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Tema I
Questões prejudiciais. Questões preliminares. Processos incidentes (I). Distinções. Natureza jurídica. Das
questões prejudiciais: Espécies: perfeitas; imperfeitas; homogêneas; total e parcial. Os vínculos das questões
prejudiciais. Sistema de solução das questões prejudiciais. Procedimentação.
Notas de Aula1
1. Questões prejudiciais
1
Aula proferida pela professora Elisa Ramos Pittaro Neves, em 22/10/2008.
2
Por óbvio, não havendo prerrogativa de função para o excepcionado, esta matéria de defesa será enfrentada
em conjunto com todas as demais matérias, pelo juízo de primeira instância, na sentença.
significará que o querelante, prerrogativado, cometeu infração penal, que será perseguida
no seu foro natural.
Vale recapitular: a difamação consiste na imputação de fato ofensivo à reputação,
desde que não seja crime. Desta forma, na difamação, pode ser imputada a prática de uma
contravenção, o que justificaria a remessa da exceção da verdade ao foro da prerrogativa,
ou pode consistir na imputação de mero fato ofensivo, que por não caracterizar infração
penal alguma, fará com que a exceção seja julgada pelo juiz da queixa-crime.
Veja que, pela adoção de um sistema em cada artigo, há autores que defendem que o
Brasil adotou sistema misto. Vejamos cada sistema mais detalhadamente.
O artigo 92 do CPP, supra, traz uma menção importante, que delimita seu
cabimento: o termo “estado civil das pessoas”. Somente quando a prejudicial tratar deste
assunto, será necessariamente sobrestada a ação penal.
Destarte, é necessário deixar claro qual seja o sentido desta expressão. Há três
correntes doutrinárias sobre o tema: Mirabete defende que estado civil, neste dispositivo,
guarda relação com capacidade e cidadania, ou seja, se a questão tratar de maioridade,
sanidade, ou gozo de direitos políticos, o processo penal deverá ser sobrestado. Vicente
Greco, por seu lado, defende que estado civil é expressão que, neste caso, se relaciona
apenas a questões de família. Polastri e Tourinho, por fim, defendem que diz respeito a
questões de estado, que são, em amplo sentido, todas as questões capazes de identificar e
individualizar um indivíduo em relação aos demais – ou seja, é interpretação bem
abrangente, podendo dizer respeito a questões de capacidade, cidadania, família, profissão,
instrução, etc.
Há que se atentar para um detalhe: a menoridade do réu não poderá ser tratada
como questão prejudicial. Isto porque a menoridade do réu é um tema diretamente
relacionado à estrutura do crime, à culpabilidade, pois é determinante para a imputabilidade
– sendo questão diretamente enfrentada no mérito, e não como prejudicial. Quando a idade
for elementar de um crime, por seu turno, aí então será tida por prejudicial. Como exemplo,
a presunção de violência no crime de estupro, do artigo 224, “a”, do CP:
Por exemplo, se a vítima de conjunção carnal apresentar dúvida sobre sua idade, ou
seja, se é maior ou menor de quatorze anos, esta questão deverá ser solucionada como
prejudicial ao crime, vez que se não for menor de quatorze anos, não haverá crime, pois não
incidirá a presunção criada neste artigo 224, “a”, do CP. Mas repare que, não havendo
dúvida quanto à idade da suposta vítima, e sim quanto à sua capacidade real de
discernimento, esta questão será discutida no bojo probatório do processo penal, e não
como prejudicial sobre estado da pessoa.
São requisitos para se identificar uma questão prejudicial de natureza obrigatória,
deste artigo 92 do CPP: primeiramente, a existência de uma controvérsia séria e fundada,
que consiste em uma dúvida muito grande que acomete o julgador, impedindo-o de analisar
o mérito da questão; a controvérsia deve estar associada ao estado civil da pessoa, havendo
as três teses que disputam o significado desta expressão “estado civil”, já mencionadas; e a
controvérsia deve ser uma elementar do crime, pois dependendo do que se concluir sobre
ela, existirá ou não o crime.
A respeito deste último requisito, de ser controvertida uma elementar do crime, se a
controvérsia recai sobre uma circunstância do crime, qualificadora ou causa de aumento,
será denominada, segundo Polastri, de questão prejudicial parcial. Sendo este o caso, em
verdade, não se aplica o artigo 92 do CPP, não se sobrestando o feito: apenas o nome é de
questão prejudicial parcial, mas o instituto é uma mera questão incidental, a ser enfrentada
pelo juiz do próprio processo. Há que se atentar que, para a doutrina que defende que a
existência de uma qualificadora faz surgir um novo crime, um novo tipo penal, esta se
delineia como uma elementar do crime, e, sendo assim, deve ser tratada como prejudicial.
“Art. 116 - Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre:
I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o
reconhecimento da existência do crime;
(...)”
Se a ação cível que vai decidir a prejudicial ainda não foi proposta, a solução é dada
pelo parágrafo único do artigo 92 do CPP: caberá ao MP, inquestionavelmente, deflagrar a
ação civil, porque é questão de que depende o curso da persecução criminal (não se
tratando, de forma alguma, da discussão sobre a legitimidade do MP nas ações civis ex
delicto para querelante pobre, em que o artigo 68 do CPP já teve sua inconstitucionalidade
progressiva declarada pelo STF).
O promotor responsável pela propositura da ação civil dedicada a solucionar a
prejudicial poderá ser qualquer um, ou será apenas o criminal? Para Tourinho, seguindo a
dinâmica do MP de São Paulo, somente o promotor criminal tem atribuição para tanto; para
Polastri, seguindo a dinâmica do MP do Rio de Janeiro, funcionará o promotor cível,
curador cível.
Da decisão que suspende o processo para apuração da prejudicial cabe recurso em
sentido estrito, na forma do artigo 581, XVI, do CPP. Quando não suspende, tendo sido
suscitada a prejudicial, por não entender, por exemplo, que a dúvida é séria e fundada, não
cabe recurso, podendo caber habeas corpus. Esta negativa de suspensão pode servir como
fundamento a preliminar em recurso de apelação.
A suspensão realizada com base neste artigo 92 do CPP se estende até que a decisão
no juízo cível transite em julgado.
Veja que se o juiz criminal não suspendeu o processo, e a questão tomou outro rumo
no juízo cível, ou seja, há decisão criminal conflitante com a decisão cível da questão
prejudicial, será cabível a revisão criminal em prol do réu penal.
Casos Concretos
Questão 1
Abel Silva, mesmo depois de ciente de ter sido contaminado por AIDS, manteve
contatos sexuais com Josefina, sua ex-esposa. Indignada e extremamente abalada
emocionalmente com a situação, Josefina foi à delegacia de polícia e noticiou o fato ao
delegado. Além disso, propôs ação de indenização por danos morais contra Abel. Após o
desfecho do inquérito policial, Abel foi denunciado pelo Ministério Público, como incurso
nas penas do art. 131 do Código Penal. Com o intuito de trancar a referida ação penal, o
acusado impetrou habeas corpus sustentando, em síntese, que: a indenização por danos
morais pleiteada por Josefina no juízo cível tem como causa de pedir a mesma acusação
disparada na denúncia do processo criminal; é possível o aproveitamento, no crime, da
solução a ser dada a uma questão prejudicial já invocada na esfera cível; a aplicação do
art. 93 do CPP é imperiosa, pois há identidade entre os fatos controvertidos em ambas as
esferas. Decida a questão.
Resposta à Questão 1
Não há questão prejudicial alguma, nem mesmo facultativa, porque não se trata, o
tema discutido no cível, de elementar do crime perseguido na esfera penal. Ao contrário, a
hipótese é de sobrestamento da ação civil ex delicto, na forma do artigo 64 do CPP, e não da
ação penal.
Questão 2
Ezequiel Raposo foi acusado de ter praticado crime de dano, por ter arrebentado a
porta principal de acesso ao apartamento, onde residia em companhia de sua genitora e
uma irmã. O fato teria ocorrido, após a morte do chefe da família, já que mãe e filha não
admitiam vender e partilhar o referido imóvel, único bem deixado a inventariar. Ezequiel
pode alegar alguma prejudicial excludente de ilicitude em sua defesa? De que forma
estaria excluído o ilícito penal? Respostas objetivamente fundamentadas.
Resposta à Questão 2
Tema II
Questões prejudiciais. Processos incidentes (II). Dos processos Incidentes: Das exceções. Classificação.
Espécies. Da suspeição, dos impedimentos e incompatibilidades e do suborno. Da exceção de incompetência.
Notas de Aula3
1. Exceções
Exceção é forma de defesa indireta, é o direito subjetivo público que o réu possui de
se opor ao pedido formulado pelo autor.
O termo “exceção” é criticado porque, se é forma de defesa, somente o réu poderia
alegá-la, sem possibilidade do MP dela se valer, ou do juiz reconhecer de ofício. Como é
matéria dada a todos os participantes do processo – MP, réu ou juiz –, deveria ser chamada
de objeção processual, e não exceção.
As exceções podem ser dilatórias ou peremptórias. Dilatórias são as que se
destinam a procrastinar o processo, dilargar seu curso. Como exemplo, a suspeição. As
exceções peremptórias, por sua vez, são aquelas que põem termo ao processo, sendo
exemplo a coisa julgada ou a ilegitimidade de parte.
Vejamos cada exceção.
“Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por
qualquer das partes:
I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo
por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;
III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau,
inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por
qualquer das partes;
IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;
V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;
VI - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.”
3
Aula proferida pela professora Elisa Ramos Pittaro Neves, em 22/10/2008.
O impedimento não é suscitado em forma de exceção, mas sim por simples petição,
porque se trata de vício severo, em que o juiz será tolhido de seu poder jurisdicional.
O rol do artigo 254 do CPP, da suspeição, é tido por taxativo para as partes.
Eventualmente, contudo, a jurisprudência reconhece suspeição em casos alheios ao deste
artigo. Como exemplo, quando o juiz externar seu convencimento sobre o fato quando
ainda está em fase de inquérito. Veja que no inciso I do artigo 254 do CPP, a proximidade
da amizade ou relevância da inimizade deve ser real, não bastando o mero conhecimento
entre juiz e parte.
Como dito, o rol da suspeição é taxativo para as partes, mas não o é para juiz. Isto
porque há hipótese mais do que reconhecida na jurisprudência de suspeição alheia a este
artigo: quando o juiz se declara suspeito por motivo de foro intimo.
Pode-se definir como motivo de foro intimo aquele que o juiz não quer revelar, ou
que sente que não deva revelar, mas que, sendo o único árbitro, compete à sua consciência
decidir se pode ou não julgar a causa com isenção.
Havendo suspeição, o processo é remetido ao juiz tabelar. Para Tourinho, o juiz
tabelar que receberá o feito não poderá suscitar conflito, porque se o tribunal entender que
aquele juiz suspeito era o competente, as partes ficarão intranqüilas. Mas há quem critique
esta submissão imposta ao tabelar – leia-se Geraldo Prado –, porque limita sua tutela sobre
o entendimento de se deve atuar ou não naquele feito.
As partes devem suscitar a suspeição do juiz na primeira oportunidade em que
falarem nos autos, sob pena de preclusão (primeira oportunidade que se conta desde o
momento em que tiverem ciência do motivo da suposta suspeição).
Os atos praticados pelo juiz suspeito são absoluta ou relativamente nulos? Há dois
posicionamentos sobre o tema: Tourinho defende que, como há prazo para argüir sob pena
de preclusão, a nulidade é relativa, enquanto Geraldo Prado defende que a suspeição
esbarra em um dos pilares do sistema acusatório, qual seja, a imparcialidade, razão pela
qual a nulidade é absoluta.
A jurisprudência entende que o advogado que alega suspeição deve ter procuração
com poderes especiais para tanto, vez que se trata de um ataque pessoal à figura do juiz.
Somente é possível exceção de suspeição contra o juiz se há ação penal em
andamento, não cabendo em sede de inquérito. Pelo ensejo, há que se ressaltar que não
podem, os envolvidos no inquérito, alegar suspeição do delegado de polícia, mas esta
autoridade policial deverá se declarar suspeita, se for o caso, na forma do artigo 107 do
CPP:
“Art. 107. Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do
inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal.”
Ao contrário, a suspeição pode ser argüida em face de membro do MP. Mas veja que
o mero fato de o promotor ter oficiado no inquérito não o torna suspeito para a ação penal
dali decorrente. Veja a súmula 234 do STJ:
Este princípio, que seria implícito e decorrente do princípio do juiz natural, defende
que é promotor natural aquele que tem atribuição para o feito em que vai oficiar. Mesmo se
se entender vigente este princípio, se o chefe do MP designa membros para auxiliar outros
em processos que estes titularizam, não há qualquer ofensa ao promotor natural se o titular
do processo não se opõe.
Policiais militares e policiais civis podem ser considerados suspeitos? Há três
correntes a disputar tema. A primeira defende que são presumidamente suspeitos, vez que
participaram ativamente das investigações, tendo interesse em ter o seu trabalho
reconhecido – seu depoimento não tendo qualquer valor. A segunda corrente defende o
exato oposto: não só não são suspeitos jamais, como seu depoimento gozaria de presunção
absoluta de veracidade, pois que dotados de fé pública, e seus atos têm a presunção da
legalidade que se atribui a atos da administração pública (corrente claramente irrazoável). E
a terceira corrente, por fim, de Fernando Capez, defende que os atos dos policiais são tidos
na mesma conta que qualquer meio de prova, ou seja, têm valor relativo,
independentemente de qualquer cogitação de suspeição, devendo ser analisados no caso
concreto.
Se o juiz impedido, nos termos do artigo 252, praticar atos processuais, qual será o
destino destes atos? Há dois entendimentos: o primeiro, de Tourinho, defende que, neste
caso, o juiz está proibido de exercer jurisdição, e por isso o ato por ele praticado é hipótese
de verdadeira inexistência jurídica, é um não-ato. Pacelli, por sua vez, entende que como a
imparcialidade do juiz resta afetada, a hipótese é de nulidade, e não inexistência.
O artigo 564, I, do CPP, traz questão relevante:
Veja que o juiz que é encontrado subornado não é suspeito ou impedido: sua
conduta criminosa induz nulidade absoluta dos seus atos processuais. Já o juiz que deixa de
ceder à intentada de suborno por uma das partes, estaria suspeito em relação a esta? Veja
que não é hipótese legal de suspeição ou impedimento, mas nada impede que o juiz possa
se encontrar suspeito, por motivo de foro íntimo – vez que qualquer que seja seu
julgamento poderá ser alvo de críticas em relação à tentativa de suborno a que não cedeu
(se for favorável ao que tentou o suborno, suscitará cogitações de aceitação não revelada; se
for contrário, terá contra si alegado que tenha sido tendencioso).
1.2. Incompetência
“Art. 109. Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne
incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte, prosseguindo-
se na forma do artigo anterior.”
Mas veja que a preclusão desta matéria só se opera para as partes, e não pro
judicato: o juiz, a qualquer tempo, poderá se declarar incompetente.
Quando o juiz se verificar incompetente, mas em estágio avançado do processo, ou
seja, já tendo diversos atos processuais praticados, qual será o destino destes atos?
Pela sistemática do artigo 567 do CPP, todos os atos decisórios serão anulados, mas
serão aproveitados os demais que deles independam. Ocorre que o artigo 399, § 2º, do CPP,
adotou expressamente o princípio da identidade física do juiz, criando um conflito real de
paradigmas. Veja:
“Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a
audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério
Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.
§ 1o O acusado preso será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo
o poder público providenciar sua apresentação.
§ 2o O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.”
A doutrina ainda não teve tempo de enfrentar e solidificar esta questão, mas parece
que será a orientação mais coerente a que defender que o aproveitamento dos atos será tido
como mitigação da identidade física, ou seja, prevalece o artigo 567 sobre o 399, § 2º, do
CPP. Veja que, do contrário, praticamente se estará equiparando, em efeitos, a
incompetência absoluta à relativa.
Em síntese: antes da reforma do CPP, a inobservância de regra de incompetência
territorial era solucionada simplesmente pela aplicação do artigo 567 do CPP: os atos
instrutórios eram válidos, havendo a renovação dos atos decisórios. Porém, o artigo 399, §
2º, do CPP, ao adotar o princípio da identidade física do juiz, trouxe a obrigatoriedade de
que o juiz sentenciante presida a instrução criminal, parecendo fazer necessária a renovação
de toda a instrução probatória. Neste caso, é mais razoável entender que o artigo 399, § 2º,
é excepcionado pelo artigo 567, sob pena de se transformar a competência relativa em
absoluta.
Julgada procedente a exceção de incompetência relativa, o juízo remete os autos ao
que foi apontado como competente. Este, se discordar, poderá suscitar o conflito negativo
de competência.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
A questão de foro íntimo não demanda justificação, tampouco adequação a uma das
hipóteses do artigo legal. O juiz que recebe o feito não poderá, segundo Tourinho, suscitar
este conflito, pois geraria intranqüilidade para as partes, mas Geraldo Prado entende que é
possível este conflito, porque o tabelar não pode ser tolhido em seu entendimento sobre o
fato.
Questão 2
No momento de audição das testemunhas arroladas pela acusação, o réu diz que o
juiz está pretendendo prejudicá-lo e o chama de covarde. Ato seguinte, temendo ser
condenado, opõe exceção de suspeição, ao argumento de que o magistrado, a partir desse
incidente, seria seu inimigo. Discuta o argüido pelo réu, em face da lei.
