Vous êtes sur la page 1sur 343

Deus e Cosmos

Urn Coin eilo Crisiao do lempo.


do I spat, o e do Unlverso

John Byl
DEUS
e
COSMOS

Uma Visão Cristã


do Tempo, do Espaço
e do Universo

John Byl

PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS


Caixa Postal 1287
01059-970 - São Paulo - SP
Título original:
God and Cosmos

Primeira edição:
2001

Editora:
The Banner of Truth Trust

Primeira edição em português:


2003

Tradução do inglês:
Adelelmo Fernandes Fialho

Revisor:
Antonio Poccinelli

Cooperador:
Luís Christianini

Capa:
Sérgio Luiz Menga

Impressão:
Imprensa da Fé
À Minha Esposa Margaret
“E alegra-te com a mulher
da tua mocidade”
(Provérbios 5:18)
Indice
Prefácio ................................................................................. 11
Prefacio para a Edição em Português..................................... 13

1. AS QUESTÕES BÁSICAS................................................. 15
Reconciliando a Cosmologia e a Biblia......................... 16
Avaliando Modelos Cosmológicos................................. 17
O Papel do Comprometimento Religioso.....................21
Epistemología e Revelação.............................................23
Interpretando a Biblia.....................................................27
A Abrangência da Autoridade Bíblica..........................29
Perspectiva....................................................................... 33

2. BREVE ESBOÇO HISTÓRICO....................................... 35


Cosmologia Antiga.......................................................... 35
Origens da Cosmologia Grega........................................ 36
Cosmologia Clássica........................................................ 38
Redimindo o Fenômeno.................................................40
A Cosmologia Medieval.................................................43
A Harmonia Perfeita................................................44
O Fim da Cosmologia Medieval.............................49
Galileu versus a Igreja...................................................... 50
Conseqüências Teológicas........................................ 57
Cosmologia Pré-Moderna...............................................60
Cosmologia Newtoniana.................................................61
O Universo Dinâmico.....................................................64
A Morte do Calor............................................................66

7
Deus e Cosmos

3. COSMOLOGIA MODERNA............................................ 70
Uma Breve História do Big Bang..................................70
Explicando as Observações.............................................78
1. Deslocamento para o Vermelho..........................78
2. Abundâncias de Elementos.................................85
3. As Microondas Cósmicas de Fundo................. 88
Problemas Subseqüentes com o Big Bang....................93
1. Inflação.................................................................94
2. Formação de Galáxia...........................................97
3. Massa Faltante......................................................98
4. Aceleração........................................................... 100
5. Mais Quebra-Cabeças........................................ 102
Premissas Básicas Cosmológicas.................................. 104
O Problema de Verificação........................................... 110
Sumário.......................................................................... 112

4. COSMOLOGIA E A EXISTÊNCIA DE DEUS........ 117


O Argumento Cosmológico.......................................... 118
Os Argumentos Filosóficos................................... 119
A Singularidade do Big Bang............................... 126
A Segunda Lei da Termodinâmica....................... 140
O Argumento do Design.............................................. 146
Alternativas ao Conceito de Design...................... 151
Design e Evolução................................................. 163
Conclusões..................................................................... 164

5. COSMOLOGIA, VIDA E FUTURO............................ 170


Vida no Universo........................................................... 170
Uma Breve História de ETI - Inteligência
Extraterrestre.................................................. 171
A Razão Científica para ETI................................. 172
Motivação para a Crença em ETI......................... 179
Considerações Teológicas....................................... 180

8
Indice

O Futuro da Vida no Universo................................... 187


Vida Futura num Universo Fechado.................. 190
Vida Futura num Universo Aberto.................... 192
Vida Futura numa Cosmologia Plasmática....... 194

6. OS ESTRANHOS DEUSES DA COSMOLOGIA


MODERNA.........................................................198
O Deus Evolutivo da Teologia Natural........................ 198
Deuses Naturais Evolutivos..................................200
Deuses Autocausados.................. ,........................206
O Cristianismo e o Deus Evolutivo............................. 213
1.0 Deus de Teilhard de Chardin........................213
2. O Deus da Teologia de Processo........................ 216
Vida Após a Morte.........................................................220

7. A BIBLIA E COSMOLOGIA......................................... 226


O Ser e a Natureza de Deus..........................................226
A Doutrina da Criação.................................................. 230
A Historia do Universo.................................................234
Eventos da Criação................................................. 234
A Queda e Suas Conseqüéncias............................238
Escatologia..............................................................240
A Data da Criação.................................................. 241
O Mundo Espiritual......................................................245
Questões Cosmológicas Posteriores.............................. 252
O Tamanho do Universo............................................... 259
Um Universo Expandido?............................................261
A Estrutura Referencial Bíblica...................................262
A Biblia e o Big Bang...................................................264

8. COSMOLOGIAS BÍBLICAS......................................... 272


Universos Jovens...........................................................273

9
Deus e Cosmos

1. A Velocidade Variável da Luz.......................... 274


2. Retardo do Tempo.............................................. 277
3. Modelos de Espaço Curvo.................................279
4. Criação Amadurecida........................................ 282
Modelos Geométricos...................................................292
Limites de Cosmologia Bíblica...................................302

9. CONCLUSÕES...................................................................309
Sumário.......................................................................... 309
Observações Finais........................................................ 317
Bibliografia............................................................................. 324
índice de Nomes e Assuntos..................................................... 340

Figuras

2.1 O Universo Geocêntrico de Acordo com Peter


Apian..................................................................... 39
2.2 A Teoria Epicíclica..........................................................42
2.3 A Visão Medieval do Universo...................................... 45
2.4 A Concepção de Dante sobre o Universo......................48
2.5 O Universo Heliocêntrico de Acordo com Copérnico. 51
2.6 O Sistema de Ticho Brahe.............................................. 53
2.7 O Universo Heliocêntrico de Thomas Digges..............62
3.1 A Distribuição da Matéria no Universo........................72
3.2 A Comparação de Geometrias Espaciais...................... 74
3.3 A Distribuição de Galáxias mais Próximas.................. 91
3.4 O Tamanho do Universo versus O Tempo......................95
7.1 As Constelações do Hemisfério Norte.........................256
7.2 As Constelações do Hemisfério Sul.............................257
8.1 Os Efeitos do Espaço Curvo em Distâncias
Aparentes.................................................................. 281
8.2 O Universo Invertido.................................................... 295

10
Prefácio
Recentemente, muito tem sido escrito sobre a relação
entre ciência e religião. Apenas uma bem pequena porção
disto tem sido para tratar específicamente da interação entre
cosmologia e teologia. A vasta maioria dos livros sobre o
assunto pressupõe a validade da cosmologia moderna, e a
partir daí propõe modificações ao cristianismo ortodoxo. As
poucas obras teologicamente conservadoras e criacionistas
geralmente apresentam um foco muito estreito, enfatizando
principalmente desaprovar a cosmologia do Big Bang
(doravante “Big Bang”) ou promover suas alternativas
cosmológicas particulares.
O propósito deste livro é sondar mais abaixo, além das
habituais questões de origens, cavando mais fundo nas áreas
básicas do debate filosófico, e também examinar um número
de questões intimamente relacionadas. A ênfase por um lado
será nas pressuposições teológicas e implicações da moderna
cosmologia e, por outro lado, a importância da Bíblia para a
cosmologia.
Este livro é destinado àqueles interessados em defender a
fé cristã numa era de ciência naturalista. Para que seja acessível
ao leitor comum, não pressuponho qualquer conhecimento
prévio de cosmologia. Embora os modelos cosmológicos
específicos tendam a ser altamente matemáticos, este livro não
contém equações matemáticas.
Sou grato ao meu colega Rick Sutcliffe que leu e criticou
alguns dos primeiros capítulos. Também agradeço a Douglas
Taylor, da Banner of Truth Trust, por suas úteis sugestões.
Sinto-me também obrigado à Trinity University por conceder-

11
Deus e Cosmos

-me licença sabática, durante a qual realizei a maior parte


do trabalho de pesquisa e leitura.
Versões precedentes de várias partes deste livro apareceram
em diversas publicações anteriores. Grande parte do material
do Capítulo 1 apareceu em “Considerações Preliminares: sobre
método científico e teológico”, Premise, Vol. 5 n° 3, pp 1-11,
1998 (http://www.capo.org/premise/archive.html). Partes do
Capítulo 3 apareceram em “O papel da crença religiosa na
cosmologia moderna”, J.M. Van der Meer (ed.), Facetas de Fé e
Ciência, Vol. 3: O Papel da crença religiosa em Ciências Naturais,
Lanham: University Press of America, 1996, pp 47-62. Partes
do Capítulo 4 foram publicadas como “A defesa de Craig do
Argumento da Cosmologia Kalam”, no Volume 4 da mesma
série, Interpretando a Ação de Deus no Mundo, pp. 75-90. Este
material é usado aqui com permissão do publicador. A primeira
parte do Capítulo 5 foi publicada em “Sobre a Vida no
Cniverso”, Professorenforum Journal, Vol. 2 N° 1, Janeiro de
2001. (http://www.professorenforum.de/volumes).

John Byl
Janeiro 2001

12
Prefácio
para a edição em português

O conhecimento sobre o universo em que vivemos sem­


pre fascinou a mente humana. O desafio de compreendê-lo e
relacioná-lo com a nossa própria existência tem sido a proposta
máxima da chamada ciência moderna. Contudo, a dimensão
desta tarefa nem sempre é bem entendida tanto por leigos
quanto por profissionais da área científica devido a sua
enorme abrangência. Se tais dificuldades já não fossem quase
uma montanha intransponível, a busca do conhecimento e da
compreensão do universo nos levaria a um encontro direto
com a existência dAquele que está acima do mais elevado
pensamento humano - Deus. Aqui cosmologia e teologia se
encontram.
No passado, o conhecimento científico e o conhecimento
teológico andavam juntos. Não era considerado incoerente
nem inconsistente o homem que em busca do conhecimento
científico cresse na existência do Deus pessoal, Criador de todas
as coisas revelado nas Escrituras, e que mantivesse um
relacionamento pessoal de amor e adoração com esse Deus
da Bíblia. Grandes cientistas como Sir Isaac Newton, James
Clerk Maxwell e muitos outros assim viveram. Mas, dentro
do errôneo pensamento moderno, o cientista deve estar livre
desta influência teológica para assim poder realizar a sua
pesquisa sem pressuposições. Noutras palavras, o crer em
Deus o desqualifica para a tarefa de entender o universo de
forma científica.
Dr. John Byl mostra de forma brilhante e interessante o
quão infundado e preconceituoso é esse tipo de pensamento.
O conhecimento de Deus através da Sua revelação pessoal por

13
Deus e Cosmos

meio das Escrituras oferece uma base sólida e científica


relevante para a compreensão do universo, tanto do seu passado,
quanto do seu presente, como também do seu futuro. A sua
abordagem do relacionamento da cosmologia com a teologia é
consistente, abrangente e equilibrada. A dosagem da quan­
tidade de informação, a clareza das explicações e a transparência
com que são tratadas as posições favoráveis e as antagônicas à
visão cosmológica cristã dão a esta obra uma natureza única,
digna de apreciação.
Para muitos, a leitura deste livro poderá abrir as portas
para as respostas das grandes perguntas da vida e talvez para a
maior descoberta de todas - a de que o Deus Criador Se importa
conosco não apenas por sermos Suas criaturas mas por causa
do Seu amor.
Para outros, a mesma leitura irá produzir uma agradável
surpresa ao descobrir um cristianismo muito além da religião,
de um cristianismo que transcende as paredes das nossas igrejas,
permeando todos os lugares, até os mais distantes do universo
em que vivemos. Este cristianismo oferece uma proposição
científica coerente sobre o tempo, o espaço e o universo, e que
é relevante para cada esfera do pensamento humano.
Dentro desta viagem fantástica de questionamentos e
respostas, de propostas e soluções, poderemos mergulhar num
mundo de conhecimento riquíssimo. Tal conhecimento, sem
dúvida, irá alterar a nossa percepção do mundo em que
vivemos, bem como a percepção da grandeza e glória do Deus
Criador, tanto da Sua sabedoria quanto do Seu poder, levando-
-nos a adorá-10 por tudo aquilo que Ele realmente é.

Prof. Adauto J. B. Lourenço


Presbítero, Físico pesquisador
no Oak Ridge National Laboratory, E.U.A.
e no Max Planck Institut für Stròmunsgsforchung, Alemanha

14
1
As Questões Básicas
Pode ura cristão, vivendo na era espacial continuar
crendo em céu, anjos e vida após a morte, ou teria o conheci­
mento científico moderno refutado como ingênuas tais noções
simplistas? E quanto à teoria do Big Bang, teria ela demons­
trado a evidência de um Criador, ou lançado dúvidas sobre o
Génesis?
Os cristãos têm sido cada vez mais confrontados com
questões perturbadoras como essas. A finalidade deste estudo
é examinar algumas dessas questões e os problemas escon­
dendo atrás de cada uma delas. Nossa investigação nos
conduzirá através dos campos da cosmologia e da teologia.
Cosmologia é a ciência que estuda o universo físico como um
todo (devemos considerá-la como incluindo a cosmogonia, o
estudo da origem do universo); teologia é o estudo de Deus e
Sua revelação.
Como, entre si, se afetam a teologia e a cosmologia? Em
que extensão é a cosmologia afetada pela tendência teológica?
Quais seriam, se é que existem, as conseqüências teológicas
derivadas da cosmologia? Tais questões constituem o foco deste
estudo. Nós nos limitaremos primariamente à teologia cristã,
tomando a Bíblia como fonte primária da revelação divina.
Para os cristãos, é de principal importância saber o que
a Bíblia tem a dizer sobre cosmologia. A Bíblia certamente
parece considerar de modo bem específico a questão da
origem e destino do universo, bem como da existência do
mundo espiritual. Em tempos medievais uma detalhada

15
Deus e Cosmos

cosmologia foi construída, baseada, assim se pensava, em tais


informações bíblicas.
Em tempos modernos a situação é bem diferente. A velha
visão medieval do universo foi descartada desde há muito tem­
po. Ela foi substituída por uma nova cosmologia dominante:
a cosmologia do Big Bang. Esta teoria postula que o universo
físico, com todos os seus componentes, foi causado pela explo­
são inicial (o “Big Bang”), e desenvolvimento subseqüente,
de uma altamente comprimida bola de energia-massa.

Reconciliando a Cosmologia e a Bíblia

Como poderemos reconciliar a cosmologia moderna e o


cristianismo. A reação dos cristãos tem se dado num bem
amplo espectro de opiniões. É muito claro que a cosmologia
do Big Bang está em discordância com a interpretação tradici­
onal da Bíblia. A aceitação da cosmologia do Big Bang
portanto, requer uma reavaliação daqueles textos bíblicos que
parecem ter implicações cosmológicas.
Uma possível abordagem é aquela do concordismo, o
esforço para re-interpretar a Bíblia de modo a trazê-la à
harmonia com a cosmologia moderna. De fato, alguns autores
alegam que a teoria do Big Bang realmente confirma Gênesis,
bastando apenas que o leiamos apropriadamente.
Outros, convencidos de que tais interpretações concor-
distas são inválidas, adotariam métodos mais drásticos. Talvez
a Bíblia, escrita numa era pré-científica, esteja em erro quan­
do abordando assuntos científicos. Talvez a Bíblia esteja se
preocupando apenas com assuntos teológicos. Um ponto de
vista que tem se tornado bem popular últimamente é o do
complementarismo, que enfoca a teologia e a cosmologia como
totalmente independentes, cada uma lidando com assuntos
diferentes: elas dão descrições complementares da mesma
realidade. A teologia estaria preocupada com o “Quem” e o

16
As Questões Básicas

“Porquê” e a ciência com o “ Quando” e o “Como”.


Em resumo, adaptar a Bíblia à cosmologia do Big Bang
parece impor um estiramento ou adaptação forçada por um
lado, ou uma redução de sua autoridade por outro lado.
Uma abordagem alternativa seria adaptar a cosmologia à
Bíblia, ou pelo menos à leitura tradicional da Bíblia do modo
como tem sido aceita pela maioria dos cristãos através das < ' s.
Como isso implica na rejeição da cosmologia do Big Bang,
então questões devem ser feitas com respeito ao status e auto
ridade de teorias cosmológicas: “Quão bem estabelecida é a
cosmologia do Big Bang?” “Seria possível construir uma
cosmologia alternativa viável, com base na Bíblia?”

Avaliando Modelos Cosmológicos

Muitos astrônomos - bem como muitos teólogos - estão


convencidos de que a teoria do Big Bang é essencialmente
correta. Em capítulo subseqüente examinaremos os pontos
fortes e fracos desta teoria cosmológica dominante. Aqui eu
quero apenas levantar algumas preocupações preliminares.
Em construindo uma teoria cosmológica, ou “modelo”
(isto é, uma representação matemática simplificada) da
origem e estrutura do inteiro universo é muito claro que
temos ao nosso dispor apenas uma quantidade muito limitada
de dados observacionais. Foi apenas nos últimos setenta anos
que pudemos observar as galáxias muito distantes. E pode
muito bem ser que aquilo que presentemente observamos
seja apenas uma pequena fração do universo integral.
Extrair conclusões a respeito do universo integral, a
partir de um limitado conjunto de dados, necessariamente
requer que adotemos premissas ou pressuposições teóricas.
Considerações similares se aplicam à história do universo. Por
exemplo, não podemos observar diretamente o Big Bang, que
teria ocorrido supostamente a uns quinze bilhões de anos atrás.

17
Deus e Cosmos

Tal hipotético evento do passado pode apenas ser inferido com


base em dados que recebemos agora, os quais chegam até nós
na forma de raios de luz.
Além disso, como veremos mais adiante, os dados são
explicáveis em um número de diferentes maneiras. Podemos
ter certeza, por exemplo, de que as leis físicas aplicáveis aqui
e agora são universalmente válidas? Pode ser que a constante
de gravidade ou a velocidade da luz varie no espaço e no
tempo. Uma série dessas propostas pode ser encontrada em
jornais astronômicos profissionais. Ou pode ser também que
o universo foi criado instantaneamente, num passado não muito
distante. Mesmo que uma tal possibilidade possa ser recebida
por nós como algo muito improvável, é notoriamente difícil
refutá-la. Em resumo, há uma grande multidão de possíveis
extensões teóricas e explicações para as observações astronô­
micas.
Dada uma tão ampla escolha de teorias, como podemos
esperar acertar a teoria correta? De fato, mesmo se fôssemos
escolher a melhor teoria baseada no acaso, como poderíamos
reconhecê-la como tal? Na mesma linha de raciocínio, como
poderíamos nós escolher ainda que fosse entre apenas duas
teorias concorrentes?
No último meio século tem sido geralmente aceito que
teorias científicas não podem simplesmente ser deduzidas a
partir de observações. Pelo contrário, a origem das teorias tem
sido considerada na atualidade como amplamente subjetiva.
O notável filósofo de ciência, Sir Karl Popper afirma que
“temos que considerar todas as leis ou teorias como hipoté­
ticas ou conjeturais; isto é, como suposições” ele vê teorias
como “criações livres, de nossas mentes”.1 2 Ou, como coloca

1 Objective Knowledge (Conhecimento Objetivo), Londres: Oxford University


Press, 1972, p.9.
2 Conjectures and Refutations (Conjeturas e Refutações), Londres: Routlcdge,
1962, p. 192

18
As Questões Básicas

Cari Hempel:
A transição de dados para teoria requer imaginação criativa.
Hipóteses e teorias cientificas não são derivadas de fatos
observados, mas são inventadas para explicar ou justificar os
dados.3
É como se as teorias ao invés de ser-nos dadas pela nature­
za, são impostas por nós sobre a natureza; elas não são resultado
do pensamento racional tanto como criações de nossa intuição
irracional.
Enquanto alguém poderia pensar que pesquisas poste­
riores acabariam por provar como falsas a maioria dessas
teorias, isso de fato não ocorre facilmente na prática. Uma
teoria favorita, como é o caso da cosmologia do Big Bang, pode
ser sempre preservada da refutação observacional, através de
adequadas adaptações da mesma. Uma teoria que precise ser
escorada por dispositivos ad hoc artificiais (desenvolvidos
específicamente para esquivar ou evitar pontos fracos particu­
lares) geralmente não é muito valorizada em termos de
plausibilidade. Apesar disso, não importando quão difícil
possa ser demonstrar como verdadeira uma particular teoria
ad hoc, é ainda mais difícil refutá-la conclusivamente. De
acordo com Imre Lakatos:

Teorias cientificas não são apenas incomprováveis, e igualmente


improváveis, mas são também igualmente irrefutáveis.4

Enquanto reconhecendo não haver lógica envolvida na


descoberta de teorias, Popper esperou construir um processo
racional para a seleção objetiva de teorias. Ele propôs que

3 Philosophy of Natural Science (Filosofia da Ciência Natural), Englewood


Cliffs, N. J.: Prentice Hall, 1966, p. 15
4 The Methodology of Research Programmes (A Metodologia de Programas
de Pesquisa), Cambridge: The University Press, 1980, p, 19

19
Deus e Cosmos

teorias científicas genuínas deveriam ser refutáveis (isto é, elas


deveriam fazer previsões bem definidas e testáveis). Contudo,
se aplicássemos este critério à cosmologia, muito poucas
teorias sobrariam. Hoje, virtualmente todos os modelos
cosmológicos são refutados por observações. Nem Popper
oferece qualquer justificação quanto ao porquê as teorias mais
facilmente refutáveis são mais provavelmente verdadeiras do
que outras.
E claro que é possível jogar com a cosmologia sob dife­
rentes regras. Vários critérios para avaliar teorias têm sido
sugeridos. Por exemplo, Howard Van Till5 alista relevância
cognitiva, precisão de predição, coerência, abrangência
explanatória, poder de unificação, e fertilidade. No entanto,
embora tais critérios possam parecer razoáveis o bastante,
geralmente se reconhece que eles não são de modo algum
rigorosos. Eles simplesmente refletem valores usados na prá­
tica. De fato, a criação de um critério de seleção não é menos
subjetivo do que a própria criação das teorias científicas. Como
Lakatos observa (p. 122):

Esses jogos científicos carecem de genuíno conteúdo


epistemológicos (tendo a ver com conhecimento) a menos que
a eles sobreponhamos algum tipo de princípio metafísico o qual
dirá se o jogo, como especificado pela metodologia, nos dá a
melhor chance de nos aproximarmos da verdade.

Em resumo, a ciência em geral - e cosmologia em parti­


cular - é infestada pela falta de critério definido e objetivo
que possa permitir separar teorias verdadeiras de falsas. E
neste ponto crucial que teremos que ser freqüentemente
guiados por fatores extra-científicos.

5 Portraits of Creation (Imagens da Criação), Grand Rapids: Eerdmans, 1990,


p. 146

20
As Questões Básicas

O Papel do Comprometimento Religioso

Isto nos conduz à questão sobre qual seria o papel do com­


prometimento religioso na teorização cosmológica. De que
modo deveriam as convicções religiosas influenciar a cosmo­
logia?
Está claro que na prática, pelo menos, convicções ou
pontos de vista religiosos podem desempenhar um papel
decisivo na geração, avaliação e seleção de teorias cosmológicas.
Por exemplo, a escolha pró ou contra o Big Bang é algumas
vezes feita na base do ponto de vista religioso. Assim Fred
Hoyle rejeita pelo menos em parte a cosmologia do Big Bang
porque o surgimento repentino do universo num tempo finito
do passado implicaria em admitir uma causa sobrenatural.6
Enquanto que, com base no mesmo raciocínio, cristãos tais
como Norman Geisler 7 e Hugh Ross 8 são favoravelmente
inclinados para o Big Bang.
Ou considere a rejeição pelos criacionistas de uma longa e
evolucionária historia do universo. Isso é baseado primaria­
mente em seus compromissos religiosos com a Biblia. Por outro
lado, a Academia Nacional de Ciência dos Estados Unidos se
opõe primariamente ao criacionismo com base em que o
criacionismo “subordina evidência a declarações feitas
sob autoridade ou revelação”9 *e que “isso justifica a origem
da vida por meios sobrenaturais”. Tal rejeição imediata de

6 Astronomy and Cosmology (Astronomia e Cosmología), San Francisco:


Freeman, 1975, p. 684
7 Journal of the Evangelical Theological Society (Jornal da Sociedade Evan­
gélica Teológica), 1979,22 p. 282
8 The Fingerprint of God (As Impressões Digitais de Deus), Orange: Premisse
Pub. Co., 2aEdição
9 Scientific Creationism: A View from the National Academy of Science
(Criacionismo Científico: O Ponto de Vista da Academia Nacional de Ciências),
Washington: National Academy Press, 1984

21
Deus e Cosmos

através de Sua Palavra e de Suas obras.


Na visão tradicional, entretanto, a revelação geral con­
siste apenas na ¿zwto-revelação de Deus. Por Suas obras de
criação e providência o caráter invisível de Deus é revelado
(ver, por exemplo, Romanos 1:20). Depois da Queda, o conhe­
cimento humano a respeito de Deus através da revelação geral
tem sido obscurecido pelo pecado, de maneira tal que as
Escrituras e a graça do Espírito Santo são agora necessárias
para que o homem possa entender claramente a mensagem da
revelação geral.
Aqueles que rejeitam esta visão freqüentemente justifi­
cam isto apelando para uma avaliação mais expandida da
revelação geral. Por exemplo, David W. Diehl tem argumen­
tado que a revelação geral deve incluir não apenas o conheci­
mento de Deus, mas também o de Suas obras na natureza.110
que ele tem em mente é a observação da natureza e a teorização
científica, que vão além das observações. De acordo com Diehl,
alguns pontos de vista científicos que têm sido impopulares
entre teólogos, são tão bem estabelecidos que rejeitá-los seria
verdadeiramente anticientífico e injusto à revelação geral. As
formas de revelação especial e geral, afirma Diehl, devem ter
autoridade igual, cada uma tendo autoridade final dentro de
seu próprio domínio.
O que é devemos fazer diante disto? Com toda certeza,
poucos negariam a importância de nossas observações da natu­
reza. Neste sentido a revelação geral (eu prefiro aqui o termo
criação, ou natureza) é seguramente autoritativa: temos que
apelar para ela, ou pelo menos à nossa experiência a respeito
dela, como balizamento em todas as nossas teorizações
científicas.11
11 “Evangelicalism and general revelation: an unfinished agenda” (Evange-
licalismo e revelação geral: uma agenda não acabada), The Journal of the
Evangelical Theological Society (Jornal da Sociedade Evangélica Teológica),
1987,30, p.441.

24
As Questões Básicas

Além disso, é preciso buscar apoio nas regras da lógica


dedutiva. E evidente que Deus fez o universo de tal modo que
estas regras são aplicáveis. Deus dotou o homem, criado à
Sua imagem, com habilidades analíticas para usar essas leis,
embora o homem, devido à sua natureza finita e decaída,
possa cometer erros lógicos.
Contudo, nosso poder de raciocínio não está confinado
à meras aplicações da lógica, mas também à habilidade para
o pensamento teórico e imaginativo. Desafortunadamente,
nosso pensamento, particularmente depois da Queda, é uma
ferramenta controlada pelos nossos desejos interiores. Como
tal, ela pode ser facilmente desencaminhada: “porque do
coração procedem os maus pensamentos” (Mateus 15:19,).
Claramente o homem é responsável pelos seus pensamentos, e
conseqüentemente pelos resultados deles advindos, o que
inclui teorias científicas. Finalmente, como já vimos, teorias
científicas não passam de invenções especulativas, produto da
mente criativa do homem.
Uma epistemología apropriada atribuirá portanto um alto
peso às Escrituras, às observações e à lógica. Todas essas fontes
são dadas por Deus e devem portanto estar em harmonia, cons­
tituindo a pedra de toque do nosso conhecimento. Por outro
lado, a teorização humana, em todas as suas formas deve ser
colocada numa categoria muito inferior de conhecimento. Se
ela não passar no teste da lógica, da observação e das Escritu­
ras, certamente ela deve ser rejeitada como falsa. Mesmo se ela
passar por esses testes, ainda assim precisamos ser cautelosos:
qualquer alegação ou reivindicação que vá além das observa­
ções e das Escrituras provavelmente será falsa.
A dificuldade com a posição de Diehl, como eu argumen­
tei em maiores detalhes em outra parte,12 resulta quando ele

12 “General Revelation and Evangelicalism” (Revelação Geral e Evangelica-


lismo), Mid-América Journal of Theology, 1989,5, pp.1-13.

25
Deus e Cosmos

estende o conteúdo da “revelação geral” indo além dos dados


observacionais e da lógica, para incluir também teorias cientí­
ficas. Se, como Diehl crê, a revelação geral é infalível, então
tal infalibilidade deve também ser outorgada a certas teorias
científicas. Mas quais delas? A história da ciência está repleta
de exemplos de teorias científicas que foram uma vez susten­
tadas como verdades indubitáveis, as quais depois foram
descartadas como falsas. O exemplo mais famoso desses casos
é o da mecânica newtoniana que por séculos foi considerada
como absolutamente verdadeira, e posteriormente foi destro­
nada pela teoria da relatividade de Einstein. Infelizmente Diehl
não oferece qualquer critério através do qual possamos
distinguir as teorias verdadeiras das falsas, ou pelo menos
julgar relativa exatidão.
Desde o início da revolução científica a noção de que Deus
tem revelado verdades em dois livros, as Escrituras e a nature­
za, foi amplamente usada como meio de reconciliação entre a
ciência e as Escrituras. Historicamente, contudo, a doutrina
dos dois livros tem conduzido a um declínio da autoridade
bíblica. Uma vez admitindo a premissa de que algumas teori­
as científicas podem ser tomadas como verdades divinas,
estaremos, em essência, permitindo que o “livro da ciência”
modifique as Escrituras. Na falta de um critério válido através
do qual possamos inventar e detectar teorias corretas, nossa
leitura da Bíblia estará para sempre numa condição de fluxo,
à mercê das ondas das teorias científicas correntemente em
voga.
Em resumo, um problema de capital importância na
reconciliação entre a ciência e as Escrituras é aquilo que pode­
mos chamar de o problema do conhecimento científico: não há um
critério justificável para a constatação de teorias verdadeiras.
O único lugar onde é relativamente fácil traçar uma linha
demarcatória é entre as observações e as teorias que são conce­
bidas para explicar ou ampliar a extensão de tais observações.

26
As Questões Básicas

E aqui é necessário dizer “relativamente” pois mesmo nossas


observações são, até certo ponto, oneradas ou afetadas por
teorias. Por exemplo, nossas teorias determinam que aspectos
da realidade serão observadas. Contudo, ainda assim, nossas
observações são muito mais seguras ou isentas do que suas
extrapolações teóricas. Podemos aceitar como fatos científicos
apenas os dados realmente observados. Ao darmos o primeiro
passo além das observações, já estaremos à mercê das ondas,
em pleno mar da especulação subjetiva.

Interpretando a Bíblia

Até aqui eu tenho defendido a idéia de que o comprome­


timento religioso pode influenciar a teorização cosmológica e
que a revelação divina relevante deve ser limitada à revelação
especial. Mas o que tem a Bíblia a dizer a respeito de assuntos
cosmológicos? Como devemos interpretar aquelas passagens
que parecem tratar dessas questões? Que princípios herme­
nêuticos deveriam ser empregados?
A questão da interpretação apropriada das Escrituras
tem sido discutida desde os primórdios do cristianismo. Agos­
tinho, e depois Aquino, argumentaram que a Bíblia deveria
ser tomada em seu sentido literal, a menos que evidências
internas das Escrituras mostrassem conclusivamente que a
interpretação não literal seria requerida. Quanto às asserções
do conhecimento natural, estas deveriam ser subpostas pelas
Escrituras, a menos que provadas como verdadeiras. A mais
simples palavra de Deus deveria ter precedência sobre a mais
grave, lastreada, ou endossada palavra de homem, a menos que
esta pudesse ser conclusivamente demonstrada. Em tal caso,
como não pode haver conflito entre a Palavra de Deus e a ver­
dade, é evidente que uma outra interpretação seria requerida.
Mas o que poderia ser considerado como prova válida da
exatidão de qualquer item do conhecimento extra-bíblico?

27
Deus e Cosmos

concordismo, Young opta pelo que equivale a uma limitação


da autoridade bíblica. Ele advoga que devamos tratar Gênesis,
capítulo 1, não como um relatório científico ou histórico, mas
como uma peça de literatura antiga com bem definidos
padrões de pensamento, estruturas, símbolos, imagens inten­
cionadas para representar verdades teológicas.15
Em anos recentes a natureza e a extensão da autoridade
bíblica têm sido muito discutidas também no meio evangéli­
co. Uma posição de popularidade crescente é a de que ciência
e Escrituras não se contradizem uma à outra, mas se comple­
mentam uma à outra. Howard Van Till, um astrônomo cristão,
e colega de Young, tem apoiado vigorosamente este ponto
de vista. Como já mencionamos, Van Till crê que a ciência
deve ser neutra concernente à religião. As visões evolucio­
nista e bíblica do cosmos são descrições complementares que
respondem diferentes tipos de questões. A ciência revela in­
formações sobre a estrutura física e passado histórico do
universo; a Bíblia relata a relação entre o universo e Deus.
A ciência responde a questões “quando” e “como”; a Bíblia
responde a questões “quem” e “porquê”.16
A dificuldade com esta solução é que a própria Bíblia não
sugere que sua autoridade seja limitada a questões teológicas
de “quem” e “porquê”. Pelo contrário, parece que ela trata bem
específicamente de assuntos referentes às origens do universo
físico. Com que base podemos então estabelecer fronteiras
para sua autoridade, e como podemos determinar até onde
vão tais fronteiras?
Van Till tenta traçar uma linha demarcatória fazendo
distinção entre o conteúdo divino da história bíblica e o invó­
lucro ou acondicionamento humano no qual ela é apresentada.

15“Scripture in the hand of geologists” (As Escrituras nas mãos dos geólogos),
Westminster Theological Journal, 1987,49, p.303.
16 The Fourth Day (O Quarto Dia), Grand Rapids: Eerdmans, pp. 193-215

30
As Questões Básicas

O ímpeto teológico de uma verdade bíblica pode ser tomado


como digno de confiança, mas não os detalhes específicos que
formam seu “invólucro”. Ele explica:

Assim, nós, como leitores das Escrituras, devemos ser diligen­


tes em nossos estudos e orações, para, com sabedoria, separarmos
o conteúdo (os ensinamentos confiáveis de Deus) do veículo ou
invólucro. Desconsiderar esta separação seria tolice tal como
tentar comer uma barra de chocolate sem antes remover a sua
embalagem)1

Contudo, alguém poderá perguntar como pode Van Till


ter tanta certeza de que o invólucro, ou forma de apresenta­
ção, não seja também divinamente inspirado. Como podere­
mos, na falta de um critério claro e divinamente ratificado,
desenredar a mensagem divina, separando-a de seus alegados
acondicionamentos humanos? Por último, o discernimento
do ensino divino contido nas Escrituras seria deixado aos
caprichos subjetivos do leitor individual.
E claro que existem outras opiniões além das categorias
de concordismo e complementarismo acima citadas. Alguém
poderá considerar as Escrituras e a ciência, as duas, como mais
ou menos interdependentes. Contudo, se chegarmos ao ponto
de envolver qualquer redução da autoridade bíblica, então as
mesmas considerações acima se aplicam.
Concluímos que, enquanto o concordismo indevidamente
distorce a mensagem bíblica através de sua hermenêutica
elástica, o complementarismo igualmente a distorce pela
imposição de limites não autorizados à autoridade bíblica.
Aqueles que desejam mudar a leitura tradicional da Bíblia
são importunados pela ausência de um critério válido e claro
para separar o trigo da palha que alegam existir. Como já

17 The Fourth Day (O Quarto Dia), Grand Rapids: Eerdmans, pp. 15-16.

31
Deus e Cosmos

disseram, se não pudermos aceitar todas as Escrituras como


autoritativas, como poderemos ter certeza de que qualquer
porção delas é autoritativa?
Devemos mencionar que a afirmação da supremacia
epistemológica das Escrituras implica na sua inerrância. Se
aceitarmos as Escrituras como o padrão de referência mais alto,
então não há outro padrão ou meio para testar sua exatidão;
assim, sua inerrância é pressuposta como ponto de partida. Se
seguimos o princípio de que as Escrituras devem interpretar
as Escrituras, então nossa interpretação das Escrituras exige
consistência interna. Não pode haver contradições internas.
E, é claro, desde que a Bíblia de fato faz predições específicas
a respeito do futuro, as alegações bíblicas são afinal testáveis.
Ao mesmo tempo, entretanto, é mister resistir à tentação de
“provar” sua inerrância ao recorrer às evidências científicas,
pois isso afinal faria do cientista, falível ser humano, juiz
sobre as Escrituras. A inerrância é nosso ponto de partida, não
nossa conclusão.
Mas, em nossos dias, seria sustentável a interpretação
tradicional de Escrituras absolutamente autoritativas? Essa é
a questão primária com a qual lidaremos nos capítulos seguin­
tes. É necessário observar que, se os “fatos” científicos forem
restritos à observação direta, então pouco conflito real subsis­
tirá entre a Bíblia e o conhecimento científico. Afinal, a
Bíblia se ocupa com eventos num passado distante, ou num
(ainda não observado) futuro, e no (invisível) domínio espiri­
tual; por outro lado, observações científicas se ocupam com
apenas o presente e o passado bem recente. As colisões ou
conflitos acontecem primariamente entre a Bíblia e a teorização
científica. A questão fundamental que precisa ser estudada é,
portanto, se as teorias científicas e a moderna cosmologia,
incertas como são, podem, apesar de tudo, ser suficientemente
aceitas e estabelecidas a ponto de justificar sua elevação acima
das Escrituras.

32
As Questões Básicas

Perspectiva

Feito um preâmbulo sobre as primeiras questões relati­


vas à ciência e as Escrituras, deixem-me rapidamente esboçar
nosso percurso para o restante deste livro. Nosso estudo
focalizará três questões básicas.

1. O que a teologia tem a dizer sobre cosmologia?


De que modo as considerações teológicas têm influencia­
do a construção, abordagem e seleção de teorias cosmológicas?
O que tem a Bíblia a dizer sobre cosmologia?

2. O que a cosmologia tem a dizer sobre teologia?


De que formas têm os modelos cosmológicos influencia­
do a teologia? Que conseqüências teológicas podem advir da
cosmologia do Big Bang? Qual o grau de confiabilidade dos
modelos cosmológicos?

No próximo capítulo daremos início à um breve exame


da cosmologia medieval, suas conexões teológicas, e os fatores
que determinaram a mudança que, partindo dos conceitos
medievais, levaram à cosmologia moderna. O capítulo seguinte
àquele tratará da cosmologia do Big Bang, apresentará consi­
derações sobre seus pontos fortes e fracos, e examinará as
premissas básicas nas quais esse modelo se apoia. Várias
interpretações cosmológicas alternativas das evidências
observacionais serão apresentadas.
Os capítulos seguintes examinarão as várias implicações
teológicas decorrentes da cosmologia do Big Bang. Evidên­
cias cosmológicas têm sido usadas em várias provas para a
existência de Deus. A validade de tais provas será assunto de
um capítulo. Outro capítulo abordará o futuro do universo,
particularmente no tocante à vida. A possibilidade de vida
extraterrestre também será examinada. Apoiadores da

33
Deus e Cosmos

cosmologia moderna têm proposto uma variedade de deuses,


alegando serem estes mais prováveis no mundo moderno do
que o Deus dos cristãos. Esses deuses estranhos, e a esperança
que eles possam representar para uma vida depois desta, serão
também abordados num capítulo posterior.
Em seguida, examinaremos o que a Bíblia tem a dizer
sobre assuntos cosmológicos. Um capítulo será dedicado a
examinar vários modelos cosmológicos construídos a partir
de premissas bíblicas. A validade, função e utilidade de tais
modelos serão discutidos, particularmente tendo em vista o
seu emprego ou utilidade como ferramenta apologética. O
capítulo final resumirá as conclusões alcançadas.

34
2
Um Breve Esboço Histórico
Primeiramente faremos uma rápida revisão da história
da cosmologia. Nosso foco principal estará na cosmologia
medieval, uma combinação deveras ambiciosa de ciência e
teologia. Para estabelecermos uma base será necessário estu­
darmos primeiro a cosmologia antiga, particularmente a dos
gregos. Mais tarde examinaremos o declínio da cosmologia
medieval e os subseqüentes desenvolvimentos cosmológicos
até o começo do século vinte.

Cosmologia Antiga

Todas as civilizações antigas tiveram suas cosmologias, suas


noções a respeito de como o mundo veio a existir e como fora
estruturado. Através da história o homem tem-se preocupado
em como entender e explicar o mundo em que ele vive.
O primeiro homem, Adão, indubitavelmente sabia
muito bem como Deus havia criado o universo. Muitos
detalhes são ainda preservados para nosso conhecimento
através dos registros sobre a criação em Gênesis, os quais
formaram a base para a cosmologia judaica. Outras cosmolo­
gias antigas são em grande parte distorções da história
original da criação. Os mitos da criação originários da
Mesopotâmia e Egito, datados de pelo menos 2000 anos a.C.,
descrevem o mundo como começando num abismo de
água, do qual gradualmente emergiu um espírito cego e sem
forma. A mistura ou matização desse espírito com o abismo

35
Deus e Cosmos

de água produziu os vários deuses e deusas bem como os


componentes do mundo presente. A função principal desses
deuses era servir e proteger a espécie humana.
Além do seu interesse pela origem do universo, o homem
antigo tinha um aguçado senso de observação do universo,
particularmente o firmamento repleto de estrelas. Os babilô­
nios, por exemplo, desde antes de 2.000 anos a.C. já haviam
dividido o firmamento nas constelações do Zodíaco, compi­
lado um catálogo de estrelas e registrado os movimentos dos
planetas. Eles eram capazes de prever eclipses, preparar
calendários e antever as estações do ano e as fases da lua. Con­
tudo, eles não tentaram explicar as observações celestes por
meio de teorias cosmológicas ou modelos. Eles coletaram e
registraram muitas observações, mas não as unificaram por
meio de princípios teóricos.

