Vous êtes sur la page 1sur 13

PERETTI, Clélia (Org.) Congresso de Teologia da PUCPR, 10, 2011, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: Champagnat, 2011.

Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/congressoteologia/2011/

218

Suicídio, cultura e religião. Perspectivas filosóficas

Suicide, culture and religion. Philosophical perspectives

Claudia Ferreira da Paixão1

Resumo

O fenômeno religioso está ligado a multifatores, como: educação, mitos fundantes, trabalho e
rituais que configuram os processos evolutivos de uma etnia, nos quais o fenômeno se
estabelece produzindo cultura. Qualquer tentativa de valorar a experiência religiosa de um
grupo apenas por um destes vieses será reducionista. Por onde se caminham as crenças dos
grupos milenares? Freud afirmava que o presente deveria tornar-se passado. Entretanto,
quando o presente se tornar passado será possível uma avaliação consistente do mesmo para
projeção do futuro? Mas, qual a finalidade de se avaliar o presente na esteira do passado? O
passado é carregado de vivências que se transformam em memórias e constroem o sujeito
coletivo de um grupo social. Culturas milenares produzem milenares memórias e as mantêm.
Os processos de assimilação da cultura numa nação e também a passagem das crenças de uma
geração a outra estão ligados a questões que podem ser interpretadas por perspectivas
filosóficas. Os processos filosóficos, todavia, não podem assumir caráter de universalidade.
Tzvetan Todorov destaca o risco de se cair no exagero ao identificarmos características
universalistas de uma cultura em outra. Assim, propomos a leitura da cultura japonesa, em
caráter bibliográfico, utilizando como metodologia de estudo as ocorrências de suicídio dentro
das perspectivas de sujeito coletivo e desejo mimético.

Palavras-chaves: Suicídio. Cultura. Religião. Filosofia.

Abstract

The religious phenomenon is linked to multi-factor, such as education, founding myths, rituals
and work processes that shape the evolution of an ethnic group, in which the phenomenon is
established biases is reductionist. Anywhere you walk the ancient beliefs of the groups? Freud
argued that this should become the past. However, when the present becomes the past can be
a consistent evaluation of the same projection of the future? But, what is the purpose of
evaluating this in the wake of the past? The past is full of experiences that turn into memories
and build the collective subject of a social group. Ancient cultures produce and maintain
ancient memories. The process of assimilation of culture in a nation and also the passage of
beliefs from one generation to another are related to issues that can be interpreted by
philosophical perspectives. The philosophical process, however, can not assume universal
character. Tzvetan Todorov highlights the risk of falling into reading of Japanese culture, on
a bibliographic study methodology using as instances of suicide to perspectives with in the
collective subject and mimetic desire.

Keywords: Suicide. Culture. Religion. Philosophy.

1
Mestranda em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo – UMESP. Pedagoga.
E-mail: ambiental.tiju@gmail.com.
219

Introdução

Abordaremos neste trabalho o exemplo específico da cultura japonesa, a partir da


bibliografia existente sobre a ocorrência e prevalência do suicídio no país. Apesar de não
dispor de entrevistas com sujeitos japoneses, o período posterior à primeira guerra mundial
proporcionou ampliação de trocas culturais profundas, por meio de uma “antropologia a
distancia” – metodologia de pesquisa adotada pela antropóloga estadunidense Ruth Benedict
para estudar a relação suicídio-cultura entre japoneses (UENO, 2005, p. 1).
A proposta deste trabalho não é a profilaxia das ideações suicidas, uma vez que, para
tal, tornar-se-iam indispensáveis conhecimentos interdisciplinares e formação acadêmica em
áreas das ciências biológicas, além de profundas pesquisas de campo na perspectiva de uma
análise epidemiológica. Entretanto, destacamos a perspectiva de observar o suicídio a partir
dos grupos, em vez de entendê-lo como fenômeno do ser humano. São categorias
diferenciadas para classificar uma intenção ou ato suicida. Somente a partir dos grupos, é
possível compreender porque padrões de comportamento e de crenças dão base à formação de
uma consciência coletiva que seja capaz de ultrapassar gerações e até milênios (DURKHEIM
apud FILHO, 2004, p. 139). É o caso da cultura japonesa, onde o suicídio assume
características de índice de ocorrência e de prevalência, mediante as estatísticas deste país.
A presença de ideação suicida mostra que o ato, apesar de impulsivo-agressivo,
também é racional. De um lado, a ideação do suicídio e, na ponta oposta extrema: o ato em si.
Na ideação, há uma razão justificada por padrões de pensamento e de comportamento que
podem, ou não, chegar ao limiar da ação. A incorporação dos padrões de comportamento que
levam uma nação à prevalência estatística de suicídio é fator preponderante para uma análise
multidisciplinar, inclusive com o apoio das pesquisas nos estudos de religião. De um lado, a
questão histórica, de outro as variações nos processos religiosos dos grupos. Porém, a idéia de
uma predisposição social ao suicídio, pelo fato de ter nascido naquela cultura, não deve ser
descartada (DURKHEIM apud FILHO, 2004, p.139).

