavra de origem hebraica que significa ‘salva-nos agora’
(esta palavra também significa ‘louvado seja Deus’). Os judeus estavam
cansados de serem oprimidos pelo império romano. Eles desejavam ar-
dentemente a volta do reino de Davi (Zc 11.10). Os judeus queriam que a
sua soberania como estado lhes fosse devolvida. O seu orgulho como povo
estava ferido pela dominação estrangeira. Certamente, foi este o motivo
pelo qual a palavra ‘hosana’ saiu da boca de tantas pessoas naquele dia.
Livrar o povo judeu das mãos do império romano era urgente. Por isso, o
brado estava na boca do povo: ‘hosana – salva-nos agora’.

130
domigo de ramos/domingo da paixão

As pessoas esperavam que o reinado do Messias, que entrou humilde-


mente em Jerusalém, seria de um modo. No entanto, Jesus mostrou qual
era o aspecto, o sentido deste reinado quando Ele entregou sua vida em
favor de seus “súditos” na cruz. O rei que entrou em humildade na capital,
que veio para anunciar a paz às nações, se esvazia de sua glória na cruz
em favor de seus “súditos”. Esta foi a forma pela qual Jesus respondeu
as expectativas que pesavam sobre Ele. Jesus não salvou os judeus do
domínio romano, mas salvou toda humanidade do domínio do maligno.
Infelizmente, muitos, tanto na época de Jesus quanto hoje, não creram e
não compreenderam o verdadeiro sentido do seu reinado.
O texto da epístola de Filipenses 2.5-11 aponta de forma clara, e ao
mesmo tempo poética, para este sentido.

O TEXTO

Antes de analisar o texto de Filipenses 2.5-11, cabem algumas breves


palavras acerca do contexto no qual ele está.
Entre os versículos de Filipenses 1.27-2.4, o apóstolo Paulo está exor-
tando os filipenses a viverem por modo digno do evangelho de Cristo,
estando firmes no mesmo espírito, para que não sejam intimidados pelos
adversários. Paulo aconselha de forma veemente que os filipenses vivam
em união uns com os outros: “completai a minha alegria, de modo que
penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma,
tende o mesmo sentimento” (Fp. 2.2). Era esta a união – união verda-
deira, de sentimentos e de atitudes – que o apóstolo Paulo desejava que
houvesse entre os filipenses. Para que tal união fosse possível, os filipen-
ses teriam de fazer todas as coisas sem partidarismo, sem vanglória, em
espírito de humildade, considerando as outras pessoas superiores a si
mesmas (Fp. 2.3).
Após falar estas palavras sobre a importância da humildade no relacio-
namento para com os irmãos na fé, o apóstolo Paulo mostra, nos versículos
5-11, como o próprio Jesus foi humilde, e o modo como esta humildade
foi decisiva para a salvação das pessoas. Estes versículos fundamentam
solidamente a argumentação do apóstolo Paulo nos versículos anteriores.
Paulo aponta, nestes versículos, para a atitude de Cristo – atitude de hu-
mildade. Os versículos 6-11, em especial, apresentam de forma poética
a humilhação de Cristo, bem como a sua exaltação, sendo constituído
por Deus Pai como Senhor do universo. Possivelmente, as palavras dos
versículos 6-11 formaram um hino que fez parte do culto cristão daquele
tempo.
Seguem, abaixo, algumas observações sobre expressões que se des-
tacam neste texto:

131
Igreja Luterana

a) V. 5: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve tam-


bém em Cristo Jesus”. Este versículo é uma conexão da exortação que
o apóstolo Paulo faz aos filipenses nos versículos anteriores para com o
assunto dos próximos versículos: a humilhação de Cristo. Este versículo
exorta os filipenses a que tenham o mesmo fronei,sqw que houve em
Cristo Jesus. ARA traduz a palavra fronei,sqw por ‘sentimento’, enquanto
a NTLH utiliza as palavras ‘modo de pensar’ para expressar o significado
desta palavra. O fronei,sqw de Jesus foi de humildade, pois fez com que
Ele se esvaziasse de sua glória em favor de quem não era digno de tão
grande presente. Os filipenses deviam ter este mesmo fronei,sqw por
seus irmãos, considerado-os superiores a si mesmo, tal como Cristo fez
em relação ao ser humano, quando assumiu a forma de servo.
b) V.6: “pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou
como usurpação o ser igual a Deus”. Este versículo esclarece uma
questão cristológica de suma importância: Jesus sempre foi e sempre será
Deus (João 1.1,2). O servo sofredor era Deus, tinha a mesma natureza
de Deus e subsistia em forma de Deus. Pelo fato de que Jesus era, é e
sempre será verdadeiro Deus, não haveria nada de errado caso Jesus se
revelasse em poder. Jesus é Deus, portanto, ele não estaria usurpando
nada de alguém caso se apresentasse a humanidade em toda a sua glória.
Caso Jesus se apresentasse em poder aos homens, Ele somente estaria
demonstrando tudo o que Ele realmente era.
De acordo com Davidson1, esta passagem de Filipenses apresenta as
idéias de ‘essência’, ‘forma’ e ‘figura’. “Essência, existência ou ser são
fundamentais e devem existir em alguma forma... Forma é a expressão
permanente da existência... A figura, no entanto, é transitória.” A figura ou
aspecto podem mudar, mas a essência permanece. Tendo por base estes
conceitos, Davidson ainda afirma que Jesus Cristo “existiu primeiramente
na forma de Deus, uma forte afirmação de sua deidade essencial e na
encarnação e aniquilamento de Si mesmo Ele adotou a forma de servo o
que resultou em se tornar homem, tornando-se seu ser na semelhança
de homem”.
c) V.7: “antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma
de servo, tornando-se em semelhança de homens.” Apesar de ser
verdadeiro Deus, Jesus não “optou” por apresentar sua glória aos seres
humanos. A humilhação de Jesus Cristo não acontece apenas na semana
da paixão, ou no momento no qual Ele morreu na cruz. A humilhação de
Jesus Cristo ocorreu desde o momento de sua encarnação. Foi neces-
sário Jesus esvaziar-se de toda a sua glória, de todo o seu poder, para
que Ele pudesse ser concebido no ventre da virgem Maria – assumindo

1 DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia. 3 ed. São Paulo: Vida Nova, 1995, p.
1277.

132
domigo de ramos/domingo da paixão

a forma de homem; nascer em uma estrebaria; fugir para o Egito; ser


filho de um carpinteiro; morar na singela Nazaré; convocar pessoas “nada
qualificadas” – de acordo com os critérios da época – para serem seus
discípulos; entrar em Jerusalém montado em um jumentinho; e, por fim,
sofrer e morrer.
Embora Jesus houvesse se esvaziado de seus grandes poderes, muitas
vezes, Ele dava algumas pequenas demonstrações do mesmo. As pala-
vras e o modo de agir de Jesus em cada situação que se lhe apresentava
demonstram por si só o grande poder que estava por trás de Jesus.
A expressão ‘a si mesmo se esvaziou’ é de grande significado. Ela de-
monstra o grande amor de Jesus pela humanidade. Jesus não foi constran-
gido a se desfazer de seus poderes; ao contrário: Jesus se desfez de seus
poderes de forma voluntária. Este ‘esvaziar-se’ de Jesus tornou possível
a salvação dos seres humanos. Sem o ‘esvaziar-se’ não haveria salvação.
Deus é imortal. Caso Jesus não se desfizesse, por um certo tempo, de seus
poderes, ele não sofreria, não morreria, e a salvação da humanidade seria
impossibilitada. Mas o grande amor contido no coração de Deus permitiu
que Jesus se desfizesse daquilo que era seu, por direito. Isto se chama
graça – favor imerecido, pela qual aquele que crê é salvo.
d) V.9: “Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira...”. Jesus
sofreu e morreu. No entanto, após todo este esvaziar-se, Deus o exaltou.
Jesus venceu a morte, e está sentado à direita de Deus Pai. Diante do
nome de Jesus todo joelho deve dobrar-se, tanto no céu como na terra,
e toda língua deve confessar: Jesus Cristo é o Senhor.

PONTO DE CONTATO

Humildade de Cristo (esvaziar-se) x orgulho humano (encher-


se). Jesus Cristo era Deus. No entanto, não foi na forma ‘completa e glorio-
sa’ de Deus que Ele apareceu perante a humanidade. Ele esvaziou-se.
Enquanto Jesus, no seu fronei,sqw, esvaziou-se, a tendência huma-
na é contrária: encher-se. Enquanto Jesus esvaziou-se para colocar-se
abaixo da humanidade – como servo, o sentimento ou modo de pensar
(fronei,sqw) do ser humano, em geral, é justamente o contrário. O ser
humano tem a ‘necessidade’ de ‘estar por cima’, de ser o primeiro, de
destacar-se. As pessoas que não estão em destaque têm pouco valor para
a sociedade em geral. Somente o primeiro, aquele que está em destaque,
tem valor para a sociedade.
Muitas pessoas, percebendo que a sociedade/família não as valoriza,
tendem a encher-se. Como? Através de autoelogios, rebaixando outras
pessoas para colocarem-se acima delas, contando o lado da história em
que somente elas levam vantagem.

133
Igreja Luterana

Enquanto o fronei,sqw de Jesus é o de esvaziar-se, o do ser humano,


em geral, é o de encher-se. Jesus esvaziou-se do seu poder, o ser hu-
mano vive a inflar-se de orgulho. O ser humano, por si só, não consegue
esvaziar-se. É necessário que Cristo nos esvazie. Para sermos salvos, é
necessário que Jesus nos esvazie desse orgulho – pois tal orgulho leva,
inclusive, o ser humano a pensar que pode alcançar a salvação mediante
obras. Também é necessário que Jesus nos esvazie para que tenhamos
um relacionamento melhor com o nosso próximo.

SUGESTÕES DE USO HOMILÉTICO

a) Assunto: A humilhação de Jesus Cristo.


b) Objetivos: Trazer ao coração e mente das pessoas o quão grande
é o amor de Deus Pai e de Jesus Cristo em nosso favor, a ponto de levar
Jesus a esvaziar-se de seus poderes para compartilhar do sofrimento do
ser humano.
c) Tema: Jesus se esvaziou por amor a nós.
d) Desdobramentos:
Introdução. A exortação de Paulo aos filipenses à humildade (vv.
1-5).
Desenvolvimento.
Parte 1. Jesus subsistia em forma de Deus (v. 6).
Parte 2. Jesus assumiu a forma de servo – Ele esvaziou-se (vv. 7,8).
Parte 3. O esvaziar-se de Jesus x o encher-se do ser humano. Nosso
sentimento e modo de pensar humano mostram que não é fácil ‘esvaziar-
se’. Visto que este ‘esvaziar-se’ é algo que caminha longe da humanidade,
sendo possível somente através do poder de Jesus, ele nos dá a dimensão
de tão grande amor que Jesus sentia para realizar este ato.
Conclusão. O esvaziar-se de Jesus tornou possível a nossa salvação.
Nós também necessitamos ser esvaziados por Cristo – pois em nós não há
nada que nos salve. Necessitamos que Ele nos esvazie de nosso orgulho
para percebermos que não conseguimos conquistar a salvação por nossos
atos, e encha o nosso coração de fé – para então, sim, sermos salvos.
Necessitamos que Jesus nos esvazie de nosso orgulho, para que o nosso
relacionamento com o próximo se torne melhor. Necessitamos, dia a dia,
ser transformados por aquele que se esvaziou em amor por nós.

Fábio André Neumann


Pedras Altas/RS
fabioandredeco@yahoo.com.br

134
QUINTA-FEIRA SANTA
5 de abril de 2012

Salmo 116.12-19; Êxodo 24.3-11; 1 Coríntios 10.16,17;


Marcos 14.12-26

CENÁRIO HISTÓRICO

A carta de Paulo aos Coríntios desvenda que na era apostólica as co-


munidades cristãs passavam por desafios e problemas muito semelhantes
aos encontrados hoje em dia. Alguns cristãos coríntios não viam problemas
em viver uma vida dupla. Participavam da comunidade e comungavam com
os irmãos, ao mesmo tempo em que frequentavam festas pagãs e comiam
a carne sacrificada aos ídolos. Quando questionados, argumentavam que
como apenas um Deus existia de fato, e os ídolos nada eram, logo, não
poderia ser errado participar dessas festas. A visão desses cristãos que
se sentiam tão seguros em seus argumentos é colocada à prova por Paulo
no capítulo 10. O versículo 12 dá a tônica do capítulo: “Aquele, pois, que
pensa estar em pé, veja que não caia”.

CENÁRIO LITÚRGICO

A data litúrgica é a Quinta-feira Santa. A noite na qual Jesus é traído,


institui a Santa Ceia e é preso. É uma noite de definição. Noite de lembrar
as palavras de Jesus: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se ne-
gue, tome a sua cruz e siga-me”. Nesta noite foi instituído o Sacramento
da Comunhão e grandes promessas de fidelidade foram feitas ao Mestre.
Porém, pouco depois nos deparamos com discípulos que dormem, fogem
e negam Jesus. Judas definitivamente revela em qual lado está. A fé e a
incredulidade lutam no coração de quem contempla a paixão de Cristo.
Crer em um deus parece fácil, mas levantar os olhos para o Cristo preso,
humilhado e crucificado em nosso lugar é pedir demais para a razão hu-
mana. Deus, porém, providencia um alento para os seus. A instituição da
Santa Ceia é socorro divino. É fortalecimento para o fraco. Perdão para o
pecador que reconhece não haver forças em si mesmo.

ANÁLISE DO TEXTO

V.16: Perguntas retóricas - Faz parte do estilo de Paulo o uso de per-


guntas retóricas. Geralmente presumem uma resposta positiva.

135
Igreja Luterana

V.16: “comunhão do sangue/corpo de Cristo” - Fala sobre o que a Ceia


é. Não apenas pão e vinho, mas o corpo e sangue de Cristo recebido por
todos que participam da Ceia, em todos os tempos e lugares. A Ceia nos
liga a toda a Igreja porque nos liga a Cristo que é o cabeça.
V.17: “somos unicamente um pão, um corpo” - Ser cristão não é apenas
pertencer a um grupo ou associação. É uma realidade de vida, integral e
total. Incompatível com o associar-se a outros (ídolos). As divisões entre
os coríntios são insensatas do ponto de vista cristão. Surgem da arrogân-
cia humana. O povo de Deus precisa ser lembrado que todos recebem e
participam do mesmo Cristo. O Espírito é o mesmo. O Batismo é o mesmo.
A fé é a mesma. O corpo é o mesmo. Este é o tema que permeia toda a
epístola (ver mais em 1 Co 12)

PROPOSTA HOMILÉTICA

Moléstia: O orgulho do ser humano que muitas vezes pensa ter força
para manter-se na fé ou por si mesmo estar em Cristo. Esta arrogância
espiritual gera indiferença e consequentemente fraqueza diante das ten-
tações.
Meio: Unir e manter unido com Cristo são obras divinas em nós através
dos meios que Deus determinou. Em sua imensa graça Deus oferece o
sacramento da Santa Ceia para que, pelo pão e vinho, nos sejam dados
o corpo e sangue de Cristo que nos une a Ele e aos irmãos em um só
corpo.
Objetivo: Demonstrar ao povo de Deus a preciosa graça oferecida
no Sacramento do Altar, que sela e renova nossa união com Cristo e os
irmãos. Ao mesmo tempo lembrar que ceder às tentações, motivado por
sentimento de autossuficiência, é destrutivo para a fé.

Tema: Em um mundo de desunião, somos unidos em Cristo.


Esboço:
Deus nos une em Cristo...
I – Pois não podemos fazer isto por nós mesmos:
• A autossuficiência espiritual é destruidora.
• Nos torna fracos diante das tentações.
• Nos divide.
• Nos afasta do Cristo crucificado.

II – Pelo Sacramento da Comunhão:


• Deus por graça nos socorre.
• Nos dá o corpo e sangue de Cristo na Ceia, para que sejamos
verdadeiramente unidos.