Origens da Cosmologia Grega

Os primeiros modelos científicos do universo surgiram


com o pensamento grego. Os filósofos gregos rejeitavam
mágica e mito; eles se empenhavam por obter explicações
naturalistas para o universo. Apoiando-se firmemente em
observações criteriosas e pensamento crítico eles desenvolve­
ram modelos matemáticos simplificados para o universo.
Esses ainda são os elementos fundamentais da ciência como
praticada hoje.
A origem da ciência e filosofia data desde Tales (621-543
a.C.), um nativo de Mileto, Jônia. Tales tornou-se famoso em
585 a.C. pela previsão de um eclipse solar. Ele reduziu a
multiplicidade do universo à unidade, postulando que todas
as coisas eram afinal compostas de uma única e toda-pene-
trante substância: a água. De acordo com Tales o mundo
evoluiu a partir da água por meios puramente naturais.
Anaximandro, um jovem companheiro e colega de Tales

36
Um Breve Esboço Histórico

rejeitou a noção de que a água era o elemento básico do


universo. Ele postulou que todas as coisas consistiam da
combinação de quatro substâncias básicas: água, ar, fogo e terra.
Esses elementos seriam, por sua vez, derivados de uma subs­
tância mais básica chamada apeiron, que significa ilimitado. No
princípio, havia apenas apeiron. O ar, o fogo, a água e a terra
foram formados a partir do primordial apeiron por meio de
um movimento giratório que produziu a separação dos vários
elementos. Este princípio giratório ao mesmo tempo explica­
va o movimento das estrelas. No centro do universo achava-se
a Terra, a qual era cilíndrica em sua forma. Os homens viviam
numa das faces planas de tal cilindro.
A partir destes começos, os gregos construíram uma
multidão de modelos cosmológicos. Geralmente eles se esfor­
çavam por explicar o universo em termos de algum elemento
chave fundamental, princípio físico, ou conceito numérico.
Foram muitos os gregos que afirmavam ser o universo o pro­
duto de ou sujeito ao governo de uma inteligência racional.
Mas também haviam aqueles que rejeitavam qualquer noção
de divindade.
Entre estes últimos estavam os atomistas Lêucipo (quin­
to século a.C.) e Demócrito (quinto/quarto século a.C.).
Lêucipo acreditava que o universo era constituído de apenas
duas coisas: átomos e espaço vazio. Os átomos, infinitos em
número, moviam-se através do espaço infinito; a colisão de
átomos resultava na formação de novos objetos. Eventualmente
esses novos objetos, por um processo de decadência, voltavam
aos átomos individuais. Tal universo de mundos infinitos
estava num constante estado de fluxo, produzindo uma varie­
dade ilimitada de objetos. Afirmando que o universo sempre
existiu desde a eternidade os atomistas tentavam assim evitar
a necessidade de um criador ou de um arquiteto.
Mesmo tendo .o modelo atomista um distinto sabor
moderno, ele exerceu pouca influência sobre a cosmologia

37
Deus e Cosmos

medieval. De fato, apesar da grande variedade da cosmologia


grega, o único sistema que influenciou de modo significativo
a cosmologia medieval foi aquele derivado dos dois maiores
filósofos da antigüidade: Platão (427-347 a.C.) e seu aluno
Aristóteles (384-322 a.C.)

Cosmologia Clássica

A característica essencial do sistema cosmológico de


Platão foi apresentada em seu livro Timaeus (Timeu). Platão
acreditava que o Criador fez o universo de acordo com um
plano racional. Por aquela época havia se tornado comumente
aceita - pelo menos entre os filósofos - a idéia de que a Terra
tinha forma esférica. A esfera terrestre ocupava o centro do
universo (ver Figura 2.1). Ela era formada de terra, água, ar
e fogo. Ao redor da Terra havia sete esferas planetárias, e uma
oitava esfera exterior para as estrelas. Essa esfera exterior,
contendo as estrelas, executava uma rotação diária; as esferas
intermediárias, contendo os planetas executavam rotações em
velocidades variadas. O movimento das esferas era causado
por espíritos inteligentes. Tudo na Terra era imperfeito e em
mutação, ao passo que os objetos celestes eram perfeitos.
Todas as coisas eram organizadas hierarquicamente, de
acordo com suas dignidades inerentes e perfeição; o cosmos
como um todo prestava testemunho da existência de Deus e
a preocupação dEle com a Sua criação. De acordo com Platão,
o mundo não é eterno. Ao invés disto, ele foi feito pelo
Criador a partir de um modelo previamente presente em Sua
mente. Tudo havia sido formado a partir de um caos inicial,
de acordo com um plano perfeito. Também o tempo havia
sido criado como a mais perfeita imitação possível da eter­
nidade.
A cosmologia de Platão foi posteriormente desenvolvida
por Aristóteles. A esfera sublunar, interna, conteria os quatro

38
Um Breve Esboço Histórico

Figura 2.1: O Universo Geocéntrico, segundo Peter Apian, da


obra de sua autoría Cosmographicus Liber (1539). Observar as
esferas internas de terra, água, ar e fogo. (Estes e outros diagra­
mas cosmológicos, inclusive as Figuras 2.3 e 2.5-7, aparecem
na obra de S. K. Henninger, The Cosmological Glass: Renaissance
Diagrams of the Universe, San Marino, Calif.: Huntington
Library, 1977.)

39
Deus e Cosmos

elementos terrestres: terra, água, ar e fogo. O restante do


universo conteria um quinto elemento chamado éter. O movi­
mento natural dos quatro elementos terrestres era para cima e
para baixo. Por este movimento eles encontravam seus lugares
próprios de acordo com seus pesos. O movimento natural do
éter era um perfeito movimento circular ao redor da Terra.
Como cada movimento necessita ter uma causa, deveria
haver um imóvel causador primário, situado além da esfera
das estrelas fixas. Esse causador primário dava movimento à
esfera móvel mais exterior. A partir dessa esfera mais exterior
o movimento era então transmitido às outras esferas, manten­
do assim em movimento o sistema como um todo. Aristóteles
sustentava que o movedor primário mantinha o movimento
de tudo “por ser amado”. Tanto Aristóteles como Platão criam
que a ordem do universo apontava para a existência de um
Criador.
O movimento perfeito das esferas etéreas, controlado por
agentes inteligentes, era sem princípio e sem fim. Ao contrá­
rio de Platão, Aristóteles sustentava que o universo existia
essencialmente imutável deste a eternidade. Como a fronteira
exterior do universo girava em torno da Terra num tempo finito
(cada 24 horas), decorria daí que o universo era necessaria­
mente finito.

Redimindo o Fenômeno

Esta ambiciosa cosmologia tinha contudo uma grande


deficiência. Ao mesmo tempo em que as estrelas fixas
apresentavam um movimento circular perfeito, as estrelas
“errantes” (isto é, os planetas) não seguiam tais órbitas sim­
ples. Seus movimentos diferiam significativamente daquele
movimento de velocidade uniforme, segundo círculos per­
feitos. Tal observação já havia sido feita por Platão, o qual
havia designado a seus estudantes o problema de desenvolver

40
Um Breve Esboço Histórico

hipóteses matemáticas que “salvassem as aparências”. Assim,


aos astrônomos havia sido designada a tarefa de reconciliar
teoria e prática. Como poderiam os complicados movimentos
dos planetas ser reduzidos a movimentos circulares uniformes?
Aristóteles tentou resolver o problema, porém a alto custo: ele
necessitou de cinqüenta e cinco esferas intermediárias.1 Mes­
mo assim, seu sistema mostrou-se deficiente de observações.
O problema foi eventualmente resolvido através dos
esforços de Claudius Ptolomeu, aproximadamente em 150 d.C.
Ptolomeu inventou um número de novos dispositivos geo­
métricos: o epiciclo (um pequeno círculo superposto sobre um
círculo maior denominado deferente), o excêntrico (um disposi­
tivo que fazia o centro do círculo girar fora de centro em torno
da Terra) e o equântico (outro ponto fora de centro, de onde as
velocidades eram calculadas, de modo a fazê-las uniformes).
Esses conceitos estão todos ilustrados na Figura 2.2.0 modelo
geométrico resultante funcionou muito bem: ele produziu
resultados que se aproximavam muito dos movimentos ob­
servados e permitiu que os astrônomos fizessem previsões
sobre futuras posições dos planetas. Contudo, no caso de
alguns planetas tornou-se forçoso acrescentar alguns epiciclos
menores, que girassem em torno de outros epiciclos maiores,
permitindo assim ajustar de modo adequado a descrição dos
movimentos observados. O sistema ptolomaico completo
consistia de quarenta epiciclos.
Entretanto, apesar de seu sucesso prático, o modelo não
pôde dar explicação física para o movimento dos planetas. Na
verdade, no modelo cosmológico aristotélico de esferas
sólidas girando em torno da Terra central, movimentos corres­
pondentes a epiciclos, excêntricos e equânticos eram fisica­
mente impossíveis. Para defender seu modelo mate-mático1

1 Ver N. Max Wildiers, The Theologian and His Universe (O Teólogo e Seu
Universo), New York: Seabury Press, 1982.

41
Deus e Cosmos

Figura 2.2: Teoria Epicíclica: Um planeta orbita em torno de


um círculo menor, seu epiciclo, e este, por sua vez, orbita em
torno de um círculo maior, seu deferente. O círculo deferente é
excêntrico quando seu centro não é a terra. O eqüante é um
ponto não central em torno do qual move o epiciclo a uma
velocidade angular constante.

42
Um Breve Esboço Histórico

Ptolomeu adotou um ponto de vista anti-realista (também


chamado “instrumentista”) das teorias científicas, alegando que
hipóteses científicas eram nada mais que ficções úteis - ou
instrumentos - que permitiam previsões práticas. Seu critério
principal em escolher teorias era (1) precisão em “salvar as
aparências” e (2) simplicidade máxima. Ptolomeu acreditava
que explicações físicas eram necessariamente especulativas,
que os filósofos jamais chegariam a um acordo a respeito
delas, e que somente modelos matemáticos poderiam produ­
zir conclusões sólidas, livres de dúvidas.
Este ponto de vista sobre teorização científica era bem
diferente da posição rival “realista” que havia sido defendida
por Aristóteles, o qual acreditava que teorias deveriam fazer
mais do que simplesmente ajustar as observações: elas
também deveríam estar de acordo com a verdadeira natureza
das coisas. Assim, seus seguidores rejeitaram o sistema
ptolomaico, pois este era contrário aos princípios da física
aristotélica. A luta entre os pontos de vista realista e instru­
mentalista sobre teorização científica continua até os dias
atuais, com os realistas alegando que suas teorias retratam
verdades mais profundas da realidade e os instrumentalistas
questionando a capacidade da ciência de penetrar além dos
fenômenos observados.2

A Cosmologia Medieval

Os Pais da Igreja Primitiva lutavam com o problema de


como reconciliar a Bíblia e o pensamento científico dos
gregos. Para isto diferentes abordagens foram adotadas. Uma
das escolas de pensamento, principalmente associada com a

2 Para uma breve visão, ver John Byl, “Instrumentalism: A Third Option”
(Instrumentalismo: Uma Terceira Opção), Journal of the American Scientific
Affiliation, 1985,37, pp.11-18.

43
Deus e Cosmos

Igreja Síria, adotou uma atitude bastante negativa contra a


cosmologia grega. Insistindo que a verdade só poderia ser
encontrada na Palavra de Deus, eles dispensaram a ciência
grega e sua filosofia. Por outro lado havia aqueles, particu­
larmente em Alexandria, que se mostravam muito impres­
sionados com o saber grego. Eles tentaram harmonizar as
Escrituras com os ensinamentos pagãos. Mais popular,
entretanto, era a abordagem intermediária que fazia grande
uso do pensamento grego, mas ao mesmo tempo mantendo o
vínculo com o senso histórico das Escrituras, e rejeitando o
ensinamento pagão onde houvesse conflito. Esta visão consti­
tuiria a base para a cosmologia medieval.

A Perfeita Harmonia

Muitos Pais da Igreja Primitiva viam similaridades entre


os ensinamentos cosmológicos de Platão e o primeiro capítulo
de Gênesis. De fato, acreditava-se que Platão fora de algum
modo influenciado por Moisés. Em ambos os casos, por exem­
plo, um único Criador criou o cosmos de acordo com um
plano racional, e o foco do universo era sobre a Terra centrada
no homem.
A cosmologia de Platão fora incorporada na teologia
cristã largamente através dos escritos pseudo-Dionísio, publi­
cados por volta de 500 d.C. (Platão alegava que sua obra era a
de Dionisio, que fora convertido por intermédio do apóstolo
Paulo em Atenas, como registrado em ritos 17:34). Na Idade
Média sua obra era amplamente aceita como genuína, e se
tornou muito influente, sendo aceita como a mais alta autori­
dade depois das Escrituras.
O Pseudo-Dionísio interpretou a hierarquia dos espíritos
de Platão, e entendeu serem anjos os espíritos que moviam as
esferas. Ele classificou os anjos mencionados nas Escrituras
numa hierarquia de nove ordens, uma para cada esfera celeste.

44
Um Breve Esboço Histórico

Figura 2.3: A Visão Medieval do Universo, extraído da obra


Liber Chronicarium (1493) de Schedel. Observar as nove or­
dens de anjos, enumeradas à esquerda, ladeando o trono de
Deus.

45
Deus e Cosmos

Tal classificação, organização, listava, em ordem ascendente:


anjos, arcanjos (7 Tessalonicenses 4:16), principados, poderes,
potestades, domínios (Efésios 1:21), tronos (Colossenses 1:16),
querubins (Ezequiel, capítulo 10), e serafins (Isaías, capítulo
6). Acima da hierarquia dos anjos, na décima esfera, estava a
habitação de Deus: o céu empíreo (ver Figuras 2.1 e 2.3). O
universo era assim povoado por uma cadeia contínua de
criaturas, estendendo-se desde Deus, no mais alto céu, até a
mais baixa habitação do inferno, no centro da Terra. É neces­
sário enfatizar que o homem medieval acreditava ser a Terra
um globo, e não uma superfície achatada como comumente,
mas erroneamente, se afirma. Embora no início da Idade Mé­
dia houvesse alguns autores que defendessem a planicidade
da Terra, virtualmente todos os escritores da fase final da Ida­
de Média concordavam ser a Terra uma esfera.3
A cosmologia medieval atingiu seu desenvolvimento
mais completo através da obra de Bonaventura (1221-1274) e
Tomás de Aquino (1224-1274). Aquino, em particular, estava
preocupado com a reconciliação da filosofia de Aristóteles, cuja
obra havia sido recentemente redescoberta, e a teologia cristã.
A principal dificuldade com Aristóteles era sua insistência
de que o mundo era eterno. Neste ponto Aquino afirmou
que, embora Deus pudesse ter criado um mundo de eterna
duração, a revelação de Deus indica que o universo começou a
existir num tempo finito do passado.
Na cosmologia medieval o universo era considerado como
uma máquina perfeitamente ordenada, consistindo primaria­
mente de um sistema de esferas, umas dentro das outras, como
as várias camadas de uma cebola. Ao centro ficava a Terra fixa,
composta das quatro áreas elementares: terra, água, ar e fogo.
A seguir vinham sete áreas, contendo a Lua, Mercúrio, Vénus,

3 C. S. Lewis, The Discarded Image (Almagem Descartada), Cambridge: The


University Press, 1964, p. 140.

46
Um Breve Esboço Histórico

o Sol, Marte, Júpiter e Saturno. Todas estas, envolvidas pelas


três áreas celestiais: uma para as estrelas, uma para o firma­
mento cristalino (referindo-se às águas de Gênesis 1:6) e uma
para o empíreo, a habitação de Deus. Isto era essencialmente o
mesmo cosmos de Aristóteles, exceto que o “vazio” além da
área estelar era agora substituído pela habitação celeste de
Deus.
Em linha com Platão e Aristóteles, acreditava-se que
havia uma diferença fundamental entre as esferas celeste e
terrestre. Os objetos terrestres eram imperfeitos e transitórios,
enquanto que os corpos celestes eram perfeitos e imperecíveis.
A perfeição dos corpos celestes era ilustrada pelo seus movi­
mentos circulares, em oposição aos movimentos mais lineares
da matéria terrestre. O mundo era constituído de uma enorme
estrutura hierárquica organizada desde os níveis mais baixos,
começando com o centro da Terra, onde era localizado o infer­
no, passando pelas várias divisões na sociedade e Igreja,
atravessando as áreas planetárias, até atingir a perfeição máxi­
ma do empíreo (Figura 2.4). Este mecanismo mundial era
posto em movimento por Deus mediante os anjos que movi­
am as várias áreas. Os planetas, através de seus movimentos,
exerciam influência em todas as coisas físicas da Terra, e eram
portanto instrumentos usados por Deus para fazer ocorrer os
eventos materiais. Era para o benefício do homem, a coroa da
criação, que Deus continuamente dirigia o mundo.
Se por um lado a estrutura do cosmo medieval devia
muito ao pensamento grego, por outro lado o relatório de
sua origem, era baseado na Bíblia. Ao longo da Idade Média
inúmeros comentários a respeito dos seis dias da criação
foram escritos. Quanto à data da criação, virtualmente a opi­
nião unânime - baseada nas genealogias de Gênesis e outras
informações cronológicas da Bíblia - era de que o mundo
havia sido criado há apenas poucos milhares de anos antes de
Cristo.

47
Deus e cosmos

Figura 2.4: A visão do Universo apresentada pelo poeta italiano


Dante Alighieri (1265-1321) em sua obra The Divine Comedy (A
Divina Comédia).
IX Esfera Cristalina, Primum Mobile
VIII Esfera das estrelas fixas - 0 Zodíaco
vn Esfera de Saturno III Esfera de Vénus
VI Esfera de Júpiter II Esfera de Mercúrio
V Esfera de Marte I Esfera da Lua
IV Esfera do Sol

48
Um Breve Esboço Histórico

A concepção medieval do universo atingiu uma unidade


harmônica envolvendo os conceitos de Deus, o mundo, e o
homem. O universo era encarado como refletindo tanto a
sabedoria quanto o amor de Deus: sabedoria, porque tudo
demonstrava perfeita ordem, e amor, porque expressava a
preocupação de Deus para com o homem.
Em resumo, o universo medieval era um todo perfeita­
mente organizado. Era estático, hierárquico, e antropocêntrico.
Infelizmente, a harmonia entre cosmologia e teologia provou
ser uma fraqueza, pois a morte da cosmologia medieval,
para muitos, levou à ruína a teologia que a acompanhava.

O Fim da Cosmologia Medieval

O harmonioso casamento entre ciência e teologia per­


maneceria como a cosmologia dominante até o século
dezessete. Um número de fatores causou seu colapso final.
Dentre aqueles fatores, o principal foi a tendência da ciência
de atribuir grande peso à observação direta, em vez de se apoiar
na autoridade dos antigos. Consequentemente tornou-se
evidente, particularmente no século dezesseis, que a física
aristotélica e a astronomia ptolomaica eram deficientes.
Assim, por exemplo, sério prejuízo foi causado pelos
dois eventos registrados pelo astrônomo Tycho Brahe (1546-
1601). Em 11 de novembro de 1572 ele observou uma nova
estrela (isto é, uma “nova”). Isto punha em contradição a
doutrina de que toda mudança estava confinada à área sublu­
nar terrestre. Pouco tempo depois, Tycho Brahe demonstrou
que o grande cometa de 1577 não era um fenômeno sublunar,
como os cometas eram então considerados, porém que estava
se movendo nas áreas planetárias. Isso estilhaçou a crença da
imutabilidade dos céus e a solidez das áreas celestes.
O telescópio, inventado apenas alguns anos depois, em
pouco tempo trouxe dificuldades mais sérias. Em 1610 Galileu

49
Deus e Cosmos

provou que a superfície da lua não era perfeita, como afirmava


Aristóteles, mas tinha montanhas e vales similares à Terra. Isso
sugeriu similitude entre matéria terrestre e matéria celeste.
Posteriormente, no século dezessete, tal similitude foi confir­
mada por Isaac Newton, que demonstrou serem as mesmas
leis físicas aplicáveis a ambas as esferas. O desenvolvimento
da mecânica newtoniana completou a destruição da física
aristotélica.

Galileu versus a Igreja

O mais sério impacto à cosmologia medieval, contudo,


foi a remoção da Terra do centro do universo. A noção de um
universo heliocêntrico já havia sido proposta pelo astrônomo
grego Aristarco de Samos (aprox. 310-230 a.C.). Embora
nunca tenha sido popular, esta idéia antiga havia sido
novamente apanhada por Nicolau Copérnico (1473-1543), na
esperança de que o modelo heliocêntrico viesse a simplifi­
car os cálculos das posições planetárias (Figura 2.5). Quanto a
isto, ele não foi muito bem sucedido: seu novo sistema acabou
por ser não menos complicado, requerendo quarenta e oito
epiciclos, comparado aos quarenta de Ptolomeu. Contudo,
ofereceu a vantagem de explicar de modo mais simples
algumas peculiaridades dos movimentos planetários, assim
como permitir o cálculo das distâncias relativas aos planetas.
Contudo, era ainda possível desenvolver modelos equiva­
lentes que mantinham a Terra no centro. Por exemplo, o
modelo de Tycho Brahe, onde os planetas giravam em torno
de um Sol que girava ao redor de uma Terra estacionária,
explicava os movimentos planetários do mesmo modo
como o fazia o sistema heliocêntrico (Figura 2.6).
A teoria de Copérnico não se tornou amplamente aceita
até o início do século 17, quando levou a um famoso episódio
na história da ciência. Quase todos os livros que tratam de

50
Um Breve Esboço Histórico

»1 m * 1 C Ot í t H t € I
íwtjn wwntm oxbdeüâri mqimei^»«wínai
dixímus * Oaittialoco V«na» »“»
Ima dUmu» fpadfttíreS
^tKMSKi rSod*

^kherfi»eem^fwç«d<ml»in« ftt aíMíid rHdíotí.ldcope»


Mídctocurn fouf.pofôfo hbmínaiNííSçuídbm. «oit:
imepf£gtíi<iamJcicemsin «wtfhalif mentem, aJ^reAarem «a»
tant THmegíftm «ifflbifem Dw»,Sefsfetw hkâia iwmewg
©mnsa.lua profaSa taoejuam sn folio r< gaíí Sed refidcoiarewm
■agenta«» JUboram Tellua âmx|r minimc
fraudUjsuHunsrí wímiherfo ,fíd wÁrfâeKal«« de attàHnlihua
me»«wataS Luna m rmaw^attonífaabet.Qjftdpíttntertai
Sofetetra,® âmjmgtMiwr amu^part^.ÍOTentoasfgktnrfiib
ha«

Figura 2.5 O Universo Heliocêntrico segundo Corpérnico,


extraído de sua obra De Revolutionibus Coelestium (1543).

51
Deus e Cosmos

ciência e cristianismo discutem a condenação proferida pela


igreja católica romana contra o cientista italiano Galileu Galilei
(1564-1642). Galileu promoveu a teoria de Copérnico de que
a Terra se movia em torno de um sol fixo. A igreja católica
romana afirmou ser isso contrário à Bíblia, a qual falava de
uma Terra fixa. Isso resultou em muito debate. Qual dos dois
estaria em movimento absoluto, a Terra ou o Sol? Embora
política, conflitos de classes, e física aristotélica tivessem
todos desempenhado papel importante na discussão, a prin­
cipal objeção levantada contra o modelo de universo de
Copérnico era de que tal modelo estava em conflito com a
leitura tradicional da Bíblia.
A principal dificuldade era que nenhuma das provas
apresentadas em favor do modelo de Copérnico era conclu­
siva. O formidável teólogo católico-romano, cardeal Roberto
Belarmino, consultor do Santo Ofício e um líder no julgamento
de Galileu, em 1616, frisou numa carta a Galileu:

Se houvesse uma prova real... de que o Sol não gira em tomo


da Terra, mas a Terra em tomo do Sol, então haveríamos de
proceder com grande cautela em explicar as passagens das Escri­
turas que parecem ensinar o contrário, e preferiríamos dizer que
não as entendemos a declarar uma opinião falsa que seja prova­
da como sendo verdadeira. Mas eu não acredito que haja uma
tal prova, desde que nenhuma me foi apresentada. Demonstrar
que as aparências são salvas através de supor o sol no centro e a
Terra no firmamento não é o mesmo que demonstrar que de fato
o sol está no centro... Eu creio que a primeira demonstração
possa existir, porém eu tenho graves dúvidas quanto à segunda; e
em caso de dúvida, não se deve abandonar as Sagradas Escritu­
ras tal como expostas pelos santos padres.4

4 Como citado por Arthur Koestler em The Sleepwalkers, Harmondsworth:


Penguin Books, 1968, p. 454.

52
Um Breve Esboço Histórico

Figura 2.6: O Sistema de Tycho Brahe, extraído de sua obra De


Mundi Aetherei Recentioribus Phaenomenis (1588).

53
Deus e Cosmos

Belarmino não mostrou dificuldade em aceitar o modelo


de Copérnico como uma hipótese útil. Todavia ele objetou que
tal hipótese fosse elevada à categoria de verdade: fazer tal coisa
requereria provas definitivas, provas essas que Galileu não
poderia suprir. Galileu apresentou uma certa dose de evidên­
cia, consistindo primariamente de observações feitas com o
recém-inventado telescópio. Isso incluía novidades tais
como os satélites de Júpiter, as fases de Vénus, as crateras da
Lua, e várias novas estrelas. Entretanto, embora tudo isto fos­
se consistente com o modelo de Copérnico, nenhuma dessas
observações supria prova evidente do caso. Todas aquelas
observações podiam ainda ser acomodadas dentro de um
modelo geocêntrico.
Em março de 1616 a Congregação Geral do Index regula­
mentou que a doutrina do movimento da Terra e imobilidade
do sol era “totalmente falsa e contrária às Escrituras”.5
O tratamento dado pela igreja católica ao caso de Galileu
tem causado aos cristãos embaraços sem fim. Após suportar
um ridículo de séculos, a igreja romana, em outubro de 1992,
finalmente reverteu seu julgamento sobre Galileu.
Mas, estaria em erro a igreja católica romana quanto a
sua condenação de Galileu? A questão não é tão clara como
supõe a maioria das pessoas. De fato, a questão de movimento
absoluto dificilmente poderia ser respondida em âmbito
científico. Está claro que as estrelas e a Terra estão em movi­
mento em relação umas às outras. No entanto isto pode ser
explicado por diferentes modos. Poderíamos tomar a Terra em
movimento em relação às estrelas fixas. Ou poderíamos tomar
as estrelas como movendo-se em relação a uma Terra fixa. Ou
poderíamos tomar ambos em movimento com relação a um
outro ponto fixo. Do ponto de vista observacional, todos esses

5 Como citado por Arthur Koestler em The Sleepwalkers, Harmondsworth:


Penguin Books, 1968, p. 462.

54
Um Breve Esboço Histórico

modelos são equivalentes, pois tudo que podemos observar é


o movimento relativo, e não o movimento absoluto. Alegar que
realmente é a Terra, e não o resto do universo físico, que está se
movendo, é ir além da evidência observacional. Ainda mais,
refletindo profundamente, que significado teria dizer que as
estrelas distantes estão em repouso? Em repouso com relação
a quê? Isso implica ou exige que haja algum outro recurso
do universo com relação ao qual o movimento das estrelas
pode ser medido. E isso por sua vez levanta a questão seguin­
te, sobre se este novo recurso está “em repouso” e com relação
a quê. E assim por diante.
Para ver se a Terra está “realmente” movendo-se é neces­
sário sair fora do universo físico e localizar-se num ponto fixo
em repouso. Isto, somente Deus pode fazer. Portanto, em
última análise, somente Deus pode responder adequada­
mente à questão de movimento absoluto.
Em resumo, a questão de determinar qual estaria em
movimento, a Terra ou o Sol, não é uma questão que possa ser
respondida através de investigação científica. Não há prova
direta do movimento da Terra, e nem pode haver. Em seu ní­
vel mais profundo, a questão até mesmo carece de significância
científica. A definição do que constitui um padrão “absoluto”
depende grandemente de considerações filosóficas não-
-observacionais.
Esta limitação do conhecimento científico tem sido
salientada por muitos cientistas e filósofos de renome. Atual­
mente, a questão de movimento absoluto tem sido, de modo
geral, reconhecida como sendo uma questão de cunho
não-científico. A citação abaixo é do famoso filósofo
britânico Bertrand Russell:

Antes de Copérnico as pessoas criam que a Terra era imóvel e


que o firmamento girava em torno dela, uma vez por dia.
Copérnico ensinou que “realmente” a Terra gira uma vez por

55
Deus e Cosmos

dia, e que a rotação diária do sol e das estrelas é apenas “aparen­


te”... Mas na teoria moderna a questão entre Copémico e seus
predecessores é apenas uma questão de conveniência; todo
movimento é relativo, e não há diferença entre as duas posições...
A astronomia toma-se mais fácil se considerarmos o Sol como
fixo, ao invés de considerarmos a Terra... Entretanto, dizer algo
além disso em favor de Copémico é assumir movimento abso­
luto, o que seria apenas ficção. Não passa de apenas convenção
tomarmos um corpo como fixo. Qualquer outra convenção
seria legítima, mas nem todas seriam convenientes.6

Em recente artigo7 foi demonstrado que, num universo


fechado, a relatividade geral prediz os mesmos efeitos, não
importando se tomamos a Terra fixa e consideramos o univer­
so girando em torno dela, ou se tomamos a Terra girando num
universo fixo: somente o movimento relativo tem importân­
cia física.

E risível que em círculos científicos haja certo des­
conforto a respeito da posição de Galileu. Após a recente
reabilitação de Galileu feita pelo Vaticano, a revista Nature,
um importante periódico britânico, em seu editorial de 5 de
novembro de 1992, p.2, advertiu o Vaticano por haver agido
tão tardiamente e com tanto rancor. Mas o editor prossegue
fazendo considerações sobre se a Terra gira em torno do Sol
em outro sentido que não o relativo, e acrescenta: “Galileu foi
provavelmente um cientista bom demais para se comprome­
ter com um ponto de vista absoluto”. Nisto o editor de Nature
está errado: foi exatamente a insistência de Galileu num

6 The ABC of Relativity (O ABC da Relatividade), Londres: Allen and Unwin,


1958, p.13.
7 D. Lynden-Bell, J. Katz e J. Bicak, “Mach’s Principle from the Relativistic
Constraint Equations” (O princípio de Mach das Equações da Limitação
Relativista), Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, 1995, 272,
pp. 150-160.

56
Um Breve Esboço Histórico

ponto de vista absoluto quanto ao movimento da Terra que


lhe causou tantos aborrecimentos.

Conseqüências Teológicas

A questão crucial no caso de Galileu era de epistemo­


logía. Em particular, o debate tornou-se violento sobre a
natureza e extensão da autoridade bíblica e o status das
teorias científicas. Como já observamos, Galileu apresentou
o sistema de Copérnico não como mera teoria, e sim como
verdade, verdade perante a qual as Escrituras, ou pelo menos
a interpretação das Escrituras sustentada pela igreja romana,
deveria se retratar. Ele defendeu uma visão realista das teorias
científicas, em oposição à sugestão instrumentalista mais
moderada proposta por Belarmino.
Galileu discutiu seu ponto de vista sobre a relação entre a
ciência e as Escrituras em sua Letter to the Grand Duchess
Christina (1615) (Carta à Grã-duquesa Cristina (1615). Ali ele
argumentou que certas passagens das Escrituras não deveriam
ser tomadas em sentido literal, sendo a seguinte uma das
razões para isso:

Essas proposições expressas pelo Espírito Santo foram


registradas pelos santos escribas de modo a acomodá-las à capa­
cidade de pessoas comuns, as quais são rudes e iletradas}

A segunda razão apresentada por Galileu89 foi que a


cosmologia é irrelevante ao propósito central da Bíblia, a qual

8 Letter to the Grand Duchess Christina (1615) in Discoveries and Opinions of


Galileo (Carta à Grã-duquesa Cristina (1615) em Descobertas e Opiniões de
Galileu), traduzido por Stillman Drake, New York: Doubleday Anchor, 1957, p.
182.
9 Ibid, p.188.

57
Deus e Cosmos

nos ensina como obter salvação: “As Escrituras nos dizem como
ir para o céu, não como estão indo os céus”. Galileu também
afirmou:
Eu penso que na discussão dos problemas físicos devemos
começar não a partir da autoridade das passagens das Escrituras,
mas a partir de experiências dos sentidos e suas necessárias
demonstrações... nada físico que a experiência sensorial exponha
ante nossos olhos, ou que a necessária demonstração nos prove,
deve ser questionado (menos ainda condenado) sob o testemu­
nho de passagens bíblicas que possam ter algum significado
diferente por trás das palavras. Temos que levar em conta, ao
examinar a doutrina de Moisés, que de todo modo evitemos
afirmar... qualquer coisa que contradiga a manifesta experiência
e o raciocínio filosófico ou as outras ciências. Pois toda verdade
deve estar de acordo com todas as outras verdades, assim, a ver­
dade das Sagradas Escrituras não pode ser contrária às razões
sólidas e experiências do conhecimento humano.10

Para os cristãos o drama da salvação tem sido sempre


central, e portanto mais importante que a natureza. Ora, Galileu
não apenas considera o livro da Natureza tão significante
quanto o livro das Escrituras, porém assume que o livro da
Natureza fala mais claramente que o livro das Escrituras. Com
Galileu, a inquirição científica da natureza adquiriu umstáíí/s
independente à qual todas as verdades devem conformar. A
atitude de Galileu já foi descrita como uma ameaça ao enten­
dimento cristão:

Uma tradição foi forjada na qual a crescente clareza discernida


através da natureza foi posta em contraste com a prevalecente

10 Letter to the Grand Duchess Christina (1615) in Discoveries and Opinions


of Galileo (Carta à Grã-duquesa Cristina (1615) em Descobertas e Opiniões de
Galileu), traduzido por Stillman Drake, New York: Doubleday Anchor, 1957, p.
182-186.

58
Um Breve Esboço Histórico

falta de clareza das Escrituras, com a esperança de que assim as


Escrituras pudessem ser purgadas de sua obscuridade. Em
retrospecto, está claro que isso somente pode ser conseguido por
uma lógica que não busca mais orientação da revelação bíblica,
mas de uma filosofia que determinou o conteúdo a partir de
seu próprio ângulo de visão. Em Galileu, uma base natural
independente para a religião começou a determinar o entendi­
mento bíblico da revelação. Disso, Galileu certamente não
estava cônscio.11

Se Galileu estava cônscio disso ou não, sua posição foi


baseada numa epistemología que levou a uma lenta mas
constante redução da autoridade bíblica.
Muitos outros que aceitaram a nova astronomia também
aceitaram o ponto de vista de Galileu a respeito da relação
entre os dois Livros. O proeminente astrônomo alemão
Johannes Kepler (1571-1630), o qual também estava muito
preocupado em reconciliar a ciência e as Escrituras, estava
preparado para reinterpretar as Escrituras de um modo mais
flexível, através da amplamente apoiada noção da acomo­
dação.
Essa posição foi contraposta por vários teólogos que
insistiram na primazia das Escrituras, mesmo em assuntos
de astronomia. Por exemplo, o luterano Abraham Calovius
declarou, no meio do século dezessete, que em assuntos natu­
rais Copérnico não poderia ter mais autoridade que a Palavra
de Deus. Ele temia que a aceitação da noção de que passagens
bíblicas deveriam ser acomodadas a maneiras comuns de
pensar teria efeito semelhante ao de abrir um pequeno furo
numa barragem, o qual eventualmente destruiria a própria
barragem. Então Calovius sustentou que nenhum erro,
mesmo em assuntos não importantes, poderia ter lugar nas11

11John Dillenberger, Protestant Thought and Natural Science (O Pensamento


Protestante e a Ciência Natural), New York: Abingdon Press, 1960, p.90.

59
Deus e Cosmos

Escrituras. Essa afirmação de inerrância, mesmo em assuntos


científicos foi ecoada por muitos outros, incluindo iminentes
teólogos reformados como Gisbert Voet (1588-1676) e Francis
Turretin (1623-1687). Turretin considerava que a admissão
de qualquer erro, por mínimo que fosse, seria a rejeição da
autoridade das Escrituras. Assim, em assuntos escriturísti-
cos, esses homens rejeitaram Copérnico. Eles sentiam que
capitular em qualquer ponto, demandaria capitulação total.
Muitos intelectuais não estavam contentes em buscar
outras interpretações para as Escrituras. Eles consideravam que
a ciência havia provado ser falso o ponto de vista geocêntrico
da Bíblia. Isso os levou a rejeitar a inerrância da Bíblia e, even­
tualmente, à rejeição de toda a religião revelada. O deísmo,
que rejeitou toda forma de religião revelada como incompa­
tível com a ciência, e tentou construir uma teologia natural,
tornou-se um importante movimento no século dezoito. Deus
era encarado primariamente como o arquiteto do universo,
deixando-o prosseguir por si mesmo, de acordo com as leis
que Ele havia imposto sobre a natureza. O ateísmo, que tam­
bém se tornou proeminente no século dezoito, foi mais
adiante, rejeitando todo e qualquer conceito de Deus.
O triunfo do copernicismo teve efeitos de grande alcance
na comunidade cristã. Ao aceitarem a nova astronomia os cris­
tãos davam tácita aprovação à implícita epistemología secular
de Galileu e seus aderentes. Permitindo-se que uma teoria
científica ditasse a interpretação da Bíblia eles abandonaram a
supremacia epistemológica das Escrituras. A razão humana
passou a ser considerada como uma independente fonte de
verdade, uma fonte superior às Escrituras - pelo menos em
questões científicas.

Cosmologia Pré-Moderna

O modelo cosmológico de Copérnico ainda estava

60
Um Breve Esboço Histórico

limitado pela esfera externa das estrelas fixas, esfera esta


agora centrada no Sol, ao invés de na Terra. Contudo, como o
movimento aparente da esfera externa era agora atribuído ao
movimento da Terra, a esfera estelar podia então ser conside­
rada em repouso. A remoção do movimento da esfera estelar
levou de vez o argumento para a sua dimensão finita. Assim,
como conseqüência natural da cosmologia de Copérnico, um
universo infinito podia agora ser contemplado.
Este passo, não proposto pelo próprio Copérnico, foi
tomado, em 1576, por Thomas Digges (1543-1595), um astrô­
nomo inglês e recém-convertido ao copernicismo. Ele
removeu a fronteira externa do universo, pondo o céu com
seus seres celestiais dentro de um espaço infinito de estrelas
(Figura 2.7).

Cosmologia Newtoniana

A nova cosmologia que substituiu a velha deveu muito ao


grande cientista inglês Sir Isaac Newton (1642-1727). Através
de suas teorias da gravidade e movimento, o universo veio a
ser considerado como uma gigantesca máquina governada por
equações matemáticas. Contudo esse mecanismo de relógio,
criado por Deus, não podia funcionar por si mesmo. Newton
descobriu que uma tal mecânica não podia ser responsabi­
lizada pela aparente estabilidade do sistema solar. Ele propôs
que Deus interferia de tempos em tempos para manter os
movimentos planetários em seus trilhos. De fato, Newton viu
esta deficiência mecânica como uma prova da existência de
Deus. Esta extraordinária dependência em Deus foi removida
no século seguinte pelo francês Pierre-Simon Laplace (1749-
1827), o qual foi capaz de demonstrar que a mecânica
newtoniana em si mesma era suficiente para manter a estabi­
lidade do sistema solar: nenhuma intervenção sobrenatural
era requerida.

61
Deus e Cosmos

A perflfdeftoptbßeFdteCdeftiaUOrbes»
«tcmfögi» íi&f /4e

, *
* * Ï * * * <* * MltTâíSfe^t* . ■* * * **
4«TF ,'I* ** * * * **
* * •* ‘ ■**■ # * +i

*
#+
#*
4- Je *
■**"■ ’A*
«*
* f»

4P ,$ * * *
«h&

<* **» ** ,P 4 > Ä *

Figura 2.7: O Sistema Heliocéntrico de Thomas Digges,


extraído de sua obra A Perfit Description of the Caelestial
Orbes (1576).

62
Um Breve Esboço Histórico

De acordo com Newton, tempo e espaço sempre existi­


ram. O universo material fora criado num tempo finito do
passado, num espaço vazio infinito. Newton considerou o
mundo material como sendo de dimensões finitas, cercado por
um espaço vazio infinito. Seus seguidores, entretanto, logo
deixaram o universo material preencher todo o espaço infi­
nito, pois eles não viam razão para limitar a atividade criadora
de Deus a apenas uma pequena porção do espaço. Raciocínio
similar logo levou à remoção das restrições da ação criadora
de Deus no tempo. O mundo criado tornou-se infinito, tanto
no espaço como no tempo.
Como um mundo infinito e eterno não necessita ter
um criador, Deus em pouco tempo Se tornou supérfluo como
um Criador. Além disso, como Newton havia considerado o
espaço como sendo um atributo de Deus, incorporando Sua
presença e ação, a nova filosofia veio, gradualmente, a consi­
derar o espaço como o vácuo dos antigos atomistas gregos.
O espaço era o vazio absoluto de tudo - incluindo Deus.12 A
despeito do objetivo de Newton de apoiar, ou enfatizar, um
conceito teísta do universo, o cosmo que emergiu da mecâ­
nica newtoniana não tinha necessidade de Deus.
Assim, o movimento iniciado por Copérnico, e levado
adiante por Kepler, Galileue Newton, promoveu uma cres­
cente visão mecanicista do universo. Deus foi gradualmente
removido como uma força ativa no mundo físico. Kuhn
sumarizou esta tendência do seguinte modo:

No universal mecanismo de relógio, Deus freqüentemente


apareceu como o único relojoeiro, o Ser que fizera as partes
atômicas, estabelecera as leis de seus movimentos, e depois as

12 Alexandre Koyre, From the Closed World to the Infinite Universe (Do Mun-
do Fechado ao Universo Infinito), Baltimore: John Hopkins Press, 1957, pp.
274-276.

63
Deus e Cosmos

deixara funcionando por si mesmas. O deísmo, uma versão


elaborada deste ponto de vista, foi um importante ingrediente
no pensamento do final do século 17 e através do século 18.
Na medida em que tal visão avançava, a crença em milagres
declinou, pois milagres seriam uma suspensão das leis mecânicas
pela direta intervenção de Deus e seus anjos em situações
terrestres. Pelo fim do século dezoito um crescente número de
homens, cientistas e não cientistas, deixaram de ver necessidade
de afirmar a existência de Deus.13

A visão medieval do mundo não apenas permitia a


interação direta de Deus com a Sua criação, mas também
reservava um lugar especial para Deus: o trono de Deus era
localizado no Empíreo celeste, o qual ficava além da esfera
das estrelas fixas. Até à época de Newton, os cristãos geral­
mente consideravam o céu como um lugar físico além das
estrelas. Isso tudo foi mudado como resultado da revolução de
Copérnico. Quando o universo fechado foi substituído por um
espaço infinito, não havia mais lugar para o céu. Embora, como
já vimos, Thomas Digges ainda misturava seu estelar e teoló­
gico céu, Deus foi gradualmente expelido desse céu, deixando
ali apenas as estrelas. Assim, o homem foi abandonado na
solidão, perdido em seu labirinto infinito.

O Universo Dinâmico

Inicialmente o universo newtoniano era essencialmente


estático, não tendo passado por mudanças significativas ao
longo do tempo. Tal concepção, entretanto, durou pouco tem­
po. No século 18 a noção de mudança ao longo do tempo
tornou-se popular em diversas disciplinas, particularmente

13 T. S. Kuhn, The Copernican Revolution (A Revolução de Copérnico,


Cambridge), Mass.: Harvard University Press, 1957, p. 233.

