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O DIREITO PENAL E A CRIMINALIDADE1

WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR


Juiz Federal e Professor da
Universidade Federal do Rio

Grande do Norte-UFRN

Sumário: 1.- Introdução. 2.- Escolas penais. 3.- Escola


da Nova Defesa Social. 4.- As escolas na elaboração dos
Códigos Penal e Processual Penal. 5.- A reforma dos
Códigos Penal e Processual Penal. 6.- Estado, cidadão e
criminalidade. 7.- Conclusão.

1.- Introdução.

O grupo social se agita em movimento contra a


criminalidade, acreditando na reforma da legislação penal como forma de
recrudescer a escalada da delinqüência. Em verdade, o mundo, em sua inteireza,
vivencia amplo movimento de reforma do Direito Penal, principalmente no que
diz respeito às normas de ordem processual, porquanto a preocupação tem se sentido
mais precisamente na eficácia e celeridade da aplicação das penas, do que
propriamente nos aspectos pertinentes ao direito de punir em si.

O movimento de reforma procura prescrever equilíbrio


mais justo entre os direitos fundamentais do ser humano e as exigências, da
sociedade amedrontada, de uma justiça penal essencialmente eficiente, capaz de
apresentar soluções à temática do comportamento criminoso.

1
Trabalho apresentado na “I JORNADA DE DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL”, promovida pelo
DAAC-Diretório Acadêmico Amaro Cavalcanti do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte-UFRN.
2

O homem delinqüente, sob o influxo das idéias desse


movimento reformista, deixa de ser considerado mero objeto do processo, sendo
merecedor de inúmeras garantias processuais plasmadas nas Constituições,
passando-se a encarar essas regras como limitações ao direito de punir. Não são
mais benefícios legais outorgados ao agente do ilícito, porém direitos, de ordem
material e, sobremaneira, formal.

A AIDP - Associação Internacional de Direito Penal


merece posição de destaque na construção das idéias que têm direcionado as
tendências do movimento de reforma. No Congresso de Viena ocorrido em
1989, estudaram-se as relações entre o processo penal e a organização judiciária,
tema que voltou a despertar a atenção no Colóquio realizado no Rio de Janeiro, de
4 a 10 de setembro de 19942.

As reformas do processo penal têm sido fomentadas, como


não poderia deixar de ser, pelas profundas mudanças políticas ocorridas na ordem
interna. A Polônia, em razão da Constituição de 1989, está cuidando de novo
Código de Processo Penal. A Romênia, vindo a albergar diversas garantias
processuais, fez exsurgir a necessidade da reforma do Código de Processo Penal de
1968. Os juristas japoneses, em atenção aos Direitos do Homem, clamam por um
Código de Processo Penal mais humanista. O Peru, por força da Constituição de
1979, tratou de trazer a lume o Código de 1993. A Colômbia, como decorrência
lógica da Constituição de 1991, também concebeu novo Código de Processo Penal.

Em países outros, como são os casos da Alemanha, da


Espanha, da Áustria e da Itália, as mudanças das normas processuais e penais
advieram da jurisprudência firmada pelas respectivas Cortes Constitucionais,
sendo digno de nota que essa contribuição do pensamento jurisprudencial provocou,
na Itália, a edição do novo Código de Processo Penal de 1989.

A Suécia e a Suíça não ficaram imunes ao movimento


reformista, recebendo as idéias proclamadas pela jurisprudência do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos, de Estrasburgo, com a conseqüente alteração da
legislação penal.

O Brasil, evidentemente, está acompanhando, e sentindo, o


movimento reformista, mostrando-se vivo no processo de mudança, buscando

2
Nesse período, realizou-se, aqui no Brasil, o XV Congresso Internacional de Direito Penal.
3

aplicar, no afã de atender os anelos sociais, alterações no ordenamento jurídico para


arejá-lo com as novas idéias.

Pode-se dizer, é verdade, que esse movimento reformista,


filho direto das mutações políticas, não pode ser dissociado das primeiras reações
do pensamento no sentido de estabelecer uma ordem social inibidora da
delinqüência.

2.- ESCOLAS PENAIS.

É preciso saber que a primeira concepção da justiça


penal deve-se à criação religiosa, tendo como suporte a expiação do criminoso
culpado por haver atentado contra a Divindade. O crime suscitava a cólera dos
deuses, que só seria escoimada com o castigo correspondente. Essa tendência é
bem visível no Código de Hamurabi. Tal concepção de justiça penal coincide com o
estádio de organização alcançado pela sociedade, superando o pensamento da
repressão à criminalidade com a pura vingança privada.

O segundo pensamento da justiça penal, que acompanha


o movimento da separação dos fins do Estado dos da Religião, deixa o campo
religioso propriamente dito, para adentrar mais especificamente na órbita política.
A justiça penal não teria mais como fim aplacar a ira dos deuses, mas sim o de
proteger a ordem e a paz pública perquirida pelo Soberano. A repressão ao
comportamento antagônico à ordem e à paz estabelecida passa a representar a forma
de se impor a autoridade do Estado.

Para manter a sua autoridade, o Soberano insere, no


ordenamento jurídico, os mecanismos mais bárbaros, não apenas no propósito de
punir, mas também, o que é pior, no escopo de descobrir a verdade. O corpo do
homem, que era o objeto da pena, além de se manifestar como o responsável pelos
atos criminosos, transforma-se, de igual forma, no objeto do processo, devendo
merecer provações para esclarecer o crime.

Estamos na época dos suplícios. O corpo do agente do


crime, diante da necessidade de afirmar-se, pela força, a autoridade do soberano,
passa a ser penalizado duas vezes: primeiramente, durante o processo, em que o
suplício do corpo com a tortura é a técnica empregada para descortinar a verdade do
4

crime 3 ; depois, com a aplicação da pena, que deve ser corporal, em cerimonial
realizado diante da sociedade, para servir de exemplo e atuar como medida de
prevenção geral. A prisão era prevista, apenas, como a forma de deter-se o homem
para a aplicação da pena corporal correspondente.