136
quinta-feira santa

• Nos fortalece diante de tentações e perigos, pela confiança em


sua graça.
• Levanta nossos olhos de nós mesmos para o Cristo crucifica-
do.

III - Para o seguirmos em fé:


• Unidos com Deus, em paz, em um mundo de desunião.
• Unidos com os irmãos, vivendo como Igreja.
• Buscando sem cessar o Sacramento da Comunhão.

Fernando E. Garske
São Leopoldo/RS
pastorfernando@gmail.com

137
SEXTA-FEIRA SANTA
6 de abril de 2012

Salmo 22 ou Salmo 31; Is 52.13-53.12; Hebreus 4.14-16; 5.7-9;


João 18.1-19.42 ou João 19.17-30

CONTEXTO

Por ocasião da morte de Jesus, rasgou-se pelo meio o véu do Santuário.
Era o véu que fazia separação entre o Santo Lugar e o Santo dos Santos
(Êx 26.31). Ao Santo dos Santos apenas o sumo sacerdote tinha acesso.
Os adoradores permaneciam no átrio exterior. Agora temos Jesus como
nosso Sumo Sacerdote. Com ele podemos chegar até o Santo dos Santos
da presença de Deus.
O autor de Hebreus faz uso da antiga ordem sacerdotal para mostrar
a superioridade da nova ordem. Revela a excelência do Sumo Sacerdote
Jesus como superior àqueles da antiga. A ordem antiga era provisória e
imperfeita, apenas uma figura do verdadeiro ou sombra dos bens vin-
douros.
Em Cristo está a ordem perfeita, real e eterna. Ele tornou-se o autor da
salvação eterna. Salvação consumada na cruz na Sexta-Feira da Paixão.
O autor quer revelar esta salvação dada por Deus aos homens. Para
a obra redentora não foi utilizado o sacrifício de animais, como na antiga
ordem, mas o próprio Jesus foi sacrificado no altar da cruz. Isto faz dele
o grande Sumo Sacerdote. Podemos traçar alguns paralelos que revelam
esta verdade.
1. Ele, Jesus, ofereceu o verdadeiro sacrifício, sua vida. Os outros
ofereciam sacrifícios simbólicos, animais.
2. O sacrifício de Cristo foi derradeiro e eterno. Os outros eram sacri-
fícios passageiros, uma sombra dos bens vindouros.
3. Ele é Sumo Sacerdote Maior, pois é o próprio Filho de Deus.
4. Ele penetrou os céus para sempre. Os sumos sacerdotes da ordem
antiga penetravam apenas o Santo dos Santos.
5. Seu sacrifício é melhor porque é o fim de todos os outros. Em Cristo
temos acesso a Deus Pai e podemos a Ele chegar confiadamente.

TEXTO

V. 14: “Jesus, o Filho de Deus”. Aqui identificamos o Grande Sumo


Sacerdote. Ele é Jesus, que foi prometido e profetizado. O anjo anunciou

138
sexta-feira santa

a José: “E lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos
pecados deles” (Mt 1.21). Jesus é Salvador e foi na sua morte que ele
trouxe a salvação. Com o “está consumado” da Sexta-Feira da Paixão a
obra redentora foi concluída e em Cristo temos a salvação.
O Filho de Deus. Não é um Filho de Deus, mas o Filho. Ele é o Unigênito
que Deus, em seu amor, nos presenteou. Este título destaca a Majestade
de Cristo como Sumo Sacerdote. Combina a natureza humana e divina
com qualificações perfeitas para o sumo sacerdócio. Ele é superior a anjos,
Moisés, Arão, Melquisedeque, porque é o Filho de Deus. Apesar de ser o
Filho de Deus, humilhou-se a fim de cumprir sua missão terrena.
“Ele é o grande Sumo Sacerdote”. Grande não apenas porque é o
maior, mas porque é o último. Não há mais necessidade de sumos sacer-
dotes, como na antiga ordem, após Cristo. Jesus foi o cumprimento das
sucessões. Nele o conceito sumo sacerdotal acha plena concretização. Ele
é grande não somente quanto ao seu caráter, mas também quanto a sua
obra. Ele “penetrou os céus”. Chegou até a presença do próprio Deus,
onde está à direita do Todo-Poderoso. Intercede por nós.
“Conservemos firmes a nossa confissão”. Firmemo-nos na confissão
de fé e desfrutemos dos benefícios de sua obra sacerdotal. Ele, com seu
sacrifício, derrubou por terra a barreira final entre Deus e os homens. O
véu rasgou-se e temos livre acesso. É importante e vital conservar firme
esta confissão.
V. 15: “Um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas
fraquezas”. Jesus é o Filho de Deus, mas ele também se identificou conosco,
sofrendo tudo que sofremos. O compadecer tem o sentido de simpatizar.
Ele simpatiza com nossos problemas, fraquezas e conflitos. Ele sente e
compreende estas fraquezas. Ele sabe o que sofremos e sob que condições
vivemos. O objeto da simpatia são nossas fraquezas. “Há simpatia para
com os necessitados, mas não para os autossuficientes”.
“Em tudo foi tentado, mas sem pecado”. Ele aprendeu a usar o poder
do Espírito, que está à disposição de todos os cristãos. Ele foi tentado em
sua natureza humana, mas sem pecado. Agora ele pode ajudar em nossas
tentações. A tentação de Jesus se equipara à nossa e ele não pecou. Isto
é fonte de consolo e encorajamento.
O “sem pecado” de Cristo qualifica-o para o sumo sacerdócio. Ele
não precisa oferecer sacrifício por si mesmo. Todo seu sacrifício pode ser
devotado aos homens. Mediante o sacrifício de si mesmo ele eliminou o
pecado para sempre e, agora, temos acesso a Deus Pai.

Portanto

V. 16: “Acheguemo-nos confiadamente”. Temos acesso livre junto a


Deus. O que o homem pecador temeria em fazer – aproximar-se do Deus

139
Igreja Luterana

Santo e Justo – agora, em Cristo, pode fazer com confiança.


“O trono da graça”. A obra de Cristo fez do trono de Deus um trono
de graça e misericórdia. E Cristo, como nosso Grande Sumo Sacerdote,
está ao lado do trono assegurando-nos suas bênçãos misericordiosas. O
trono lembra poder. Ele é poderoso para ajudar, salvar e dar-nos a vitória.
Mas é preciso que cheguemos e cheguemos com confiança. Cristo tornou
possíveis estas bênçãos para nós. Podemos vir a este trono e pedir aquilo
de que precisamos. Talvez aí fracassamos, na pouca vontade de vir, pro-
veniente da indiferença e preguiça espiritual.
“A fim de recebermos misericórdia e graça em ocasião oportuna”. Esta
misericórdia nos dá a esperança de recebermos muitos benefícios espiri-
tuais e materiais. São favores especiais dispensados a partir do trono, e
que estão disponíveis em qualquer ocasião.
Hb 5.7 – O autor faz uso do nome Jesus para salientar sua missão
terrena quando se coloca junto de nós. O nome Jesus também lembra esta
comunhão dele conosco. “Nos dias de sua carne”. Quando assumiu a natu-
reza humana. Sua agonia no Getsêmani, culminando na cruz do calvário.
“Com forte clamor e lágrimas”. Mostra-nos a real agonia humana.
O autor chama a atenção para as orações e súplicas de Jesus. A ora-
ção é seu constante falar com o Pai e súplica já está mais voltado para
o apelo. Suas orações e súplicas revelam que ele está identificado com
seu povo.
Vv. 8,9: Jesus é Filho. Vemos nisto sua divindade. Apesar de sua
divindade, Ele aprendeu a obediência. Ele se humilhou até a morte.
Sua divindade não impediu que, como homem, sofresse e aprendesse a
obediência. Nós também podemos aprender. Até mesmo na cruz e prin-
cipalmente na cruz. Confiar em Deus quando tudo vai bem é fácil. Fica
mais difícil quando chega a adversidade. Mas o sofrimento nos confere
desenvolvimento espiritual. Jesus aprendeu a obediência por meio do que
sofreu. Este sofrer não se limita apenas à cruz, mas a todo o sofrer em
sua natureza humana. Este foi o seu preparo para o sumo sacerdócio. Ele
passou pelo caminho que devemos trilhar e alcançou vitória. Esta vitória
também é nossa. Não estamos isentos de sofrimentos, mas as aflições são
instrutivas, pois por elas somos aperfeiçoados. Pelo sofrer aprendemos
também a obediência.
“Tendo sido aperfeiçoado” – Jesus, em todo o tempo, foi um varão per-
feito. Em todo seu sofrer foi submetido a testes e permaneceu imaculado.
E assim ele é visto como a base de nossa salvação. Ele tornou-se o Autor
da Salvação eterna. Ele é o Autor da única salvação. Aquilo que não vem
através de Jesus não é nenhuma salvação verdadeira. E esta salvação em
Cristo é duradoura, é eterna. Ela pode ser usufruída por todos aqueles
que lhe obedecem. Não há distinção de pessoas e raças. Jesus é o Autor
da Salvação Eterna, quem nele crer e for batizado será salvo.

140
sexta-feira santa

SUGESTÃO DE TEMAS

1. Jesus, nosso grande Sumo Sacerdote.


2. Através do altar da cruz ao trono da graça.
3. Jesus se compadece das nossas fraquezas.
4. O achegar-se ao trono da graça.
5. Jesus, o autor da salvação eterna.

Elias Renato Eidam


Santo Ângelo/RS
elias_eidam@yahoo.com.br

141
SÁBADO DE ALELUIA
7 de abril de 2012

Salmo 16; Daniel 6.1-24; 1 Pedro 4.1-8; Mateus 27.57-66

LEITURAS DO DIA

Sl 16: Davi, autor deste salmo, expressa uma profunda confiança em


Deus, seu Pai. Isso só é possível graças a uma relação de profunda inti-
midade: “Tu és o meu Senhor” v.2; “Tu, ó SENHOR Deus, és tudo o que
tenho...” v.5, etc. O relacionamento é tão íntimo que transcende a vida
deste mundo: “...e eu, um ser mortal, me sinto bem seguro, porque tu,
ó Deus, me proteges do poder da morte.” vv. 9 e 10. Com confiança em
Deus, a vitória não é apenas possível, mas é certa. Prova disso foi o fato
da ressurreição de Cristo.
Dn 6.1-24: O salmista de hoje diz: “Como são admiráveis as pessoas
que se dedicam a Deus!” Sl 16.3. Daniel é um dos homens mais importan-
tes, justos e de fé inabalável. Um homem admirado e dedicado a Deus.
Ele bem que poderia ser “político” e contornar o decreto imposto pelos
sátrapas do rei. Poderia orar de maneira mais discreta ou orar apenas
mentalmente. Mas a oração de Daniel não era apenas um ato de adoração,
mas de testemunho. Como é admirável a fé deste homem! Sua relação de
confiança em Deus possibilitou um grande testemunho a várias pessoas
de seu tempo e certamente também continua presente em nossos dias.
Deus usou Daniel para mostrar a vitória aos que nEle confiam.
1 Pe 4.1-8: O sofrimento de Cristo serve de modelo para que os
cristãos não vivam mais como pessoas sem Deus. Nosso sofrimento pode
ser um importante processo contra o pecado. Pedro exorta seus leitores
a abandonar os vícios do pecado, pois o julgamento final está por vir. Por
outro lado, destaca uma vida espiritual com Deus baseado em atitudes
ou virtudes cristãs que, naturalmente, os discípulos, transformados por
Deus, estarão naturalmente dispostos a viver com oração, fé, esperança
e, principalmente, no amor que perdoa muitos pecados.
Mt 27.57-66: Duas atitudes bem distintas aparecem neste texto em
relação ao sepultamento de Cristo: respeito e incredulidade. A atitude
de respeito ao corpo do Mestre por José de Arimatéia é seguida por uma
atitude de incredulidade dos líderes judeus que acreditavam dominar o
poder de Deus e conter sua vitoriosa ressurreição.

142
sábado de aleluia

CONTEXTO

O texto consta do final da história da Paixão e Morte de Cristo, relatando


o sepultamento de Jesus, logo após sua morte, e a guarda do sepulcro.
Enquanto o sepultamento é relatado pelos quatro evangelistas, a guarda
do sepulcro com os acontecimentos posteriores em relação a ela, no ca-
pítulo 28, apenas Mateus relata.
Mesmo morto, Jesus é poderoso. Ele faz cumprir as Escrituras. Pelo seu
sepultamento Jesus santificou as sepulturas dos crentes, transformando-as
em leitos de repouso, onde aguardam o despertar naquele dia. Cristo é
as primícias dos que dormem (1 Co 15.20). Agora a morte está destruída
e a vitória é completa (1 Co 15.54).

TEXTO

Vv. 57,58: O corpo de um condenado à cruz geralmente não era se-


pultado ou, na melhor das hipóteses, era colocado num lugar desonroso.
José de Arimatéia precisou de muita coragem para pedir o corpo de Jesus
visto ser José um membro do Sinédrio. Mostrou-se bem claro que não
concordou com o desígnio e ação de seus colegas de trabalho. Mateus diz
que ele era homem rico. Lucas lhe atribui duas qualidades morais: homem
bom e justo, que esperava o reino de Deus. Convém lembrar que o fato
cumpre a profecia de Isaías 53.9.
Vv. 59,60: José tinha tudo preparado. Sepulcro, panos de linho, mirra
e aloés. Essas precauções demonstram uma grande fé, pois a nossa vida
não se restringe ao que é terreno, mas sim ao céu, na vida eterna. Outro
ponto importante foi a veneração e o afeto dado a Cristo. Ele recebeu as
mesmas honras funerais que os ricos judeus recebiam. Aqui se cumpre
também a profecia do Sl 16, que Pedro cita mais tarde em At 2.27, que
Jesus não ficaria na morte nem experimentaria a corrupção. Para isso era
necessário que fosse sepultado numa sepultura nova, não contaminada
pela corrupção de outro corpo.
V. 61: Enquanto os últimos rituais fúnebres estavam sendo feitos para
o Senhor, e uma pesada pedra era rolada para lacrar o túmulo, duas das
fiéis mulheres que acompanhavam o ministério terreno de Jesus, Maria
Madalena e a outra Maria, estavam sentadas lamentando a perda de seu
Senhor e amigo, mas observando com atenção tudo o que era feito.
Vv. 62-66: Agora outro grupo pede audiência com Pilatos. Eles querem
impedir os discípulos de roubar o corpo de Jesus. Fica difícil imaginar que
os mesmos discípulos que fugiram e se trancaram com medo dos judeus
queiram agora “inventar uma ressurreição” para serem ainda mais per-
seguidos. De qualquer forma, é evidente a arrogância humana em tentar

143
Igreja Luterana

conter o propósito de Deus. A confiança que o ser humano deposita na


sua força e nas suas armas é aterradora e contrasta com a confiança que
o crente deposita em Deus.

COMENTÁRIOS HOMILÉTICOS

Quantas vezes na História da igreja, e ainda hoje, os planos dos


inimigos de Jesus fracassaram e não puderam conter a verdade do seu
evangelho. Durante a Reforma, todas as medidas tomadas para silenciar
o Reformador apenas contribuíram para difundir ainda mais a verdade
que havia descoberto na Bíblia. Ainda nos dias de hoje, o combate dos
verdadeiros cristãos pelo ateísmo, pelo consumismo, pelo racionalismo
e outros ismos apenas tem suscitado o testemunho corajoso de muitos
cristãos, glorificando a verdade do evangelho.
Hoje muitos rejeitam a tumba vazia. Rejeitam a ressurreição e prefe-
rem crer em teorias absurdas como a do roubo do corpo de Jesus pelos
discípulos, ou como a teoria do desmaio ou ainda da alucinação coletiva.
Que Deus conceda em todos nós a certeza absoluta da ressurreição de
Jesus e também da nossa e nos faça exclamar como Paulo: “Graças a
Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo”
(1 Co 15.57).
Os textos de hoje apresentam dois tipos de pessoas: os que confiam
em Deus e se entregam à sua vontade e os que não confiam em Deus e
tentam impedir a sua ação. O segundo grupo é perigoso e causa danos à
fé cristã. Causam dor, sofrimento e perseguições aos fiéis. Mas temos uma
maravilhosa certeza: em Cristo temos vitória! Muitos agem como se tudo
terminasse na sexta e se esquecem do que aconteceu no raiar daquele
domingo pascal. Não precisamos temer os leões e soldados, nem reis nem
autoridades malignas. Nem mesmo a morte pode conter o propósito de
Deus e todas as suas promessas. O corpo de Jesus não é um corpo der-
rotado. Jesus acabara de vencer, na cruz, o pecado, o diabo e o inferno.
É um corpo vitorioso que descansa em paz para nos dar a paz, ou seja,
o consolo da certeza da vitória sobre a morte.