64
Um Breve Esboço Histórico

geologia e biologia. Interesse crescente era mostrado a res­


peito da questão de origens. No campo da cosmologia várias
teorias foram propostas, com o fim de explicar a formação dos
objetos celestes.
O universo newtoniano infinito havia abandonado tanto
a geocentricidade como a heliocentricidade. Inicialmente
pensou-se que o espaço infinito era uniformemente populado
por estrelas similares ao sol. No entanto, logo tornou-se evi­
dente que as estrelas não eram aleatoriamente espalhadas
pelo espaço. Em vez disso, a maior parte delas parecia estar
agrupada na Via Láctea. Thomas Wright (1711-1786) especu­
lou em 1750 que a Via Láctea consistia ou de uma esfera ou de
um disco de estrelas girando em torno do centro. Este centro
seria uma fonte sobrenatural da qual originavam todas as leis
da natureza. Naquela época um número de objetos pálidos e
pouco definidos havia sido observado. Wright conjecturou
que tais nuvens ou “nebulosas” eram de fato grupos de estre­
las similares à via láctea. De acordo com ele, o universo estaria
repleto de infinitos centros de criação.
Pouco tempo depois, em 1755, o filósofo alemão,
Immanuel Kant (1724-1804), dando um passo adiante, pro­
pôs uma origem naturalista para todos os objetos celestes do
universo. Ele sugeriu que, inicialmente, o universo consistia
de um infinito e quase uniforme gás. Pela ação da gravidade,
agrupamentos de matéria foram se formando. Os movimentos
ocasionais dessas porções condensadas de massa deram-lhes
algum spin (um pequeno giro). Na medida que tal sistema se
contraía, os spins se incrementavam e as galáxias foram forma­
das. No interior das galáxias um processo similar causou a
formação individual de estrelas e planetas. Esta “hipótese
nebular” foi posteriormente exposta por Laplace. O principal
ponto de contenda referia-se à interpretação dada às nebulosas
pálidas. Laplace pensava que elas eram apenas nuvens de gás
associadas à via láctea. Seu universo era centrado sobre uma

65
Deus e Cosmos

única e gigantesca via láctea cercada de nuvens de gás em


movimento circular. O oponente ponto de vista de Wright e
Kant era o de uma infinidade de “universos ilhas” similares
à via láctea. Esse debate foi finalmente resolvido em 1920,
quando novas observações justificaram a posição multi-
galáctica.
A noção de um universo dinâmico e revolvente tornou-se
extremamente popular na última metade do século dezenove,
particularmente com o desenvolvimento da evolução bioló­
gica. Em particular, os escritos de Charles Darwin (1809-1882)
exerceram grande influência. Sua obra principal, A Origem
das Espécies (1859), tratou principalmente da evolução de
plantas e animais. Na sua obrazl Descendência do Homem (1871)
ele estendeu o princípio da evolução, para também incluir
a origem do homem. Essa idéia foi logo aplicada também
à sociedade, incorporando o atraente ideal do progresso
humano. O modelo evolucionário do universo rapidamente
tornou-se o ponto de vista dominante no mundo. Desde o
começo, houve oposição exercida pela ala religiosa, mas a
maioria dos teólogos buscou adaptar seu cristianismo ao cos­
mo evolucionário.
Assim, um modelo científico naturalista finalmente rei­
vindicou dar explicação para a formação do universo inteiro,
com todos os seus componentes. O estático, finito, geocêntrico
e teísta mecanismo de relógio do homem medieval foi substi­
tuído pelo organismo dinâmico, infinito e materialista, em
contínua evolução para cima.

A Morte do Calor

O estabelecimento do cosmo evolucionário inicial­


mente gerou uma visão otimista do futuro. Os defensores da
evolução sentiram que o universo estava constantemente
melhorando. O próprio Darwin concluiu:

66
Um Breve Esboço Histórico

Como a seleção natural opera unicamente por e para o bem de


cada ser, todos os dons e talentos corporais e mentais tendem a
progredir até a perfeição.14

Este espírito otimista logo seria severamente abalado.


O desafio veio através da nova ciência da termodinâmica,
o estudo do calor. A revolução industrial, que havia ganhado
momentum no início do século dezenove, dependia extrema­
mente do desenvolvimento de maquinário eficiente. Por volta
de 1850, o estudo de máquinas a vapor e outros processos
envolvendo trocas de energia levaram à descoberta de dois
princípios fundamentais.
O primeiro deles, a primeira lei da termodinâmica, como
tornou-se conhecida, tinha a ver com a conservação de
energia. Esta lei postulou que, embora energia pudesse ser
transformada de uma forma em outra, energia não podia
jamais ser criada ou destruída. Considere, por exemplo, uma
queda d’água. Na medida em que a água cai, sua energia
potencial gravitacional, devido ao seu peso, é convertida em
energia mecânica. Se for usada para movimentar uma tur­
bina, a energia mecânica pode ser transformada em energia
elétrica. Se essa energia elétrica for usada para operar uma
bomba d’água, poderiamos bombear a água à sua altura
original. A primeira lei da termodinâmica afirma que, se
pudéssemos desprezar as perdas de energia devidas ao atrito,
a queda d’água geraria energia em quantidade exatamente
necessária para bombear de volta a água que cai. Nenhuma
nova energia a mais pode ser gerada.
Se levarmos em conta o atrito, como é necessário na prá­
tica, a situação piora. Isso nos conduz à segunda lei da
termodinâmica, a qual trata da quantidade de energia útil

14 C.Darwin, On the Origin of the Species (A Origem das Espécies), 2a edição


1858, London: John Murray, p. 486.

67
Deus e Cosmos

disponível. Isso foi pela primeira vez formulado em 1851 por


Rudolf Clausius (1822-1888) em Berlim, e William Thompson
(Lord Kelvin, 1824-1907) em Glasgow. A segunda lei da
termodinâmica especifica que, em todo processo físico real,
certa quantidade de energia útil é sempre dissipada. Os efeitos
do atrito, na forma de calor, sempre causam a dissipação de
parte da energia disponível. Se deixarmos uma bola cair na
superfície plana do piso, veremos que ela jamais pulará de
volta até a altura de onde a deixamos cair. Alguma energia
mecânica é sempre perdida, transformando-se em calor que
esquenta ou o ambiente ou a bola, ou ambos.
A primeira lei da termodinâmica afirma que em todo e
qualquer processo a energia final na saída não pode exceder a
energia inicial na entrada. A segunda lei da termodinâmica
estipula que não podemos nem mesmo empatar: a energia útil
que umà máquina entrega na saída, será sempre menor que a
energia útil posta na entrada. Isso impossibilita de vez a
máquina de moto-perpétuo. A segunda lei da termodinâ­
mica é comumente reconhecida como uma das leis mais
básicas de toda a ciência.
Clausius definiu a “entropia” de um sistema como sendo
a medida do seu estado de desordem, seu estado casual. Quanto
mais alto o grau de desordem, mais alta a entropia. Considere,
por exemplo, uma sala cheia de molécula de ar. Caso todas as
moléculas estejam em apenas uma das metades da caixa (evento
altamente improvável!), isso corresponderia a um estado alta­
mente ordenado, sendo a entropia, portanto, muito baixa. Se
as moléculas se espalharem por todo o espaço da sala, a ordem
é então perdida e a entropia torna-se alta. De acordo com
Clausius, todo sistema tende a um estado de “equilibrium”,
onde não haverá fluxo natural de energia. Sistemas tendem a
se deslocar de um estado ordenado para um estado desor­
denado, não vice-versa. Assim, se abandonado a si mesmo, um
castelo de areia tende a se degenerar num montículo de areia,

68
Um Breve Esboço Histórico

ao passo que o reverso não acontece. Processos reais tendem a


ser irreversíveis.
Aplicando este princípio ao universo como um todo,
Clausius concluiu que a energia total do universo é constante,
e sua entropia tende para um máximo. Conclusão similar foi
conseguida pelo cientista alemão Hermann von Helmholtz,
em 1854. Ele deduziu algumas conseqüências de longo alcan­
ce. Se o universo está constantemente tramitando para um es­
tado de desordem, então ele deve ter sido energizado (como
dar corda, num mecanismo de relógio) num tempo finito do
passado por algum processo violando a segunda lei. Indo mais
além, num tempo finito do futuro o universo tornar-se-á total­
mente desordenado. Ele tenderá a um estado de equilíbrio,
onde todas as regiões estarão na mesma temperatura. Naquele
tempo não restará mais nenhuma energia útil no universo, e
qualquer forma de vida terá que desaparecer. Isso é o que tem
sido chamado de “morte do calor” do universo.
As novas leis da termodinâmica impõem restrições
fundamentais à teorização cosmológica. A segunda lei, em
particular, com sua melancólica predição do futuro fim da vida
no universo, apagou com um sopro o ponto de vista otimista
de um universo evoluindo a um estado de perfeição cada vez
maior. Em seu lugar, veio um sentimento de desespero, um
sentimento de que o nosso universo habitável não passava
de mero acidente estatístico, sem perspectivas futuras e sem
propósito final.

69
3
Cosmologia Moderna
Neste capítulo examinaremos teorias da cosmologia
moderna. Como a cosmologia do Big Bang é, de longe, a mais
popular, concentraremos nela o foco de nossa discussão.
Faremos uma revisão de sua história e apoio observacional,
abordaremos seus pontos fortes e fracos, e uma breve análise
de várias alternativas. Na última parte do capítulo examina­
remos várias premissas cosmológicas básicas, bem como a
dificuldade delas serem verificadas.

Uma Breve História do Big Bang

Edgar Alian Poe, que se tornou mais famoso por seus


contos, foi õ primeiro a sugerir que o universo teve origem
numa gigantesca explosão. Em seu pequeno livro Eureka,
publicado em 1848, Poe descreve como o universo foi criado
per Deus, a partir do nada, como uma partícula primordial
explosiva. Inicialmente a matéria explodiu movimentando-se
em todas as direções. Na medida em que o universo se expan­
dia, a gravidade gradualmente induziu os átomos a se
condensarem, formando assim as estrelas e planetas. Eventu­
almente, em algum tempo no futuro, a ação da gravidade fará
que pare a expansão, e então começará a contração. O cosmos
finalmente retornará ao seu estado inicial, um pequeno ponto,
tempo no qual ele desaparecerá.
Poe não acreditava que o nosso universo pudesse ser
infinito. Ele se referia ao Paradoxo de Olbers, uma objeção ao

70
Cosmologia Moderna

conceito de um universo infinito levantada em 1823 por


Heinrich Olbers e outros antes dele. De acordo com Olbers, se
existisse um número infinito de estrelas, então, ao olharmos
em qualquer direção deveríamos eventualmente encontrar uma
estrela. A noite o céu seria uniformemente luminoso com luz
estelar. Como não é esse o caso, Olbers concluiu que nosso
universo é finito.
Contudo, Poe encontrou um jeito de manter o universo
infinito e eterno. Ele especulou que haveria um número
infinito de universos, cada um com o seu deus. Mas esses
universos estariam tão imensamente distantes uns dos outros,
que não poderia haver comunicação entre eles. Além disso,
depois que nosso universo viesse ao colapso, Deus geraria um
novo universo, uma outra pulsão do ciclo eternal. O modelo
de Poe não conseguiu atrair muitos cientistas. A maioria
continuou acreditando em alguma forma de universo newto-
niano, infinito e dinamicamente estático.
A cosmologia moderna realmente teve início em 1917,
quando Albert Einstein pela primeira vez aplicou sua nova
teoria gravitacional - conhecida como relatividade geral - ao
universo como um todo. Einstein presumiu que o universo
era homogêneo, o que significa que, numa larga escala, a maté­
ria seria uniformemente distribuída através do universo (ver
Figura 3.1). Ele também aplicou o princípio cosmológico que
presumiu que qualquer região particular pareceria seme­
lhante a qualquer outra. O princípio cosmológico implica que
o universo não tem bordas ou fronteiras, pois se assim o fosse,
um observador localizado próximo à borda teria um ponto
especial de vantagem.
Até então, a solução para evitar bordas era imaginar
o universo infinito. Agora, uma nova possibilidade era
oferecida pela relatividade, a curvatura do espaço. A teoria
de Einstein postulava que o efeito gravitacional da matéria
fazia com que o universo fosse curvo. Se houvesse matéria

71
Deus e Cosmos

Figura 3.F. Distribuição da Matéria no Universo


(a) Universo Homogêneo. A matéria é uniformemente dis­
tribuída sobre grandes distâncias.
(b) Universo Não-homogêneo. A matéria é não-uniforme-
mente distribuída sobre grandes distâncias.
(Extraído da obra de Michael Zeilik, Conceptual Astronomy,
New York: John Wiley & Sons Inc. 1992.)

72
Cosmologia Moderna

em quantidade suficiente, então o campo gravitacional resul­


tante seria suficientemente forte para curvar o espaço sobre si
mesmo, criando assim um universo finito, porém sem bordas.
Um tal universo, finito mas sem fronteiras, é chamado de
universo fechado. Um universo menos denso, que não fosse
fechado, seria chamado universo aberto. Num universo aberto,
o princípio cosmológico só pode ser mantido se o universo for
infinito em tamanho. As diferentes geometrias do espaço são
comparadas na Figura 3.2.
Visualizar diretamente um universo fechado é impossí­
vel, pois isso envolve uma geometria quadridimensional. Mas
poderíamos usar uma analogia bidimensional. Considere
um pedaço de arame. Se ele for reto, terá duas extremidades,
ou “bordas”, porém se o curvarmos até assumir a forma de um
círculo, então não terá mais extremidades. Também podería­
mos considerar a superfície de uma bola como sendo uma
superfície bidimensional sem bordas, mergulhado num
espaço tridimensional. Similarmente, nosso universo de três
dimensões pode ser imaginado como sendo um volume finito,
sem bordas, mergulhado num espaço de número maior Jg
dimensões. Com a relatividade tornou-se possível retornar ao
universo íihito e ainda assim manter o princípio cosmológico
da uniformidade.
Contudo, restava uma dificuldade. Einstein achava que o
universo devia ser estático, permanecendo sem mudanças por
um período de tempo. Como o campo gravitacional de um
universo finito tenderia a causar o colapso do mesmo, Einstein
acrescentou uma força repulsiva ao seu modelo cosmológico,
força essa que impediria o movimento para dentro. Assim,
existiria uma “constante cosmológica”, ou “Lambda”, para
contrabalançar a força atrativa da gravidade. Defendeu-se que
tal força deveria aumentar com a distância, de modo que o seu
efeito local seria por demais pequeno para ser detectado.
Somente em escala cosmológica, quando a contribuição das

73
Deus e Cosmos

Figura 3.2: Comparação de Geometria Espacial.


(a) Geometria Plana. A soma dos ângulos internos de um
triângulo é sempre igual a 180 graus.
(b) Geometria Hiperbólica (aberta). A soma dos ângulos
internos de um triângulo é sempre menor que 180 graus.
(c) Geometria Esférica (fechada). A soma dos ângulos in­
ternos de um triângulo é sempre maior que 180 graus.
(Extraído da obra de Michael Zeilick, Conceptual Astronomy,
New York: John Wiley & Sons, Inc., 1992.

74
Cosmologia Moderna

mais distantes galáxias se torna significante, a ação dessa força


seria importante.
Pouco tempo depois, em 1920, a luz das galáxias distan­
tes mostrava um deslocamento ou desvio espectral tendendo
para vermelho. Isso foi tido como uma evidência de que essas
galáxias estavam se movendo para fora, afastando-se da Terra,
ao invés de permanecerem estacionárias. Com base nesse
novo desenvolvimento, a teoria do Big Bang foi ressuscitada
em forma moderna pelo padre e cosmólogo belga Georges-
-Henry Lemaître, no final da década de 1920. Lemaître
hipotetizou que o universo originalmente começou com a
explosão do “átomo primevo”, uma concentração de matéria
muito densa inicialmente.
Como prova da explosão primeva Lemaître apontou os
raios cósmicos (partículas de alto nível de energia, vindas do
espaço, e que bombardeiam a Terra). Lemaître argumentou
que nenhuma fonte astronômica conhecida poderia produzir
aqueles raios, e portanto eles teriam sido causados pela excep­
cionai condição da explosão do Big Bang. Outro fator que
aparentemente suportava essa hipótese era a distribuição dos
raios cósmicos. Eles pareciam vir uniformemente de todas as
direções, como era de se esperar, supondo que estivessem
vindo do Big Bang. Achava-se que eles não poderiam vir das
galáxias, pois estas estavam distribuídas irregularmente.
Contudo, nas décadas seguintes foi mostrado que os raios
cósmicos poderiam ser gerados por forças eletromagnéticas,
em operação no espaço interestelar. Mais do que isso, tornou-
-se aparente que os raios cósmicos estariam vindo de nossa
própria galáxia, a distribuição uniforme deles sendo conse­
quência de suas trajetórias curvadas pela ação do campo
magnético da galáxia. Ao invés de virem de distantes
extremos, refletindo as dores de parto do universo, os raios
cósmicos mostraram ser um fenômeno relativamente local.
Prejudicada por algumas limitações teóricas e observacionais,

75
Deus e Cosmos

a cosmologia do Big Bang de Lamaitre não conseguiu muitos


adeptos.
Novamente, em 1946, a teoria do Big Bang ressurgiu com
Georges Gamow. Gamow conjeturou que se o Big Bang fosse
uma gigantesca explosão nuclear sua temperatura e densidade
extremamente altas poderiam gerar as proporções observadas
de hidrogênio, hélio e outros elementos presentes no univer­
so. Contudo, poucos meses mais tarde, Fred Hoyle mostrou
que processos nucleares nas estrelas eram suficientes para
produzir os elementos pesados em abundâncias quase exatas,
embora algum outro mecanismo fosse necessário para produ­
zir a quantidade observada de hélio.
Em 1948, Hoyle, junto com Hermán Bondi e Thomas
Gold, formularam uma cosmologia alternativa: o modelo de
estado-estável. Essa teoria foi baseada no assim chamado
“princípio cosmológico perfeito”, o qual afirma que o universo
parece basicamente o mesmo, não apenas em todos os lugares,
porém em todos os tempos. A taxa de expansão, a densidade
do espaço e a distribuição das galáxias são todas supostamente
constantes. Como a expansão tende a espalhar as galáxias, a
teoria requer que matéria nova esteja sendo constantemente
criada - a partir do nada - precisamente à exata taxa de expan­
são, para assim manter constante a densidade. Novas galáxias
são então formadas a partir da matéria nova sendo criada, na
medida em que, por causa da expansão, as velhas galáxias
vão se afastando através do espaço.
Uma das principais motivações desta cosmologia era
evitar o que Hoyle considerava ser uma implicação teísta da
singularidade inicial. Contudo, enquanto o modelo evita a
criação ex nihilo alegadamente implícita no Big Bang, o sêu
próprio conceito de criação contínua indica não apenas um
ato da criação ex nihilo, mas um numero infinito delas.
Uma importante descoberta para o Big Bang veio à tona
em 1965. Gamow deduziu que <a bola de fogo inicial teria

76
Cosmologia Moderna

deixado atrás de si radiações na forma de ondas de rádio. Seus


cálculos prediziam que essa radiação deveria ter esfriado a uma
temperatura de aproximadamente 30 graus Kelvin (zero grau
Kelvin corresponde ao zero absoluto, a mais baixa tempera­
tura possível, equivalente a -273°C). Também, a radiação
deveria ser isotrópica, isto é, uniformemente distribuída em
todas as direções. Em 1965, tal radiação foi de fato observada,
embora a uma temperatura de apenas 3 graus Kelvin.
Embora a cosmologia do estado estacionário tivesse goza­
do de popularidade por algumas décadas, principalmente
entre os cosmologistas britânicos, a descoberta em 1965 da
radiação de fundo fez com que a maioria dos cosmologistas
dessem preferência à cosmologia do Big Bang. Enquanto essa
radiação, ou pelo menos suas principais características, surge
naturalmente do modelo do Big Bang, o modelo do estado
estacionário teve maiores dificuldades em explicá-la, embora
muitas possíveis explicações tenham sido elaboradas.
De acordo com o moderno “modelo Big Bang padrão” o
universo teve origem em torno de 10 a 15 bilhões de anos atrás
numa explosão de energia originária de um ponto muito
pequeno, uma “singularidade”. Começou com uma tempera­
tura muito elevada, alta densidade, e num estado de expansão
muito rápida. Na medida que o universo expandiu, ele res­
friou. Dentro dos primeiros poucos minutos a matéria inicial
(constituída principalmente de partículas subatômicas)
condensou em hidrogênio, hélio e alguns traços de outros
elementos leves. Na medida em que o tempo passou, porções
de matéria foram se contraindo, devido à gravidade, constitu­
indo assim as galáxias. Dentro das galáxias, porções menores
também foram se contraindo, formando as estrelas. Na medi­
da em que as estrelas iam se contraindo, energia gravitacional
ia se transformando em calor. Eventualmente as temperaturas
dentro das estrelas foram se elevando a ponto de gerar reações
nucleares, das quais o carbono, o oxigênio e outros elementos

77
Deus e Cosmos

pesados foram formados. Posteriormente, na medida em que


as estrelas evoluíam, elas passaram a ejetar matéria no espaço
interestelar. A partir deste material interestelar foram forma­
das as estrelas de segunda geração, as quais continham agora
maior quantidade de elementos pesados. Algumas dessas
estrelas tinham planetas. Em pelo menos um desses planetas
(a Terra), interações casuais de moléculas produziram uma
forma primitiva de vida. Eventualmente, formas mais com­
plexas de animais e plantas evoluíram, culminando com o
aparecimento do homem.
Essa é a história da criação de acordo com a cosmologia
do Big Bang. Trata-se de uma teoria ampla e compreensiva
que se esforça para explicar todas as realidades físicas em
termos de um universo dinâmico em evolução e que pode ser
rastreado até a sua singularidade inicial.

Explicando as Observações

Quão bem fundamentado é o modelo Big Bang? Como já


foi notado anteriormente, a teoria do Big Bang repousa em
três pilares de evidência observacional: o galáctico desvio
para o vermelho, abundâncias de elementos, e radiação de fun­
do. Partir desses fatos observacionais e interpretá-los como
velocidades e resíduos de uma explosão inicial Big Bang,
envolve um salto enorme que exige exame mais cuidadoso.

1. Deslocamentos para o Vermelho


No final da década de 1920 o astrônomo americano Edwin
Hubble descobriu que a luz das galáxias apresentava desloca­
mento para o vermelho, a extremidade de baixa freqüência
do espectro luminoso. Um fenômeno similar de abaixamento
de freqüência (ou de tom) pode ser notado quando a sirene da
polícia passa por nós. Na medida em que a sirene se afasta de
nós, as ondas de som são como que esticadas pelo movimento

78
Cosmologia Moderna

da sirene, fazendo-nos perceber o som numa freqüência um


pouco mais baixa do que a freqüência real. Este fenômeno é
chamado efeito Doppler. Assim, uma simples explicação do
deslocamento para o vermelho observado nas galáxias é que
elas estariam se distanciando de nós.
Hubble descobriu que o deslocamento para o vermelho
era aproximadamente proporcional às distâncias das galáxias.
Esta relação, que veio a ser conhecida como lei de Hubble, foi
interpretada por muitos astrônomos como uma evidência de
que o universo estaria se expandindo.
E importante notar que, na cosmologia do Big Bang,
postula-se que os deslocamentos para o vermelho são causa­
dos não pelo movimento das galáxias através do espaço, e sim
pela expansão do espaço propriamente dita. Na medida em
que o espaço se expande, o comprimento de onda da luz é
esticado, correspondendo assim à redução de freqüência. O
deslocamento para o vermelho é calculado subtraindo o com­
primento de onda original emitido do comprimento de onda
recebido (observado), depois dividido pelo comprimento de
onda emitido. O deslocamento para o vermelho é denotado
pelo símbolo#. Por exemplo, um deslocamento de#=7 indica
que o comprimento de onda recebido é o dobro do compri­
mento de onda emitido, implicando assim que o evento de
emissão ocorreu quando o universo tinha metade do seu
tamanho atual.
Há, contudo, algumas dificuldades com esta interpre­
tação de velocidade do deslocamento para o vermelho. O
astrônomo Halton Arp^bservou que muitos pares de galá­
xias, aparentemente bem próximas umas das outras, algumas
até mesmo fisicamente ligadas, mostram deslocamentos para
o vermelho muito diferentes. Isso sugere que pelo menos
alguns deslocamentos para o vermelho são causados por outra

1 SeeingRed (Vendo o Vermelho), Montreal: Apeiron, 1998.

79
Deus e Cosmos

coisa que não é movimento. Se alguns deslocamentos têm


outra causa que não é movimento, é possível que a maioria
tenha tal causa, deixando-nos assim, com um universo basica­
mente estático.
Além disso, Arp notou que os deslocamentos se agrupam
em valores z preferenciais, tais como: 0,06; 0,3; 0,6; 0,9; 1,4; e
1,96. Extensiva evidência de periodicidade e variabilidade de
deslocamentos para o vermelho foi encontrada por Tifft2. Isso
é contrário ao que se espera num universo homogêneo e em
expansão, indicando que ou nós estaríamos no centro de uma
série de cascas ou camadas em expansão ou então os desloca­
mentos para o vermelho teriam outra causa que não é a
velocidade.
Há ainda outras dificuldades. A relação “distância/deslo­
camento para o vermelho” de Hubble, principal pilar de
suporte da cosmologia do Big Bang, foi inicialmente baseada
na análise de apenas algumas dúzias de galáxias. Análises
estatísticas mais recentes, muito mais completas, e baseadas
nas observações de milhares de galáxias, divergem significati­
vamente da lei linear de Hubble. Estudos feitos por I. E.
Segai3 4 mostram que uma relação quadrática, onde o desloca­
mento para o vermelho varia com o quadrado da distância,
fornece uma aproximação muito melhor. Esses estudos
contradizem a expans,ão do Big Bang, mas concordam com a
cosmologia cronométrica de Segal, uma cosmologia estática

2 W. G. Tifft, “Global Redshift Peridiocities and Periodicity Variability”,


AstrophysicalJournal, 1997,485, pp. 465-483.
31. E. Segal, J. E Nicoll, P Wu, Z. Zhou, “Statistically Efficient Testing of
the Hubble and Landmark Laws on IRAS Galaxy Samples”, Astrophysical
Journal, 1993,41 l,pp. 465-484.
41. E. Segal, J. F. Nicoll, “Statistics of a Complete High-Redshift Quasar
Survey and Predictions of Nonevolutionary Cosmologies”, Astrophysical
Journal, 1996,459, p. 496.

80
Cosmologia Moderna

onde o deslocamento para o vermelho é diretamente propor­


cional à curvatura do espaço.5
Como o deslocamento para o vermelho corresponde a
um abaixamento de sua freqüéncia, e como a energia da luz
é proporcional à sua freqüéncia, um deslocamento para o
vermelho implica numa perda de energia. Um problema do
modelo Big Bang é como considerar e computar a perda de
energia da luz deslocada para o vermelho. A energia parece
simplesmente desaparecer, implicando na não conservação
de energia. O proeminente cosmologista de Princeton, P J. E.
Peebles, pergunta:

Para onde vai a energia perdida?... A resolução para este


paradoxo é que, enquanto a conservação de energia é um bom
conceito local... não há uma lei de conservação de energia global
na teoria da relatividade geral.6

Anteriormente, uma conclusão similar foi obtida


por Edward Harrison, que, em sua clássica obra, Cosmologia,
escreveu:

A conclusão, quer gostemos ou não, é óbvia: no universo, a


energia não é conservada. O princípio de conservação de energia
serve-nos bem em todas as ciências, exceto em cosmologia.7

Uma quebra inexplicável, tal como essa, de um dos mais


fundamentais conceitos da ciência não é muito satisfatória.

51. E. Segal, Z. Zhou, “Maxwell’s Equations in the Einstein Universe and


Cronometric Cosmology”, AstrophysicalJournal Suplement, 1995,100, p. 307.
6 Principles ofPhysical Cosmology, Princeton: The University Press, 1993,
p. 138.
7 E. R. Harrison, Cosmology: The Science of the Universe, Cambridge:
University Press, 1981, p.277.

81
Deus e Cosmos

Teria o deslocamento para o vermelho alguma outra razão


que não a velocidade? Muitas explicações alternativas do
deslocamento para o vermelho têm sido propostas. A perda de
energia da luz tem sido usualmente explicada como resultado
do movimento num meio resistente, referido como “luz can­
sada”, ou como a escalada de um forte campo gravitacional,
referido como “deslocamento gravitacional para o vermelho”.
Inúmeras cosmologias estáticas, baseadas em pontos de vista
sobre a não-velocidade do deslocamento para o vermelho, têm
sido sugeridas.

a. Luz Cansada
A interpretação do deslocamento para o vermelho, tendo
o movimento como causa, foi questionada desde o início. Em
1929, o astrônomo Fritz Zwicky já havia proposto, como
causa do deslocamento para o vermelho, a perda de energia da
luz durante sua viagem através do espaço. Uma das vantagens
das teorias da luz cansada é que elas naturalmente predizem
um deslocamento para o vermelho proporcional à distância
viajada, de acordo com a lei de Hubble. O próprio Hubble,
durante toda a sua vida, enfatizou sua preferência pela teoria
da luz cansada em contraposição ao ponto de vista da expan­
são, porém ele nunca conseguiu oferecer um mecanismo
plausível para a geração de um tal efeito. Ter-se-ia que expli­
car qual o truque para que as unidades de luz, os fótons,
perdessem energia sem contudo se espalharem significativa­
mente, ou as imagens das galáxias seriam menos nítidas do
que realmente são.
Recentemente, a teoria da luz cansada tem sido defen­
dida por vários astrônomos. Ghosh8 lista vinte possíveis
8 A. Ghosh, “ Velocity Dependent Inertial Induction: a Possible Tired Light
Mechanism”, Apeiron, 1991,9-10, pp.35- 44. Para outros possíveis mecanis­
mos veja os artigos de autoria de Kierein, Marmet e Reber, D.F. Crawford,
Fisher e Van Flandern na Bibliografia deste livro.

82
Cosmologia Moderna

mecanismos de não-velocidade sobre o deslocamento para


o vermelho. Nas teorias de luz cansada em relação ao des­
locamento para o vermelho, geralmente é postulado que a
energia perdida pela luz é re-irradiada como energia de baixa
temperatura, levando assim em conta também o irradiador
de microondas.
Paul La Violette, depois de realizar vários testes com as
duas alternativas para a explicação do deslocamento para o
vermelho, concluiu que a teoria da luz cansada se encaixa muito
melhor nas observações do que o modelo do universo em
expansão.9

b. Deslocamento Gravitacional para o Vermelho


G. F. R. Ellis demonstrou que o deslocamento para o
vermelho das galáxias e a radiação de fundo de microondas
podem ser explicados assumindo um universo estático,
esféricamente simétrico, com dois centros, estando a nossa
galáxia localizada próxima a um dos centros.10 Os
11 sistemáticos
deslocamentos para o vermelho das galáxias são então inter­
pretados como deslocamentos cosmológicos gravitacionais
para o vermelho, enquanto que a radiação de fundo seria
originada de gases quentes envolvendo uma singulari­
dade situada no segundo centro do universo. Embora não
alegando que o universo seja como tal modelo, ele afirma não
existir um argumento avassalador que demonstre que tal
modelo não poderia reproduzir todas as observações corren­
tes. Um modelo estático, de certo modo similar, mas tendo
apenas um centro, foi desenvolvido por Rao e Annapurna.11

9 E A. La Violette, Beyond the Big Bang: Ancient Myth and the Science of
Continuous Creation, Rochester, Vermont: Park Street Press, 1995.
10 G. F. R. Ellis, “Is The Universe Expanding?”, General Relativity and
Gravitation, 1978,9, pp.87-94.
11 J. Krishna Rao, M. Annapurna, “Spherically Symetric Static
Inhomogeneous Cosmological Models”, Pramana, 1991,36, pp. 95-103.

83
Deus e Cosmos

Mais recentemente, outro modelo, usando ambos, gravita-


cional e Doppler, deslocamentos para o vermelho, foram
propostos por Robert Gentry.12

c. Constantes fue Variam


Outro modelo estático de universo foi construído pelo
russo V. S. Troitskii13, o qual interpreta o deslocamento para
o vermelho como sendo devido à redução na velocidade da
luz. Tal mecanismo produziria também a radiação de fundo
observada.
Em 1931, Sir James Jeans propôs um modelo no qual as
dimensões dos átomos diminuiriam com o tempo. Isso
produziria a impressão de um universo em expansão, embora
na realidade não estivesse expandindo, porém tudo dentro dele,
inclusive nós mesmos, estaria encolhendo. Essa idéia foi mais
tarde introduzida por Hoyle14 que alega que tal modelo não
pode ser distinguido daquele do universo em expansão. O
encolhimento pode ser entendido se as massas de todas as
partículas elementares aumentam, enquanto a carga elétrica
se mantém constante. Na passado, os átomos seriam mais
fortemente ligadas ao seus núcleos, fazendo com que a radia­
ção emitida fosse deslocada para o vermelho. Arp15, por um
caminho similar, propôs que a massa das partículas elemen­
tares aumentaria com o tempo, acelerando a taxa de tempo
atômico, resultando numa diminuição nodeslocamento para
o vermelho, devido à idade.

12 Robert Gentry, “A New Redshift Interpretation”, Modem Physics Letters A,


1997,12, p. 2919.
13 V. S. Troitskii, “Physical Constants and Evolution of the Universe”,
Astrophysics and Space Science, 19&7,139,pp.389-411.
14 Fred Hoyle, “On the Origin of the Microwave Background”, Astrophysics
Journal, 1975,196,p. 661
15 Arp, Seeing Red.

84
Cosmologia Moderna

Muitas das explicações alternativas sobre o deslocamento


para o vermelho são por demais especulativas e, como na
interpretação do movimento, também têm seus sérios pro­
blemas a superar. Contudo, elas servem para ilustrar que os
deslocamentos para o vermelho podem ser interpretados
dentro de uma grande variedade de modelos teóricos, e não
fornecem suporte isento de ambigüidade para a cosmologia
do Big Bang.

2. Abundâncias de Elementos
Um modo de testar a cosmologia do Big Bang é através
de suas predições da abundância relativa dos vários elementos
do universo. Um Big Bang “quente”, com temperaturas extre­
mamente altas no seu estado denso inicial, geraria em torno
de 75% de hidrogênio, 25% de hélio-4, e quantidades muito
menores de deutério, hélio-3, lítio-7, e berilo. Elementos mais
pesados são considerados como produzidos em reações
nucleares estelares subseqüentes, que poderiam alterar as
abundâncias dos elementos mais leves.
Medições observacionais mostram que de fato o hidrogê­
nio corresponde aproximadamente a três quartos da massa
total, e o hélio a um quarto, com apenas traços de elementos
mais pesados.
Contudo, as precisas predições de núcleo-síntese do Big
Bang dependem fortemente da relação fóton / bárion (bárions
são prótons e nêutrons que formam o volume da matéria
comum) e da densidade de bárions, nenhum dos quais é co­
nhecido com precisão. Na prática, então, estes são parâmetros
ajustáveis os quais são determinados através da combinação
das predições teóricas com as abundâncias observadas para um
ou dois elementos.
A dificuldade está em subtrair das densidades observadas
os efeitos da produção estelar de elementos, de modo a poder
determinar a abundância inicial. O deutério é frágil, facilmente

85
Deus e Cosmos

destrutível nas estrelas, e não produtível nas estrelas. Assim,


sua abundância presentemente observada pode ser significati­
vamente menor do que a original. Idealmente, seria desejável
medir as abundâncias de gases de baixa densidade em fases
bem iniciais (isto é, com alto deslocamento para o vermelho)
antes que fossem contaminados por fragmentos estelares.
Recentemente Burles16 mediu a abundância de deutério em
nuvens de hidrogênio de alto deslocamento para o vermelho
(z>3) que supostamente correspondem ao gás primevo.
Disso ele calculou a densidade primeva do bário, e daí a abun­
dância predita do hélio-4 e lítio-7. Ele observou que para o
hélio-4 os valores são razoavelmente próximos das determi­
nações observacionais, porém não para os outros elementos,
enquanto que para o lítio-7 os valores preditos eram o dobro
dos observados nas estrelas velhas. Assim, o modelo não
explica todas as abundâncias de elementos leves. Além disso,
a densidade do bárion determinada por núcleo-síntese do
Big Bang é muito menor que a densidade da matéria como
determinada por considerações dinâmicas, tais como a
rotação das galáxias.
Para socorrer a cosmologia do Big Bang, é postulado que
a maior parte da matéria do universo existe na forma de
exotérica, matéria não-bariônica, assunto que será abordado
em seção posterior.
Uma dificuldade posterior é que muitos objetos com
alto deslocamento para o vermelho, e que por isso deveriam
refletir condições primevas, apresentam abundâncias anôma­
las. Por exemplo, a medida da abundância de berilo numa
estrela pobre de metais, e que deveria portanto refletir abun­
dância de matéria primeval, revelou uma abundância de berilo
mil vezes maior do que a abundância predita pela cosmologia

16 Scott Buries, et al., “Sharpening the Predictions of Big Bang Nucleo­


synthesis”, Physical Review Letters, 1999,82, pp.4176-4179.

86
Cosmologia Moderna

do Big Bang.17 Também, regiões de baixa densidade, de deslo­


camento para o vermelho z=3, têm sido observadas contendo
concentrações de elementos pesados muito mais elevadas do
que os valores de concentração preditos pela cosmologia do
Big Bang.18
Quasars muito distantes (“quasar” é uma abreviatura
para “quasi-stellar object”, um objeto semelhante a uma
estrela emitindo grandes quantidades de energia em rádio-
freqüência) cujo deslocamento para o vermelho pensava-se
corresponder a uma idade quando o universo tinha menos de
um bilhão de anos, foram observados contendo mais ferro do
que o sol. A maior parte do ferro supõe-se vir das supernovas
nas quais uma estrela do binário explode. Todavia os binários
necessitam, pelo menos, de um bilhão de anos para evoluir
àquele estágio.19 Como então poderiam os quasars terem
adquirido tanto ferro dentro do primeiro bilhão de anos do
Big Bang?
Em resumo, modelos de Big Bang têm dificuldades para
acomodar as abundâncias observadas sem recorrer a cenários
especiais, artificialmente produzidos para explicar o esgota­
mento do litio, fontes locais especiais para o berilo e o ferro, e
assim por diante.
George Burbidge e Fred Hoyle demonstraram que a sín­
tese do hélio cósmico, a partir do hidrogênio nas estrelas, deve
ter liberado quase exatamente a mesma quantidade de energia
quanto aquela contida na radiação de fundo. Eles concluíram
que o hélio foi produzido pela queima do hidrogênio nas

17 G. Gilmore et al., “First detection of beryllium in a very metal-poor star:


a test of the standard Big Bang model”, AstrophysicalJournal, 1991,378, pp.
17-21.
18 J. Michael Shull, “Intergalactic Pollution”, Nature 1999,394, pp. 17-18
19 Jeff Hecht, “Astronomers’ Double Whammy Rocks Cosmology”, New
Scientist, 1994,141,p.l6.

87
Deus e Cosmos

estrelas, e não no estágio inicial do Big Bang.20 Eles também


apresentaram evidência de que as abundâncias observadas de
hélio e outros elementos leves foram geradas em processos
estelares. Num artigo mais recente Burbidge, Hoyle e
Narlikar21 dão uma breve descrição de sua alternativa
cosmologia, de estado-quase-estacionário. Lerner22 construiu
cenários nos quais as abundâncias observadas seriam forma­
das através de núcleo-síntese em ciclos de formação estelar e
explosão. Embora o deutério e o litio não sejam produzidos
por estrelas normais, eles poderiam ser criados através da
interação entre matéria e raios cósmicos.23 Van Flandern tam­
bém afirmou que seu modelo poderia explicar as abundâncias
observadas considerando um ciclo infinito de formação de
estrelas e galáxias, enquanto modificadas por processos contí­
nuos, tais como os efeitos de raios cósmicos. De novo, nós
notamos que explicações alternativas para as abundâncias
elementares observadas envolvem pelo menos tantos dispara­
tes e apelações especiais quanto a própria cosmologia Big Bang.
Aqui também a evidência não dá suporte inequívoco a
nenhuma de tais teorias.

3. As Microondas Cósmicas de Fundo


As radiações de fundo das microondas cósmicas, (CMBR
- Cosmic Microwave Background Radiation), primeiramente

20 “The Origin of Helium and other Light Elements”, AstrophysicalJournal,


1998,509,pp.Ll-L3.
21 G. Burbidge, F. Hoyle and J. V Narlikar, “A Different Approach to
Cosmology”, Physics Today, 1999,52 (April), pp.38- 44.
22 E. J. Lerner, “Plasma Models of Microwave Background and Primordial
Elements: An Alternative to the Big Bang”, Laser and Particle Beams, 1988,
6, pp. 456- 468; “Galactic Model of Element Formation”, IEEE Transactions
on Plasma Science, 1989,17, pp. 259-263.
23 Tom Van Flandem, Dark Matter, Missing Planets and New Comets, Berkeley:
North Atlantic Books, 1993.

88
Cosmologia Moderna

observadas em 1965, supriram evidências adicionais do Big


Bang. De acordo com a teoria do Big Bang os fótons remanes­
centes do CMBR interagiram com a matéria quando o uni­
verso se resfriou a uma temperatura em torno de 3.000 graus
Kelvin, cerca de 300.000 anos após a explosão Big Bang. Um
mapa do CMBR atual é considerado como uma fotografia
que nos fornece uma idéia do universo naquele tempo. Tal
radiação resfriou-se aos 3 graus Kelvin que hoje detectamos.
Isso algumas vezes é referido como o “afterglow” (lampejo sub-
seqüente) ou o “smoking gun” (o esfumaçar) da explosão Big
Bang. Sua uniformidade em todas as direções (isotropia) é
tomada como uma forte evidência da radiação da origem
primeva.
Na realidade, a radiação não é bem uniforme em todas as
direções. Há um pequeno afastamento ou desvio da uniformi­
dade, que corresponde a um movimento aparente do sol em
relação à CMBR de 370 kms. Quando se leva em conta o
movimento do sol em torno da galáxia, isso resulta num
movimento do nosso grupo local de galáxias em relação ao
CMBR de 620 kms.24 Estudos recentes, realizados por Lauer
e M. Postman,25 indicam que a velocidade de 600 kms se
aplica a todas as galáxias ao nosso redor, dentro de um raio de
pelo menos 10% do universo visível. Isso se compara a uma
variação de velocidade de galáxias dentro de agrupamentos
locais de geralmente menos de 100 kms.
Tão grande afastamento das galáxias com relação à ra­
diação de fundo é bem contrária à teoria do Big Bang. A
expansão das galáxias teria que ser muito mais uniforme,
com pequenas variações locais, mas, no geral, em repouso
com relação ao CMBR.
24 M. S. Turner and A. Tyson, “Cosmology at the Millenium”, Reviews of
ModemPhysics, 1999,71,pp. S145-164.
25 T. R. Lauer and M. Postman, “The Motion of the Local Group”,
AstrophysicalJournal, 1994,425,pp.418-438.

89
Deus e Cosmos

Como se explicaria um desvio tão grande, da ordem de


600 kms? Tem sido conjeturado que essas galáxias são afeta­
das pela atração gravitacional de uma massa gigantesca. No
entanto, este observado desvio com relação ao fluxo uniforme
é tão grande que a dimensão deste perturbador teria que ser
muito gigantesca. Nenhum objeto adequado tem sido identi­
ficado. Strauss26 conduziu simulações computacionais destes
dados, e chegou à conclusão de que tais fenômenos são
extremamente improváveis em qualquer dos modelos de
Big Bang atualmente propostos.
A suposição de homogeneidade é ainda mais erodida
de que galáxias são agru­
pela descoberta de Geller e Huchra27 28
padas em grandes estruturas tipo muralhas e lacunas, ou vazi­
os, alguns dos quais com diâmetro superior a meio milhão de
anos-luz (ver Figura 3.3). O astrônomo J. Einasto, discutindo
resultados de pesquisas mais recentes, comentou:

Aqui, usando uma nova compilação de dados disponíveis sobre


agrupamentos de galáxias, nós presenciamos a evidência de uma
malha tridimensional quase regular de ricos supergrupamentos )
e vazios de galáxias, com as regiões de alta densidade separadas
por mais ou menos 120 megaparsecs (em tomo de 400 milhões de
anos-luz). Se isto reflete a distribuição de toda a matéria (lumi­
nosa e escura), então deve existir algum processo até aqui desco­
nhecido que produza estrutura regular em larga escala.2*

Devemos observar que a radiação de fundo tem sido

26 M. Strauss et al., “Can Standard Cosmological Models Explain the


Observed Abell Cluster Bulk 'FXo'N'i”, AstrophysicalJournal, 1995,444, pp.
507-519.
27 M. J. Geller and J. E Huchra, “Cosmic Cartographers Find “Great Wall”,
Science News, 1989,136, p.340.
28 J. Einasto et al., “A 120-Mpc Periodicity in the Three Dimensional
Distribution of Galaxy Superclusters” Nature, 1997,385,139.

