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Lopo Homem, navegador e cartógrafo português, produz uma das primeiras imagens do novo mundo em 1519. Seu mapa mostra a África no centro e a Europa fora do eixo convencional, ambas rodeadas por um gigantesco continente, como se América, Antártida, Oceania e Ásia fossem uma só terra. Trata-se de uma tentativa inicial de localizar as regiões recém-descobertas, com a função política de organizar os interesses de expansão do reino de Portugal, e hoje sugere certo imaginário da época, num misto de ciência e misticismo.
Em seu Mapa de Lopo Homem II (2004), Adriana Varejão recupera aquela antiga cartografia e interfere na imagem, abrindo feridas e expondo a sua carne, num exercício que poderíamos chamar de profanador, se tomarmos emprestada a filosofia de Giorgio Agamben – a quem a profanação, para além do sentido religioso, implica restituir ao uso comum e rever significados intocáveis. Ao profanar o mapa, a artista põe em questão valores e crenças que formaram o imaginário brasileiro, assim como o próprio sentido de construção da história por meio das imagens. Com a materialidade da arte, ela acessa a imaterialidade da cultura e do real.
O organismo do mapa está exposto, mal suturado, como se uma ferida da época colonial se recusasse a fechar. Num sentido muito similar ao que Hal Foster associa à arte da apropriação, a qual revela ilusões implicadas nas imagens e pede ao observador que olhe criticamente através da superfície. Não para encontrar “a verdade” detrás, mas para perceber quais dispositivos sustentam a sua aparência, o seu semblante, a sua realidade.
Ao analisar criticamente o mapa é possível perguntar: quais são as feridas que permanecem abertas no novo mundo? De que maneira o processo de colonização ainda ameaça a sobrevivência do nosso organismo social? Que cicatrizes restaram como herança e não podem ser esquecidas? Qual é o comprometimento da cartografia com a realidade que representa? Que imaginário esses mapas consolidam, com suas formas de entender e classificar o mundo? Se os mapas funcionam como tecnologias de poder, quais territórios permanecem soterrados numa dada história (da arte)? De que maneira o procedimento de apropriação possibilita desconstruir ilusões e experimentar outras leituras da história?
Palavras-chave: Arte contemporânea brasileira; História da arte; Colonialismo e imaginário brasileiro; Profanação; Cartografia
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Mapa de Lopo Homem II, de Adriana Varejão: feridas abertas na história (da arte)
Lopo Homem, navegador e cartógrafo português, produz uma das primeiras imagens do novo mundo em 1519. Seu mapa mostra a África no centro e a Europa fora do eixo convencional, ambas rodeadas por um gigantesco continente, como se América, Antártida, Oceania e Ásia fossem uma só terra. Trata-se de uma tentativa inicial de localizar as regiões recém-descobertas, com a função política de organizar os interesses de expansão do reino de Portugal, e hoje sugere certo imaginário da época, num misto de ciência e misticismo.
Em seu Mapa de Lopo Homem II (2004), Adriana Varejão recupera aquela antiga cartografia e interfere na imagem, abrindo feridas e expondo a sua carne, num exercício que poderíamos chamar de profanador, se tomarmos emprestada a filosofia de Giorgio Agamben – a quem a profanação, para além do sentido religioso, implica restituir ao uso comum e rever significados intocáveis. Ao profanar o mapa, a artista põe em questão valores e crenças que formaram o imaginário brasileiro, assim como o próprio sentido de construção da história por meio das imagens. Com a materialidade da arte, ela acessa a imaterialidade da cultura e do real.
O organismo do mapa está exposto, mal suturado, como se uma ferida da época colonial se recusasse a fechar. Num sentido muito similar ao que Hal Foster associa à arte da apropriação, a qual revela ilusões implicadas nas imagens e pede ao observador que olhe criticamente através da superfície. Não para encontrar “a verdade” detrás, mas para perceber quais dispositivos sustentam a sua aparência, o seu semblante, a sua realidade.
Ao analisar criticamente o mapa é possível perguntar: quais são as feridas que permanecem abertas no novo mundo? De que maneira o processo de colonização ainda ameaça a sobrevivência do nosso organismo social? Que cicatrizes restaram como herança e não podem ser esquecidas? Qual é o comprometimento da cartografia com a realidade que representa? Que imaginário esses mapas consolidam, com suas formas de entender e classificar o mundo? Se os mapas funcionam como tecnologias de poder, quais territórios permanecem soterrados numa dada história (da arte)? De que maneira o procedimento de apropriação possibilita desconstruir ilusões e experimentar outras leituras da história?
Palavras-chave: Arte contemporânea brasileira; História da arte; Colonialismo e imaginário brasileiro; Profanação; Cartografia
Lopo Homem, navegador e cartógrafo português, produz uma das primeiras imagens do novo mundo em 1519. Seu mapa mostra a África no centro e a Europa fora do eixo convencional, ambas rodeadas por um gigantesco continente, como se América, Antártida, Oceania e Ásia fossem uma só terra. Trata-se de uma tentativa inicial de localizar as regiões recém-descobertas, com a função política de organizar os interesses de expansão do reino de Portugal, e hoje sugere certo imaginário da época, num misto de ciência e misticismo.
Em seu Mapa de Lopo Homem II (2004), Adriana Varejão recupera aquela antiga cartografia e interfere na imagem, abrindo feridas e expondo a sua carne, num exercício que poderíamos chamar de profanador, se tomarmos emprestada a filosofia de Giorgio Agamben – a quem a profanação, para além do sentido religioso, implica restituir ao uso comum e rever significados intocáveis. Ao profanar o mapa, a artista põe em questão valores e crenças que formaram o imaginário brasileiro, assim como o próprio sentido de construção da história por meio das imagens. Com a materialidade da arte, ela acessa a imaterialidade da cultura e do real.
O organismo do mapa está exposto, mal suturado, como se uma ferida da época colonial se recusasse a fechar. Num sentido muito similar ao que Hal Foster associa à arte da apropriação, a qual revela ilusões implicadas nas imagens e pede ao observador que olhe criticamente através da superfície. Não para encontrar “a verdade” detrás, mas para perceber quais dispositivos sustentam a sua aparência, o seu semblante, a sua realidade.
Ao analisar criticamente o mapa é possível perguntar: quais são as feridas que permanecem abertas no novo mundo? De que maneira o processo de colonização ainda ameaça a sobrevivência do nosso organismo social? Que cicatrizes restaram como herança e não podem ser esquecidas? Qual é o comprometimento da cartografia com a realidade que representa? Que imaginário esses mapas consolidam, com suas formas de entender e classificar o mundo? Se os mapas funcionam como tecnologias de poder, quais territórios permanecem soterrados numa dada história (da arte)? De que maneira o procedimento de apropriação possibilita desconstruir ilusões e experimentar outras leituras da história?
Palavras-chave: Arte contemporânea brasileira; História da arte; Colonialismo e imaginário brasileiro; Profanação; Cartografia