SUGESTÕES DE TEMA

1. O segredo da vitória é o túmulo vazio

2. A onipresença de Deus inclui seu coração!


a) Deus estava com Daniel na cova
b) Deus estava com Jesus no túmulo
c) Jesus está conosco em todos os lugares e situações de nossa
vida

144
sábado de aleluia

3. Com Deus temos a vitória! (como?)


a) Crendo nEle acima de todas as coisas
b) Vivendo com fé e obras dignas de um cristão

4. Quer vencer na vida? Confie em Jesus


a) Porque Ele te ama e te quer bem
b) Porque Ele estará contigo em todos os momentos
c) Porque só com Ele temos a vida eterna

Héber Guéter Fach


São Paulo/SP
heberfach@yahoo.com.br

145
RESSURREIÇÃO DE NOSSO SENHOR
8 de abril de 2012

Salmo 16; Isaías 25.6-9; 1 Coríntios 15.1-11; Marcos 16.1-8

CONTEXTO (CENÁRIO LITÚRGICO, HISTÓRICO)

O capítulo 15 da primeira carta do apóstolo Paulo aos coríntios tra-


ta, exclusivamente, da doutrina da ressurreição, fundamental para a fé
cristã. É o mais extenso relato sobre a ressurreição registrado na Bíblia.
Muitos cristãos em Corinto tinham uma dificuldade pessoal em aceitar
e compreender a ressurreição do corpo, por isso, Paulo reforça este en-
sinamento. Alguns cristãos estavam confusos por causa da experiência
que tiveram com filosofias e religiões pagãs. A filosofia grega ensinava
o dualismo, que afirmava que todas as coisas físicas eram más, logo, a
ideia da ressurreição do corpo era rejeitada totalmente (At 17.32). Além
disso, alguns judeus da igreja de Corinto teriam sido influenciados pelos
saduceus que não acreditavam na ressurreição, embora ela fosse ensi-
nada no Antigo Testamento (Jó 19.26; Sl 16.8-11; Sl 17.15; Dn 12.2).
O próprio Jesus falou a respeito da ressurreição no Novo Testamento (Jo
5.28-39; 6.44; 11.25; 14.19); e também os apóstolos pregaram sobre
esse tema (At 4.1-2).
Apesar da clareza bíblica sobre a ressurreição, os coríntios estavam em
dúvida. E assim a doutrina da ressurreição foi ridicularizada. O apóstolo
Paulo enfrentou pessoas que colocaram a razão acima da fé, que impedia a
correta compreensão sobre a doutrina da ressurreição e vida eterna. Este
era um veneno perigoso para os cristãos que devia ser combatido. Para
tanto, Paulo escreveu um longo capítulo em sua carta, com provas fortes
e sólidas sobre a ressurreição de Cristo, e nesta esperança e fé os cristãos
deveriam viver. Neste sentido Paulo nos ajuda a mantermos nossa fé viva,
confiantes na nossa ressurreição por causa de Cristo, se passarmos pela
morte. Também somos lembrados que precisamos preservar essa doutrina
contra todos aqueles que negam a ressurreição. Em nossos dias a fé cristã
continua sendo atacada em todos os seus ensinamentos, e há até mesmo
entre os cristãos, aqueles que negam a vida futura no céu. Por isso, Paulo
nos ensina que a doutrina da ressurreição é tão fundamental que toda a
nossa esperança e consolação devem estar baseadas nela. Se não haverá
a ressurreição, temos que perguntar: Será que Jesus Cristo sofreu em
vão? Se a ressurreição não for anunciada ao mundo como verdade bíblica

146
resurreição de nosso senhor

absoluta, não podemos pregar o Cristo, que morreu e ressuscitou para ser
o nosso Redentor. O apóstolo Paulo não nos deixa esquecer que a fé em
Cristo tem base firme na ressurreição do corpo para a vida eterna. Essa
fé recebemos pelos meios da graça – Batismo, Palavra e Santa Ceia. Em
Cristo somos libertos do pecado, do diabo e da morte, para esperarmos
pela nova vida e a eternidade. Paulo expõe um perigo que corremos ao
negarmos a ressurreição, o de negarmos o próprio Cristo. Se não há res-
surreição, Jesus é mentiroso e sua obra não teve valor algum. É preciso
crer na ressurreição para que a fé continue viva e ativa. É importante orar
para que não venhamos a duvidar da ressurreição. O diabo quer destruir
a nossa fé causando dúvidas sobre a ressurreição.

ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE

Um destaque inicial que precisa ser dado é para uma fraqueza humana:
o esquecimento. Facilmente esquecemos nomes, coisas, tarefas a serem
feitas, e em relação a Deus muito mais. Os coríntios tinham esquecido
o verdadeiro evangelho sobre a ressurreição. Isso fica evidente quando
Paulo diz que desejava lembrar o evangelho que já tinha pregado. Não
era algo novo. Era o verdadeiro ensinamento sobre Cristo que não deveria
ter saído do coração dos cristãos, mesmo diante de falsas pregações. Por
causa dos nossos pecados sempre de novo precisamos ser lembrados do
amor de Deus, e de seus ensinamentos que nos levam a Cristo.
Outro destaque é a importância do evangelho na vida cristã. O evange-
lho é a garantia da nossa salvação, pois é a mensagem do amor de Deus
através de seu Filho que se tornou o nosso Redentor pela sua morte e
ressurreição. Assim, o evangelho nos revela a riqueza da graça de Deus,
anunciando ao pecador perdido que ele é aceito pelos méritos de Jesus. A
mensagem do evangelho é clara e pura. É colocado em nosso coração pela
obra de Deus Espírito Santo. Este puro e doce evangelho será pregado e
por ele os cristãos viverão. O evangelho é essencial para o cristão porque
Jesus é o seu autor e consumador.
Também não podemos esquecer os pilares da fé cristã que são: Cristo
morreu para pagar nossos pecados e ressuscitou como havia dito. O após-
tolo Paulo mostra que a obra de Cristo, morrendo e ressuscitando, é um
fato que garante a nossa salvação e ressurreição. É oportuno lembrar que,
ao mesmo tempo em que lembramos a obra de Cristo, é fundamental que
valorizemos todo o seu trabalho por nós. Esta é a mensagem do domingo
da Páscoa. Negar a ressurreição significa negar a própria fé.
O apóstolo Paulo não deixa de mencionar, em seu sermão, a impor-
tância do testemunho. Fica evidente que ele fala da ressurreição de Jesus
com base também em testemunhos de irmãos que viram o Senhor vivo,

147
Igreja Luterana

quando usa, nos versículos 5 a 8, palavras como: “apareceu” e “foi visto”.


Ou seja, Cristo de fato morreu e ressuscitou, e esta era a boa nova a ser
anunciada. Qualquer pessoa daquela época e que viveu lá, podia certificar-
se da ressurreição de Jesus, pois muitos que testemunharam esse fato
ainda estavam vivos. O apóstolo também tem certeza dessa verdade pelo
contato direto que teve com Jesus na ocasião de sua conversão, no ca-
minho de Damasco. Ele ensina a verdade sobre Cristo com conhecimento
profundo, tornando assim a sua pregação mais viva e eficaz. Definitiva-
mente Paulo não é um enganador. Esta é uma nobre lição para todos nós.
Assim aprendemos que todo cristão que crê na ressurreição passa a ser
uma testemunha da mesma. Essa obra Deus a efetua por nós.
Aprendemos ainda que na Páscoa, e em toda a nossa vida a partir da
Páscoa, é importante reconhecer os pecados e confessá-los. O apóstolo
Paulo fez isso. A Festa da Páscoa nos garante que morremos com Cristo,
para perdão dos pecados, e ressuscitamos com Ele para uma nova vida. A
ação de Jesus é recebida por nós. E assim, para o nosso bem, a nossa vida
é transformada por meio de Cristo que morreu e ressuscitou. Na Páscoa
de Jesus recebemos o sol que ilumina o nosso viver, já aqui e depois na
eternidade. Todo aquele que duvida da ressurreição continua nas trevas
e sua esperança é somente para essa vida.
Por fim, e talvez o mais valioso, Paulo nos dá uma importante lição
sobre a graça de Deus. Este favor imerecido de Deus que nos acompanha
sempre e que esteve com Paulo. Não cabe em nossa razão finita entender
como Deus pode escolher para ser portador de tão nobre notícia uma
pessoa como Paulo – um perseguidor da Igreja de Deus. E Paulo também
reconheceu isso. E aquele homem, carregado de pecados, mas inspirado
pelo Espírito Santo nos ensina que é Deus quem nos escolhe e nos chama
em sua graça para realizarmos a obra de pregar o evangelho de Jesus. E
não apenas nos chama, mas também capacita. O poder não é nosso e não
está em nós, mas vem de Deus. A graça de Deus nos dá oportunidade de
um recomeço, de uma nova vida. Agora somos pessoas perdoadas pela
graça do Pai. Onde há pecados, existe muito mais a graça de Deus (Rm
5.20). E essa condição não é por mérito próprio, mas unicamente pela
misericórdia de Deus, que nos aceitou em sua graça. A graça de Deus foi
o presente que motivou o apóstolo Paulo a ser um fiel servo do evangelho.
Onde existe fraqueza, a graça de Deus mostra-se forte (2 Co 12.9-10). Com
certeza, a graça de Deus nos motiva sempre a vivermos a fé pregando a
ressurreição, que é a esperança e a certeza de vida para todos nós.

PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

O pastor Paulo, com certeza, ficou muito triste quando soube que
um falso ensinamento, sobre a ressurreição, estava sendo difundido em

148
resurreição de nosso senhor

sua congregação. Com amor e guiado pelo Espírito Santo, enfrentou o


problema com o objetivo de conduzir seus irmãos e ouvintes de volta a
Cristo, a acreditarem e viverem na certeza da ressurreição. Com Paulo,
os pastores e os cristãos aprendem que falsas doutrinas existem e devem
ser combatidas com paciência, firmeza e amor pelas almas desorientadas.
E que aquele que prega a Palavra de Cristo deve manter-se fiel à mesma,
que é pura e inalterável. Os cristãos também são alertados a ficar atentos
a tudo aquilo que ouvem como sendo a Palavra de Deus pregadas nas
igrejas mundo afora. As heresias precisam ser identificadas e combati-
das. As falsas doutrinas infectam a mente e são piores que as doenças
do corpo (2 Tm 2.17). Falsos ensinamentos levam pessoas ao inferno.
Contra esse mal que afeta a igreja, o apóstolo Paulo recomenda um remé-
dio infalível: a pregação da Palavra (2 Tm 4.1-2). Quando isso acontece,
Jesus e suas doutrinas entram na mente e no coração das pessoas. E
assim não há mais lugar para heresias. O desafio da igreja é manter as
pessoas na fé em Jesus e, para tanto, anuncia e confessa que no terceiro
dia Cristo ressuscitou, e, assim, todos aqueles que morreram no Senhor
vão ressuscitar para a vida. Preguemos a Jesus e os seus ensinamentos
(Mt 28.20). Vamos edificar a igreja na Palavra do Senhor com confiança e
alegria de que Deus vai cumprir a sua promessa de que nada vai destruir
a sua igreja (Mt 16.18).
A Bíblia é muito clara quando fala morte de Jesus na cruz. Esse relato
encontramos nos evangelhos: Mateus 27.32-44; Marcos 15.21-32; Lucas
23.26-43 e João 19.17-42. É a história do pior momento de Jesus na terra.
O seu sofrimento foi imenso. E Ele sofreu por amor ao ser humano pecador.
Todas as narrativas bíblicas comprovam: Jesus Cristo morreu de verdade.
Felizmente a história do amor de Jesus por nós não acabou na Sexta-Feira
Santa, mas continuou no Domingo da Páscoa. A história da Páscoa de Jesus
também está registrada na Bíblia: Mateus 28.1-10; Marcos 16.1-8; Lucas
24.1-12 e João 20.1-29. A história do amor de Jesus continuou de forma
maravilhosa e agora para sempre. A Páscoa de Jesus aconteceu para provar
que nem mesmo a morte pode vencer o nosso Deus. Todas as narrativas
bíblicas comprovam: Jesus Cristo ressuscitou de verdade.
Para nós, cristãos, a Páscoa é o dia em que celebramos a vitória de
Jesus. Pois agora temos a certeza da eternidade que havia se perdido com
o pecado. Mas, neste dia glorioso precisamos refletir sobre uma questão
importante que foi amplamente e bem tratada pelo apóstolo Paulo na
carta aos coríntios: Será que estamos de fato convictos de que Cristo
realmente ressuscitou e que ressuscitaremos também? Essa reflexão é
importante fazermos porque o nosso viver, muitas vezes, denuncia que
Cristo ressuscitou somente na história bíblica, e não em nossas palavras
e ações. A história bíblica confirma isso quando nos diz que os seguidores
de Jesus tiveram dificuldades em crer na sua ressurreição. As mulheres

149
Igreja Luterana

levaram perfumes para o corpo morto de Jesus (Lc 24.1). Os discípulos


não acreditaram no testemunho das mulheres e foram averiguar (Lc
24.9-12). Tomé precisou de provas mais contundentes (Jo 20.24,25). Eles
estavam confusos, com medo e frustrados, pois o Messias havia morrido.
Os cristãos da igreja de Paulo até mesmo duvidaram que fosse possível
alguém ressuscitar. E nós? Cremos na ressurreição como confessamos nos
Credos: Apostólico, Niceno e Atanasiano? Será que a promessa de Jesus,
de que no terceiro dia ressuscitaria, está clara o suficiente para nós? Tal
como Cristo ressuscitou nós também ressuscitaremos para vivermos com
Ele, em alegria no céu (Rm 6.5,8).
O evento da Páscoa, a Ressurreição de Jesus foi algo tão extraordinário
e maravilhoso que para os seus seguidores e para nós é incompreensível.
Pela razão não podemos entender e nem aceitar. Então, o apóstolo Paulo
nos ensina que a ressurreição é artigo de fé. Exatamente por isso, Jesus
foi paciente com os discípulos aparecendo em várias ocasiões e para diver-
sas pessoas a fim de comprovar a sua vitória sobre a morte. E assim Ele
é paciente com todos nós também. É da natureza humana o sentimento
da dúvida. Quando celebramos a Páscoa de Jesus fortalecemos a fé, que
nos enche de esperança e certeza da vida eterna.
Hoje ainda existem pessoas que não creem na ressurreição. Outros
vivem como se a Páscoa nunca tivesse acontecido. São traços marcantes
do pecado que ainda se faz presente na vida das pessoas. Mas, assim como
demonstrou todo o seu amor pelas pessoas aparecendo vivo e provando
a sua ressurreição, Cristo continua aparecendo a nós pelos meios da gra-
ça: Batismo, Palavra e Santa Ceia. Esse é o outro lado bonito da Páscoa,
no qual Jesus continua nos dando novas oportunidades para crermos
na ressurreição, apesar da nossa falta de fé. E o dia da prova final está
chegando. É o dia da volta do Redentor, vivo, vitorioso e glorioso, quando
haverá a ressurreição dos mortos e será confirmada a vida eterna para
todos aqueles que creram em Jesus.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO (ASSUNTO, OBJETIVO, TEMA,


DESDOBRAMENTOS)

Com convicção podemos pregar que, através da morte e ressurreição


de Jesus, o poder do pecado e o medo da morte foram destruídos (At
2.24). Agora estamos livres do pavor da morte para sempre (Hb 2.15). E
assim, temos uma viva esperança de vida eterna (1 Pe 1.3).