Suicídio e cultura - o desejo mimético pode ser aplicado a outras mimesis2 culturais?

O „desejo mimético‟, teorizado por Girard (2009, p. 13), é algo natural aos sujeitos. É
uma tentativa dos sujeitos de imitar algo, com ou sem a necessidade de sacrifício, para que o
padrão social seja alcançado. Assim, o desejo é simplificado em explicações naturais, do

2
mímesis, Gr. - “imitação” (imitatio, em latim), designa a ação ou faculdade de imitar; cópia, reprodução ou
representação da natureza. Disponível em: http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/verbetes/M/mimesis.htm.
220

cotidiano relacional dos sujeitos, para desgosto dos que objetivam complexar esta relação
entre o sujeito e o objeto do seu desejo. Ao pensar na ocorrência do suicídio, em alguns
grupos sociais, pode-se estabelecer a conexão com a teoria do desejo mimético, proposto por
Girard. Aqui, o desejo de suicídio é uma tentativa de manter um status social ameaçado por
algum fator que desonrou a imagem do sujeito em vida. Se não há caminhos para recuperar o
status social dentro da comunidade, a opção pelo suicídio é tomada; configurando crise de
identidade na dinâmica do padrão da cultura (BENEDICT apud RATTNER, 2002, p. 5).
Sendo multifatorial e interdisciplinar, a temática do suicídio pode ser olhada pela
filosofia, pela sociologia, pela psicologia ou pelos estudos de religião. Apenas para citar
algumas áreas. No desejo de suicídio há um pensamento a ele ligado, que atua como
motivação gerando condições cognitivas para que o objeto de seu desejo seja realizado
(CASSORLA, 1986, p. 7). O „desejo mimético‟, termo cunhado por Girard (2009, p. 13),
possui relações com o pensamento. Desejo e pensamento ou pensamento e desejo são relações
que partem de um mesmo ponto, não podendo afirmar-se se o pensamento provoca o desejo
ou se o desejo formula o pensamento. Este pensamento está ligado a uma motivação
consciente, real, em vez de oculta. Há uma tendência para se patologizar a questão do suicídio
ou da anorexia, temática abordada no livro de Girard. O fato de uma ocorrência que atua
contra a saúde dos sujeitos ser explicada por outras ciências não exclui casos patológicos
específicos em maior ou menor grau. Contudo, o viés do mimetismo possibilita a análise do
comportamento social de modo que uma temática seja vista na perspectiva de um todo, de
uma coletividade. Desejo, objetivação e conseqüências no corpo são relações em cadeia de
uma analogia obtida pela internalização de uma rivalidade mimética, onde vários sujeitos
daquele mesmo grupo possuem o mesmo desejo por tentativa de imitação ou competição
(GIRARD, 2009, p. 13). O termo mimético remete a „mimesis‟, que seria reproduzir as
características exatas de outro sujeito em si mesmo.
O pensamento, quando detectado, ou seja, desmistificado, simplifica a suposta
complexidade do desejo ou sua pretensa característica de ocultamento,