Resposta à Questão 2
A lei é clara: o artigo 256 do CPP dispõe que não há suspeição induzida por ato das
partes. Veja:
“Art. 256. A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte
injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la.”
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema III
Notas de Aula4
1. Exceções processuais
Veja que o legislador optou por colocar sob a mesma epígrafe, “exceções”, institutos
que não guardam a menor correlação entre si, e cujos efeitos são absolutamente diversos.
Por isso, não pode haver um conceito de exceção processual que açambarque todas as
hipóteses deste artigo. Assim, resume-se o conceito abrangente de todas as hipóteses de
exceção ao de defesa indireta, defesa processual dedicada a impedir o julgamento do
mérito, mas em muitas das hipóteses a conseqüência da exceção procedente não é o
impedimento do julgamento mérito, e sim a mera dilação deste momento final – como na
exceção de incompetência, por exemplo, que apenas deslocará o processo para a sede
competente.
Consideração importante sobre as exceções é que este rol é taxativo, e todas elas
devem ser argüidas na forma legalmente prevista para tal, inclusive com respeito aos prazos
próprios para sua argüição. Contudo, como são matérias de ordem pública, todas elas
(inclusive a incompetência, apesar de haver discussão que será abordada), pode o juiz
conhecê-las de ofício, a qualquer tempo. E, diga-se, se as partes perderem o prazo para
argüição, nada impede que, por meio de qualquer provocação, induzam o juiz a reconhecer
esta exceção, em momento posterior ao da preclusão para as partes (pois não há preclusão
pro judicato de matéria de ordem pública). Veja o que diz o caput do artigo 108 do CPP:
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Aula proferida pelo professor Paulo César Vieira de Carvalho Filho, em 23/10/2008.
Pode-se concluir, sem erro, que estes prazos para argüição das matérias de ordem
pública são meramente enunciativos da ordem processual, ou seja, não são fatais, sendo
mera sugestão legal para que o procedimento siga andamento coeso e o mais correto
possível, racionalizando o trabalho.
“Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por
qualquer das partes:
I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo
por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;
III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau,
inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por
qualquer das partes;
IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;
V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;
VI - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.”
“Art. 256. A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte
injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la.”
Sendo assim, o pedido não pode ser utilizado para delimitar a coisa julgada, vez que sempre
será idêntico: havendo uma denúncia posterior contra a mesma pessoa, pelo mesmo crime,
o pedido sempre será o mesmo, sempre genérico.
Sendo assim, o pedido é relevante, mas fica necessariamente em segundo plano
como identificador da coisa julgada ou litispendência. Em primeiro lugar, nesta
identificação, vem a imputação: descrição certa dos fatos, e atribuição determinada da
autoria. Por isso, não se verifica a coisa julgada ou litispendência pela mera observação do
pedido e do agente perseguido: haverá litispendência e coisa julgada se o fato narrado em
duas ações penais for o mesmo.
Aqui surge uma nuance absolutamente fundamental para definir a existência ou não
da coisa julgada: a interpretação do fato narrado é tomada ao pé da letra, ou seja, é
necessário que haja exatamente o mesmo fato narrado para ser considerada presente a
identicidade, ou a interpretação que se deve fazer é de que haja o mesmo contexto fático
narrado, sendo suficiente, este contexto, para serem idênticas as perseguições?
A corrente mais garantista filia-se à concepção de que a imputação é idêntica se é
presente o mesmo contexto fático, vez que prestigia a liberdade ambulatória, posta a maior
amplitude dos casos de identidade se mais amplo for o objeto considerado na imputação.
Ocorre que esta não é a única leitura do termo imputação, pois há quem defenda, com
coerência, que só são idênticas as imputações se os fatos de que é acusado são os mesmos,
exatamente os mesmos – do contrário, não há litispendência ou coisa julgada. Esta última
deve ser a leitura a ser realizada do artigo 110, § 2º, do CPP.
1.3. Incompetência
O prazo desta exceção é o mesmo da defesa, como visto, defesa que hoje que é a
resposta preliminar. Se a incompetência territorial não for alegada neste prazo, restará
prorrogada a competência relativa daquele juízo?
O artigo 109 do CPP determina que o juiz pode reconhecer de ofício a sua
incompetência, em qualquer momento do processo. E veja que este artigo não cria distinção
entre os tipos de incompetência. A jurisprudência dominante, sem muita técnica neste tema,
limita-se a copiar o tratamento dado pelo processo civil à competência territorial: é relativa,
e de fato se prorroga se não há argüição tempestiva.
“Art. 109. Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne
incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte, prosseguindo-
se na forma do artigo anterior.”
Mas veja que artigo 70 do CPP, que traz o foro geral de competência territorial, tem
por intento a facilitação da instrução, da colheita de provas, e, secundariamente, o critério
da prevenção real – onde a norma for violada é que deve ser vista a resposta do Estado –,
ou seja, o interesse por trás desta norma é eminentemente público.
“Art. 73. Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro
de domicílio ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração.”
Sem dúvida quanto à titularidade do bem a ser restituído (não havendo dilação probatória, portanto)
Entrega do bem
Requerimento da Oitiva obrigatória do MP Conclusão ao juiz ou Decisão (termo nos autos)
parte ao delegado ou (estando ainda no inquérito, o delegado (dependendo da
juiz delegado remete ao juízo, que fase em que se deu o
remete ao MP) requerimento)
Com dúvida quanto à titularidade do bem a ser restituído, estando a coisa em poder de terceiro de boa-fé
(havendo dilação probatória, portanto)
Sentença
Requerimento da Prazo de cinco dias Manifestação do Vista ao MP Dilação Vista ao MP
parte ao delegado para que o requerente terceiro de boa-fé probatória, se e às partes
ou juiz (autuação apresente provas que preciso
apartada do pretende produzir
processo criminal)
Com dúvida quanto à titularidade do bem a ser restituído, estando a coisa em poder do juízo
(havendo dilação probatória, portanto)
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
A questão passa pela conceituação do que seja alcançado pela coisa julgada, ou seja,
qual a extensão do termo “fato principal”, que tenha sido enfrentado na sentença, constante
do artigo 110, § 2º, do CPP. Se se interpretar que para haver coisa julgada é necessário que
haja a exata imputação, a identicidade exata entre os fatos narrados antes e agora, não há
coisa julgada, in casu; se a interpretação dos fatos for compreensiva, ou seja, se se tomar
por referência o contexto fático como um todo, há coisa julgada: Carlos já foi julgado por
aquele homicídio, não importando se a dinâmica dos fatos narrados anteriores é diferente da
de agora.
Dentre as duas concepções da extensão da coisa julgada, a primeira parece mais
coerente, pois do contrário situações absolutamente injustas seriam acobertadas pela coisa
julgada.
Questão 2
Petrônio foi denunciado e sentenciado pela prática de três furtos, tendo o juiz
reconhecido a continuidade delitiva e exasperado a pena como decorrência, na forma da
lei. Após o trânsito em julgado, é descoberto um quarto furto, que teria sido praticado nas
mesmas circunstâncias de tempo e lugar dos anteriores. Esta última infração pode ser
objeto de persecução penal ou está encoberta pela coisa julgada material? Fundamente a
resposta, explicitando doutrina e jurisprudência.
Resposta à Questão 2
De plano, diga-se: não há coisa julgada sobre este último fato, vez que qualquer que
seja a vertente que se adote sobre a extensão do que seja a acusação que recai sobre o
agente, este fato não estava narrado na inicial do crime continuado que foi julgado.
Portanto, por esta causa o processo não será extinto.
Todavia, há uma cogitação que é imperativa aqui: haveria interesse de agir neste
novo processo, ou seja, se a imputação restar provada, e se o pedido for acolhido, o Estado
alcançará situação mais vantajosa do que a que agora se verifica?
Entenda: como já houve a condenação pelo crime continuado, e já houve a
exasperação da pena, duas situações podem se desenhar: pode ser que o montante da pena
fixado pelo juiz na condenação já tenha levado em conta o máximo da exasperação
possível; se assim o for, a eventual condenação por este novo fato não terá o condão de
aumentar a pena final do agente, quando da unificação da pena, na execução penal – não
haveria interesse-utilidade de agir, então. Se, ao contrário, o juiz aplicou a exasperação em
nível inferior ao máximo, pode ser que esta condenação pelo novo crime reverbere no
quantum da pena unificada, quando então o interesse-utilidade fica claro.
Tema IV
Questões prejudiciais. Processos incidentes (IV). Do incidente de falsidade. Natureza jurídica. Do falso
material e do falso ideológico. Procedimentação. Efeitos. Da insanidade mental do acusado. Natureza.
Efeitos.
Notas de Aula5
“Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz
ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do
curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este
submetido a exame médico-legal.
§ 1o O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante
representação da autoridade policial ao juiz competente.
§ 2o O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando
suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que
possam ser prejudicadas pelo adiamento.”
“Art. 15. Se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade
policial.”
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Aula proferida pelo professor Paulo César Vieira de Carvalho Filho, em 23/10/2008.
Este menor de que estes dispositivos tratam era aquele que estava entre maior de
dezoito e menor de vinte e um anos, que não mais se justifica desde a alteração da
maioridade civil para a plenitude aos dezoito anos. O curador do artigo 149 do CPP se
fundamenta na possibilidade de que a manifestação de vontade do acusado não seja
confiável, vez que está sob suspeita justamente a sua sanidade.
Nada impede que o próprio advogado ou defensor do acusado sob incidente seja
nomeado curador. Ao contrário, é recomendável que assim o seja, pois se a figura do
curador se presta a zelar pelos interesses do acusado sob suspeita de insanidade, o defensor
nomeado tem todas as condições de fazê-lo.
O exame será realizado por perito médico, seguindo a dinâmica do artigo 159 do
CPP (que hoje faz bastante um só perito, ao contrário da antiga exigência formal de um
segundo perito):
“Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito
oficial, portador de diploma de curso superior.
(...)”
“Art. 150. Para o efeito do exame, o acusado, se estiver preso, será internado em
manicômio judiciário, onde houver, ou, se estiver solto, e o requererem os peritos,
em estabelecimento adequado que o juiz designar.
(...)”
Veja que ali se verifica situação tremendamente peculiar, qual seja, a criação de uma
hipótese de internação em manicômio judiciário de acusado que está sob efeito deste
incidente de insanidade. Ocorre que esta internação é absolutamente inconstitucional,
quando o acusado estiver livre: não pode o juiz, por mero requerimento dos peritos,
determinar o recolhimento de pessoa livre a um hospital psiquiátrico, pois é a criação de
uma modalidade de prisão pré-condenação alheia às características de quaisquer prisões
pré-condenação, quais sejam, os requisitos ínsitos à cautelaridade.
Note que, estando o acusado já preso, nada há que macule a determinação de
internação deste em manicômio judiciário. Já tendo a prisão decretada, por qualquer motivo
que a habilite – a cautelaridade –, a internação é legal. O que é absolutamente
inconstitucional é a restrição da liberdade ambulatorial por conta da necessidade de
realização de perícia. É, de fato, uma prisão pré-processual sem qualquer base
constitucional, sem cautelaridade.
Ao contrário, é possível que o juiz determine a condução do acusado livre à
presença dos peritos, a fim de realizar o exame, vez que definir a sua sanidade é, inclusive,
um benefício a esta pessoa que se tem questionada em sua capacidade. Mas a condução e
realização é a máxima restrição que se pode impor, e jamais a internação de pessoa livre,
como dispõe o artigo em debate.
Pelo ensejo, o artigo 152, § 1º, do CPP, trata de matéria semelhante, sendo possível
ali fazer interpretação conforme a Constituição:
A regra é a não produção de provas antecipadamente, e por isso esta é uma exceção
que deve ser bem fundamentada pelo juiz.
Se o perito conclui que o acusado é, de fato, doente mental, passa a ser relevante o
momento desde o qual esta doença se instalou, porque, a teor do artigo 26 do CP, terá
diferentes conseqüências se existia já no momento da ação ou omissão criminosa:
De plano, consigne-se logo que nem um nem outro caso se trata de hipótese de
rejeição da denúncia, pois não só não consta do artigo 395 do CPP, como também não se
amolda aos casos em que a denúncia deve ser rejeitada e que não se encontram neste artigo.
Também não se trata de hipótese que demande absolvição sumária, vez que é
textualmente excluída esta hipótese do artigo 397, II, do CPP:
“Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste
Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
(...)
II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo
inimputabilidade;
(...)”
Há um motivo para que não haja nem rejeição da denúncia, nem absolvição sumária
do réu que é identificado inequivocamente como inimputável. Veja que a rejeição precisaria
de molde legal a fundamentá-la, o que não é o caso; mas a absolvição sumária em motivo
ainda mais contundente para não ser procedida: se o juiz absolve sumariamente o agente
por inimputabilidade, esta sentença é absolutória imprópria, vez que ao inimputável se
impõe medida de segurança. Desta forma, se assim fosse possível, o agente que é
inimputável estaria, desde já, “condenado” pelo delito, passando a sofrer medida de
segurança – internação em manicômio judiciário.
Por isso, fica claro que o juiz deverá dar natural seguimento ao processo, pois
apesar de estar clara a inimputabilidade, é necessário ainda se verificar todas as questões
sobre o fato criminoso, ou seja, a certificação da materialidade e autoria do delito, pois que
neste ponto ainda não se tem certeza de que o agente inimputável praticou o crime, devendo
ser observado o devido processo legal e a ampla defesa. Se, ao final, apurar-se sua autoria e
a materialidade do crime, será imposta medida de segurança, em sentença absolutória
imprópria; se provada sua inocência, será absolvido em sentença absolutória própria.
Assim se resume a mens legis ao impedir a absolvição sumária do inimputável:
mesmo que o agente mereça desde já a sentença absolutória imprópria, tem o direito a
buscar, no processo, uma sentença absolutória própria.
Outra reverberação desta mesma sistemática, desta mesma lógica, vem no artigo
415, IV e parágrafo único, do CPP:
Pelo ensejo, vale comentar a parte final deste parágrafo único: se a inimputabilidade
for a única tese defensiva6, somente então, poderá haver a absolvição sumária, porque
simplesmente não há qualquer chance de que o réu obtenha a sentença absolutória própria,
não tendo porque ser submetida a causa ao judicium causae, ao plenário, portanto: se a
sentença será necessariamente absolutória imprópria, que o seja desde já prolatada,
sumariamente.
O laudo pericial médico funciona sob a égide do sistema liberatório da prova
pericial, ou seja, o juiz não está vinculado ao que este dispuser. Se, por qualquer motivo, o
juiz entender que o laudo que constatou a insanidade não é confiável, poderá determinar
que novo laudo seja realizado. Veja os artigos 181, parágrafo único, e 182 do CPP:
“Art. 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no
todo ou em parte.”
Casos Concretos
Questão 1
6
Vale ressaltar que se porventura a defesa técnica faz constar a tese de inimputabilidade como única tese
defensiva, o juiz deverá perscrutar os autos, pois se este verificar no acervo probatório do judicium
accusationis que haveria mais alguma tese defensiva plausível e factível, tese que foi abandonada por
imperícia da defesa técnica, o juiz poderá declarar que o réu está indefeso, vez que o defensor não está apto a
perseguir a sentença absolutória própria a que faria jus o réu – permitindo-o nomear outro, ou nomeando ele
próprio novo defensor.
Esta verificação é um dever do juiz, enquanto garantidor do direito fundamental à ampla
defesa. Vale ainda dizer que este mesmo raciocínio pode ser feito em situações quaisquer, e não apenas no
procedimento bifásico do júri popular.
ALFREDO figurava como réu em ação penal que lhe foi movida por imputação da
prática de crime de homicídio. Havia nos autos fundada dúvida quanto à saúde mental do
acusado. O Ministério Público, com o objetivo de avaliá-la, requereu a instauração do
competente incidente. Seria correto o Magistrado indeferir o requerimento, ao argumento
de ter ocorrido a doença mental após o fato delituoso?
Resposta à Questão 1
Questão 2
Mafalda, empunhando uma faca de cozinha, golpeia sua genitora, que estava sobre
o leito acometida de grave enfermidade por longos anos, causando-lhe ferimentos e a
conseqüente morte.
No curso do inquérito, instaurado por auto de flagrante, a autoridade policial
representou à autoridade judicial, no sentido de ser a imputada submetida a exame de
insanidade mental, pois apresentava sinais de anormalidade psíquica.
Formado o incidente, os peritos concluíram que a paciente era absolutamente
incapaz de entendimento e autodeterminação, porque portadora de esquizofrenia, e sua
Resposta à Questão 2
Tendo já havido anteriormente o curador, como é imposto pelo artigo 149 do CPP, a
primeira providência é a verificação de motivos para decretação ou não da prisão
preventiva do acusado; havendo cautelaridade, e estando em fase de inquérito, como está,
será decretada a prisão preventiva. No caso, há cautelaridade – fumus delicti e periculum in
libertatis –, por ser necessária a garantia da ordem pública, vez que a possibilidade de
reiteração dos fatos é grande. Por isso, a prisão preventiva deve ser decretada, não porque o
perito requereu (este não pode requerer prisão, de forma alguma), mas deve ser decretada,
quer de ofício pelo juiz, se assim se entender cabível, ou, na melhor das providências, deve
o juiz abrir para o MP requerer ou não esta prisão preventiva.
