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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS-CFCH


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

A Arte de Furtar: Um ensaio sobre a pirataria na música

Eduardo Andrade

Recife, 2018.
Introdução
Falar sobre pirataria na música é uma tarefa bastante desafiadora. Primeiramente pois
trata-se de um fenômeno que ocorre na Internet, um espaço de alcance global e onde as
comunicações e transações ocorrem a cada momento. E por transações, estas incluem downloads
ilegais, que não cessam em diminuir, a despeito das inúmeras políticas governamentais para a
proibição da pirataria (Nogueira Junior, 2013). Em segundo lugar, a pirataria não possui líderes
ou personalidades específicas, não possui um começo claro, mas sua história se relaciona
bastante com a do surgimento dos Direitos Autorais e da Propriedade Intelectual. Sabemos que
por quase todo o século XX e XXI, a música transformou-se em mercadoria, não somente uma
pura arte. Ao transformar-se em objeto de mercado, torna-se muitas vezes um artigo de luxo, um
elemento de diferenciação e sobretudo, de propagação ideológica do sistema capitalista. Apesar
da historicidade do significado da música ao longo do curso da história humana, a criação em si
também se transforma. Tudo isto em profunda relação com a transformação dos meios de
produção da arte. (Benjamin, 1994) O que realmente aconteceu ao longo dos anos é que
juntamente com o avanço tecnológico e democratização do acesso à tecnologia, a arte viria
também a se tornar cada vez mais acessível e a música cada vez mais suscetível a ser
canibalizada (tal como Oswald de Andrade preconizara em seu Manifesto Antropofágico),
transformada e reproduzida, nesse sentido a arte ganha, principalmente com o advento da
tecnologia em geral e da internet em particular, um valor de exposição muito maior, em termos
benjaminianos. Em terceiro lugar, existe uma grande dificuldade metodológica em se analisar
esse fenômeno, além dos primeiros pontos apresentados, existe o fato de que esse tema é
abordado de forma demasiado monolítica e acabam por não compreender o que os indivíduos
envolvidos com a Pirataria pensam sobre a Pirataria, sobre música, sobre cultura. Além dessa
dificuldade, a Pirataria tampouco é inerente à Era da Informação, se considerarmos sua prática
mais elementar, que é o livre uso e compartilhamento de informações e de ideias, podemos
observar que essa atividade é parte de todo o curso da história. Revoluções ensaiaram outras,
nossos heróis musicais foram influenciados e fizeram diversos trocadilhos musicais destes em
seus álbuns, nem está presa somente ao âmbito da ​internet,​ na medida em que artistas que têm
adotado o livre compartilhamento como estratégia de produção musical, tem usado
principalmente os ​shows ao vivo como forma de captação de recursos (Herschmann, 2013).
Além disso, a nível político, é possível dizer que a Pirataria também possui seu movimento, com
princípios e reivindicações próprias, que possuem estreitas relações e influências de outros
movimentos tão chamados pela mídia ​(​Nogueira Júnior, 2013​) de “anti-globalização”, mas que
reivindicam uma globalização que venha realmente a destruir fronteiras e não afirmá-las. Nesse
sentido, reconhecendo a complexidade de se analisar este fenômeno, que tem questionado as
políticas de Estado, a própria ética capitalista e as práticas pouco efetivas da Indústria Cultural,
este ensaio busca propor uma abordagem que busque compreender a Pirataria a partir do ponto
de vista das pessoas, consumidores e artistas (ou até mesmo artistas-consumidores) envolvidos
com a Pirataria. Além disso, a Pirataria enquanto fenômeno global, será analisada no âmbito de
países como Brasil e Estados Unidos, enquanto os países que ocupam o maior número de
downloads considerados ilegais no mundo. Como as pessoas que praticam downloads ilegais
pensam a música e a cultura ? Como os artistas que se utilizam dos ​mashups​, ou apropriações
consideradas ilegais das músicas, pensam sobre música ? Qual sua relação com o consumidor ?
O que pensam sobre a autoria ? Propriedade Intelectual ? A compreensão destes questionamentos
são necessários para se compreender o fenômeno da Pirataria de forma mais ampla e menos
monolítica, agregando outros conceitos e representá-lo de forma mais objetiva. Howard Becker
nos proporciona uma contribuição muito importante para essa metodologia, especialmente na sua
aproximação antropológica do entendimento das atividades artísticas, isto é, entender como as
pessoas envolvidas no processo em questão entendem aquilo que fazem, o que entendem por arte
ou o artista, a música, cultura ​(​Becker, 1977a; 1977b​)​. Para isso, utiliza-se aqui uma análise
bibliográfica da literatura acerca do tema, além disso, a análise de documentários produzidos
pelos próprios indivíduos envolvidos na pirataria, em especial o ​RIP! A remix manifesto,​ que faz
uma análise excepcional acerca do objeto de estudo em questão. Ao longo deste trabalho, o que
fica como aprendizagem é que grande parte daquilo que fazemos é uma apropriação, nos
apropriamos de tudo, compartilhamos tudo e isso é parte de nossa existência e nesse sentido,
todos nós pirateamos. E foi exatamente assim que chegamos até aqui.
A arte de furtar, a pirataria em suas diversas formas e seus princípios básicos
Afinal, o que é a pirataria ? O que as pessoas entendem por pirataria, em seu formato
mais elementar ? Utilizando como referência os documentários ​RIP! A Remix manifesto (Gaylor,
2008) e ​Everything is a Remix (Ferguson, 2015), a pirataria pode ser vista de diversas maneiras,
especialmente como movimento e como atividade. Enquanto atividade, consiste no livre uso e
compartilhamento de informações e de arquivos, especialmente fonogramas, no âmbito da