...a mente do suicida não é diferente da mente de qualquer pessoa; apenas


alguns mecanismos se tornam mais intensos, ou interagem entre si de uma
forma que causa sofrimento (CASSORLA, 1986, p. 8).
Sendo uma possibilidade de predisposição sócio-cultural, dentro de um todo coletivo,
há pressupostos teóricos para a justificativa de que alguns japoneses cometerão o ato suicida
mediante uma situação que os estimule a isso; enquanto outros não cogitarão a prerrogativa
suicida, pois não receberão os necessários estímulos (SILVA, 2008, p. 2). As análises
221

bibliográficas favorecem a compreensão de que os japoneses atingem, anualmente e


seguidamente, alto índice de suicídios. É uma relação frequente de ocorrência e prevalência.
Pode-se inferir, assim, que os estímulos nesta sociedade sejam freqüentes em faixas
geracionais distintas. Os dados a seguir, mostram que as motivações dos sujeitos que
compõem este quadro são comuns a todos os seres humanos, como: depressão, dores e dívidas
financeiras (Jornal online G1, Globo). As leituras sobre o valor de pertença à cultura japonesa,
ligado a herança milenar da „cultura samurai‟, pode ter sofrido mudanças sociais a partir do
processo de globalização. Ocasionando, inclusive, suicídios por outros motivos comuns a
todos nós, não somente os valores clássicos da nação japonesa, como: honrar a família ou o
imperador ou a nação com a morte voluntária (SILVA, 2008, p. 3). A partir daí, propõe-se a
leitura dos dados oferecidos pela polícia japonesa, em 2009, sobre as taxas tabuladas em todo
o país, com as ocorrências de 2008:

O número de jovens com menos de 30 anos que se suicidaram no Japão em


2008 alcançou o recorde de 4.850, 1,7% a mais que no ano anterior,
informou nesta quinta-feira (14) a polícia local. Em 2008, 32.249 pessoas se
mataram no Japão, uma baixa de 2,6% em com relação aos números do ano
anterior, mas ainda acima do objetivo do governo, que luta para descer da
linha de 30 mil as mortes por suicídio por ano, segundo a agência local
"Kyodo". O grupo dos jovens foi o único que mostrou uma alta em
relação ao ano anterior, com 3.438 mortes, 3,9% a mais que em 2007,
enquanto os casos de suicídio entre menores de 20 anos subiram 11,5%,
para 611 casos (EFE, G1 GLOBO – 14 maio 2009).
Por outro lado, não há uma relação direta entre suicídio e religião no Japão. As
religiões japonesas com maior número de adeptos – Xintoísmo e Budismo – não possuem
forças regulatórias que inibam o ato suicida por meio de uma idéia de pecado, condenação e
inferno, que é o tripé aceito na religião cristã ocidental. O suicídio, por esta ótica de não-
pecado, é visto pelos cidadãos japoneses como uma decisão centrada, indicada para alguns
casos, com louvor, em vez de uma atitude de desespero emocional (SILVA, 2008, p.1).

Suicídio e questões últimas em Tillich

Para não correr o risco de simplificar o debate acerca do suicídio, a análise precisa
atuar em caminhos que não reduza a complexidade da cosmovisão de uma cultura oriental,
como a milenar tradição cultural japonesa, aos padrões de observações ocidentais.
Procuramos não tratar do tema numa perspectiva teológica específica, mas iniciar uma
possibilidade de estudos na perspectiva filosófico-social em seus diálogos com a religião.
Uma religião cristã centrada no pensamento de que há um Deus transcendente e que este Deus
222

