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Carta a D.

As cartas de amor ocupam um lugar especial no gênero epistolar. A comunicação de


sentimentos, sem fim utilitário, é uma prática não por isso menos urgente — é preciso
colocar em palavras o que de outra forma nos faria adoecer.
Na correspondência amorosa, duas pessoas podem se descobrir, ou redescobrir,
em reciprocamente; , como acontece em Carta a D – história de um amor, longa Formatted: Font: (Default) Times New Roman, 12 pt, Italic
reflexão que faz o filósofo autrofrancês André Gorz à sua mulher, Dorine, no momento
em que os dois, já octogenários, vislumbram o fim da vida. Assim começa a carta:

“Você está prestes a fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que Formatted: Font: 10 pt
quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinqüenta e oito anos que Formatted: Indent: Left: 0.49"
vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. De novo, carrego no fundo do meu peito um
vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu é capaz de preencher.

Eu só preciso lhe dizer de novo essas coisas simples antes de abordar questões que, não faz
muito tempo, têm me atormentado. Por que você está tão pouco presente no que escrevi, se a
nossa união é o que existe de mais importante na minha vida? Por que, em Le traite, passei uma
falsa imagem de você, que a desfigura? Esse livro deveria mostrar que a minha relação com você
foi a reviravolta decisiva que me permitiu desejar viver”.

Relançada há pouco tempo pela Companhia das Letras, Carta a D. é um


emocionante testemunho das vicissitudes do amor no tempo. André passa aà limpo sua
relação de cinquenta e oito anos de convivência com Dorine, se retratando-se,
relembrando momentos decisivos, conversas, discordâncias, problemas familiares,
vislumbrando, no fim da vida e (ainda construindo), a verdade da vida a dois. Assim
começa:

Por ocasião do casamento dos dois, no outono de 1949, Dorine, que (profissão
dela ou o que fazia) propunha ao marido a "construção do casal" como projeto de vida.
Projeto que deveria ser sempre confirmado, adaptado e reorientado de acordo com as
situações vividas. Estava perto, portanto, do que Alain Badiou, filósofo seu
contemporâneo, nomeava "construção de verdade" Commented [E1]: No parágrafo seguinte, Bruno, acho que
ficaria bom você dizer brevemente como foi a vida deles: intensa
. intelectualmente, vasta produção dele, devotada contribuição dela,
a doença (importante) que a castigou e que os levou a se mudar
Como argumenta Dorine, na ocasião de seu casamento com André, “A construção do para o campo, não foi assim? Mas isso num parágrafo. Depois viria
a referência a Rilke, uma consideração pequena sobre o amor
casal é um projeto comum aos dois, e nunca terminaremos de confirmá-lo, de adaptá-lo (muito difícil falar, certo? sem cair em lugar-comum) e a citação do
e de reorientá-lo em função das situações que forem mudando”. Só o tempo verticaliza final com a notícia do pacto de morte. Será bom dizer a forma da
morte.
o sentimento. A isso o filósofo Alain Badiou dá o nome de “construção de verdade”.
é quando brilha mais forte um ponto dentre tantos na constelação que é nossa vida, Commented [E2]: será? Nem sempre, não é verdade? A
correspondência até impossibilita
formada por incontáveis cruzamentos afetivos. O encontro se aproxima da epifania.
Como diz Rilke, nas Cartas a um jovem poeta,

