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São Paulo:
Parábola, 2006.
PÁGINA CITAÇÃO
A crise de identidade “Todas as marteladas a que foram submetidas todas as falas populares públicas ao
do professor de longo da história do Brasil com a finalidade de excluí-las da língua portuguesa não
português conseguiram calar a boca do povo brasileiro nem impedi-lo de ir, mesmo dizendo nós
vai. O discurso operário, o discurso funcionário público, o discurso sem terra
expressam-se como se expressam porque seus falantes resolveram não mais esperar
por uma escola que os civilizasse para, só então, passarem a proclamar suas
necessidades e seus interesses naquela língua legitimada por quem se atribuía o direito
de legitimar a língua dos outros. A legitimação da interlocução constituída nesses
dialetos começa a se dar em função do peso político que adquiriram seus falantes, que
passaram a ver com crescente suspeita a língua em que eram enganados pelos políticos
das elites”. (p. 11)
“O que não conseguiram perceber todos aqueles que usaram a fala de Lula como
pretexto para adesão a um projeto conservador foi o quanto havia nessa alegação de
involuntária autocrítica de uma elite dominante que se denunciava historicamente
incapaz de educar o seu povo e cínica o suficiente para atribuir ao povo toda a
responsabilidade pela própria falta de educação. Ou seja, o povo brasileiro veio
tomando a palavra à revelia do histórico esforço de silenciamento a que foi submetido,
esforço para o qual foram convocadas todas as instâncias públicas de comunicação no
Brasil, inclusive a escola, tanto a escola negada quanto a escola que foi dada ao povo,
onde se fala da língua portuguesa muito mais para excluir os que já deveriam saber
falar português antes de chegar na escola do que para ensinar a ler e escrever”. (p.
12)
“[...] uma nova racionalização, oriunda da mobilização política que acelerou o fim da
Ditadura, aprofundou a depreciação do professor como professor: a nova identidade
de educador (o professor tem de ser mais do que professor; tem de ser um educador,
essa foi uma frase muito comum e ainda pode ser ouvida por aí). Às anteriores
obrigações de compreender o aluno (como tia ou como psicólogo clínico), de
apresentar a matéria de uma forma interessante (como um comunicador de televisão),
incorporou-se para o educador a necessidade de conscientizar o seu aluno dos
problemas sociais” (p. 24-25).
“Se os atos da camada dirigente se tornam cada vez mais suspeitos para o povo, nem
mesmo os gramáticos se atrevem a prescrever a língua que a elite acha mais adequada:
tudo fica sob suspeita [...]” (p. 49).
“Escutar o que o aluno tem a dizer não significa o paternalismo que se contenta com
qualquer coisa que o aluno tenha escrito, chegando à conclusão de que dá pra
entender o que ele quis dizer na sua confusa fala ou no seu canhestro e desajeitado
texto, avaliados como o máximo que ele pode produzir dada a sua suficiente
circunstância. Significa levar o aluno a fazer-se entender, formular as perguntas que
o levem a preencher as lacunas que no seu texto representam as lacunas de seu
entendimento; cobrar-lhe as informações necessárias para torná-lo inteligível, a
clareza na expressão da opinião que quer apresentar, os argumentos que vão dar-lhe
respeitabilidade, o encadeamento que vai capturar o leitor. É cobrar dele o esforço de
garimpar – no seu vernáculo e na língua a que começa a ter acesso em suas leituras –
os recursos expressivos necessários para dizer o que tem a dizer” (p. 53).
“Só o leitor pode ser chamado a ler melhor o que leu e a escrever melhor o que
escreveu: a noção de melhor só se constrói na cabeça de quem dispõe de termos de
comparação. Leitor, por isso, é necessariamente leitor de muitos textos em quantidade
e de alguns textos especiais em qualidade. Cabe ao professor instalar no aluno o gosto
pela leitura, transformar esse gosto em necessidade ensinando o aluno a dimensionar
o que leu pelo que vive e a enriquecer o que vive pelo que leu. O professor de
português não pode esperar por um leitor; sua tarefa é construí-lo” (p. 54).
“[...] se um aluno chega ao curso de letras sem ter sido transformado em leitor pelos
seus professores do ensino fundamental e do médio, esse curso de letras ou promove
o seu domínio dos recursos expressivos da língua escrita, fazendo dele um leitor e um
escritor, ou perpetua uma tradição que vai continuar formando professores incapazes
de formar leitores e escritores. Para formar o leitor vai ser necessário fazê-lo ler, ouvi-
lo ler e fazê-lo falar do que leu, procurando identificar que sentido dá aos conceitos
que usa para expressar sua apreciação a respeito do que leu” (p. 56).