nos atende nas questões do ser. Provavelmente, muitos nunca desejaram ou desejarão praticar
o ato suicida, mas podem fazê-lo, cotidianamente, em doses quase imperceptíveis, numa
condição de violência simbólica cometida contra si mesmo (BOURDIEU, 1989, p. 28).
Alguns de nós somos mais tendenciosos, propensos a esta espécie de auto-violência.
Se a violência simbólica é constatada, faz-se necessário entender como ela acontece e como é
mantida. Outro objeto de questionamento para posterior interpretação, quando se busca a
epistemologia dos termos que nomeiam as posturas assumidas nestas relações, é a questão do:
por que esta violência é mantida dentro da cultura? “Violência” é substantivo que carrega os
sinônimos “abuso de força” e “ação de violentar”. É verbo regido amplamente, como por:
“constranger-se” e “forçar a própria vontade” (FILHO, 1986 apud ARAÚJO, 2007). Forçar a
própria vontade pressupõe fazer a vontade de outro: algo ou alguém. Ao nos referirmos ao
termo “algo”, podemos indicar a questão dos sentimentos ou pensamentos do próprio sujeito,
os quais estejam lutando contra a sua vontade inicial de não praticar o ato suicida, isto é, não
se auto-violentar. Ressaltamos ainda que este “outro” pode ser o grupo sócio-cultural,
internalizado, em cuja engrenagem está este sujeito.
Os sujeitos mais tendenciosos ao sentimento de angústia existencial são mais
propensos à condição suicida. E, por conseguinte, possuem menos forças regulatórias
exteriores, o que os habilitaria à decisão suicida, sem ter que prestar contas aos outros. Ou
seja, decidem numa esfera da objetividade mórbida, que podem livrar-se dos problemas que
os angustiam (BENEDICT apud UENO, 2005, p. 1). Émile Durkheim, entendia a sociedade
como uma realidade dissociada das individualidades dos sujeitos. O que determina as
individualidades é a forma como a sociedade se configura no coletivo. Surge então, a
consciência coletiva autêntica, espontânea, com livre iniciativa para desempenhar, na esfera
individual e grupal, o que é esperado pela coletividade (DURKHEIM apud FILHO, 2004, p.
139).
Se existe no ser o espaço para uma angústia, há que se perguntar por quais
mecanismos de motivação esta angústia ocupa determinado espaço nos sujeitos. De acordo
com pensamento de Tillich (2005, p. 507), existe no ser uma angústia pela resposta às suas
„questões últimas‟, o que leva à idéia de que sociedades e culturas não dispõem de métodos
para conduzir os sujeitos à estas respostas. A busca pelas „questões últimas‟ e seu lugar dentro
de uma cultura permanecem como pressuposto de legitimidade para uma pesquisa que faça
conexão entre a religião e a temática do suicídio. Para dar conta de sua existência, as
sociedades se deslocam por entre diversos mecanismos produtores de subjetividades, dentre
os quais a religião. Conectada entre duas situações advindas do processo de secularização: a
223

ampliação da perda de regulação sobre os sujeitos religiosos (SOUZA, 2006, p. 37) e a


complexificação dos seus limites de influências nas subjetividades.
Sujeitos e sociedades criam e recriam consciências. Internalizam situações objetivadas
e legitimadas socialmente e no plano das individualidades (DURKHEIM apud PINHEIRO
FILHO, 2004, p. 141). Ao internalizar situações e crenças, podem produzir a consciência
coletiva que é caracterizada pelos padrões de comportamento que são mantidos apenas em
comunidade. A religião, enquanto prática comunitária deve ser percebida como lugar para a
prática de ritos, que Tillich (1973, p. 104) irá denominar de substância religiosa nas
comunidades cultuais. Os „sujeitos da angústia‟ também possuem ligação com a religião.
Possuem fé e sinalizações práticas desta fé. Institucionalizada ou não, a religião pode ter a
permissão dos sujeitos para regular seus desejos, pensamentos e ações. Os sujeitos ligados a
uma religião que os regule possuem redução na predisposição cultural ao suicídio
(BENEDICT apud UENO, 2005, p. 1). É a angústia, sem regulação externa da religião, que
vai correlacionar um ou mais pensamentos suicidas que justifiquem o desejo suicida
(CASSORLA, 1986, p. 8).
Se a religião é mediada e explicada pela experiência do sujeito (VALLE, 1998), sua
filosofia pode aceitar que estas experiências transitem ou até permaneçam em estados de
fluidez. Fluidez que não significa deixar a consistência perdendo as características, mas um
estado de resiliência onde se fluidifica para estabelecer fronteiras, se reformular e pluralizar-
se juntamente com os sujeitos, na medida em que estes „reconhecem‟ as fronteiras de sua fé.
Ao reconhecer fronteiras sociais, abrem espaço para outros elementos de significação fora da
religião ou, simultaneamente à religião, inseridos dentro de uma determinada cultura. São os
processos culturais que atuarão como signos e significantes na experiência da fé e no objeto
de estudo das religiões. Voltando ao Tillich, a cultura tem a função de expressar as crenças de
uma sociedade, de modo empírico em vez de generalista (HIGUET, 2008, p. 5). É possível
encontrar, em cada sociedade, uma „preocupação última‟, quando esta sociedade é estudada
por meio de suas manifestações culturais e religiosas?
Nas versões em inglês, deste conceito em Tillich, o termo “ultimate concern” -
preocupação última – remete a uma realidade existencial que não é automática, mas interativa
(2005, p. 507). Essa interação ocorre por meio do espírito humano com o Incondicionado, que
lhe norteia os rumos para uma vida com sentido de plenitude. Como o processo é interacional,
os indivíduos podem optar pelo ocultamento das “questões últimas” da vida ou dar-lhes plena
significação na relação com o sagrado. Não há espaço, aqui, para a dicotomização do sagrado
e profano. Ambos interagem, na esfera espiritual, permeados de cumplicidade e sentido: “... Se
224