Tema: A ressurreição de Jesus é a ponte para a vida eterna.


• Ligação verdadeira – Cristo de fato ressuscitou.
• Ligação sólida e segura – Fundamento da fé.

150
resurreição de nosso senhor

• Ligação certa – Combatendo as heresias.


• Ligação construída por graça – Animando-nos ao testemunho.
• Ligação eficaz – Certeza da Vida Eterna.

Sugestão de ilustração para os cultos de Sexta-Feira Santa e de Pás-


coa: Usando o tema acima proposto, deverá ser construída uma ponte de
madeira em duas partes. No culto de Sexta-Feira a ponte estará unida,
dando a ideia que está inteira. Jesus é a ponte que nos leva a Deus. Antes
do pecado não havia distância entre os humanos e Deus. Mas o pecado
levou Adão e Eva para longe do Pai. Eles não podiam se aproximar do
Criador. Deus precisou construir uma ponte que trouxesse o pecador de
volta a Ele. Já na promessa do Salvador a ponte é construída. Em Cristo
temos acesso novamente a Deus. No culto de Sexta-Feira Santa, por causa
da morte de Jesus, a ponte se quebrou (separa-se a ponte em duas par-
tes). E no Domingo da Páscoa, com a Ressurreição de Cristo, a ponte foi
restaurada e refeita (une-se a ponte novamente). Depois disso pode-se
usar o tema e as partes desse estudo.

Iderval Strelhow
Porto Alegre/RS
strelhow@yahoo.com.br

151
SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA
15 de abril de 2012

Salmo 148; Atos 4.32-35; 1 João 1.1-2.2; João 20.19-31

CONTEXTO HISTÓRICO E LITÚRGICO

A primeira epístola de João foi escrita no final do primeiro século de


nossa era, no período em que surgiram falsos mestres, os quais fizeram
alguns dos cristãos se afastarem da igreja. Uma das coisas que pregavam
é que Jesus não havia encarnado realmente. Diziam que o Filho de Deus
não podia ter sofrido na cruz e dessa forma afastavam a possibilidade da
expiação dos pecados. Eles pregavam que a salvação era conquistada pela
sabedoria humana. E, portanto, se a salvação vinha pelo saber (gnosis),
podia-se sustentar que era de todo sem valor uma vida correta. Com
isso, as piores formas de gnosticismo acobertavam, com a capa do saber,
nojentas práticas pecaminosas. E foi com o objetivo de advertir contra
estes falsos mestres, cuja maioria, se não todos eles, havia surgido nas
próprias congregações, que João escreveu esta epístola. João os intitula
falsos profetas e anticristos, porque negaram o mistério da encarnação
de Jesus, com o que tentavam diminuir o medo que os cristãos deviam
sentir do pecado, bem como negaram o amor fraterno.
Estamos vivendo o período da Páscoa no calendário litúrgico. Este é
um tempo maravilhoso em que nós celebramos a ressurreição de nosso
amado Salvador Jesus Cristo. Celebramos a vitória de Jesus sobre a mor-
te, o diabo e o pecado. Jesus saiu vitorioso no dia de sua ressurreição.
Ele não apenas ressuscitou como um ser espiritual. O próprio João nos
dá este testemunho no texto do evangelho para este dia: “E (Jesus) logo
disse a Tomé: Põe aqui o dedo e vê as minhas mãos; chega também a
mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente” (Jo 20. 27).
Também na epístola encontramos o testemunho de João a respeito da
ressurreição encarnada de Jesus, conforme 1 João 1.1: “Estamos escre-
vendo a vocês a respeito da Palavra da vida, que existiu desde a criação
do mundo. Nós a ouvimos e com os nossos próprios olhos a vimos. De
fato, nós a vimos, e as nossas mãos tocaram nela.” Jesus se apresentou
aos seus discípulos várias vezes após a ressurreição como um homem.
E através deste testemunho dos discípulos temos a certeza de que Ele
é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Dessa forma sabemos que os
nossos pecados foram expiados na cruz. E que por meio da fé nEle temos
perdão real e vida verdadeira.

152
segundo domingo de páscoa

O texto de Atos dos Apóstolos sugerido para este fim de semana


também nos leva a ver mais uma vez como os discípulos tinham certeza
da ressurreição de Jesus, e por isso a proclamavam com grande poder,
como está escrito em Atos 4. 33: “Com grande poder os apóstolos davam
testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e Deus derramava muitas
bênçãos sobre todos.” E por isso esse povo também poderia louvar a Deus,
assim como o salmista convida: “Que todos louvem a Deus, o SENHOR,
porque Ele é superior a todos os outros deuses! A sua glória está acima da
terra e do céu” (Sl 148. 13). Assim também todo o povo de nosso tempo
é convidado a louvar a Deus pela grande maravilha realizada por Deus
em nosso favor: a ressurreição de Jesus, o nosso Salvador.

ÊNFASES DO TEXTO E COMENTÁRIOS

V.1: “O que era desde o princípio” (}O h=n avpV avrch/j). O que era desde o
princípio era Ele, o Logos da Vida, o Filho de Deus, Jesus Cristo, o que temos
ouvido, visto, contemplado, tocado “era Ele”. O neutro (}O) transmite mais
do que o masculino seria capaz de fazer, ou seja, para além da pessoa, tudo
o que esta pessoa era, é, e sempre será para nós. Jesus Cristo não pode
ser separado do que era e é para nós. O tema desta carta é o mesmo que
o do Evangelho: o Filho encarnado eterno para a nossa vida e salvação, e
ao mesmo tempo para a confusão de todos os anticristos.
Este “princípio” é o mesmo mencionado em Gênesis 1.1. Em Gênesis
1.1 “no princípio” marca o momento em que o tempo começou para os
atos da Criação que se seguiram. Em João 1.1 “o princípio” marca o mesmo
momento, mas para nos dizer que já naquela época o Logos “era”. “Desde
o princípio” deixa toda a eternidade em aberto para “o que” já naquele
tempo “era”. João olha para a frente “desde o princípio” porque ele iria
chamar a atenção para o ponto que o Logos da Vida existia muito, muito
tempo antes de sua manifestação na plenitude dos tempos.
“... o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios
olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam …” A manifes-
tação da Palavra da Vida é percebida através dos sentidos, indo do mais
abstrato ao concreto. O Deus Eterno, aquele que trouxe à existência to-
das as coisas, se fez presente no tempo e na condição humana. O Deus
revelado nas Sagradas Escrituras não é apenas uma energia cósmica; ao
contrário, Deus se fez ser humano, de carne, osso e sangue. A encarnação
de Jesus Cristo é a manifestação da vida de Deus, e é em forma humana,
com corpo como nós.
V.3: “o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros,
para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco.” A mensagem
sobre Jesus, apresentada por João, não é uma obra literária que resultou

153
Igreja Luterana

apenas de reflexões em um escritório, também não foi o resultado de


revelações de espíritos, mas é o resultado da experiência pessoal e da
convivência. Isso ele quer repartir para que o povo mantenha comunhão
com ele e com os demais apóstolos. Porque dessa forma teriam comu-
nhão com o próprio Deus e consequentemente com Jesus Cristo, como o
apóstolo escreveu: “ Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho,
Jesus Cristo.” Especificamente a comunhão cristã é uma participação da
vida comum em Cristo, mediante o Espírito Santo, e sugere-nos o dom
de Deus. É comunhão com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo.
V. 4: “Estas coisas, nós escrevemos para que a nossa alegria seja
completa.” O verbo escrevemos e seu sujeito nós são enfáticos no grego,
frisando que a mensagem está redigida numa forma precisa e permanente,
tendo sido escrita por aqueles que tinham plena autoridade para fazê-lo.
O ponto essencial é que a verdadeira alegria vem somente da comunhão
com Deus.
V. 5: “Nenhuma escuridão”. Deus não tem segundas intenções e por
isso não faz nada escondido. Este é o grande fato com referência a Deus
que deve ser observado quando a comunhão entre os pecadores, como nós
e Deus, é considerada. Pensar que podemos permanecer na escuridão e
ainda estar em comunhão com Ele, em quem não há qualquer escuridão,
é o ápice da ilusão, a mais triste contradição. Cristo é chamado de “luz do
mundo”, que significa a luz salvadora que nos livra da escuridão.
V. 7: “Se, porém, andarmos na luz, [...] mantemos comunhão uns
com os outros”. Isso é mais do que o simples oposto do versículo 6. Esta
não é uma simples alegação de ter comunhão. Isso é mais do que uma
reivindicação, é um fato: “temos comunhão”.
“… e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado.” “O
sangue” é mais específico que “a morte” seria, pois “o sangue” denota
sacrifício. O Cordeiro de Deus derramou o seu sangue em expiação. Ele
é a propiciação pelos nossos pecados, aliás, não somente pelos nossos,
mas também para todo o mundo (2.2).
V. 8: “...estamos nos enganando”. O caminho da vida eterna nunca
pode se afastar da verdade de que sempre somos pecadores, até o fim
desta vida. “... não há verdade em nós”. Esta é a mesma ideia que foi
mencionada no versículo 6, a verdade do evangelho salvador ou realidade,
a luz que liberta da escuridão. Quando “a verdade” não está em nós, não
somos vazios, mas estamos cheios de ficções, fábulas, mitos, fantasias.
V. 9: “confessarmos”. Em vez de querermos viver como se não fôssemos
pecadores e sustentar uma santidade infundada, ou não levar o pecado
a sério, João nos diz para confessar os pecados a Deus. “Nossos peca-
dos” não se restringem aos nossos pecados conscientes. Os verdadeiros

154
segundo domingo de páscoa

cristãos querem obter a remissão de todos os seus pecados. “Ele é fiel e


justo para nos perdoar os pecados”. O Deus que é luz atua como um juiz
fiel e justo quando ele nos absolve e perdoa os nossos pecados por amor
de Cristo. Nossa absolvição não é um ato de parcialidade e favoritismo
do qual Deus pode ser acusado de injustiça.
V. 10: “não temos cometido pecado”. Essa pretensão à impecabilidade
faz de Deus um mentiroso porquanto, fora de passagens específicas da
Palavra de Deus, todo o modo de o Senhor tratar com o homem implica
este ser pecador que precisa de Salvador. Negar isto é rejeitar a Palavra
de Deus e fazer dEle um mentiroso.
Capítulo 2.1: “para que não pequeis”. Contrariamente a tais ensinos,
João apresenta a verdade. Considera o fato de os crentes não serem per-
feitos, sem pecado; todavia não considera isto como coisa em que se deva
ter prazer, porque o seu propósito em escrever é não pecarmos. “alguém
pecar”: sabemos que todos nós pecamos, porque temos a natureza pe-
caminosa em nós. Ninguém está isento, totalmente imune, e sempre que
alguém comete pecado, nosso grande advogado toma conta de todos nós
a este respeito. Ele nos defende contra as acusações do diabo.
2.2: “e Ele é a propiciação pelos nossos pecados”. Esta expressão
lembra-nos o processo de fazer expiação, mediante a oferta do sacrifício,
no Antigo Testamento. Por Sua morte na cruz, Cristo fez perfeita expia-
ção, pelo que não precisamos mais temer a ira de Deus. O próprio Filho
de Deus é, ao mesmo tempo, argumento de defesa e Defensor, sacrifício
e Sacerdote.

SUGESTÃO DE ESBOÇO

Tema: Jesus é Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem

I – Jesus é Verdadeiro Deus


A relação entre Gn 1.1 e 1 Jo 1.1 deixa isso bem claro
II – Jesus é Verdadeiro Homem
Porque só um Deus encarnado poderia sofrer e morrer na cruz
Ele ressuscitou também como um Deus encarnado dando plena
certeza de que a obra da Salvação estava completa
III – Crer no Jesus encarnado é fundamental para o pecador
Porque somente o Jesus encarnado poderia expiar os pecados
Em Jesus, o perdão é real e verdadeiro para todo aquele que crê.

155
Igreja Luterana

BIBLIOGRAFIA

BÍBLIA SAGRADA. Almeida Revista e Atualizada. São Paulo: Sociedade


Bíblica do Brasil, 1999.
BÍBLIA SAGRADA. Nova Tradução na Linguagem de Hoje. São Paulo:
Sociedade Bíblica do Brasil, 2001.
LENSKI, R.C.H. The Interpretation of The Epistles of St. Peter, St.
John and St. Jude. Minneapolis, Minnesota: Augsburg Publishing House,
1966.
NOVO TESTAMENTO INTERLINEAR GREGO-PORTUGUÊS. Barueri, SP:
Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.


Geomar Martins
Bela Vista/MS
geomarmsro@yahoo.com.br

156
TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA
22 de abril de 2012

Salmo 4; Atos 3.11-21; 1 João 3.1-7; Lucas 24.36-49

A primeira epístola de João tem um caráter exortatório e instrutivo. Os


temas que mais se destacam no texto são a divindade e a encarnação de
Jesus, a realidade do pecado e seu efeito na vida do pecador e a certeza
do perdão e da salvação em Cristo. Com esses temas, o autor quer forta-
lecer e alertar a Igreja contra as heresias que se infiltravam na mesma.
A principal delas era o gnosticismo. Embora essa heresia tenha várias
ramificações, os princípios básicos do seu ensino eram a declaração de
que o corpo (carne) é mau e o espírito (alma) é bom, logo, se Jesus era
perfeito, não poderia ter vindo na carne. Além disso, se o corpo é mau,
deve ser tratado ou com rigor ascético ou, como não há redenção do corpo,
há liberdade completa para a carne, o que resulta em libertinagem.
João combate essas ideias reafirmando, insistentemente, a divindade
e humanidade de Jesus. Já na introdução da carta ele afirma que “o que
era desde o princípio, o que temos visto com nossos próprios olhos, o que
contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da
vida.” (1 Jo 1.1). O autor faz questão de afirmar que suas mãos “apalpa-
ram”, demonstrando a encarnação do “Verbo da vida”. Também afirma que
a característica do anticristo é, exatamente, a negação de que “Jesus é
o Cristo” e que “Jesus veio na carne”. Com relação ao pecado, é enfático
ao dizer que “o pecado é a transgressão da lei”, ou seja, longe do que os
hereges afirmavam de que o que era praticado pela carne não interferia
no espírito, o pecado nos afasta de Deus e nos condena. Por outro lado,
condena o ascetismo, mostrando que a fé e o amor de Deus se manifestam
no amor ao próximo, portanto, a espiritualidade cristã não acontece na
clausura ou no afastamento do mundo e das coisas terrenas, ao contrário,
é no amor ao próximo de carne e osso que se cumpre a vontade de Deus.
Mas, antes que alguém entenda que amor ao próximo nos salva, o texto
é bem claro afirmando que é Deus quem nos perdoa e purifica em Cristo,
porque “ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos
nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro”.