“A começar pelo próprio texto, que uma habilidade apenas intuitiva de escrever não
lhe basta: vai precisar praticar o artesanato da escrita não apenas para adestrar-se nessa
habilidade, mas também para entender por que construiu seu texto desse modo e por
que essa seria a mais adequada maneira de fazê-lo. A formação básica para o professor
de português que se disponha a ensinar seus alunos a ler e escrever consiste em sua
habilidade de ler e escrever e em sua capacidade de teorizar sua leitura e sua escrita.
Só quem sabe como aprendeu a escrever torna-se capaz de mostrar como se faz, de
corrigir o rumo do texto que está sendo produzido pelo aluno. Mais do que saber como
se ensina, o professor de português – na verdade, qualquer professor – precisa saber
como se aprende, pois sua reflexão a respeito de seu aprendizado constitui o mais
importante saber para encaminhar a reflexão de seus alunos a respeito do próprio
aprendizado” (p. 57).
A formação do leitor e a desprivatização do sentido
“A construção de uma nova identidade para o professor de português vai se dar pelo
desenvolvimento da atividade artesanal de escrever literatura brasileira como
produção de conhecimento a respeito de nossa vida social. Essa atividade central
implica a leitura da literatura brasileira também como resistência ao colonialismo,
como um conjunto de textos considerados não como prolongamentos degradados da
literatura europeia, mas constitutivos de uma perquirição a respeito de nossa vida
social, uma perquirição fundamentada não em certezas, mas em perguntas que fomos
capazes de fazer a respeito de nós mesmos a partir das respostas que fomos capazes
de ir construindo a partir de cada resposta dada. Tanto a cristalização do sentido
quanto a destruição do sentido pela relativização absoluta estarão necessariamente
deslocadas num universo discursivo dialogal em que uma leitura construída em
comum pela leitura do aluno, pela do professor e pela da tradição constitua um critério
público, compartilhável, uma referência intrínseca de apreço ao texto” (p. 76-77).
Nessa seção o autor defende que as leituras normais, no Brasil, precisam ser,
primeiramente, leituras escolares. Isso porque, em nosso país, a escola é a grande
responsável por formar leitores – pois ela é, para a maioria dos estudantes, o único
espaço em que se tem contato com livros e com a leitura deles.
No espaço escolar, portanto, o aluno precisa ser estimulado a ler. Primeiramente, ele
pode começar por textos básicos, primários, que não exigem muito esforço – esse é o
momento de iniciar o aluno no mundo da leitura; posteriormente, o professor pode
selecionar livros mais complexos, a depender do nível da turma, para dar início a
trabalhos de leitura mais profundos.
Sob essa perspectiva, o aluno tem o direito a não gostar de determinada obra, a não
querer conclui-la (como acontece no cotidiano de qualquer pessoa) etc.
“Certamente o professor não vai interferir na leitura que o aluno realizou de qualquer
dos livros componentes daquele acervo de leituras básicas; vai, no entanto, interferir
na leitura que realizou dos livros que compõem essa leitura formativa, de obras
fundamentais da literatura brasileira; não, evidentemente, para desqualifica-la, anulá-
la, substitui-la por outra. Vai tomar como ponto de partida a leitura do aluno, ouvi-la
com atenção, para confrontá-la com a própria leitura e com a leitura da tradição. De
que modo se reconhece o professor no que leu e o que foi capaz de aprender no que
leu, essa é a lição que ele precisa ensinar no concreto processamento de cada texto
lido com seu aluno” (p. 84).
Ensinar(-se) a escrever
“[...] sob o império dos meios de comunicação de massa, que se dedicam a burilar e
divulgar amplamente a imagem do Brasil e dos brasileiros como seres incompletos ou
inadequados ao funcionamento das instituições civilizadas, de tomar a literatura
brasileira como o conteúdo da aula de português – como o texto a ser escrito e como
a língua em que se vai escrever –, enfatizando a histórica dimensão da literatura
brasileira como produtora de conhecimento a respeito de nossa realidade interior e de
nossa vida social (quem somos, como vivemos, como nos comportamos), em
oposição aos valores dominantes, hoje expressos principalmente pelo incentivo à
adesão ao consumismo conformista internacional" (p. 95-96).
Sobre o momento em que a leitura passou a ser atividade central na escola, tornando
a escrita atividade secundária:
“Ocorre um processo de desindividualização nessa escola democrática: não mais se
pede aos alunos que organizem dados para a elaboração pessoal de um discurso, mas
se lhes pede uma fiel interpretação do pensamento de um outro. A democratização da
leitura não acarretou na democratização da escrita, que se tornou dependente dela: a
partir de então, a escrita de todos é o resumo, a resenha, o texto que dá conta da leitura
feita, em que se manifesta a capacidade de decifrar criticamente os textos, a
verificação de aprendizagem” (p. 99-100).