Nada obstante os suplícios ao corpo, todo o processo, até


sua execução, quando então se fazia importante levar a conhecimento do grupo social
o suplício final, permanecia secreto, dele não tendo participação o acusado. O
processo não era do conhecimento do acusado, tornando-se, o saber do drama
judiciário, privilégio único e exclusivo da acusação. O acusado não sabia qual era a
imputação que lhe era feita, os depoimentos tomados, as provas apuradas.
Imperava o entendimento de que, sendo inocente, de defesa o acusado não
precisava, enquanto se fosse culpado, a ela não teria direito. Era a influência,
ainda, de alguns dogmas da concepção religiosa.

A forma secreta e escrita do processo era de mister ao


estabelecimento da verdade, tendo o Soberano e os seus juízes direito absoluto e
poder exclusivo para encontrá-la, tratando os juristas da Renascença de desenvolver a
doutrina quanto à natureza e à eficácia das provas.

No entanto, alguns pensadores da Renascença, como


ERASMO DE ROTERDÃ e MAQUIAVEL, diante das guerras religiosas, da
descoberta de novos continentes e dos inevitáveis efeitos econômicos daí
decorrentes e dos avanços científicos da física e da astronomia, percebendo o
abalo da mentalidade medieval e a insegurança crítica do Século XVII, passaram a
desenvolver idéias interrogando os dogmas, doutrinas e opiniões então aceitas, além
de apresentar respostas mais adequadas a essas inquietações.

O Iluminismo, tencionando instaurar o livre-pensamento,


hostiliza, sem ser anti-religioso, a fé nos milagres, pondo em dúvidas o historicismo
bíblico, não só por suas raízes positivas germinadas da fé nas leis invioláveis da
natureza, mas também em razão da desconfiança contra as pessoas que asseveraram
a autenticidade da narrativa propugnada pela Igreja.

3
Na época da concepção política da justiça penal, segundo MICHEL FOUCAULT, “O corpo supliciado se insere em
primeiro lugar no cerimonial judiciário que deve trazer à lume a verdade do crime.”(Vigiar e Punir, tradução de Lígia M.
Pondé Vassalo, Vozes, 1977, pág. 35). MICHEL FOUCAULT realça que, na maior parte dos países europeus, incluindo
aí a França, apresentando como exceção a Inglaterra, o processo, até a sentença, era secreto.
5

Desapartando-se do pensamento da Igreja e de


Aristóteles, os iluministas se escoram em nova filosofia, difundida por LOCKE e
NEWTON. A filosofia dos iluministas parte das leis da natureza, competindo a
VOLTAIRE difundir a idéia de que há uma lei - a lei da gravidade de NEWTON -
que rege a natureza e o universo inteiro4, sendo inviolável, regular e racional, daí
por que renega qualquer intervenção sobrenatural no desenvolvimento do mundo.
A razão, na filosofia iluminista, é o valor maior dessa idéia, atribuindo-se a HUGO
GROTIUS a missão de negar a origem divina do direito natural, percebendo-o
como fruto do homem e desenvolvido sob a influência da racionalidade.

Seguindo as idéias desse movimento, CESARE


BECCARIA, no final do Século XVIII, com a obra “DOS DELITOS E DAS
PENAS”, criticando as atrocidades dos sistemas penais existentes, principalmente
em virtude da presença da tortura e da pena de morte, inicia a etapa da justiça
penal jurídica, fundando o que se denominou Escola Clássica.

Procurou, BECCARIA, difundir a idéia da concepção de


um sistema penal embasado na legalidade pura quanto aos crimes e punições,
expungindo, assim, o arbítrio do juiz5. Sob a influência de MONTESQUIEU,
desenvolve a idéia de que o direito de punir do Estado deve ser limitado pela lei, só
podendo ser exercido dentro dos parâmetros concebidos pela sociedade, que são
conhecidos com a feitura da lei6. Liberdade e legalidade, eis a base da doutrina.
A doutrina da legitimidade das leis e o seu papel de preservação da liberdade,
sustentada por MONTESQUIEU no “ESPÍRITO DAS LEIS”, e a do pacto social,
defendida por ROUSSEAU no “CONTRATO SOCIAL”, servem de supedâneo
para o desenvolvimento da tese de BECCARIA.

Parte do princípio de que o indivíduo se compromete,


perante a sociedade, com o pacto social, devendo viver de conformidade com as leis
que vão representar a vontade de todos, conferindo, portanto, ao Estado, o
poder-dever de puni-lo, infligindo-lhe o castigo merecido, quando vier a transgredir
as normas de conduta, a fim de se restabelecer a ordem jurídica e servir de
prevenção aos demais. O direito de liberdade, com o pacto social, é entregue,
como espécie de depósito, ao Estado, que haverá de restringi-la quando isso for
necessário para o restabelecimento da ordem social. A pena, a despeito do caráter
humanitário da Escola Clássica, ainda é encarada como a retribuição pelo mal
praticado: é o mal infligido ao agente em razão do mal provocado à sociedade.

4
Coube a VOLTAIRE expor as conclusões filosóficas de NEWTON formuladas com base na lei da gravidade.
5
LOCKE queria que o juiz não passasse da boca que pronuncia as palavras da lei.(Novos Rumos do Sistema Penal,
Miguel Reale Jr., Forense, 1ª ed., pág. 5)
6
VOLTAIRE dizia que o Estado ideal seria aquele em que não se obedece senão às leis(Miguel Reale Jr., obra citada).
6

A obra “DOS DELITOS E DAS PENAS” não era


propriamente jurídica, apresentando-se mais como espécie de ensaio filosófico de
direito penal, embasado no pensamento humanístico defendido pelos iluministas,
competindo a CARRARA iniciar a fase jurídica da Escola Clássica.

As idéias da Escola Clássica foram difundidas,


ingressando em formalismo contra o qual correntes de pensamento se insurgiram.
Reclamava-se que o acusado, mesmo no processo da Escola Clássica, estava
ausente do debate judiciário, preocupando-se os juristas com a ocorrência
unicamente do fato, para, daí, sem perquirir das questões orgânicas e do meio social
do homem delinqüente, aplicar a pena.