DESTAQUES

Na perícope para esse final de semana, alguns destaques são impor-


tantes:

157
Igreja Luterana

- “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos
chamados filhos de Deus”. Aqui está um dos pontos centrais da fé e da vida
cristã: o amor de Deus. Esse amor se manifesta de uma forma sublime
quando o Deus eterno, santo e justo, vem ao encontro dos seres humanos
mortais, pecadores e falhos e os chama de “filhos”. Ou seja, Deus não
ama e aceita somente a nossa alma ou espírito que são bons e destrói o
corpo que é mau, ao contrário, ele chama de filhos pessoas de carne e
osso. Aqui reside o maior consolo para nós, pecadores. Será que alguém
nos aceitaria conhecendo-nos tão profundamente como Deus? O Senhor
conhece o mais íntimo dos nossos sentimentos, mas, por amor, nos aceita
como filhos. Podemos, aqui, concordar com João: “Que grande amor!”
- “Ainda não se manifestou o que haveremos de ser”. Esse é um alerta
para todos os filhos de Deus. Somos seus filhos, mas ainda não estamos
livres do pecado. Ainda não somos “semelhantes a ele”. Aqui encontramos
o conhecido “já, mas ainda não”. Por isso, os filhos de Deus não podem
relaxar em nossa luta contra o pecado que habita em nós, não apenas
na carne, mas em todo o nosso ser. O fato de sermos filhos de Deus,
libertados da lei e da morte, não nos permite vivermos no pecado. Ao
contrário, a esperança da vida eterna nos leva a viver aqui na perspectiva
da nova vida.
- “... a si mesmo se purifica todo aquele que tem esperança”. É essa
esperança da vida eterna quando “seremos semelhantes a ele” que nos
impulsiona para vida de luta contra o pecado. Logicamente, não temos
forças para vencer o pecado e nos purificar, por isso nossa esperança está
em Cristo. Essa esperança é um apegar-se continuamente à promessa de
Deus que diz que “quem crer e for batizado será salvo” (Mc 16.16).
- “Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei”. Nossa
esperança precisa estar em Cristo, porque estamos inseridos nessa afir-
mação. Diariamente pecamos, transgredindo a lei de Deus.
- “Sabeis também que ele se manifestou para tirar os pecados”. No seu
imenso amor Deus concedeu aos seus filhos, através o seu Filho unigênito,
a purificação de nossos pecados. Jesus veio e vem a nós para tirar nossos
pecados. Veio na cruz do calvário para pagar cada um deles, pagando o
resgate por nós. Também continua vindo a nós através da Palavra, da
Absolvição, do Batismo e da Santa Ceia. Aliás, essa é uma ênfase que
precisa ser dada constantemente na vida da igreja. Não é raro ouvirmos
afirmações do tipo “não preciso da igreja para ser cristão” ou, mais espe-
cificamente entre jovens e adolescentes, “por que temos de ir à igreja?”
A razão está nessa afirmação de João: Jesus “se manifestou para tirar
pecados” e continua se manifestando nos meios da graça. A vida daquele
que tem esperança é um constante voltar ao Pai para receber a remissão
e a purificação dos pecados.

158
terceiro domingo de páscoa

- “Todo aquele que permanece nele não vive pecando”. Essa afirmação
nos incomoda porque pecamos diariamente. No entanto, essa afirmação
precisa ser lida no contexto da epístola. Aqui é um alerta contra a liberti-
nagem que se acentuava na igreja e continua a rondar a vida de todos os
cristãos. Especialmente em nosso tempo, em que o pecado foi relativizado
e muitas correntes do cristianismo defendem a liberdade total. A vida
daqueles que vivem o “já, mas ainda não” é uma vida de arrependimento
constante. Não é um apenas repetir com os lábios “creio”, mas uma vida
norteada pela vontade do Senhor. Embora ainda não tenha se manifestado
o que haveremos de ser, pelo Espírito Santo, somos guiados a uma vida
de santificação constante no amor a Deus e ao próximo.
A importância desse texto para esse período de Páscoa está no fato de
ele apresentar um resumo de todo o plano da salvação. Temos, claramente,
uma apresentação da razão pela qual Jesus viveu, sofreu e morreu 22 de
abril de 2012 – que é o amor de Deus por seus filhos. Também encon-
tramos a lei clara de que o pecado é algo muito sério e que não pode ser
negligenciado pelo povo de Deus. O texto nos leva à paixão de Cristo, a
consequência de nosso pecado. Precisamos contemplar, constantemente,
o Calvário para não cairmos na tentação de relativizar o pecado. Por outro
lado, encontramos o consolo do evangelho que nos diz o porquê do so-
frimento de Jesus, “para tirar pecados”. Além disso, temos a garantia da
ressurreição de que seremos “semelhantes a ele, porque haveremos de
vê-lo como ele é”. Assim, ao percebermos nosso pecado, somos levados
pelo amor do Pai à esperança da vida eterna.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Mantenhamos nossa esperança em Cristo

Introdução: v.1: “Que grande amor nos tem concedido o Pai”


É esse amor que nos leva a mantermos nossa esperança em Cristo.
1. Por quê?
v.2: “ainda não se manifestou o que haveremos de ser”; o pecado
continua em nós e não temos forças para vencê-lo.
2. O que essa esperança oferece para nós?
v.3: “a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança”
3. Que garantia temos disso?
v.5: “ele se manifestou para tirar pecados” em sua obra redentora e
continua a se manifestar a nós pelos meios da graça.
4. Qual o resultado em nossa vida?
v.2b: “seremos semelhantes a ele”.

159
Igreja Luterana

Conclusão: A esperança em Cristo nos move a uma vida de fé e


santificação, mas acima de tudo de paz, consolo e vida plena aqui e na
eternidade.

Cezar Squiavo Schuquel


São Leopoldo/RS
csschuquel@yahoo.com

160
QUARTO DOMINGO DE PÁSCOA
29 de abril de 2012

Salmo 23; Atos 4.1-12; 1 João 3.16-24; João 10.11-18

LEITURAS

Salmo 22.25-31: “Do Senhor é o reino”. Isto será proclamado a to-


dos.
Atos 8.26-40: Filipe e o eunuco da Etiópia: A salvação por Cristo é
proclamada ao etíope, que confessa a sua fé em Jesus e é batizado.
1 João 3.16-24: “Crer em o nome de Jesus e nos amar uns aos outros.”
Isto tranquiliza o nosso coração e nos dá confiança em nossas orações. É
a fé que confia em Deus e age através do próximo.
João 15.1-8: O verbo “permanecer” aparece oito vezes neste texto,
ilustrado pela comparação da videira e dos ramos, mostrando o que sig-
nifica “crer em Jesus” e “dar fruto” (fé e obras).

CONTEXTO

O apóstolo do amor lembra que a fé não anda sozinha, mas sempre


está acompanhada do amor ao próximo. “Fé ativa no amor”, como muito
bem expressa o livro de G. W. Forell, analisando a teologia de Lutero. E
não é uma fé qualquer, mas é a fé “em o nome de seu Filho Jesus Cristo”,
fonte e força para o verdadeiro amor.
Lembramos que todas as leituras de Epístola do 2˚ ao 7˚ Domingo de
Páscoa são de 1 João. Cuidado para não ser repetitivo, mas explorar o
detalhe peculiar de cada Epístola.
Estamos perto da Ascensão e do Pentecostes; a mensagem pode ser
direcionada em preparação para estes dois eventos.

TEXTO

Vv. 16,17,18: Amor em ação (en ergo), não apenas da boca para fora.
A situação mencionada no v.17 é lembrada também por Tg 2.15-17 e é
preparatória para o v. 23 (base para esta mensagem). O lema “Servindo
como povo de Deus” enfoca a diaconia, o serviço social, o amor ao pró-
ximo. Pode ser bem mencionado aqui. Cf. tb.: Tg 1.22.

161
Igreja Luterana

Vv. 19,20: Nosso coração nos acusa, pois sabemos que ainda não so-
mos perfeitos. Mas Deus, que conhece nossas fraquezas, quer tranquilizar
o nosso coração pelo perdão de Cristo. - Cf.: O filho pródigo: Lc 15.21 e
22: o arrependimento do filho e o amor do pai; e: A negação de Pedro,
Mt 26.75, e o amor de Jesus, Lc 24.34, Jo 21.15ss.
Vv. 21,22: Perdoados, tranquilos, podemos chegar ao Pai como “seus
verdadeiros filhos e lhe rogar sem temor, com toda a confiança, como filhos
amados ao querido Pai” (M. Lutero, Explicação da Introdução do Pai Nosso,
Catecismo Menor). Cf.: Rm 5.1; Hb 4.16; Rm 8.1,33,34; 1 Jo 5.14,15.
V. 23: Lutero comenta sobre fé e amor: “Com exceção da fé, nós de-
vemos direcionar todas as nossas obras ao nosso próximo; porque Deus
não requer de nós obra nenhuma, a não ser que creiamos em Cristo Jesus”
(Sl 11.95). Assim como a fé é dirigida a Deus através de Cristo, assim as
nossas obras são dirigidas ao próximo movidas pelo amor de Cristo. Cf.: O
julgamento final, Mt 25.40; cf. tb.: Jo 6.29; Jo 13.34,35; Jo 15.12,17.
V. 24: “permanecer”: cf. o Evangelho deste domingo.
“O Espírito”: aponta para o Pentecostes. Cf. 1 Jo 4.13; Rm 8.9; Jo
14.16,17.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Fé e ação!
Objetivo: Estimular a uma coerência maior entre a fé e a vida cristã,
baseada no amor de Cristo.
Problemas que impedem uma maior coerência:
- falsa compreensão do “sola fide”.
- medo de praticar obras “para a salvação”.
- ser cristão só na igreja, não no dia a dia.
- falta de amor ao próximo.
A solução de Deus: O mesmo Espírito que nos chama à fé em Cristo
nos capacita para as obras através dos meios da graça.
Introdução: Ler no Livro de Concórdia, p.509ss. ”Das Boas Obras;
Fórmula de Concórdia, Declaração Sólida, IV e levantar a questão. I - Crer
em Jesus Cristo
A fé salvadora: Dom de Deus (Explicação do Terceiro Artigo do Cre-
do). II - Amar uns aos outros
Fruto da fé: (exemplos concretos locais - ou do FAPI - de oportuni-
dades de serviço).

162
quarto domingo de páscoa

Conclusão: Prefácio de Lutero à Epístola aos Romanos: Livro de Con-


córdia, pp. 592,593, § 10-12.

Carlos Walter Winterle


Cape Town - EX
cwwinterle@yahoo.com.br

163
QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA
6 de maio de 2012

Salmo 150; Atos 8.26-40; 1 João 4.1-11 (12-21); João 15.1-8

CONTEXTO (CENÁRIO LITÚRGICO, HISTÓRICO)

A Primeira Epístola de João, diferentemente da maioria das cartas do


NT, não traz o nome do autor. Os pais eclesiásticos, a começar por Irineu
(140-203 a.D.), atribuem o texto a João, filho de Zebedeu (Mc 1.19,20).
Eusébio relata que a primeira das epístolas de João foi aceita sem discus-
são tanto pelos contemporâneos dele como pelos antigos (Eus. HE. III,
24). Embora o apóstolo João não revele o seu nome no livro, ele começa
dizendo que era uma testemunha ocular da história de Jesus e que tinha
contato íntimo e pessoal com o Senhor (1.1-4). Existe uma grande afini-
dade entre esta epístola e o Evangelho de João. Basta comparar algumas
passagens para chegar a esta conclusão como, por exemplo, 1 Jo 1.1,2
com Jo 1.1,2; 1 Jo 4.14 com Jo 1.14; 1 Jo 1.4 com Jo 15.11; 1 Jo 2.8 com
Jo 13.34; etc. Desde o ano 110 a autoria de Primeira João e sua canoni-
cidade foram aceitas por escritores patrísticos, como Papias e Policarpo,
que conheceram pessoalmente o apóstolo. Mais tarde, Irineu, Cipriano,
Dionísio de Alexandria, Tertuliano e outros atribuíram-na ao apóstolo João.
Assim, a 1ª Epístola de João foi colocada na lista dos homologoumena.
O estilo da carta é semelhante ao do evangelho: grego simples e uso
recorrente de antíteses (luz-trevas; verdade-erro; filhos de Deus-filhos
do Diabo; espírito de Deus-espírito do Inimigo de Cristo; vida-morte;
amor-ódio). Possui característica apologética, pois visa também ressaltar
a verdade e combater o erro disseminado pelos falsos mestres. Deduz-se
que foi escrita a cristãos. Esta epístola poderia ser classificada como um
sermão ou discurso teológico. É possível que tenha sido uma carta circular,
enviada a estas igrejas da província da Ásia. Desde os primeiro tempos de
cristianismo reconhece-se neste documento uma espécie de carta pastoral
dirigida ao conjunto dos membros de algumas igrejas próximas umas das
outras, pequenas congregações da Ásia Menor.
Característica marcante da carta: da repetição de temas apresenta
uma aparente falta de progressão lógica. A lógica é mais hebraica, não
grega. O argumento progride em forma de espiral, com círculos cada vez
mais amplos, até tudo estar completo.
O objetivo principal da carta é falar do amor de Deus em Cristo bem
como advertir contra os falsos mestres, cuja maioria deles provavelmente

164
quinto domingo de páscoa

surgiu dentro das próprias congregações. Ele os designa falsos profetas


e “anticristos”, porque negavam a encarnação de Jesus, diziam que Ele
tinha somente aparência de homem (2.22,23; 4.1-3; 5.6-9), bem como
negavam o amor fraterno. Esta epístola, num certo sentido, busca des-
mascarar tais falsos mestres (2.26) e dar aos cristãos a certeza da vida
eterna (5.13). Quando João escreveu tinham se separado da igreja ou sido
expulsos por ela (2.19; 4.4). Consideravam-se por demais “religiosos” e
“espiritualizados”, e assim reivindicavam a autoridade profética do Espí-
rito Santo para seus ensinamentos. João os viu como “falsos profetas”,
“qualquer espírito” (4.1). Esta foi uma linha de pensamento e de prática
que era quase geral naqueles dias, também no caso dos “sectários” que
perturbaram a igreja cristã por quase mais um século. Provavelmente
este grupo sectário é representante de uma forma de pré-gnosticismo
que surgiu dentro da própria igreja (2.19). Enfatizavam o conhecimento
(2.4; 4.8,20) e negavam a encarnação, a messianidade de Jesus e sua
filiação divina (2.22; 4.1,15; 5.5,10-12). Contra tais heresias, João pre-
gou a total realidade da encarnação de Cristo e que a vida e comunhão
com Deus encontramos em Jesus Cristo que, em seu grande amor, veio
e morreu na carne pelos nossos pecados.
A cristologia está em conexão com a refutação do erro, por isso a
ênfase na encarnação e na redenção pelo sangue. Nenhuma referência
é feita à ressurreição. Uma característica distinta, não relacionada com
preocupações polêmicas, é apresentada da obra de Cristo como Advogado
(Parácleto) junto ao Pai em favor dos que pecam (2.1,2).
Provavelmente esta Carta tenha sido escrita na última quinzena do
primeiro século da era cristã. Assim é o depoimento de pais eclesiásticos
(Irineu e Clemente de Alexandria). Também é incerto o nome do lugar
onde este livro foi escrito, mas o que tudo indica é a cidade de Éfeso.
No 4º capítulo de João, mais especificamente, o apóstolo descreve a
atitude dos cristãos em relação a falsos mestres e em relação de uns para
com os outros quando caracteriza os falsos profetas e distingue entre o
Espírito da verdade e o espírito do erro, mostrando a maravilhosa grandeza
do amor de Deus, e insistindo na perfeição do amor fraterno (1 Jo 4).

ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE

João procura firmar os seus leitores nos ensinamentos que receberam,


para que possam se prevenir contra os falsos profetas. João chama os
falsos mestres de anticristos (2.18, 4.3), identificando-os como sinais da
volta de Cristo (2.18). Os cristãos devem distinguir os espíritos, separando
o erro da verdade (4.6).