90
Cosmologia Moderna

Figura 3.3: Distribuição das Galáxias Vizinhas


Nossa galáxia situa-se no centro da representação esquemática
acima que cobre uma distância de 600 milhões de anos luz no
espaço. Cada ponto representa uma galáxia. Notar os imensos
espaços vazios.
(Extraido da obra de Michael Zeilik, Conceptual Astronomy,
New York: John Wiley & Sons Inc., 1992.)

91
Deus e Cosmos

também predita por outras teorias. Partindo de estimativas da


radiação emitida por estrelas, o astrônomo britânico A. S.
Eddington29 calculou a temperatura do espaço interestelar como
sendo de 2 a 3 graus Kelvin, devido ao calor causado pela luz
das estrelas. Finlay-Freundlich, baseado em sua teoria de luz
cansada para explicar o deslocamento para o vermelho, prevê
que a temperatura do espaço intergaláctico deve ser algo entre
1,9 e 6 graus Kelvin.30
Narlikar observa que inúmeros processos astrofísicos
poderiam produzir energia na quantidade necessária: o cam­
po magnético galáctico, raios cósmicos, e luz das estrelas.31
Como foi acima observado, Burbidge e Hoyle apontaram
que se todo o hélio observado no universo tivesse sido pro­
duzido nas estrelas, então a luz das estrelas gerada neste
processo teria a mesma densidade de energia da radiação de
fundo de microondas. Narlikar e outros têm sugerido que a
presença de grãos de grafite finos e delgados, ou bactérias
microscó-picas, no espaço interestelar alteraria esta luz, de
modo tal que seu espectro seria similar à radiação de fundo
de microondas observada. Tais mecanismos foram usados
para produzir versões mais atualizadas da cosmologia do esta­
do estacionário, e do modelo de Hoyle para o “universo de
pequenos Big Bangs” eternos, no qual uma infinita sucessão
de pequenos Big Bangs interagem com a matéria previamente
existente para formar amontoados dos quais as estrelas e galá­
xias originariam.32

29 A. S. Eddington, The Internal Constitution of the Stars, Cambridge: The


University Press, 1926, pp. 371,377.
30 E. Finlay-Freundlich, “Red Shifts in the Spectrum of Celestial Bodies”,
Philosophy Magazine, 1954,45 pp.303-319.
31 J. V Narlikar, “Did the Universe Originate in a Big Bang?” in S. K. Biswas
(ed.), Cosmic Perepecwe, Cambridge: The University Press, 1989.
32 F. Hoyle, The Intelligent Universe, New York: Holt Rinehart & Winston,
1983.

92
Cosmologia Moderna

O modelo cosmológico de S. V M. Clube,33 envolvendo


núcleos hipercompactos nas galáxias e um frio “vácuo
material”, supostamente supre uma explicação natural para
a radiação de fundo de microondas. Como já foi observado,
as teorias de luz cansada explicam a radiação em termos da
re-radiação da energia perdida pela luz. Por outro lado, Ellis
explica a radiação de fundo em termos de gás quente no
segundo centro do universo. Gentry apela para uma casca ou
camada de gás hidrogênio quente envolvendo as galáxias do
universo visível.34
Uma vantagem da explicação do Big Bang é que uma
simples explicação é dada para o modo como a radiação de
fundo é observada, variando com o comprimento de onda (ela
se comporta como uma fonte de calor perfeitamente eficiente,
denominada “corpo negro”). As outras explicações geral­
mente têm mais dificuldade em explicar esta característica,
embora na cosmologia estática de Segal (ver p. 80) a forma
de corpo negro da radiação de fundo emerge naturalmente
como o estado de equilíbrio dos fótons dispersos.

Problemas Subsequentes com o Big Bang

Em 1980, a despeito de seu sucesso inicial, a cosmologia


Big Bang já havia encontrado um grande número de
problemas teóricos. Primeiramente havia o problema da
formação das galáxias. A uniformidade da radiação de fundo
implicou que, logo após o Big Bang, a energia estaria bem
uniformemente distribuída. Mas, como então isso poderia

33 S. V. M. Clube, "The Material Vacuum”, Monthly Notices of the Royal


Astronomical Society, 1980,193, p.385.
34 Ellis, “Is the Universe Expanding?”; Gentry, “A New Red Shift
Interpretation.”

93
Deus e Cosmos

resultar nas galáxias e estruturas ainda maiores que hoje


observamos?
Em seguida, veio o problema do “horizonte”. A radiação
de fundo é uniforme em todas as direções, implicando que
regiões do espaço agora aparentemente separadas por bilhões
de anos-luz teriam as mesmas condições físicas. Contudo,
essas regiões estariam tão separadas umas das outras, que a
luz, ou qualquer outro tipo de informação, não teria tido
tempo suficiente para viajar entre elas. Como então poderíam
compartilhar as mesmas propriedades, tais como tempera­
tura e densidade de energia?
Outro quebra-cabeça foi o problema do “achatamento”.
No presente, o universo parece ser aproximadamente acha­
tado, sua densidade sendo próxima dos limites entre um
universo fechado e um universo aberto (ver Figura 3.4). Se a
densidade fosse apenas um pouco maior do que o valor
crítico, o universo já teria novamente implodido, desde há
muito tempo. Por outro lado, se fosse um pouco menor, então
a dispersão teria sido rápida demais para que as estrelas
pudessem ter sido formadas. De acordo com Narlikar35, a
densidade imediatamente após o Big Bang não poderia ter
diferido do valor crítico por mais que 1 parte em 10 elevado
à 55a potência (isto é,lseguido de 55 zeros). Como podería
alguém explicar tão extraordinária coincidência?

1. Inflação
Para resolver esta e outras questões, o conceito de “infla­
ção” foi apresentado por Alan Guth. Este conceito surgiu
da consideração de certas “principais teorias unificadas”,
que sugeriam como princípio que, em temperaturas extre­
mamente elevadas, as forças nucleares e eletromagnéticas
convergem para uma única força. Tais temperaturas teriam

35 Narlikar, “Did the Universe Originate in a Big Bang?”

94
Cosmologia Moderna

Figura 3.4: Tamanho do Universo versus Tempo


Em seguida ao Big Bang, um universo aberto se expan­
diria para sempre; já um universo fechado eventualmente
entraria em contração que resultaria no Big Crunch ou
grande implosão, que poderia ser seguida por nova expansão,
resultando num universo oscilante. Em qualquer dos casos, o
Big Bang pode ter sido precedido por uma contração prévia.

95
Deus e Cosmos

prevalecido na primeira fração de tempo de segundo (isto é,


0300000000000000000000000000000000001 de segundo)
após ocorrido o Big Bang. Naquele exato momento, certas
regiões do universo entraram num peculiar estado de “falso
vácuo”, no qual a força da gravidade se tornou repulsiva, ao
invés de atrativa. Como resultado, essas regiões passaram por
uma breve mas gigantesca expansão, ou “inflação”, com ve­
locidades de expansão muito maiores que a velocidade da
luz. Uma tal região, que teve início como uma minúscula
região, muito menor que um átomo, e que terminou do
tamanho de uma grande laranja no instante seguinte, suposta­
mente tornou-se aquilo que é o nosso universo. Segundo
este ponto de vista, nosso universo observável não passa de
uma pequena bolha num cosmos de muito maior dimensão.
A inflação explicou a formação das galáxias. De acordo
com a física quântica, qualquer campo energético experi­
menta constantes flutuações de intensidade ao nível sub­
atômico, como ondas na superfície de um lago. A inflação
faria essas flutuações grandes o bastante para servirem de
sementes para estrelas e galáxias.
A expansão muito rápida devida à inflação parecia
ter também resolvido o problema do “horizonte”. Conforme
inflação, a região de onde emergiu o universo observável
era tão pequena que as trocas de energia já o teriam feito
homogêneo.
Em adição, a inflação também resolveu o problema do
“achatamento”. Assim como o soprar uma bola de praia a
um tamanho mil vezes maior que seu tamanho normal faria
com que sua superfície parecesse achatada do ponto de vista
de um observador próximo a ela, assim também a inflação
teria achatado nossa região do universo, dando lugar a uma
densidade muito próxima do valor crítico.
Embora o conceito de inflação tenha sido logo incorpo­
rado como parte integrante da cosmologia do Big Bang,

96
Cosmologia Moderna

dúvidas a respeito de sua viabilidade36 têm aumentado. Uma


dificuldade primária é que a inflação prediz que a densidade
matéria-energia do universo está exatamente ao nível crítico,
enquanto que observações indicam um valor muito abaixo do
crítico. Outra falha é que não há um mecanismo inflacionário
próprio, ou único; muitos diferentes cenários inflacionários
têm sido sugeridos, produzidos para se encaixar ou adaptar a
dados observacionais que variam. De fato, parece haver tantos
parâmetros abertos que a inflação pode então explicar qual­
quer conjunto de observações que se apresente. Além disso, a
inflação depende de uma variedade de entidades hipotéticas
em física de partículas, como o hipotético campo de Higgs,
ainda não observadas.

2. Formação de Galáxias
As flutuações iniciais de densidade decorrentes da infla­
ção, e a partir das quais as futuras galáxias teriam sido
formadas, deveriam ter deixado suas marcas no CMBR
(Cosmic Microwave Background Radiation - A Cósmica
Radiação de Microondas). Em 23 de abril de 1992, um tanto
de excitação foi gerada quando, depois de longas buscas,
astrônomos americanos anunciaram que haviam detectado
pequenas variações na CMBR. Isto foi imediatamente inter­
pretado como relíquias de estruturas inchadas ou amontoadas
que teriam existido logo após o nascimento do universo. Tal
descoberta foi saudada como decisiva confirmação da teoria
do Big Bang de origem do universo. Como reportado no dia
seguinte no International Herald Tribune, o famoso cosmologista
de Cambridge, Stephen Hawking, exclamou: “Trata-se da

36 See Roger Penrose, “Difficulties With Inflation Cosmology”, Annals of


the New York Academy of Science, 1989, 571, pp.249-264, e J. Earman and
J. Mosterin, “A Critical Look at Inflationary Cosmology”, Philosophy of
Science, 1999,66.

97
Deus e Cosmos

descoberta do século, talvez de todos os tempos”, e George


Smoot, líder da equipe de pesquisa que fez a descoberta,
comentou: “É como se estivéssemos olhando para Deus”.
Contudo, a despeito da euforia, dificuldades permane­
ceram. Por um lado, as flutuações observadas eram muito
menores do que originalmente predito.37 Para que tão
minúsculas sementes crescessem, até formarem galáxias e as
gigantescas estruturas de galáxias recentemente descobertas,
seria requerido muito mais tempo do que o permitido pela
cosmologia do Big Bang.
Para resolver o problema da formação de galáxias, foi
postulada a existência de enormes quantidades de matéria
invisível, que não teriam deixado marcas no CMBR. Se tal
matéria invisível fosse altamente amontoada e calcada, no uni­
verso primitivo, ela poderia ter constituído centros de forte
atração gravitacional, sem perturbar a uniformidade do CMBR.

3. Massa Faltante
Havia evidência adicional para falta de massa. A densi­
dade atual do universo, dividida pela densidade crítica
necessária para fechar o universo, é denominada “Ômega”. A
massa observável do universo leva a um valor Ômega de apro­
ximadamente 0,01, um por cento da massa necessária para
fechar o universo. Por outro lado, movimento orbital de alta
velocidade em torno das galáxias, e dentro dos grupos de
galáxias (clusters) implicam na existência de matéria “negra”
ou invisível, correspondente a um valor Ômega de 0,3.38
Inicialmente pensou-se que a matéria negra faltante
consistia de matéria ordinária na forma de pó, buracos negros,

37 Martin Rees, “Ripples from the Edge of Time”, Guardian Weekly, 3 May
1992, p. 11.
38 Peter Coles, “The End of the Old Model Universe”, Nature, 1998,393 (25
de Junho de 1998), p. 741.

98
Cosmologia Moderna

ou cometas escuros, planetas, estrelas e galáxias. Contudo,


pela cosmologia Big Bang, cálculos de formação de elemen­
tos indicavam que matéria comum, consistindo de bárions
(basicamente nêutrons e prótons) não pode exceder a 10% da
densidade crítica. Quantidades maiores de bárion resultaria
na formação de mais hélio do que o observado. Assim, maté­
ria ordinária leva a um valor Ômega inferior a 0,1. Decorre
daí que o modelo Big Bang não consegue explicar as abun­
dâncias observadas para os elementos leves ou então a maior
parte da matéria no universo consiste de matéria esotérica,
isto é, não bariônica. A maioria dos cosmologistas tem optado
por esta última hipótese.
Mas, que forma poderia a matéria faltante tomar? Um
importante competidor não bariônico era o neutrino veloz
(“hot, quente”). Embora tais partículas sejam reconhecidas
como existentes, elas interagem muito fracamente com a
matéria normal, fazendo com que a detecção delas seja muito
difícil. No entanto, modelos neutrino-dominados têm seus
próprios problemas. O principal deles é que o neutrino veloz
teria tomado muito tempo para se estabilizar e constituir
galáxias.39
Assim, os formuladores de teorias têm se concentrado em
partículas de matéria não bariônica de tipo estranho, de
movimento lento (“cold, frio”), e escuras (difíceis de obser­
var). Visto que partículas de matéria estável, fria e escura
jamais foram detectadas, grande número de partículas hipoté­
ticas exotéricas têm sido inventadas. Essas incluem misturas
exóticas tais como gravitons, fotinos, axions e WIMPS (Weakly
Interactive Massive Particles). Se tais partículas realmente
existem, e em proporções necessárias, isso ainda está para
ocorrer.

39John Horgan, “Universal Truths”, Scientific American, Oct. 1990, pp. 109-
117.

99
Deus e Cosmos

Um estudo de agrupamentos de galáxias mostrou que


matéria bariônica constitui uma fração maior da massa total
do que é predito pela cosmologia inflacionária.40 Isso é má
notícia para a cosmologia Big Bang. Outras notícias ruins vêm
da pesquisa realizada por Ben Moore que mostrou serem os
modelos de galáxias baseados em matéria-fria-negra funda­
mentalmente incompatíveis com as recentes observações de
galáxias anãs.41
Tais dificuldades tornam-se ainda maiores quando se con­
sidera a predição da teoria inflacionária de que o valor Ômega
deve ser exatamente igual a um; é preciso que haja exata­
mente a quantidade certa de matéria para que a atual expan­
são seja eventualmente interrompida. Tal predição exige
que haja quantidade ainda maior de massa “faltante”.

4. Aceleração
Na medida que o universo se expande, a força gravitacional
deveria agir como um freio, reduzindo a taxa de expansão.
Considerando que a imagem ou luz que ora recebemos das
galáxias distantes corresponde a uma época anterior, a taxa de
expansão de então, teria que ser maior que a atual. No entan­
to, pesquisas recentes têm mostrado, que a desaceleração da
expansão do universo é muito menor do que o esperado para
A

um valor Omega próximo de 1, e que a expansão pode até


mesmo estar acelerando.42 Isso levou à introdução de uma nova
“constante cosmológica”, denominada “Lambda” que corres­
ponde a uma força repulsiva, necessária para contrabalançar
a gravidade anteriormente mencionada.

40 S. D. M. White et al., “The Baryon Content of Galaxy Clusters: A Challenge


to Orthodox Cosmology” Nature 1993,366, p. 429.
41 B. Moore, “Evidence Against Dissipationless Dark Matter from
Observations of Galaxy Haloes”, Nature, 1994,370, pp. 629-631.
42 Coles, “The End of the Old Model Universe”.

100
Cosmologia Moderna

Nos modelos mais recentes, Lambda age como uma espé­


cie de matéria com propriedades deveras estranhas. Ela
corresponde a uma densidade de energia uniforme, que
curva o espaço do mesmo modo que a matéria o faz. Todavia,
ela também apresenta pressão negativa a qual, diferentemente
da gravidade, tende a expandir o universo e causar a acelera­
ção cósmica. Essa densidade de energia não é causada por
matéria ou radiação, e sim por uma propriedade misteriosa
e hipotética do espaço “vazio”. Posto que Lambda atua como
matéria, ela causa um acréscimo em Omega. Muitos
cosmologistas preferem um modelo onde o Omega total é igual
a 1, precisamente o valor crítico, sendo 0,3 a parcela de contri­
buição devida à matéria e radiação, e os restantes 0,7 devidos
ao Lambda. Isso faz o espaço achatado, e satisfaz as predições
de inflação. Infelizmente, a existência de um Lambda de di­
mensão requerida não é explicável em termos dos conceitos
de física de partículas. Cálculos em física de partículas, da
energia de vácuo produzida na medida em que o universo se
esfria, predizem um valor de Lamba em torno de vezes maior
do que a densidade observada da matéria.43 Nas palavras
de Steven Weinberg, laureado Prêmio Nobel:

Este deve ser o maior erro de estimativa, em ordem de magni­


tude, em toda a historia da ciência.44

Muitos cosmologistas se preocupam sobre esta gigantesca


discrepância. John Earman, observando que alguns físicos
consideram a constante cosmológica como sendo o maior pro­
blema em toda a física, escreve:

Alguns autores, propondo solução para este problema, apelam

43 Coles, “The End of the Old Model Universe”.


44 S. Weinberg, Dreams ofa Final Theory, New York: Pantheon, 1992.

101
Deus e Cosmos

para a hipótese de buracos no espaço-tempo. Outros postulam


um mecanismo envolvendo uma fase de transição em
supergravidade N=8. Outros preferem considerar o princípio
antrópico. Ao nosso ver, esses movimentos são sintomas de deses­
pero. 45

Recentemente, num esforço para resolver o problema


lambda e contornar os problemas criados pela inflação, John
Barrow46, Albrecht e Magueijo47 postularam ser a velocidade
da luz muito maior num passado distante. Barrow demonstra
que isso resolve também os problemas de horizonte e de acha­
tamento do universo. Uma vantagem disso sobre a inflação é
que ela não requer grandes quantidades de formas de matéria
gravitacional-repulsiva, hipotéticas e estranhas.

5. Mais Quebra-Cabeças
Mais recentemente os astrônomos observaram um
segundo tipo de radiação de fundo. Situada na região de
infravermelho do espectro, essa radiação, segundo a cosmo­
logia Big Bang, deve datar de um período prévio e não visto
do universo - entre a liberação do CMBR e a formação das
mais primitivas galáxias conhecidas, que teria ocorrido apro­
ximadamente um bilhão de anos após. George Musser relata
que essa radiação é 2,3 vezes mais brilhante do que a luz
visível do universo.48 Ela implica que o universo é cheio de
enormes quantidades de poeira. Sua fonte de origem ainda
está por ser identificada, porém é presumida como sendo
galáxias distantes. Segundo Musser, o inesperadamente

45 Earman and Mosterin, “A Critical Look at Inflationary Cosmology”.


46 J. D. Barrow, “Cosmologies with varying Light-Speed”, Physical Review D,
1999,59,043515.
47 A. Albrecht and J. Magueijo, “A Time Varying Speed of Light as a Solution
to Cosmological Problems”, Physical Review D, 1999,59,043516.
48 G. Musser, “Glow in the Dark”, Scientific American, March 1998,278, p.18.

102
Cosmologia Moderna

brilhante pano de fundo sugere que a formação de estrelas


ocorreu mais rápido e gerou mais energia do que o previsto
pelos atuais modelos cosmológicos.
Finalmente, há dificuldades no que se refere a objetos
observados com alto deslocamento para o vermelho. Na
cosmologia Big Bang, altos deslocamentos para o vermelho
são considerados como indicando grandes distâncias e perío­
do de formação primitivo. O modelo matéria-fria-escura
prediz que a maioria das galáxias levam pelo menos vários
bilhões de anos para se formarem. Isso corresponde a um
valor de deslocamento para o vermelho entre 4 e 5. Contudo,
observações recentes de uma bem pequena nesga do céu com
o telescópio espacial Hubble encontraram 14 galáxias com
deslocamento para o vermelho entre 5 e 10, e outras cinco
candidatas com deslocamento para o vermelho superior a 10.49
Conforme um deslocamento para o vermelho (valor 10),
galáxias são vistas quando o universo presumivelmente tinha
apenas 9% de sua dimensão atual, e provavelmente apenas
algumas centenas de milhões de anos de idade. Formações
tão rápidas de galáxias e estrelas são difíceis de explicar
dentro de modelos Big Bang.
Um problema correlacionado refere-se à aparência desses
supostamente jovens objetos. Eles com freqüência mostram
surpreendentemente pequenas evidências de “evolução”. Por
exemplo, a NASA reporta que o telescópio espacial Hubble
encontrou galáxias elípticas distantes com aparência marca­
damente similar às galáxias de hoje.50 Isso foi considerado
como um paradoxo: galáxias adultas num universo infante. A
mesma fonte encontrou também um agrupamento de galáxias

49 G. Schilling, “Galaxies Seen at the Universe's Dawn”, Science, 1999,283,


p.21.
50 NASA “Hubble Uncovers New Clues to Galaxy Formation”, http://
opposite.stsci.edu/pubinfo/background-text/galxpdx.txt, 1994.

103
Deus e Cosmos

com alto valor de deslocamento para o vermelho e cita o astrô­


nomo Duccio Maccheto, da Agência Espacial Européia:

A simples presença deste cluster mostra que estas grandes


estruturas já existiam há 2 bilhões de anos após o Big Bang. Isto
é inesperado e contradiz muitas teorias de formação de cluster e
galáxias.

Para maiores informações sobre dificuldades com a


cosmologia Big Bang, eu remeto o leitor interessado aos
artigos de autoria de Arp, Berlinski, La Violette, Lerner e
Mitchel citados na bibliografia, bem como a outras referên­
cias adicionais ali encontradas.

Premissas Cosmológicas Básicas

A existência de uma ampla variedade de modelos


cosmológicos indicam que não é uma questão simples cons­
truir um modelo cosmológico a partir de nossas observações
do universo. Não apenas são as observações explicáveis por
muitas diferentes vias, mas também são, elas próprias, de
natureza limitada e incompleta. A criação de um modelo do
universo físico como um todo, exige que façamos um número
de suposições básicas freqüentemente difíceis de serem
verificadas ou validadas.
Quais são os tipos de premissas ou suposições geralmente
feitas em cosmologia? Elas podem ser de tipo tão amplo como
aquelas que supõem a validade da física local a âmbito
universal (incluindo, particularmente, a relatividade geral),
a premissa de que ocupamos uma posição típica no universo,
e a de que o universo pode ser representado por um continuum
espaço-tempo quadrimensional.51 Suposições mais detalhadas

51 Estas premissas são discutidas, por exemplo, porWilliamStoeger, >>>

104
Cosmologia Moderna

podem ser também adicionadas, tais como a interpretação do


deslocamento para o vermelho das galáxias relacionado com
movimento ou com a existência de certas singularidades de
um Big Bang que passou.
No entanto, há duas suposições tão fundamentais à
maioria dos modelos cosmológicos que, neste ponto, uma
discussão mais detalhada a seu respeito é justificável.

1. Indução
Consideremos primeiro as várias suposições concernentes
à uniformidade. É geralmente presumido que o princípio de
indução é válido, que as leis da física observáveis aqui e agora
são umversalmente aplicáveis. Mais ainda, é comumente
aceito como verdadeiro que explicações sobre estruturas
devem ser dadas em termos dessas leis da física.
Enquanto tais princípios de uniformidade possam
parecer suficientemente razoáveis, eles não são isentos de
problemas. A justificação da indução, na filosofia da ciência,
é um dos problemas ainda a ser resolvido. Como o filósofo
britânico David Hume indicou em 1739, não há nenhuma forte
razão para acreditar nele (no princípio de indução). A indução
não pode ser justificada por observação, desde que o universo
não observado é, por definição, não observado. A indução não
pode também ser justificada pela lógica, desde que não há
razão lógica porque o universo deveria se comportar unifor­
memente. Assim, o universo além de nossa experiência pode
ser bem diferente daquilo que podemos esperar.
A indução pode ser a mais simples e mais conveniente
extrapolação. Isso, porém, não garante sua veracidade. Afinal,
como podemos ter certeza de que teorias simples (ou bonitas,

< < < “Contemporary Cosmology and Implications for the Science-Religion
Dialogue”, em J. R. Russel, (ed.),Physics, Philosophy, and Theology: A Common
Questfor Understanding, Vatican City: Vatican Observatory Press, 1988.

105
Deus e Cosmos

ou úteis, etc.) são mais prováveis de serem verdadeiras? Ainda


estamos frente a frente com a difícil questão de identificar e
justificar um critério válido para seleção de teorias.
Embora a indução constitua problema também para
outras ciências, a situação é pior em cosmologia, a qual empe-
nha-se para descrever e explicar a inteira história do universo
físico. A maioria das outras ciências são muito mais proxima­
mente ligadas a observações e experimentações. Indo além,
em cosmologia é preciso assumir não meramente que as leis
da física localmente observadas se aplicam a todos os lugares e
sempre, mas também que tais leis permanecem válidas sob
circunstâncias extremas, tais como temperaturas tremenda­
mente elevadas, e pressões próximas da singularidade do Big
Bang.
Como já vimos, algumas cosmologias abrandam as
premissas da indução em certo grau, postulando mudanças de
constantes físicas, tais como a constante gravitacional ou a
velocidade da luz. Entretanto, até mesmo aqui é geralmente
suposto que a relação de dependência no tempo para tais
constantes é governada por alguma lei superior, tida como
universalmente aplicável.
Como alternativa mais radical para a indução, muitos
astrônomos têm mencionado a possibilidade de que o uni­
verso pode ter sido criado instantaneamente num passado
recente. Esta noção será discutida mais detalhadamente em
capítulo posterior.

2. O Princípio Cosmológico
Uma segunda suposição comumente feita refere-se a uma
característica observacional. O universo ao nosso redor parece
notavelmente “isotrópico”, isto é, ele parece aproximadamente
o mesmo em todas as direções. Uma explicação óbvia é que
nós nos encontramos próximo ao centro de um universo
esféricamente simétrico. Mas tal explicação não agrada os

106
Cosmologia Moderna

cosmologistas modernos. Como Ellis observa:

Em tempos idos, a suposição de que a Tetra era o centro do


universo, era um conceito tido como certo. Como sabemos, o
pêndulo oscilou e agora está no extremo oposto; tal conceito
agora é considerado anátema por todos os homens pensantes...
Isto é devido à revolução Copérnico-Darwiniana em nosso
entendimento da natureza humana e nossa posição no universo.
O homem foi destronado da posição exaltada da qual ele uma
vez fora considerado detentor}2

Considerando as observações cosmológicas atuais, seria


coerente a suposição de que estamos no centro do universo, e
que, por exemplo, as galáxias foram distribuídas esférica e
simetricamente ao nosso redor em camadas de densidade
crescente na medida em que aumentam suas distâncias em
relação a nós. Embora modelos matemáticos de tais cosmo­
logias geocêntricas tenham sido ocasionalmente investigados,
eles não foram levados a sério; de fato, a mais surpreendente
característica da cosmologia predominante é como essa óbvia
possibilidade tem sido completamente desacreditada.
Em lugar disso, para explicar a isotropia observada,
a dota-se o Princípio Cosmológico, postulando que ocupamos no
universo uma posição típica, ao invés de uma posição espe­
cial. Isso pressupõe que todos os observadores hipotéticos,
em qualquer lugar do universo, num dado tempo cósmico,
observariam basicamente as mesmas propriedades caracte­
rísticas do universo. Isso implica que o universo não pode ter
fronteiras uma vez que um observador próximo à fronteira
não poderia observar uma distribuição isotrópica das galá­
xias. Decorre daí que o universo é um espaço infinito, ou
esféricamente curvado.
52 G. E R. Ellis, “Cosmology and Verifiability”, QuarterlyJournal ofthe Royal
Astronomical Society, 1975,16, pp.250.

107
Deus e Cosmos

Como só podemos observar o universo a partir de uma


posição - a nossa - não pode haver evidência direta do prin­
cípio cosmológico. Contudo, há um teste indireto. Se o
princípio cosmológico for sustentável, então o universo
deverá ser homogêneo através do espaço, devendo, a distri­
buição da matéria, ser basicamente a mesma em todo o
universo.
Observações, não obstante, indicam que as galáxias
distantes não são uniformemente distribuídas no espaço. É
verdade que isso pode ser esperado, até um certo grau, pois
que as galáxias mais distantes presumivelmente representam
uma época mais remota, quando o universo era mais denso e
as galáxias mais próximas umas das outras. Todavia, mesmo
fazendo correções para compensar este efeito, a densidade
das galáxias parece ser função de suas distâncias a nós. A
primeira vista isso parece refutar o princípio cosmológico.
Contudo, ele tem sido poupado ou isentado de falsificações
através de postular que as galáxias evoluem no tempo.
Conjectura-se que no passado as galáxias não eram mera­
mente mais próximas umas das outras, mas eram também
mais numerosas do que hoje. A presumida taxa de evolução é
ajustada de modo a fazer o universo homogêneo. De novo,
citando Ellis:

A suposição de homogeneidade espacial tem sido inevitavel­


mente feita, e tem levado à conclusão de que a multiplicidade de
fontes de rádio (galáxias observadas via radiotelescopios) evo­
lui com rapidez extrema. O que acontece, portanto, é que uma
não provada suposição cosmológica tem sido completamente aceita
e tem sido usada para obter informações sobre processos
astrofísicos; informações essas bem pouco esperadas.53

53 G. E R. Ellis, “Cosmology and Verifiability”, QuarterlyJournal ofthe Royal


Astronomical Society, 1975,16, pp.250.

108
Cosmologia Moderna

Em resumo, o princípio cosmológico é uma crença


metafísica que tem sido isentada de falsificação, pela intro­
dução de teorias auxiliares aã hoc, tais como a teoria que alega
a rápida evolução das galáxias.
O princípio cosmológico tem contudo a vantagem de
fornecer um modelo relativamente simples do ponto de vista
matemático. Mas, teorias simples não são necessariamente mais
acuradas do que outras mais complexas. É possível construir
outros modelos basedos em diferentes suposições. Por exem­
plo, como já observamos, a cosmologia de estado estacionário
é baseada no princípio cosmológico perfeito, isto é, a suposi­
ção de que o universo é o mesmo não apenas no espaço, mas
também no tempo. Ou ainda, alguém poderia desconsiderar com­
pletamente o princípio cosmológico e construir um modelo
que nos colocasse próximo ao centro de um universo simetri­
camente esférico. Várias cosmologias deste tipo têm sido
construídas. Na verdade, observações recentes indicam que o
universo é aberto, pondo de lado o conceito de universo fecha­
do, finito e sem fronteiras. O princípio cosmológico implica
em que um universo aberto é infinito. Como a cosmologia
inflacionária, por outro lado, afirma um universo finito,
recentemente um número de modelos Big Bang inflacioná­
rios abandonaram o princípio cosmológico. O cosmologista
Andrei Linde, por exemplo, no seu modelo de universo
eterno, auto-reprodutivo, calcula que o universo será não
homogêneo, com cada observador localizado próximo ao
centro de um buraco esférico na distribuição de densidade. Os
observadores estão tão distantes um do outro que cada um
considera a si mesmo como estando no centro do universo.54
Finalmente, deve ser lembrado que o princípio cosmo­
lógico é baseado na suposta homogeneidade do universo.

54 A. Linde etal., “Do We Live in the Centre of the World?”, Physics Letters
B, 1995,345, pp. 203-210.

109
Deus e Cosmos

Observações recentes de grandes conjuntos de galáxias e de


movimentos tipo grande-escala das galáxias (discutido anteri­
ormente neste capítulo) sugerem que o universo pode não ser
tão homogêneo como geralmente suposto.

O Problema da Verificação

Como já observamos, algumas das mais básicas suposi­


ções em cosmologia são de natureza essencialmente não
verificável. A verificação pode ser um problema também para
aspectos mais específicos dos modelos cosmológicos.
Oldershaw distingue entre dois tipos de intestabilidade:

1. Intestabilidade da Primeira Espécie:


uma teoria inerentemente intestável, isto é, aquela que não pode
gerar predições definidas e testáveis, ou suas predições são
impossíveis de serem testadas.

2. Intestabilidade da Segunda Espécie:


uma teoria efetwamente intestável, isto é, aquela que apresenta
vários parâmetros ajustáveis ou é em geral modificável de
maneira ad hoc.
Muitas das características básicas da cosmologia Big
Bang, o modelo favorito na atualidade, são inerentemente
intestáveis. Os eventos mais críticos supostamente ocorreram
dentro do lapso de tempo de aproximadamente segundos após
ocorrer a explosão do Big Bang. Contudo, de acordo com
Oldershaw,55 em princípio não podemos obter informação
direta sobre o estado do universo anterior ao momento de
desacoplamento de radiação e matéria, a segundos após o Big
Bang. Os mais recentes modelos Big Bang inflacionários são

55 R. L. Oldershaw, “The New Physics - Physical or Matematical Science?”,


American Journal ofPhysics, 1988,56,pp.1075-1081.

no
Cosmologia Moderna

altamente dependentes da física de partículas, o que im­


plica num envolvimento ainda maior com entidades teóricas
não verificáveis. Muitas teorias da nova física requerem
dimensões extras: de 5 a 26 dimensões é típico, sendo 950
dimensões o último recorde. Não há, todavia, um meio conhe­
cido de se testar empiricamente a existência dessas dimensões
extras. Uma dificuldade adicional é que as condições do
universo primitivo (temperaturas e pressões altíssimas) são
tais que não podem ser reproduzidas em nenhuma outra situ­
ação. Assim, a física de partículas sendo usada, não pode ser
testada independentemente.
Burbidge comenta: “Mas como não há meio de se testar,
através da observação direta, as hipóteses inflacionárias, a
inflação sempre me pareceu uma idéia com base apenas
metafísica”.56
Há também inúmeros casos envolvendo intestabilidade
da segunda espécie. A física de partículas tem sido aplicada
como meio para superar várias limitações observacionais da
cosmologia Big Bang. Contudo, a maioria dos cenários pro­
postos é decididamente ad hoc. O modelo padrão da física de
partículas possui mais de vinte parâmetros (tais como massas
de partículas e intensidades de acoplamento de forças) que
não podem ser derivadas de modo único, e por isso são livre­
mente ajustáveis. Existe, atualmente, pelo menos meia dúzia
de teorias “super-cadeias”. Muitos dos problemas da física
de partículas são “resolvidos” ad hoc, inventando novos con­
ceitos, tais como o “mecanismo Higgs”, renormalização, e
“cor”.57
O cosmologista J. E. Peebles observou ironicamente:

56 G. Burbidge, “Modern Cosmology: The Harmonious and the Discordant


Facts”, in B. R. Iyer (ed.) Highlights in Gravitation and Cosmology, Cambridge:
The University Press, 1988.
57 Ver Oldershaw, “The New Physics.”

Ill
Deus e Cosmos

A grande novidade até agora é que a física de partículas parece


capaz de suprir condições iniciais para a cosmologia de modo a
atender aquilo que os astrônomos geralmente acham que dese­
jam, sem forçar indevidamente a teoria dos físicos de partículas.
Na verdade, eu às vezes tenho o sentimento de estar participando
de uma sátira, ou espetáculo humorístico: “Você deseja uma pre­
ga na cintura? Nós fazemos a prega para você. Você deseja uma
partícula maciça e de baixa interação? Nós temos uma prateleira
cheia...” Isso representa um tanto de atividade a ser alimentada
pelo mingau ralo de teoria e resultados observacionais negativos,
sem predições e verificações experimentais do tipo que, de acordo
com as usuais regras da física, nos levaria a pensar que estamos
no caminho certo. 58

Também em cosmologia própria, propostas ad hoc são


abundantes. Por exemplo, pelo menos três compreensíveis
teorias têm sido construídas para explicar a recente descoberta
de estruturas de larga escala no universo: cadeias cósmicas
supercondutoras, formação polarizada de galáxias num uni­
verso WIMP-dominado, e “dupla” inflação. Similarmente,
várias propostas engenhosas dão a entender que podem expli­
car as vastas quantidades de “massa faltante” no universo.

Sumário

Como resultado de nossa pesquisa sobre cosmologia mo­


derna, podemos obter um número de importantes conclusões:

1. Deficiências na Cosmologia Big Bang


Primeiramente, a cosmologia Big Bang, mesmo sendo
distintamente a cosmologia mais popular da atualidade, e mes-

58 E J. E. Peebles, Book Review: Inner Space / Outer Space - The Interface


between Cosmology and Particle Physics, by E. W. Kolb, Science, 1987, 235,
p. 372.

112
Cosmologia Moderna

mo sendo muitas vezes apresentada como indubitavelmente


verdadeira, é cercada por um número de sérias dificuldades
observacionais e teóricas.
No lado observacional, relembramos tais quebra-cabeças
observacionais como anômalos deslocamentos para o verme­
lho, a divergência com a lei linear de Hubble, as dificuldades
de explicar as abundâncias elementares, as grandes estruturas
de galáxias e outras inomogeneidades, o grande afastamento
de galáxias com relação ao CMBR, a aceleração aparente das
galáxias, e galáxias maduras com alto deslocamento para o
vermelho.
No lado teórico, relembramos a falta de conservação de
energia, o problema do mecanismo hipotético da inflação, a
alegada existência de grandes quantidades de matéria estra­
nha e invisível, o problema da constante cosmológica, o
Lambda, o problema da formação de galáxias e grandes
estruturas de galáxias, e assim por diante. Várias propostas
de explicações teóricas são inerentemente inverificáveis.
No presente, não está claro como tudo isto pode ser
satisfatoriamente resolvido. E mais, ainda não abordamos
adicionais problemas fundamentais associados com a ale­
gada singularidade Big Bang, assunto a ser discutido no
próximo capítulo. Em poucas palavras, tanto empírica
quanto teoricamente, a cosmologia Big Bang carece de coesão
e plausibilidade.
Isso não significa que a cosmologia Big Bang não pode
ser resguardada. Em princípio, é sempre possível salvar um
modelo cosmológico favorito. E sempre possível vislumbrar
modificações ad hoc ao modelo teórico de modo a conformá-lo
aos dados observacionais. Assim, por exemplo, a cosmologia
Big Bang foi poupada, ou isentada de falsificação pela inven­
ção da inflação, que envolveu vários cenários planejados
baseados num altamente hipotético “campo Higgs”. Predições
de inflação para um Ômega de valor 1 foram resguardados

113
Deus e Cosmos

pela invenção de gigantescas quantidades de “massa faltante”.


Quando ficou demonstrado que tal massa faltante não podia
ser matéria ordinária, uma grande quantidade de partículas
exotéricas foram inventadas, das quais nenhuma sequer foi
realmente observada, e assim por diante.
É prudente não nos esquecermos dos epiciclos de
Ptolomeu, e subseqüentes tentativas em cosmologia medieval
para explicar melhor as observações, postulando epiciclos
sobre epiciclos. Dado o número de parâmetros livres em
física de partículas, e a imaginação fértil dos cosmologistas,
pode muito bem acontecer que o futuro nos dê um novo
modelo do Big Bang que supere todas as dificuldades da
atualidade. Na prática, além de tudo, um modelo cosmológico
favorito não é descartado, mesmo que correntemente falsifi­
cado por dados, enquanto não é encontrada uma alternativa
mais aceitável.

2. A Possibilidade de Cosmologias Alternativas


Isto nos leva à segunda conclusão, a possibilidade de
cosmologias alternativas. Como já vimos, todos os aspectos
observacionais têm múltiplas interpretações teóricas. Isto tem
levado a um número de cosmologias alternativas. Muitas
dessas têm sido mencionadas em nossa prévia explanação
sobre o deslocamento para o vermelho e a radiação de fundo.
Muito mais pode ser visto no livro Progress in New Cosmologies
(O Progresso de Novas Cosmologias) dos autores Arp, Keys
e Rudnicki, que consta da Bibliografia, bem como outras
referências ali citadas.
Nossas discussões enfatizaram algumas limitações da
cosmologia Big Bang apenas por se tratar da cosmologia de
preferência da maioria. É necessário enfatizar que todas as
outras cosmologias também têm sérios problemas a superar.
Por exemplo, a maioria das interpretações alternativas do
deslocamento para o vermelho são altamente especulativas. E

114
Cosmologia Moderna

a maioria das explicações alternativas para as abundâncias


elementares observadas e a radiação de fundo parecem en­
volver pelo menos tanto remendo, camuflagem e pedidos
especiais quanto o faz a cosmologia Big Bang.
No entanto, essas cosmologias não podem simplesmente
ser rejeitadas como falsas. Aqui, também, não se pode descar­
tar a possibilidade de melhoramentos futuros. De fato, é
válido considerar que, se as cosmologias alternativas rece­
bessem tanta engenhosidade e financiamento de pesquisas
como tem sido o caso da cosmologia Big Bang, elas também
poderiam, do mesmo modo, ser adequadamente modificadas
para “redimir o fenômeno” (ou salvar as aparências).
Atualmente, não há modelo cosmológico que ofereça uma
explicação simples, em termos de leis físicas bem estabelecidas,
de todos os dados observacionais. Com o recente advento do
Telescópio Espacial Hubble, e outros avanços notáveis na
área de instrumentação eletrônica e computação, encontramo-
-nos na fronteira de uma nova era em astronomia. É esperado
que a próxima década traga uma proliferação de dados novos
e mais confiáveis a respeito de partes distantes do universo.
Não há dúvida de que observações futuras devem resolver
alguns dos problemas atuais, ao mesmo tempo em que trarão
outros problemas, levando assim ao desenvolvimento de
novos modelos cosmológicos que diferirão significativamente
do modelo Big Bang. É, pois, prudente não equiparar qual­
quer modelo cosmológico com a história real do cosmos.
Não obstante, a intrínseca, inevitável e epistêmica lacuna
que há entre as observações atuais e os hipotéticos modelos
cosmológicos para explicá-las, assegura-nos que continuará
havendo uma variedade de modelos cosmológicos.

3. A Necessidade de Pressuposições
Como então haveremos de escolher entre cosmologias
competitivas? Nossa terceira conclusão é que todo e qualquer

115
Deus e Cosmos

modelo cosmológico necessariamente repousa sobre várias


suposições, as quais são essencialmente inverificáveis. A
justificação dessas pressuposições básicas deve vir portanto de
subjetivas considerações extracientíficas. Como notamos no
primeiro capítulo, a teorização científica é guiada largamente
por nossas prévias crenças filosóficas e religiosas. Particular­
mente em cosmologia, onde tentamos explicar literalmente
tudo, construímos modelos teóricos que sejam consistentes
com nossas convicções mais básicas.
Torna-se, portanto, de crucial importância que esteja­
mos conscientes das implícitas pressuposições filosóficas
envolvidas na construção, avaliação e seleção de tais modelos
cosmológicos.