Sendo decretada a preventiva, consignar-se-á no mesmo ato que o acusado seja
recolhido não à cadeia, mas sim ao hospital psiquiátrico judiciário.
Poderia, ainda, ser decretada a prisão temporária, se não se entender presente o
fumus necessário à prisão preventiva.
Tema V
Teoria geral da prova. Conceito. Órgãos da prova. Objeto da prova. Liberdade de provar e suas limitações.
Meio, fonte e elemento de prova. Distinções. Provas inominadas. Avaliação e conferência da prova.
Notas de Aula7
Prova é o ato praticado pelas partes, pelo juiz e por terceiros, destinado a formar a
convicção judicial acerca de um fato juridicamente relevante, submetido ao princípio do
contraditório.
Veja que, por conta deste conceito, sequer é prova aquele elemento informativo
colhido no inquérito. Assim, só é prova aquilo que seja produzido em juízo. Mas veja que
Aury Lopes Junior, em posição isolada, defende que a novel redação do artigo 159, § 3º, do
CPP, introduziu uma hipótese de contraditório em fase de inquérito. Veja:
“Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito
oficial, portador de diploma de curso superior.
(...)
§ 3o Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao
ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de
assistente técnico.
(...)”
Esta leitura, no entanto, não pode prevalecer. Isto porque as figuras apontadas neste
§ 3º só surgem quando estiver em curso uma ação penal, e não no curso do inquérito. Além
disso, todo o restante do artigo trata de autorizações e providências do juiz, indicando o
curso da ação penal.
“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado
ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de
provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização
de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”
7
Aula proferida pelo professor Paulo César Vieira de Carvalho Filho, em 24/10/2008.
O inciso I deste artigo evidencia clara falta de lógica, pois se o inquérito não passa
pelo juízo durante seu curso, não há hipótese plausível de que o juiz tenha oportunidade de
proceder à produção de prova de ofício – se o inquérito chegar até ele, certamente a prova
será requerida pela parte, e não ordenada de ofício. O juiz não tem como medir a urgência
da produção de prova nesta fase, porque não tem conhecimento do que ali se passa. A única
hipótese em que o juiz ordenaria de ofício a prova nesta fase pré-processual seria se ele
mesmo estivesse em campo, investigando – o que só se concebe se o princípio acusatório
for posto por terra. Por isso, vale esclarecer se a produção de prova de ofício, pelo juiz, na
fase de inquérito, como autoriza este dispositivo, é ou não constitucional.
Diante do princípio acusatório, inegavelmente presente na sistemática processual
penal brasileira, admitir-se que o juiz aja como investigador é violação direta do núcleo
rígido deste princípio. A essência deste princípio é justamente que o juiz não atue de forma
parcial, realizando condutas que somente seriam praticáveis pelas partes. Sendo assim, seria
absolutamente inconcebível esta atuação pré-processual auto-propugnada do juiz na
investigação, por ser altamente inconstitucional. Inclusive, há precedente que suporta este
entendimento pela inconstitucionalidade da atividade instrutória ex officio do juiz em fase
pré-processual, consistente na declaração de inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei
9.034/95. Veja:
“Art. 3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de
violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será
realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.
(...)”
Analogamente, este é o raciocínio a ser feito quanto ao novel artigo 156, I, do CPP.
É possível, sim, a prova antecipada, antes do início da ação penal, desde que requerida por
uma das partes interessadas, mas não de ofício pelo juiz. A provocação é requisito
imperativo.
Pelo ensejo, questiona-se: a atividade instrutória do juiz (em geral, e não apenas
nesta fase pré-processual) é compatível com o princípio acusatório?
Veja: o atuar direto do juiz na instrução ex officio trata-se, realmente, de uma
contrafação ao princípio acusatório. Entretanto, como qualquer outro princípio, este não é
absoluto, podendo comportar ponderações e mitigações razoáveis. Destarte, aparece
exatamente como uma mitigação perfeitamente razoável a permissão de instrução oficiosa
pelo juiz, no curso do processo, porque privilegia outro princípio que tem maior peso na
ponderação com o princípio acusatório: o da busca pela verdade real. Note que é diferente
da atuação do juiz na fase de investigação pré-processual: atuando ali oficiosamente na
colheita de provas, na forma do inciso I do artigo 156 do CPP, o juiz estará atuando como
investigador em curso procedimental ainda administrativo, e por isso o princípio acusatório
estará sendo violado em seu núcleo rígido, imitigável – daí a inconstitucionalidade. No
curso do processo, porém, dada a vigência do princípio da verdade real, não há violação do
princípio acusatório em seu núcleo essencial, pois que já há o processo em busca da
verdade real, sendo um dever do juiz prestar a jurisdição da forma mais próxima possível
da realidade dos fatos. No curso do processo, o princípio acusatório é restringido, mas não
violado em seu núcleo essencial8.
O princípio acusatório, a que tanto nos referimos, demanda que haja um julgador
diverso do acusador, um juiz que se mantenha eqüidistante das partes, não funcionando
como acusador ou investigador, de forma a não prejudicar sua imparcialidade. E parece
claro que, ao atuar na fase do inquérito como verdadeiro investigador, esta dinâmica resta
violada.
O sistema acusatório de colheita de provas não permitiria esta função do juiz.
Enquanto conjunto normativo que rege os sujeitos do processo, o sistema probatório
acusatório se divide em quatro fases: a postulatória, em que o interessado na produção da
prova requer que esta seja autorizada; a fase ordinatória, de admissão ou rejeição da prova;
a terceira fase, de produção da prova; e a quarta e última fase, que é de valoração, ou
análise da prova. O sistema de colheita da prova pode ser acusatório, inquisitório ou misto,
e rege as três primeiras fases, porque a última conta com um sistema próprio: na valoração
da prova, existem os sistemas da prova tarifada, da persuasão racional ou da íntima
convicção.
O texto constitucional guarda em diversas passagens a adesão ao sistema acusatório
na colheita da prova, claramente, mas nunca expressamente. A legitimidade acusatória
privativa do MP nas ações penais públicas, a existência de um juiz natural, a ampla defesa e
o contraditório, a publicidade dos atos jurisdicionais, a essencialidade do advogado à
função jurisdicional, as normas de organização do Judiciário, tudo isso atesta a adesão
constitucional ao sistema acusatório: acusação, defesa e juízo têm funções claramente
diversas.
É claro que, como qualquer princípio, o princípio acusatório não é absoluto. Pode
ser mitigado. Todavia, todo princípio conta com um núcleo essencial que não pode ser
aviltado, ou seja, a mitigação de um princípio, na ponderação com outro, encontra limites
diante deste núcleo rígido inatacável. Destarte, a área periférica do princípio pode ser
8
Quem critica a possibilidade de produção de prova pelo juiz no curso do processo, o faz sob o argumento de
que esta iniciativa indica tendência condenatória do juiz, que estaria buscando apenas subsídios para a
condenação que já tem em mente. Ocorre que esta crítica olvida-se de que o juiz não tem como prever o
futuro: se ele determina a produção de uma prova, não tem como prever se esta prova prejudicará ou
favorecerá o réu, e por isso não se pode presumir que sua intenção é condená-lo.
limitada diante de outro valor que se mostre mais importante, mas não o seu nódulo central,
intangível, imitigável.
Partindo deste raciocínio, façamos a leitura pontual dos artigos referentes ao sistema
probatório do CPP:
“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida
em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente
nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as
restrições estabelecidas na lei civil.”
9
Vale consignar que antes da CRFB de 1988, era jurisprudência forte no STF a possibilidade de condenação
exclusivamente com base nas evidências colhidas no inquérito, ou em qualquer fase investigativa pré-
processual. E, por incrível que pareça, esta jurisprudência perdurou ainda por algum tempo após a
promulgação da CRFB, até que o Ministro Sepúlveda Pertence, num julgado emblemático, alterou a
concepção para a que hoje vige, ou seja, a impossibilidade de condenação exclusivamente em elementos
informativos.
“Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem
desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.”
Ora, se a lei exige a prova material nestes casos, é inegável que lhe empresta maior
valor do que aos demais meios de prova. Outro exemplo, seguindo a mesma lógica, vem no
artigo 62 do CPP:
quando, havendo falta de provas, é necessário saber quem falhou em comprovar aquilo que
de si era exigido, fazendo triunfar, portanto, a parte contrária.
Como a distribuição do ônus, no CPP, é o mais direta possível, a doutrina é pacífica
na assertiva de que o ônus incumbe todo à acusação. Mas esta imposição, correta, merece
explicação para evitar perplexidades.
Entenda: o que faz com que o ônus seja todo do MP é a presunção de inocência, que
vige para todos os indivíduos. Sendo inocente, cabe ao Estado comprovar a sua culpa, e não
ao perseguido provar-se inocente. Não se pense, porém, que o réu não deva produzir prova
nenhuma no processo, pois há um enorme risco de, se o MP produzir provas tais que criem
severo nível de certeza de culpa, haja a correspondente condenação. Na verdade,
faticamente, o réu deve produzir todas as provas que puder, e criar todas as teses defensivas
que forem plausíveis, a fim de evitar que, no momento da valoração das provas, nada
deponha a seu favor, e sofra a condenação – pois, como dito, a relevância do ônus só se
apresenta na valoração, e não no momento da produção da prova10.
Veja que, por contar com a presunção de inocência, o réu tem a vantagem de
precisar apenas incutir a dúvida na mente do julgador: se, ao valorar o conjunto probatório,
o juiz verificar que há dúvida na imputação feita ao réu, é seu dever absolvê-lo, pois como
o ônus de provar com nível suficiente de certeza é daquele que acusa, havendo dúvida,
significa que a acusação falhou em provar o que de si era exigido.
Além do artigo 156, caput, são relevantes os artigos 41 e 386, VI e VII, do CPP:
teve fundamento para ao menos plantar a dúvida sobre a excludente da ilicitude, mas a
solução é dada pela distribuição do ônus probatório – se do parquet era exigido provar a
ilicitude, e sobre esta resta dúvida, significa que falhou em adimplir seu ônus11.
A primeira limitação é referente à prova do estado civil da pessoa, que será feita na
forma da lei civil.
Outra limitação se vê nos crimes falimentares, em que o juiz criminal não pode
operar qualquer juízo sobre a sentença que decretou a quebra da empresa.
Também oferecem limitação à atividade probatória as presunções legais. Pelo
ensejo, a presunção do artigo 224, “a”, do CP, pela idade da vítima, é absoluta ou relativa?
Veja:
Para o STJ, esta presunção é absoluta, não admitindo prova de maturidade sexual da
suposta vítima; no STF, porém, há julgados relatados pelo Ministro Marco Aurélio que
entendem cabível a prova desta maturidade, sendo presunção relativa, portanto.
Sendo absoluta, ainda repercutirá na pena de forma pesada, se se entender aplicável
o artigo 9º da Lei 8.072/90:
“Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º,
158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua combinação com o art.
223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e
parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o
limite superior de trinta anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das
hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal.”
Mas veja que há dois entendimentos quanto à aplicação deste artigo 9º: o STJ
entende que é aplicável, pois os danos morais e psicológicos causados à vítima justificam o
aumento da pena, sendo esta a orientação majoritária. Capez, e parte da jurisprudência,
entendem que não é aplicável, pois se trata de bis in idem: se a idade da vítima já foi
considerada para fim de implicar em crime, não poderá servir também para aumentar a
pena.
Outra limitação à produção de prova é a coisa julgada, salvo nas hipóteses de
revisão criminal.
Por fim, a mais afamada das limitações é a impossibilidade de se admitir a prova
ilícita, tema abordado em tópico específico adiante.
Provas puramente científicas, assim entendidos o detector de mentiras e o “soro da
verdade”, também não são admissíveis, quer porque a comprovação a que se dispõem não é
11
Não significa que a acusação deva produzir prova negativa, ou seja, sempre provar que não há uma
excludente de ilicitude; a ilicitude é ínsita à atipicidade, e a acusação só precisa provar que não há uma
excludente se esta tese for suscitada com a devida plausibilidade pela defesa.
cem por cento confiável, quer porque são um resquício do sistema inquisitivo, vê que
podem impulsionar a confissão do réu contra sua vontade.
Casos Concretos
Questão 1
Tício das Couves é acusado perante o Tribunal do Júri pela prática do crime de
homicídio doloso triplamente qualificado. A esposa da vítima juntou aos autos do
processo, através de advogado contratado, uma carta da vítima transmitida por ela a um
médium de reconhecida fama no mundo espiritual, por sua seriedade. Na carta, a "vítima"
aponta Tício como autor e afirma que ele já a havia ameaçado de morte em razão de
negócio jurídico desfeito, envolvendo a quantia de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e
quinhentos mil reais) inerentes à compra de ações no mercado financeiro.
A carta é levada a exame grafotécnico, sendo confrontada com escritos, papéis e
assinatura da vítima quando em vida. A perícia atesta a identidade entre as letras
confrontadas (entre a carta juntada pela família e os escritos, papéis e assinatura
apresentados pela família feitos pela vítima quando em vida).
Testemunhas arroladas pelo M.P., ouvidas em plenário, atestam a existência da
intenção entre acusado e vítima de realização do referido negócio jurídico.
Diante dos fatos, pergunta-se:
Essa prova (exame grafotécnico de escrito psicografado) é lícita para autorizar a
condenação de Tício pelo Conselho de Sentença, no Tribunal do Júri?
Resposta à Questão 1
O documento psicografado é uma prova ilícita, por razão muito mais constitucional
do que se pode imaginar. O problema deste tipo de prova é que, se admitido, viola
diretamente o laicismo do Estado brasileiro: se a prova é fundamentada exclusivamente em
uma premissa de que há vida após a morte, significa que é um documento que se baseia em
crença de natureza religiosa, espiritual. Admitir-se uma prova calcada em premissa religiosa
é impingir ao réu, ou a qualquer participante do processo, a crença nesta premissa, o que
torna o Estado laico em interveniente religioso – algo que é constitucionalmente
impensável.
Destarte, a prova é certamente ilícita, não podendo ser admitida em desfavor do réu.
Por isso, a resposta ao caso concreto é por sua inadmissibilidade. Entretanto, vale consignar
que, fosse a prova favorável ao réu, seria admitida. Veja que continuaria sendo ilícita, sob o
mesmo argumento, da inconstitucionalidade por violação ao laicismo estatal, mas seria
inserta na exceção da admissibilidade da prova ilícita pro reo (em que pese haver quem
entenda-a descabida ainda assim, pois que extrapola, esta prova, a racionalidade mínima do
processo).
Questão 2
Resposta à Questão 2
acusatório vigente, como qualquer outro princípio ele não é absoluto, e a busca pela
verdade real é mitigação razoável. Por isso, nada há que prejudique a atuação do julgador.
O HC não deve ser concedido.
Se se tratasse de instrução ex officio na fase pré-processual, a situação seria
diferente: o juiz estaria atuando como verdadeiro investigador criminal, violando o núcleo
essencial do princípio acusatório – o que tornaria esta atuação inconstitucional.
Questão 3
Fernando foi denunciado pela conduta descrita no artigo 35, da Lei 11.343/06.
Durante a instrução criminal, o promotor de justiça requereu a juntada aos autos de Auto
de Apreensão de Entorpecentes, relativo a dez quilos de cocaína, e de Laudo Pericial que
concluía tratar-se efetivamente de cloridrato de cocaína, sendo tais peças oriundas de
inquérito policial instaurado para apurar a conduta de dois outros supostos traficantes,
inclusive já julgados e condenados em outro processo. Ao final do processo, acabou
Fernando condenado. Em apelação, a defesa aduz a vedação à utilização de prova
emprestada, notadamente quando violadora do contraditório, pois o réu sequer foi
mencionado naquele inquérito. Como relator, decida, analisando a questão da
admissibilidade da prova emprestada.
Resposta à Questão 3
A questão passa, por óbvio, pela diferença entre prova e elemento informativo,
recaindo na presença ou não do respeito ao contraditório. A utilização de prova emprestada
é possível, mas, pelo próprio nome, deve se tratar de prova, e não de elemento informativo.
Somente será possível admitir-se a prova emprestada se esta sofreu o devido contraditório
por aquele que ela alveja, no atual processo. Se não participou do contraditório, à época de
sua formação, nem pode haver efetivo contraditório agora – o chamado contraditório
diferido –, o elemento instrutório é inadmissível.
Há dois julgados importantes no STF sobre a matéria, o HC 78.749 e o recurso
extraordinário 328.138, transcritos pela ordem. Veja que, ao tratar da apreensão, é claro que
esta não sofre qualquer contraditório, por sua própria natureza, mas quanto ao laudo
pericial, por não ser renovável esta prova, o contraditório se resume à análise posterior de
suas informações, oportunizada a discussão do laudo, formando contraditório diferido, e
não a participação da produção da perícia que deu origem a este laudo. Veja:
que - além de não submetidas por lei à produção contraditória (CPrPen, art. 6º, II,
III e VII e art. 159) - nas circunstâncias do caso, jamais poderiam ter sido
produzidas com a participação dos acusados, pois atinentes a fatos anteriores ao
delito. II. Exame de corpo de delito: objeto. O exame de corpo de delito tem por
objeto, segundo o art. 158 C.Pr.Penal, os vestígios deixados pela infração tal como
concretamente praticado: imputando-se aos acusados a subtração e
comercialização de entorpecente depositado em repartição policial, o objeto do
exame de corpo de delito obviamente não poderia ser a droga desaparecida, mas
sim os vestígios de sua subtração, entre os quais as impressões digitais deixadas
nos pacotes de materiais diversos colocados no depósito onde se achava a cocaína
para dissimular a retirada dela.”