165
Igreja Luterana

Além de combater as doutrinas falsas a respeito da encarnação de


Cristo, João ressalta em toda a epístola a preocupação com o amor ao
próximo como expressão do amor de Deus. Combate àqueles que legam
a segundo plano a vida prática do cristão. “João enfatiza muito fortemente
as três marcas do Cristianismo autêntico: Jesus é verdadeiramente o Cristo
vindo na carne, obediência aos mandamentos de Deus através de Jesus
Cristo e uma atitude de amor a Deus e pelo próximo”.1
Em 5.13,20 João resume a epístola inteira. Ele escreveu para firmar os
cristãos no ensino verdadeiro sobre Jesus e sobre sua vida de comunhão
uns com os outros e com Deus por causa de Cristo.
No texto em questão de João 4.1-11 destacamos três grandes seções:
1) nova advertência a respeito dos falsos profetas; 2) a necessidade em
distinguir entre o “espírito da verdade” e o “espírito do erro”; 3) a dimen-
são do amor de Deus por meio de Jesus.
Neste trecho bíblico João discorre mais a respeito do que já havia
abordado no capítulo 2.18 e 19, ou seja, quem são os inimigos de Cristo,
a saber, aqueles que negam a plena humanidade (natureza humana) de
Jesus. Chega a enfatizar que os que creem e afirmam que “o Verbo se fez
carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14) têm o
Espírito de Deus.
1 Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os es-
píritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído
pelo mundo fora. 2 Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito
que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; 3 e todo espírito
que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é
o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e,
presentemente, já está no mundo.
As palavras “profetas” e “espíritos” aqui são usadas como sinônimos, ou
seja, ambas significam anunciadores. Os profetas de Deus são pregadores
através dos quais o Espírito de Deus, o Espírito Santo, ensina e prega,
seja por meio de inspiração direta, como aconteceu no Antigo Testamento,
seja pelo ensino do evangelho puro, por anunciadores (pastores) fiéis de
hoje. Neste sentido são espíritos. Não é toda pessoa que alega ser um
profeta verdadeiro que é capaz de apresentar as credenciais autênticas
da palavra de Deus. É necessário verificar a autenticidade do conteúdo
dos anunciadores. O autor sugere que sejam criteriosos para não serem
enganados. O critério para averiguar a genuinidade era o conteúdo da
mensagem por eles apresentada – se reconhecia a divindade e/ou hu-
manidade de Cristo. Se não contemplasse este critério era considerado o
“espírito do anticristo”. Não dá nomes, mas identifica e caracteriza de tal

1 HALE, Broadus. Introdução ao estudo do Novo Testamento, p.414

166
quinto domingo de páscoa

maneira que se torne perceptível. Segundo Weinrich2, “A distinção entre o


Anticristo cuja vinda precede imediatamente o fim de todas as coisas e os
representantes contemporâneos (poder-se-ia dizer preliminares e parciais)
do anticristo é um lugar comum nos pais.” Alguns pais aplicaram 1 Jo 2.22,
entre outras passagens, a falsos profetas (hereges) de seu tempo; por
exemplo: - Tertuliano - “precursores do espírito do Anticristo” ; - Marcião
e seus discípulos; - João de Damasco - Nestorianos e monofisitas; - Ci-
rilo de Jerusalém - heresias sabelianas e arianas; - Atanásio - os arianos
como precursores do Anticristo; - João Crisóstomo - Nero, como um tipo
do Anticristo.
Todos os exemplos acima têm em comum a aplicação da figura do
anticristo a personalidades contemporâneas, que os pais creram estar
em conflito ativo contra a verdade de Cristo e Sua igreja. Em nenhum
deles, no entanto, há uma identificação exaustiva dos oponentes de Cristo
contemporâneos com o anticristo. Eles são ‘precursores’ do anticristo,
ou ‘tipos’ do anticristo, mas eles não são o Anticristo no sentido de ser a
própria aparição do grande oponente escatológico de Deus que aparece-
rá imediatamente antes do segundo advento de Cristo. E ainda Weinrich
afirma: “enquanto os pais aplicam a ideia do anticristo a pessoas e en-
tidades contemporâneas (hereges, perseguidores, cismáticos), a figura
do anticristo em sua totalidade permanece uma realidade presente, ou
mesmo, distintamente futura, escatológica”.
Por fim, podemos dizer que o anticristo (termo grego, aquele que se
opõe a Cristo) neste contexto diz respeito àquele(s) que nega ou não
reconhece a Jesus como o Cristo ou Messias e também a aquele(s) que
por suas doutrinas ou prática se separam dos irmãos verdadeiramente
crentes, firmes unidos na mesma fé.
4 Filhinhos, vós sois de Deus e tendes vencido os falsos profetas,
porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mun-
do.5 Eles procedem do mundo; por essa razão, falam da parte do mundo,
e o mundo os ouve. 6 Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus
nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto reco-
nhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro.
Temos a suposição de que o autor os conhece bem e seja bem velho,
pois se dirige a seus leitores com a expressão “filhinhos”. Diz a lenda
que em avançada idade João costumava repetir sempre de novo a frase:
“Filhinhos, amai-vos uns aos outros”. Quando alguém lhe perguntou pela
razão desta constante repetição, ele respondeu: “É mandamento do Se-
nhor. Porque basta só isto”.
O espírito, abordado anteriormente e identificado como o espírito do

2 WEINRICH, William C. “Antichrist in the Early Church”, Concordia Theological Quarterly


49/2,3 (Abril-Julho 1985): 135-147.

167
Igreja Luterana

anticristo, aqui é relacionado com o espírito deste mundo, com o espírito


que opera nos filhos da desobediência (Ef 2.2). Toda investida anticristã é
impotente diante da força de Deus que os verdadeiros cristãos têm. Ainda
que Satanás, o príncipe das trevas e o pai da mentira, está nos falsos
mestres, neles vive, neles atua, ainda assim Deus, que vive em nós, que
é nossa força e nosso refúgio, é maior e mais forte do que o diabo com
todos os seus anjos maus.
João acrescenta outra razão a um exame cuidadoso das alegações e
para se resguardar contra a possível má influência dos falsos mestres:
eles são do mundo, por isso falam como da parte do mundo, e o mundo
os ouve. O termo ‘mundo’ aqui é se refere e designa os que são de Jesus
Cristo e se opõem à vontade de Deus. Os falsos mestres trazem em si o
modo e a maneira de agir do mundo. Percebe-se em seu ensino e pregação.
“Estamos no mundo, mas dele não somos...” (HL 389). No verso 6 fala em
nome daquelas pessoas que ensinaram a verdade cristã em contraposição
aos falsos profetas e suas heresias.
7 Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor procede de
Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus.8 Aquele
que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor. 9 Nisto se manifestou
o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao
mundo, para vivermos por meio dele. 10 Nisto consiste o amor: não em
que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o
seu Filho como propiciação pelos nossos pecados. 11 Amados, se Deus de
tal maneira nos amou, devemos nós também amar uns aos outros.
O “tom” e “palavra-chave” desta Epístola é o amor (ou verbo amar),
tema favorito de João, o “discípulo amado”! O vocativo predominante é
“Amados” (4.1,7,11)! Só podemos amar porque Deus nos amou primeiro
(4.10), o amor vem de Deus (4.7) e Ele mesmo é amor (4.8,16). O amor
de Deus por nós se revela em Cristo Jesus que nos trouxe a salvação.
Este amor é referência balizadora. O amor autêntico se traduz (no sen-
tido de “transforma”) em ações. Um belo exemplo de justificação vicária
é encontrado aqui.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO (ASSUNTO, OBJETIVO, TEMA,


DESDOBRAMENTOS)

Como vimos, desde o início do desenvolvimento da igreja, foram


enfrentados problemas que comprometiam a fé e punham em risco a
salvação dos cristãos, especialmente os recém-convertidos. O apóstolo
João, assim como tantos outros, nos serve de lição especialmente por não
calar frente ao erro, e por se preocupar com cada um de seus “filhinhos”.
Também fica evidente o amor de Deus demonstrado em sua direção sobre
os acontecimentos da história de seu povo.

168
quinto domingo de páscoa

Sobre as heresias combatidas, duas características comuns a todas elas


chamam a atenção de maneira especial: as consequências desastrosas
de se colocar a razão como árbitra em questões de doutrina e de receber
como complementares os resultados do raciocínio humano na filosofia; em
segundo lugar, a extrema preocupação com o que o homem pode fazer para
sua própria salvação, revelada no ascetismo, que infelizmente perpassará
toda a história da Igreja Medieval e ainda permanece até nossos dias.
Em se tratando dos dias atuais, vemos quantos resquícios das antigas
heresias ainda permanecem em nossos dias, fundamentando doutrinas
supostamente novas e modernas nos mais diversos movimentos sectários.
Assim como João, temos a função especial de refutar tais ensinamentos,
pregando o que é correto e “reconhecendo o espírito da verdade e o es-
pírito do erro” (1 Jo 4.6).

SUGESTÃO TEMÁTICA: A pureza da igreja e o verdadeiro amor de


Deus nos possibilitam:
- Ter o Espírito de Deus, confessando unidos que Jesus Cristo veio
em carne (v.2);
- Ser reconhecido como filho de Deus (v. 4);
- Distinguir o espírito da verdade e do erro (v.6);
- Amar e ser amado (vv.7-11).

Wanderley Maycon Lange


Imbituva/ PR
wmlange@gmail.com

169
SEXTO DOMINGO DE PÁSCOA
13 de maio de 2012

Salmo 98; Atos 10.34-48; 1 João 5.1-8; João 15.9-17

CONTEXTO – CENÁRIO LITÚRGICO E HISTÓRICO

Desde o Segundo Domingo de Páscoa, a Série Trienal B nos propõe


ler toda a epístola de 1 João, cujo fecho se dará no domingo seguinte.
Então, terão sido sete sermões sobre esta pequena, mas significativa e
rica primeira carta do apóstolo João. É importante ter em mente que quem
escreve esta carta é o discípulo amado, chamado por Jesus, na companhia
do seu irmão Tiago (Mc 1.14-20), com o objetivo de pregar o mesmo ser-
mão que Jesus pregava: “Arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.15).
João, que “consertava as redes” na companhia de Tiago, agora “conserta”
a vida das pessoas pelo anúncio da palavra viva de Jesus.
É importante ter em mente que João, ao escrever a sua primeira carta,
escreve para um grupo de igrejas certamente próximas uma das outras.
Ele demonstra preocupações pastorais, especialmente por certos ensina-
mentos que objetivavam negar a natureza divina de Jesus.
Nada melhor, nesses domingos pós-Páscoa, do que meditar nos des-
dobramentos práticos da ressurreição de Jesus na vida dos cristãos. Por
isso, o Salmo 98 louva ao Senhor pelas maravilhas que fez, especialmente
pela salvação que proporciona, em Cristo, para todas as pessoas. Convida
todos a jubilar e louvar, inclusive o mar, os montes, toda a natureza, e
lembra que o mesmo Jesus que morreu e ressurgiu vitoriosamente dos
mortos, voltará no dia do juízo final, o que para os cristãos é, agora, o
maior motivo da sua esperança.
O apóstolo Pedro, discursando na casa de Cornélio (Atos 10.34-38),
deixa claro que Deus não faz acepção de pessoas, mas quer salvar a todos
pelo testemunho claro de Jesus. Pedro faz questão de assinalar o minis-
tério de Jesus, começando com o batismo que João pregou. Com isso,
estabelece um contato direto com a epístola, que faz menção ao batismo
de Jesus (A água – 1 Jo 5.6).
Na leitura da epístola (1 Jo 5.1-8), o apóstolo João fala do poder e
do testemunho da fé. Salienta que a fé em Cristo nos torna nascidos de
Deus e que, como desdobramento dessa fé, o amor ao próximo é muito
mais que uma ideia, pois assume expressões concretas. Como colocar a
fé em prática, em atos de amor? Abastecendo a fé na palavra e sacra-
mentos. A fé em Cristo, no seu sacrifício, morte e ressurreição, “venceu”

170
sexto domingo de páscoa

(aoristo) o mundo e todo o desamor que ele, mundo, prega e vive. Nos
versículos seguintes (9-12), João falará do conteúdo desta fé: crer em
Cristo significa ter a vida eterna (parte do texto da mensagem para o
próximo domingo).
Na leitura do evangelho (João 15.9-17), o Salvador Jesus Cristo fala
aos seus discípulos no cenáculo que, assim como o Pai o amou e ele veio
ao mundo dar a sua vida por nós, temos todas as condições para amar
ao próximo. Esse fruto da fé não é produção que se origina em nosso
coração, por nossa própria força, mas é obra de Cristo em nós. Ele nos
escolheu (nesta palavra se inclui tudo o que fez por nós na sua Obra da
Redenção) e, uma vez que fez tudo isso por nós, agora nos envia para
que produzamos frutos de amor.

TRADUÇÃO DO TEXTO

V. 1: Todo aquele que está crendo que Jesus é o Cristo, de Deus foi
nascido, e todo aquele que está amando o que o gerou (Deus), ama o
que foi nascido dele (Cristo).
gege,nnhtai – Perfeito indicativo passivo, terceira pessoa do singular
de genna,w – gerar, nascer.
ennh,santa – Particípio aoristo ativo, acusativo masculino singular
de genna,w
gegennhme,non – Particípio perfeito passive, acusativo masculino sin-
gular de genna,w
João usa o verbo genna,w três vezes nesse versículo: a primeira vez
para referir-se a nós, que fomos nascidos de Deus; a segunda vez para
referir-se ao próprio Deus, que gerou a Cristo (Cristo foi gerado, não
criado); a terceira vez, para referir-se ao próprio Cristo, que foi nascido
de Deus, e os que creem em Cristo e estão unidos a ele.
V. 2: Nestas coisas (nisto) conhecemos (sabemos) que amamos os
filhos de Deus, sempre que (quando) a Deus amamos e cumprimos seus
mandamentos (poiw/men – Presente subjuntivo ativo: cumprimos, prati-
camos).
V. 3: Este, pois, é o amor de Deus, para que os mandamentos dele
guardemos (thrw/men – Presente subjuntivo ativo: guardar, cumprir,
obedecer. Os dois presentes – poiw/men e thrw/men – indicam ação diária,
contínua, do dia a dia), e os mandamentos dele pesados não são.
barei/ai – Pesados, difíceis. Em Mt 23.4 a mesma palavra é usada para
descrever os preceitos criados pelos fariseus para que as pessoas obser-
vassem. Aqueles eram difíceis, pesadíssimos; ao mandamento de Jesus,
para os que foram nascidos de Deus não são pesados, nem difíceis – são
todo o seu prazer, é o desejo do seu coração perdoado e salvo.

171
Igreja Luterana

V. 4: Pois todo o que foi nascido de Deus, vence o mundo. E esta é a


vitória (o sucesso) que venceu o mundo: a fé de nós (a nossa fé).
João usa duas vezes o mesmo verbo: uma vez no presente indicativo:
nika/,| e outra vez, no aoristo: nikh,sasa (o aoristo indica um ato completo,
realizado de uma vez por todas!).
V. 5: Quem é o que vence (o vencedor) o mundo se não o que está
crendo (o que crê) que Jesus é o filho de Deus?
V. 6: Este é o que vindo (particípio aoristo II de e;rcomai: vir) da água e
do sangue: Jesus Cristo; não da água somente, mas na água e no sangue
(referência ao batismo de Jesus e à sua morte de cruz), e o Espírito é o
que está testemunhando (particípio presente ativo de marture,w), pois o
Espírito é a verdade.
V. 7: Pois três são os que estão testemunhando.
Obs.: Há nesse versículo a interpolação do texto: “no céu: o Pai, a
Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um. E três são os que testificam
na terra”. Esse texto não aparece nos manuscritos mais antigos, embora
sejam citados por Cipriano e Agostinho. E, mesmo que a sua ausência
dos originais fosse totalmente comprovada, não colocaria em dúvidas a
doutrina da Santíssima Trindade, que tem outros textos claros como sua
base sólida (Mt 28.18-20; 2 Co 13.13, entre outros).
V. 8: O Espírito e a água e o sangue, e os três para um são.