116
4
Cosmologia e Existência de Deus
Qual seria a implicação da existência do cosmos quanto a
existência de Deus? Se a cosmologia Big Bang fosse verdadei­
ra, será que isso constituiria uma prova da existência de Deus?
Várias implicações teológicas têm sido desenvolvidas a partir
da cosmologia moderna. Entre tais implicações há um núme­
ro de provas para a existência de Deus.
Provas racionais para a existência de Deus remontam pelo
menos à época de Platão. Essas provas podem ser agrupadas
em quatro tipos básicos: o argumento ontológico (do grego
onthos - ser) é baseado na noção de que o próprio conceito de
um Ser absolutamente perfeito exige que tal Ser exista. O
argumento moral, afirma que a existência de uma lei moral
implica na existência de um doador dessa lei moral. O argumen­
to cosmológico (do grego cosmos -mundo) postula que deve haver
uma causa anterior para explicar a existência do universo. O
argumento teleológico (do grego telos - desígnio, concepção,
propósito) defende que o aparente desígnio, ou propósito, na
natureza aponta para um designador inteligente.
Virtualmente todos os principais filósofos discutiram pelo
menos algumas dessas provas. Meu principal objetivo não é
fazer um exame detalhado das sutilezas filosóficas envolvidas,
e sim focalizar o papel desempenhado pelos fatores cosmo­
lógicos. Assim sendo, considerarei aspectos pertinentes a
apenas os dois últimos tipos de provas: o argumento cosmo­
lógico, baseado na evidência que aponta para um começo do
universo, e o argumento teleológico, baseado na evidência que

117
Deus e Cosmos

aponta para a existência de desígnio, ou propósito, dentro do


universo.
Minha intenção a seguir não é solapar uma crença racio­
nal em Deus, porém advertir contra excessiva confiança, por
um lado no raciocínio humano, e por outro, na cosmologia
Big Bang, como base para a apologética cristã. Como espero
demonstrar, tal confiança pode levar-nos a uma perigosa
exposição à contra-argumentação concebida para refutar o
teísmo cristão.

O Argumento Cosmológico

O argumento cosmológico é provavelmente a mais popu­


lar das provas. Ao longo dos anos, muitas diferentes versões
do mesmo têm sido apresentadas. Geisler e Corduan afirmam
que apenas o argumento cosmológico oferece esperança de uma
prova teística; a maior parte da filosofia da religião que eles
defendem se apoia nesta pressuposta validade.1
Nosso foco estará sobre o argumento cosmológico Kalam
o qual propõe demonstrar que o universo foi criado num tem­
po finito do passado por um Criador pessoal. O argumento é
baseado sobre a suposta impossibilidade da infinitude dos
eventos passados. Muitos dos argumentos contra uma real
infinitude remontam a Aristóteles, embora o filósofo cristão
João Philoponus parece ter sido o primeiro a aplicá-los, em
529 d.C. à uma demonstração da idade finita do universo.1 2 A
prova para a criação apresentada por Philoponus foi adotada e
posteriormente desenvolvida, entre os séculos 9 e 10, por filó­
sofos islâmicos da escola Kalam. Daí se tornar conhecido como

1 Norman L. Geisler e Winfried Corduan, Philosophy of Religion, Grand


Rapids: 2a edição, 1988, p.150.
2 Richard Sorabji, Time, Creation and the Continuum, Ithaca: Cornell
University Press, 1983,p.l98.

118
Cosmologia e Existência de Deus

o Argumento Cosmológico Kalam.3


Recentemente, o argumento tem sido defendido por vári­
os apologistas cristãos, incluindo William Craig4 e J. P.
Moreland5. O raciocínio, em resumo, é o seguinte:
(1) O Universo teve um começo.
(2) O começo do universo foi causado.
(3) A causa foi pessoal.
Em resumo, o passado finito do universo implica na sua cria­
ção ex nihilo por um Criador pessoal.
Nossa maior preocupação aqui é com o argumento (1).
Seria possível provar, sem apelar para a Bíblia, que o universo
teve um começo? Bom número de argumentos filosóficos e
científicos tem sido desenvolvido. Vamos examinar os pontos
fortes e implicações de vários argumentos contrários a um pas­
sado infinito.

Os Argumentos Filosóficos

A suposta impossibilidade de um infinito real é central


não apenas ao Argumento Cosmológico Kalam, mas também
ao argumento cosmológico defendido por Geisler e Corduan
em seu livro Filosofia da Religião, o qual toma uma forma de
certo modo diferente. Primeiramente examinaremos a ques­
tão sobre se são realmente válidos os argumentos contra o
infinito real. Depois, considerando que sejam válidos, exami­
naremos várias implicações teológicas.

3 Ver H. A. Davidson, Proofs for Eternity, Creation, and the Existence of God in
Medieval Islamic andJewish Philosophy, Oxford: The University Press, 1987,
p. 117-153.
4 The Kalam Cosmological Argument, London: MacMillan, 1979, and
“Philosophical and Scientific Pointers to Creation ex Nihilo” Journal of
the American Scientifi Affiliation, 1980,32, pp. 5-13.
5 The Creation Hypothesis, Downers Grove: Inter Varsity, 1994, pp. 18-23.

119
Deus e Cosmos

1. Seria Impossível o Infinito Real?


A mais comum objeção ao conceito de passado-sem-
-começo é que, para chegar ao tempo presente, um número
infinito de anos precisaria ser percorrido. Isso é considerado
como sendo impossível, pois se começarmos a contar 1,2,3...,
etc., jamais poderemos atingir o infinito. A série de números
contados aumentaria para sempre, mas seria sempre finita.
Desse modo, jamais chegaríamos ao hoje6.
Esse argumento assume a existência de um ano no pas­
sado que é separado do tempo presente por uma infinidade
de anos. Todavia esse não é o caso para o passado-sem-começo.
Se enumerássemos os anos passados retroativamente, come­
çando pelo presente, assim, 0, -1, -2...., então o conjunto de
anos passados corresponderia ao conjunto dos números
negativos. O conjunto como um todo é certamente infinito,
mas nunca há dois números negativos específicos que sejam
infinitamente separados um do outro. Infinitude é uma
propriedade do conjunto como um todo, não de qualquer
elemento particular do conjunto.
Além disso, se for verdade que o universo deve ter tido
um começo a um número finito de anos atrás, que ano seria
esse? Para qualquer ano finito que alguém possa nomear, sem­
pre pode ser adicionado uma unidade a ele. Assim como não
há limite para os números negativos, de igual modo, não
precisa haver limite para o número de anos passados. Craig
desenvolveu uma variedade de argumentos adicionais contrá­
rios ao infinito real.7 Esses argumentos podem ser agrupados
em três categorias:
(1) E impossível acrescentar a uma coleção real infinita.
(2) O fato de que todas as coleções infinitas são de igual
tamanho leva a contradições.

6 Ver, por exemplo, Moreland, The Creation Hypothesis, p.19.


7 “Philosophical and Scientific Pointers”,

120
Cosmologia e Existência de Deus

(3) Uma coleção formada pela adição de um número após


o outro não pode ser realmente infinita.
Esses argumentos foram cuidadosamente examinados
por Quentin Smith8, quem os achou falaciosos e concluiu que
não há objeção filosófica à idéia de passado infinito (embora
ele creia que haja válidas objeções científicas ao conceito).
Não apresentarei aqui a análise de Smith, a qual me parece
correta, porém apenas farei observações quanto a alguns
pontos principais.
Creio que a confusão surge primariamente do fato de
que Craig muitas vezes aborda conjuntos infinitos mediante
critérios que somente se aplicam a conjunto finitos. Conjun­
tos infinitos certamente têm propriedades estranhas. Um dado
conjunto continua tendo o mesmo tamanho, não importa se
adicionemos a ele um elemento, ou o dobremos, ou o eleve­
mos ao quadrado. Como estamos acostumados a lidar
apenas com conjuntos finitos, tais propriedades de conjuntos
infinitos parecem quase inacreditáveis. Contudo, como foi
demonstrado por Georg Cantor (1845 -1918), e confirmado por
modernos matemáticos, a matemática transfmita é logicamente
consistente. Embora um número de paradoxos possa surgir
do uso de conjuntos infinitos, tais paradoxos geralmente
resultam de problemas de auto-referencial.
Craig observa que ele está argumentando apenas contra o
conceito de infinito real no mundo real e de modo algum
deseja minar o conceito de infinito definido na matemática
transfinita Cantoriana. Ali, no entanto, infinito real é apenas
uma idéia:

O que eu argumento é que, embora o conceito de infinito real


possa ser frutífero e consistente no campo da matemática, ele não
pode ser transportado do mundo matemático para o mundo real,

8 “Infinity and thePast”, Philosophy ofScience, 1987,54,pp. 63-75.

121
Deus e Cosmos

pois isso resultaria em absurdos contra-intuitivos.9

Ele dá várias ilustrações, sendo uma delas a de uma livra­


ria consistindo de um número infinito de livros. Uma tal
livraria teria propriedades bem estranhas. Por exemplo, se
eliminarmos metade dos livros, digamos os de número impar,
continuaremos ainda a ter tantos livros (infinito) como quan­
do começamos. Entretanto, se emprestarmos os livros que
ficaram, isto é, os de número par, então não nos restará mais
nenhum livro na livraria, embora tenhamos retirado o mesmo
número de livros que antes. Indo mais adiante, afirma Craig,
se adicionarmos um livro a uma livraria infinita podemos ver
que a coleção foi acrescida de um. Não temos o mesmo nú­
mero de livros que antes, como seria o caso de um conjunto
infinito. Ele conclui que tais exemplos servem para ilustrar
que o infinito real não pode existir num mundo real.
Será que esse argumento realmente demonstra a impossi­
bilidade de um infinito real num mundo real? Acho que não.
As operações matemáticas ilustradas acima podem também
ser feitas, digamos, com os números positivos. Remova os
ímpares e você ainda terá um conjunto infinito; remova agora
também os pares, e restará nada. Ou então, tome os números
pares, que formam um conjunto infinito, e adicione a este
tantos elementos ímpares quanto queira, e continuaremos
tendo um conjunto infinito. Se tais operações são permis-
síveis com números, porque não com livros? Alguém poderia
contra-argumentar que um caso é puramente uma abstração
intelectual, enquanto que o outro é uma coleção de itens
concretos. Contudo, em essência, isso não deve afetar as
operações matemáticas envolvidas. Dado que se pode estabe­
lecer uma correspondência biunívoca entre o conjunto de
números inteiros e os livros de uma livraria (ou eventos no

9 Craig, TheKalam Cosmological Argument, p.69.

122
Cosmologia e Existência de Deus

tempo), segue que, de igual modo, uma infinidade real de


livros (ou eventos) não necessariamente envolve impedimen­
tos lógicos, independente de quão contra-intuitivo possa ser o
conceito de uma tal livraria infinita.
Teria para nós algum significado o contemplar a ocorrên­
cia de um infinito real no mundo real de nossas experiências?
Afinal, dentro das limitações de nossas experiências finitas,
memórias e pensamentos, não podemos distinguir entre o in­
finito e o meramente muito grande. Ainda que pudéssemos
eliminar metade dos livros numa livraria infinita, o restante
seria maior que nossa habilidade de contar, e portanto, em todo
sentido, seria o mesmo do que quando começamos. Visto que
todas as nossas experiências humanas são finitas, o infinito real
é necessariamente contra-intuitivo. Mas isso não implica que
seja impossível.
Considerando que Craig não demonstrou porque a mate­
mática dos conjuntos de objetos concretos difere da matemá­
tica dos conjuntos abstratos, é incoerente da parte dele, banir
o infinito real de uma, mas não o banir da outra.

2. Deus e o Futuro
Suponhamos, para finalidade de argumentação, que a
prova contra o infinito real fosse válida. Tal banimento do
conceito de infinito real teria incómodas conseqüências teo­
lógicas. Consideremos, por exemplo, a questão de eventos
futuros. A Bíblia, em sua descrição da vida futura, descreve-a
como uma existência temporária, com o rio puro da água da
vida, os frutos maduros de mês em mês, onde os santos rei­
narão para sempre (Apocalipse 22:1-5): aparentemente, um
tempo futuro e eterno. Não seria tal visão do futuro excluída
pelos argumentos contra o infinito real dos eventos passados,
os quais implicam que o futuro também deveria ser, de
igual modo, finito?
Craig argumenta que este não é necessariamente o caso. O

123
Deus e Cosmos

futuro difere do passado em que não é um infinito real com­


pleto; é apenas potencialmente infinito, no sentido de que é
inexaurível. Um infinito potencial é admissível, segundo Craig.

Um infinito potencial é uma coleção que vai crescendo sem


limite, mas que é finita a todo tempo... não é verdadeiramente
infinito - é simplesmente indefinido.10

Eventos passados são reais, pois na realidade ocorreram;


eventos futuros, afirma Craig, não existem na realidade, pois
(ainda) não ocorreram. À primeira vista, tal distinção entre
passado e futuro parece válida o bastante. Contudo, quando
aplicado ao Deus Onisciente da teologia ortodoxa (e deve-se
ter em mente que isso é apenas um passo numa alegada prova
da existência de tal Deus) temos um problema. Afinal, tal
Deus sabe o futuro tão definitivamente quanto sabe o passado.
Se o futuro é de fato infinito, então, a um Deus onisciente, ele
existe como um infinito real definido, e não como um infinito
potencial indefinido. Para Deus, pareceria que um futuro-
-sem-fim teria o mesmo status de um passado-sem-começo.
Ambos implicam a noção de que Deus tem o conhecimento
de um conjunto infinito de eventos.
Assim, as considerações que levam a um passado finito
devem, por semelhante modo, aplicar-se ao futuro. Se os
argumentos de Craig contra o infinito real forem válidos, isso
implica em que o conhecimento que Deus tem do futuro
abrange apenas um finito número de eventos. Então, ou o
futuro é finito, culminando num último evento, ou o conhe­
cimento que Deus tem do futuro é incompleto.

3. Deus e o Passado
Existem dificuldades adicionais. Os argumentos de Craig

10 “Philosophical and Scientific Pointers”, p.6.

124
Cosmologia e Existência de Deus

contra a existência do infinito real são tão suficientemente


gerais que eles parecem ser aplicáveis não apenas ao universo
físico, mas também ao próprio Deus. Isso deve ter implica­
ções significativas para o nosso entendimento de Deus, o qual
é considerado, na teologia ortodoxa, como sendo infinito. Por
exemplo, o banimento do infinito real formulado por Craig
implica que o passado de Deus seja igualmente finito. De fato,
o próprio Craig chega à seguinte conclusão:

Antes da criação, Deus teria que ser imutável. Do contrário


você obteria uma série infinita de eventos passados na vida de
Deus, e já vimos que uma tal série é impossível. Assim, Deus
seria imutável e, por conseguinte, eterno antes da criação.11

Parece que Craig vê Deus como tendo sido “congelado”


por um tempo infinito antes do primeiro evento. Isso parece
impor condições bem estritas quanto à natureza de Deus,
excluindo qualquer sucessão de atos divinos ou pensamentos
anteriores à criação do presente universo.
É interessante que Craig aplica a proibição de um infini­
to real apenas a eventos, e não à passagem do tempo em si
mesmo. Ele permite um infinito passado de tempo antes da
criação do mundo físico. Seria isso coerente? Se uma infinita
duração de tempo deve ser distinguida de uma unidade
simples de tempo, então devemos ter a perpétua passagem de
tempo de uma unidade a outra, dando lugar a um infinito
número de unidades. Talvez seja raciocinado que, na falta de
eventos físicos para medir o tempo, não somos confrontados
com um infinito real. Mas, seguramente, um Deus onisciente
teria conhecimento de qualquer passagem de tempo. Para
Deus, pareceria que até mesmo a passagem de uma unidade
de tempo é algo que “acontece” e portanto deveria ser contado11

11 “Philosophical and Scien tifie Pointers”, p.12.

125
Deus e Cosmos

como um evento. Se Deus tem existido através de um passado


infinito de tempo então uma infinidade real de unidades de
tempo tem passado. Segue-se, então, que o conhecimento de
Deus de um passado que consiste de eventos finitos embuti­
dos dentro de um tempo infinito tem que incluir o conheci­
mento de um infinito real de unidades de tempo passadas.
Em resumo, o banimento de um infinito real parece
impor restrições não apenas no passado, como também no
futuro, em Deus, e no próprio tempo. Embora possa haver
aspectos do conceito de infinito que nos pareçam incompre­
ensíveis, a mim, particularmente, me parece que, na falta de
refutação inequívoca do infinito real, a melhor opção é
atribuir essa deficiência percebida à finitude humana, em
vez de fazer indevidas restrições a Deus e Seus atributos.

A Singularidade do Big Bang

Para que o argumento cosmológico funcione, sem impor


indevidas limitações a Deus, é necessário fazer uma distinção
correta entre o Criador e a criação. A demonstração do passa­
do finito do universo físico é talvez melhor se for baseada no
domínio físico, ao invés do lógico. Duas linhas principais de
evidência científica são comumente citadas como prova
para o começo do universo: a singularidade do Big Bang, e a
segunda lei da termodinâmica.
Na cosmologia Big Bang o tempo t=0 corresponde ao
estado de densidade infinita. O que aconteceu antes disso?
Como surgiu tal estado? Ele parece representar uma barreira
além da qual as leis da física não podem ser aplicadas. Uma
interpretação comum é a de que o Big Bang marca o começo
do tempo bem como do universo.
O papa Pio XII, numa famosa declaração em 1951,
referiu-se à teoria do Big Bang como testificando do começo
do cosmos, desse modo confirmando a necessidade de um

126
Cosmologia e Existência de Deus

Criador.12 E, neste particular, Pio XII não estava só; muitos


cristãos concordaram em tomar a singularidade do Big Bang
como uma prova da existência do Criador. Entre esses citamos
William Craig e Hugh Ross.13
A implicação teística da singularidade do Big Bang tem
sido também reconhecida por cientistas que, de modo algum
são simpáticos ao teísmo. Assim, por exemplo, Hannes Alfven,
que em 1970 conquistou o prêmio Nobel em Física, escreve
que “o estado do ponto singular, necessariamente pressu­
põe uma criação divina”.14 Esta, aparentemente, é uma das
razões pelas quais Alfven rejeita a teoria do Big Bang.
Similarmente, o proeminente astrônomo Fred Hoyle, muito
hostil ao cristianismo,15 rejeita a teoria do Big Bang, não
simplesmente no âmbito científico, e sim porque o conceito
de um universo eterno seja mais apropriado às suas crenças
ateístas. McMullin16 observa que os cosmologistas soviéticos
sempre mostraram forte oposição à teoria do Big Bang, por
defenderem que a noção de um começo absoluto é
incompatível com os princípios marxistas-leninistas da
dialética materialista.
Por outro lado, muitos cosmologistas e teólogos negam
qualquer vínculo íntimo entre teísmo e a cosmologia Big Bang.
Isso traz de volta a questão sobre quão realmente evidentes são
as “evidências” do Big Bang. Será que o Big Bang prova que o

12 Ver Erman McMullin, “How Should Cosmology Relate to Theology” em


A. R. Peacocke, 'The Sciences and Theology in the Twentieth Century,
Stocksfield: Oriel Press, 1981,p.3O.
13 Ver Ross, The Creator and the Cosmos, Colorado Springs: Navpress, 1993.
14 “Cosmology, Myth or Science ?” em W. Yourgrau and A. D. Breck (eds.),
Cosmology, History and Theology, New York: Plenum Press, 1974, pp. 7,12.
15 Ver, por exemplo, a obra de sua autoria Ten Faces of the Universe, San
Francisco: Freemaan, 1977.
16 “How Should Cosmology Relate to Theology?”, pp.36-37.

127
Deus e Cosmos

universo físico começou num tempo finito no passado? E, em


caso afirmativo, será que isso tem necessariamente implica­
ções teístas.

1. A Exatidão do Modelo Big Bang


Em nossa discussão anterior sobre a cosmologia Big Bang,
já verificamos que, a despeito das vantagens observacionais,
o modelo ainda sofre de várias deficiências observacionais e
teóricas. Além disso, muitas de suas pressuposições teóricas
são inerentemente inverificáveis. Também, suas evidências
observacionais podem ser explicadas por meio de outros
modelos que não se apoiam no ponto singular. O argumento
para uma singularidade deve, portanto, demonstrar primeira­
mente a superioridade do modelo Big Bang sobre outros
modelos concorrentes. Isso envolverá o estabelecimento e
justificação de um critério específico para seleção de teoria,
bem como prova de que a cosmologia Big Bang melhor
satisfaz a tais critérios ou padrões.
Mas, quais seriam esses critérios? Simplicidade e beleza
são dois padrões geralmente citados. Todavia, raramente se
discute a questão decorrente sobre o porquê de teorias
simples e belas serem mais provavelmente verdadeiras. E,
mesmo que tais padrões fossem aceitáveis, não seria fácil
definir quais modelos cosmológicos melhor se enquadrariam.
Apoiadores do Big Bang, tais como Craig e Ross, tendem a
minimizar os problemas quando tratando-se do Big Bang, e a
amplificá-los quando tratando-se de teorias concorrentes. De
fato, eles afirmam que o Big Bang foi provado, e que todos os
outros modelos estão conseqüentemente fora de discussão. Por
outro lado, os opositores do Big Bang tendem a fazer o oposto,
é claro. A abordagem dos modelos cosmológicos é, sem
dúvida, um exercício muito subjetivo.
Apesar disso, há pouca dúvida de que, no presente, a

128
Cosmologia e Existência de Deus

vasta maioria dos cosmologistas sejam favoráveis ao modelo


Big Bang. Embora isso não constitua prova da sua veracidade,
tem levado a opinião pública a aceitá-lo como fato provado.
Este primeiro passo na direção de uma prova teísta pode então
ser aceitável à maioria das pessoas.

2. Os Limites do Modelo Big Bang


Não obstante a cosmologia Big Bang possa ser a favorita
do presente, seus apoiadores não concordam quanto ao que
teria acontecido logo após a suposta singularidade, na primei­
ra fração de segundo. Neste ponto, tudo torna-se extremamen­
te especulativo. E aqui que a teoria do Big Bang enfrenta um
número de limites difíceis de superar - se não impossíveis.

a. Provas da Singularidade
Os cosmologistas britânicos Stephen Hawking, George
Ellis e Roger Penrose desenvolveram certo número de teore­
mas da singularidade que supostamente provam, aplicando a
relatividade geral sob condições razoavelmente gerais, que o
presente universo teve sua origem numa singularidade do
passado. Embora tais teoremas sejam freqüentemente citados
como provas de uma singularidade do passado, eles são
baseados em vários de suposições que restringem o poder ou
extensão dos mesmos. Por exemplo, uma suposição comu-
mente adotada é a de que o universo é bastante homogêneo,
sendo a matéria uniformemente distribuída. Hawking e Ellis,
discutindo seus teoremas da singularidade observam que,
devido às irregularidades locais, é bem possível que nem todo
o universo tenha se originado de uma única singularidade:

Alguém poderia sugerir que, anteriormente à fase de expansão


do presente, houve uma fase de colapso, ou contração. Em tal
fase, a inomogeneidade cresceu, dando lugar a singularidades

129
Deus e Cosmos

isoladas. A maior parte da matéria evitou as singularidades e re-


expandiu, dando lugar ao universo presentemente observado.17

Um teorema posterior, bastante similar, proposto por


Hawking e Penrose, pressupõe a não existência de uma
constante cosmológica positiva, a qual supostamente age
como força repulsiva, contrabalançando a gravidade.18 Esta
condição foi posteriormente contraditada por observações
mais recentes, que apontaram para a existência de uma gran­
de constante cosmológica positiva. Senovilla, em sua análise
detalhada das provas da singularidade e das pressuposições
adotadas em tais provas, concluiu serem vários os possíveis
modelos cosmológicos baseados na relatividade geral nos quais
o universo não teria começado com uma singularidade Big
Bang.19 Assim sendo, as provas da singularidade, mesmo
dentro dos limites da relatividade geral, não provam a exis­
tência de uma singularidade Big Bang no passado.

b. Física Desconhecida
Um problema subseqüente é que próximo à singulari­
dade a pressão e a temperatura teriam sido tão imensas, que a
física convencional não seria aplicável. As atuais teorias
concernentes à matéria não seriam válidas aqui. Várias novas
teorias de física sobre partículas vêm sendo propostas, porém
essas são altamente conjecturais e inverificáveis. Antes disso,
dentro de IO43 segundos após a singularidade, no assim

17 S. W. Hawking e G. F. R. Ellis, “The Cosmic Black-Body Radiation


and the Existence of Singularities in onrGtAverse", AstrophysicalJournal,
1967,152,p.32.
18 S. W. Hawking e R. Penrose, “The Singularities of Gravitational Collapse
and Cosmology”, Proc.Royal Society, London A, 1970,314,pp. 529-548.
19 J. M. M. Senovilla, “Singularity Theorems and Their Consequences”,
General Relativity and Gravitation, 1998,30, pp. 701-848.

130
Cosmologia e Existência de Deus

chamado tempo Planck, a densidade da matéria teria sido tão


gigantesca que os efeitos quânticos teriam que ser levados em
conta. Em lugar da relatividade geral dever-se-ia então adotar
uma teoria de gravidade quântica apropriada. Infelizmente,
ninguém até agora foi capaz de desenvolver um modelo funci­
onal de gravidade quântica. Assim sendo, o que acontece
antes do tempo Planck é pura especulação. É interessante
notar que o próprio Einstein nunca aceitou a existência da
alegada singularidade. Pouco antes de sua morte, Einstein fez
o seguinte comentário:

A atual teoria relativista da gravitação é baseada na separação


dos conceitos de “campo gravitacional” e “matéria”. Pode ser
plausível que a teoria seja, por esta razão, inadequada para uma
condição de alta densidade de matéria. Pode muito bem ser o
caso que, para uma teoria unificada, não haveria nenhuma
singularidade... Para grandes densidades de campo e de matéria,
as equações de campo, e mesmo as variáveis de campo que
entram em tais equações, não teriam qualquer significado real.
Ninguém poderia então supor a validade daquelas equações para
muito altas densidades de campo e matéria e, portanto, não
poderia concluir que “o começo da expansão” deve significar
uma singularidade em sentido matemático. Tudo o que devemos
concluir é que as equações podem não ser continuadas em tais
regiões. 20

As questões teologicamente significativas surgem além dos


limites do modelo Big Bang. Ao nos aproximarmos do alega­
do primeiro evento a teoria torna-se mais e mais especulativa,
com a correspondente rápida perda do consenso científico.
Certamente, não pode haver rigorosa prova de que a singulari­
dade tenha sido atingida, necessariamente, ou que a presente

20 Albert Einstein, The Meaning of Relativity, 5a edição, Princeton: The


University Press, 1956.

131
Deus e Cosmos

expansão do universo não tenha sido precedida de uma


contração.

c. As Escalas do Tempo
A própria definição de tempo e sua medida pode ser tam­
bém um problema. John Barrow mostra que o intervalo de
tempo de uma singularidade do passado pode ser finito se
medido em tempo próprio, definido como tempo medido por
meio de um relógio em queda livre gravitacional, mas
poderia ser infinito se medido de acordo com alguma outra
definição de tempo.21 Por exemplo, poderíamos conceber um
relógio cujo padrão de tempo fosse a variação na curvatura do
universo. De acordo com Barrow, no tipo mais geral de uni­
verso relativista a singularidade do passado é atingida em um
tempo próprio finito porém com um infinito número de
oscilações da curvatura. Então, como determinado pelo
relógio de curvatura, seria necessário um infinito tempo do
passado para se atingir a singularidade inicial. Mesmo se
adotarmos o tempo próprio, ainda assim ficaríamos com um
infinito número de eventos físicos passados - isto é, as sucessi­
vas mudanças de curvatura - para registrar.

d. Definição de Espaço e Tempo


Ainda há mais uma limitação. De acordo com a mecânica
quântica é impossível construir relógios que meçam interva­
los de tempo inferiores ao tempo Planck (10'43 segundos), ou
construir metros que meçam comprimentos menores do que
o comprimento Planck (10_33cm). Muitos cosmologistas
afirmam que uma quantidade que não pode ser medida é,
em princípio, fisicamente sem significado. Assim sendo, os
conceitos de tempo e espaço não mais se aplicam além do

21 J. D. Barrow, The World Within the World, Oxford: Clarendon Press, 1988,
p.235.

132
Cosmologia e Existência de Deus

limite Planck. Daí Zhi e Xian defenderem que antes do


tempo Planck temos um mundo sem tempo e espaço, e que
tempo e espaço só vieram a existir concomitantemente ao
tempo Planck.22
Se o tempo deixa de ser algo concreto, como podemos
perguntar sobre o que aconteceu “antes” do tempo Planck?
Um teísta poderia responder que limitações de medidas
aplicáveis ao homem não necessariamente se aplicam a um
Deus onisciente. Então, não seria sem significado a considera­
ção da existência de tempo e espaço antes do limite Planck.
E mais, mesmo na ausência dos efeitos quantum, os sig­
nificados de tempo e espaço na singularidade podem se tornar
problemáticos. Já não poderia mais haver menção de espaço
tridimensional, uma vez que tudo fica condensado a um
ponto. Além disso, tempo e espaço são geralmente concebidos
em conexão com matéria e energia. Alguns cosmologistas têm
postulado que o tempo e o espaço foram originados no mesmo
evento Big Bang que originou a matéria e a energia.
De acordo com Grunbaum, toda a questão a respeito da
criação é um pseudo problema, pois na cosmologia Big
Bang o tempo veio a existir na singularidade, junto com o
universo.23 Portanto, torna-se sem significado a pergunta
sobre o que teria acontecido antes do tempo t=0, uma vez que
não havia tempo. Nós podemos postular a existência do
tempo antes da singularidade, mas ninguém deveria esperar
que o modelo Big Bang pudesse responder as questões que
negam suas pressuposições básicas.
O comentário de Grunbaum é pertinente à prova teísta de
Craig em vários aspectos. Primeiro, a fim de provar que o

22 Zhi, Fang Li e Xian, Li Shu, Creation of the Universe, Singapore: World


Scientific, 1989, p. 149.
23 Adolph Grunbaum, “ The Pseudo-Problem of Creation in Physical
Cosmology”, Philosophy ofScience, 1989,56,pp. 373-394.

133
Deus e cosmos

universo foi causado, Craig argumenta que qualquer coisa que


tenha começado a existir, requer uma causa. Isto se encaixa
em nossa experiência de que nada passa a existir sem ter sido
causado. Deus, que sempre existiu, não requer uma causa.
Contudo, o argumento de Craig assume que houve um tempo
em que o universo não existia. De acordo com Grunbaum isso
é inadmissível, pois nunca houve um tempo em que o uni­
verso não existiu. Tempo e universo vieram a existir juntos,
portanto, o universo existiu em todo o tempo. Então, a regra
segundo a qual o que quer que tenha começado a existir tem
que ter sido causado, não se aplica ao universo.
Uma segunda dificuldade existe, no tocante ao argumento
de Craig de que a causa do universo foi pessoal. Craig afirma
a existência de um tempo infinito, sem eventos, antes da cria­
ção. Visto que todos os momentos num tal período de tempo
infinito são iguais, isso requer, ele afirma, um ser pessoal que
livremente decida criar, num tempo específico qualquer, na
ausência de quaisquer características que possam distinguir
um momento de outro. Novamente, de acordo com Grunbaum,
a existência de um tal período infinito de tempo que antecede
a criação é incoerente com a cosmologia Big Bang.
Tais observações servem de aviso aos proponentes do
argumento cosmológico no sentido de que não se apoiem tão
seguramente na cosmologia Big Bang, com toda a bagagem
metafísica que a acompanha. Contudo, embora na cosmolo­
gia Big Bang os eventos antecedentes à singularidade sejam
considerados como carentes de significação científica, isso não
elimina a necessidade de um Criador. Seus defensores podem
suprimir a necessidade de um Deus deísta, um Relojoeiro que
cria o relógio e a seguir o deixa funcionando por si mesmo.
Todavia, ainda permanece a questão do porquê o universo veio
a existir, incluindo o tempo, e por que continua a existir. Um
Criador ainda é necessário para sustentar o cosmos.

134
Cosmologia e Existência de Deus

3. Possibilidades de Ausência de Começo


Nem todos os cosmologistas concordam com a assertiva
de Grunbaum de que o tempo teve início com o Big Bang.
Muitos se opõem ao conceito de que o universo tem existido
por apenas um tempo finito. Lembremo-nos, por exemplo, a
variedade de modelos cosmológicos estáticos discutidos no
capítulo anterior. Mesmo dentro da cosmologia Big Bang, não
é obrigatório que o universo tenha começado numa singula­
ridade. Vários modelos Big Bang têm sido desenvolvidos
visando evitar um começo no tempo.

a. Universos Oscilantes
A mais primitiva alternativa eterna foi baseada na noção
de que a expansão Big Bang poderia ter sido precedida por
uma contração, ou Big Crunch (doravante Big Crunch, isto é,
grande esmagamento). O Big Crunch teria destruído toda evi­
dência de ciclos prévios, exceção feita, possivelmente, a certos
parâmetros gerais tais como a energia e entropia.
Um tal universo eterno e oscilante tem sido defendido
por vários cosmologistas modernos, começando com o astrô­
nomo holandês Willem de Sitter, em 1931. Logo tornou-se
evidente, entretanto, que tais modelos mostravam sérias limi­
tações. Foi calculado, por exemplo, que cada ciclo produz um
aumento no tamanho máximo do universo, com o necessário
aumento do tempo para completar cada ciclo seguinte. Por
extrapolação, de volta ao passado o ciclo se torna infinita­
mente curto num tempo finito. Também, cada ciclo produz
mais radiação. Se a radiação se acumula, então a radiação
observada no presente permite não mais do que uma centena
de ciclos prévios.24 Um resultado similar é também obtido a
partir da termodinâmica: se um número infinito de ciclos

24 Quentin Smith, “The Uncaused Beginning of the Universe”, Philosophy


ofScience, 1988,55, pp. 39-57.

135
Deus e Cosmos

prévios se passou, cada um deles com aumento de entropia,


então o ciclo presente estaria num estado de entropia máxima
- mas de fato o estado atual é de relativamente baixa entropia.
Assim, mesmo um universo oscilante, enquanto permitindo
um futuro infinito, parece apontar na direção de um começo
em algum tempo finito do passado.
Para fugir do passado finito, o físico John Wheeler suge­
riu que, ao fim de cada fase de contração, todas as constantes
e leis daquele ciclo desaparecem e o universo é reprocessado,
adquirindo novas constantes e leis para o próximo ciclo.
Nenhuma informação é transmitida ao ciclo seguinte. Dessa
forma, nenhuma inferência a um passado finito pode ser
feita com base em observações, leis e constantes do presente
ciclo.
Em resposta, Quentin Smith25 objetou que, embora isso
possa ser logicamente possível, contudo, como as novas leis e
constantes não podem ser preditas, é preferível seguir o prin­
cípio de que as leis físicas e constantes estabelecidas para um
domínio devem, na falta de evidência em contrário, ser apli­
cada a outros domínios. Enquanto possa haver algum mérito
no critério de Smith, de novo, é algo de expediência filosófica
ao invés de prova racional.
O cosmologista russo Markov sustenta que o universo se
transformaria num vácuo quando se aproxima da singula­
ridade. Não haveria então partículas e a entropia seria inde­
finida. Assim, o universo poderia oscilar para sempre,
começando tudo de novo a cada novo ciclo.26
No entanto, uma dificuldade subseqüente com o uni­
verso oscilante é que isso requer que o universo seja fechado.

25 Quentin Smith, “The Uncaused Beginning of the Universe”, Philosophy


ofScience, 1988,55, pp. 43.
26 M. A. Markov, “Asymptotic Freedom and Entropy in a Perpetually
Oscilating Universe”, Physics Letters, 1983,94A, pp. 427-429.

136
Cosmologia e Existência de Deus

O universo deve ser suficientemente denso para que, eventu­


almente, a atração gravitacional faça deter a expansão em
cada ciclo, e seja dado início à contração. Como já notamos
anteriormente, evidências observacionais do presente favore­
cem o conceito de universo aberto ao invés de fechado. Num
universo aberto a matéria continuará expandindo para
sempre.
Um universo aberto permite também uma outra possi­
bilidade para evitar o começo no tempo. George Gamow
sugere que a singularidade Big Bang foi precedida por uma
correspondente contração eterna. Segundo o seu ponto de
vista o universo existe da eternidade, implodindo de um
estágio de infinita rarefação até que atingiu a singularidade
Big Bang, estágio em que a densidade chegou a ser imensa­
mente grande. Nesse ponto houve a reversão, chegando ao
estágio de expansão em que hoje nos encontramos. A proposta
de Gamow evita as deficiências do modelo de universo
oscilante, pois não há o problema de radiação acumulada nem
de entropia.27
Mas uma dificuldade permanece. Como se explica, então,
o reverso de contração para expansão? Parece natural que um
universo em contração, uma vez atingido o estado de máxima
compressão, voltaria a se expandir, ao invés de permanecer na
singularidade. Considerações baseadas em princípios gerais,
tais como o de conservação de energia, parecem apontar
naquela direção. Embora dúvidas tenham sido expressadas por
Guth e Sher sobre se as condições nas proximidades da singu­
laridade permitiriam a possibilidade de uma reversão,28 tais
objeções seriam aplicáveis apenas a um universo fechado. Não
está claro se essas condições seriam aplicáveis a um universo

27 G. Gamow, “Modern Cosmology”, Scientific American, 1954190, pp. 55-63.


28 A. H. Guth e M. Sher, “The Impossibility of a Bouncing Universe”,
Nature, 1983,302, pp. 505-507.

137
Deus e Cosmos

aberto. Por outro lado, os cosmologistas Israelit e Rosen29


desenvolveram cenários onde haveria lugar para uma rever­
são. Mas, também aqui, há questões sem respostas definitivas,
enquanto não for encontrada uma teoria válida para a gravi­
dade quântica.

b. Modelos de Flutuação de Vácuo


Tem sido proposto por vários cosmologistas que o pre­
sente universo emergiu espontaneamente de um vácuo
preexistente. Tal modelo foi apresentado primeiramente por
Edward Tryon.30
Este modelo é baseado em mecânica quântica, particular­
mente no princípio da incerteza, a qual estabelece que em um
tempo qualquer podemos medir acuradamente ou a posição
ou o movimento de uma pequena partícula, porém não as duas
coisas ao mesmo tempo. De acordo com este princípio partí­
culas podem ser espontaneamente geradas no vácuo por
flutuações ocasionais de energia. Quanto menor a energia da
partícula, tanto mais tempo a partícula pode existir antes de
desaparecer no vazio. Tryon asseverou que, no universo como
um todo, a energia positiva da matéria é exatamente cancelada
pela energia da gravidade, de modo que a energia total do uni­
verso permanece zero. Segundo o princípio da incerteza uma
partícula de energia zero pode existir para sempre. Portanto,
de acordo com Tryon, o universo, tendo energia zero, pode
durar indefinidamente, o que seria um tremendo “almoço
grátis”.
O cosmologista russo Rozental desenvolveu daí uma
cosmologia eterna, infinita. O universo é visto como um
vácuo infinito, fervendo com flutuações de energia. Nosso

29 M. Israelit e N. Rosen, “A Singularity-Free Cosmological Model in Gene­


ral Relativity”, AstrophysicalJournal, 1989,342, p.627.
30 “Is the Universe a Vacuum Fluctuation?”, Nature, 1973,246, pp.396-397.

138
Cosmologia e Existência de Deus

universo atual não passa de uma das maiores flutuações a emer­


gir do vácuo; com o tempo, essa grande flutuação também
voltará a se dissolver no vácuo.31
Na opinião de Linde, em princípio a única predição
verificável do modelo de flutuação do vácuo é a de que o uni­
verso tem que ser fechado.32 Se o universo tiver sido criado por
uma flutuação do vácuo, então ele não pode ser infinitamente
grande, como seria o caso de um universo aberto, pelo menos
de acordo com as predições dos usuais modelos Big Bang. Isso
é coerente com o modelo Big Bang inflacionário, porém é
conflitante com as atuais evidências observacionais, as quais
indicam que a densidade da matéria no universo é por demais
pequena para fechá-lo. Assim, a não observável matéria
faltante, ou energia, tem que ser postulada a fim de compen­
sar pela diferença.

c. Cosmologia Caótica Eterna


Markov e Linde33 apresentaram cenários nos quais o
nosso atual universo foi criado a partir de um universo “mãe”,
e assim por diante, a partir da eternidade passada. Tais mode­
los são reconhecidamente muito especulativos, mas assim é
também com os modelos que procuram explicar o universo
primitivo. Dado o contexto do Big Bang inflacionário, não
parece ser indevidamente improvável conjeturar que, se um
universo pode ser criado por meio de uma flutuação quân­
tica num espaço vazio, universos posteriores poderiam, por

311. L. Rosenthal, Big Bang, Big Bounce, Berlin: Springer Verlag, 1988.
32 A. Linde, “The Universe: Inflation out of Chaos” New Scientist, 7 March
1985,pp. 14-18.
33 Markov, “Some Problems of Modern Theory of Gravitation”, em The Past
and Future ofthe Universe, Moskow: Nauka, 1989, pp. 11-23, e Linde, “The
Self Reproducing Inflationary Universe”, Scientific American, Nov. 1994,
pp. 48-55.

139
Deus e Cosmos

semelhante modo, ser criados dentro do espaço de um univer­


so preexistente.
Concluímos que, embora a cosmologia Big Bang seja
freqüentemente interpretada como subentendendo que o uni­
verso físico tenha um passado finito, um exame mais acurado
revela uma situação deveras ambígua. O argumento para o
passado finito baseia-se na interpretação particular de uma
extrapolação dúbia que vai além das leis físicas conhecidas, e
na exclusão de várias alternativas de universo sem começo que
não parecem menos plausíveis. Em resumo, mesmo dentro da
cosmologia Big Bang, não se consegue definitivamente elimi­
nar a possibilidade de um universo eterno. Além disso, nas
proximidades da singularidade, a definição de tempo é tal que
- pelo menos dentro da cosmologia Big Bang - não é claro o
significado da afirmativa que a singularidade foi causada por
um evento anterior.