Vale consignar que, se a prova permite contraditório efetivo, este é imperativo. Por
exemplo, em uma prova pericial porventura renovável, deverá ser refeita a perícia, e não
apenas a juntada e oportunização de discussão do laudo da anteriormente realizada.
Tema VI
Teoria geral da prova (continuação). Prova ilícita e prova ilegítima. Interceptação telefônica. Gravação
ambiental e clandestina.
Notas de Aula12
1. Provas ilícitas
12
Aula proferida pelo professor Paulo César Vieira de Carvalho Filho, em 24/10/2008.
“(...)
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
(...)”
O CPP, por sua vez, vem no artigo 157, recém alterado pela Lei 11.690/08, e dispõe
que:
Repare que esta previsão do CPP não se trata de mera repetição da previsão
constitucional. Ao contrário, trata-se de uma explicitação relevante do teor da vedação,
porque deixa claro que as provas serão ilícitas quando obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais, materiais ou processuais. O artigo 157 do CPP, de fato, positivou
a distinção doutrinária que se fazia sobre as provas ilícitas stricto sensu, violadoras de
direito material, e as provas ilegítimas, colhidas em violação a direito processual.
Os §§ deste artigo são de enorme importância, e serão analisados pontualmente. De
início, porém, há que se abordar o motivo de veto do § 4º. Este dispositivo dizia, em suma,
que o juiz que reconhecesse a ilicitude de uma prova estaria automaticamente suspeito, não
podendo julgar o feito, declinando para o seu tabelar. O fundamento dessa previsão vetada
era que, havendo contato com o conteúdo da prova ilícita, desentranhada do processo, sua
opinião estaria insanavelmente contaminada por aquele conteúdo, mesmo que não esteja
mais presente nos autos. Em que pese fazer sentido esta redação vetada, o veto foi o melhor
dos caminhos, pela seguinte razão: suponha-se que o processo tenha curso originário no
pleno do STF, como ocorre quando o réu é deputado federal: para quem declinará da
competência, o STF suspeito? Não há outra instância.
Outro argumento do veto foi a existência marcante de comarcas de juízo único, em
locais de grande extensão territorial e difícil acesso. Havendo suspeição do juiz da vara
única, o processo continua ali, e o juiz de outra comarca deverá deslocar-se para vir praticar
os atos neste juízo original – gerando enorme transtorno no funcionamento do Judiciário.
Destarte, a norma vetada continha previsão juridicamente correta, mas inexeqüível
na vida prática dos processos, já tão morosa. Por isso, o veto foi boa providência.
A prova ilícita pode ser admitida pro reo, como se sabe, mas seria admissível pro
societate, em algum caso? Há duas teses: a primeira, amplamente majoritária, é a que
defende ser incabível, sem ressalvas, dada a expressão constitucional, em que aparece como
direito fundamental individual. Polastri, ao contrário, capitaneia a tese minoritária que
defende que nenhuma garantia constitucional é absoluta, e por isso pode haver
admissibilidade desta prova ilícita pro societate quando, diante da proporcionalidade,
inadmiti-la seria contrário ao resultado da ponderação com o bem jurídico em
contraposição.
Dito isso, passemos à análise dos institutos contidos nos demais §§ do artigo 157 do
CPP.
Também chamada de teoria da prova ilícita por derivação, ou fruits of the poisoned
tree, encontra-se bem especificada no § 1º do artigo 157 do CPP. Este dispositivo dá
efetividade à vedação das provas obtidas por meio ilícito, na medida que impede que
provas decorridas diretamente da prova ilícita sejam consideradas válidas – o que faria
inócua a vedação.
Ocorre que a aplicação desta teoria de forma absoluta teria um custo social absurdo,
dando ensejo a injustiças grotescas. Por isso, a Suprema Corte Norte-Americana, donde
surgiu este instituto, criou temperamentos altamente razoáveis a esta vedação. Vejamo-los.
“(...)
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas
puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
(...)”
A princípio, a leitura deste dispositivo pode fazer parecer que é um tanto impreciso,
quando se chega às ressalvas à inadmissibilidade das provas derivadas das ilícitas. Ora, se
“não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras”, significa que não é derivada
da ilícita por sua própria natureza, e que portanto não seria uma exceção, a rigor. Lendo-se
gramaticalmente o texto, a expressão que se colheria é que “são também inadmissíveis as
provas derivadas das ilícitas, salvo quando não derivadas das ilícitas” – ou seja, um contra-
senso.
Ocorre que aqui, de fato, se pode encaixar (tendo sido esta ou não a intenção do
legislador) a teoria da conexão tênue. Na aplicação desta teoria, há, realmente, uma relação
de derivação da prova em análise com a prova ilícita, derivação que, a rigor, tornaria esta
derivada igualmente inadmissível, ilícita por derivação. Ocorre que esta teoria da conexão
tênue se presta a elidir a ilicitude das provas derivadas que tenham uma causalidade
absolutamente longínqua, absolutamente tênue, em relação à prova ilícita original.
Veja: como o único merecedor de proteção, no processo penal, não é somente o réu,
a conexão extremamente diáfana da prova em análise com a original não tem o condão de
torná-la ilícita por derivação. Esta prova passa a ser admissível, porque o vínculo desta com
a ilícita original é quase imperceptível.
Mas veja que a imprecisão legislativa dá margem a interpretação exatamente oposta.
Ao consignar que se não evidenciado o nexo de causalidade a prova será lícita, significa
que se evidenciado este nexo, em qualquer nível – por mais tênue que seja –, a prova é
ilícita, afastando assim a aplicabilidade da teoria da conexão tênue. Esta visão não deve
prevalecer, sendo preferível a tese que entende aplicável o temperamento.
“(...)
§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites
típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de
conduzir ao fato objeto da prova.
(...)
Ocorre que mais uma vez errou o legislador, porque ao tentar traçar o conceito de
fonte independente, redigiu precisamente o conceito da descoberta inevitável, próximo
tópico.
Quanto ao objeto da prova, esta pode ser direta ou indireta. Prova direta é aquela
que por si só demonstra um fato, pois se refere diretamente ao tema probante. A prova
indireta, por sua vez, é aquela que não se refere ao tema probante, mas por raciocínio lógico
se pode chegar até ele. Exemplo mas claro de prova indireta é o indício.
Quanto ao sujeito, a prova pode ser pessoal ou real. Prova pessoal é aquela
pertinente a uma situação pessoal, enquanto a prova real é aquela oriunda dos vestígios
deixados pelo crime.
Quanto à forma, a prova pode ser testemunhal, documental ou material. Enquanto
as duas primeiras dispensam explicações, as últimas são exclusivamente as provas periciais.
Quanto ao valor probatório, por fim, a prova pode ser plena ou não plena. Prova
plena é a prova da certeza exigida para uma condenação; não plena, é aquela que é
indicativa de algumas circunstâncias, e serve no máximo para a decretação de alguma
medida cautelar, porque induz juízo de mera probabilidade, e não certeza.
3. Questões polêmicas
Pode haver coleta de lixo para que sirva de prova? Esta prova é plenamente
admissível, pois tudo que é expelido ou abandonado é passível de captura, vez que não se
estará violando a intimidade.
Pode o MP, sozinho, quebrar sigilo bancário e fiscal? Há três posicionamentos: o
primeiro, majoritário na jurisprudência, defende que não é possível, pois é atividade
reservada à jurisdição. Pacelli, por sua vez, entende e as Leis Complementares 104 e 105
estabelecem que as autoridades fazendárias podem coletar este tipo de informação sem
auxílio do juízo, e se a Fazenda pode, é claro que o MP também pode – além de as próprias
leis orgânicas do MP também admitirem. E uma terceira tese, jurisprudencial, conta com
julgados que defendem que se o caso envolve erário público, é possível, em razão do
interesse público.
Interceptação telefônica é expressão que pode ser tida por expressão genérica,
ampla, dividida em diversas espécies. Vejamos.
A interceptação telefônica em sentido estrito é a modalidade em que duas ou mais
pessoas travam um diálogo, e um terceiro grava esta conversação, sem consciência dos
interlocutores. É a esta forma de interceptação que o artigo 5°, XII, da CRFB faz referência,
e que foi regulamentada plenamente pela Lei 9.296/96.
A escuta telefônica, por sua vez, é a modalidade em que duas ou mais pessoas
conversam, e um terceiro, com a ciência de um dos interlocutores, grava a conversação. É
perfeitamente válida, se seguida a regra da interceptação telefônica, prevista na Lei
9.296/96. Polastri, isoladamente, defende que, por não ser modalidade de interceptação
telefônica, não está regulamentada na Lei 9.296/96, e não seria válida.
A gravação telefônica, por sua vez, consiste na gravação de uma conversação por
um dos próprios interlocutores, sem a ciência dos demais. Esta gravação não é
regulamentada pela Lei 9.296/96, e também não está prevista no artigo 5°, XII, da CRFB.
Por isso, a tendência jurisprudencial é considerar esta prova ilícita por violação ao direito à
intimidade, salvo se produzida em legitima defesa: se a pessoa que realiza a gravação está
sendo vítima de um crime (extorsão, por exemplo), pode se valer da prova, posto que a
ilicitude desta está elidida pela legítima defesa. Ada Pellegrini defende esta situação como o
direito de defesa em sentido amplo.
A gravação ambiental, que não se confunde com a telefônica, consiste na captação
de sons ou sinais produzidos em ambientes abertos ou fechados. Existe previsão legal para
a gravação ambiental na Lei 9.034/95, no artigo 2°, IV:
“Art. 2o Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos
já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de
provas:
(...)
IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou
acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial;
(...)”
alvejado pela investigação e o crime descoberto. O STF entende que desde que o crime
descoberto também seja punido com reclusão, não há qualquer impedimento para sua
utilização, vez que a garantia constitucional da intimidade já foi mitigada.
A comissão parlamentar de inquérito não pode determinar interceptação telefônica,
uma vez que tem vigência a cláusula de reserva de jurisdição: somente é dado ao Judiciário
autorizar esta captação, esta mitigação à intimidade, como deixa claro o próprio artigo 5°,
XII, da CRFB. A cláusula de reserva de jurisdição é meio pelo qual a CRFB autoriza a
mitigação de alguns direitos apenas por ordem judicial. Todavia, a CPI pode determinar a
quebra do sigilo telefônico do investigado: quebrar o sigilo é revelar os dados telefônicos
pretéritos, ou seja, quais ligações foram feitas do número pertencente ao investigado, para
quem ligou, quando e por quanto tempo. A quebra do sigilo não se sujeita à reserva de
jurisdição, e é permitida sua realização pela CPI, de ofício.
Da mesma forma, o sigilo bancário e fiscal pode ser quebrado pela CPI, pois o
artigo 58, § 3°, da CRFB, autoriza expressamente. Tudo o que não estiver neste dispositivo,
é dado à reserva de jurisdição.
A CPI municipal, por sua vez, não pode quebrar sigilo telefônico, tampouco os
demais autorizativos constitucionais do artigo 58, § 3°, lhe são pertinentes: o dispositivo
determina que a CPI tem os mesmos poderes investigativos de autoridades judiciais, e
como na esfera municipal simplesmente não existe autoridade judicial, não há paradigma, e
não há esta permissão constitucional. O STF assim já decidiu em diversas oportunidades.
É possível a interceptação de e-mails? Se se considerar o e-mail como
correspondência, a proteção constitucional não admite mitigação. Mas se for tratado como
dado, há quatro entendimentos, partindo da análise do artigo 5º, XII, da CRFB:
“(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial,
nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal;
(...)”
Para Capez e Luiz Flávio Gomes, a exceção trazida pela expressão “último caso” se
refere exclusivamente à comunicação telefônica, transmitida por meio de cabos telefônicos
(ou seja, tudo que passe por estes cabos, é comunicação telefônica, e é interceptável).
Para Ada Pellegrini, “último caso” é também somente a comunicação telefônica,
mas entende-se por comunicação toda a conversa, vocal, feita por meio de telefone –
interceptação que se justifica por não ter outro momento de captura do que ali foi dito, vez
que a voz não deixa rastros, se não for gravada.
Para Tourinho e para o STF, “último caso” se refere a tudo que está entre vírgulas,
ou seja, dados e comunicações telefônicas, motivo pelo qual o artigo 1º, parágrafo único, da
Lei 9.296/98 é válido, tendo sido sua constitucionalidade confirmada em ADI
improcedente:
Por fim, Polastri e Lenio Streck defendem que à época da CRFB de 1988 não era
possível prever o avanço nas telecomunicações, sendo necessária a interpretação conforme
a Constituição, ou seja, todas as formas de comunicação telefônica podem ser objeto de
interceptação, mas não de dados.
Dados estanques podem ser apreendidos? A doutrina entende que sim, mas somente
mediante mandado de busca e apreensão.
É possível a violação de correspondência de presos? O artigo 41, parágrafo único,
da Lei de Execuções Penais permite esta interceptação, mas este dispositivo foi
recepcionado pela CRFB, especialmente pelo artigo 5º, XII, já transcrito? Veja:
Casos Concretos
Questão 1
MARCOS tem seu sigilo bancário quebrado por decisão fundamentada de comissão
parlamentar de inquérito, criada no âmbito da Câmara de Vereadores de um pequeno
município, em investigação sobre o uso de verbas municipais.
Qual a posição atual do Supremo Tribunal Federal sobre o tema?
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
A Lei Complementar 75/93, no artigo 8º, IV, parece autorizar esta providência direta
pelo MP, mas o STF tem entendido que é matéria dada à reserva de jurisdição, e por isso o
parquet não teria atribuição para tanto, devendo requerer a quebra ao juízo. Sendo assim, a
violação deve ser reconhecida, e desentranhados os documentos.
Questão 3
Resposta à Questão 3
havia expectativa de intimidade em uma reunião desta estirpe, não há óbice à prova. Assim,
em regra, a gravação clandestina seria incabível, mas neste caso, se se tratar de reunião
pública, os sons produzidos em ambiente público não são protegidos pelo sigilo, e seria,
assim, válida a prova. Ao contrário, se for reunião privada, o sigilo foi ofendido, e a prova é
ilícita.
Tema VII
Prova testemunhal. Conceito. Dever de depor. Isenção e proibição de depor. Avaliação e conferência da
prova testemunhal. Prova no Júri. Falso testemunho. Acareação e reconhecimento de pessoas e coisas.
Reconhecimento extrajudicial e judicial. Forma e documentação. Acareação. Cabimento e finalidade.
Acareação da precatória e rogatória. Avaliação e conferência.
Notas de Aula13
1. Prova testemunhal
13
Aula proferida pela professora Elisa Ramos Pittaro Neves, em 29/10/2008.
“Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem
desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.”
Em razão disso, surge uma questão: o artigo 221, § 1º, do CPP, teria sido
recepcionado pela CRFB? Veja:
1.1. Classificações
Incapazes, crianças, todos podem ser testemunhas. Mas há que se atentar para a
diferente valoração emprestada a cada depoimento. O testemunho infantil, por exemplo, é
alvo de controvérsia sobre o valor que merece receber. Há quem entenda que o depoimento
infantil não tem valor algum, pois em razão da imaturidade moral e psicológica, as crianças
14
Esta prova é habilmente substituída por mera consulta à folha de antecedentes criminais do acusado,
perdendo um pouco da sua utilidade prática, por isso.
mentem sem qualquer receio. Mas esta tese é minoritária, prevalecendo a tese que entende
que tem valor relativo, como qualquer outra prova no processo penal. Se assim não fosse,
os crimes sexuais, por exemplo, que normalmente são praticados às escondidas, poderiam
restar sem instrução, pois a narrativa da criança pode ser a prova de maior relevância.
Como qualquer pessoa pode ser testemunha, também o podem os policiais que
participaram da investigação, e há três orientações sobre o valor dado a tais depoimentos,
que já foram abordadas anteriormente.
A regra do artigo 202, supra, cria também um dever de depor a quem for apontado
como testemunha, mas este artigo encontra-se excepcionado pelos artigos 206 e 207 do
CPP. O artigo 206 desobriga a testemunha, e o 207 proíbe que certas pessoas deponham.
Veja :
“Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério,
ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte
interessada, quiserem dar o seu testemunho.”
“Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha,
perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo,
inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
§ 1o As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado
mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir
efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da
administração pública direta ou indireta.
§ 2o O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o
ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.”
que já não ocorre mais, como se vê no artigo supra. Desta forma, qualquer testemunha,
esteja ou não compromissada, responde pelo crime de falso testemunho.