Era a nova corrente filosófica, o positivismo, que passava


a influenciar também o direito, a partir da primeira metade do Século XIX, tendo
como precursor AUGUSTO COMTE, que representou a ascensão da burguesia
emergente após a Revolução de 1789, embasada na ciência, na técnica e na
industrialização. Representava o otimismo experimentado com a Revolução
Industrial e o desenvolvimento das ciências experimentais, contrapostas à
metafísica, no pressuposto de que só o conhecimento dos fatos é fecundo, não
passando, o dogma da racionalidade, de mera especulação. Com o pensamento
positivista, ciências fundamentais adquiriram posição, como a biologia e a
sociologia.

Inserido no movimento filosófico positivista, CÉSAR


LOMBROSO desenvolve a tese da antropologia criminal, editando o livro “O
HOMEM DELINQÜENTE”, defendendo a tese de que o homem não comete o
crime pelo fato de fazer essa opção, mas sim porque ele é levado ao crime por um
fenômeno biológico. Há homens que já nascem potencialmente delinqüentes,
predispostos ao crime, enquanto outros, por um processo de degeneração orgânica,
seriam levados à criminalidade. Posteriormente, admitiu que fatores exógenos
poderiam impulsionar o homem ao crime, cuidando ENRICO FERRI de expor esse
pensamento na sociologia criminal, defendo a existência de cinco categorias de
delinqüentes: o nato, o louco, o habitual, o ocasional e o passional.

Vinha a pêlo o determinismo positivista, embasado no


biologismo de LOMBROSO e no fatalismo social de FERRI, recaindo em
GAROFALO a fase propriamente jurídica da Escola Positiva.
7

Com esse movimento, teve-se em mente abandonar o


formalismo jurídico da Escola Clássica, preocupando-se menos com o fato
criminoso, do que com o homem que o pratica. À aplicação da pena, não basta
mais, ao juiz, verificar, apenas, a subsunção do fato à norma, todavia perquirir do
comportamento do agente, a fim de identificar a sua periculosidade,
aplicando-lhe a pena mais adequada para reprimir a conduta. O homem
delinqüente, agora, não deve mais ser encarado como objeto do processo, mas o
objeto de estudo científico, com o auxílio das ciências afins, no sentido de se
perscrutar a sua personalidade.

Pune-se o delinqüente não em razão de vindita pública, mas


porque é preciso defender a sociedade da periculosidade observada diante do estudo
nele feito. A pena deixa de ter o caráter meramente retributivo, para servir de
esteio à defesa social, podendo ser aplicada mesmo antes da prática delituosa, como
forma de prevenção real.

A ocorrência das primeira e segunda Guerras Mundiais,


assim como as mudanças políticas nesse intervalo de tempo, fez com que essas
Escolas recebessem algumas mudanças, ora no sentido de conferir tratamento mais
severo ao agente do ilícito, ora para abrandar esse tratamento. Nessa
confluência de idéias, surgiram outras correntes ecléticas, merecendo destaque a
difundida na Itália por CARNEVALE, denominada Terceira Escola, também
chamada de Positivismo Crítico, em que se pretende conciliar o positivismo e o
classicismo, para daí extrair um direito penal mais consentâneo ao combate à
criminalidade.

Na Alemanha, a doutrina, liderada por VON LISZT, em


crítica profunda ao positivismo jurídico, dá origem à Escola Moderna, tendo em
mira separar o direito penal da criminologia, reservando àquele a pesquisa
dogmática das normas jurídicas penais, por meio da lógica, concebendo o crime
como um fato jurídico, mas não se descurando de que quem o pratica é o homem,
possuindo, portanto, aspectos de ordem humana e social.

Outras Escolas ainda se formaram. Algumas


representando o neoclassicismo, outras o neopositivismo. Dentre elas,
destacou-se a Escola do Tecnicismo Jurídico-Penal, que teve como expoentes
VICENTE MANZINI e ARTURO ROCCO, exercendo forte influência sobre o
Direito Penal brasileiro, defendendo que os juristas deveriam se afastar dos
assuntos metajurídicos, debruçando-se no estudo do direito positivo em si, com a
8

finalidade de interpretar e aplicar as normas penais, partindo de princípios e do


conceito de bem jurídico por elas formulado.

Contudo, durante todo esse tempo, estava em formação uma


nova corrente de pensamento, que, mais tarde, veio a sedimentar-se sob a roupagem
da Escola da Nova Defesa Social. Com efeito, já no ano de 1910, em obra
intitulada “A DEFESA SOCIAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO
PENAL”, ADOLPHE PRINS defendia que a função do direito penal não seria
retribuir o mal produzido pelo fato ilícito, e sim objetivar a defesa da sociedade, o
que só seria possível, no seu pensamento, substituindo-se a noção de
responsabilidade moral pelo critério da periculosidade do delinqüente.

A idéia do Direito Penal como forma de defesa social, em


que a preocupação deveria ser com o homem que pratica o ilícito, no sentido de
aplacar a sua delinqüência, que estava presente na Escola Positiva, de há muito era
sentida pelos filósofos, havendo menção a pensamento de PLATÃO, segundo o qual
a sanção não deveria se preocupar com o passado, pois ele não poderia mais ser
recuperado, mas sim com o futuro.

Posteriormente, após a Segunda Guerra Mundial,


operou-se intenso movimento reformista, ressurgindo o direito natural,
colocando-se o positivismo jurídico no banco dos réus, sob a pecha de ser o grande
responsável pelas atrocidades jurídicas do nazismo e do fascismo. A crise
surgida no pós-guerra suscitou o redirecionamento dos direitos naturais
impostergáveis, absolutos, chegando-se a propagar a idéia de que nenhuma
jurisprudência ou lei que se apresentasse injusta, ou, ela própria, delitiva, poderia
servir de fundamento para que o juiz decidisse uma causa.