A Segunda Lei da Termodinâmica

Em capítulo anterior já descrevemos a segunda lei da


termodinâmica, a qual afirma que um sistema fechado conti­
nuamente aumenta sua entropia, ou quantidade de desordem.
Como havíamos notado, sua aplicação ao universo como um
todo leva à conclusão de que, dentro de algum tempo finito do
futuro, o universo sofreria a “morte do calor”, quando não mais
haveria energia disponível para suportar a vida ou realizar
qualquer trabalho útil. A segunda lei da termodinâmica tam­
bém implica em que ao mundo foi inicialmente dado corda
(como em um relógio), num estado de baixa entropia. Para os
teístas isto foi logo interpretado como evidência para a divina
criação do universo. Alguns teístas - incluindo Zanstra34 e

34 Herman Zanstra, “Is Religion Refuted by Physics or Astronomy?” > > >

140
Cosmologia e Existência de Deus

Craig - apontaram para a segunda lei como sendo um dos mais


claros indicadores de um divino começo do mundo físico.
Como argumento para o passado finito do universo, isso
oferece algumas vantagens sobre o argumento baseado na
singularidade Big Bang. Como pudemos ver em discussões
anteriores, esse último argumento, além de muito especulativo,
é muito dependente de modelos. Além disso, a cosmologia
Big Bang pode muito bem estar em voga no momento, mas
ser destronada por alguma outra cosmologia que postule o
passado infinito. A segunda lei, ao contrário, é de natureza tão
fundamental que poucos duvidariam da sua validade univer­
sal. É largamente reconhecido que a segunda lei da termo­
dinâmica é uma das mais básicas leis de toda a ciência.
Em 1928 Sir Arthur Eddington e Sir James Jeans, os mais
proeminentes astrônomos ingleses de seu tempo, chegaram à
conclusão de que o universo veio a ser iniciado (dado corda,
como em um relógio) no passado, e agora está rumando para o
fim, pela morte do calor. Quanto a isso ser considerado como
prova da existência de um Criador, Eddington afirma:

Cientistas e teólogos igualmente devem considerar como algo


grosseiro a ingênua doutrina teológica a qual (convenientemente
disfarçada) encontrase presentemente em todos os livros-textos
de termodinâmica, nominalmente que há alguns milhões de anos
atrás Deus deu corda no universo material e o deixou à sua pró­
pria sorte desde então. Isso deve ser considerado como a hipótese
operante da termodinâmica ao invés de sua declaração de fé.
Tratase de uma daquelas conclusões da qual não vemos manei­
ra lógica de fugir - apenas a de que ela sofre da deficiência de
ser inacreditável.35

<<<Vistas in Astronomy, 1968,10,pp. 1-21, e “Thermodynamics, Statistical


Mechanics, and the Universe”, ibid., 23-44.
35 Eddington, The Internal Constitution ofthe Stars, p. 84.

141
Deus e Cosmos

Contudo, este argumento a favor de um passado finito


do universo tem seus adversários. Ele tem sido questionado
em vários pontos. Em primeiro lugar, embora a maioria dos
cosmologistas contemporâneos creiam na aplicabilidade
da segunda lei da termodinâmica como um todo, algumas
dúvidas têm sido expressadas com relação a isso. Por exem­
plo, Drees argumenta que um universo em expansão não
é realmente fechado, pois a entropia é arrebatada para o
espaço em expansão pela radiação de fundo. A expansão fun­
ciona como se houvesse um ambiente, mas de fato não há
nenhum.36
Entretanto, a isso pode-se responder que os modelos Big
Bang pressupõem o universo como sendo o mesmo em todos
os lugares, de modo que a quantidade de radiação que sai de
uma região determinada é igual à que entra (podendo tal
região ter suas dimensões em expansão, com uma fixada
relação massa-energia). Para cada região em particular um
ganho entrópico deve, portanto, ocorrer.
Drees afirma que não existe claro conceito de entropia
em relação à gravidade. Por conseguinte, torna-se questionável
a aplicação do conceito de entropia ao universo como um todo.
De todo jeito, mesmo não sendo muito clara a relação da
entropia com a gravidade, como na situação de sistemas
estatísticos não gravitacionais, não há razão para se achar
que uma lei tão fundamental como o ganho de entropia não
seja aplicável. Penrose,37 por exemplo, tem argumentado
que a entropia pode ser razoavelmente aplicada a estruturas
gravitacionais.
Lerner, também, ao advogar o conceito de um uni­
verso infinito de complexidade sempre crescente, nega a

36 Willem B. Drees, Beyond the Big Bang: Quantum Cosmology and God,
Th.D. Thesis, Rijksuniversiteit Groningen, The Netherlands, 1989, p.26.
37 Penrose, “Difficulties with Inflationary Cosmology”, 1989.

142
Cosmologia e Existência de Deus

aplicabilidade cósmica da segunda lei. Ele alega que, ao con­


trário do que afirma a segunda lei, o cosmos evolve do caos
para a ordem:

A física convencional interpreta qualquer mudança como


sendo necessariamente uma regressão, como uma involução no
sentido de atingir o equilíbrio. Contudo, quando olhamos para a
tendência a longo prazo da evolução, a realidade mostra exata­
mente o contrário - o universo adquire mais corda (como num
relógio), em vez de estar gastando e diminuindo a corda ... O
universo que observamos simplesmente não está em decadência;
a generalização da “lei de crescente desordem” ao âmbito do
cosmos como um todo, não encontra apoio nas observações... Se
não há tendência na direção da evolução, ou progresso na natu­
reza, então a existência humana em si mesma nada mais é do
que um acidente sem significado... Num cosmos decadente e eterno
não há espaço para qualquer coisa que contenha valor para a
humanidade, não há lugar para consciência, alegria, tristeza, ou
esperançai

Conseqüentemente, ele afirma que a segunda lei se aplica


apenas a sistemas que estejam já muito próximos do equilí­
brio, onde as várias partes de cada sistema já estejam quase à
mesma temperatura, onde haja pouca energia restante. Se,
contudo, o sistema estiver longe do estado de equilíbrio, com
significante fluxo de energia através dele, afirma Lerner, ele
não tenderá regredir ao estado de equilíbrio, mas se afastará
dele, criando ordem e estrutura no processo.
O mecanismo proposto por Lerner é o crescimento das
flutuações através da instabilidade. Ele cita como exemplo o
crescimento de padrões de convecção num recipiente de água
quente, onde a instabilidade cria ordem “capturando” o fluxo*

38 E. J. Lerner, The Big Bang Never Happened, New York: Times Books, 1991,
pp. 287-291.

143
Deus e Cosmos

de energia calorífica do forno para a água.


O problema com este exemplo é que um fluxo externo de
energia, o qual é, em si mesmo, ordenado, é necessário para
estabelecer o crescimento de ordem na água aquecida. Lerner
não demonstrou que a ordem total do sistema como um todo
(água, recipiente, chama) de fato cresceu. Portanto, ele não
conseguiu demonstrar que o universo como um todo pode
escapar às conseqüências da segunda lei.
Como não há, é claro, prova conclusiva num sentido ou
noutro, uma palavra de precaução deve ser empregada quanto
a tirarmos conclusões de âmbito universal partindo da segun­
da lei da termodinâmica. Entretanto, se formos pelo princípio
de que as leis físicas conhecidas devem ser seguidas tanto
quanto possível, em vez de postularmos novas leis, então a
evidência presente favorece a aplicabilidade da segunda lei.
Mesmo assim, pode ser ainda possível evitar-se um começo
finito ou um futuro de morte do calor. O físico austríaco
Ludwig Boltzman, no final do século dezenove, sugeriu que o
estado de ordem atualmente observado pode ser simples­
mente devido a flutuações casuais. Num universo suficiente­
mente grande, mesmo que em estado de equilíbrio térmico,
movimentos ocasionais ainda poderiam produzir pequenas
regiões, altamente organizadas, e de baixa entropia. Tais
regiões, se forem suficientemente grandes e durarem tempo
suficiente, poderíam oferecer condições propícias ao surgi­
mento de vida.
Seria isso plausível? Cálculos realizados por Zanstra39
mostram que uma flutuação apreciável de entropia pode
ocorrer apenas num volume contendo apenas poucas partí­
culas. Contudo, o universo visível como um todo parece estar
num estado de baixa entropia. Seria razoável considerarmos o
inteiro universo visível como sendo uma flutuação aleatória?

39 Zanstra, Thermodynamics,-p. 33.

144
Cosmologia e Existência de Deus

Isso implicaria não apenas em que o universo deve ser imen­


samente maior do que a região atualmente observável, mas
também que a porção não observável do universo, a qual
estaria presumivelmente num estado caótico de alta entropia,
teria que ser drasticamente diferente do organizado universo
observável. Na verdade, isso contraria a usual pressuposição
da uniformidade.
De novo, chegamos à conclusão de que a evidência
favorece à idéia de um universo que se desenrola (como um
relógio que vai usando sua corda), tendo partido de um estado
inicial de alta organização. Entretanto, tal estado inicial não
necessariamente teria ocorrido há um certo tempo finito do
passado. Em princípio, a entropia poderia ter aumentado a
partir de um valor mínimo num passado infinito. Esse seria o
caso num modelo cosmológico tal como o de Gamow acima
descrito, em que o universo seria infinitamente velho,
alternando entre fases de contração e expansão sucessivas.
Assim, a segunda lei da termodinâmica não é suficiente
para provar o começo do universo num tempo finito do pas­
sado. Todavia, ela ainda poderia ter algum significado para
alguém que esteja em busca de evidências de um Criador.
Pois, se de fato a segunda lei da termodinâmica se aplica ao
universo como um todo - o que parece plausível - então isto
significa que o universo vem se desenrolando (usando sua
corda) constantemente. Entretanto, para isso, é necessário que
antes o universo tenha sido enrolado, ou dado corda (como
num relógio). Mas, como foi que isso aconteceu? De onde
veio o estado de ordem inicial? Tais questões nos levam a
uma segunda prova para a existência de Deus: o argumento
do design (projeto).
Sumariando, tanto o argumento filosófico como o
científico para o começo do universo são falhos. O caso contra
a existência de um infinito real foi visto ser falacioso. O argu­
mento a partir da suposta singularidade do Big Bang apoia-se

145
Deus e Cosmos

excessivamente em um específico modelo cosmológico e em


extrapolações especulativas que vão além dos limites de vali­
dade do modelo. Ainda que o caso baseado na termodinâmica
evite tais limitações, também esse é insuficiente como prova
definitiva de que o universo teve início a um tempo finito do
passado.
Com isso, não estamos negando que a evidência cosmo­
lógica para um começo pareça plausível. Mas, plausibilidade
não é suficiente como prova, e, como já vimos, aqueles que
desejam negar um começo têm construído modelos alter­
nativos que pressupõem um universo sem começo. E, tais
modelos sem começo parecem mais críveis aos olhos dos
que os defendem. Evidências observacionais, por si só, são
insuficientes para superar a natureza subjetiva da teoriza­
ção científica.
Além disso, nós temos nos restringido a um universo
operando puramente por meio de causas naturais. Tirando tal
restrição, então é permitida a possibilidade de um ser sobre­
natural que tem interagido com o universo desde a eterni­
dade, talvez, por exemplo, acrescentando energia útil de
tempos em tempos. Então só poderíamos ter certeza de que o
universo teria tido um passado finito se Deus decidisse reve­
lar-nos tal informação. Somente com base em ensinamento
bíblico podemos concluir que o universo foi de fato criado
num tempo finito no passado.

O Argumento do Design (Projeto)

Semelhantemente, o argumento do design tem sido


popular como prova da existência de Deus. Esse argumento
foi fortemente promovido por William Paley no seu livro,
Natural Theology (Teologia Natural), publicado no final do
século dezoito. Ele argumenta que a intrincada organização
do mundo é uma forte evidência da existência de um Criador

146
Cosmologia e Existência de Deus

inteligente, do mesmo modo como o detalhado mecanismo


de um relógio é devido à intenção e habilidade do relojoeiro.
A principal questão é se a complexidade observada do
universo envolve um Criador, ou se tal complexidade poderia
ser explicada como resultado final de processos puramente
naturais. Um dos principais exemplos refere-se às espantosas
características dos sistemas e organismos biológicos. Essa inter­
pretação foi questionada por Charles Darwin em A Origem
das Espécies (1859), onde ele propôs que a diversidade bioló­
gica observada seria causada simplesmente por mutações
aleatórias e seleção natural.

Um Universo Finamente Ajustado

Mais recentemente, diversos apologistas têm apoiado o


argumento do design apelando para os avanços em cosmologia.
Parece que, a partir de várias considerações cosmológicas, o
universo é notavelmente ajustado (finamente sincronizado).
Se as leis físicas e condições iniciais fossem ligeiramente dife­
rentes, então, ao que parece, o universo não poderia manter a
vida. Muito tem sido escrito sobre o espetacular sincronismo
e fino ajustamento do universo para suster a vida humana.
Consideraremos apenas alguns fatores típicos:

1. Entropia
Se a entropia, a quantidade de desordem no universo, está
sempre crescendo, então o universo tem que ter sido inicial­
mente criado em condição organizada, como discutido na
seção precedente. De acordo com Paul Davies:

Se o universo não passasse de um simples acidente, a probabi­


lidade de que ele viesse a ter alguma ordem apreciável seria
absurdamente pequena. Se o Big Bang fosse apenas um evento
aleatório, então seña esmagadoramente grande a probabilidade

147
Deus e Cosmos

de que o cosmos material emergente estivesse em equilíbrio


termodinâmico, com entropia máxima, e ordem zero. Mas, como
claramente não é esse o caso, parece difícil evitar a conclusão de
que o estado atual do universo foi “escolhido” ou, de algum modo
selecionado dentre um enorme número de estados disponíveis,
dos quais todos, exceto uma fração infinitesimal, estariam em
total desordem. E se um tal estado inicial extremamente impro­
vável foi selecionado, não teria que certamente haver um
selecionador ou desenhista que o “escolheu”^

2. A Taxa de Expansão
A taxa de expansão do universo parece estar em extremo
equilíbrio crítico. Se tal taxa de expansão fosse um pouco
menor, o universo voltaria a implodir em segundos; se fosse
um pouco maior, a formação de galáxias teria sido impossível.
De acordo com os cálculos de John Leslie, para que tais desas­
tres pudessem ser evitados a taxa de expansão durante os
primeiros instantes tiveram que ser finamente ajustadas a
uma precisão da ordem de uma parte em IO55.
A taxa de expansão pode ser explicada ou levada em conta
pela inflação, mas tal coisa em si mesma requer uma sintonia
ou ajuste finíssimo: dois componentes de uma constante
cosmológica impelida por expansão anulam uma à outra a um
grau de precisão de uma parte em 1050.
Leslie40
41 estima que, se forças atuantes no universo, como
por exemplo a gravidade e a força fraca do núcleo atômico, se
desviassem de seus valores atuais por uma quantidade tão
ínfima quanto uma parte em 10100, isso já seria suficiente para
desastrosamente pôr um fim à anulação acima mencionado.

3. Os Elementos
Hidrogênio e carbono são elementos essenciais à vida. Pelo

40 GodandtheNewPhysics, New York: Simón & Schuster, 1983, p. 168.


41 Universes, London: Routledge, 1989, p.3.

148
Cosmologia e Existência de Deus

menos à forma de vida que conhecemos. Se a força fraca do


núcleo atômico tivesse sido um pouco mais forte do que é, o
Big Bang teria queimado todo o hidrogênio, tornando-o em
hélio; se tivesse sido um pouco mais fraca, os nêutrons forma­
dos inicialmente não teriam se decomposto em prótons, e de
novo, não haveria hidrogênio. Leslie42 observa que, para que o
carbono pudesse ser criado em quantidade no interior das es­
trelas, a força forte do núcleo atômico não poderia ter variado
em mais que 1% do seu valor atual, para mais ou para menos.

4. A Vida
Ajustes finíssimos são necessários não apenas nas condi­
ções iniciais e nas forças físicas, mas também na geração de
complexidade, particularmente na vida. Várias estimativas
têm sido feitas para a eventualidade do surgimento da vida.
Barrow e Tipler43 calculam ser a probabilidade de montagem
de um simples gene da ordem de 10109. A probabilidade de
formação ao acaso de um genoma humano, da ordem de
10“i2.oooooo, isto é, uma chance em 1 seguido de doze milhões de
zeros. A partir de probabilidades tão ínfimas eles concluem
que a vida, particularmente a vida humana, deve ser extrema­
mente rara no universo. É preciso observar que tais cálculos
não incluíram outros fatores igualmente improváveis como
encontrar as condições favoráveis, num planeta favorável,
adequadamente localizado nas proximidades de uma estrela
favorável.
Esses são apenas alguns exemplos! Muitos fenômenos
similares são citados por Barrow, Tipler e Leslie. Parece que
o universo está precisamente desenhado para ser receptivo
à vida inteligente.

42 Universes, London: Routledge, 1989, p.4.


43 John D. Barrow e Frank J. Tipler, The Antropic Cosmological Principle,
Oxford: The University Press, 1986, p. 565.

149
Deus E Cosmos

Muitos cristãos, incluindo John Leslie, Richard Swin-


burne e Hugh Ross, basearam sua causa para a existência de
Deus em tais evidências cosmológicas do design. E eles não
estão sós. Muitos cientistas, que não são cristãos, têm sido
igualmente impressionados pela espetacular sintonia fina
do universo. Assim é que, Stephen Hawking, citado por
Boslough, afirma:

Os fatores contrários à existência de um universo como o nos­


so, emergindo de algo como o Big Bang, são enormes. Eu penso
que há claras implicações religiosas. 44

Freeman Dyson, de modo semelhante, escreve:

...numerosos acidentes parecem conspirar no sentido de fazer


que nosso universo seja habitável. ... Quanto mais eu sondo o
universo, e os detalhes de sua arquitetura, mais evidência eu
encontro de que o universo de algum modo soube que nós está­
vamos a caminho.45

Paul Davies, igualmente, chega à conclusão:

E muito difícil resistir à impressão de que a presente estrutura


do nosso universo, aparentemente tão sensível a pequenas alte­
rações em números, foi cuidadosamente pensada. 46

Numa obra posterior Davies comenta que “a impressão


de um design é esmagadora”.47

44 John Boslough, Stephen Hawking's Universe, New York: William Morrow,


1985, p. 121.
45 Freeman Dyson, Disturbing the Universe, New York: Harper and Row,
1979, p.250.
46 God and the New Physics, New York: Simon and Schuster, 1983, p. 189.
47 The Cosmos Blueprint, New York: Simon and Schuster, 1988, p.203.

150
Cosmologia e Existência de Deus

Alternativas ao Conceito de Design

Apesar disso, tais conclusões não são nem de longe


unânimes. Várias explicações alternativas do aparente ajuste
fino do universo têm sido propostas, das quais examinaremos
as seguintes:
1. Teorias de Múltiplos Mundos - tudo é possível numa
infinidade de universos.
2. Princípios Antrópicos - se o universo tivesse sido
diferente, não estaríamos aqui para vê-lo.
3. Teorias do Tudo - a teoria do tudo afirmam que apenas
um mundo é possível, que nosso mundo não é acidental, mas
necessário.
4. Seleção Natural - nosso universo é o resultado de um
processo de seleção natural.

1. Teorias de Múltiplos Mundos


Um modo de explicar o aparente design neste notável
ajuste fino do universo é sugerir uma multiplicidade de
universos, existindo sucessivamente ou simultaneamente. Se
houvesse uma quantidade imensamente vasta de universos,
com propriedades diferentes, então não seria improvável que
a vida surgisse em alguns desses universos. Nosso universo
seria então um desses raros universos.
Vários mecanismos para a geração de múltiplos universos
têm sido propostos.

a. Ciclos Sucessivos de um Universo Oscilante


Se informação é perdida numa singularidade, e se cada
novo universo tem propriedades diferentes, como sugerido por
John Wheeler e discutido anteriormente, então uma completa
sucessão de universos pode ser gerada. Atualmente, contudo,
com as evidências observacionais a favor de um universo
aberto, sem ciclos futuros, essa alternativa não é viável.

151
Deus e Cosmos

b. Múltiplos Domínios
Se o universo for imensamente grande, talvez até mesmo
infinito, então é possível que enormes regiões, efetivamente
fora de vista umas das outras, apresentem propriedades dife­
rentes.

c. Teoria Quântica dos Mundos Múltiplos


Uma interpretação da mecânica quântica é que, cada vez
que um observador faz uma medição, ele, juntamente com o
universo, é dividido em dois! Sempre que uma escolha deve
ser feita entre as várias possíveis decorrências de um evento
quântico, o universo se ramifica num conjunto de universos,
um para cada opção possível. Isso dá lugar a uma infinidade
de universos paralelos, virtualmente independentes, com
diferentes propriedades.

d. Flutuações do Vácuo Quântico


Se é possível que nosso universo tenha sido criado do
nada, por via de uma flutuação do vácuo quântico, como dis­
cutido numa seção anterior, então não há nada que impeça a
ocorrência desse fenômeno inumeráveis vezes. Talvez mesmo
um universo “filhote” possa ser gerado nas entranhas do nosso
próprio universo.
Em qualquer dos esquemas acima, a presença do nosso
universo, com sua relativa hospitalidade para com a vida, é
explicada como uma ocorrência casual, um fenômeno raro num
virtualmente infinito conjunto de universos estéreis em sua
vasta maioria.
Swinburne argumenta que o ponto de vista de múlti­
plos mundos contraria o método científico normal.48 Nós
extrapolamos às distantes partes do universo, supondo serem

48 Richard Swinburne, “Argument from the Fine-Tuning of the U niverse”,


em John Leslie, Physical Cosmology and Philosophy, London, 1990, p. 167.

152
Cosmologia e Existência de Deus

aplicáveis as leis do presente. Toda evidência aponta para


a constância dessas leis, sendo a observada isotropia do uni­
verso a mais admirável evidência. Podem haver situações
questionáveis (por exemplo, numa singularidade) onde
algumas das leis não se apliquem, mas não há nenhuma
evidência sugerindo que em geral as leis eram diferentes. Em
todas as regiões do espaço e tempo, que estão espacial e tem­
poralmente relacionadas com a nossa, não temos razão para
duvidar que as leis físicas e condições limites sejam quantita­
tivamente as mesmas que as nossas; não temos razão para pôr
em dúvida a aplicação universal do princípio de indução.
Na teoria quântica de mundos múltiplos há uma infini­
dade de universos, nenhum dos quais jamais produz qualquer
efeito observável sobre o nosso. Swinburne argumenta que
seria muito mais simples interpretar a mecânica quântica
indeterministicamente como apenas descrevendo probabili­
dades físicas do comportamento dos constituintes reais do
universo, e postular que as condições limites de fato residem
numa faixa estreita. De acordo com Swinburne:

E princípio crucial do método científico que entidades não de­


vem ser postuladas além da necessidade... postular mundos múl­
tiplos infinitos com o intuito de salvar uma interpretação preferi­
da de uma fórmula, que não é de modo algum obviamente mais
simples que as explicações alternativas, e evitar ter que postular
uma faixa bem estreita de condições limites, parece loucura.49

Ele conclui ser muito mais simples explicar o nosso uni­


verso feito sob medida especificando apenas uma entidade do
tipo simples: Deus. Nosso mundo produtor de vida é mais
plausivelmente explicável pela existência de Deus do que

49 Richard Swinburne, “Argument from the Fine-Tuning of the Universe”,


em John Leslie, Physical Cosmology and Philosophy, London, 1990, p. 171.

153
Deus e Cosmos

através de defender a existência de mundos infinitos e


invisíveis.
John Leslie, igualmente, tem argumentado que a hipó­
tese Deus é mais simples e mais plausível como uma explica­
ção para o ajuste fino do universo do que essas hipóteses de
mundos múltiplos. Conforme Leslie,50 essa última hipótese é
muito artificial e não encontra apoio em nenhuma evidência
independente, enquanto que existem outras evidências que
favorecem acreditar em Deus. Também, John Polkinhorne
argumenta a favor da superioridade da opção teística:

Uma possível explicação de igual respeitabilidade intelectual -


e que, ao meu ver, é de maior economia e elegância - seria que
este mundo único é do modo que é porque é a criação pela von­
tade de um Criador que determina que assim deve ser.51

Por outro lado, Drees duvida que simplicidade favoreça


a idéia de design sobre a de múltiplos mundos. Simplicidade,
ele afirma, tem a ver com a estrutura de uma teoria, não o
número de entidades que ela prediz.52
Poderiam ser combinadas as duas alternativas? Ian
Barbour pensa ser possível uma interpretação teísta para a
hipótese de mundos múltiplos, e que Deus e acaso não pre­
cisam ser conceitos mutuamente exclusivos. Ele sugere a
possibilidade de que:

Deus criou muitos universos de modo tal que vida e inteligên­


cia pudessem ocorrer neste universo. Reconhecemos, isso atribui
ao acaso um papel de importância incomum, e envolve um

50 “Modern Cosmology and the Creation of Life”, em E. McMullin,


Evolution and Creation, Notre Damme: The University Press, 1985.
51 One World: The Interaction of Science and Theology, Princeton: The
University Press, 1986, p.80.
52 Drees, Beyond the Big Bang, p. 68.

154
Cosmologia e Existência de Deus

colossal desperdício e ineficiência, se há muitos universos sem


vida. Mas - alguém poderia argumentar - para Deus não há
escassez nem de espaço nem de tempo. Assim, eficiência não
passaria de um critério dúbio.53 54

A isso pode-se responder que certamente um Deus onis­


ciente não necessita do acaso. De fato, para Ele não existe tal
coisa como o acaso. Ele sabe que condições iniciais gera­
riam um universo favorável. Então, que necessidade para
Ele criar incontáveis universos simplesmente para gerar o
nosso?

2. Princípios Antrópicos
Para explicar-se o observável ajuste fino de nosso univer­
so - de modo não teísta - é preciso não apenas uma multi­
plicidade de universos, mas também um efeito de seleção
observacional. Como é que aconteceu que nós nos achamos
num universo favorável à vida? Uma resposta óbvia é que, se
o universo tivesse sido diferente do que ele é, não estaríamos
aqui para observá-lo. Portanto, as propriedades físicas que
observamos são o resultado de um efeito de seleção de
abrangência total. Citando Barrow e Tipler:

Quaisquer propriedades do universo que possam inicialmente


parecer assombrosamente improváveis, só podem ser vistas em
suas reais perspectivas depois de levarmos em conta o fato de que
certas propriedades do universo são pré-requisitos necessários
para a evolução e existência dos próprios observadores.^

Tal explicação faz uso do princípio antrópico. O princípio


antrópico é usado em várias formas:

53 Religion in an Age ofScience, San Francisco: Harper, 1990,p.l38.


54 The Anthropic Cosmological Principle,]). 2.

155
Deus e Cosmos

a. O Princípio Antrópico Fraco (WAP - Weak Anthropic


Principie)
Trata-se da mais básica versão do princípio antrópico, e
refere-se primariamente ao princípio de auto-seleção: o que
observamos deve ser compatível com a nossa existência. A
definição dada por Barrow e Tipler é:

Os valores observáveis de todas as constantes físicas... tomam


valores restringidos pelos requisitos de que existem lugares onde
formas de vida baseadas no carbono podem evoluir, e pelo requi­
sito de que o universo é velho o bastante para já ter assim feito.ss

Em resumo, nossas observações são tendenciosas, a favor


de cenários nos quais existimos. Essa é a forma mais fraca do
princípio antrópico.

b. O Princípio Antrópico Forte (SAP - Strong Anthropic


Principie)
Este é mais severo, e muito mais especulativo. Barrow e
Tipler o definem como o conceito de que “o universo tem que
ter aquelas propriedades que permitem o surgimento da vida
em seu interior, em algum estágio de sua história”.5556 Este é
freqüentemente associado com o ponto de vista de mundos
múltiplos: de que todas as possibilidades precisam ocorrer,
inclusive algumas em que surge a vida.
Enquanto a forma fraca (WAP) afirma que o universo deve
ser tal que a vida/wde ocorrer, a forma forte (SAP) especifica
que a vida tem que ocorrer. A forma forte (SAP) especifica que
a vida tem que ocorrer não apenas em nosso universo, mas em
todos os universos possíveis. Swinburne observa que a forma
fraca (WAP) é apenas uma verdade trivial: qualquer teoria tem

55 The Anthropic Cosmological Principle, p. 16.


56Ibid., p. 21.

156
Cosmologia e Existência de Deus

que ser compatível com as observações.57 Devemos ter em


mente que a WAP não é apenas uma explicação casual: não
podemos dizer que as condições iniciais e leis são conseqüên-
cias de nossa existência. Ao invés disso, o oposto é o caso.
Quanto ao SAP, com suas reivindicações de que as leis da natu­
reza tem que ser tais que a vida possa existir, não há evidência
em que se possam apoiar. De acordo com o conhecimento
atual, o oposto parece ser verdadeiro. De fato, era muito muito
mais provável que o universo não produzisse vida.
Heinz Pageis afirma que o princípio antrópico faz
tempestade em copo d’água, apresentando profundas defici­
ências, e não tendo lugar em cosmologia.58 Ele alega que esse
princípio é inteiramente ad hoc, não prediz coisa alguma, e é
imune à falsificação experimental. Teria sido mais produtivo,
ele diz, buscar explicações em termos de leis da natureza do
que apontar para um alegado efeito de seleção. A questão se
resume sobre se as condições iniciais do universo foram arbi­
trárias ou necessárias. Somente no primeiro caso faz sentido
apelar para um efeito de seleção tal como o princípio antrópico.
Enquanto não for melhor entendida a origem do universo, é
prematuro invocar o princípio antrópico. Pageis argumenta
que o princípio antrópico deprecia a verdadeira ciência; aque­
les que o usam têm de fato desistido da tentativa de encontrar
uma explicação realmente fundamental para a natureza das
coisas. Ele observa também que o princípio antrópico está em
competição direta com o princípio teísta: de que o universo
parece finamente ajustado para a nossa existência porque foi
finamente ajustado por Deus para a nossa existência. Sua ava­
liação sobre aqueles que defendem o princípio antrópico é:

É claro que alguns cientistas, crendo que ciência e religião são

57 “Argument from the Fine Tuning of the Universe”, p. 165.


58 “A Cozy Cosmology”, em Leslie, Physical Cosmology and Philosophy, p. 175.

157
Deus e Cosmos

mutuamente exclusivos, acham esta idéia pouco atraente. Ao


encararem questões que não se encaixam satisfatoriamente
dentro do âmbito científico, eles são pouco inclinados a buscar
explicações religiosas; contudo a curiosidade deles não os per­
mite deixar certas questões em aberto. Daí, o princípio antrópico.
E o mais próximo que alguns ateus podem chegar de Deus.

O princípio antrópico fraco pode explicar algumas


coisas, se combinado com a teoria de múltiplos universos. Mas
não consegue explicar porque temos exatamente o universo
que temos, e não um outro, digamos, ligeiramente menos
isotrópico. Se este universo é como é, com o único propósito
de criar vida, então seu arranjo podería ter sido muito menos
preciso.

3. A Teoria do Tudo
Os comentários de Pageis acima citados levantam uma
terceira possibilidade: a de que os valores aparentemente
arbitrários das constantes físicas são de fato ditados por uma
lei mais básica. Pode ser que uma teoria mais fundamental
mostre que as constantes tenham que ter os valores que têm.
Em tal caso, coincidências como as listadas acima transfor­
mam-se em necessidades.
Recentemente, esforços foram dirigidos no sentido de
elaborar uma Teoria Ampla Unificada, que unisse as forças
nucleares e eletromagnéticas numa única teoria. Muito
esforço foi também direcionado no sentido de combinar a
relatividade geral e a mecânica quântica numa teoria unificada
de gravidade quântica. Uma tal teoria é necessária em situa­
ções onde a densidade matéria-energia é extremamente alta,
tal como se pensa ter sido a situação ocorrida logo após o Big
Bang. As últimas teorias, envolvendo “super-cadeias” multi-
dimensionais tentam fundir todas essas forças numa única
teoria, A Teoria do Tudo (A Theory of Everything - TOE/

158
Cosmologia e Existência de Deus

Ela é assim chamada, teoria do tudo, porque acredita-se que


tudo poderia ser logicamente deduzido a partir de tal teoria.
Bem sucedida, a teoria do tudo parece que solaparia o
argumento do design. Todavia, de acordo com Barbour,59 tal
teoria seria bem-vinda como parte do design de Deus. Enquan­
to tal teoria possa mostrar que apenas um universo é possível e
que as características de nosso universo são necessárias, em
vez de acidentais, ela ainda deixa sem explicação o por quê ou
o como o universo tornou-se concretizado em mundo real.
Contudo, mesmo a teoria do tudo não explica completa­
mente o ajuste fino do universo. Para tirar conclusões sobre
situações particulares necessitamos não apenas de leis univer­
sais, mas também de condições de limites apropriados. E
como Barbour afirma: “Evolução deve ser descrita por meio
de um relato de fatos históricos, e não apenas através de leis
que predizem”.60 Assim, seríamos deixados com a questão do
por quê as condições de limite eram como eram.
Indo além, para que uma teoria do tudo explicasse literal­
mente tudo, incluindo as características não apenas de espé­
cies particulares, mas também de indivíduos particulares,
isso claramente requer um conhecimento das condições
de limites de tal nível de detalhe que seria praticamente
impossível a seres humanos adquirirem.
Stephen Hawking também considerou a possibilidade
de uma teoria do tudo. Ele conclui que mesmo que uma tal
teoria pudesse ser encontrada, ela ainda deixaria algumas
questões não respondidas:

Mesmo que haja possível apenas uma teoria unificada, ela não
passa de um conjunto de regras e equações. O que é que põe fogo
nas equações e produz um universo que elas possam descrever?

59 Religion in an Age ofScience, p. 139.


60Ibid., p. 139.

159
Deus e Cosmos

A costumeira abordagem científica de construir um modelo ma­


temático não consegue responder às questões do por quê haveria
um universo para o modelo matemático descrever.61

Mas Hawking é otimista:

No entanto, se descobrirmos uma teoria completa, ela deverá,


no devido tempo, ser compreensível ... por todos ... Então todos
seremos... capazes de participar da discussão da questão do por
quê nós e o universo existimos. Se encontrássemos uma resposta
para isso, seria o triunfo máximo da razão humana - pois então
conheceríamos a mente de Deus.62

Hawking superestima o valor de uma teoria do tudo, ao


mesmo tempo que subestima o conteúdo da mente de Deus.
Resumindo, mesmo que uma teoria do tudo pudesse ser
estabelecida, a questão do design ainda permanece. Ainda
seria necessário explicar as condições de limites, a existência
da teoria do tudo, e a existência do próprio universo. Tudo
isso, é claro, pressupõe que tudo no universo é o resultado
de leis físicas normais. Se levarmos em conta as influências
espirituais e milagres, então o significado ou importância de
uma teoria do tudo fica ainda mais reduzido.

4. Um Universo por Seleção Natural


O astrônomo americano Edward Harrison propôs que
o nosso universo foi feito por formas de vida altamente
inteligentes, vivendo em outro universo, e que o aparente
ajuste fino de nosso universo teria sido resultado de seleção
natural.63 Ele defende que, sob condições controladas de

61 S. W. Hawking, A BriefHistoryofTime, New York: Bantam, 1988, p. 174.


62 Ibid.,p. 175.
63 “The Natural Selection of the Universes Containing Intelligent Life”,
QuarterlyJournal ofthe RoyalAstronomicalSociety, 1995,36, pp. 193-203.

160
Cosmologia e Existência de Deus

laboratório, pode ser viável a criação de um universo a partir


da formação de um buraco negro (black hole) de pequenas
dimensões (10 kg) constituído de partículas de alta-energia.
As constantes físicas do universo descendente seriam pratica­
mente as mesmas do universo matriz.
Seres altamente inteligentes poderiam então criar novos
universos que pudessem ser receptivos à vida. Somente
universos contendo seres inteligentes teriam possibilidade
de se reproduzir.
Harrison pressupõe que, inicialmente, houve um con­
junto de universos, com constantes fundamentais diferentes,
contendo pelo menos um universo onde vida inteligente ocor­
reu. A partir daí, por reprodução, os universos inteligentes
dominaram o conjunto. Universos com maior hospitalidade
à vida são naturalmente selecionados pela sua capacidade de
reprodução.
O mesmo astrônomo argumenta que a crença num ser
sobrenatural criador faz cessar a investigação científica, enquan­
to que o princípio antrópico implica numa vasta área de
refugo de universos estéreis. Sua proposta, por outro lado,
propõe que a vida em si própria exerce a função ou atividade
de criar, o que então deixa a esfera religiosa e se torna objeto
de investigação científica.
É claro, porém, que tal proposta tem um número de pon­
tos fracos.64
Primeiro, o proposto cenário de criação de universos é,
para dizer o mínimo, altamente especulativo; e baseia-se em
concepções cosmológicas e físicas de partículas ainda não
testadas empiricamente. Quanto ao postular um universo
mãe, sem conexão espacial e causal com o nosso, isto é ineren­
temente inverificável.

64 John Byl, “On the Natural Selection of Universes”, Quarterly Journal of


the Royal Astronomical Society, 1996,37, pp. 369-371.

161
Deus e Cosmos

Segundo, seleção natural, como explicação de complexi­


dade, geralmente invoca uma evolução na direção de comple­
xidade crescente. Aqui, contudo, a direção é invertida: nosso
universo é postulado como tendo sido criado por seres superi­
ores, e não inferiores. Usando a analogia de Paley, isso seria
como se, ao descobrir um relógio, o investigador inferisse não
a existência do relojoeiro, e sim a de uma sofisticada máquina
de fazer relógios.
A proposta explica o problema original ao alto custo de
substituí-lo por um outro de muito maior complexidade. E
somos ainda deixados com várias questões em aberto, tais como
“o que” criou o conjunto inicial de universos, em particular
aquele onde estariam os seres de inteligência superior. Isso nos
conduz de volta às teorias de mundos múltiplos e princípios
antrópicos.
Para simplificar, a proposta de que nosso universo foi
criado por seres inteligentes não é uma explicação viável para
a origem de nosso universo. O cenário de seleção natural é
inventado, inverificável, e finalmente se reduz meramente a
uma versão desnecessariamente mais complicada de teísmo
ou de princípios antrópicos. Parece mais racional pressupor
nosso universo como o primeiro a conter seres inteligentes
criados.
Resumindo, as características observadas do universo
parecem ser muito mais plausivelmente explicadas através do
design divino do que pela alternativa de teorias de mundos
múltiplos, princípios antrópicos, teorias do tudo, ou seleção
natural. Isso, pelo menos, é a minha avaliação pessoal. Infe­
lizmente, contudo, devemos reconhecer que o argumento
carece de compulsão. Ao julgar teorias científicas, critérios
como simplicidade e plausibilidade muitas vezes estão no
olho daquele que observa - um observador cuja avaliação é
moldada por suas convicções religiosas mais profundas.

162
Cosmologia e Existência de Deus

Design e Evolução

Se de fato o universo teve exatamente os parâmetros


necessários para evoluir ao presente estado, com toda a sua
detalhada estrutura e diversas formas de vida, isso poderia ser
visto como forte evidência a favor da evolução. Afinal, num
universo criado instantaneamente, em forma madura,
parâmetros cosmológicos - tais como densidade e taxa de
expansão - poderiam ter sido muito diferentes. Isso faz pare­
cer que, de um ponto de vista criacionista, o ajuste fino é
inexplicável, meramente coincidente.
Em resposta, observamos, primeiro, que o ajuste fino
alegadamente necessário para o surgimento de vida em
grande parte seria também necessário para suster a vida. A
vida - pelo menos na forma como conhecemos - depende
criticamente das singulares propriedades de elementos como
carbono, hidrogênio, nitrogênio e oxigênio. As propriedades
necessárias para suster a vida não mais existiriam se, por exem­
plo, as forças nucleares ou eletromagnéticas fossem apenas
ligeiramente diferentes, ou se a massa relativa de elétrons e
nêutrons estivesse em proporções ligeiramente diferentes.
Assim, também, um universo recentemente criado requereria
um considerável grau de ajuste fino das leis e constantes
físicas.
Um segundo fator é que muitas das assim chamadas
coincidências antrópicas são baseadas mais em especulação
teórica do que em fatos observacionais. Tome, por exemplo, a
altíssima precisão requerida para a taxa de expansão inicial,
como anteriormente mencionada. Tal alta precisão certa­
mente não é observada, sendo a presente taxa de expansão
conhecida a uma precisão melhor que não ultrapassa 10 por
cento. Pelo contrário, as coincidências antrópicas são pura­
mente inferidas com base em cálculos teóricos. Como tal, o
ajuste fino hipotético poderia ser visto como uma medida

163
Deus e Cosmos

da implausibilidade da cosmologia do Big Bang, o qual


somente pode explicar o presente universo apoiando-se em
uma conjeturada e extremamente improvável taxa de expan­
são do passado.

Conclusões

É chegada a hora de finalizar nossa discussão sobre


provas quanto a existência de Deus. Há três pontos que eu
gostaria de frisar:

1. A Limitação das Provas


Como já vimos, embora as várias considerações cosmo­
lógicas possam levar alguém a inferir que o universo físico
teve um começo num tempo finito do passado, tal conclusão
não é de modo algum rigorosa. Há incerteza suficiente quan­
to às leis físicas e suas aplicações, o que impede que outras
possibilidades sejam eliminadas de modo definitivo. A mes­
ma consideração geral se aplica ao argumento do design.
Contudo, embora tais argumentos não sejam compul­
sivos, eles claramente têm sua força de persuasão. De fato,
vários astrônomos têm tirado implicações teístas a partir da
cosmologia do Big Bang. Isso tem levado alguns a rejeitar a
cosmologia do Big Bang, e outros a aceitar uma variedade de
diferentes concepções de Deus.
Poucos, entretanto, por este meio, parecem ter sido
convertidos ao cristianismo ortodoxo. Por que seria esse o
caso? Possivelmente porque o argumento cosmológico em si
mesmo, aponta para um Causador Principal, um ser eterno
que dá início ao universo. O argumento teleológico não nos
leva muito além disso. John Leslie, um defensor do argu­
mento do design, afirma que Deus não precisa absolutamente
ser uma pessoa, mas meramente um “requisito ético criativa­
mente efetivo para a existência de um (bom) universo, ou

164
Cosmologia e Existência de Deus

universos”.65 Esses deuses, abstrações impessoais como são,


dificilmente seriam objeto de inspiração ou que requeiram
nossa adoração. No máximo isso nos leva a um Deus deísta. A
plausibilidade de providência, revelação sobrenatural e
milagres precisam ainda ser mostrados. E claro que, entre os
conceitos de Causador Principal ou Designador (autor do
design) sugeridos pelos argumentos cosmológico e teleológico
e o Deus vivo da Bíblia, há uma distância tremenda a ser
percorrida.

2. Comprometimento com o Big Bang


Argumentar partindo do Big Bang para o Deus da Bíblia
resulta em outro problema, qual seja, a vinculação com o Big
Bang que isso necessariamente acarreta. Estabelecer vínculos
muito restritivos de uma prova teísta com um modelo
cosmológico particular abre espaço para desastres teológicos,
caso tal modelo venha a ser destronado. O que é mais impor­
tante, mostraremos em capítulo subseqüente, é que a visão
bíblica da realidade é bem diferente daquela da cosmologia
Big Bang. Tais diferenças envolvem não apenas questões de
origem e escatologia, mas também a presente estrutura do
universo. Por exemplo, na cosmologia Big Bang não há lugar
para um Deus transcendente, para causas sobrenaturais, ou
para uma alma imortal.
Assim, ao se construir um ponto de vista cristão da reali­
dade, a cosmologia Big Bang finalmente terá que ser substi­
tuída por modelos cosmológicos que estejam mais em acordo
com informações bíblicas. Segue portanto que, argumentações
de apologistas como Craig e Ross têm pouco valor como meio
para animar ou dar sustentação a fé dos cristãos. Na realidade,
ao endossarem a cosmologia do Big Bang eles estão introdu­
zindo uma nova epistemología que dá peso excessivamente

65 Leslie, Universesrf). 186.

165
Deus e Cosmos

alto à teorização especulativa sob a aparência ou pretexto de


revelação geral.
Isso, inevitavelmente, trará graves implicações à visão
tradicional de autoridade bíblica e hermenêutica.
Uma vez reconhecido um Deus sobrenatural, o caso para
uma singularidade Big Bang torna-se fraco, já que outras
opções plausíveis são agora viáveis. Se Deus pode criar o
universo inteiro ex nihilo no momento da singularidade,
alguém podería conjeturar, por exemplo, que Ele formou este
universo de um universo já existente ou Ele criou o universo
inteiro ex nihilo num passado mais recente. A questão se torna
então teológica, e pode ser respondida apenas através daquilo
que Deus revelou-nos em sua Palavra escrita.