Tourinho, por sua vez, defende que em razão dos laços familiares, não seria
razoável a imputação do crime de falso testemunho aos dispensados de depor, parecendo
que com isso entroniza a tese de que é inexigível conduta diversa do falseio no relato,
daquele que vem testemunhar contra ente querido – estando exculpado, portanto. E quanto
aos informantes, Tourinho os enquadra em categoria alheia à de testemunha, e por isso não
estariam preenchendo o requisito que os coloque na posição de autor do crime de falso
testemunho. A jurisprudência encampa a tese de Tourinho, pois acata que haja a
inexigibilidade de conduta diversa (mas não entende que informantes sejam categoria
diversa das testemunhas: mesmo sendo testemunhas, é-lhes inexigível falar a verdade).
Já o artigo 207 do CPP trata das testemunhas sigilatárias, que mais do que
dispensados, são proibidos de depor. São proibidos de testemunhar aqueles que em razão de
função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo. Função, por conceito, é o
exercício de uma atividade em razão de lei, decisão judicial ou convenção; ministério é a
atividade de caráter religioso; ofício é atividade ligada a serviços manuais; e profissão é
atividade desenvolvida com fim lucrativo.
Esta proibição das testemunhas sigilatárias encontra exceção no próprio artigo: se a
parte a quem o sigilo fizer referência abrir mão deste resguardo, e se a testemunha o quiser,
poderá depor.
Exemplo de proibido de depor é o advogado, em relação ao seu cliente. E veja que,
peculiarmente, mesmo se o cliente o desobrigar do sigilo, o advogado não poderá depor15.
Assim dispõe o Estatuto da OAB, no artigo 7º, XIX:
“Art. 7º - São direitos do advogado:
(...)
XIX - recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva
funcionar, ou sobre fato relacionado como pessoa de quem seja ou foi advogado,
mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato
que constitua sigilo profissional;
(...)”
Outro profissional que se encontra sob esta proibição é o médico, sendo-lhe vedado
pelo código de ética médica depor sobre fatos de que tem ciência pelo tratamento a que se
submeteu o paciente. Suponha-se, então, que o médico venha a ter conhecimento de que
uma criança levada para ser tratada consigo sofreu abuso sexual: não poderá comunicar tal
fato à autoridade? Muito ao contrário, ele terá que depor. O sigilo só diz respeito à
intimidade, à privacidade entre médico e paciente, quando o paciente for provável autor de
crime; quando for a vítima, deverá o médico auxiliar como puder na investigação. A mesma
situação se passa na relação entre o autor de crime e o padre, pois aquilo que o provável
autor relata no confessionário não pode ser revelado pela entidade religiosa.
15
Faço ressalva pessoal: o sigilo encontra mitigação no Código de Ética, que me parece ser aplicável, aqui.
Veja o artigo 25 deste diploma:
A testemunha tem por principal dever o comparecimento à audiência para a qual foi
convocada, sob pena de até mesmo ser conduzida coercitivamente. Outro dever da
testemunha é depor sobre os fatos que sabe, e falar a estrita verdade sobre eles, sob pena de
incorrer em falso testemunho.
A testemunha pode, eventualmente, se recusar a responder a alguma pergunta,
especialmente quando a resposta puder implicar em auto-incriminação da testemunha em
algum fato típico. Para que seja garantido este direito ao silêncio, a testemunha deve se
munir, preferencialmente, de um habeas corpus preventivo, a fim de que, ao se recusar a
responder, não se configure crime de falso testemunho em flagrante delito.
A testemunha recalcitrante, faltosa, aquela que se recusa a comparecer à audiência,
deverá ser conduzida, na forma do artigo 218 do CPP, e ter contra si imposta multa pelo
juiz, na forma do artigo 219:
“Art. 219. O juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453,
sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao
pagamento das custas da diligência.”
“Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros
elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as
demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade
ou concordância.”
“Art. 212. As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à
testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem
relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida.”
Outra alteração importantíssima veio no teor do artigo 217 do CPP. Veja a redação
anterior e a atual, pela ordem:
“Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu, pela sua atitude, poderá influir
no ânimo da testemunha, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará
retirá-lo, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Neste caso
deverão constar do termo a ocorrência e os motivos que a determinaram.”
“Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação,
temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que
prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e,
somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu,
prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.
Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo
deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.”
Antes, não havia a opção da videoconferência, como se pode perceber. Se assim for
ser realizada, o réu não deixará a sala de audiências, e sim a testemunha, que será colocada
em sala diversa, onde há o equipamento de captação de seu depoimento por vídeo. Sendo
assim, vê-se que há maior prestígio ao direito de presença do réu, que não deixa a sala de
audiências.
Quando se cogitou de videoconferência no Brasil, a idéia era evitar os transtornos
que se dão no transporte do preso, de forma que ele, permanecendo encarcerado, ainda
participe da diligência que se realiza no fórum. Porém, não foi isso que o legislador levou
em consideração nesse artigo 217 do CPP; aqui, testemunha e réu estariam já na sala de
audiências, mas para garantir a validade do depoimento, prestigiando a verdade real, e ao
mesmo tempo o direito de presença do réu, a testemunha é quem sai da sala, ali
permanecendo o réu.
A testemunha suspeita será contraditada, ou seja, será alvo de contradita pela parte
contrária, na forma do artigo 214 do CPP:
A regra é que a testemunha residente em outra comarca será ouvida por meio de
precatória. Surgem alguns problemas a serem solucionados, neste caso. Vejamos.
Primeiro problema: as partes serão intimadas da data da oitiva da testemunha no
juízo deprecado? Há dois entendimentos: o primeiro, de Tourinho, e do Ministro Marco
Aurélio, defende que as partes devem ser intimadas desta oitiva, em respeito ao
contraditório e à ampla defesa; a segunda orientação, que prevalece na jurisprudência,
defende que, de acordo com a súmula 155 do STF, as partes devem ser intimadas apenas da
expedição da precatória, e não da marcação da data da diligência no juízo deprecado. Veja:
Outro problema: o réu preso deverá ser requisitado ao juízo deprecado, na data da
oitiva da testemunha, para dela tomar parte? Há três correntes: a primeira, majoritária,
defende que não é necessária a requisição do réu preso, pois a ampla defesa estará satisfeita
com a presença da defesa técnica, sem contar que a celeridade e a economia processual são
extremamente favorecidas. A segunda corrente, de Capez, entende que há nulidade relativa,
cujo reconhecimento depende de demonstração do prejuízo. E a terceira, do STF –
2. Acareação
Consiste em espécie de prova na qual duas ou mais pessoas são colocadas frente a
frente, com o objetivo de esclarecer eventuais contradições entre seus depoimentos
previamente realizados.
A acareação pode ser entre o réu e testemunha, entre duas testemunhas, entre a
vítima e uma testemunha, sem restrições. Qualquer pessoa envolvida no processo pode ser
posta em acareação.
Esta medida pode ser realizada tanto em fase de inquérito quanto em fase judicial.
O réu não pode ser obrigado a participar de acareação, prevalecendo na doutrina e
na jurisprudência a vedação à auto-incriminação forçada, proveniente do pacto de São José
da Costa Rica. O réu só participará da acareação se o quiser. É claro que esta vedação não
acode às testemunhas, que são forçadas a participar da diligência.
O juiz pode indeferir a realização de uma acareação, sem que consista em violação à
ampla defesa. Assim se depreende da parte final do artigo 230 do CPP:
“Art. 230. Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra,
que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência,
consignando-se no auto o que explicar ou observar. Se subsistir a discordância,
expedir-se-á precatória à autoridade do lugar onde resida a testemunha ausente,
transcrevendo-se as declarações desta e as da testemunha presente, nos pontos em
que divergirem, bem como o texto do referido auto, a fim de que se complete a
diligência, ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a
testemunha presente. Esta diligência só se realizará quando não importe demora
prejudicial ao processo e o juiz a entenda conveniente.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
O promotor que atua no inquérito não pode ser arrolado como testemunha. A
jurisprudência entende que há uma incompatibilidade entre os deveres da testemunha e a
posição que o MP ocupa no processo penal, tendo este oficiado no feito, mesmo em fase
pré-processual. É claro que como pessoa, como indivíduo, não há qualquer impedimento,
mas no caso em tela a sua posição é de presentante do MP – sendo incompatível, portanto.
Questão 2
LÍCIO foi denunciado pelo estupro de LAILA, de 22 anos de idade, a qual alegou
ser pobre durante a fase inquisitorial, tendo firmado, no prazo decadencial, um termo de
representação.
Ouvido ANTÔNIO em juízo, porteiro do prédio onde aconteceu o estupro, este, que
já conhecia LÍCIO, que realizara serviço de eletricista para um dos moradores,
reconheceu-o pessoalmente e afirmou que na data do crime o mesmo ingressara no prédio
minutos antes.
Também foi ouvido na instrução criminal o jornaleiro PAULO que tinha a sua
banca em frente à portaria do prédio de LAILA, o qual também conhecia LÍCIO, tendo
afirmado que, naquela data do fato vira o acusado sair do prédio em horário aproximado
ao acontecimento do crime, reconhecendo-o em audiência.
A ofendida, ouvida em data diversa das testemunhas ANTÔNIO e PAULO,
reconheceu LÍCIO apenas por fotografias que lhe foram apresentadas, algumas que faziam
parte de álbum fotográfico policial, e as outras obtidas junto aos jornais da cidade, isto
porque LÍCIO, foragido, não compareceu ao ato processual.
LÍCIO foi citado pessoalmente e, quando interrogado, negou a autoria, sendo que,
por não ter comparecido à oitiva da ofendida foi decretada a sua revelia.
O exame pericial apontou a prática de conjunção carnal com sinais de violência,
detalhando, inclusive, diversos ferimentos pelo corpo da ofendida.
LÍCIO foi condenado a 08 anos de reclusão, sucedendo que o juiz apontou como
causa principal a embasar o seu convencimento o reconhecimento fotográfico realizado
pela vítima, sem prejuízo do reconhecimento pessoal das testemunhas Antônio e Paulo, que
permitiram formar um conjunto probatório.
Neste caso, poderia ser prolatada uma sentença condenatória tendo como principal
motivação o reconhecimento fotográfico pela ofendida?
Resposta à Questão 2
Sim. O reconhecimento fotográfico nada mais é do que uma prova atípica, e mesmo
que seja fraca, porque pode sofrer distorções, é plenamente válida, visto que não há
vedação à sua produção. Somados ao reconhecimento, há indícios severos da autoria, pelo
que nada impede a condenação. Por isso, sendo prova lícita, nada impede que fundamente
condenação.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Não. A acareação é diligência que só existe com o escopo de dirimir dúvida judicial,
e se o juiz não se achar em dúvida, não é necessária a diligência. Assim se verifica no artigo
230 do CPP.
Tema VIII
Notas de Aula16
1. Prova indiciária
16
Aula proferida pela professora Elisa Ramos Pittaro Neves, em 29/10/2008.
decisão, a condenação com base somente em indício é possível. Há ainda uma terceira
corrente que defende que se houver pluralidade de indícios de autoria, a não apenas um, é
possível a condenação – tese com maior representação jurisprudencial.
A tese que defende que o indício não é suficiente para condenar defende que esta
prova sempre tem natureza, quanto ao seu valor probante, de prova não plena, pelo que não
é forte o bastante para gerar a certeza necessária à condenação.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Quando se dirigia em seu carro a uma zona de praia, durante as férias, Elesbão,
com dezoito anos de idade, foi abordado pela polícia, que encontrou quatro tabletes de
cannabis sativa L escondidos sob seu banco. A perícia atestou a natureza do material,
esclarecendo que pesava dois quilos. O Ministério Público, em sua denúncia, lhe imputou
a prática do crime de tráfico de entorpecente, na modalidade de transportar. Em sua
defesa, material e técnica, Elesbão alegou ser usuário daquela erva e que não é traficante.
Provou que sua família, rica, lhe fornece mesada de cinco mil reais. Aduziu que, como iria
permanecer dois meses na praia, providenciou tal quantidade, para não ficar privado da
droga no período e porque, sendo a primeira vez que ia àquela praia, desconhecia se
poderia adquirir maconha no local. Ademais, sempre evitou o risco de várias idas a ponto
de venda.Por cautela, o magistrado, a requerimento do Ministério Público, determinou a
realização de perícia, a fim de esclarecer se Elesbão era dependente e, em caso positivo,
como isto poderia interferir na sua capacidade de entender e de querer.Os peritos testaram
que Elesbão não era dependente de maconha e sua plena capacidade de entender o caráter
ilícito de sua conduta. A seu turno, os policiais confirmaram em juízo a apreensão do
material e suas circunstâncias. Indaga-se, no contexto, se Elesbão deve ser considerado
usuário ou traficante. Fundamente.
Resposta à Questão 2
Tema IX
Notas de Aula17
1. Interrogatório
inconstitucional, porque afronta o devido processo legal, vez que o artigo 792 do CPP exige
que os atos processuais sejam realizados na sede do juízo; e porque ofende a ampla defesa,
pois o réu tem o direito de comparecer à presença do juiz e narrar face a face sua versão do
fato que lhe é imputado (o chamado direito de audiência).
“Art. 188. O réu será perguntado sobre o seu nome, naturalidade, estado, idade,
filiação, residência, meios de vida ou profissão e lugar onde exerce a sua atividade
e se sabe ler e escrever, e, depois de cientificado da acusação, será interrogado
sobre:
I - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta;
II - as provas contra ele já apuradas;
III - se conhece a vítima e as testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde
quando, e se tem o que alegar contra elas;
IV - se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer dos
objetos que com esta se relacione e tenha sido apreendido;
V - se verdadeira a imputação que lhe é feita;
VI - se, não sendo verdadeira a imputação, tem algum motivo particular a que
atribuí-la, se conhece a pessoa ou pessoas a que deva ser imputada a prática do
crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da prática da infração ou depois
dela;
VII - todos os demais fatos e pormenores, que conduzam à elucidação dos
antecedentes e circunstâncias da infração;
VIII - sua vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, no
caso afirmativo, qual o juízo do processo, qual a pena imposta e se a cumpriu.
Parágrafo único. Se o acusado negar a imputação no todo ou em parte, será
convidado a indicar as provas da verdade de suas declarações.”
“Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou
algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o
entender pertinente e relevante.”
2. Confissão
“Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros
elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as
demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade
ou concordância.”
A confissão é divisível, significando que o juiz pode aceitar parte do que foi
confessado, e desconsiderar outra parte.
A confissão é retratável: pode o réu confesso se arrepender de ter confessado, mas o
valor desta retratação é relativo, ou seja, o juiz pode considerar aquilo que veio confessado,
mesmo que posteriormente se retrate o réu. Veja um detalhe: se o réu confessa na fase de
inquérito, e se retrata na fase judicial, será absolutamente irrelevante a confissão em
delegacia, tomando-se por prova apenas aquilo que foi narrado em juízo.
A confissão deve ser espontânea. Qualquer meio de indução à confissão a torna
viciada.
3. Perguntas ao ofendido
Veja o que diz o artigo 201 do CPP, recém alterado pela Lei 11.690/08:
“Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as
circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que
possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.
§ 1o Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o
ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.
§ 2o O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à
saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e
respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.
§ 3o As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado,
admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico.
O ofendido não é testemunha, não precisando sequer ser arrolado para ser ouvido.
Sendo assim, também não incorre no crime de falso testemunho (não estando isento de
eventual crime de denunciação caluniosa).
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
A delação, aqui, tem peso suficiente para a condenação, e por isso a convicção do
juiz restou perfeitamente formada e justificada, fundamentada corretamente. Perfeita a
decisão.
Tema X
Prova Pericial. Corpo de delito. Objeto. Corpo de delito direto e indireto. Nomeação dos peritos - suas
funções. Formalização dos quesitos. Avaliação e conferência da prova diante de exames periciais. Novos
tipos de prova e sua credibilidade (DNA, e-mail, suportes informáticos, vídeos, etc.).
Notas de Aula18
1. Prova pericial
A falta do exame é tida por causa de nulidade, como dispõe o artigo 564, III, “b”, do
CPP:
18
Aula proferida pela professora Elisa Ramos Pittaro Neves, em 30/10/2008.
“Súmula 361, STF: No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito,
considerando-se impedido o que tiver funcionado anteriormente na diligência de
apreensão.”
O exame de corpo de delito pode ser direto ou indireto. Exame direto é aquele
realizado nos próprios vestígios do crime; indireto, é aquele que vem enunciado no artigo
167 do CPP, exceção à nulidade apontada expressamente no artigo 564, III, “b”, supra:
“Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem
desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.”
Tourinho diz que este artigo 167 não é uma perícia indireta: é mera oitiva de
testemunhas, substitutiva à perícia. Note-se que pode haver denúncia e condenação até
mesmo por homicídio, sem que jamais se localize o corpo da vítima. Quando a morte for
inconteste, provada por diversos meios, nada impede que haja a denúncia, mas a ausência
do corpo dificulta, à beira da inépcia, a produção da exordial. Havendo dúvidas em relação
à existência da morte, a situação fica mais complicada, mas se há provas tais que indiquem
a morte, é admissível a denúncia.
Além do corpo de delito, há também alguns exames periciais importantes que
merecem abordagem. O exame de corpo de delito complementar é um deles: trata-se de
forma de suprir exame pericial anterior, na hipótese de crime de lesão corporal. Está
previsto no artigo 168 do CPP, e normalmente se presta a esclarecer a gravidade da lesão:
“Art. 168. Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido
incompleto, proceder-se-á a exame complementar por determinação da autoridade
policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do
ofendido ou do acusado, ou de seu defensor.