A valoração formal da lei não poderia, em tempo algum,


ser obstáculo à consecução da justiça, que deveria pairar acima da proposição
normativa, devendo, o direito, se conformar com esta e não com aquela. A lei, por
conseguinte, deixaria de ter um valor em si mesma, carecendo de confronto com a
justiça que dela deve promanar, sob pena de não se confortar com os ditames do
direito.

3.- ESCOLA DA NOVA DEFESA SOCIAL


9

Esse movimento reformista da valoração do direito deu


origem à difusão dos direitos humanos, ao pensamento alternativo, e a uma
nova Escola de Direito Penal, a Escola da Defesa Social.

Os excessos desumanos praticados antes e durante a


Segunda Guerra Mundial, declarados, no processo de Nuremberg, sob a noção de
“crime contra a humanidade”, que tanta indignação para este Século legou,
suscitaram nos homens da ciência penal a necessidade de repensar, com espírito
arejado em novas idéias, o problema penal, procurando enxergá-lo, agora, não sob o
aspecto apenas referente ao homem delinqüente e ao campo do direito penal, mas
encará-lo como fenômeno social. O problema não seria, propriamente, criminal, e
sim social, inserindo-se, aí, o direito criminal como um, e não como o único,
instrumento de defesa social.

FILIPO GRAMATICA tratou de levar a conhecimento


essas novas idéias, criando, em Gênova, no ano de 1945, um Centro de Estudos de
Defesa Social, vindo a sedimentar, com seus escritos, a teoria da Defesa Social, que,
da crítica construtiva dos seus adeptos, originou a Escola da Nova Defesa Social,
representada, nessa fase, pelo Francês MARC ANCEL mediante a obra fundamental
“A NOVA DEFESA SOCIAL”.

A Escola da Nova Defesa Social, que se situa como


doutrina sedimentada no Século XX, sente que o penalista não pode mais, para
apresentar solução à problemática inerente ao fenômeno criminoso, ser simplesmente
jurista, tratando abstratamente dos fundamentos legais aplicáveis à responsabilidade
ou aos elementos jurídicos do delito. Deve, contudo, ter em mente que não pode,
ele, o penalista, ser substituído, nessa tarefa, pelo médico, pelo sociólogo e pelo
psicólogo, pois a criminologia moderna necessita examinar a ação criminosa com o
concurso de todas as ciências humanas.

O sistema penal há de ser concebido de modo que leve em


consideração a realidade humana e social, não ficando dissociado dessas
circunstâncias, sob pena de não apresentar solução eficaz à criminalidade. Os
dogmas jurídicos devem ser postos de lado, percebendo-se que o direito criminal,
como ciência do direito, e principalmente por seu campo de ação, atua na área em que
não há absolutismos, mas sim verdades relativas.

Os únicos dogmas que devem nortear o caminhar da justiça


criminal, se é que se pode admiti-los como tais, são apenas a prevenção do crime e a
10

busca da reinserção social do agente que comete o ilícito, tendo presente, na


aplicação dos instrumentos necessários a esses fins, o respeito à dignidade da pessoa
humana.

A Nova Defesa Social, assim, é uma carta de intenções de


política legislativa, judiciária e executiva, em relação ao crime, diante da
concepção de que a ciência penal moderna não pode prescindir da criminologia,
que se preocupa com o estudo do fenômeno criminal; do Direito Penal, que se ocupa
em sistematizar as normas jurídicas com as quais a sociedade se prontifica a
combater o fenômeno delituoso, e, por fim, da política criminal, que deve ser, a um
tempo, ciência e arte, instrumento que deve servir de bússola ao legislador na
elaboração das leis criminais, ao juiz no seu processo de aplicação e à
administração penitenciária na execução da determinação judicial.

Pode-se definir a Escola da Nova Defesa Social como o


conjunto de idéias, de ordem política, orientadoras dos Poderes Constituídos do
Estado no tratamento a ser dispensado no combate à criminalidade. É a política
criminal a ser desenvolvida no que pertine ao fenômeno criminal, inserido no
contexto social.

Aqui, abandona-se a idéia do caráter retributivo da pena,


vendo-se a sanção apenas como o meio de se preservar a ordem social, devendo ser
aplicada na proporção em que for necessária. Não é a hediondez do crime,
efetivamente, que vai determinar a espécie ou quantidade da pena, mas sim a
personalidade delinqüente que foi examinada durante o processo.

Propõe que, de uma vez por todas, o acusado seja


chamado para o processo, não como o classicismo, timidamente, fez, no sentido de
conhecer a acusação e se defender, muito menos dentro da aspiração positivista, que
foi para tê-lo como objeto de estudo, porém para que se conheça a sua
personalidade.

Pois, para a Nova Defesa Social, o crime é um fato humano,


ou melhor, a expressão da personalidade do seu autor, que deve ser reprimido em
virtude da necessidade de segurança social, mas, em nome dela mesma e para
prevenir outros ilícitos, a sanção deve ter o caráter de tratamento, aplicando-se,
por isso mesmo, indistintamente, tanto ao imputável quanto ao inimputável.
11

Os delinqüentes devem ser classificados, mas não nos


moldes preconizados pela Escola Positivista, e sim dentro da perspectiva de que o
agente do ilícito, na fase da aplicação da pena, há de ser conhecido pelo juiz, a
fim de que a pena que lhe seja aplicada se apresente consentânea com as necessidades
da imposição da sanção, de conformidade com as peculiaridades que o levaram ao
cometimento do ilícito7.