3. O Papel da Revelação Geral


Aqui alguém poderia perguntar: e quanto à revelação
geral de Deus? Acaso Ele não nos revela verdades, tais como a
cosmologia Big Bang, através da natureza?
De acordo com Ross, a criação revela não apenas verdades
essenciais a respeito do caráter de Deus, mas também todos os
passos necessários para que seja desenvolvido um relaciona­
mento correto com Deus.66 Esses passos são, de modo único e
incomparável, corroborados pela Bíblia. Como ilustração da
acessibilidade da informação Ross afirma que Jó, sem o auxí­
lio das Escrituras, discerniu todos os elementos através dos
quais o homem poderia encontrar vida eterna em Deus.
Se de fato Jó obteve tal conhecimento apenas através de
observação bruta e raciocínio, é duvidoso. Uma pessoa não
pode excluir a possibilidade de que esse conhecimento tenha
sido adquirido por tradição oral (por exemplo, através dos
patriarcas), ou diretamente de Deus (ver Jó, capítulos 38-41).
O fato do conhecimento de Jó ter sido questionado por seus

66 Ross, The Fingerprint of God, p. 182.

166
Cosmologia e Existência de Deus

amigos mostra que seu conhecimento, se revelado pela


criação, certamente não foi percebido por outros da mesma
maneira.
Enquanto a Bíblia afirma que Deus revela verdade
através da natureza, tal verdade é de natureza limitada,
concernente à Sua natureza.

“Porque as Suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo,


tanto o Seu eterno poder, como a Sua divindade, se entendem, e
claramente se vêm pelas coisas que estão criadas, para que eles
fiquem inescusáveis” (Romanos 1:20).

A revelação de Deus inteiro através de Suas obras é pri­


mariamente uma questão de awío-revelação de Deus. Como
tal é compreendido, antes de tudo, não através de investigação
científica, e sim através da fé. Isso fica evidente nos Salmos
(por exemplo, Salmos 33 e 104), os quais revelam a percepção
da fé nas obras das mãos de Deus. Os Salmos sobre a natureza
lidam não com aspectos abstratos da realidade cósmica, mas
em vez disso, com a realidade pura e simples. Até mesmo o
homem pré-científico pode discernir a ordem, beleza, vasti­
dão e harmonia da criação.
Deus Se revela através da natureza de modo tal que todo
homem está ciente do verdadeiro Deus. Este conhecimento
não depende de prova lógica ou argumentação científica. E
muito mais direto. O homem, tendo sido feito à imagem de
Deus, não pode olhar para as coisas da natureza sem imediata­
mente perceber nelas a obra de Deus. Veja a majestade, beleza,
bondade e ordem ao nosso redor: as estrelas, flores, e assim
por diante. Não seria óbvio que estas coisas certamente foram
criadas por um grandioso Deus?
Contudo, apesar da deidade de Deus ser claramente reve­
lada através da natureza, o homem distorce e suprime este
conhecimento; o homem rejeita a Deus e torna-se fútil em seu

167
Deus e Cosmos

entendimento, sua mente insensível torna-se obscura. Então


Deus os abandona às suas paixões infames e a um sentimento
perverso (ver Romanos 1:18,21-32).
Então é somente pela pregação do evangelho e operação
do Espírito Santo que o homem pode vir ao conhecimento de
Deus. O homem pós-queda tem necessidade das Escrituras
para interpretar corretamente a natureza. Assim, embora haja
uma revelação natural, isso não leva a uma teologia natural:
sem o guia das Escrituras o homem se perde em fúteis especu­
lações. Para usar a analogia de Calvino, os olhos dos homens
estão por demais obscurecidos para lerem o livro da natureza
apropriadamente; nós necessitamos dos óculos das Escri­
turas para expulsar as trevas e dar-nos uma visão clara do
verdadeiro Deus, corrigindo assim nossas confusas noções de
Deidade.67
Como observou Stephen Spencer,68 os Salmos sobre a
natureza (por exemplo, Salmos 8, 19,29,65 e 104) não consti­
tuem base para uma teologia natural. Os Salmos são postos
no meio do povo de Deus. Neles, a natureza jamais é vista
como uma revelação independente da Palavra de Deus: a lei
de Deus jamais é afastada do pensamento do salmista. O que
vemos aqui é uma teologia sobre a natureza, e não uma teologia
natural. A revelação natural de Deus é interpretada dentro do
escopo da Palavra de Deus, e nunca independente dela.
E necessário frisar que o conhecimento revelado através
da natureza concerne apenas aos atributos de Deus e que este
conhecimento é adquirido pela nossa experiência direta com
a natureza, não através de nossos modelos científicos. Não há
qualquer evidência bíblica que sugira que Deus Se revela

67 João Calvino, Institutes of the Christian Religion (Instituías da Religião


Cristã), 1559,1. vi. 1.
68 S. R. Spencer, “Is Natural Theology Biblical?”, Grace TheologicalJournal,
1988,9, pp. 59-72.

168
Cosmologia e Existência de Deus

através de nossas falíveis teorizações humanas. De fato, a


Bíblia enfatiza a limitação do conhecimento humano,
particularmente com respeito a origens (veja, por exemplo,
Jó, capítulos 38-41; Isaías 41:21-24; Eclesiastes 3:11). A
cosmologia Big Bang, na medida em que consiste de
extrapolação teórica que vai além dos dados observados,
não pode ser considerada como parte da revelação geral
de Deus. Não se trata de uma verdade revelada. E mera
especulação, e como tal não pode ser considerada como uma
evidência válida para Deus. E nem mesmo é necessária: o
homem já é inescusável.
Em resumo, cosmologia nos fala muito pouco a respeito
de Deus. Através da estrutura e propriedades do universo
podemos obter um melhor entendimento a respeito da
operosidade de Deus, mas não muita coisa a respeito do
Criador. O escopo da teologia natural - o estudo de Deus
por meio da natureza e da razão humana, e não da revelação -
é extremamente limitado.
O que, então, restaria do status apologético dessas provas
teístas? Embora elas falhem em demonstrar a existência de
Deus - particularmente o Deus da Bíblia - seu valor principal
consiste em mostrar que o naturalismo inerente na ciência
moderna não pode plausivelmente ser mantido indefinida­
mente. Ao final, o naturalismo falha em suprir explicações
satisfatórias para a abundante riqueza da nossa realidade
experimental, e dá pouco esclarecimento às questões mais
profundas sobre origens, propósito e destino. O naturalismo,
aplicado de forma coerente, mina seu próprio terreno.

169
5
Cosmologia, Vida e Futuro
Até aqui temos nos concentrado primariamente em
questões envolvendo a estrutura passada e presente do
cosmos. Contudo, a questão do futuro do universo é também
de grande interesse para nós. O que teria a cosmologia
moderna a nos dizer com respeito ao futuro?
Num futuro imediato, uma das esperanças da atual socie­
dade é estabelecer contato com civilizações extraterrestres.
Portanto, é mister examinar a possibilidade e as implicações
de um tal evento. Mas, e quanto a um futuro remoto? Poderí­
amos esperar que a vida humana, ou mesmo qualquer forma
de vida, continue a existir indefinidamente? A maioria dos
cosmólogos é bem pessimista a respeito disso, porém, como
veremos, existem uns poucos que vislumbram cenários mais
otimistas.
Finalmente, de primária importância para nós como
pessoas individuais, é a questão da nossa própria imortali­
dade. Mesmo supondo que a vida seja para sempre, isso
representaria conforto limitado para indivíduos que devem
enfrentar a morte e a extinção. E quanto a ciência, será que
ela nos oferece alguma esperança de vida após a morte?

A Vida no Universo

Seria a Terra o único berço para a vida no universo?


Estaria o homem só? Ou será que existe vida extraterres­
tre inteligente (além dos anjos e demónios) em algum outro

170
Cosmologia, Vida e Futuro

lugar do espaço? Muitas pessoas créent que tais criaturas


existem e que a vida encontra-se espalhada por todo o uni­
verso. Em 1992 a agência espacial americana, NASA, lançou
um grande projeto denominado SETI (Search for Extra
Terrestrial Intelligence - Busca de Inteligência Extraterrestre).
Radiotelescopios ao redor do mundo são usados para sondar
estrelas distantes em busca de sinais que possam ser de ori­
gem artificial. Até agora o resultado tem sido completamente
negativo. Apesar disso, é importante examinar o tema de vida
e inteligência artificial levando em conta as considerações
teológicas e científicas.

Breve História de ETI (Inteligência Extraterrestre)


Vêm de longa data as especulações sobre a existência de
vida extraterrestre (ETL - Extra Terrestrial Life) e inteligên­
cia extraterrestre (ETI - Extra Terrestrial Intelligence).1 Essas
remontam à época do filosofo grego Demócrito (c. 460-370
a.C.), que acreditava na existência de um infinito número de
mundos, cada um desses com um planeta central, habitado.
Ele acreditava também que a lua fosse povoada. Todavia, a
crença em ETI não era popular nos tempos antigos; nem
também na idade média, em cuja cosmologia hierárquica finita
não havia lugar para outros planetas habitados, embora a exis­
tência de legiões de anjos - e demônios - fosse reconhecida.
O grande impulso para ETI veio com o advento da
revolução copernicana do século 16. Com o rebaixamento do
nosso planeta a apenas um planeta como os outros, deixou de
haver razão para a crença em sua singularidade de função ou* S.

1 Na exposição a seguir, eu fiz uso do excelente trabalho de pesquisa de


S. J. Dick (Plurality of Worlds, Cambridge University Press, 1981), e F. J.
Tipler (‘A Brief History of the ETI Concept’, Quarterly Journal of the
RoyalAstronomical Society, 1982,22, pp. 133-145).

171
Deus e Cosmos

composição. Assim, por exemplo, o astrônomo Johannes


Kepler, entre muitos outros, pensava que o sol, os outros
planetas, e particularmente a lua, eram povoados.
Pelo final do século dezoito, a crença em ETI já era
bastante popular na comunidade científica. A demonstração
de falta de atmosfera lunar havia, naquela época, eliminado a
possibilidade de inteligência na lua. Mas, isso apenas fez com
que a crença na existência de ETI fosse transferida para outros
corpos celestes. O famoso filósofo Immanuel Kant2 deixou-
-nos um tratado descrevendo com certo grau de detalhes
algumas formas de vida que, segundo ele, povoavam os pla­
netas do nosso sistema solar. Por longo tempo, o mais forte
candidato para ETI foi o planeta Marte. O interesse chegou ao
máximo quando o astrônomo Percival Lowell anunciou que
ele de fato havia observado a existência de canais em Marte.
Contudo, tais reivindicações extravagantes foram logo desa­
creditadas pela maioria dos astrônomos profissionais, os quais
haviam falhado quanto ao discernir os dados observacionais.
Daí então, a busca por ETI abandonou o sistema solar, em
favor de estrelas mais próximas. Há expectativa de que, num
futuro próximo, radiotelescopios mais sensíveis possibilitem
a detecção de evidências de civilizações celestes avançadas.

A Razão Científica para ETI

Quão forte é a razão científica para ETI? Estimativas


variam de modo considerável. Durante os últimos poucos
anos tem havido um entusiasmado debate entre dois grupos
de cientistas: os que crêem que a existência de ETI já é muito

2 Uma tradução para o inglês da obra de Kant, Allgemeine Naturgeschichte


und Theorie des Himmels (1975), por Stanley L. Jaki pode ser encontrada
em W. Yourgrau e A. D. Beck (editores), Cosmology, History and Theology,
New York: Plenum Press, 1977, pp. 387-403.

172
Cosmologia, Vida e Futuro

ampla, e aqueles que pensam que sua ocorrência é muito


rara, o ser humano sendo provavelmente único.
Segundo os otimistas, muitas das estrelas têm planetas,
boa porcentagem desses oferecerá condições adequadas para
a vida, e a vida de fato se desenvolverá em proporção conside­
rável em muitos de tais planetas habitáveis, e, afinal, muitos
dos planetas habitados produzirão sociedades inteligentes.
Mesmo sendo conservador, tomando apenas uma pequena
fração (digamos 1%) em cada um dos passos desse raciocínio,
considerando o grande número de estrelas apenas em nossa
galáxia, estimado em aproximadamente 300 bilhões, ficare­
mos ainda com um potencial de três mil civilizações inteli­
gentes só em nossa galáxia. As chances são de que muitas
daquelas civilizações serão muito mais avançadas do que a
nossa.
Os pessimistas, por outro lado, argumentam que todos
os fatores acima são por demais incertos, que a atribuição
de valores numéricos a tais fatores não passa de mera adivi­
nhação, e que, na realidade, alguns dos elos na cadeia de
raciocínio são extremamente improváveis - se não impos­
síveis - baseando-se no conhecimento científico corrente.
Examinemos, então, alguns dos mais importantes elos na
cadeia de raciocínio acima.

1. Planetas Habitáveis
Quantas estrelas têm planetas? Ninguém sabe. Planetas
ao redor de outras estrelas seriam pálidos demais para pode­
rem ser observados diretamente através de um telescópio
situado na Terra. Portanto, as técnicas para detectarmos a
presença de tais planetas teria que ser por via indireta. O
método principal é pela observação e constatação de oscila­
ções no movimento de uma estrela, causadas pela atração
gravitacional de algum planeta. De tempos em tempos a
constatação de oscilações tem sido reportada, e a existência

173
Deus e Cosmos

de planetas tem sido deduzida a partir disso. Até recente­


mente, todas as oscilações então constatadas haviam sido
desconsideradas, por se tratarem de falsos alarmes, ocasiona­
dos por problemas observacionais, mas a situação mudou nos
últimos anos. Glanz3 reporta que pelo menos nove planetas
foram descobertos. Embora tais planetas sejam associados com
estrelas do tipo sol, eles são todos de dimensões gigantescas,
semelhantes a Júpiter, e orbitando muito mais próximos de
suas estrelas do que o previsto pelas teorias padrões de forma­
ção de planetas. Eles certamente não poderíam suster formas
de vida semelhantes às atualmente conhecidas. No entanto,
tal descoberta torna mais plausível a existência de planetas
menores, semelhantes à Terra, mas que seriam menos prová­
veis de causar oscilações observáveis em suas respectivas
estrelas, e por isso permaneceriam invisíveis à nós.

2. Vida por Acaso


De planeta habitável à realidade de formação de vida num
planeta, o salto seria ainda gigantesco. Até aqui, nenhuma vida
foi detectada por sondas espaciais enviadas aos planetas de nosso
sistema solar. Até pouco tempo, era amplamente aceita a idéia
de que Marte poderia abrigar, se não construtores de canais,
pelo menos alguma forma mais primitiva de vida. Tal espe­
rança foi posta de lado depois dos testes realizados pela nave
espacial Viking, que pousou em Marte em 1976, embora
alguns cientistas ainda tenham como inconclusivos os resul­
tados de tais testes.
Outro meio de busca de ETL é através de exames de
rochas extraterrestres, visando detectar traços de formas de
vida primitiva. Rochas lunares trazidas pelos astronautas da
Apollo não mostraram qualquer evidência de vida. Grande

3 James Glanz, “Worlds Around Other Stars Shake Planet Birth Theory”,
Science, 1997,276,pp. 1336-1339.

174
Cosmologia, Vida e Futuro

excitação foi gerada em agosto de 1996, quando os cientistas


da NASA anunciaram haver descoberto o que eles pensavam
ser evidência de vida em Marte.4 Um meteorito encontrado na
Antártida, e considerado como sendo originado de Marte,
continha microscópicos glóbulos de carbonato, semelhantes
às bactérias encontradas na Terra. Infelizmente, foi mais tarde
determinado que tais glóbulos podem ser devidos a outras
causas - causas inanimadas. Mesmo que formas definidas de
vida tivessem sido encontradas e ainda que pudesse ter sido
demonstrado que eram de fato originadas do meteorito antes
desse haver atingido a Terra, o resultado seria inconclusivo.
Pensava-se que um asteróide chocando-se com a superfície de
Marte poderia deslocar material para o espaço, e uma parte,
como o meteorito em questão, poderia atingir a Terra. Mas, se
vida pode ser transportada de Marte para a Terra por meio do
impacto de um asteróide, o mesmo mecanismo poderia levar
vida da Terra para Marte. Assim, a existência de uma fonte de
vida independente em Marte ainda não estaria provada.
Sob uma perspectiva naturalista evolucionista, quão
provável seria a evolução de vida a partir de não-vida? A
presença de muitas moléculas complexas tem sido observada
no espaço interestelar. Isso inclui água, metano, amónia,
álcool etílico e metílico, e ácido fórmico. Tem sido constatado
que ao se expor uma mistura de vapor d’água, metano e
amónia à luz ultravioleta pode resultar na formação de
aminoácidos. Traços de aminoácidos têm sido detectados em
alguns meteoritos. Assim, é provável que os aminoácidos
sejam razoavelmente numerosos no universo. O difícilé ir
além desses, e chegar à vida real.
Organismos terrestres consistem de dois tipos de molécu­
las, cuja interação resulta em vida. Primeiro são as proteínas,

4 D. S. MacKay et al., “Search for Past Life in Mars: Possible Relic Biogenic
Activity in Martian Meteorite ALH84001”, Science, 1996,273, pp.924-930.

175
Deus e Cosmos

das quais os organismos são constituídos. Segundo são os


ácidos nucléicos, como o DNA, que suprem informação para
a estrutura do organismo, bem como os meios para passar
adiante tais informações no processo reprodutivo. Proteínas
consistem de aminoácidos; DNA consiste de compridas
cadeias de bases. Ambos são compostos de intrincadíssimas
combinações de carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, e
vários outros átomos comuns.
Reconhecida a existência dos requeridos aminoácidos e
bases, outra coisa bem diferente é, por combinações ao acaso,
chegar a combinação exata de modo a formar uma célula
completa. A probabilidade disso acontecer por acaso, é virtu­
almente zero. Fred Hoyle julga tão improvável que a vida na
Terra tenha sido originada por acaso, que postula ter sido
originada nas vastas nuvens de gás interestelares.5 A maioria
dos biólogos evolucionistas considera a hipótese do surgimento
de vida a partir de não-vida imensamente improvável, e tem
sido geralmente céticos a respeito da possibilidade de ETI.
Uma estimativa da probabilidade da ocorrência de vida num
planeta habitável, nas mais favoráveis condições, é tão imen­
samente pequena quanto 10'32 (isto é, uma chance em cem
milhões de trilhões).6 Paul Davies estima que a chance de que
permutações ao acaso de moléculas resultem numa molécula
de DNA é de 1 em 104000! Isto é, a mesma probabilidade de se
atirar uma moeda e obter uma seqüência de 130.000 vezes efígie.
Assim sendo, ele conclui que seriam necessários mais de dez
bilhões de anos antes que se repetisse nova ocorrência ao acaso
de mais uma molécula de DNA no universo observável.7

5 F. Hoyle, The Intelligent Universe, New York: Holt, Rinehart and Winston,
1983.
6M. H. Hart, Extraterrestrials- Where Are They?, New York: Pergamon Press,
1982, p. 23.
7Are We Alone: Philosophical Implications of the Discovery ofExtraterrestrial
Life, New York: Basic Books, 1995, p. 28.

176
Cosmologia, Vida e Futuro

3. Formas Superiores de Vida


Um outro gargalo acontece quando partimos de organis­
mos monocelulares para formas de vida mais avançadas. De
acordo com Crawford, organismos monocelulares surgiram um
bilhão de anos depois que a Terra foi formada, enquanto fo­
ram necessários mais de três bilhões de anos para a evolução à
forma de vida animal multicelular.8 Indo adiante, a evolução
de animais multicelulares a partir de organismos monoce­
lulares teria ocorrido apenas uma vez na história. Ele conclui
que a evolução de formas complexas de vida é muito mais
difícil do que o desenvolvimento inicial de vida.
Uma preocupação posterior de Crawford é quanto ao
surgimento de inteligência. Muitos milhares de espécies,
supostamente evoluindo ao longo de muitos milhões de anos,
resultaram em apenas uma espécie suficientemente inteligen­
te para desenvolver tecnologia e cultura. Isso implica em que,
mesmo dada a existência de vida multicelular, o surgimento
de inteligência pelo processo de evolução é muito pouco
provável.

4. Matéria Auto-Organizável
Tais pessimistas estimativas foram questionadas pelos
otimistas, os quais alegam que a presente compreensão do
mecanismo de evolução é incompleta. Eles esperam que
desenvolvimentos posteriores provem sua convicção de que a
evolução é muito mais provável do que atualmente se crê.
Afinal, perguntam eles, se vida surgiu aqui, neste planeta
insignificante, porque não também em outro lugar?
Paul Davies argumenta que a origem da vida não foi um
milagre, nem um acidente estupendamente improvável, mas
o inevitável resultado de propriedades de auto-organização da

8Ian Crawford, “Galactic Civilizations: A Reply”, Astronomy and Geophysics,


1997,38 (No. 6), p. 19.

177
Deus e Cosmos

matéria.9 Ele considera que ambas, vida e consciência, são


propriedades fundamentais “emergentes” da natureza, conse-
qüência natural das leis da física que emerge num sistema
físico, uma vez atingido um certo nível de complexidade.
Como tal, ele crê que a vida deve ser abundante através do
universo.
Infelizmente, Davies não supre nenhum detalhe sobre
como a complexidade necessária pode ser atingida, quais seri­
am as condições reais para a vida e consciência “emergirem”,
ou, quais seriam as leis físicas que fariam tal “emergência” ser
inevitável. Uma deficiência posterior desta posição é que não
há absolutamente nenhuma evidência científica para apoiá-la.
Por que tais propriedades de “auto-organização” da matéria
jamais foram observadas funcionando em nenhum experimen­
to científico entre os muitos que visam sintetizar a vida? Por
que, na visão evolucionária, a vida na Terra surgiu apenas uma
vez? As misteriosas “propriedades emergentes” de Davies
parecem altamente mágicas: estupendos milagres, cada vez
mais inexplicáveis visto que os tais alegadamente ocorrem
puramente por si próprios, sem necessidade de intervenção
divina. Isto é pouco mais que “pensamento positivo”.

5. Onde Estão Eles?


Outro argumento para a escassez de ETI é o fato de nosso
planeta Terra, aparentemente, não ter sido colonizado por
extraterrestres (ETs). Se ETI fosse comum em nossa galáxia,
então pode-se pensar que pelo menos uma dentre as muitas
civilizações avançadas já teriam explorado e colonizado a
galáxia por este tempo. Posto que não estamos vendo ETs e
não há qualquer evidência de que os tais já tenham nos
visitado (muito poucos astrônomos crêem que OVNIs sejam

9 Are We Alone: Philosophical Implications of the Discovery ofExtraterrestrial


Life, New York: Basic Books, 1995.

178
Cosmologia, Vida e Futuro

visitantes ETs!), então é porque ETI deve ser raro. Os otimis­


tas respondem que talvez essas civilizações não tenham desejo
de colonizar, ou que talvez estejam mantendo a Terra como
uma reserva natural - um tipo de zoológico cósmico. Tais
opções são rejeitadas pelos pessimistas como sendo excessiva­
mente pouco plausíveis.

Motivação para a Crença em ETI

Admitida a falta de evidência científica para ETI, fica


evidente que a crença em ETI deve se apoiar noutras conside­
rações - considerações mais de ordem filosófica. Frank Tipler,
que acredita estarmos sós no universo, vê uma similaridade
muito grande entre crer-se em ETI e crer-se em OVNIs.

De fato, eu suspeito ser a mesma a motivaçãofilosófica de ambos,


ou seja, a expectativa de que seremos salvos de nós mesmos por
alguma intervenção interestelar miraculosa.10 11

Ele apoia tal conclusão baseando-se em citações de vários


importantes defensores de ETI. A declaração feita por Cari
Sagan é típica:

A tradução de uma mensagem de rádio vinda das profundezas


do espaço... contém a maior promessa de benefícios tanto práti­
cos quanto filosóficos. Em particular, é possível que entre os
primeiros conteúdos de tais mensagens possam haver descrições
detalhadas de como evitar desastres tecnológicos, para uma
transição de adolescência para maturidade.11

De forma semelhante, A. G. W. Cameron, astrofísico de


10 “ETI Beings do not Exist”, Quarterly Journal of the Royal Astronomical
Society, 1980,21,p.278.
11 CaASagzn.,Broca'sBrain, New York: Random House, 1979, p. 276.

179
Deus e Cosmos

De forma semelhante, A. G. W. Cameron, astrofísico de Harvard


escreve:

Se pudermos... comunicar com algumas dessas sociedades (de


ETs avançados), então poderemos esperar obter enormes enri­
quecimentos em todas as fases de nossa ciência e artes. Talvez
possamos também receber lições em técnicas de governo mundial
estável.12

Mais recentemente Paul Davies comenta:

O interesse em SETI entre o público em geral origina-se em


parte, eu sustento, da necessidade das pessoas encontrarem um
contexto mais amplo para suas vidas do que a sua existência
terrena pode suprir. Numa era em que religião convencional
está em acentuado declínio, a crença em superavançados
ETs... pode suprir alguma dose de conforto e inspiração... Este
sentido de busca por religião pode muito bem atingir os próprios
cientistas, embora a maioria deles seja ateus professos .13

É irônico que o homem, tendo rejeitado a Deus, continua


buscando os céus por salvação.

Considerações Teológicas

Os argumentos acima são todos baseados na premissa de


que o homem, e a vida em geral, tem uma origem evolu­
cionária. Antes de Darwin a maioria dos argumentos para
ETI eram formulados em termos criacionistas. Qual seria a
situação do caso ETI se pressupôssemos uma origem cria-
cionista direta para a vida e inteligência?

12Interstellar Communication, New York: Benjamin, 1963, p.l.


13 Are lifé Alone: Philosophical Implications of the Discoveiy ofExtraterrestrial
Life, New York: Basic Books, 1995.

180
Cosmologia, Vida e Futuro

No século dezessete o recém-inventado telescópio reve­


lou muitas estrelas até então invisíveis. Como elas dificilmente
poderiam servir de luminares para o homem, seu propósito
tornou-se objeto de debate. Muitos argumentaram que elas
funcionavam como Sóis para outros seres inteligentes lá
colocados por Deus. Além disso, argumentava-se, como dois
universos são melhores do que um, e como o sábio Criador
sempre escolhe o melhor, deveria então existir um infinito
número de mundos habitados. Qualquer coisa menos que
isso, deveria ser considerado indigno de um Criador infinito.
De passagem notamos que, para os criacionistas que
crêem que a terra é jovem, a objeção quanto a ETI baseada na
falta de colonização não é válida, pois nesse caso os ETs não
teriam tido tempo suficiente para aplicar seu potencial de
exploração. Por outro lado, as mesmas considerações tornam
extremamente improvável que, se civilizações similares às
nossas já existiram, seríamos capazes de vê-las, isso para não
mencionar a interação com elas, num futuro próximo.

1. Ausência de Evidência Bíblica para ETI


Várias objeções teológicas têm sido levantadas contra a
crença em ETI. Primeiro, se ETs existem, por que razão não
são mencionados nas Escrituras? O teólogo luterano Philip
Melanchthon (1497 - 1560) observou que, depois que Deus
criou a Terra, o Sol, a Lua e as estrelas do nosso cosmos, Ele
descansou, e não criou mais nada, muito menos um outro
cosmos. Melachthon mostrou que em nenhum lugar das
Escrituras há menção da criação de outro homem ou de outro
tipo de vida fora da Terra (exceção feita aos anjos, é claro).
A isso, foi contra-argumentado que a narrativa bíblica é
dirigida ao homem e seu relacionamento com Deus. Outros
seres poderiam ter sido criados por Deus, de cuja existência
Ele não julgou necessário informar-nos.

181
Deus e Cosmos

2. ETI e a Encarnação de Cristo


Contudo, a principal objeção teológica para ETI tem sido
centrada na singularidade da encarnação de Cristo. Isso remon­
ta pelo menos ao tempo de Agostinho (354 - 430). Agostinho
estava preocupado em refutar um conceito corrente em sua
época - a visão cíclica da história - a qual afirma que a histó­
ria se repete em ciclos intermináveis. Baseado em textos
bíblicos tais como “Porque também Cristo padeceu uma vez
pelos pecados” (7 Pedro 3:18) e “tendo sido Cristo ressuscitado
dentre os mortos, já não morre... de uma vez morreu para o
pecado.” (Romanos 6:9,10) ele concluiu emzl Cidade de Deus
(XII. 14) que o processo histórico da criação, da Queda e da
redenção só poderiam ocorrer uma vez. Esse argumento foi
ampliado por Albertus Magnus (1206 -1280) para refutar tam­
bém a idéia de multiplicidade de mundos no espaço, em vez
de no tempo. Melanchthon, igualmente, em sua rejeição de
ETI argumentou que Cristo só podia morrer uma vez e que
seres humanos em outros mundos só podiam ser salvos
mediante conhecerem a Cristo.
A questão da singularidade do sacrifício de Cristo parece
não incomodar a maioria dos teólogos liberais da modernidade
envolvidos na discussão de ETI. A aceitação de uma origem
evolucionária do homem, e a correspondente rejeição da
historicidade de Adão e sua Queda, abrem a possibilidade de
que a história do homem poderia muito bem ser essencial­
mente repetida em outro lugar. Paul Tillich e Dean Inge, por
exemplo, sugerem que a encarnação de Cristo não é única, pois
poderia ocorrer também em outros planetas.
O cosmólogo E. A. Milne resolveu o paradoxo entre a
singularidade de Cristo e a pluralidade de mundos propondo
que o conhecimento da encarnação na Terra poderia ser trans­
mitido a outros planetas via sinais de rádio.14 A respeito disso,
14Modem Cosmology and the Christian Idea ofGod, Oxford: Clarendon press,
1952.

182
Cosmologia, Vida e Futuro

ele foi criticado pelo teólogo E. L. Mascall, o qual argumen­


tou que salvação não é dependente do nosso conhecimento
sobre a encarnação de Cristo. Por outro lado, Mascall duvidou
que o fato de Cristo ter-Se feito homem seria suficiente para
fazê-10 Salvador também de outros seres extraterrestres. Ele
sugeriu que a encarnação poderia ser repetida em outros
planetas.15
Mais recentemente, John J. Davis16 argumenta que a
cristo logia de Colossenses 1:15-20 é suficientemente vasta em
escopo para suprir uma base para redenção dos anjos caídos
em qualquer lugar do universo, sem necessidade de encar­
nações ou expiações adicionais. Referindo-se à Confissão de
Fé de Westminster (VIII:5,6), onde os benefícios da redenção
pela morte de Cristo são ditos não serem limitados por tempo,
mas se aplicarem aos eleitos de Deus em todas as eras, Davis
comenta:

Se a expiação pode ser entendida como não limitada no tempo,


ela pode então ser prontamente entendida como não limitada por
espaço ou distância. Cristo assumiu na encarnação uma nature­
za humana verdadeira e completa, para que Ele pudesse repre­
sentar o homem como o cabeça do pacto de um povo redimido.
Por extensão, poder-se-ia postular que a natureza humana do
homo sapiens pode ser designada por Deus para representar a
natureza de todos os seres corpóreos e sensíveis.

Eu não vejo força nçsse argumento. Uma expiação ilimi­


tada em tempo, aplicável a todos os eleitos descendentes de
Adão, é bem diferente de uma expiação que se aplica a todos
os seres inteligentes, não relacionados, através do espaço. É

15 Christian Theology and Natural Science, London, Longmans, 1956.


16 J. J. Davis, “Search for Extraterrestrial Intelligence and the Christian
Doctrine of Redemption”, Science and Christian Belief, 1997,9 (No. 1), pp.
21-34.

183
Deus e Cosmos

muito claro nas Escrituras que existe uma conexão necessá­


ria entre o primeiro Adão e o segundo Adão, Cristo. Para que
o sacrifício de Cristo fosse suficiente era essencial que Cristo
tivesse uma natureza humana. Conforme diz o Catecismo de
Heidelberg (1563):

Deus não punirá outra criatura pelo pecado que o homem


cometeu (Dia do Senhor, 5).
Ele (Cristo) deve ser verdadeiro homem porque a justiça de
Deus requer que a mesma natureza humana que pecou pague
pelo pecado (Dia do Senhor, 6).

A principal referência bíblica pertinente é encontrada em


Hebreus 2:14-17:

E, visto como os filhos participam da carne e do sangue,


também Ele participou das mesmas coisas... porque na verdade
Ele não tomou sobre si a natureza dos anjos, mas tomou a da
descendência de Abraão. Por isso convinha que em tudo fosse
semelhante aos irmãos para ser misericordioso e fiel sumo sacer­
dote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo.

Daí segue que, como os ETs, bem como os anjos, não são
descendência de Adão e portanto não compartilham nem de
sua natureza nem de seu pecado, o sacrifício de Cristo é de
nenhum proveito para eles. A singularidade da encarnação de
Cristo implica na singularidade também do homem como
única criatura a ser salva deste modo das consequências de
sua pecaminosidade. E claro, não é daí que podemos deduzir
a inexistência de ETs, mas podemos excluir sua possível
redenção através da encarnação de Cristo.
A noção de espécies não redimidas não é sem preceden­
tes. De outra espécie conhecida de seres inteligentes - anjos -
nós sabemos pela Bíblia que não há redenção para aqueles anjos
que caíram. Mesmo para os homens que caíram, a redenção é

184
Cosmologia, Vida e Futuro

apenas para os escolhidos de Deus. Por que então deveríamos


pensar ser necessário que ETs sejam salvos?
Quanto à referência feita por Davis a respeito de Colossenses
1:15-20, a Bíblia deixa claro que a reconciliação por Cristo de
todas as coisas a Si mesmo não implica que todas as criaturas
têm que ser redimidas. Ao invés disso, a passagem refere-se
à vitória de Cristo sobre satanás, com a resultante purificação
da criação sob o domínio de Cristo.

3. A Singularidade do Homem
Mesmo se o argumento de Davis fosse válido, isso ainda
implicaria em que o homem está numa relação especial com
Deus, pois entre todas as possíveis criaturas, Cristo escolheu
assumir a natureza humana, específicamente. Isso nos leva a
um argumento adicional contra ETs - a posição especial do
homem no universo. De acordo com Gênesis, capítulo 1, só o
homem foi feito à imagem de Deus, e só o homem foi desig­
nado para ter domínio sobre a criação. Mesmo as estrelas,
foram criadas primariamente para servir como luz e sinal para
os homens. Finalmente, ao fim dos tempos, Cristo retorna à
Terra, a habitação do homem, para julgar vivos e mortos. Os
homens julgarão os anjos (I Corintios 6:3). A Nova Jerusalém
desce do céu à terra. Tudo isto reforça o lugar especial do
homem na criação de Deus.
Então, na extremamente improvável eventualidade de
que seres inteligentes existam em outros planetas, podemos
concluir que, com base na narrativa bíblica sobre a salvação,
ou eles não decaíram da graça ou, se decaíram, para eles não
há redenção, assim como não há para os anjos caídos.

4. Vida Extraterrestre (ETL - Extra Terrestrial Life)


E quanto à vida extraterrestre primitiva? Os corpos
celestes criados no quarto dia contêm pelo menos algumas
características tais como luz, água, elementos terrestres, gases

185
Deus e Cosmos

atmosféricos, idênticas àquelas criadas nos dias precedentes.


Por que então não conteriam também formas primitivas de
vida, tal como vegetação, as quais foram criadas no terceiro
dia? No entanto, deve ser lembrado que o propósito primeiro
da vegetação da terra é para servir de alimento para formas
mais avançadas de vida terrestre, tais como o homem e as feras
da terra (Gênesis 1:29-30). Nenhuma menção é aqui feita sobre
vegetação que não seja terrestre. Parece que não haveria
propósito em se criar formas primitivas de vida em qualquer
outro lugar, a menos que fosse para lá servir a formas supe­
riores de vida. Similarmente, qual seria a função de formas
mais avançadas de vida, tais como animais, na falta de vida
inteligente, tal como o homem?
A detecção de ETL certamente geraria menos ques­
tionamentos teológicos do que a detecção de ETL Por outro
lado, a real detecção de ETL é muito mais difícil. Pelo menos
nas próximas décadas, a busca por ETL será essencialmente
limitada ao nosso próprio sistema solar, onde os lugares mais
prováveis de apresentar ETL já estão eliminados.

Conclusões

Concluindo, nós notamos que não há evidência científica


que sustente a crença em ETI. Pelo contrário, não tem havido
sinal de vida de qualquer forma em nenhum dos outros
planetas. Todas as buscas por ETI têm levado a resultados
puramente negativos. Buscas por vida interestelar, varrendo
as estrelas mais próximas na expectativa de detectar sinais de
rádio, ou ruído indicativo de civilização, têm virtualmente
eliminado a possibilidade de vida civilizada avançada num
raio de uma centena de anos-luz. Para cobrir distâncias de tal
ordem, mesmo um foguete extremamente veloz, digamos que
com uma velocidade equivalente a um décimo da velocidade
da luz, levaria mais de mil anos, e diálogos via rádio teriam

186
Cosmologia, Vida e Futuro

espaços de um século entre mensagens. Assim, para todos os


fins práticos, comunicação com civilizações extraterrestres pode
ser excluída.
De uma perspectiva evolucionária, as possibilidades da
ocorrência de vida, particularmente vida inteligente, são tão
remotas, que a existência de ETI tem que ser considerada ex­
tremamente improvável.
Argumentos criacionistas a respeito de ETI são forte­
mente dependentes de nossos pontos de vista com relação à
natureza de Deus e Sua relação com o cosmos. Considerações
teológicas baseadas em revelação bíblica pesam fortemente
contra a existência de ETI, mas não de modo conclusivo. Num
universo jovem, é muito improvável que ETI, ainda que exis­
tisse, possa ser detectado num futuro próximo. O caso contra
formas mais primitivas de vida extraterrestre é muito mais
fraco. Argumentando contra a existência de ETL temos, em
primeiro lugar, o fato de tal ocorrência ser completamente
omitida nas narrativas bíblicas da criação, e em segundo
lugar, a questão sobre o propósito a que ETL serviria, admi­
tida a não existência de ETI. Mas, de novo, tais considerações
não excluem ETL definitivamente.

O Futuro da Vida no Universo

O que há pela frente, ou, que futuro espera o universo?


A maioria dos cosmologistas é razoavelmente otimista com
respeito ao futuro próximo - isto é, os próximos poucos
bilhões de anos. Se o homem e a sociedade surgiram pura­
mente por evolução, então, não é irrazoável afirmar estágios
evolucionários posteriores. De acordo com os padrões
cosmológicos modernos a presença de humanos se deu bem
cedo na história do universo, e portanto devemos esperar que
nossa espécie seja substituída no futuro por formas de vida
mais avançadas. Uns poucos milhões de anos à frente, e a vida

187
Deus e Cosmos

inteligente estará tão distante do que somos hoje, quanto


distantes estamos dos macacos.
De acordo com Tipler, isso traz implicações importantes
para a religião:

A religião tradicional tem que enfrentar a realidade da transi­


tória existência de nossa espécie na história do universo. O
verdadeiro desafio que a cosmologia moderna apresenta à
religião tradicional é nossa relativa insignificância no tempo,
não no espaçoV

Tippler enfatiza que o universo continuará a existir por


pelo menos mais 5 bilhões de anos.

Quase todos os teólogos cristãos adotam uma perspectiva


temporal muito mais curta. Isso é um erro tão grande - e tão
grande quanto o mal-entendimento do lugar da humanidade na
natureza - quanto crer que o universo foi criado há poucos
18
milhares de anos atrás.17

Presumivelmente, Tippler crê que o cristianismo não


mais será aplicável às espécies avançadas do futuro. Conside­
rando isso, devemos salientar que inteligência e tecnologia
melhoradas muito pouco farão para erradicar a principal defi­
ciência do homem - um coração pecaminoso. A necessidade
de um Salvador permaneceria. Todavia, Tippler faz a válida
afirmativa de que o futuro, como descrito pelo universo Big
Bang está tão incompatível com o do cristianismo tradicional
quanto a sua descrição das origens.
Enquanto o futuro relativamente próximo possa pare­
cer seguro para a civilização, a longo prazo tal futuro não é

17 “The Omega Point Theory: A Model of an Evolving God”, em Russel


(ed.), Physics, Philosophy and Theology, 1988, p. 313.
Klbid.,p. 316.

188
Cosmologia, Vida e Futuro

nada róseo. Vários fatores apontam para um destino sombrio,


não apenas para a civilização, mas também para a vida em si.
Segundo a teoria Big Bang, se a densidade do universo for
maior do que o valor crítico, então o universo é finito, sua
expansão irá diminuir gradualmente, será iniciada a fase de
contração que terminará num “Big Crunch” (Grande Esma­
gamento, ou Grande Implosão). O universo poderá ainda
voltar a existir, porém toda a vida teria sido destruída.
Por outro lado, se a densidade cósmica for menor do que
o valor crítico - e é o que parece ser o caso - então é previsto
que o universo se expandirá para sempre. Como a energia
disponível será irrecuperavelmente perdida, a temperatura
cairá e o universo irá se aproximando da morte do calor (na
realidade, uma “morte fria”). Também nesse caso, parece que
a vida eventualmente desapareceria.
Com perspectivas tão sombrias com relação ao destino da
vida no universo, não é surpreendente que Steven Weinberg
finalize o seu popular livro The First Three Minutes com estas
palavras:

Quanto mais o universo se toma compreensível, tanto mais parece


sem propósito. Mas, se não há conforto nos frutos da pesquisa, há pelo
menos algum consolo na pesquisa em si... O esforço para entender o
universo é uma das raríssimas coisas que eleva a vida humana acima
do nível da farsa, e dá-lhe certa dose do charme da tragédia.19

A maioria dos cosmologistas compartilha desta visão


pessimista para a possibilidade da sobrevivência da vida a
longo prazo. Contudo, previsões tão sombrias têm sido ques­
tionadas por uns poucos otimistas que crêem pelo menos na
possibilidade de que a vida emergirá vitoriosa. Vamos exami­
nar algumas dessas alternativas.