internet. Essa atividade desencadeia diversas outras atividades, que fazem parte do conjunto da
pirataria. Entre algumas delas o ​P2P (ou peer-to-peer) ​e o ​mash-up ou o remix, os quais,
historicamente, contribuíram um para o outro. O ​P2P,​ funciona como uma rede de
compartilhamento entre diferentes dispositivos que possuem as mesmas funções, enquanto
receptor e emissor de arquivos, cujo princípio é a descentralização de informações, tal serviço foi
utilizado em plataformas como o ​Napster​, o que possibilitou um compartilhamento massivo de
fonogramas pela internet (Digital Citizen, 2017). Ao mesmo tempo em que facilitou o acesso à
arquivos musicais, também facilitou a possibilidade de alterá-los com mais facilidade, o que
possibilitou práticas como os ​mash-ups,​ que significa uma “mistura” de diferentes músicas em
uma música só, uma colcha de retalhos. Uma melhor definição do ​mash-up encontra-se em
algumas das músicas do artista ​Girl Talk,​ que utiliza-se desse recurso como performance
musical: “​Transformar em novo aquilo que é do passado”​. As músicas desse artista em questão,
contam com diversas referências e trechos de músicas utilizadas de forma criativa e que dão
sentido às músicas feitas pelo autor. O mais significativo é o fato de pessoas com pouco ou
nenhum conhecimento musical terem a possibilidade de criar seus próprios trabalhos apenas
editando e recortando uma música com ferramentas acessíveis. Isso trouxe muitas problemáticas
frente à Indústria Cultural, basta lembrar o valor que um álbum de música possuía e a dificuldade
de utilizar das tecnologias que as grandes gravadoras possuíam. A prática do ​mash-up é
tampouco exclusividade da era da informação. Nos anos 80, grupos de hip-hop como o N.W.A
utilizaram esse recurso como forma de expressão musical; muito antes disso, grupos de ​rock
como o Led Zeppelin utilizavam breves trechos de músicas de outros cantores em suas músicas,
especialmente a relação entre ​Whole Lotta Love e ​You Need Love de Muddy Waters. Nesse
sentido, entendemos que essa prática não é nada nova, e é justamente isso que a pirataria busca
nos alertar. E justamente por essa razão é necessário compreender seus princípios enquanto
movimento.
A pirataria enquanto movimento, seus princípios
Enquanto movimento, a pirataria nos lembra que tudo aquilo que é criado, o é baseado no
passado. Se pudéssemos simplificar, poderíamos utilizar a máxima de Chacrinha de que “Nada
se cria, tudo se copia”. As pessoas envolvidas nesse processo acreditam que uma obra de arte não
possui uma originalidade pura, mas ela é resultado daquilo que já existe. Não existe obra de arte
criada do vácuo, do vazio, ela existe porque outras obras, outros livros, outros elementos do
cotidiano também fizeram parte de nossa experiência. Nesse sentido, a pirataria critica a própria
noção de territorialização da criatividade. Se a originalidade de um autor deve ser protegida, o
que dizer sobre as obras utilizadas por esse mesmo autor na produção de suas obras ? Dessa
forma, ao discutirmos a temática da música no contexto da Pirataria, não é possível falar tão
somente de um ponto de vista mercadológico, certamente os artistas que utilizam a Pirataria
como recurso movimentam muito capital, especialmente em se tratando de shows. Mas a música
em sí é tida como uma ideia e que deve ser exibida ao público, e os consumidores enxergam essa
modalidade de música enquanto uma forma de socializar com outras pessoas, seja em shows,
seja em suas casas e também como algo que elas mesmas podem modificar e transformar. Em
termos benjaminianos, poderíamos dizer que as obras de arte nos dias de hoje, tem cada vez mais
valor de exibição, e cada vez mais reprodutibilidade técnica, em grande medida feita de maneira
independente, à revelia da Indústria Fonográfica. Basta observar a rapidez com que se produzem
remixagens de músicas inéditas ou paródias. As bandas de brega pernambucano em especial são
um ótimo exemplo disso, em que a música ​Opinião da Banda Lapada, é uma paródia da música
Please Don’t Stop the Music ​de Rihanna.
Delineamos brevemente alguns dos princípios da pirataria, que são: 1)Tudo aquilo que é
criado, é criado baseado no que já existe, e portanto 2)Não existe uma originalidade pura, tudo
aquilo que criamos, é parte de nossa existência, daquilo que já experimentamos antes. 3)A obra
de arte, portanto, não deve ser tratada como objeto territorializado, nos padrões da Indústria
Cultural.
A Pirataria para além da internet
O compartilhamento de arquivos fez com que a produção de um álbum se tornasse
completamente descartada, além disso, se considerarmos a velocidade em que as músicas fazem
sucesso nos dias de hoje e a velocidade em que um álbum demora a ser produzido, a produção
desse mesmo álbum torna-se contraproducente. Além disso, se considerarmos que essas músicas
são distribuídas livremente, o fator de venda torna-se menos importante neste meio, mas sim a
sua disponibilização, ou sua capacidade de distribuição (Nogueira Júnior, 2013). Nesse sentido,
os shows ao vivo passam a ser o principal meio de captação de recursos desses novos artistas
(Herschmann, 2013). No Brasil, poderíamos assinalar tanto a força que possuem os ​bailes funk
no Rio de Janeiro, quanto a ​aparelhagem nos eventos de tecnobrega no Pará, ambos os gêneros
musicais são marcados pelo seu modo de distribuição e produção musical alternativa e que criam
empregos diretos ou indiretos e movimentam a economia local (​Idem).​ Nesse sentido, a Pirataria
foge das barreiras da internet e passam a ocupar também espaços reais e interferindo
concretamente nestes. Além disso, passa a proporcionar diferentes espaços de afirmação cultural
e criação de novas identidades e subculturas, como é o caso do tecnobrega e do funk carioca.