"... para quem ama, o amor, por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento
cada vez mais intenso e profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama
entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. Que sentido teria, com efeito, a união
com algo não esclarecido, inacabado, dependente? O amor é uma ocasião sublime para
o indivíduo amadurecer, tornar-se algo em si mesmo, tornar-se um mundo para si, por
causa de um outro ser: é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e
um chamado para longe."
De um ponto de vista antropocêntrico (e Sse pensarmos na etimologia da palavra
religião, que teria tido origem na latina religare), pode-se dizer que o amor é a religação
não de uma pessoa a uma divindade mas a uma de uma pessoa à outra — o
reconhecimento de seu semelhante. Abrimos mão voluntariamente de parte da nossa
liberdade (ou seja, no usufruto dela mesmo) por causa de alguém; uma doação
inalcançável quanto ao amor impessoal pelo gênero humano???? não entendi
. (Nesse sentido, é curioso notar o egoísmo de homens e mulheres que devotam suas Commented [E3]: será isso mesmo? Não é um outro tipo de
religare? Ou de religação? Você se religa não a uma só pessoa mas
vidas ao serviço da humanidade, como por exemplo mártires, religiosos, artistas etc.; a centenas? Ou a uma causa?
frequentemente correm risco de morte ou se isolam do mundo por uma causa impessoal Acho delicado o uso de egoísmo aqui. A menos que esteja sendo
e em detrimento do convívio com familiares e amigos). Daí, segundo Agamben, a vida a usado de acordo com algum sentido filosófico e, sendo assim,
conviria explicar. Mas eu acho que não seria o caso aqui, texto
dois ser uma declaração de fé na humanidade — a figura do “dois” seria assim o núcleo breve.
mínimo, metonímico, a partir do qual se poderia alcançar a beatitude. Commented [E4]: em texto não acadêmico, não se deve citar
um nome assim, deixando o leitor sem saber de quem se trata, ok?
Tal desejo, que a vida amorosa arroga pretensiosamente a si, é contudo, o mais das
vezes, destinado ao fracasso. A força do hábito tende a tornar o amor auto-destrutivo.
Diante disso, são o amor e o desamor os principais motores da correspondência
amorosa. Carta a D., de André Gorz, é uma declaração de amor e uma despedida, que
termina com mais declaração de amor; por esses aspectos, se aproxima de outras do
gênero, mas se distingue delas por um traço incomum: foi escrita quando o casamento já
alcançava sessenta anos.

A duração do amor costuma ser uma questão pouco valorizada na troca de cartas,
provavelmente por não carregar a intensidade dos extremos: a alegria, a esperança, a Commented [E5]: É? Atenção: para se afirmar que a questão da
duração do amor é pouco valorizada em correspondência é
embriaguez dos primeiros encontros; a tristeza, o ódio, a raiva dos rompimentos. Mas é necessário conhecermos pelo menos algumas centenas de cartas.
justo aí que a tensão indissolúvel entre duas existências que insistem em permanecer
juntas se manifesta (e é aí que reside o difícil da relação). Pois as coisas mudam e nunca
somos os mesmos. Como argumenta Dorine, na ocasião de seu casamento com André,
“A construção do casal é um projeto comum aos dois, e nunca terminaremos de
confirmá-lo, de adaptá-lo e de reorientá-lo em função das situações que forem
mudando”. Só o tempo verticaliza o sentimento. A isso o filósofo Alain Badiou dá o
nome de “construção de verdade”.

Carta a D. é um emocionante testemunho das vicissitudes do amor no tempo. André


passa à limpo sua relação com Dorine, se retratando, relembrando momentos decisivos,
conversas, discordâncias, problemas familiares, vislumbrando, no fim da vida (ainda
construindo), a verdade da vida a dois. Assim começa:

“Você está prestes a fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais
do que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinqüenta e
oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. De novo, carrego no
fundo do meu peito um vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu
é capaz de preencher.

Eu só preciso lhe dizer de novo essas coisas simples antes de abordar questões que, não
faz muito tempo, têm me atormentado. Por que você está tão pouco presente no que
escrevi, se a nossa união é o que existe de mais importante na minha vida? Por que, em
Le traite, passei uma falsa imagem de você, que a desfigura? Esse livro deveria mostrar
que a minha relação com você foi a reviravolta decisiva que me permitiu desejar viver”.
Assim termina:

“Você acabou de fazer oitenta anos. (...) Recentemente, eu me apaixonei por você mais
uma vez, e sinto em mim, de novo, um vazio devorador, que só o seu corpo estreitado
contra o meu pode preencher. À noite eu vejo, às vezes a silhueta de um homem que,
numa estrada vazia e numa paisagem deserta, anda atrás de um carro fúnebre. Eu sou
esse homem. É você que esse carro leva. Não quero assistir à sua cremação; nem quero
receber a urna com as suas cinzas. (...) Eu vigio a sua respiração, minha mão toca você.
Nós desejaríamos mnão sobreviver um à morte do outro. Dissemo-nos sempre, por
impossível que seja, que, se tivéssemos uma segunda vida, iríamos querer passá-la
juntos.”

André e Dorine se suicidaram juntos em 2007, um ano após a publicação do livro.

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