o Cristianismo vem trazer alguma transformação religiosa, é aquela de abolir radicalmente essa
distinção (entre sagrado e profano)” (SEGUNDO, 2000, p. 7).
A preocupação última - algo capaz de dar plenitude de sentido a cada ser humano - é
composta de uma substância religiosa, onde as relações entre o sagrado e os sujeitos estão
imersa em qualidades sacramentais que se traduzem por elementos da esfera prática da
filosofia das religiões, quando analisadas em categorias metodológicas (TILLICH, 1973 p.
104).

Ateísmo filosófico e experiência religiosa

O ateísmo filosófico pode ser compreendido por diversas vertentes científicas, como
os vieses da psicanálise ou do materialismo, apenas para destacar algumas. Se Freud, com a
teoria da psicanálise, construiu uma ciência para provar o ateísmo radical, já Feuerbach
identifica nas relações materiais o espaço do ateísmo nas sociedades (ZILLES, 2004, p. 139).
Tillich propôs a materialização da fé a partir dos ritos, crenças, devoções. A religião aqui
aparece, inclusive, como substância cultural ao lado da arte e da ética dos grupos (1973, p.
104). A cultura passava pelo olhar da religião e não o contrário. O observador-pesquisador,
para explicar uma cultura, deveria estudar, primeiramente, a religião daquela comunidade.
Este é o pensamento tillichiano acerca do fenônemo religioso, presente nos seus textos que
datam dos anos 20. O ateísmo aliado à razão científica, para Tillich, não consegue explicar a
revelação, a qual, não se isola da razão, mas evolui com ela. (HIGUET, 2008, p. 3). Outro
conceito de religião, ainda em Tillich, seria do encontro do ser humano com o
Incondicionado. Agora numa perspectiva de transcendência e de sentido para este ser
humano. De algo que não pode ser condicionado ou limitado a existência do sujeito, e, por
isso atua como sentido e plenitude para além dele.
A questão do sentido, numa visão mais subjetivada, é peculiar para cada sujeito, uma
vez que aquilo que produz sentido para um sujeito pode não representar sentido para o outro.
Os elementos construtores da personalidade, como: sonhos, identidade, fantasias, fé e
„capacidade para amar‟ não representam ideais fluidos, mas estão intrinsecamente ligados ao
fenômeno religioso. Senso comum e religião se misturam nos caminhos da humanidade. O
senso comum nos caminhos e ritos religiosos dão corpo aos elementos mais „experienciados‟,
enquanto a ciência se propõe a cuidar dos experimentados, ou seja, dos experimentos
comprováveis mediante „cálculos‟ (CHAUÍ apud FRANCELIN, 2004, p. 29). Isto não deixa
de ser uma perspectiva filosófica, pois, de acordo com Francelin:
225

A religião e a crença (no sentido de acreditar em algo) foram os caminhos


utilizados durante séculos pela humanidade na busca de respostas às suas
perguntas e aflições. Como afirma Morin (1999b), “[...] durante muito tempo
o fundamento em filosofia era Deus, e mesmo nas ciências, pois Newton
ainda se referia a Deus. Foi Laplace que excluiu Deus do cosmos e do
domínio científico” (Morin, 1999b, p. 21). O que se pode dizer, portanto, é
que a ciência, ao longo do tempo, também foi se distanciando da crença
religiosa, estruturando-se enquanto conhecimento autônomo e independente
(FRANCELIN, 2004, p. 28).
A subjetividade não deve ser vista como característica do sujeito inconsciente, mas
como produto social concreto que resulta das ações do outro no meio onde vive e deste
ambiente sobre o sujeito. A subjetividade evolui junto com o sujeito, traduzindo-se em ações
e pensamentos sistematizados. Como produtora de sentido, a religião também atua nas
subjetividades, quando influencia e molda o comportamento destes sujeitos. O processo
religioso é visto como um processo dialético, estruturando os sujeitos e sendo estruturado por
estes, produto da sociedade e produzindo sobre e para a sociedade, numa mesma dinâmica
(BERGER; LUCKMANN, 2004, p. 188).
Ao ser institucionalizada, a religião exerce normatividade sobre os grupos sociais na
direção de um „nomos‟ social para regulação do comportamento dos sujeitos (BERGER,
1985, p. 34). O nomos é quem produzirá o sentido nas relações e representações sociais. É
neste aspecto, que se pode conferir à religião o caráter de produção de sentido. Para que os
sujeitos encontrem significado na construção da sociedade, a religião distribui forças de
significação sobre estes. A religião, assim, se encaminha por entre um pressuposto de ordem
universal, dando sentido ao cosmos. O sagrado permanece, porém como elemento primordial
e essencial da heteronomia. Enquanto que, para Freud, o Infinito (Deus) reduz-se a uma
ideação infantilizada do ser humano (ZILLES, 2004, p. 138). Este humano dependente de um
ser para além dele está agora diante de um impasse científico. O Infinito como produto do
espírito humano deixa de ser substancial, para assumir configurações de fluidez e fantasia