A pena é dotada de medidas curativas e educativas,


devendo-se aplicar, aos adultos, a mesma ordem de idéias que levaram a se cuidar
do menor com medidas sócio-educativas, sendo mais espécie de tratamento do
que de punição. Nesse passo, penso, está o ponto alto da Escola em foco, quando
MARC ANCEL, após dizer que “Num sistema renovado de política criminal, ao
contrário, o juiz deve poder fazer uso da sanção repressiva, mesmo quando,
como ocorre com relação aos menores, situamo-nos no âmbito normal da sanção
educativa”8, acrescenta que, assim como não deve mais haver diferença entre
pena e medida de segurança, as medidas sócio-educativas do menor, que
primeiramente foram ejetadas do direito penal dos adultos, criando-se o direito do
menor delinqüente, manifestam-se como “a prefiguração do direito penal de
amanhã” 9 , de forma que esse “mesmo método, realista e humano, que tão
magnificamente renovou a organização da reação contra a delinqüência juvenil,
seja amanhã aplicado, mutatis mutandis, em relação ao delinqüente adulto, e
particularmente a certas categorias dentre eles.”10

Essa Escola da Nova Defesa Social é a que se apresenta


mais consentânea com as novas idéias de ordem penal, até porque serve de paradigma
às orientações da AIDP - Associação Internacional de Direito Penal. Não se deve
deixar de reconhecer, porém, que o movimento da Lei e da Ordem, preconizado
nos Estados Unidos, que tem como lema o tratamento mais severo aos criminosos
como única forma de arrefecer o ímpeto delinqüente, tem encontrado campo fértil no
tratamento passional do fenômeno criminoso e vem ganhando fôlego.

Nesse panorama reformista internacional, faz-se


importante situar a legislação criminal brasileira, para saber qual, ou quais, correntes
de pensamento influenciaram, e têm influenciado, na elaboração de nossas leis.

7
O problema Criminológico, a ser pesquisado no processo antes de se proferir a sentença, não consiste na forma
simplista de enquadrar, o agente do delito, em uma das diversas categorias de delinqüentes preestabelecidas, mas sim a
pesquisa efetiva das peculiaridades do caso, no desiderato de saber por que o homem que está sendo julgado, diante das
circunstâncias presentes, aliadas aos seus antecedentes e específica constituição biológica, se comportou de forma
criminosa.
8
Ob. cit., pág. 301.
9
Ob. cit., pág. 357.
10
Ob. cit.
12

4.- AS ESCOLAS NA ELABORAÇÃO DOS CÓDIGOS PENAL E


PROCESSUAL PENAL.

No período compreendido entre as duas Guerras


Mundiais, amplo movimento de reforma criminal, embasado em pensamentos
neoclassicistas, neopositivistas, ecléticos e técnico-jurídicos, fomentou a
preparação de diversos códigos penais e processuais penais, principalmente nos
países da América Latina.

Os nossos Códigos Penal e Processual Penal, que


contaram com trabalhos desenvolvidos pelos expoentes das letras jurídicas da
época11, foram editados sob influxo da idéia codificante do período entre as duas
Guerras, com forte influência do Código Penal Italiano de 1930, idealizado por
ROCCO, que foi proclamado como “código penal fascista”. A reforma da
parte geral do Código Penal, em 1984, por sua vez, teve como fonte a teoria
finalista alemã, enquanto a Lei de Execução Penal, editada no mesmo ano,
expressamente, adota a escola da Nova Defesa Social. Outras modificações de
ordem legislativa, a exemplo da Lei dos Crimes Hediondos, seguiram a orientação
da corrente norte-americana da Lei e da Ordem. Algumas outras, como a mais
recente Lei do Crime Organizado, possivelmente, devem ter inspiração em
dispositivos insertos no Código de Hamurabi, de Manu ou na Lei das XII
Tábuas12.

Agora, em trabalho desenvolvido por Comissão


Coordenada pelo Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, com a constatação de
que os Códigos Penal e Processual Penal em vigor, ao depois de meio século,
malgrado as muitas alterações introduzidas por leis esparsas, em seu conjunto,
têm-se mostrado ineficientes no combate ao incremento da criminalidade,

11
O autor do projeto do Código Penal - Decreto-Lei nº 2.848, de 7.12.40 - foi ALCÂNTARA MACHADO, passando
por Comissão Revisora composta pelos magistrados NÉLSON HUNGRIA, VIEIRA BRAGA, NARCÉLIO DE
QUEIROZ e por ROBERTO LIRA, representante do Ministério Público. Quanto ao Código de Processo Penal -
Decreto-Lei nº 3.689, de 3.10.41, os autores do projeto foram NÉLSON HUNGRIA, NARCÉLIO DE QUEIROZ,
ROBERTO LIRA, Desembargador FLORÊNCIO DE ABREU e o Professor CÂNDIDO MENDES DE
ALMEIDA.
12
A respeito da Lei do Crime Organizado, em trabalho outro, defendo que, diante das inconstitucionalidades nela
sentidas, em que tem lugar até mesmo à separação do processo em duas partes, uma pública e outra secreta, só há, dentre
as duas possíveis, uma alternativa: o Congresso Nacional revogá-la, ou, então, a sua suspensão em razão de ação direta
de inconstitucionalidade.
13

porquanto dissociado dos novos valores sociais, políticos, econômicos e culturais,


cuidou-se de preparar, de logo, a reforma do Código de Processo Penal.

A metodologia adotada para a elaboração do anteprojeto foi


no sentido de aproveitar, tanto quanto possível, as normas em vigor,
modificando-se só aquelas necessárias à agilização e desburocratização do
processo, abandonando, por conseguinte, discussões meramente acadêmicas, no
desiderato de alcançar maior efetividade na tutela jurisdicional.

Seguindo essa linha de pensamento, a comissão entendeu


que seria de melhor ordem formular reformas setoriais, vindo a lume, assim,
dezesseis anteprojetos, que, transformados em projetos com algumas modificações
do Ministério da Justiça, encontram-se em tramitação no Congresso Nacional.

Mas não se pense que a grande reforma da nossa ordem


jurídica penal está para ocorrer com os projetos de lei que se encontram em
tramitação no Congresso Nacional; também não se acredite que a reforma penal
tenha se verificado com as mudanças mencionadas, nem muito menos com as
constantes alterações introduzidas nos códigos por leis esparsas.

5.- REFORMA DOS CÓDIGOS PENAL E PROCESSUAL PENAL E


A CRIMINALIDADE.

A efetiva reforma do Direito Penal brasileiro se deu com


a Constituição de 1988. Não há, no direito comparado, notícia da existência de
Lei Maior que tenha sido tão enxundiosa no esmiuçar os direitos e garantias na
seara criminal. Esses dispositivos constitucionais deixaram expendida, no nosso
ordenamento jurídico, a orientação política adotada pelo Estado brasileiro no
combate à criminalidade.