Considerações Finais
Primeiramente, é preciso dizer que este trabalho é algo ainda não terminado,
primeiramente porque a informação e o tempo continuam a correr como nunca antes, e estes são
elementos imprevisíveis. Em segundo lugar, como dito acima, pesquisar o tema não é uma tarefa
fácil, e exige um diálogo com teorias contemporâneas acerca do assunto, especialmente as que
envolvem teorias de redes sociais.
No entanto, compreender a pirataria de acordo com as próprias lógicas da pirataria,
parece ser um importante recurso em entender este fenômeno de forma mais ampla e para
questionar o escopo conceitual de nossas abordagens. Quando pensamos nos princípios dos
movimentos em torno da pirataria, podemos pensar numa concepção completamente diferente do
que é música, do que é cultura e informação, entendidas diferentemente da Indústria Cultural,
que a concebe enquanto mercadoria. Além disso, a Pirataria nos traz à reflexão de que tudo
aquilo que fazemos é baseado naquilo que já existe, e isso questiona profundamente a
territorialização e em certa medida a hegemonia do discurso em torno da cultura. O processo
criativo e nossa autenticidade também passa pela assimilação ou imitação do que
experimentamos, de modo que não existiria música sem a criação de outras músicas. Piratear,
nesse sentido, é uma atividade que faz parte do curso da história humana. Repetindo o que foi
dito na introdução, Revoluções ensaiam outras revoluções. E espera-se que em breve a Pirataria
também ensaie outras.
Referências Bibliográficas
Becker, Howard (1977a) “Arte como ação coletiva” in: ​Uma teoria da ação coletiva​. Rio de
Janeiro, Zahar, pp. 205-222.
Becker, Howard (1977b) “Mundos artísticos e tipos sociais” in: Gilberto Velho (org.). ​Arte e
sociedade.​ Rio de Janeiro, Zahar, pp. 9-26.
Benjamin​, ​Walter (1994). “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” in: ​Walter
Benjamin. Obras Escolhidas, vol. I (Magia e Técnica, Arte e Política).​ São Paulo, Brasiliense,
pp. 165-196.
Digital Citizen, 2017. What is P2P (peer-to-peer) ?
<​https://www.digitalcitizen.life/what-is-p2p-peer-to-peer​>
Ferguson, Kirby (2015), Everything is a Remix 37 min
Gaylor, Brett (2008), RIP! A remix manifesto. 86 min
Hershmman, Micael (2013), “Carência de dados e desafios metodológicos para o
desenvolvimento dos estudos da indústria da música”, ​Famecos,​ v. 20, n. 1, pp. 131-146.
Nogueira Júnior, D. de A. (2013) “Direitos autorais e a pirataria:uma polêmica na realidade
virtual”, Famecos, v.20, n.1, pp. 47-68.

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