Dir-nos-emos que seria muito bom se existisse um Deus que tivesse criado o
quando, uma Providência benevolente, uma ordem moral do universo e uma
vida posterior; constitui, porém, fato bastante notável que tudo isto seja
exatamente como estamos fadados a desejar que seja (ZILES, 2004, p. 138).
Na filosofia, a natureza da religião fora estudada ora como método, ora como história,
por diversos outros pensadores, dentre os quais: Hegel, Feuerbach, Nietzche e Freud, que foi
destacado para interagir conosco neste trabalho. As análises freudianas não pretendiam
provocar um ateísmo na direção de negar a existência de Deus; afinal Deus não existia mesmo
para ele. Toda a atividade deste pensador, em sua crítica à fé, tinha conotação antropológica
no sentido de procurar discutir com outros pensadores por que a sociedade insistia crer em
226

algo que não existia. Assim como o filósofo Ludwig Feuerbach, ele objetiva „proteger‟ os
sujeitos da idéia ilusória de que há um Deus acima da natureza; para eles, existe apenas
natureza e matéria (ZILLES, 2004, p. 139). Se não há Deus e pessoas insistem em provar a
existência deste é porque algo em sua psique as predispõe a isto.
Estudos surgidos da ciência da Psicologia da Religião vêm comprovar a relação entre
a predisposição humana à fé e seu comportamento psíquico. Esta ciência de caráter mais
empírico do que metodológico atua na fixação dos comportamentos, na ocorrência e
prevalência dos tipos de comportamentos dos sujeitos e das sociedades (VALLE, 1998). Mas
por que estamos aqui permanecendo na discussão acerca da natureza da fé e da religião?
Seriam: fé e religião, produtos psíquicos e não resultado da consciência e da razão?
Ao passo que a filosofia da religião ocupa-se de observar a natureza desta religião, nos
diversos campos interdisciplinares possíveis; a psicologia da religião atuará com as diversas
experiências dos sujeitos nas religiões. Se partirmos dos fundamentos deixados por filósofos
da Antiguidade como Heráclito, encontraremos a afirmação de que as coisas, situações e
experiências podem adquirir um estado permanente de fluidez (VALLE, 1998).

Repensando os processos educacionais nas culturas

Não dá para desconsiderar que as culturas mundializadas, no processo voraz pelo


crescimento econômico, provoquem dentro do seu próprio sistema político-econômico, crises
substanciais e sequenciais. Acontece que estas crises de sistema, são crises dos sujeitos. Não
há sistema nuclear sem sujeitos celulares. As linguagens interpelativas e “progressistas” das
tendências educacionais pós-modernas foram expropriadas para uso descabido e abusivo dos
sistemas econômicos, em nome de uma “virtude do mercado” (ASSMANN, 2001, p. 63).
Diante deste cenário, seria possível reencantar a educação? Mas para que reencantar a
educação sem que percebamos como os sujeitos aprendem, em suas tão complexas culturas?
Não há como dissociar educação de mercado, ainda que desejássemos isso. Sem uma
perspectiva ingênua ou profética, nem um extremo nem outro, o mercado necessita ser visto
como necessário. Além de necessário, há a urgência de processos educacionais que regulem
este mercado. Por que estamos falando de mercado, após discorrer em todo o trabalho sobre a
relação suicídio-cultura? Sendo o sujeito cultural, também é sujeito econômico. Econômico
será sinônimo de mercado neste trabalho. Assmann (2001, p. 66) propõe uma “economia-
com-mercado”, consciente de que os sujeitos são auto-regulados pela dinâmica do mercado.
227