As normas catalogadas, expressa e implicitamente, dentre


os direitos e garantias individuais e coletivos, representam aquilo que se pode
denominar limitações ao direito de punir, entendendo-se essas restrições não só na
esfera da repressão em si da conduta ilícita, mas também na própria atividade
investigatória, na fase preparatória ou processual.
14

As idéias consagradas na Constituição de 1988 se


confortam com as orientações da AIDP - Associação Internacional de Direito
Penal. O que merece crítica, nesse particular, é que se tratou uniformemente de
questões que mereciam soluções diferençadas, para não afastar a possibilidade de se
conhecer e punir determinadas condutas, especificamente aquelas que dizem respeito
ao crime organizado.

A macrocriminalidade não pode merecer o mesmo


tratamento dispensado aos crimes menores. A base organizativa desses ilícitos
põe o Estado em situação de desvantagem, precisando se utilizar de meios que
tornem mais expedita a sua atuação. A escolha política, feita na Constituição, é
preocupante, quando se sabe que as normas encartadas dentre os direitos e garantias
não são suscetíveis de supressão por meio de emenda constitucional.

Diante dos entraves de ordem constitucional, não vejo


com bons olhos como se processar uma política criminal eficaz de combate à
macrocriminalidade. O que se pretender, com a reforma penal, avançar para
conferir instrumentos de ação contra a macrocriminalidade, estará eivado de
inconstitucionalidade. Os instrumentos para enfrentar a
macrocriminalidade, com os quais o Estado haverá de atuar, terão que ser os
mesmos com que reprime o furto verificado na esquina do quarteirão, porquanto a
Constituição não conferiu, quando deveria tê-lo feito, nenhuma distinção entre uma
e outra situação.

Dito isto, não se pense, ainda, que a reforma penal que está
sendo processada seja capaz de aplacar, ou diminuir, a criminalidade crescente.
Não se resolve a problemática do delito com as leis. As leis, por si, não são
suficientes para reprimir o crime. Por mais hedionda que seja, a lei não tem se
mostrado capaz de amedrontar o agente do ilícito.

Observe-se, a título de exemplo, a lei dos crimes


hediondos, que é de 1990, em que se procurou, de forma mais severa, punir quem
pratique os ilícitos nela previstos. Ainda assim, os acontecimentos do dia-a-dia
estão a demonstrar que os crimes em referência, a despeito da nova legislação,
continuam a ser praticados, talvez, até, com intensidade maior.

E isso é natural, pois, se o crime é um ato humano que está


relacionado com os acontecimentos de ordem política, econômica e social, - sem se
esquecer, é certo, de alguns aspectos orgânicos -, a mudança na seara normativa,
15

dissociada dos demais aparelhos de contenção da criminalidade, é irrelevante,


mostrando-se a sociedade a ela indiferente.

Criminalidade se enfrenta com política criminal definida,


séria, que procure encarar o problema sem passionalismo, tendo como pressuposto,
antes de tudo, que não se está diante do delinqüente, ou do elemento, como se
costuma dizer no linguajar policial, mas do homem, do homem que vive e sofre
as influências do meio social e das suas peculiaridades congênitas.

O respeito à dignidade da pessoa humana, postulado


constitucional, é a regra orientadora da política criminal. Nessa perspectiva,
punir, só por só, sem uma finalidade justa, é desserviço à sociedade, pois não a
protege, além de fazê-la arcar com os custos sociais e econômicos daí decorrentes, ao
mesmo tempo em que contradiz a cláusula da Lei Fundamental.

Tem-se que abandonar, de vez, os dogmas. Assim


como o comportamento antagônico a interesses legítimos do grupo social não pode
ser confundido com crime, a definição de pena não pode se confundir com a de
prisão. Por mais reprovável que seja a conduta, isso não quer dizer,
necessariamente, que deva ser considerada ilícito penal a sua prática, desde que as
sanções previstas nos demais ramos do direito se mostrem razoáveis como
resposta. Até porque descriminalizar é forma de diminuir a criminalidade, e é
nesse sentido, primeiramente, que se deve situar a reforma penal, ou seja, deixar no
campo do direito penal tão-somente aquilo que for imprescindível.

De qualquer modo, a aplicação de pena não implica,


inexoravelmente, na prisão. A prisão é apenas uma espécie de pena prevista,
que deve ser evitada na medida do possível. A sanção penal precisa ser apenas o
suficiente para prevenir, no futuro, outros ilícitos por parte do próprio agente ou de
outrem. Até mesmo, é importante que os efeitos colaterais inibitórios da pena se
façam sentir com intensidade maior nos outros, que ainda não delinqüiram, tendo em
mira afastá-los, ainda mais, da ação criminosa. Aliás, como dizia MICHEL
FOUCAULT, sendo o crime movido com o interesse da vantagem, em rigor, a
sanção, para ser eficaz, deve ser aquela que passa a idéia de uma desvantagem
maior.

Todavia, ainda vigora, no espírito de muitos, a idéia


neoclassicista do mal pelo mal, de sorte que, quem comete crime e não vai preso é
porque ficou impune. Tem que se extirpar essa idéia. Mesmo que em se
16

tratando de crime de violência, a exemplo do homicídio, a solução, em termos de


defesa social, não é, sempre, a pena restritiva de liberdade do agente, senão
quando ela se apresente como a medida imprescindível. Tanto quanto possível,
devem-se aplicar as penas restritivas de direito, como forma de punição
sócio-educativa e exemplo para os demais indivíduos do grupo social.

O que se tem de perquirir, no processo, é a personalidade


do agente, para, com base nela, saber qual a pena que deve ser aplicada,
independentemente da espécie do crime. O juiz, nesse caso, precisa atuar com
discricionariedade, para poder bem individualizar as penas. Não se pode mais
conceber a pena a ser aplicada com base apenas no tipo de crime cometido.

