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Morreu no 12 de julho 2016 a grande Luiza Bairros. Ela foi de tudo: ativista, professora, ministra.
Gaúcha e baiana. O texto que segue foi resultado de um passeio por Salvador ao seu lado.
Publicado na revista Vozes e Faces da Articulação para o Combate ao Racismo Institucional (CRI),
em 2007.
Embora a importância do fato tenha sido preterida quando da mudança de nome, o 2 de Julho,
além de feriado, é festejado com muito orgulho e alegria pelo povo baiano. Pensando melhor,
talvez o aeroporto de Salvador devesse se chamar Dos Orixás. A nal esta é a capital dos terreiros
de candomblé e de todos os santos, mas estes já dão nome à baía.
O que levou a gaúcha Luiza Bairros a trocar Porto Alegre por Salvador foi a concentração de afro-
descendentes. Passeando pela Baixa do Sapateiro, no sopé do Pelourinho, a mulher negra, nascida
e criada na Porto Alegre de maioria branca, se surpreendeu: O que é isto? Como será viver em uma
capital onde os negros estão por toda parte? Faz mais de vinte anos que Luiza tenta responder a
essa pergunta e a muitas outras baseadas nas relações interraciais brasileiras.
Luiza Bairros está para o movimento de mulheres negras como um peixe está para o mar. Ela é
uma das vozes mais respeitadas quando o assunto é combate à descriminação racial. Além de
professora universitária, coordena projetos e programas de combate ao racismo institucional. Para
ela: O racismo tem muitas caras. Muitas vezes ele se disfarça, para aparecer mais forte depois.
Passear com Luiza pelo Pelourinho, espécie de Veneza seca, é instigante e instrutivo. Ela vai
apontando as contradições soteropolitanas. Pelas ruelas da cidade sobram musicalidade, alegria,
manifestações sincréticas de fé, ginga, trabalho.
Em toda Salvador, as ruas são do povo como o céu é dos pássaros. Mas os espaços de poder, os
comandos de empresas e de instituições, seguem nas mãos da minoria branca.
Sabemos que a representação simbólica, ao lado do pão, nos alimenta. Ela é capaz de formar,
conformar, deformar. Mas a realidade não é maniqueísta. Nesta mesma Assembleia Legislativa,
assenta-se a Comissão Especial para Assuntos da Comunidade Afro-Descendente (Cecad) com
propostas de ajudar na erradicação do racismo e de suas manifestações discriminatórias.
Luiza Bairros acredita ser urgente discutir a institucionalização do combate ao racismo. Para ela,
alcançar lugares de poder é apenas metade do trabalho. Ser capaz de criar alternativas de
articulação dentro destes espaços é a outra metade. Os avanços precisam ganhar velocidade para
bene ciar a base da população negra.
A surpresa
https://www.geledes.org.br/luiza-bairros-1953-2016/ 1/3
Em pleno Terreiro de Jesus, Luiza entra no imponente prédio
24/06/2018 Luizada antiga
Bairros Faculdade
(1953-2016) de Medicina.
- Geledés
Trata-se da primeira escola médica do Brasil, criada por decreto de Dom João VI, no começo do
século XIX. Nesta faculdade, Nina Rodrigues e outros médicos formularam teorias nas quais os
negros e os indígenas aparecerem como intelectualmente inferiores aos brancos. Nina Rodrigues
criticava a miscigenação. Ele carimbava o mestiço como “naturalmente” desequilibrado e
degenerado. Imaginem: a construção da eugenia brasileira em plena Bahia!
Logo na entrada do prédio, o visitante dá de cara com o Museu Afro-Brasileiro, sob a supervisão
do Centro de Estudos Afro-Ocidentais da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Seu riquíssimo
acervo conta com máscaras, cerâmicas, tapeçarias vindas da África e de origem brasileira.
Todavia, manter-se no antigo prédio da Faculdade de Medicina não é algo tão pací co quanto
parece. Marcelo Cunha, coordenador do Museu Afro-Brasileiro, aponta como racismo institucional
as tentativas de desalojar o Museu: Há médicos que não suportam a ideia da cultura negra ocupar
algumas salas deste prédio. Eles acham que estamos maculando o ambiente.
Maculando não estão, mas subvertendo a “ordem” sim. A nal, essa escola, que no passado tratou
tão mal e preconceituosamente a população negra baiana, agora é sede do Museu que canta a
tradição da negritude. Luiza Bairros deixa o Terreiro de Jesus em direção à sede do já lendário
CEAFRO – Educação e Pro ssionalização para a Igualdade de Raça e Gênero.
Nossa próxima parada é na Liberdade, o mais negro dos bairros da cidade. Aqui há um viaduto
com o nome de Zumbi dos Palmares. Aqui se encontra o terreiro de Mãe Hilda Jitolu que, ao lado de
Mãe Stella de Oxóssi, foi indicada para o Premio Nobel da Paz do ano de 2005.
Fica na Liberdade a ladeira do bloco afro Ilê Aiyê, afamado mundialmente, que rendeu os versos de
Paulinho Camafeu, imortalizados pela voz de Gilberto Gil: Branco, se você soubesse/ o valor que o
preto tem / tu tomava banho de piche/ e cava preto também/ Não te ensino minha malandragem/
nem tampouco minha loso a/ Por quê?/ Quem dá luz a cego/ é bengala branca e Santa Luzia.
Acarajé militante
Com o começo da noite, e porque Luzia Bairros não é de ferro, o programa é comer os quitutes da
Dinha, no Largo de Santana, no Rio Vermelho. O Largo é também um ponto de encontro sem
precisar combinar antes.
O segundo encontro é com Valmir França Santos, o França. Ativista do Movimento Negro e
fundador do bloco afro Os Negões. França acredita que a riqueza cultural afro-brasileira pode ser
um instrumento poderoso de luta contra o racismo. A cultura é um esteio para o empoderamento.
Também diz que é preciso uma quantidade enorme de trabalho para politizar a grande massa,
pois o Estado brasileiro é complacente com o racismo. Esta complacência corrói a diversidade,
nossa maior riqueza.
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