§ 1o No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a
fim de suprir-lhe a deficiência ou retificá-lo.
§ 2o Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1o, I,
do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de 30 dias, contado da
data do crime.
O exame de local do crime, trazido no artigo 169 do CPP, é outra perícia relevante:
“Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a
autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas
até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias,
desenhos ou esquemas elucidativos.
Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das
coisas e discutirão, no relatório, as conseqüências dessas alterações na dinâmica
dos fatos.”
Além destes meios de prova, ainda podem ser usados quaisquer provas inominadas,
advindas da evolução tecnológica – a exemplo do exame de DNA –, pois o CPP não exaure
os meios de prova possíveis, desde que lícitas.
Casos Concretos
Questão 1
LENI foi vítima de crime de lesão corporal de natureza grave praticado por
GILMARA; em conseqüência dos ferimentos recebidos, ficou incapacitada para as suas
ocupações habituais por mais de 30 dias.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra GILMARA com base no boletim de
atendimento médico, porque a vítima não compareceu ao IML para realização do exame
de corpo de delito, nem mesmo para o exame complementar que poderia apontar a
gravidade das lesões.
Em seu interrogatório, GILMARA negou a autoria.
Com a peça acusatória, o Ministério Público arrolou como testemunhas LÚCIA,
NELMA e CRISTINA, que apontaram a autoria, a materialidade e a extensão da gravidade
da lesão, não conseguindo juntar o laudo pericial dos ferimentos suportados pela vítima.
Com base na prova testemunhal, poderá o juiz condenar a ré nos termos da
denúncia? E se a prova testemunhal nada esclarecer quanto à incapacidade para as
ocupações habituais da vítima por mais de 30 dias?
Resposta à Questão 1
Questão 2
Por não existir quadro de peritos oficiais em pequena cidade do interior, o juiz
determinou que Praxedes, conhecido no local como excelente mecânico de automóveis, se
encarregasse da perícia determinada na suspensão e barra de direção de um veículo
acidentado, objetivando saber se o acidente decorreu da negligente conservação ou de
causa não atribuível ao condutor.
Praxedes realiza todos os exames necessários e apresenta o laudo respectivo,
afirmando a má conservação do veículo, o que foi causa direta do acidente.
Pergunta-se: É válida a nomeação de particular para realização de perícia
judicial? O fato de não ter o nomeado prestado compromisso viola o ordenamento
jurídico? É nulo o laudo pericial firmado por um só perito? Fundamente as respostas.
Resposta à Questão 2
Narra a denúncia que João matou sua namorada Maria e desapareceu com o
cadáver. João nega desde o início a prática do crime e afirma que esteve com Maria na
noite do suposto crime, discutiram, e ele a deixou em um ponto de ônibus.
Durante a instrução, várias testemunhas afirmaram que João vinha constantemente
ameaçando Maria, pelo fato dela pretender romper o namoro. Uma testemunha disse ainda
ter visto o réu, na noite em que a vítima desapareceu, colocando Maria a força dentro de
um carro, saindo apressado do local, levando a vítima. O corpo nunca foi encontrado e
não existe qualquer testemunha direta do homicídio.
Periciado o carro de João, verificou-se a existência de pequena mancha de sangue
no tapete do porta-mala e foi realizado exame de DNA. A partir do DNA de parentes de
Maria, constatou-se que o sangue era da vítima. Submetido a julgamento pelo Tribunal do
Júri, foi o réu condenado.
Interpôs apelação, alegando nulidade pela ausência do exame de corpo de delito e
de seu sucedâneo legal, a prova testemunhal (artigos 167 e 564, III, b, CPP). Como relator,
decida.
Resposta à Questão 3
Tema XI
Notas de Aula19
1. Medidas cautelares
19
Aula proferida pelo professor Orlando Monteiro Espíndola da Cunha, em 31/10/2008.
Conceituando jurisdição, Chiovenda diz que “é a função do Estado que tem por
escopo a atuação da vontade concreta da lei, por meio da substituição, pela atividade de
órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a
existência da vontade concreta da lei, já no torná-la praticamente efetiva”. Ao dizer que a
jurisdição afirma a vontade da lei, está se referindo ao processo cognitivo; ao falar em
torná-la efetiva, trata da execução.
Todas estas considerações são de teoria geral do processo, aplicando-se à seara cível
ou criminal. Ocorre que, na seara cível, o processo cautelar encontra ampla normatização,
que no processo penal não existe. Muito embora as cautelares penais não sejam
sistematizadas, existem e são hábeis a instrumentalizar os processos de cunho satisfativo.
A instrumentalidade qualificada do processo cautelar, segundo Barbosa Moreira,
impõe a esta modalidade de processo uma tutela mediata e preventiva, ao contrário do que
ocorre com os processos de conhecimento e execução, em que se busca uma tutela
imediata e satisfativa.
2. Cautelares penais
“Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula
no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que
julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do
julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”
20
O mesmo raciocínio se aplica aos agravos de execução, que seguem o mesmo rito do recurso em sentido
estrito, mas na execução penal. Em julgado recente, o mesmo entendimento se aplicou em um caso em que o
MP recorreu, por meio de apelação, apenas de um capítulo da sentença, que era condenatória mas concessiva
da liberdade provisória (desafiado apelação por viger a unirrecorribilidade). Este recurso teria apenas efeito
devolutivo, e o MP impetrou também mandado de segurança a fim de conseguir este efeito suspensivo.
Correu no TRF, e este órgão deu provimento ao mandamus, mas o STJ reformou-o, negando a ordem.
“Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir
advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo
o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for
o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.”
Ali se vê que se a prova for considerada urgente, pode o juiz determinar a sua
produção. Com isso, sustentou-se na doutrina que a prova testemunhal é sempre urgente,
pois todos podemos morrer a qualquer momento, devendo ser colhida imediatamente; mas
também se sustentou que é necessária a prova de alguma circunstância que indique morte
iminente – entendimento que prevaleceu. A propósito, veja o HC 106.713, do STJ:
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para
assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e
indício suficiente de autoria.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
reiteradamente burlar o cumprimento da pena privativa de liberdade que lhe foi imposta,
estando seu comportamento a indicar que voltará a fugir, caso seja mantido em regime
aberto, não podendo ele ser beneficiado pela própria torpeza da sua conduta carcerária.
Falta grave decorrente da evasão de preso. Ausência de ofensa aos princípios
constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal. Sendo a fuga considerada por
lei, como falta grave, tal circunstância, uma vez comprovada, justifica a regressão cautelar
do regime inicial imposto ao preso para outro mais gravoso, a teor do art. 118, I da Lei
7.210/84. Embora estabeleça a lei prévia oitiva do condenado para a regressão do regime
quando praticar fato definido como crime doloso ou falta grave, o exercício do poder de
cautela que a ordem jurídica confere ao juiz da execução, autoriza-o a adotar providência
cautelar e de eficácia provisória, não constituindo, portanto, a regressão cautelar de regime
prisional do condenado evadido qualquer ilegalidade. Agravo que se desprovê, mantendo a
decisão agravada que adotou a medida cautelar para garantia da execução penal.
Veja, pela ordem, as ementas dos agravos 2002.076.00486 e 2005.076.00154, do
TJ/RJ:
Questão 2
Ana presenciou crime de roubo seguido de morte e, em razão disso, está ameaçada
de morte por perigosos criminosos. A testemunha procura o Promotor, narra o fato e
afirma que pretende se mudar para a casa de parentes, o mais rápido possível, no interior
do Maranhão.
Resposta à Questão 2
Tema XII
Medidas cautelares (continuação). Arresto, especialização de hipoteca legal e busca e apreensão como
medidas cautelares reais (incidentais). Embargos e restituição de coisa apreendida.
Notas de Aula22
1. Cautelares patrimoniais
Toda cautelar, como dito, refere-se a algum processo que é satisfativo. Quando se
trata das cautelares patrimoniais, sua necessidade vem do artigo 91 do CP:
22
Aula proferida pelo professor Orlando Monteiro Espíndola da Cunha, em 31/10/2008.
“Art. 125. Caberá o seqüestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os
proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro.”
1.1. Seqüestro
O artigo 6º, II, do CPP apresenta a apreensão de coisas, que é medida dada à
autoridade policial, sem ingerência judicial, neste momento:
A restituição de coisas apreendidas, quer com base no artigo 6º, quer no 240 do
CPP, é possível, e segue versada no artigo 118 do CPP:
Veja que a regra é bem simples: o requisito para que a coisa seja restituível é o seu
interesse para o processo. Até mesmo a autoridade policial pode restituir a coisa, na forma
do artigo 120 do CPP:
“Art. 120. A restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade
policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao
direito do reclamante.
§ 1o Se duvidoso esse direito, o pedido de restituição autuar-se-á em apartado,
assinando-se ao requerente o prazo de 5 (cinco) dias para a prova. Em tal caso, só o
juiz criminal poderá decidir o incidente.
§ 2o O incidente autuar-se-á também em apartado e só a autoridade judicial o
resolverá, se as coisas forem apreendidas em poder de terceiro de boa-fé, que será
intimado para alegar e provar o seu direito, em prazo igual e sucessivo ao do
reclamante, tendo um e outro dois dias para arrazoar.
§ 3o Sobre o pedido de restituição será sempre ouvido o Ministério Público.
§ 4o Em caso de dúvida sobre quem seja o verdadeiro dono, o juiz remeterá as
partes para o juízo cível, ordenando o depósito das coisas em mãos de depositário
ou do próprio terceiro que as detinha, se for pessoa idônea.
§ 5o Tratando-se de coisas facilmente deterioráveis, serão avaliadas e levadas a
leilão público, depositando-se o dinheiro apurado, ou entregues ao terceiro que as
detinha, se este for pessoa idônea e assinar termo de responsabilidade.”
Se o bem foi adquirido com o produto do crime, uma vez apreendido, a situação não
permite restituição: há que se proceder ao seqüestro deste bem. Veja o artigo 121 do CPP:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Questão 4
Resposta à Questão 4
Indefiro. O mandado de busca genérico não é permitido. Nada impede, porém, que a
autoridade policial, diligenciando no local, tenha fundadas suspeitas e adentre o local para
verificar situações de flagrante delito. Mas o mandado genérico deve ser indeferido.
Tema XIII
Notas de Aula23
1. Prisões cautelares
Ora, este dispositivo ainda aparenta trazer uma prisão automática, se lido
isoladamente. Contudo, a leitura que se impõe é a sistemática, e este efeito depende da
decretação (ou manutenção) da prisão preventiva, a teor do artigo 387, parágrafo único,
supra.
Veja outra repercussão desta alteração da concepção legislativa: não mais se impõe a
prisão como pressuposto de admissibilidade de recurso de apelação contra sentença
condenatória, pois o artigo que assim previa, o 594 do CPP, foi revogado. Veja o seu antigo
teor:
“Art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança,
salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença
condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto.”
Ocorre que há, ainda sem revogação expressa, dispositivo muito semelhante a este
artigo 594, qual seja, o artigo 59 da Lei 11.343/06:
“Art. 59. Nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1 o, e 34 a 37 desta Lei, o réu
não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons
antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória.”
Apesar deste artigo 59, supra, cuidar de uma prisão automática, que condiciona o
recurso de apelação, deve ser realizada, aqui, uma interpretação sistemática, de forma que o
juiz só prenderá o réu, nesse momento, se presentes os pressupostos e requisitos da prisão
preventiva, sem prejuízo do recebimento e processamento do recurso de apelação.
Pelo ensejo, veja a súmula 347 do STJ, recém editada:
Como dito, também quando da pronúncia não mais subsiste a prisão incontinenti:
há que ser decretada ou mantida a prisão preventiva, sob fundamento de cautelaridade. Veja
o novel artigo 413, especialmente no § 3º:
2. Prisão preventiva
Esta prisão é o principal expoente das prisões cautelares. Veja o artigo 311 do CPP:
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para
assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e
indício suficiente de autoria.”
arbitrariedades. Veja: a prisão cautelar, como qualquer medida cautelar, deve se demonstrar
útil ao processo, a fins do processo; a garantia da ordem pública é um fim alheio ao
processo, externo a este, e, por isso, Aury Lopes Junior entende que, não atendendo aos fins
do processo, mas sim a algo externo a este – a própria segurança pública –, estaria ausente a
natureza cautelar, carecendo da instrumentalidade que é inerente às cautelares. Por isso,
seria inconstitucional. Para ele, quem deveria se preocupar com a segurança pública é o
Poder Executivo, e não o juiz.
Mas esta crítica não procede. Vários ramos do direito tutelam a ordem pública – o
CDC, o ECA, e o próprio CP são exemplos –, e por isso não há nenhum óbice a que o
processo penal também se preocupe com a ordem pública. Ademais, a segurança pública, a
ordem pública, também é direito fundamental coletivo, e como tal, toda vez que um crime
violar brutalmente bens constitucionalmente protegidos, a CRFB exige medida imediata –
consubstanciada na prisão. Sobre a dita falta de instrumentalidade desta prisão,
Calamandrei diz que não devemos trabalhar com o conceito de instrumentalidade que vige
no processo civil, pois no processo penal temos a chamada instrumentalidade hipotética,
que está presente quando verificamos a plausibilidade do direito invocado. Desta forma,
sempre que o juiz verificar uma possibilidade de condenação, este requisito terá sido
preenchido.
O alcance da expressão “ordem pública”, na jurisprudência, tem variado ao longo
do tempo. Na década de 1970, os julgados consideravam ordem pública a garantia da
segurança pessoal do réu. Hoje, é entendida como motivo de garantia da ordem pública se
evitar a reiteração criminosa, bem como assegurar a paz e tranqüilidade no meio social.
Mas há ainda um motivo bastante polêmico: seria motivo a necessidade de se conter o
clamor público. Hoje, o clamor público tem sido bastante combatido como causa de
cautelaridade para a prisão preventiva.
O termo “garantia da ordem econômica” é também altamente controvertido. O
artigo 30 da Lei 7.492/86 é relevante:
“Art. 30. Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal,
aprovado pelo Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, a prisão preventiva
do acusado da prática de crime previsto nesta lei poderá ser decretada em razão da
magnitude da lesão causada (VETADO).”
Veja que aqui se criou uma hipótese de prisão em razão da lesão. Ocorre que
magnitude de lesão não pode ser parâmetro para que o juiz decrete ou não a prisão
preventiva, sendo um critério objetivo incompatível com a presunção de inocência. Por
isso, a maior parte da doutrina entende que este dispositivo não foi recepcionado pela
CRFB.
A “conveniência da instrução criminal” é, esta sim, motivação hábil à prisão
preventiva. Significa que se o indivíduo continuar liberto, oferecerá risco à produção,
colheita e arrecadação de provas.
O último fundamento legal à prisão preventiva é a necessidade de se “assegurar a
aplicação da lei penal”: significa simplesmente que o indivíduo aparenta intenções de fuga,
o que tornaria uma eventual condenação inócua, frustrando a aplicação da lei penal sobre
aquele indivíduo. Nessa hipótese, é comum que o juiz decrete a preventiva quando o
indivíduo não tiver residência fixa, emprego, nem nada que o vincule àquele local.
No artigo 313 do CPP, o legislador processual, ainda que de forma tímida, adotou o
princípio da proporcionalidade. Veja:
Veja, então, que não é qualquer crime que admite a prisão preventiva: esta medida
deve ser proporcional. No artigo 313, o legislador, adotando a proporcionalidade, ou
homogeneidade, fez com que a prisão preventiva deva ser decretada apenas nas hipóteses
ali traçadas. Para tanto, deve ser verificado se, ao final do processo, havendo condenação, o
indivíduo será preso, pois caso contrário ele não pode permanecer preso durante o processo
– a prisão ganharia ares punitivos, superando aquilo que será resultado da própria
condenação.
Dali se depreende que o crime deve ser doloso e punido com reclusão, em regra,
excepcionalmente se admitindo a preventiva em crimes punidos com detenção, nas
hipóteses do inciso II. A reincidência em crime doloso também autoriza a preventiva.
O inciso IV traz uma hipótese curiosa: a prisão ali amparada tem natureza pré-
cautelar, na medida que se presta a garantir que outras medidas cautelares possam ser
efetivadas futuramente.
O artigo 314 traz limitador à prisão preventiva quando houver dúvida se há ou não
uma excludente de ilicitude. Se há certeza de que haja a excludente, não há sequer
denúncia; se há fundada dúvida sobre a presença da excludente, não pode haver prisão
preventiva.
“Art. 314. A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar
pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições do
art. 19, ns. I, II ou III do Código Penal.”
A prisão preventiva pode ser revogada, quando for legal mas desnecessária, ou
relaxada, quando ilegal. Não há que se falar em pedido de liberdade provisória quando o
sujeito estiver preso preventivamente. Veja o artigo 316 do CPP:
“Art. 316. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo,
verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se
sobrevierem razões que a justifiquem.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Esta questão não mais faz sentido hoje, diante da reforma operada no CPP. À época
em que era vigente a prisão decorrente de pronúncia, seria procedente a tese defensiva, tão
procedente que é a tese que fez revogada esta prisão automática.