É o exame da personalidade do agente que vai


determinar a sanção que se mostra mais eficaz para o caso. Para assim ser, urge
que, de uma vez por todas, o operador do direito deixe de atuar no processo penal com
as idéias dos neoclassicistas. Não basta, no combate da criminalidade concreta,
aplicar, ao fato examinado, a pena estabelecida, mas examinar o agente do ilícito.
Aquele exame criminológico que é feito quando o condenado vai cumprir a pena
deve ser realizado ainda na fase do processo, como ocorre em relação ao menor
infrator13, para que o juiz saiba quem é a pessoa que ele está julgando. No
interrogatório, não se deve ater a perguntar ao réu fatos relacionados ao crime em si,
mas também outros dados da pessoa, constituídos antes e após o delito.

Não se admite, mais, que o Ministério Público, quando do


oferecimento da ação penal, não tenha, sequer, visto o rosto do agente. A esse
respeito, é bom que se diga que há registro, na doutrina de MARC ANCEL, de que
movimento nos Estados Unidos propugnava para que se conhecesse o réu antes da
denúncia. Pelo menos é preciso que se exija, doravante, a presença do Ministério
Público no interrogatório do réu, para que o conheça um pouco mais, e, daí, faça
algumas conclusões.

Essas são as idéias fundamentais que devem nortear o


combate à criminalidade, nos casos submetidos à apreciação do Judiciário. Mas,
efetivamente, como é que se vai combater a criminalidade geral? É tarefa
específica do Judiciário? Como sair da teoria da Nova Defesa Social para a
realidade brasileira?

13
O Estatuto determina que seja realizado relatório por equipe interprofissional(v. art. 151 e § 4º, do art. 186).
17

Não se pode perder a oportunidade de deixar consignado, de


pronto, que a contribuição do Judiciário, enquanto solução para o combate da
criminalidade difusa na sociedade, é tímida, pois a sua participação efetiva na
prevenção da ocorrência dos delitos só se manifesta nos julgamentos dos processos
que lhes são submetidos à apreciação, ou mesmo, na execução penal, no passar ao
tratamento do condenado, no escopo de reintegrá-lo à sociedade para evitar a
reincidência.

6.- ESTADO, CIDADÃO E CRIMINALIDADE.

A questão da criminalidade difusa está,


indissociavelmente, ligada aos aparelhos de contenção da criminalidade.
Entenda-se, por aparelhos de contenção da criminalidade, o dever do Estado de
promover a segurança pública, em que deve atuar com o consórcio dos três Poderes
Constitucionais: Legislativo, Executivo e Judiciário. De qualquer forma, as
contribuições do Legislativo e do Judiciário, no combate efetivo da criminalidade,
não são, nem poderiam, pelas limitações constitucionais de suas funções, mais
importantes do que a do Executivo. Em verdade, as participações do Legislativo e
do Judiciário, no combate à criminalidade, são supletivas, ou mesmo
complementares, às ações sociais que devem ser desenvolvidas pelo Executivo, não
podendo se esquecer, entretanto, que a criminalidade não é questão a ser debatida e
debelada, unicamente, pelo Estado, sendo de imperiosa necessidade que os cidadãos
compreendam que a segurança pública, como lembra a Constituição no caput do art.
144, é não apenas direito, mas também responsabilidade de todos.

JEAN CLAUDE CHESNAIS14, para espanto de muitos,


asseverou que a criminalidade, na Europa, a partir do Século XVIII, diminuiu,
chegando a acrescentar, ainda, que a violência, desde o século XIX, é
extremamente fraca em países como a Inglaterra e a França. Apontou,
como causas para a diminuição da criminalidade, não só a organização das
instituições públicas desses países, porém, principalmente, a estruturação e
universalização da educação, pois, em sua análise, a escola é o melhor
organismo de prevenção, citando, como exemplo para o fenômeno, a realidade
social do Japão.

14
É demógrafo e economista francês, em entrevista na Revista Veja de 13.09.95. Essa conclusão do professor francês
quanto à diminuição da criminalidade na Europa a partir do Século XVIII é compartilhada por MICHEL FOUCAULT,
em seu livro “Vigiar e Punir”.
18

Observou que a escalada da violência nos Estados Unidos


e na América Latina, realmente, é exagerada em relação aos países da Europa,
mostrando que, enquanto na França, na Inglaterra e na Alemanha a taxa de
homicídios é de um por 100.000 habitantes ao ano, nos Estados Unidos é de
dez por 100.000, e, no Brasil, pelos números que lhe foram apresentados da
região metropolitana de São Paulo, é de vinte por 100.000 habitantes.

Embora os Estados Unidos sejam um país organizado, em


que as instituições funcionam, há uma descrença do povo americano na atuação
do Estado 15 , embasada pelas desigualdades sociais profundas quanto à
distribuição de renda, além da forte crise moral que canaliza ao consumo de
drogas e, daí, à inevitável explosão da criminalidade.

Tudo o que foi dito em relação aos Estados Unidos


aplica-se, perfeitamente, ao Brasil. E o pior é que, no Brasil, o fato positivo da
queda da mortalidade infantil deu causa à explosão demográfica, o que
saturou a oferta de emprego, desestabilizou a política habitacional, originando
o fenômeno dos “meninos de rua” e das favelas, e deu azo à escassez de vagas
nas escolas públicas, além de arruinar as estruturas da polícia e da Justiça, ou
seja, de aparelhos essenciais no controle da criminalidade.

Por conseguinte, o primeiro fator do incremento da


criminalidade, sentido no Estado de São Paulo, foi a explosão demográfica com
a diminuição da mortalidade infantil nas décadas de 50/60. Alerte-se, ainda, que o
outro fator, preponderante - corolário lógico daquele -, foi o sucateamento das
instituições estatais, primacialmente das escolas, realçando que a escola, o mais
importante dos aparelhos de contenção da criminalidade sofreu profundo
processo de degradação, principalmente a escola pública, em que a maioria das
pessoas fizeram seus estudos, “que hoje estaria maltratada, abandonada, com
professores mal pagos, desmotivados e que não incluem a instrução cívica
entre seus ensinamentos”16 .