Em vez de uma louvação ao mercado, ou de um reforço ao desejo de poder dos liberais e neo-
liberais, sugere-se um mercado com participação dos sujeitos. Um mercado ético.
As culturas possuem várias formas de regular os sujeitos, mas a economia está sempre
presente, pois: que é uma cultura sem o suprimento de suas necessidades básicas de moradia,
alimentação, segurança, saúde, transporte e emprego? Tudo isso envolve a mola econômica e
suas relações com os sujeitos. São os sujeitos que decidem cooperar com a mola econômica,
não sendo reféns dela. Talvez, por meio de uma consciência coletiva que os conduza a isso.
No caso específico da cultura japonesa - uma economia que já foi a terceira maior
mundial - os sujeitos apenas se percebem dentro desta mola econômica. Raramente, os
sujeitos se identificam como sujeitos ideológicos, mas como sujeitos-do-trabalho. Os valores
excessivos do mito do crescimento econômico dificultam uma discussão ética acerca dos
processos educacionais por onde este crescimento econômico está sendo realizado. Há sempre
uma seleção entre os sujeitos que resulta numa “massa sobrante” (ASSMANN, 2001, p. 66).
Sujeitos japoneses que não dão conta do processo educacional econômico de sobrar dentro do
sistema, tendem a angustia existencial.

Considerações finais

Em culturas específicas são geradas consciências coletivas específicas. A sociedade


japonesa é apenas um exemplo de como o suicídio pode tornar-se produto cultural, a partir de
um padrão de „consciência coletiva‟ mantida (DURKHEIM apud PINHEIRO FILHO, 2004,
p. 139). As sustentações deste trabalho estão no estudo bibliográfico das ocorrências de
suicídio no Japão, que justifica o quanto o estudo sistemático de uma determinada cultura ou
grupo pode configurar importante método de pesquisa.
Os processos educacionais promovidos e mantidos pelos grupos redesenham
constantemente seu comportamento. Em vez da análise do comportamento do sujeito
isoladamente, optamos por estudos na direção de como e quanto a „consciência coletiva‟
molda os padrões de comportamento social, resistindo ao tempo e espaço, entre gerações.
Além destas relações, é possível encontrar o lugar da religião nos processos culturais, quando
Benedich (2005, p.1 apud UENO) vai afirmar que sujeitos japoneses com forças reguladoras
externas são menos propensos ao suicídio. Dentro de uma mesma cultura, os sujeitos ligados a
religião, provavelmente não farão parte dos índices de suicídio dentro dos grupos sociais.
Neste aspecto, a religião atua como significante interno, porém, vindo de um espaço externo
ao sujeito, e, com a capacidade de regular o corpo e os impulsos deste sujeito. Se a religião
228

configura importante mecanismo de produção de sentido (SOUZA, 2006, p. 37), é provável


também que os regule por meio de experiências religiosas e os impeça de decidirem pelo
suicídio, quando da imersão na complexidade da angústia existencial do próprio ser.
Estas experiências religiosas, para Tillich, possuem uma esfera prática que serve de
análise das categorias religiosas, daquilo que constitui uma „substância religiosa primeira‟
para uma „realização religiosa última‟ (1973, p. 104). A realização última do ser humano é
proposta pelo autor, como: „uma preocupação última‟, que seria essencial a cada ser humano.
A busca da essência pressupõe uma existência plena de sentido. Numa relação não-
determinista, mas dependente de outros fatores complexos e ambíguos, o processo de
desenvolvimento humano conduz à essência moral para efetivar-se numa existência
plenamente moral (TILLICH, 2005, p. 507). Assim, os sujeitos que encontrarem, na religião
cristã, o caminho para a realização última do ser, estão menos propensos ao suicídio, pelo
“poder” regulador que a religião exerce sobre estes.
Religião e educação não podem caminhar em continentes extremados. A educação é a
forma como os sujeitos vão absorver os valores desta religião. Não falamos em absorver
conceitos ou doutrinas religiosas, ainda que façam parte do processo. O foco é a absorção de
valores para a vida cotidiana. Valores que tenha peso de ética, onde os sujeitos possam decidir
sempre pela justiça social (ASSMANN, 2001, p. 67).

Referências

ARAÚJO, Frederico Antonio de. Violência social e violência geral, violência escolar,
fenômeno bullying – discussões iniciais. Anais do II Colóquio Educação, Cidadania e
Exclusão. Etnografia em Educação: fracasso escolar – conversas sobre teoria e prática. Rio de
Janeiro: UERJ, 2007.

ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação – epistemologia e


didática. 3. ed. Piracicaba: UNIMEP. 2001.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil. 1989.

BERGER, Peter; LUCKMANN, T. A construção social da realidade – um livro sobre a


sociologia do conhecimento. 2. ed. Lisboa: Dinalivro. 2004.

BERGER, Peter. L. O dossel sagrado – elementos para uma teoria sociológica da religião.
Luiz R. Benedetti (Org). Trad. José Carlos Barcellos. São Paulo: Paulinas, 1985.

CASSORLA, Roosevelt M. S. O que é suicídio. 2. ed. São Paulo: Brasiliense. 1986.


229

EFE. G1. GLOBO. Índice de suicídios de jovens bate recorde no Japão. Disponível em:
http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1125483-5602,00.html. Acesso: 03 jul. 2011.

FRANCELIN, Marivalde M. Ciência, senso comum e revoluções científicas – ressonâncias e


paradoxos. In: Revista Ciência da Informação. Brasília. v. 33. n. 3. set./dez. 2004. p. 26-34.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ci/v33n3/a04v33n3.pdf. Acesso em: 20 jul. 2011.

GIRARD, René. Anorexia e desejo mimético. Lisboa: Edições Texto e Grafia. 2009.

HIGUET, Etienne Alfred. As relações entre religião e cultura no pensamento de Paul Tillich.
In: Revista Correlatio, 14, 2008. Disponível em:
http://www.metodista.br/ppc/correlatio/correlatio14/as-relacoes-entre-religiao-e-cultura-no-
pensamentode-paul-tillich. Acesso em: 20 jul.2011.

PINHEIRO FILHO, Fernando. A noção de representação em Durkheim. In: Revista Lua


Nova. n. 61. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n61/a08n61.pdf. Acesso em:
02 ago. 2011.

RATTNER, Henrique. Cultura, personalidade e identidade. 2002. p. 1-5. Disponível em:


http://www.abdl.org.br/filemanager/download/45/HRattner%20%20texto%20Cultura,%20Per
sonalidade%20e%20Identidade.doc. Acesso: 20 jul. 2011.

RIBEIRO, Claudio Oliveira. Repensar a vivência comunitária da fé. In: Revista Correlatio,
12, 2007. Disponível em:
http://www.metodista.br/ppc/correlatio/correlatio12/para-repensar-a-vivencia-comunitaria-da-
fe-uma-contribuicao-sistematica-de-paul-tillich. Acesso em: 20 jul. 2011

SEGUNDO, Juan Luis. O dogma que liberta – fé, revelação e magistério dogmático. Trad.
Magda Furtado de Queiroz. São Paulo: Paulinas, 2000.

SILVA, M. M. B. L. Ritual da auto-imolação: o suicídio no extremo oriente. In: Revista


Eletrônica Boletim do Tempo. Ano 3, n. 29, Rio de Janeiro: UFRJ. 2008. Disponível em:
http://www.tempo.tempopresente.org/index.php?option=com_content&view=article&id=435
9%3Aritual-da-auto-imolacao-o-suicidio-no-extremooriente&catid=208&Itemid=10076&
lang=pt. Acesso em: 20 jul. 2011.

SOUZA, S. D. Gênero e religião no Brasil – ensaios feministas. São Bernardo do Campo:


UMESP, 2006.

TILLICH, P. Filosofia de la religion. Buenos Aires: Aurora. 1973.

__________. Teologia sistemática. 5. ed. Trad. Getúlio Bertelli e Geraldo Korndörfer. São
Leopoldo: Sinodal. 2005.

TODOROV, Tzvetan. O medo dos bárbaros – para além do choque das civilizações. Rio de
Janeiro: Vozes, 2010.

UENO, K. O suicídio é o maior produto de exportação do Japão? Notas sobre a cultura de


suicídio no Japão. In: Revista Espaço Acadêmico, n. 44, 2005. Disponível em:
http://www.espacoacademico.com.br/044/44eueno.htm. Acesso em: 20 jul.2011.
230

VALLE, E. Psicologia e experiência religiosa. São Paulo: Loyola. 1998.

ZILES, U. Filosofia da religião. São Paulo: Paulus, 2004.

Vous aimerez peut-être aussi