Tema XIV
Notas de Aula24
1. Prisão temporária
A Lei 7.960/80 é o diploma legal que trata desta espécie de prisão provisória. De
início, há que se consignar que há quem diga que a prisão temporária é inconstitucional,
sob dois argumentos: o primeiro motivo é que esta prisão surgiu de uma medida provisória,
a MP 111, o que significa vício formal, vez que se trata de o Poder Executivo legislando
sobre matéria processual penal – tratando-se de inconstitucionalidade orgânica. Outro
motivo é que o indivíduo primeiro é preso, para somente depois vir a ser investigado,
enquanto o correto é o contrário – o que retiraria sua natureza cautelar.
Esta leitura de inconstitucionalidade da prisão temporária não prevalece. A prisão
temporária é, sim, válida, desde que decretada regularmente, e sob bases cautelares. Veja o
artigo 1º desta Lei 7.960/80:
Surge então uma certa perplexidade, referente aos requisitos para decretação da
prisão temporária. Quatro são os entendimentos sobre quais sejam estes requisitos: o
primeiro, de Damásio e Capez, defende que para que a prisão temporária seja decretada é
necessária a presença do artigo 1º, III, da Lei 7.960/80, o qual caracterizaria o fumus delicti,
somada à presença do inciso I ou II do mesmo artigo, caracterizadores do periculum in
libertatis.
O segundo entendimento, de Mirabete, defende que todos os requisitos do artigo 1º
são alternativos, ou seja, basta um deles estar presente para ser cabível a prisão.
Vicente Greco, em terceira corrente, entende que a prisão temporária só pode ser
decretada quando presentes os motivos que autorizam a prisão preventiva, aqueles
presentes no artigo 312 do CPP.
Polastri e Pacelli defendem, de seu lado, que é imprescindível a presença do inciso
III do artigo 1º da lei em comento, caracterizador do fumus, somando-se à situação do
inciso I do mesmo artigo. Estes autores reputam o inciso II deste artigo como
absolutamente irrelevante, vez que estaria contido no que prevê o inciso I.
O inciso I do artigo 1º pode dar a entender que a prisão temporária só seria cabível
em sede de inquérito policial, o que não é verdade. Se se admitir a investigação direta
promovida pelo MP, também poderá ser decretada neste procedimento investigatório, e da
mesma forma na comissão parlamentar de inquérito. O fato incontroverso é que, no curso
da ação penal, jamais cabe prisão temporária: esta se dedica exclusivamente à investigação
pré-processual. Durante o processo, só se impõe a prisão preventiva.
O rol do inciso III do artigo 1º seria taxativo? Veja que a Lei 8.072/90, no artigo 2º,
§ 4º, prevê a prisão temporária da seguinte maneira:
Polastri defende que o rol deste artigo 581 é absolutamente taxativo, e, não estando
ali prevista esta decisão, só comporta a apelação residual, do artigo 593, II, do CPP, já
transcrito. Mas a tese que prevalece na jurisprudência é que este artigo 581 do CPP é
taxativo na essência, mas comporta emprego de analogia, para admitir ampliação de
situações semelhantes. Logo, como decisões que apresentam a mesma natureza comportam
recurso em sentido estrito, este é o recurso correto contra a decisão de indeferimento da
prisão temporária.
Quando o juiz decreta a prisão temporária, por sua vez, não cabe recurso algum,
podendo o indiciado impetrar habeas corpus, no máximo, ou, se a prisão temporária for
desnecessária, pede-se a sua revogação. Veja que é uma impropriedade requerer, aqui, a
liberdade provisória, pois esta tem natureza de contra-cautela de prisão em flagrante, ou
seja, só neste caso é requerida a liberdade provisória.
Processualmente, a revogação da prisão temporária e a liberdade provisória diferem
porque esta última cria vínculos para o processo, ou seja, é uma liberdade que gera vínculos
Casos Concretos
Questão 1
Condenado o réu pela prática do artigo 121, caput, CP a uma pena de oito anos de
reclusão, em regime fechado, restou-lhe negado o "direito de recorrer em liberdade",
tendo-se invocado na sentença a presença de maus antecedentes, traduzidos em sentença
condenatória transitada em julgado, porém não configuradora de reincidência. O réu,
diante da iminência da prisão, foge para outro Estado da federação, escondendo-se em
casa de parentes. A defesa técnica interpõe apelação, mas no juízo recorrido a apelação
não é conhecida, em razão da ausência do pressuposto recursal inserido pelo artigo 594,
CPP, no capítulo relativo ao recurso de apelação. Pergunta-se:
a)Diante do enunciado, agiu corretamente o juiz ao negar o apelo em liberdade?
b)Qual a natureza jurídica de tal prisão?
c)Bastaria para decretação da prisão a referência a maus antecedentes ou a
reincidência?
d)A interposição de recurso pode ficar condicionada ao prévio recolhimento a
prisão?
25
Se o individuo que estava preso em flagrante recebe a liberdade provisória, mas descumpre a vinculação,
serão restabelecidos os efeitos da prisão em flagrante, revogando-se a liberdade provisória; se o que se deu foi
revogação da prisão temporária, como esta não gera qualquer vínculo, se pretender-se nova prisão temporária,
esta será fruto de uma nova análise e nova decretação.
Resposta à Questão 1
a) Não. Hoje há a súmula 347 do STJ, bem como este pressuposto recursal foi
textualmente revogado, do extinto artigo 594 do CPP.
d) Não. Com a revogação do artigo 594 do CPP, nem mesmo subsiste a discussão
sobre isso.
Questão 2
Resposta à Questão 2
A prisão temporária não se presta a preparar a prisão preventiva. Ela deve ser
decretada com base nos requisitos do artigo 1º da Lei 7.960/80, e, in casu, nada há que
fundamente a prisão.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Ora, se não há elementos convincentes de que seja necessária, a prisão não pode ser
comandada. Embora seja admissível, em tese, a prisão temporária neste crime, nada a
justifica para a pessoa em questão. A prisão não pode ser decretada.
Tema XV
Prisão em Flagrante: natureza jurídica; sujeito ativo; flagrante compulsório e facultativo; flagrante delito e
ação controlada; flagrante nos crimes habituais; flagrante nos crimes permanentes; flagrante nos crimes de
ação pública condicionada e nos crimes de ação privada.
Notas de Aula26
1. Intróito
“(...)
LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão
militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
(...)”
2. Prisão em Flagrante
O flagrante próprio é previsto nos dois primeiros incisos. Neste, não há maiores
controvérsias, exigindo-se interpretação gramatical ou literal do dispositivo.
Já o flagrante impróprio consta do inciso III e, também chamado de quase-
flagrante, ou de flagrante em perseguição, possui dois requisitos, o objetivo e o temporal.
O primeiro seria a existência de perseguição: este possui conceito no artigo 290, CPP, que
assenta:
27
Em que pese a previsão constitucional, Tourinho Filho asseverava pela inconstitucionalidade das prisões
provisórias.
28
Flagrante tem origem no flagrare que significa chamas, estar no crepitar do crime.
“(...)
XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para
prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
(...)”
Crime habitual é o tipo penal que não pune isoladamente um ato, mas somente a
prática reiterada de atos, exigindo a repetição na prática da conduta. Bom exemplo é o
curandeirismo:
“Art. 284 - Exercer o curandeirismo:
I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;
II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III - fazendo diagnósticos:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica
também sujeito à multa.”
Somente será tido como curandeiro aquele que praticar a conduta de forma habitual.
Assim, como se prenderia em flagrante o agente pela prática de crime habitual?
Diverge a doutrina. Em um primeiro entendimento, minoritário, Tourinho Filho se
posiciona pela impossibilidade absoluta do flagrante, ante a necessidade de prática reiterada
para consumação do delito – trata-se de fundamentação estritamente física. De forma
contrária, porem majoritária, o TJ/SP entende pela possibilidade, desde que haja inquérito
policial que comprove a habitualidade.
O último entendimento32, tese do STF, permite a prisão em flagrante de crime
habitual sem que haja necessidade de prévio inquérito, bastando a comprovação indiciária
que a prática vinha sendo reiterada. Também neste sentido, a corrente que entende que o
crime habitual é um delito de tendência, mesmo que a conduta não viesse sendo reiterada,
mas que o agente pretendia reiterá-la, há o flagrante.
“Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título
rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as
disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.
(...)
§ 2º Tratando-se de conduta prevista no art. 28 deste lei, não se imporá prisão em
flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo
competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer,
lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames
e perícias necessários.
(...)”
Após a leitura dos referidos artigos, verifica-se que são diferentes, pois em sede de
lei de drogas não há a condição imposta para se lavrar o termo circunstanciado, não
havendo que se falar em lavratura do auto de prisão em flagrante, mesmo na hipótese do
agente se recusar a firmar termo de compromisso – o que não ocorre em sede de juizados
especiais.
A ratio para o tratamento diferenciado seria em razão da sanção penal cominada ao
usuário de droga, que em nenhuma hipótese alcança a privação de liberdade; logo,
incabível a prisão provisória. De forma contrária, pela possibilidade de pena privativa de
liberdade no final do processo, o termo circunstanciado em sede de crime de menor
potencial ofensivo poderá, em caso de não compromisso do agente, ensejar a lavratura do
auto de prisão em flagrante.
“Art. 301. Ao condutor de veículo, nos casos de acidentes de transito de que resulte
vítima, não se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar
pronto e integral socorro àquela.”
2.7.1. Formalidades
de prisão. Estes comandos são constitucionais, presentes nos incisos LXII e LXIII do artigo
5º da CRFB:
“(...)
LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele
indicada;
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
(...)”
Assim, lavrado o APF, duas cópias devem ser enviadas, sendo a primeira para o
magistrado e a segunda para o defensor. Importante salientar que o desrespeito à referida
norma implica em um vício; mas qual seria a profundidade deste vício?
Diverge a doutrina entre mera irregularidade e nulidade. O primeiro entendimento,
defendido pelo STF e por Tourinho Filho e Capez, seria de que o desrespeito a esta norma
ensejaria uma mera irregularidade, pois a comunicação se dá após a lavratura da APF, não
havendo que se falar em efeito retroativo a anular todo o ato realizado, ante se encontrar
perfeito e acabado, devendo ensejar tão-somente punição administrativa ao delegado.
O segundo entendimento, liderado por Rangel e Polastri, assenta pela ilegalidade do
APF, neste caso, sendo tão grave que enseja o efeito retroativo a anular o APF e relaxar a
prisão.
Em sede de Lei de Drogas, o artigo 50, § 1º, assenta pela previsão expressa acerca
da necessidade de laudo específico, chamado de laudo de constatação. Este visa a
confirmar a natureza da substância apreendida. Tal laudo é elaborado, como regra, pelo
policial civil, e somente pode ser utilizado para lavrar a APF, não para condenar.
“Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará,
imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto
lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e
quatro) horas.
§ 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da
materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e
quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa
idônea.
§ 2º O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1º deste artigo não ficará
impedido de participar da elaboração do laudo definitivo.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
c) Como dito no item “b”, deverá ser lavrado o auto de resistência, e não o APF.
Questão 2
Wladimir e Otaviano, policiais civis, vão até uma favela da região e, no intuito de
incriminar Godofredo como traficante de drogas, fingem ser compradores de maconha e o
induzem a lhes vender a erva. Quando Godofredo traz a droga, os policiais efetuam a
prisão em flagrante por infringência do art. 33, 11.343/06. Pergunta-se: Essa prisão é
legal? Resposta fundamentada.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Em crime de estupro, mediante grave ameaça exercida com arma de fogo, sendo a
vítima pessoa pobre, acabou o agente sendo preso em situação de flagrância e
encaminhado a DP. A vítima, em estado de choque, sem condição sequer de falar, foi
levada ao hospital e ali internada.
Pergunta-se:
a) Poderia o agente ter sido preso em flagrante delito?
b) Poderá ser lavrado auto de prisão em flagrante?
c) Na eventual lavratura do auto de prisão em flagrante será necessária alguma
manifestação da vítima?
d) Na impossibilidade da vítima se manifestar, como deverá agir o Delegado, caso
pretenda lavrar o auto de prisão em flagrante?
Resposta à Questão 3
Como regra o crime de estupro é de ação penal privada. As exceções são súmula
608, STF em caso de violência real, ou quando há vítima pobre, exceção que se aplica no
caso concreto. Na ação privada, somente lavrará o auto de prisão em flagrante caso haja
Tema XVI
Prisão em flagrante (continuação): flagrante nas infrações de menor potencial ofensivo; flagrante nos crimes
de transito; garantias relacionadas ao flagrante; formalidades do auto de prisão em flagrante; situações de
flagrância delituosa; o controle judicial da prisão em flagrante.
Notas de Aula33
Nos casos em que a ação penal deverá ser proposta pelo ofendido, se faz imperioso
que no momento da lavratura do auto de prisão em flagrante, o ofendido se manifeste nesse
sentido, posto ser a representação e a propositura da queixa facultativas, vigorando o
princípio da conveniência da ação penal para o ofendido.
Dúvida há em relação a prisão captura. O primeiro entendimento, liderado pelo STF,
TJ/RJ e Capez, de forma majoritária, assenta pela desnecessidade de manifestação de
vontade do ofendido, ante este se encontrar, em regra, no momento da captura, em estado
de choque. Assim, por esta tese, deveria ser realizada a prisão captura, levando o meliante
até a delegacia, porem o auto de prisão em flagrante somente seria elaborado mediante
autorização do ofendido. Veja um julgado exemplar do STF:
33
Aula proferida pelo professor Sauvei Lai, em 4/11/2008.
“Art. 292 - Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em
flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que
o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a
resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.”
3.1. Deputados
extraído do artigo 53, § 2º, da CRFB. Mas repita-se: esta restrição somente se aplica para a
lavratura do auto de prisão em flagrante, não para a prisão captura.
3.3. Advogado
Em primeira leitura do artigo 7º, §3º do Estatuto da OAB, Lei 8.906/94, poderia ser
entendido que o advogado teria as mesmas garantias dos deputados, magistrados e
promotores; porém, tal afirmativa não é verdadeira, pois a garantia somente estará presente
caso seja o ilícito praticado durante o exercício de sua função, o que vem a reduzir
consideravelmente a sua aplicação. Veja:
4. Flagrante preparado
Este, também chamado de provocado, seria aquele em que o agente policial pratica
uma conduta positiva capaz de induzir o meliante a praticar um fato típico, porém
34
À guisa de curiosidade, importa salientar que o defensor público não goza da referida garantia, ante a
ausência de previsão legal no artigo 44 da sua Lei Orgânica, LC 80/94.
“Súmula 145, STF: Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia
torna impossível a consumação.”
Nelson Hungria, ao comentar o referido flagrante, diz se tratar de uma peça teatral,
onde a única parte que desconhece o enredo é o ator principal.
5. Flagrante esperado
Neste, se aguarda a atuação do meliante sem que haja atuação positiva de agente
provocador. O flagrante esperado é legal, desde que, por óbvio, não haja atuação positiva
do agente, caso em que haverá de fato flagrante preparado, ilegal.
6. Flagrante forjado
Ocorre quando o agente policial atua falsamente, criando uma situação flagrancial
que não existe. É a conhecida “prova plantada”. Trata-se de situação oriunda de corrupção
policial, que deve ser comprovada.
7. Flagrante controlado
“Art. 2o Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos
já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de
provas:
(...)
II - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se
supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que
mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize
no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento
de informações;
(...)
“Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos
nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial
e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:
I - a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos
órgãos especializados pertinentes;
II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores
químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no
território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número
de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal
cabível.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será
concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos
agentes do delito ou de colaboradores.”
Importa assentar que o inciso I do artigo 53, supra, referente a tema alheio ao que
aqui se discute, segundo Pacelli, não possui aplicação, ante a ausência de previsão legal
acerca dos limites da prática legitimada pela infiltração.
O flagrante controlado ocorre quando o agente policial deixa de realizar a prisão em
um momento flagrancial para realizá-la em um momento mais conveniente para a instrução
criminal, seja em razão da própria prisão, seja em razão da efetividade do serviço policial,
capturando mais agentes ou maior quantidade de indícios e produtos do crime. Como
exemplo, ao invés de se prender hoje dois meliantes com cinco quilos de droga, os policiais
postergam a prisão para dia em que capturarão dez meliantes, com cem quilos da droga.
Importa ressaltar que a escolha em postergar a prisão em flagrante depende
necessariamente de autorização judicial, o que se impõe para minimizar a chance de
corrupção do instituto.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Primeiramente, deve ser salientado que sempre caberá prisão captura em sede de
crime de menor potencial ofensivo. A dúvida seria em sede de lavratura do auto de prisão
em flagrante. Neste caso, dependerá se o agente aceitar assinar o termo circunstanciado ou
não. Aceitando, não se lavrará o auto de prisão em flagrante. No entanto, diante da negativa
em assinar o referido termo e prestar compromisso de comparecer quando intimado, a
norma permite à autoridade policial lavrar o auto de prisão em flagrante.
Questão 2
Quais os dois mais importantes efeitos de ordem processual penal que a lavratura
regular de um flagrante produz em relação a um crime inafiançável que a ensejou?
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema XVII
Liberdade provisória. Noções gerais: Teoria do garantismo penal. Liberdade provisória sem fiança - arts.