15
O problema racial vivido nos Estados Unidos é muito forte. O fomento do desemprego de milhares de americanos
em razão da mão-de-obra barata gerada pelos imigrantes que invadem o País, até mesmo pelas vias ilegais, acentua a
insatisfação ante a inexistência de política mais protecionista aos interesses dos nacionais. Ademais, as divergências
raciais entre negros e brancos é tão profunda, que em um julgamento como o Caso O. J. Simpson, para 90% dos negros,
ele é inocente, enquanto para 90% dos brancos, ele é culpado. Por isso mesmo, se diz que a justiça americana, após a
decisão final, qualquer que ela seja, legará profundas conseqüências de ordem social. Em casos dessa natureza, a
opinião do americano, quanto à culpabilidade, ou não, não é formada em relação ao fato criminoso, nem muito menos
em consideração à pessoa: o que importa é a cor. Principalmente, como no caso em foco, em que o acusado é negro,
pesando contra ele a acusação de ter cometido o crime de homicídio contra duas pessoas brancas.
16
Pág. 10.
19

É perfeitamente válida essa análise, principalmente porque


se sabe que a avaliação de uma sociedade passa, necessariamente, pela avaliação
de suas escolas, pois se a educação funciona, as pessoas possuem senso de
cidadania, de civilidade, não são, apenas, desculpem a expressão, adestradas
para ler e escrever. A esse respeito, deve-se mencionar passagem imortalizada
por VÍCTOR HUGO, em sua obra “OS MISERÁVEIS”, no asseverar que
“Construir uma escola é destruir uma prisão”.

Essa ordem de idéias, como se vê, não é, efetivamente,


nova. Aliás, BECCARIA, na sua famosa obra, na parte final, ao passar as dicas
para se prevenir os crimes, não deixa de enaltecer o conhecimento como forma
de sensibilizar o homem ao comportamento de acordo com as leis. Em
verdade, os grandes filósofos nunca deixaram de identificar o direito com a moral,
ressaltando que se a idéia do direito é a justiça, e a concepção daquilo que seja justo
se situa, desenganadamente, no campo da moral, não há distinção ontológica entre
direito e moral, pelo que esta se torna no elemento imprescindível para conduzir o
homem a cumprir as regras daquele.

Aí o papel da educação: formar o cidadão cônscio das


realidades sociais, embasado de valores éticos que lhe propiciarão caminhar
dentro dos parâmetros normativos concebidos pela sociedade. O ser racional
na essência da palavra.

7.- CONCLUSÃO.

Sente-se, assim, que o direito penal, em si, enquanto


instrumento de combate à criminalidade, junto com a justiça criminal, aqui se
entendendo o Judiciário, Ministério Público e advogados, não tem forças para
modificar o quadro atual.

É preciso que a política criminal do País, seguindo o


pensamento da Nova Defesa Social, cuide de implementar não só a reforma das
leis, mas, e principalmente até, a reforma das instituições públicas que devem
interagir, enquanto aparelhos de contenção, na luta contra a criminalidade.
20

Não se reclame, amanhã, dos que fazem a justiça,


concentrando as desconfianças na lei e, pior ainda, no Judiciário. A justiça não
nasce, nem termina, no Judiciário. A justiça é uma comunhão de ações
sociais, levadas a cabo não só pelo Estado, como também por cada um de nós,
dentro dos nossos deveres e possibilidades, como profissionais e, sobretudo,
como cidadãos17. E lembrem-se todos: quem comete o crime é um homem e a
pena, que deve lhe ser aplicada, incidirá sobre a sua pessoa, que é constituída
de carne e osso, além de sentimentos, e que o coração é a parte mais sensível e
adequada para orientar a cabeça.

BIBLIOGRAFIA

1- ANCEL, Marc. A nova defesa social. Rio de Janeiro: Forense, 1979.


2- BETIOL, Giuseppe. O problema penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1967.
3- BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Rio de Janeiro: Editora
Rio, 1979.
4- BEVILAQUA, Clóvis. Criminologia e Direito. Rio de Janeiro: Editora Rio,
1896.
5- FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, história da violência nas prisões. Rio de
Janeiro: Editora Vozes, 1977.
6- FERRI, Enrique. El Homicida. Madrid: Editora Réus, 1930.
7- FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: notas sobre a Lei 8.072/90. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.
8- Livro de Estudo Jurídicos. Volume 5/Coordenadores James Tubenchlak e
Ricardo Bustamante. - Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1992.
9- MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis: as formas
de governo: as divisões dos poderes. São Paulo: Saraiva, 1987.
10- MORE, Sir Thomas. A Utopia. São Paulo: Edipro, 1994.
11- NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. Vol 1. São Paulo: Saraiva,
1988-1993.
12- PLAYFAIR, Giles. SINGTON, Derrick. Prisão não cura, corrompe. São
Paulo: Ibrasa, 1969.
13- REALE JÚNIOR, Miguel. Novos rumos do sistema criminal. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 1983.
14- Revista Doctrina Y Accion Postpenitenciaria. Vol 3. Argentina: Patronato de
Liberados de la Capital Federal, 1988.
15- Revista Doctrina Y Accion Postpenitenciaria. Vol 5. Argentina: Patronato de
Liberados de la Capital Federal, 1989.

17
Carnelutti, no formidável ensaio “As misérias do Processo Penal”, diz que o problema do delito e da pena deixa de
ser um problema judiciário para adentrar na seara da moral, estando, cada um de nós, “comprometido, pessoalmente,
na redenção do culpado, e por isto somos responsáveis”, e que “Cada um de nós, em outras palavras, é um
colaborador invisível dos órgãos da justiça.”.
21

16- Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Vol 1, nº


3. Brasília, Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 1994.
17- Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Vol 1, nº
4. Brasília, Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 1994.
18- SEELIG, Ernst. Manual de Criminologia. Vol 2. Coimbra: Editor, Sucessor.
1960.
19- VOLTAIRE, François Marie Arouet de. Cartas inglesas; Tratado de
metafísica; Dicionário Filosófico; O filósofo ignorante. São Paulo: Abril
Cultural, 1984.

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