EXPOSIÇÃO DO TEXTO

O apóstolo João inicia o texto em foco, deixando claro que a fé que


Deus colocou em nosso coração desde o batismo, nutrida e alimentada
pela Palavra e Santa Ceia, é a fonte de toda a vida cristã. É por isso que
ele afirma que aquele que confia que Jesus é o Filho de Deus, é nascido
de Deus e, por isso, vai amá-lo acima de todas as coisas e não vai medir
esforços para amar os irmãos na fé, que também foram nascidos de Deus.
Ou seja, o amor a Deus e aos irmãos é uma consequência necessária e
natural da nova vida espiritual.
Este amor dos cristãos é um poder vivo que nos constrange a guardar
os mandamentos de Deus. O amor não se mostra em sentimentos emotivos
e vai muito além das palavras. Ele se mostra em atitudes concretas. O
texto usa dois verbos diferentes para explicar nossa relação com a lei de
Deus: fazer o que a lei manda e guardar a lei. É apenas desta maneira,
em atitudes práticas, que nós cristãos mostramos que fomos tornados
filhos de Deus.
O apóstolo João nos anima dizendo que os mandamentos de Deus
não são pesados. Aliás, a palavra aqui traduzida por penosos, é a mesma
palavra usada em Mt 23.4, quando Jesus se refere aos fardos pesados que

172
sexto domingo de páscoa

os escribas e fariseus amarram sobre as pessoas, tornando impossível que


elas cumpram todos os seus preceitos. Isso não quer dizer que suas leis
sejam mais perfeitas que a lei de Deus, mas que os mandamentos de Deus
encontram o coração perdoado e transformado do cristão que não deseja
outra coisa senão observá-la, com a ajuda valiosa do Espírito Santo.
Paulo expõe esse fato, dizendo que “aquele que é nascido de Deus
vence o mundo, e esta é a vitória que venceu o mundo, a nossa fé”. Isto
significa que, onde existe o renascimento para a nova vida do cristão,
onde a fé foi implantada de maneira poderosa em seu coração, lá existe
este maravilhoso poder para vencer as obras do mundo. Pela fé, o cristão
venceu definitivamente o mundo, porque a sua vitória foi-lhe dada por
Cristo. Por isso, vive diariamente essa vitória, numa vida de constante e
diário arrependimento e súplica pela ajuda de Deus.
Com certeza, esta fé não é coisa da imaginação, dos sentimentos ou
das intenções. É por isso que o apóstolo João pergunta: Quem é aquele
que vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?
Em nossos dias, muito se fala da fé, mas que, na maioria das vezes, as
tais demonstrações poderosas da fé não são nada mais do que demons-
trações fantasiosas de falsas curas, falsos milagres, falsas manifestações
de Deus. São, na verdade, a opinião enganosa das pessoas com o objetivo
de manipular vidas. É por isso que o discurso de quem age assim jamais
aponta para o fato de que Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, é o Salvador
do mundo.
O apóstolo João continua, afirmando o conteúdo da nossa fé: Jesus veio
nos salvar mediante a água e o sangue (v.6). Assim, ele aponta para os
dois acontecimentos principais da vida de Jesus: seu batismo e sua morte
na cruz. No batismo, ele começou a sua obra da redenção, consumada
na sua cruz. No evangelho, o Espírito Santo dá testemunho destes fatos,
testificando incessantemente que Jesus Cristo é o Salvador do mundo.
O texto encerra: “Pois há três que dão testemunho no céu: O Pai, a
Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um” (V. 7). Assim, o apóstolo
João fala da Santíssima Trindade: Deus o Pai, Deus o Filho que é a Pala-
vra eterna, e o Deus Espírito Santo, três pessoas, numa só essência. Por
que esse texto, que fala da fé cristã atuante em amor, encerra com uma
referência à Trindade? Porque o Deus Triúno, desde a eternidade, amou ao
mundo e mostrou esse amor em atitudes concretas de Criação, Redenção
e Santificação. Somos diária e abundantemente alcançados por ações de
amor de Deus. Por isso, somos motivados a amar.
O apóstolo, no versículo 8, afirma que, além do testemunho da San-
tíssima Trindade, há mais três que testemunham na terra: o Espírito e a
água e o sangue; e estes três são unânimes num só propósito, ou seja: o
Espírito Santo age por meio da palavra e dos sacramentos para testificar
a respeito da salvação que Jesus conquistou na sua cruz.

173
Igreja Luterana

Lutero assim se expressa acerca desse texto:

“Todo o que é nascido de Deus vence o mundo” – v. 4


Com essas palavras, João exorta os cristãos no sentido de que,
uma vez que creem também se disponham a demonstrar o poder
e a atuação dessa fé por meio das suas atitudes e seu modo de
vida. Pois ele escreveu essa epístola especialmente para censurar
os falsos cristãos, aqueles que gostam de ouvir quando somos
salvos unicamente por Cristo e que nossas obras e realizações
não podem merecer a salvação, e então pensam que no momento
em que ouviram isso também são cristãos e não precisam fazer
absolutamente nada, nem entrar na luta. Não percebem que da
fé e por meio da fé devem surgir pessoas renovadas, que vencem
o mundo e o pecado.
Aqui se exclui a possibilidade de alguém ser renascido de Deus
e ao mesmo tempo continuar seguindo o desejo do diabo, viver
e permanecer em pecados como outrora. Ao contrário, é preciso
resistir ao diabo e a todo o seu reino. Por isso, se você não vence
o mundo, mas é vencido por ele, então você pode até se gloriar
na fé e em Cristo, mas sua própria atitude depõe contra você que
você não é filho de Deus. (Castelo Forte, 1983 – 16/04).

ESBOÇO

1. Pensamento Central: Deus colocou no coração dos seus filhos


uma fé que é ativa em amor.
2. Objetivo: O texto bíblico move o pregador a buscar, na sua expo-
sição, deixar claro aos ouvintes que a fé cristã que Deus colocou dentro
dos nossos corações e alimenta, pelos meios da graça, necessariamente
se mostra em atitudes concretas de amor a Deus e ao próximo. Objetivo
de vida.
3. Lei: O apóstolo João tem como objetivo combater a farsa daqueles
que gostam de ouvir que a sua redenção foi completamente realizada por
Cristo e pensam que, por isso, não precisam demonstrar a sua fé por meio
das suas atitudes e da sua vida. É uma grande tentação: pensar que a fé
cristã consiste em receber de graça o amor de Deus, mediado em Jesus, e
que, então, não precisam fazer absolutamente nada, nem entrar na luta.
Não percebem que da fé e por meio da fé deve surgir pessoas renovadas,
que vencem o mundo e o pecado. Por isso, demonstramos falta de amor a
Deus quando vivemos de qualquer jeito, não lutando contra as tentações
do diabo, do mundo e da nossa própria carne. As maiores tentações que
podemos enfrentar são aquelas que visam nos afastar do evangelho. Elas

174
sexto domingo de páscoa

são sorrateiras e sutis; mas, poderosas, pois, se somos afastados do evan-


gelho, perdemos tudo: a fé, a vida e a salvação! Ninguém pode dizer que
ama a Deus se não manifesta, mostra, esse amor, considerando a Deus
acima de todas as coisas, fazendo bom uso do nome divino e considerando
a palavra de Deus santa, gostando de ouvi-la e estudá-la.
Aqui se exclui a possibilidade de alguém ser renascido de Deus e ao
mesmo tempo continuar seguindo o desejo do diabo, viver e permanecer
em pecados como antes da sua conversão, especialmente o que diz res-
peito ao trato com o seu próximo. Mas, ao invés de amor interessado e
abnegado ao próximo, vemos nosso egoísmo, que procura apenas nossos
próprios interesses; a falta de sensibilidade para estender ao próximo
as ações de ajuda e auxílio, a falta de disposição e doação de tempo e
dinheiro para atender as necessidades dos nossos irmãos na fé, quando
estes necessitam de nós. O mesmo apóstolo João nos questiona, dizendo
que não pode alguém dizer que ama a Deus, a quem não vê, se não ama
ao seu próximo a quem vê (1 Jo 4.20).
4. Evangelho: O apóstolo João fala do testemunho da Santíssima
Trindade sobre o amor. Deus nos ama tanto e esse amor foi mostrado no
envio de Jesus ao mundo. Quando ele foi batizado, ele se identificou com
o ser humano pecador e declarou sua disposição para pagar por todos os
pecados do mundo inteiro. Ele levou sua disposição até ao fim, derramando
seu sangue na cruz, entregando sua vida à morte para fazer plena recon-
ciliação do mundo perdido com o Deus de amor. Ele não parou de mostrar
amor: ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, enviou o Espírito Santo
que continua testificando a respeito da verdade, ensinando a verdade.
Na Palavra, Batismo e Santa Ceia, ele vem oferecendo a todos nós tudo
o que Cristo conquistou na cruz. Assim somos alcançados pelo amor de
Deus. Cada um de nós tem a oportunidade de receber incessantemente
essa demonstração do amor reconciliador, transformador, regenerador de
Deus, nos meios da graça: Palavra e Sacramentos.
É esse amor que nos alcançou e nos fez nascer de Deus, que nos
motiva a amar o nosso próximo. Deus sabe quantas dificuldades temos
para fazê-lo. Ele perdoa toda a falta de amor ao próximo e nos motiva a
demonstrar interesse sincero no bem-estar do nosso próximo, em ações
concretas que o beneficiam. Deus investe muito para que possamos agir
assim: Ele fala conosco em sua palavra viva e poderosa, em todas as
oportunidades que nos dá de ouvir, ler e meditar na mesma. No nosso
batismo, ele nos dá forças para afogar nossa velha natureza que não quer
saber de amar a Deus e ao próximo, e cria em nós um coração puro e
novo, que se dispõe a amar. Na santa ceia, perdoa-nos sempre e recria
em nós a disposição firme de amar o nosso próximo, dando-nos atitudes
sinceras de caridade em relação a ele.

175
Igreja Luterana

5. Tema: O amor de Deus por nós nos dá oportunidades para amar.


6. Introdução: Conversar informalmente com a congregação, pe-
dindo que algumas pessoas definam o que é amor a Deus e amor ao
próximo. Verificar que, quase sempre, ao se falar em amor, pensa-se em
sentimentos.
7. Partes
7.1 Amar a Deus
- Deus colocou a fé em nosso coração e a mantém.
- Por isso, nos motiva a amar a Deus acima de todas as coisas, em
ações que demonstram esse amor: cuidado com o nome de Deus
e apego aos meios da graça (“considerar a palavra santa...”)
7.2 Amar ao próximo
- Somos “nascidos de Deus” (v.1) e, por isso, amamos as pessoas
que também foram nascidas dele.
- Demonstramos esse amor às pessoas em atitudes concretas que
demonstram esse amor: sensibilidade para perceber e atender as
necessidades do nosso próximo.
8. Conclusão: Retomar a conversa sobre o que é o amor a Deus e ao
próximo e verificar se o conceito tornou-se mais prático, de ação. Verificar
também se a motivação é a correta: o amor de Deus por nós.

Silvio F. da Silva Filho


Vila Velha/ES
revsilviop@yahoo.com.br

176
A ASCENSÃO DO SENHOR
17 de maio de 2012

Salmo 47; Atos 1.1-11; Efésios 1.15-23; Lucas 24.44-53

CONTEXTO

A quem Paulo está escrevendo esta carta? À igreja em Éfeso? Como a


expressão “em Éfeso” é omitida em alguns dos mais antigos manuscritos,
pensam alguns que esta carta foi dirigida a várias igrejas. Seja como for,
Paulo, nesta carta endereçada a todos os santos e fiéis em Cristo Jesus,
expressa a graça, o amor, a misericórdia, o propósito de Deus – em Cristo
Jesus – para com os homens (vv.3ss.). Especialmente, também Paulo louva
a Deus pelo fato de os cristãos de Éfeso terem ouvido, crido e estarem na
fé verdadeira (v.13). O Cristo para Todos foi também anunciado em Éfeso,
na Galácia, em Filipos... E ali ouvido e crido por muitos. Que fantásticos
resultados são operados pelo Espírito Santo quando o evangelho de Cristo
é testemunhado pela igreja de Deus! O desejo das testemunhas de Deus
é que os “santos e fiéis” continuem vivendo na fé... “no Senhor Jesus e no
amor para com todos” (v. 15) e assim continuem adorando a Deus, como
filhos amados. Este santo desejo Paulo expressa agora nesta belíssima e
profunda oração, em favor dos “santos e fiéis” a quem escrevia, a fim de
que habite Cristo sempre nos seus corações, pela fé (repete esta oração
em Ef 3.14-2 l). A ressurreição e a ascensão de Cristo aos céus – o estar
Cristo àdireita de Deus nos céus (v.20) – é a garantia da ressurreição dos
“santos... e fiéis em Cristo Jesus”.

TEXTO

V. 15: O desejo das testemunhas de Deus é que os “santos e fiéis” con-


tinuem vivendo na fé... “no Senhor Jesus e no amor para com todos”.
V. 16: O amor faz o cristão lembrar-se sempre dos seus irmãos na fé,
ajudando-os em todas as suas necessidades, interessando-se por eles,
sacrificando-se por eles, orando por eles (Tg 5.16). O amor de Cristo
“constrangia” Paulo a agir assim para com os “santos e fiéis em Cristo”.
Especialmente, a permanecerem e crescerem na “graça e conhecimento de
Cristo”. Paulo os tinha em sua lembrança, em sua memória (mneía). Eles
estavam no coração de Paulo e eram sempre mencionados (poioúmenos)
em suas orações (como é importante sermos “lembrados” e mencionados
nas orações de nossos irmãos na fé!).

177
Igreja Luterana

V. 17: O desejo expresso de Paulo nesta oração - (dok) é que Deus


conceda sabedoria plena, conhecimento pleno (ES) para a permanência
nEle (Cristo). Precisamos do “espírito de sabedoria” de Deus para que
continuemos sábios para a salvação, para que continuemos reconhecendo
a Cristo Jesus como nosso único Senhor e Salvador.
V. 18: Só com a luz do Espírito Santo, com o seu contínuo iluminar
(votízo), pode o nosso entendimento (mente, coração) absorver a pro-
fundidade do amor de Deus e nEle permanecer. Que clara compreensão
dos “mistérios de Deus”, do chamamento de Deus há naqueles que têm
os “olhos do coração” assim iluminados! Este ato afeta profundamente a
vida do cristão.
V. 19: Compreender a grandeza do poder de Deus ultrapassa (iper-
ballo) a razão humana. Quando só a razão humana vai entender, por
exemplo, o poder da ressurreição, a ascensão...? Por isso precisamos do
Poder em ação, do Poder ativo, do Poder “força” de Deus (krátos), que
opera naqueles que creem, para assim compreender a profundidade do
seu amor e poder.
V. 20: Paulo, utilizando dos três vocábulos (dinámeos, krátous, isríos),
enfatiza este poder que é de Deus, que é próprio dEle, mas que é colocado
à disposição dos homens. Este poder, “o qual exerceu Deus em Cristo”,
nós o vemos efetivado, de uma forma muito peculiar, na ressurreição e na
ascensão de Cristo. Este poder é posto à nossa disposição, pois a vitória
de Cristo é nossa também (Ef 2.6).
V. 21: Este poder absoluto de Deus é aqui descrito por Paulo, no do-
mínio que Ele (Deus) tem sobre tudo e sobre todas as coisas. Tudo neste
mundo e no vindouro (mélonti) – está sob o poder do Cristo exaltado (Fp
2.9). Cristo é o nome que está acima (iperáno) de qualquer nome.
V. 22: As mesmas palavras usadas por Davi no Sl 8.6 são aqui men-
cionadas por Paulo (e novamente em 1 Co 15.27). Assim como Cristo é
Senhor sobre todas as coisas, também o é sobre a Igreja. Deus o deu
como cabeça (édoken - Cristo é aquele que tem domínio sobre todas as
coisas). É de Cristo (a cabeça) que a Igreja recebe luz e vida plena.
V. 23: Como Cristo é a Cabeça da Igreja, a Igreja, por sua vez, é o
complemento de Cristo (a cabeça). Por isso ela é esta plenitude de Cristo
(plerournénou). Ele (Cristo) a enche totalmente. Toda a igreja tem de
estar envolvida por Cristo. A Igreja se torna ativa – igreja viva – tornando
Cristo tudo para todos. Portanto, o Cristo que morreu, ressuscitou e subiu
aos céus é Aquele que tem todo o poder, é Aquele que a “tudo enche em
todas as coisas”.

178
a ascenção do senhor

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Quando temos o Espírito de Sabedoria e Revelação:


1. Conhecemos o Cristo Vivo (que ascendeu aos céus – Jo 14.2,3).
2. Estamos nEle (sua ressurreição e ascensão é também nossa).
3. Temos o Seu Poder (o poder da vitória de Cristo – vv. 19,20).

José Eraldo Schulz


Rolante/RS
eraldoschulz@hotmail.com

179
SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA
20 de maio de 2012

Salmo 1; Atos 1.12-26; 1 João 5.9-15; João 17.11b-19

COMENTÁRIOS SOBRE AS LEITURAS DO DIA

Salmo 1: O salmista aponta para duas realidades, dois caminhos.