310, parágrafo único c/c 350 ambos do CPP - Visão garantista.
Notas de Aula35
1. Liberdade provisória
“(...)
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a
liberdade provisória, com ou sem fiança;
(...)”
Veja que o constituinte previu, então, a relação de gênero e espécie entre a liberdade
provisória, gênero, e as espécies com e sem pagamento fiança. O CPP, regulamentando este
comando constitucional, trata do tema no Capítulo VI do Título IX, começando o assunto
no artigo 321 e indo até o artigo 350, que serão pontualmente analisados no decorrer do
estudo.
35
Aula proferida pelo professor Paulo César Vieira de Carvalho Filho, em 5/11/2008.
Desde logo se pode afirmar, sem dúvida, que este instituto perdeu muito do seu
sentido, tornando-se praticamente letra morta no ordenamento processual penal pátrio. A
liberdade provisória com pagamento de fiança, ou melhor, a própria fiança em si, perdeu
praticamente toda a sua importância.
Já disse Chiovenda que “se o processo é instrumento de jurisdição, a medida
cautelar, o processo cautelar, é instrumento do instrumento”, o que se apelidou de
instrumento qualificado. Quando se aplica uma medida cautelar, sobremaneira no processo
penal, não se está satisfazendo nenhum direito: se está protegendo o nascimento, a
regularidade ou a efetividade do processo de conhecimento principal. Quando se prende o
acusado porque ele ameaça a testemunha, isso não é feito porque já se o tem por culpado –
ou seria violação da presunção de inocência –, e sim porque é necessário que o processo de
conhecimento precisa ser protegido, vez que a regularidade da instrução está ameaçada.
Em um sistema mais bem elaborado, haveria uma lista de opções cautelares para a
proteção do processo, não se limitando a uma cautelar desta pesada natureza restritiva. Veja
que esta situação só se delineia no Brasil, se comparado nosso ordenamento com os demais
ordenamentos ocidentais, nos quais a fiança é tremendamente importante. Nestes sistemas,
há grande número de modalidades de medidas de cunho cautelar, o que permite ao gestor
do processo e aos demais operadores presentes no feito uma gama de opções tal que seja
tomada a medida que melhor se adeque ao caso concreto. Como exemplo, a retenção de
passaporte seria uma cautelar por vezes hábil a proteger o processo principal, e muito
menos violenta do que a prisão.
Como dito, na prática, esta modalidade de liberdade provisória, que tem natureza de
contracautela, medida de exigência cautelar menos nociva do que a privação cautelar da
liberdade locomotora, perdeu muito da sua importância. Para que se tenha esta idéia bem
descrita, veja o que dizem os artigos 323 e 324 do CPP:
O legislador adjetivo penal, em sua atuação, acabou por tornar inútil a liberdade
provisória com pagamento de fiança ao condicionar sua concessão aos seguintes requisitos
genéricos: o crime não pode ser punido com pena mínima superior a dois anos de reclusão;
não pode haver reincidência em crime doloso punido com pena privativa da liberdade; o réu
não ser vadio (requisito claramente inconstitucional, mas expresso na lei); o crime não ser
praticado com violência ou grave ameaça; e o crime não causar clamor público. A estes
requisitos acima, do artigo 323 do CPP, adicione-se os seguintes requisitos do artigo
subseqüente: o agente não pode ter quebrado fiança anteriormente concedida; o agente não
estiver, já, no gozo de sursis ou livramento condicional, salvo se processado por crime
culposo ou contravenção que admita fiança; e que não estejam presentes os requisitos que
autorizam a prisão preventiva, ou seja, o fumus delicti e o periculum in libertatis.
Veja, então, que há uma enormidade de requisitos a serem preenchidos
concomitantemente para que o agente tenha direito a pagar a fiança e obter a liberdade
provisória, inclusive a ausência da cautelaridade ensejadora da prisão preventiva. Ocorre
que, de forma absolutamente inexplicável, surge na ordem processual penal a redação do
artigo 310, parágrafo único, do CPP:
“Art. 310. Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente
praticou o fato, nas condições do art. 19, I, II e III, do Código Penal, poderá,
depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória,
mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de
revogação.
Parágrafo único. Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo
auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que
autorizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312).”
pagamento de fiança. Vale uma breve digressão do prisma constitucional sobre o tema, que
explica porque este contra-senso é insuperável. Veja: se a presunção de inocência é um
direito fundamental, a própria nomenclatura, liberdade “provisória”, é um erro. O que é
provisório é a prisão prévia ao trânsito em julgado, porque a liberdade é a regra para os
inocentes – e não uma exceção provisória.
Ora, se estão ausentes os elementos da prisão preventiva, se não existe pressuposto
cautelar capaz de justificar a restrição à liberdade ambulatória, a liberdade é devida, não
podendo ser exigido qualquer valor a título de garantia, de contracautela, para que o
indivíduo seja posto em liberdade. Estar livre é o estado natural daquele que, ainda tido por
inocente, não oferece perigo algum que justifique sua prisão cautelar.
Assim, vê-se muito correta a previsão do artigo 310 do CPP, que manda que seja
liberto, sem qualquer contracautela, aquele que não apresenta risco para o processo, porque
a liberdade é o seu estado natural; já a vinculação da liberdade provisória com pagamento
de fiança a esta ausência de cautelaridade é uma aberração jurídica. a contradição é
insuperável: se não há cautelaridade, ainda assim o legislador impõe que haja a imposição
de uma contracautela – despropósito jurídico que levou à desnaturação da fiança. Perceba
que, fosse a liberdade concedida mediante fiança vinculada a todos os demais requisitos,
menos este do artigo 324, IV, do CPP, a cautelaridade, e haveria bom uso para o instituto,
porque seria imposta uma contracautela suficiente diante de eventos que a permitissem,
mas havendo cautelaridade, pois do contrário a liberdade não pode encontrar restrições.
Há que se salientar, todavia – debalde as críticas expostas até agora –, que o instituto
da fiança não perdeu totalmente a sua aplicabilidade no roteiro da persecução criminal. Tem
sido dito, no presente estudo, que a fiança praticamente perdeu sua importância, e não que
perdeu absolutamente tal relevância, justamente porque há, de fato, um campo de
aplicação, ainda que bem pequeno, que desperta sua invocação prática: trata-se da fiança
concedida pela autoridade policial, na forma do artigo 322 do CPP:
“Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de
infração punida com detenção ou prisão simples.
Parágrafo único. Nos demais casos do art. 323, a fiança será requerida ao juiz, que
decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.”
Na prática, este arbitramento de fiança pelo delegado, quando cabível, impede que
seja necessária a observância da tramitação do pedido de liberdade provisória sem fiança –
o que é também cabido em todo caso que cabe o arbitramento da fiança, como dito –, no
juízo, notadamente quando a prisão se dá em horas ermas, quando apenas o plantão
judiciário estará atendendo. É um meio pelo qual o aprisionado pode obter a liberdade com
maior agilidade, sem precisar, por exemplo, permanecer preso por sequer uma noite.
O delegado, então, pode arbitrar a fiança no próprio auto de prisão em flagrante,
apenas nos casos que se subsumirem ao artigo 322, supra. E se resume a isso a importância
prática da fiança.
Para além disso, há ainda que se mencionar que a Lei 9.099/95, ao criar o JECrim,
acabou por desferia ainda mais um golpe no instituto da liberdade provisória com
pagamento de fiança: o artigo 69, parágrafo único, deste diploma, determinou que:
Tourinho Filho defende que, mesmo diante de tudo que se disse – argumentos a que
não se opõe –, há ainda motivação para requerer a liberdade provisória mediante fiança
extraível do caput do artigo 310 do CPP, já transcrito: ali, se impõe a oitiva do Ministério
Público, o que não se impõe à concessão da liberdade provisória com pagamento de fiança.
36
Há ainda um caso possível, mas infactível: o agente que, incidente no artigo 69 da Lei 9.099/95,
simplesmente recusar-se a assinar o compromisso de comparecimento ao JECrim: para este, resta ainda o
arbitramento da fiança, na forma do artigo 322 do CPP.
37
A lesão corporal simples na condução de veículo automotor é sujeita ao JECrim, e por isso alheia-se a esta
previsão da fiança.
Defende este autor, então, que pode haver caso em que a liberdade mediante fiança seja
mais célere, por não demandar oitiva do parquet, e por isso interesse ao aprisionado.
Este argumento, porém, é facilmente refutado: o MP sempre deverá ser ouvido, a
despeito de que não haja expressa menção a sua manifestação nos dispositivos da liberdade
provisória mediante fiança, porque há direito fundamental em questão – a liberdade. Para
além disso, não fosse este argumento da necessária atuação do parquet, o dado empírico
que fundamente esta tese, qual seja, a demora do provimento quando a oitiva é necessária,
não encontra comprovação científica: o membro do MP pode estar presente quando a
liberdade sem fiança for requerida, atuando quase que simultaneamente com o próprio
juízo.
O resumo da ópera é o seguinte: a fiança, hoje, só encontra utilidade e relevância
para crimes que, não configurados como infração de menor potencial ofensivo (ou, se desta
natureza, o agente se recusa a comparecer ao JECrim, quando será lavrado o auto de prisão
em flagrante ao invés do termo circunstanciado), sejam punidos com detenção, na forma do
artigo 322 do CPP.
Há ainda um caso em que, na infração de menor potencial ofensivo, em que o termo
circunstanciado não for lavrado, porque o agente se recusa, mesmo lavrado o auto de prisão
em flagrante (que é a conseqüência da resistência em assinar o termo circunstanciado), o
agente será posto em liberdade, sem arbitramento de fiança: é a hipótese das infrações
penais em que o réu se livra solto, apontados no artigo 321 do CPP. Veja o que dispõem
este artigo e o 309 do mesmo diploma:
“Art. 321. Ressalvado o disposto no art. 323, III e IV, o réu livrar-se-á solto,
independentemente de fiança:
I - no caso de infração, a que não for, isolada, cumulativa ou alternativamente,
cominada pena privativa de liberdade;
II - quando o máximo da pena privativa de liberdade, isolada, cumulativa ou
alternativamente cominada, não exceder a três meses.”
“Art. 309. Se o réu se livrar solto, deverá ser posto em liberdade, depois de
lavrado o auto de prisão em flagrante.”
Veja que seria situação tremendamente rara, dada a quase inexistência desta espécie
de infração, mas que hoje ganha presença com a nova legiferação sobre o delito de uso de
drogas, do artigo 28 da Lei 11.343/06, que é apenado sem privação de liberdade:
“Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando ser impossível ao
réu prestá-la, por motivo de pobreza, poderá conceder-lhe a liberdade provisória,
sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328. Se o réu infringir, sem
motivo justo, qualquer dessas obrigações ou praticar outra infração penal, será
revogado o benefício.
Parágrafo único. O escrivão intimará o réu das obrigações e sanções previstas
neste artigo.”
Quando o agente não puder pagar a fiança, por ser hipossuficiente, será dela
isentado se o juiz entender cabível esta concessão – nunca o delegado. Ocorre que, pela
lógica de tudo que se tem debatido até aqui, quando o agente se dirige ao juízo para tratar
de liberdade provisória, sempre o fará requerendo a concessão da liberdade sem
arbitramento de fiança, na forma do artigo 310, parágrafo único, do CPP, e como não há
fiança, não há necessidade de concessão de isenção de fiança, ou seja, este artigo 350 do
CPP tornou-se outra letra morta.
Casos Concretos
Questão 1
ALMIR foi preso em flagrante delito e denunciado como incurso nas sanções do
art. 157, caput, do CP por ter, em tese, mediante violência física, subtraído para si o
aparelho de telefone celular de FERNANDA. A defesa requereu a liberdade provisória de
ALMIR, que restou indeferida pelo juízo monocrático. Diante do indeferimento, a defesa
impetrou, então, habeas corpus, sustentando a ocorrência de constrangimento ilegal,
consubstanciado no indeferimento referido, já que o réu é primário, possui bons
antecedentes e tem residência fixa. Deve a ordem ser concedida? Por quê?
Resposta à Questão 1
A liberdade provisória, com ou sem fiança, não pode ser concedida nas hipóteses
em que se impõe a decretação de prisão preventiva, máxime quando se destina à garantia da
ordem pública e conveniência da instrução criminal.
Com efeito, como requisito para a constrição cautelar, além da prova de
materialidade do delito e indícios de autoria, deve o Juiz medir e pesar os elementos
colhidos, para aferir a necessidade da medida excepcional, como garantia da ordem pública,
econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei
penal (artigo 312 do CPP).
No caso sub judice, a decisão denegatória do pedido de liberdade provisória
encontra-se fundamentada, já que comprovada a materialidade e presentes os indícios de
Questão 2
Alex Silva, pessoa pobre, é preso em flagrante e denunciado por crime afiançável.
Concedida a liberdade provisória de acordo com o art. 350, CPP, Alex requer ao juiz
competente a conversão desta modalidade de liberdade em liberdade sem fiança de que
trata o art. 310, parágrafo único, CPP. Deve o juiz convertê-la? Responda,
justificadamente.
Resposta à Questão 2
A utilidade desta conversão é que as obrigações dos artigos 327 e 328 do CPP são
atinentes apenas à liberdade afiançada, e não à liberdade sem fiança, nos termos do artigo
310 parágrafo único, do CPP. veja:
“Art. 327. A fiança tomada por termo obrigará o afiançado a comparecer perante a
autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução
criminal e para o julgamento. Quando o réu não comparecer, a fiança será havida
como quebrada.”
“Art. 328. O réu afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar
de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por
mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar
onde será encontrado.”
Sendo assim, seria clara a melhor situação daquele que é liberto na modalidade de
liberdade provisória sem fiança, caso em que a conversão despertaria interesse. Não há
interesse, porém. Essa conclusão vem da análise do artigo 350 do CPP: tem-se que este
artigo é inconstitucional, eis que, diante do princípio da igualdade e da razoabilidade,
aquele que paga a fiança não tem vínculos, enquanto aquele que é isento do pagamento fica
atrelado a compromissos. Veja:
“Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando ser impossível ao
réu prestá-la, por motivo de pobreza, poderá conceder-lhe a liberdade provisória,
sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328. Se o réu infringir, sem
motivo justo, qualquer dessas obrigações ou praticar outra infração penal, será
revogado o benefício.
Parágrafo único. O escrivão intimará o réu das obrigações e sanções previstas
neste artigo.”
E mais: este dispositivo não se aplica quando a liberdade provisória é sem fiança,
por óbvio, sendo incompatível com a regra do artigo 310, parágrafo único.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema XVIII
Liberdade provisória (continuação). Liberdade provisória mediante fiança (arts. 322, 323 e 324 do CPP).
Liberdade provisória na lei dos crimes hediondos - Lei 8.072/90 .
Notas de Aula38
38
Aula proferida pelo professor Paulo César Vieira de Carvalho Filho, em 5/11/2008.
“(...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e
os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
(...)”
O STF diz que a lei não poderá tratar desta concessão, porque a CRFB trata ela
própria, impedindo a liberdade provisória gênero, criando uma exceção constitucional à
presunção de inocência.
A segunda ótica sobre o tema é defensiva: a vedação à fiança, na forma da Lei
8.072/90, é inconstitucional, porque a prisão preventiva, em um ordenamento guiado pela
presunção de inocência, exige a cautelaridade, o fumus delicti e o periculum in libertatis. A
prisão preventiva com base na gravidade do delito é inconstitucional, simplesmente porque
não se pode afirmar com certeza que quem cometeu o crime é aquele que está preso – pelo
que a ausência de cautelaridade impede que seja mantida a prisão. Estaria criada, com esta
vedação, uma presunção de culpabilidade, grosseiramente contrária à presunção de
inocência. Prisão por gravidade do crime, somente com trânsito em julgado da condenação.
O STF refuta este posicionamento sem tirar-lhe a razão: mesmo estando correto, é
fato que a CRFB foi quem criou, no mesmo artigo que cria a presunção de inocência, a
exceção à necessidade de cautelaridade: é uma exceção prevista pelo constituinte
originário, não cabendo sequer conjecturar sobre sua constitucionalidade. Por conta disso,
prevalece a visão do STF.
Casos Concretos
Questão 1
Armanda é presa em flagrante pela infração do art. 155, CP, tratando-se de delito
afiançável, porém se tem notícia de que Armanda já praticou vários outros furtos na região
em que mora e que tem por hábito ameaçar as vítimas para que não a delatem à
autoridade policial. Diante disso, a autoridade judiciária, ao receber a cópia do auto de
flagrante, deixa de arbitrar fiança, tendo por base o disposto no art. 324, IV, CPP. O
advogado de Armanda impetra ordem de habeas corpus para que seja arbitrada a fiança.
Como relator, decida.
Resposta à Questão 1
Não. Neste caso, estão presentes os motivos que autorizam a prisão preventiva e,
conseqüentemente, de acordo com o artigo 324, IV do CPP, é incabível a fiança. E, diga-se,
mesmo que o pedido fosse de liberdade provisória sem pagamento de fiança, na forma do
artigo 310, parágrafo único, do CPP, ainda assim não seria cabível, pelo mesmo
fundamento – necessidade da prisão cautelar. Destarte, deve ser decretada a prisão
preventiva. O HC deverá ser denegado.