Quando a opção é pelo que é correto o que segue são muitas bênçãos.
No entanto, quando a opção é outra, longe de Deus, os resultados não
nos beneficiam. Por isso, felizes são aqueles que andam nos caminhos do
Senhor (v.1). Estes frutificam.
Atos 1.12-26: O plano de Deus não termina com a ascensão de Jesus.
O texto em questão mostra que a equipe (os discípulos) é reorganizada
para cumprir com os propósitos de Deus, entre os quais a evangelização.
Eles eram tementes a Deus e isso fez toda a diferença para o início da
igreja cristã.
1 João 5.9-15: O testemunho do crente é sua confiança em Jesus, o
que lhe dá a perspectiva de viver aqui pensando na vida eterna. A fé tem
sua razão de ser, pois Jesus, o centro, se mostrou como filho de Deus e
deu sua vida pelas pessoas.
João 17.11b-19: Jesus ora em favor dos seus seguidores. Tem clareza
do seu papel e as dificuldades pelas quais teriam que passar no exercício
de seu ministério. O mal ronda e quer destruir, arruinar a verdade. Pre-
cisavam ser protegidos do mal.

COMENTÁRIOS SOBRE A EPÍSTOLA (1 JO 5.9-15)

O momento pelo qual a igreja passava era muito tenso em virtude


das perseguições existentes. O governo e o próprio judaísmo não davam
trégua. Seria medo de uma sedição? Isto porque o número de cristãos
aumentava cada vez mais e em muitos lugares ao mesmo tempo. Pessoas
que tinham contato com o Evangelho divulgavam isso em todos os cantos.
Imagina-se, conforme a tradição da igreja, que os discípulos tiveram uma
grande contribuição para que este evangelho fosse propagado em muitos
lugares, o que despertou interesse nas pessoas que ouviam e criam. Mas
também as autoridades e outros segmentos religiosos se manifestaram
contrários a esta propagação e os cristãos foram alvo de perseguições
durante muitos anos.

180
sétimo domingo de páscoa

Ao mesmo tempo os fundamentos da teologia estavam sendo construí-


dos. Essa era uma época do início das heresias a respeito da cristologia, por
exemplo. Este era um assunto novo gerando expectativas para os primeiros
cristãos. Os escritores bíblicos, inspirados por Deus, procuravam responder
aos primeiros questionamentos da igreja bem como orientá-la para uma
compreensão maior dos assuntos relacionados à pessoa de Cristo.
O texto de 1 João 5.9-15 é um reflexo desta preocupação. Os assuntos
ali relacionados acabam se complementando. Os diversos temas como
vida eterna, fé, pecado e graça (não necessariamente nesta ordem) estão
correlacionados e precisam ser definidos com exatidão pelo apóstolo e a
direção dada por ele está muito clara: confessamos ao Senhor Jesus como
Deus. Nossa incredulidade é um reflexo do pecado. Nossa fé em Jesus
tem como destino final a vida eterna. Esta expectativa nos anima sempre
a viver nesta esperança do retorno do Senhor.
Portanto, o assunto em pauta é a defesa da cristologia, sua afirmação e
testificação. O apóstolo deixa a entender aos seus leitores uma necessidade
em fundamentar sua fé. Argumenta que o próprio Deus dá testemunho
de Jesus (v.9) e este é decisivo. Salienta, ainda, que pela fé somos filhos
de Deus (ver Rm 8.16) e admitimos os nossos erros, pois se estes forem
ignorados é como se opuséssemos a Deus tornando-o mentiroso (ver 1
Jo 1.10), que é um reflexo da incredulidade do indivíduo.
Leva a todos a compreenderem que Jesus é o caminho, a referência
básica da fé cristã (Jo 14.6), a vida e quem nele crê terá a vida eterna,
nos céus (Jo 3.36; 20.31).
Para os leitores esta informação é precisa, clara e dimensiona sua con-
fiança em Jesus. É como se estivesse fazendo um resgate da cristologia e
identificando-a a todos a fim de que ninguém se perdesse em fábulas ou
qualquer outra interpretação que não fosse fiel às Escrituras Sagradas.
Encerra o assunto afirmando que os nossos pedidos a Deus são ouvidos
por ele e as respostas serão certas de acordo com a sua vontade.

TEMA E ESBOÇO HOMILÉTICO

O testemunho do (Deus) Pai é decisivo


1. Para a construção de uma vida cristã saudável, fundamentada em
Jesus.
2. Para ratificar nossa fé e desejo de viver na eternidade com Deus.

Waldyr Hoffmann
Joinville/SC
waldyr.h@uol.com.br

181
DOMINGO DE PENTECOSTES
27 de maio de 2012

Salmo 139.1-12 (13-16); Ezequiel 37.1-14 ou Joel 2.28-32;


Atos 2.1-21; João 15.26,27; 16.4b-15

CONTEXTO

O assunto para nós não é estranho – vivemos uma das grandes festas
milenares da cristandade. Pentecostes quer dizer 50 dias. A comemora-
ção da qual nos fala esta história, no mínimo maravilhosa, fazia parte do
calendário do povo de Deus, era uma das três festas (a segunda) orde-
nadas por Deus. A tradição judaica diz que a Lei tinha sido dada neste
dia. O Pentecostes foi originalmente o festival das primícias da colheita
(Lv 23 e Dt 16), garantias da colheita completa por vir. Por isso também
era conhecido como a Festa da Colheita ou o Dia das Primícias, porque
a colheita dos frutos era celebrada pela apresentação ao Senhor de dois
pães de farinha recentemente colhida. Isto deveria ensinar ao povo que
todos os produtos da terra são dons de Deus, pelos quais deveriam dar
ações de graça.
“Cinquenta dias” pressupõe um ponto de partida. No momento histórico
da celebração do primeiro Pentecostes da era cristã, a festa confrontava
os seguidores com o grande momento – o momento da ressurreição do
Mestre Jesus, morto na cruz, mas ressuscitado de forma gloriosa, fato
que várias aparições dele já haviam confirmado, inclusive no momento
de sua Ascensão. Era neste momento de festa que eles estavam reuni-
dos, possivelmente numa casa particular, por volta da terceira hora, ou
seja, 9 horas, num local que pode ter sido no cenáculo onde Jesus havia
instituído a Santa Ceia.

ÊNFASES

O Pentecostes celebrado 50 dias depois da Páscoa atraía peregrinos,


judeus da dispersão, vindos de todo o mundo, para Jerusalém. É possível
lembrar quatro momentos históricos nos quais os judeus foram espalhados
para fora de sua terra. Entre as três festas, a do Pentecostes era a prefe-
rencial da maioria, pois a época era mais favorável pelo clima ameno. É
claro que também participavam da festa os prosélitos, que eram pessoas
de outra origem que haviam se convertido à religião judaica.
- “Estavam todos reunidos” – calcula-se o número de 120 pessoas,

182
domingo de pentecostes

tomando por base o número da assembleia que escolhera Matias como


discípulo.
- “Reunidos no mesmo lugar” – possivelmente o cenáculo, proprieda-
de de um discípulo anônimo. Poderia ter sido também na casa de Maria,
mãe de Marcos, onde também eles se reuniam, mas tudo parece indicar
o primeiro lugar.
- “Som como de um vento impetuoso” – a palavra grega echos dá a
entender que não era vento de tempestade, mas um eco de vento, vindo
do céu. Este encheu toda a casa, e tudo indica que tenha sido ouvido
também adiante, o que motivou a vinda de mais pessoas para ver o que
estava acontecendo.
- “E apareceram distribuídas entre eles línguas como de fogo, e pou-
sou uma sobre cada um deles” – o termo glossai está no plural. Desceu
e se dividiu sobre cada um deles individualmente. Como não era vento,
também não era fogo. Era, isto sim, “como” de fogo. Uma linguagem
sugestiva antes que descritiva.
- “Todos ficaram cheios do Espírito Santo” – este foi o grande milagre.
O resto foi apenas uma moldura especial. Se olharmos para a história
bíblica, veremos Deus usando muito de fenômenos especiais (trovões,
relâmpagos) para demonstrar sua presença e ação.
- “Passaram a falar em outras línguas” – Todos os ouviam em sua língua
materna. Aqui podemos pensar na linguagem que cada um dos ouvintes
trazia como familiar e usual na região ou país do qual viera para participar
da festa. A linguagem era inteligível. Não é possível ignorar que esta era
uma dádiva do Espírito Santo, e não um conhecimento dos apóstolos. Este
fato deixou a todos os que ouviam atônitos, admirados e perplexos.
- “Outros, zombando, diziam: estão embriagados” – sinal claro de que
muitos que acorreram não estavam abertos à mensagem dos apóstolos e
à ação do Espírito de Deus. Não pode haver fé onde o Espírito não enche
ou plenifica a pessoa, e então a consequência é zombaria.

Onde o Espírito Santo move testemunhas de Cristo a testificarem,


os antiespíritos do mundo entram em ação. Onde a mensagem
da cruz e da ressurreição é pregada, o mundo entra em cena
com cinismo, exclamando: vocês estão loucos! Quando neste
choque o mundo percebe que está sendo derrotado, começa a
gritar e lança palavrões contra Cristo e suas testemunhas (Prof.
Johannes Rottmann)

Pedro em seu discurso diz ser, este acontecimento, o cumprimento da


profecia de Joel. Aponta para os últimos dias. Diz que todos profetizarão.
Aparecerão sinais na natureza, antes do glorioso dia do Senhor. E quem
invocar o nome do Senhor, agora ressuscitado, será salvo.

183
Igreja Luterana

Alguns destaques com base no texto de Joel:


- O derramamento do Espírito de Deus tem alcance universal.
- O dom da proclamação do Evangelho se estenderá a todos.
- A iluminação do Espírito Santo não se limita a qualquer idade.
- O fim da era messiânica será acompanhado por sinais extraordinários
em todo o universo.

PARALELOS

O ministério profético de Jesus teve o seu início com a descida do Es-


pírito Santo, em forma corpórea de pomba, por ocasião do seu batismo. O
ministério da Igreja tem o seu ponto de partida na concessão do Espírito
Santo, em forma de um som como vento, e línguas como de fogo. Como
Jesus, a partir do seu batismo, desenvolveu seu ministério “salvador”, a
Igreja desempenhou a sua missão de “testemunha”, testemunhando por
palavras e atos. A partir do Pentecostes, também nós hoje recebemos “po-
der ao descer o Espírito Santo ... e somos testemunhas de Jesus”(At 1).
Pentecostes é a inversão da torre de Babel. O Espírito traz unidade de
entendimento e compreensão, onde a torre de Babel havia gerado divisão
e separação.
Os detalhes citados por Pedro são claramente a citação do texto de
Joel. Não há incoerência entre o texto de Joel “naqueles dias” e a citação
de Pedro “nos últimos dias”. O sentido é o mesmo.
O “poder de vida” do Espírito Santo é apresentado de forma maravi-
lhosa na visão que Deus oferece ao profeta Ezequiel. Através dela Deus
quer motivar a Ezequiel, e por consequência ao seu povo, com uma pro-
messa de pura esperança, quando o povo não enxergava saída para a
sua situação.
Jesus no Evangelho denomina o Espírito que ele enviaria como o “Con-
solador”, que seria necessário para seu povo realizar a sua obra. É a vida
nova, produzida em nós pelo Espírito Santo, que nos faz viver consolados
e preparados para testemunharmos Cristo por palavras e atitudes.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

A presença do Espírito
Objetivo: Fazer com que o povo de Deus se sinta seguro da presença
do Espírito de Deus, e da suficiência dEle.
Tema: Manifestação de poder.

A ação do Espírito Santo na vida da igreja é uma ênfase muito forte em


nosso contexto eclesiástico, especialmente evangélico. Desvia-se muitas

184
domingo de pentecostes

vezes o foco soberano do objetivo de Deus para o exercício do desejo


humano de autoafirmação e satisfação própria.
Num certo momento do meu ministério pastoral, uma senhora, mem-
bro da igreja, mas em contato com um grupo pentecostal, expressou seu
carinho, dizendo: “Eu estou orando para que o senhor também receba o
Espírito Santo”, o que mostra a realidade de uma expectativa estranha
quanto à obra do Espírito Santo.
1. Frente à fraqueza do desespero humano, Deus promete e cumpre
sua promessa.
2. O Consolador cumpre sua missão de revigorar os discípulos do Se-
nhor, concedendo-lhes o seu dom e os capacita para o seu testemunho.
3. A unidade da Igreja em torno de Cristo, o ressurreto, continua a
ser a grande manifestação do poder do Consolador entre nós, um poder
totalmente dele.
4. É isto que necessitamos para vivermos sem culpa, na paz que Cristo
nos dá, cheios de “poder”, e assim destemidamente, alegres e plenos de
esperança.

BIBLIOGRAFIA

ROTTMANN, Johannes. Atos dos Apóstolos no contexto do século XX. Porto


Alegre: Concórdia, 1979.
ROEHRS; FRANZMANN. Concordia Self-Study Commentary. 1979

Erni Krebs
Sorocaba/SP
ernikrebs@gmail.com

185
LivrOS

RICHARDSON, Don. O Totem da Paz. Tradução de Myrian Talitha Lins.


Belo Horizonte: Betânia, 2007

Don Richardson é também autor do livro Fator Melquisedeque, em que


ele conta uma série de histórias para mostrar que a revelação natural ou
geral de Deus, deixada em cada cultura, tribo e nação, podem funcionar
como ponte para a proclamação do Evangelho do Senhor Jesus.
No livro O Totem da Paz ele coloca esse princípio em prática como
missionário, junto com sua esposa Carol. Ambos empreenderam em 1962
uma ação missionária na terra dos Sawis, uma tribo de canibais caçadores
de cabeças e onde a traição era uma filosofia de vida e motivo de louvor
entre seus habitantes. A localização das Aldeias Sawis é próxima ao con-
tinente australiano e o Mar de Arafura.
Com paciência, perseverança e fé, ele espera por situações e ex-
periências que ele possa se utilizar para proclamar a Cristo. E este é
o clímax do enredo. Numa estranha prática de troca de crianças entre
tribos, causando angustiantes e indescritíveis dores para os pais, era
selada a paz entre as tribos. Isso se encaixou como uma luva na analo-
gia da salvação que Don Richardson e sua esposa tanto ansiavam para
proclamar Jesus Cristo. A oferenda da paz, simbolizada pela troca de
crianças entregues a tribos vizinhas como garantia de pacificação, mas
condicionada à manutenção da vida dessas crianças, serviu como ponte
para falar da “oferenda da paz” providenciada por Deus Pai, que deu
seu Filho, o Príncipe da Paz, como garantia incondicional da pacificação
eterna entre Deus e os homens.
Don Richardson e sua esposa, mais tarde também seus filhos, podem
ser considerados como heróis da fé. Eles se submeteram a sacrifícios
inimagináveis a um pregador do Evangelho no século XXI. Ainda que não
se possa ignorar que o contexto atual não está livre de perigos, por conta
de uma sociedade às vezes “canibal e antropófaga” e cuja manifestação
é real e muito variada. O contexto dos Sawis também desperta para uma
eclesiologia no contexto atual, voltada para o aspecto social e humanitá-
rio, ao lado da pregação do Evangelho. Algo que Don e Carol faziam com
maestria.
Uma pergunta bem particular e muito honesta que me fazia em
alguns momentos era: Don estava errado ao se esvaziar tanto pela
causa do Evangelho? Ou os missionários do século XXI estão certos
ao impor condições na hora de ir e pregar o Evangelho e não querer
deixar a sua zona de conforto? Por que nós quase nos imunizamos ou
somos imunizados a eventuais sacrifícios? Precisamos disso ainda nos
dias de hoje?

187
Igreja Luterana

A leitura de O Totem da Paz é uma boa pedida para ler e refletir sobre
questões como as acima colocadas, enquanto se lê e se espera o fim das
histórias de Don, contadas em matizes cinematográficas e de suspense.

Anselmo Ernesto Graff


São Leopoldo/RS
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