19 The First Three Minutes, New York: Bantam Books, 1979, p. 144.

189
Deus e Cosmos

Vida Futura num Universo Fechado

Entre os cosmologistas Big Bang, Frank Tipler e Freeman


Dyson são duas exceções que retratam uma perspectiva rósea
para a vida num futuro remoto. Entretanto, eles divergem
quanto a suas avaliações sobre se um universo aberto ou fecha­
do seria mais receptivo à vida. Enquanto Dyson favorece um
universo aberto, Tipler crê que somente um universo fechado
serviria.20
Tipler define vida em termos de processamento de
informação. Um ser vivo é qualquer entidade que codifica
informação, com a informação codificada sendo preservada
através de seleção natural. Com tal definição, até mesmo com­
putadores, carros, poderiam ser considerados como formas de
vida.
Tipler afirma que o homem é tão somente um objeto físi­
co que pode ser considerado como um tipo de computador. A
mente humana - ou alma - é somente um específico progra­
ma de computador rodando num computador chamado
cérebro. A chegada do homem se deu bem cedo na evolução
do universo; devemos portanto esperar que eventualmente
ele seja substituído por formas mais avançadas de vida. O
próximo passo de vida inteligente pode muito bem ser, bem
literalmente, máquinas de processamento de informação.
De acordo com Tipler as leis da termodinâmica permi­
tem uma infinita quantidade de processamento de informa­
ção no futuro, desde que haja suficiente energia disponível
em todos as eras futuras. A energia disponível depende da
temperatura. Visto que num universo aberto a temperatura
eventualmente se torna muito baixa para suportar a vida, Tipler
tende para um universo fechado. Num universo fechado, a
presente expansão se reverterá em contração, em cujo estágio a

20 ThePhysics oflmmortality, New York: Doubleday, 1994.

190
Cosmologia, Vida e Futuro

temperatura começará novamente a aumentar, aproximándo­


le do infinito na medida em que o instante da singularidade
se aproxima. Ao se aproximar o Big Crunch (Grande Implosão
ou Grande Esmagamento), a vida engolfará todo o universo,
será unificada num imenso computador que terá em si arma­
zenada uma quantidade infinita de informação, e eventual­
mente controlará toda a matéria e fontes de energia. Esse
evento, que Tipler chama de “Ponto Omega” será a culminação
da vida. Como o “Ponto Omega” é onisciente, onipresente
e onipotente, Tipler o considera igual a Deus.
O Big Crunch, que seria atingido num tempo finito,
selará o fim da vida. Como pode então Tipler resgatar a imor­
talidade para a vida? De acordo com Tipler, o metabolismo da
vida acelera com o aumento de temperatura, de modo que um
lapso infinito de tempo subjetivo - o tempo da forma como é
experienciado por seres vivos - passará antes que a singulari­
dade aconteça.
Embora Tipler argumente que o “Ponto Ômega” neces­
sariamente existe, poucos cosmologistas concordam com ele.
De fato, o cenário que ele descreve soa mais como ficção cien­
tífica ultra-avançada do que como ciência factual. Uma crítica
detalhada das idéias de Tipler foi feita por Ellis e Coule.21
Entre outras coisas, eles são de opinião que a definição de
vida dada por Tipler é absurdamente simplista, em contraste
com a incrível complexidade da vida biológica, particularmen­
te os intrincados mecanismos de controle que determinam as
funções celulares e orgânicas. Eles concluem que não há
mecanismo físico plausível que permita ocorrer vida nas
condições extremas descritas por Tipler. Qualquer máquina
de computação material, para não mencionar os sistemas
vivos, seria destruído muito antes da implosão final.

21 G. F. R. Ellis e D. H. Coule, “Life at the End of the Universe”, General


Relativity and Gravitation, 1994,26, pp.713 -739.

191
Deus e Cosmos

Em todo caso, Tipler faz seis previsões testáveis, das quais,


presentemente, pelo menos duas provaram ser falsas. Tipler
prediz que o universo é fechado, e que a constante de Hubble
- a presente taxa de expansão - é no máximo 45 km/seg/mpc
(mpc significa “megaparsec”, a distância percorrida pela
luz em 3 milhões de anos-luz). Observações correntes, pelo
menos como interpretadas pelos astrônomos Big Bang,
indicam que o universo é aberto e que a constante de Hubble
está em torno de 70 km/seg/mpc.

Vida Futura num Universo Aberto

Consideremos agora a possibilidade de vida num uni­


verso aberto. Dyson, ao contrário de Tipler, não vê futuro
para a vida se o universo for finito e fechado. Em tal caso o
universo eventualmente contrairá, os céus se tornarão cada vez
mais quentes até que finalmente caiam sobre nós, na medida
em que nos aproximamos da singularidade espaço-tempo a
uma infinita temperatura. Nenhuma forma de vida poderia
sobreviver a tal destino. A vida mal poderia se espalhar pelo
cosmos, antes que atingisse a extinção.22
Por outro lado, se o universo for aberto e infinito então
Dyson vê melhores perspectivas. Nesse caso o universo se
expandirá para sempre, se resfriando mais e mais. A vida
então teria que enfrentar o processo de congelamento lento
em vez de fritura rápida. Contudo, segundo Dyson, a vida
se adapta mais facilmente ao frio do que ao calor.
Dyson, como Tipler, assume que a essência da vida reside
na organização, e não na substância. A base da vida reside na
estrutura, no modo como as moléculas são organizadas, contrá­
rio à substância das moléculas em si. Se essa suposição for

22 F. Dyson, Infinite inAll Directions, New York: Harper & Row, 1988, pp. 107-
115.

192
Cosmologia, Vida e Futuro

verdadeira, então pode-se imaginar vida desvinculada de


carne e sangue e incorporada em complexas entidades como
redes de circuitos supercondutores, ou mesmo nas nuvens
de poeira interestelar.
A complexidade da vida pode ser medida em termos de
pequenas porções de informação. Para processamento de
informação, o principal fator não é uma abundante fonte de
energia, e sim uma boa relação sinal-ruído. Quanto mais
frio o ambiente, menor é o ruído do pano de fundo, e então
mais econômica a vida pode ser quanto ao uso de energia.
Na medida em que o universo se resfria, o ritmo do pulso
da vida se tornará mais lento, sem nunca parar. Como no
esquema de Tipler, o homem está destinado à extinção, mas
a tocha da vida continuará sendo passada a formas de vida
cada vez mais resistentes.
Uma predição da física de partículas é que toda matéria
pode ser instável. A teoria prediz que, passados 1033 anos, os
núcleos de todos os átomos já terão se decomposto em
positrons, fótons e nêutrons. Isso pode significar um teste
severo para a vida, mas Dyson confia que, de novo, a vida se
adaptará às novas circunstâncias. De acordo com Dyson, a
reserva total de energia contida no sol será suficiente para
suportar para sempre uma sociedade com uma complexidade
10 trilhões de vezes maior que a nossa. Esta energia seria
também suficiente para manter aberto para sempre tantos
canais de comunicação quantos necessários para manter-nos
em conversação com cada estrela da parte visível do universo.
Não importa quão remotamente avançarmos no futuro,
sempre haverá coisas acontecendo: novas informações
chegando e novos mundos para explorar. Vida e inteligência
são potencialmente imortais, com os recursos de conheci­
mento e memória constantemente crescendo na medida em
que a temperatura do universo diminui e as reservas de ener­
gia livre minguam. No entanto, o próprio Dyson é o primeiro

193
Deus e Cosmos

a admitir, tal esquema do futuro é altamente especulativo, mais


baseado em imaginação altamente fértil e imaginações otimis­
tas do que em conhecimento científico.

Vida Futura em uma Cosmologia do Plasma

Uma outra possibilidade para vida futura tem sido


apresentada por Eric Lerner, o qual rejeita a cosmologia Big
Bang.23 Lerner defende uma cosmologia do plasma que
postula que o universo é infinito tanto em tempo quanto em
espaço. Segundo ele, as pessimistas conclusões da cosmologia
convencional são falsas. A termodinâmica não exige que o
universo se desenrole (como a corda de um relógio). Lerner
também garante que não precisamos nos preocupar com a
morte do calor, pois podem haver ordens crescente, ordens de
complexidade, com crescentes fluxos de energia. A morte do
calor pode ser adiada indefinidamente na medida em que
a tecnologia desenvolve máquinas cada vez mais eficientes.
Isso impedirá que aconteça tanto o fim da vida quanto o
crescimento da vida.
Lerner crê que há uma forte correlação entre a sociedade
e a cosmologia. O pessimismo do presente modelo Big Bang
finito reflete o espírito pessimista da sociedade hodierna.
Conforme Lerner: “Quando a sociedade se recolhe (bate em
retirada), quando o progresso é interrompido, racionalidade
cai em descrédito, e muitos se voltam para o sobrenatural”.
Ele argumenta que o universo não está sentenciado, que não
precisamos nos desesperar, que nossas ações do presente
podem permanentemente mudar o cosmos e ecoarão pelo
futuro ilimitado, embora não haja esperança para imortali­
dade individual. Um dos principais problemas com este
modelo está na negação, não apenas da cosmologia Big Bang,
23 The Big Bang Never Happened, New York: Times Books, 1991.

194
Cosmologia, Vida e Futuro

mas também da segunda lei da termodinâmica aplicada ao


universo como um todo. Outro problema está em postular
uma hipotética complexidade crescente. Aqui, também,
temos um esquema muito especulativo do futuro, que tem
atraído poucos aderentes.

Conclusões

Em resumo, embora uns poucos cenários otimistas


tenham sido inventados, parece extremamente improvável
que, num universo naturalista, a vida possa sobreviver inde­
finidamente por um longo tempo. A cosmologia moderna
oferece pouca esperança para o futuro distante, seja para
indivíduos, seja para a raça humana, ou mesmo para a sobre­
vivência da vida como tal.
Em tempos recentes certos cristãos têm tentado estabele­
cer uma harmonia entre cosmologia moderna e cristianismo.
Em vez de ter esses dois em conflito, ou totalmente indepen­
dentes, eles têm tratado ambos como disciplinas separadas,
que conduzem às mesmas verdades através de indagações
diferentes. O modelo Big Bang de origens é sempre aclamado
como o modo de Deus criar. Gênesis está então limitado a nos
dizer Quem o fez; a cosmologia moderna nos diz como e
quando. Tem sido também argumentado que origens não são
de crucial importância, e que o básico do cristianismo ainda
pode ser aproveitado. Se o Big Bang deve ser visto como o
modo de Deus criar, deveríamos então considerar o Big Crunch
(ou o Big Whimper - grande pranto) como o modo de Deus
pôr um fim no universo? Deve então o Apocalipse comparti­
lhar o mesmo destino hermenêutico de Gênesis? Isso pelo
menos seria coerente. Contudo, é óbvio que isso deixaria o
cristianismo com muito pouca substância. A mensagem cen­
tral do cristianismo inclui o retorno de Cristo, o Juízo Final, a
vida eterna num novo céu e numa nova Terra. E tudo isso deve

195
Deus e Cosmos

acontecer em breve, não daqui a bilhões de anos. O conceito


bíblico sobre o futuro difere grandemente daquele que nos é
dado pela cosmologia moderna.
Tais considerações levaram John Polkinghorne, o físico
que virou teólogo, um aderente convicto da narrativa Big Bang
para a origem do universo, a rejeitar a escatologia do Big Bang.
Ele crê que os cristãos podem ter esperança da ressurreição,
tanto pessoal quanto cósmica, e que a fé deve ser baseada em
Deus e Sua misericórdia e não na física. Assim, ao final,
Polkinghorne deposita sua fé no sobrenatural, para além do
mundo físico. A morte da vida no universo só poderá ser
evitada por meio de um milagre.24
Ted Peters, outro defensor do Big Bang, chega à mesma
conclusão:

A esperança escatológica por redenção é uma conclusão extra­


ída da interpretação de símbolos bíblicos. Ela vem estritamente
de recursos teológicos, e não de evidência científica. A perspecti­
va da morte do calor devido à lei da entropia pode até mesmo ser
interpretada como uma possível negação de afirmações teológi­
cas. E mister admitir que, ao presente estágio de investigação, há
muito pouca consonância entre teologia e física com respeito ao
futuro final do cosmos. 25

Inversamente, a falta de consonância pode ser interpre­


tada como uma negação da cosmologia Big Bang. A insistên­
cia em escatologia bíblica implica que, em algum ponto, os
cristãos terão que se afastar da cosmologia Big Bang. Mas, se o
cristianismo deve rejeitar as extrapolações Big Bang com

24 The Faith ofa Physicist, Princeton: The University Press, 1994.


25 “The Trinity in and beyond Time”, em J. R. Russel, N. Murphy e C. J.
Isham (eds.), Quantum Cosmology and the Laws ofNature: Cientific Perspectives
on Divine Action, Vatican City: Vatican Observatory Publications, 1996.

196
Cosmologia, Vida e Futuro

respeito ao futuro, porque aceitar suas extrapolações quanto


ao passado? Tais considerações escatológicas devem, no
mínimo, estimular os cristãos a reavaliar a cosmologia Big
Bang, e seus compromissos com a mesma.

197
6
Os Estranhos Deuses
da Cosmologia Moderna
Duas áreas de principal interesse da religião são a nature­
za de Deus e o que isso significa para a vida após a morte. Nos
capítulos precedentes discutimos as implicações decorrentes
da cosmologia moderna no que concerne à existência de Deus.
Lá notamos que, na melhor das hipóteses, a evidência pode
sugerir um Designer (Autor do design) ou Causador Princi­
pal, um ser deísta muito limitado, se comparado ao Deus da
Bíblia. Agora examinaremos uma seleção dos deuses que têm
sido construídos para se encaixar em diversos modelos
cosmológicos. Até que ponto isso pode ser reconciliado com o
cristianismo tradicional? Em particular, ocupar-nos-emos em
comparar os deuses modernos com o Deus da Bíblia e investi­
gar que tipo de esperança eles poderiam oferecer no que tange
à imortalidade individual.

O Deus Evolutivo da Teologia Natural

A noção de evolução é básica à cosmologia moderna: o


universo inteiro e seu conteúdo se desenvolveram a partir da
singularidade inicial. Se Deus for um ser natural, um ser
inteiramente colocado dentro dos confins do universo físico,
então, como decorrência, Deus, também, deve ser um ser que
evolui.
A noção de um Deus que evolui remonta ao filósofo

198
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

idealista alemão Frederich Schelling (1775-1854), que, em


1810, foi o primeiro a introduzir, em metafísica e teologia, os
conceitos de um evolucionismo radical. De acordo com
Schelling, Deus está sujeito a sofrimento e mudança, e só Se
tornará perfeito num futuro distante, nos estágios finais do
universo. Deus é identificado com o processo evolutivo, ou,
pelo menos, com o não-ainda-realizado resultado final de tal
processo.
Essas idéias revolucionárias foram tomadas e reelaboradas
pelo filósofo francês Henri Bergson (1859-1941) em seu livro
Creative Evolution., publicado em 1907. Ele acreditava que,
metafi si cántente, tomar-se era mais básico do que ser. Evolu­
ção era considerado como sendo uma força criadora no
sentido de que esta sempre engendrou alguma coisa inteira­
mente nova, alguma coisa inesperada. A natureza era vista
como um todo orgânico, fundamentalmente intencional,
porque é direcionada por uma Força de Vida impessoal e não
física, cujo futuro e propósitos não podem ser conhecidos.1
Embora Bergson fosse ciente da inevitável morte do calor
previsto pela termodinâmica, ele sugeriu que a vida pudesse
ser capaz de assumir uma forma que pudesse postergar inde­
finidamente a morte do calor. Bergson viria exercer grande
influência em outro francês, o jesuíta Teilhard de Chardin, a
ser discutido neste capítulo.
Uma década mais tarde, desta vez na Inglaterra, uma nova
versão do Deus evolutivo foi proposta por Samuel Alexander
(1859-1938). A entidade fundamental de Alexander era o
Espaço-Tempo. Ela gera primeiro a matéria, então a vida, e
depois a mente. Além da mente há ainda, num estágio muito
superior, a “deidade”. Assim como a mente pode existir num
ser vivente, a deidade pode existir na mente. Mas a maioria1

1 Ver análise feita por Barrow e Tipler, TheAntropic Cosmological Principle,


p. 90. Ao longo desta sessão eu devo muito ao tratamento feito por eles.

199
Deus e Cosmos

das mentes não possui deidade, assim como a maioria dos


seres viventes não possui mente. O propósito do universo é
dar lugar à deidade. Seres com deidade finita são deuses finitos.
Deus inclui o universo inteiro, embora a Sua deidade esteja
alojada apenas numa porção desse. Segundo Alexander, um
tal Deus evolutivo não existiu sempre, porém virá a existir
nalgum tempo futuro.

Deuses Naturais Evolutivos

Em tempos mais recentes a noção de um deus que evolui


tem sido proposta por autores diversos. Primeiro, vamos
examinar um número de propostas feitas por cientistas que
não se simpatizam com o cristianismo. Seus deuses são erigidos
a partir de considerações puramente não revelacionais. Pode­
mos então chamar os tais de deuses da teologia natural. Esses
deuses são puramente naturais, alegadamente envolvendo
apenas causas e efeitos naturais. Mais tarde investigaremos
várias propostas feitas por teólogos sobre como incorporar
alguma forma do Deus dos cristãos num cosmos que evolui.

1. O Deus de Paul Davies


Primeiro vamos considerar o deus natural proposto pelo
físico Paul Davies em seu livro Deus e a Nova Física. Davies
afirma: “Pode parecer bizarro, mas, na minha opinião, a
ciência oferece um caminho mais seguro para Deus do que a
religião”. Ele está convencido de que as evidências científicas
favorecem a existência de Deus. O que é que convence Davies
da existência de Deus? Ele cita um número de fatores:

Está claro que não poderia haver qualquer grau de ordem, a


menos que o universo tivesse sido iniciado com um considerável
estoque de entropia negativa. Se a desordem total está sempre
aumentando, pela segunda lei da termodinâmica, então parece

200
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

que o universo obrigatoriamente foi criado em condição ordena­


da. Não seria isso urna forte evidencia a favor de um criador-
-designer? ...Se o universo fosse mero acidente, a probabilidade
de que ele viesse a conter algum grau apreciável de ordem é
ridiculamente pequena.*2

Ele afirma que há inúmeros mistérios a respeito do


mundo natural, e que seriam prontamente explicáveis pela
pressuposição da existência de um Deus natural. Davies é
muito impressionado com o aparente ajuste fino do universo.
Ele escreve:
<
É difícil resistir à impressão de que tenha sido cuidadosamente
pensada a presente estrutura do universo, aparentemente tão sen­
sível a alterações mínimas nos números (das constantes físicas
fundamentais).2

Em particular, ele menciona o quebra-cabeça da origem


das galáxias e da vida. No entanto, Davies é cuidadoso no sen­
tido de evitar a cilada do “deus das lacunas”. Ele argumenta
que “Invocar Deus como explicação de ampla cobertura para
o inexplicado, é dar lugar a eventuais falsificações, e fazer de
Deus o amigo da ignorância”.4
Embora Davies esteja convencido de que deve existir um
Deus, ele rejeita o Deus sobrenatural. Ele insiste que mila­
gres, sendo algo repugnante a cientistas, devem ser evitados.
Um Deus natural, Davies acredita, é mais plausível do que
um Deus sobrenatural:

A hipótese de que um Deus natural criou a vida, dentro das


leis da física, pelo menos é reconhecido como algo possível, e

2 God and the New Physics,pp. 166-167.


2 Ibid. p. 189. 4 Ibid. p. 209.

201
Deus e Cosmos

consistente com nosso entendimento científico do mundo físico .5

Davies propõe a seguinte sugestão:

É possível imaginar uma super-mente existindo desde a cria­


ção, abrangendo todos os campos fundamentais da natureza, e
tomando sobre si mesmo a tarefa de converter um incoerente Big
Bang no complexo e ordenado que hoje vemos. Tudo isso reali­
zado dentro do domínio das leis da física. Isso não seria um Deus
que criou tudo por meios sobrenaturais, mas sim uma mente
universal, diretiva e controladora, permeando o cosmos e ope­
rando as leis da natureza para atingir algum propósito específi­
co... A natureza é o produto de sua própria tecnologia, e o uni­
verso é uma mente - um sistema que se auto observa e auto-
-organiza.6

Ele sugere que uma tal mente pode “forçar o dado


quântico”, desse modo controlando tudo que acontece, po­
dendo assim passar despercebido. Esse Deus seria o criador
de tudo quanto vemos, tendo feito a matéria a partir de ener­
gia preexistente, e tendo preparado as condições necessárias
para a vida; mas, Ele não seria capaz de criar a partir do nada,
como requer a doutrina cristã. Na opinião de Davis “este
conceito de Deus seria suficiente para satisfazer a maioria dos
crentes”.
Várias questões vêm à mente. Primeiro, como poderia um
ser puramente natural “forçar o dado quântico” como Davies
afirma? Invocar tais conceitos, indo além da física conhecida,
é adotar uma linha de pensamento semelhante à que leva ao
“deus das lacunas”, coisa que Davies expressamente quer
evitar. Outra grande deficiência é que Davies se omite de

5 God and the New Physics, pp. 209.


6 Ibid p. 210.

202
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

explicar como surgiu no princípio tal Deus natural. Para


explicar a aparente ordem do universo Davies invoca um
“Designer”. Mas, se como Davies argumenta, este designer
em si próprio é o resultado de forças puramente naturais, sua
origem carece ainda mais de uma explicação. Davies tenta
explicar um mistério apelando por outro imensamente maior.
Como ele se limita a explicações puramente naturais, sua
solução parece altamente implausível. Somente um criador
sobrenatural é capaz de realizar a tarefa requerida por
Davies.
Além disso, o poder do Deus de Davies é muito limitado.
Controlando apenas os estados quânticos, esse poder continua
preso às leis físicas. Não pode fazer milagres. Conseqüente-
mente, não oferece ao homem qualquer esperança de vida
depois desta. De fato, a mente divina em si, sendo puramente
natural, não pode ter esperança de escapar à eventual destrui­
ção, seja pela morte do calor, seja pelo Big Crunch.
Em suma, isso não é um Deus que demanda adoração ou
responde a orações. Portanto, ao contrário da expectativa oti­
mista de Davies, é improvável que um tal “Deus” satisfaça
muitas necessidades religiosas.

2. O Deus de Freeman Dyson


Outra tentativa de formular um deus natural foi apresen­
tada pelo físico Freeman Dyson em seu livro Infinite in All
Directions (Infinito em Todas as Direções). Anteriormente, já
consideramos o ponto de vista otimista de Dyson quanto ao
futuro. Como o leitor provavelmente se lembrará, Dyson
defende a idéia da sobrevivência eterna da vida no universo.
Para Dyson, o fato mais impressionante neste universo é
o poder da mente que dirige nossos corpos. A mente, através
de evolução biológica, se estabeleceu como força motora em
nosso cantinho deste universo. A tendência da mente de se
infiltrar e controlar a matéria é uma tendência da natureza.

203
Deus e Cosmos

Dyson escreve:
A mente é paciente. A mente esperou por três bilhões de anos
antes de compor seu primeiro quarteto de cordas. E talvez tenha
que esperar outros três bilhões de anos antes que se espalhe por
toda a galáxia.1

Quando a mente tiver expandido sua organização a uma


ordem de magnitude muito além da escala humana, então não
mais poderemos esperar entender seus pensamentos, assim
como uma borboleta não pode entender os nossos. Em tal
estágio, a mente poderá ser chamada “Deus”.
Dyson considera Deus como sendo uma alma-mundo, ou
um conjunto de almas-mundos. No atual estágio de desenvol­
vimento nós podemos ser considerados como a principal
inserção de Deus neste planeta. O Deus de Dyson não é nem
onisciente nem onipresente, mas um que aprende e cresce,
na medida em que o universo se desenvolve. Como tal, o
universo não é determinístico, e sim, aberto. O acaso faz parte
do plano de Deus; o acaso existe porque Deus compartilha
de nossa ignorância. Dyson considera esse Deus como sendo
próximo àquele do processo tecnológico, que será discutido
mais adiante.
O universo, de acordo com Dyson, tem um propósito
profundo. Ele afirma:
Eu creio que estamos aqui por algum propósito, que tal propó­
sito tem algo a ver com o futuro, e que transcende os limites de
nosso conhecimento e entendimento... Se você quiser, poderá
chamá-lo de propósito transcendente de Deus. Se for Deus, é o
Deus Sociniano, inerente no universo, e crescente em poder
e conhecimento, na medida em que o universo se desenvolve.
Nossas mentes não são apenas uma expressão de seu propósito,
e sim também contribuições ao seu crescimento*

1 Infinite in All Directions, p. 118.


8 Ibid., p.294.

204
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

A palavra Sociniano, usada por Dyson, refere-se ao teólo­


go radical italiano Lelio Sozzini (Socinus) (1525-1562), o qual
negou o pecado original, a deidade de Cristo, a trindade, e a
predestinação.
No que tange à evidência científica de Deus, Dyson
escreve:

O argumento do design é um argumento teológico, e não cien­


tífico... Eu considero que tal argumento é válido no seguinte
sentido. O universo mostra evidência da operação da mente em
três níveis. O primeiro nível é o dos processos físicos elementares
na mecânica quântica. A matéria, na mecânica quântica, não é
uma substância inerte, mas um agente ativo, constantemente
fazendo escolhas entre possíveis alternativas, de acordo com as
leis da probabilidade... Parece que a mente, como manifesta pela
capacidade de fazer escolhas, é, até certo ponto, inerente a todo
elétron. O segundo nível em que detectamos a operação da
mente é o nível de experiência humana direta. Nossos cérebros
parecem ser dispositivos para a amplificação do componente
mental das escolhas quânticas feitas pelas moléculas dentro de
nossa cabeça. Somos o segundo grande passo no desenvolvi­
mento da mente. E aqui que entra o argumento do design.
Características peculiares das leis da natureza mostram evidên­
cias de que o universo como um todo é favorável ao crescimento
da mente... Portanto, é razoável admitir que haja um terceiro
nível da mente, um componente mental do universo. Se crermos
neste componente mental e o chamarmos Deus, então podemos
afirmar que somos pequenas porções do aparato mental de Deus.9

Para conhecermos o propósito final do universo, precisa­


remos ler a mente de Deus. Dyson sugere que o universo é
construído de acordo com um princípio de máxima diversi­
dade, ao nível mental bem como físico. As leis da natureza e

9 Infinite inAllDirections, p. 297.

205
Deus e Cosmos

as condições iniciais são tais que fazem o universo o mais


interessante possível. Como resultado, a vida é possível, mas
não é nada fácil.
A descrição do Deus natural proposta por Dyson é mais
elaborada que a de Davies, contudo, há muitas similaridades.
Ambos vêem Deus como uma super-mente evoluída. Ambos
apontam o argumento do design como evidência para a exis­
tência de um tal Deus. Mas, nenhum deles explica como esta
super-mente, a qual na realidade se destacará num futuro
remoto, poderia ter influenciado as condições iniciais e a
consequente evolução até o ponto em que nos achamos atual­
mente. O design é explicado em termos de um designer o
qual, por sua vez, é suposto ser o resultado de um processo
puramente natural. Isso apenas aumenta a complexidade do
problema do design sem fazer nenhum progresso quanto a
explicação do mesmo.

Deuses Autocausados

A principal dificuldade quanto ao Deus natural, é expli­


car sua origem. Várias propostas têm sido feitas para remedi­
ar tal deficiência.

1. O Deus de Fred Hoyle


Fred Hoyle, em seu livro The Intelligent Unwerse (O Uni­
verso Inteligente), descreve sua perplexidade com o surgimento
de vida na terra. Com base na intrincada complexidade da vida,
ele conclui que a transformação de não-vida em vida como
algo tão improvável, que ele põe em dúvida o fato de que
tal transformação já tenha ocorrido na terra. Em vez disso,
ele postula que a vida, na forma de bactéria, veio do espaço
sideral à terra.
Em particular Hoyle encontra problema no fato de que a
vida e outras características da cosmologia parecem operar

206
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

contrariamente à segunda lei da termodinámica. Ao contrario


de desintegrar e ruir, como outros sistemas físicos, a matéria
viva se torna mais e mais organizada. Para explicar um tal
comportamento inusitado, ele recorre a uma idéia por demais
bizarra: a de que a evolução é guiada por informação vinda do
futuro] Hoyle crê que os sistemas biológicos estão de algum
modo funcionando em sentido retrógrado no tempo:

Numa escala cósmica, o efeito de introduzir informação do


futuro seria ...de ampio alcance. Em vez do universo começar
com um Big Bang enrolado (dado corda inicial, como num reló­
gio) e que, a partir daí, vai se degenerando, um estado primitivo
de coisas pode-se auto-enrolar (dar corda) gradualmente, com o
passar do tempo, tornando-se mais sofisticado, não menos, do
passado para o futuro. Isso permitiria o acúmulo de informação
- sem a qual a evolução da vida e do próprio universo, não faz
sentido lógico.10 11

Além disso, Hoyle crê que a teoría de Darwin está errada:


variações ocasionais conduzem a lugar nenhum. Para que
ocorra progresso, informações genéticas têm que vir de fora
do sistema. E mais:

Já vimos que a vida não pode ter sido originada aqui na terra.
Não parece que a evolução biológica pode ser explicada de den­
tro de uma teoria de vida estritamente terrena. Genes vindos de
fora da térra são necessários para dirigir o processo evolutivo...
Um entendimento próprio da evolução requer que o ambiente,
ou as variações nas quais ele opera, ou ambos, sejam inteligen­
temente controlados,n

De onde viria essa fonte misteriosa de informação

10 The Intelligent Universe, p. 214.


11 Ibid.p.242,244.

207
Deus e Cosmos

originada no futuro, a qual controla o processo evolutivo?


Segundo Hoyle, trata-se de uma inteligência localizada num
futuro infinitamente distante. Tal inteligência explicaria as
várias coincidências antrópicas salientadas num capítulo
anterior. Ela também explica as ocorrências de gênios tais
como Mozart e Shakespeare.
Hoyle insiste em que tal ser não é um Deus onipotente e
sobrenatural:

Na teoria cósmica, a inteligência responsável pela criação de


vida baseada em carbono está firmemente localizada no univer­
so, e é subserviente a ele. E devido o criador da vida baseada em
carbono não ser onipotente, não há, consequentemente, parado­
xo no fato de que a vida terrestre ê muito aquém do ideal.12

Hoyle não reivindica saber onde este deus estaria locali­


zado, qual seria sua forma física ou o que ele faz. Tal deus
adquire estatura plena apenas no futuro remoto. Para exercer
influência sobre o passado e o presente, Hoyle recorre ao inu­
sitado conceito de causação retrógrada (do futuro para o
passado). A inteligência funciona num sentido reverso no
tempo, controlando eventos quânticos individuais. Somente
assim pode efetuar sua própria existência:

A suplantadora inteligência do futuro infinito, a qual engen­


dra o desenvolvimento de inteligência em nosso tempo presente,
exerce sua controladora influência simplesmente para poder
existir .B

Hoyle alega que é ilógico que Deus influencie o universo


sem ser por este afetado, como ele diz ser o caso do Deus dos

12 The Intelligent Universe, p. 236.


12 Ibid.,p. 248.

208
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

cristãos. Tal questão, diz Hoyle, é evitada pelo seu “Deus”, o


qual somente existe em virtude do apoio recebido do univer­
so. Hoyle se queixa de que a idéia de uma inteligência de “causa
e efeito normal”, como a que ele proclama, não é muito bem
recebida no mundo ocidental contemporâneo. Segundo ele,
isto ocorre porque, em conformidade com a tradição cristã, é
desejo dos astrônomos ocidentais invocar causas sobrena­
turais vindas de fora do universo.
Deve-se notar que, em seu livro, Hoyle rejeita tanto a
teoria do Big Bang quanto a do estado estacionário. Pelo con­
trário, ele opta pela teoria de um universo eterno de inúmeros
little-bangs (pequenos bangs ou pequenas explosões). Assim,
ele não precisa enfrentar o problema da criação do universo
inteiro no tempo.
E nós, o que devemos pensar disso? Para explicar o
aparente design no universo, Hoyle aponta para um Designer.
Mas para que tal inteligência seja natural, então ela terá que
ter evoluído e não poderia, em qualquer forma efetiva, ter
estado presente no tempo próximo do começo. Ainda, as
grandes coincidências antrópicas que necessitam ser expli­
cadas, tais como a taxa de expansão e os valores das constantes
físicas, têm que ter sido presumivelmente estabelecidas num
estágio bem cedo no desenvolvimento do cosmos. Portanto, se
há um Designer, Ele tem que ter estado arquitetando desde o
começo, implicando um ser sobrenatural cuja existência é
anterior à criação do cosmos.
Escarnecendo daqueles que desejam invocar uma causa
sobrenatural, Hoyle recorre à alternativa duvidosa de causação
retrógrada. Mas isso nem de longe é “causa e efeito normal”;
isso não é nada menos que miraculoso. O Deus de Hoyle
realmente apresenta poderes sobrenaturais, se bem que de
um tipo limitado. Também no caso do Deus de Hoyle não
há esperança para uma vida após a morte, nem algo que nos
inspire amor ou temor.

209
Deus e Cosmos

2.0 Deus de Frank Tipler


Um modelo bem mais ambicioso de um deus evolutivo
foi desenvolvido por Frank Tipler,14 e exposto em detalhes no
seu livro ThePhysics oflmmortality (A Física da Imortalidade).
De acordo com Tipler, a guerra entre a ciência e o cristianismo
já terminou. A ciência descobriu Deus, portanto a teologia não
passa de mera ramificação da cosmologia física. Tipler apre-
A

senta sua teoria do Ponto Omega como:

Uma teoria física testável para um Deus onipotente e onis­


ciente que um dia ressuscitará cada um de nós individualmente
para viver para sempre numa habitação a qual é, em toda sua
essência, o céu judaico-cristão.15

O leitor deve lembrar-se de nossa discussão sobre Tipler


no capítulo anterior. Ele pressupõe um universo fechado, onde
a presente expansão um dia será revertida em contração,
levando finalmente ao Big Crunch. A vida é definida essenci­
almente como processamento de informação. Na medida em
que o Big Crunch vai se aproximando, a vida engolfará todo o
universo. Ela se tornará onipresente, onipotente, onisciente,
no sentido de que controlará todas as fontes de matéria e ener­
gia, enquanto armazena uma quantidade infinita de informa­
ção. Tipler denomina este evento com a singularidade final -
“O Ponto Ômega”. Visto que o Ponto Ômega estará além do
espaço-tempo, então será por isso “transcendente” e, sendo
equivalente a todos os pontos do espaço-tempo, será também
“imanente” em todos os pontos do espaço-tempo. Tipler crê

14 “The Omega Point Theory: A Model of an Evolving God”, in Russell,


Physics, Philosophy and Theology, 1988; “The Omega Point as Eschaton:
Answers To Pannernberg’s Questions for Scientists”, Zygon, 1989,24, pp.
217-253; The Physics ofImmortality, New York: Doubleday, 1994.
15 The Physics ofImmortality, p. 1.

210
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

que, devido à sua elevada inteligência, o Ponto Ômega é como


uma pessoa. O Ponto Omega “experimentará” o todo da histo­
ria do universo “de urna só vez”, como no conceito teológico
de eternidade. No modelo de Tipler, Deus e universo são dois
aspectos da mesma coisa, mas essa teoria não é propriamente
uma forma de panteísmo.
Embora Tipler atribua “onipotência” a um tal Deus, por­
que Ele controlaria toda energia e matéria, não podemos nos
esquecer que estaria limitado às leis naturais; e embora fosse
“onisciente”, seu conhecimento só seria completo quando
atingisse o Ponto Ômega.
< A

Como podemos ter certeza de que o Ponto Omega real­


mente será atingido? O postulado pelo qual Tipler deduz o
Deus evolutivo é fundamentalmente de natureza moral. Valor
é algo conectado à vida. Se valor há de permanecer no uni­
verso, então a vida deve persistir indefinidamente. As leis da
física devem portanto permitir a existência da vida para
sempre. A continuada existência da vida implica em evolução
progressiva sem limite no espaço-tempo: o limite da evolução
cosmológica e biológica é um ponto além do espaço e tempo,
o Ponto Ômega. Isso traz de volta à ciência o conceito de pro­
pósito: “Teleología, embora removida da biologia terrestre,
reaparece quando biologia é combinada com cosmologia”.16
Para assegurar que o Ponto Ômega será atingido, Tipler
propõe a “Condição Limite Teilhard” para a função onda
universal. A função onda universal é o conjunto de todas as
possíveis histórias do universo, e Tipler considera essa função
como sendo a mesma coisa que o Espírito Santo. A condição
de Tipler especifica que todas as possíveis histórias do univer­
so convergem para o Ponto Ômega futuro, com a vida vindo a
existir em pelo menos uma história, e continuando sem cessar
até o Ponto Ômega. Ele conjectura que tal condição de limite

16 “The Omega Point Theory”, p. 315.

211
Deus e Cosmos

resulta numa função onda universal singular.


Nesse caso, as leis da física e todas as coisas que têm
A

existência física seriam de fato geradas pelo Ponto Omega e


suas propriedades vivas. Tais propriedades determinariam a
função onda, e esta por sua vez determinaria tudo o mais. O
futuro final guiaria todas as condições presentes para si mes­
mo. Em certo sentido o Ponto Omega cria o universo físico,
porém em outro sentido o Ponto Ômega cria-se a si mesmo. O
universo de Tipler é portanto completamente determinístico:
nada inesperado pode acontecer, tudo é fixado pela função onda
universal.
Deve ser notado que Tipler explícitamente declara que
não é cristão, e sim, um ateísta - pelo menos até o ponto em
que sua teoria for confirmada, ponto esse em que ele se torna­
ria um teísta. Ele considera seu modelo alegadamente
baseado apenas em processos naturais, como um desafio à
existência do tradicional Deus dos cristãos.
De novo, uma grande falha é que algum tipo de causação
retrógrada é necessária para que este deus possa criar-se a si
mesmo. Tudo é predeterminado pela função onda. Mas como
é que tal função é estabelecida?
Como mostrado no capítulo anterior, as observações do
presente excluem a possibilidade de um universo fechado, um
pressuposto do modelo de Tipler. Além disso, como salienta­
do pelo cosmologista George Ellis numa revisão devastado­
ra,17 Tipler ignora o fato de que com a temperatura aumentan­
do indefinidamente, havería a dissociação da matéria em seus
constituintes fundamentais, impossibilitando armazenamento
e processamento confiáveis de informação. Ellis comenta:

Não é possível alguém trazer à tona, em breve resumo, todos os


absurdos deste extraordinário edifício, o qual é o resultado de

17 “Piety in the Sky”, Nature, 1994,371, p. 115.

212
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

imaginação fértil e criativa, não limitada pelas restrições nor­


mais das disciplinas científicas e filosóficas. Tipler não apenas
baseia sua teoria em pressuposições altamente improváveis e faz
afirmativas que não podem, por mais que desdobremos nossa
imaginação, ser testadas por experimentação ou observação; ele
tipicamente designa o rótulo de “Deus” a uma construção mate­
mática que, ainda que pudesse ser uma boa descrição das frontei­
ras causais do universo (e provavelmente não é), certamente não
se refere, em nenhum sentido sério, àquilo a que normalmente a
palavra “Deus” é referida.

< Em suma, os deuses naturais não são aptos a atraírem a


muitos seguidores. Sujeitos que são eles às leis naturais (exceto
no caso de causação retrógrada!), eles não podem realizar mi­
lagres, responder a orações, e têm poucas das características
geralmente atribuídas ao Deus da Bíblia. Além de tudo, eles
não poderiam ter existido antes da (presumida) singularidade
do Big Bang; requerem um longo tempo até que evoluam a
super-mentes, e suas influências sobre o passado e o presente
só podem vir a efeito através de artifícios dúbios tais como
causação retrógrada, o que parece resultar meramente numa
forma especial e dissimulada de sobrenaturalismo.

O Cristianismo e o Deus Evolutivo

Várias tentativas têm sido feitas no sentido de propor um


deus evolutivo mais em acordo com o cristianismo. Examina­
remos os pontos de vista de Teilhard de Chardin e da teologia
de processo, ambos relativamente influentes.

1.0 Deus de Teilhard de Chardin


Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955) foi um padre
jesuíta bem como um paleontologista (um especialista em
fósseis). Ele esteve bem ocupado em tentar adaptar o cristia­
nismo aos modernos pontos de vista seculares, tentando

213
Deus e Cosmos

demonstrar que o cristianismo é a religião da evolução. En­


quanto em vida, a publicação de seus radicais pontos de vista
com respeito ao cristianismo evolutivo foi proibida pela
igreja católica romana, e somente depois de sua morte seu
trabalho se tornou amplamente conhecido. Sua obra prima
foi The Phenomenon ofMan (O Fenômeno do Homem)18 e seus
pontos de vista foram de considerável influência. Por exem­
plo, Frank Tipler identifica um número de facetas em seu
modelo, muito similares àqueles do modelo de Teilhard de
Chardin. Daí ter ele referido ao Ponto Omega de Teilhard e as
condições limites de Teilhard.
Ponderando sobre a misteriosa relação entre a matéria e o
estar consciente, duas entidades aparentemente bem distintas,
Teilhard rejeitou a noção comum de que a consciência de
algum modo se desenvolveu a partir da matéria. Ao contrário,
Teilhard partiu da hipótese da primazia do psiquismo. Ele
considerou a autoconsciência como sendo a entidade funda­
mental do universo, estando já presente na matéria desde o
começo. Todas as coisas materiais, viventes ou não viventes,
têm seu lado psíquico, o “interior”, e seu lado material, o
“exterior”.19 O processo evolutivo era visto como tendo uma
natureza dual: uma crescente complexidade exterior bem como
um crescente psiquismo interior, ambos culminando no
homem. O curso futuro da evolução está contido no homem.
A unidade que vem sendo adquirida através das várias formas
de arte e ciência é um indicador da convergência da evolução
no homem e através do homem.
Em última instância, quando a mais alta unificação e
consciênciosidade possíveis forem adquiridas, um ponto
central é atingido, denominado Ponto Omega. Esse Ponto
Ômega, o alvo da criação, é identificado como Cristo. Assim,

18 London: Collins, 1959.


19 The Phenomenon ofMan, p.59.

214
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

Cristo é, considerado como sendo o princípio unificador do


cosmos, pois nEle tudo é finalmente unificado; o princípio
energizador do cosmos, pois todo movimento é originado a
partir do objeto final; e o princípio de conclusão, ou perfeição,
uma vez que tudo encontra nEle seu completamento ou
consumação final.
Mas, de forma alguma pode-se ter certeza de tal futuro
cristocêntrico! O completamento do mundo em Cristo só
poderia ser obtido com a cooperação do homem. Como o
homem é livre, estaria portanto dentro de seu alcance fazer o
projeto falhar.20 Assim, como sumariado por Wildiers,21 nossa
principal preocupação tem que ser a subseqüente evolução do
homem no sentido de uma unificação espiritual maior. Há
um elemento místico em Teilhard, em que ele identifica o
mundo com Deus, algumas vezes referindo-se a seu ponto de
vista como sendo “Panteísmo Cristão”. Ele deseja expressar a
presença de Deus em i odas as coisas, particularmente no pro­
cesso evolutivo. Deus Se fez imerso em Sua própria criação,
esforçando-Se juntamente com ela para completá-la. A
encarnação de Deus é coextensiva com a duração do mundo.
Assim, o amor de Deus e o amor do mundo são combinados
em um. Através do estudo e trabalho, da ação social e política,
nós nos unimos com Cristo.22 Em suma, o universo de Teilhard
é um onde Deus, que manifesta-Se a si mesmo no universo
físico através da Pessoa de Cristo, evolui.
Pelo ângulo da ciência, Teilhard acreditava que sua teoria
apresentava algumas dificuldades termodinâmicas. Para ele,
a evolução de entidades cada vez mais complexas pareciam
contrariar a segunda lei da termodinâmica, pela qual é pre­
vista uma tendência geral para a desordem, e não para a

20 The Phenomenon ofMan, p. 307.


21 The Theologian and His Universe, p. 207.
22 76zJ.,p.21O.

215
Deus e Cosmos

ordem. Além disso, a morte do calor, como prevista pela


mesma lei, excluiria a futura existência eterna do Ponto Ômega
Crístico. Eventualmente, até mesmo Cristo sofreria morte
permanente.
Para superar tais limitações, Teilhard argumentou a favor
da existência de uma outra forma de energia - a “radial” ou
psíquica - em adição à usual forma física ou “tangencial” de
energia. Como todas as formas de matéria contêm alguma
substância psíquica, energia psíquica radial encontra-se
presente em toda a matéria. Ela supre uma força vital que
dirige o processo evolutivo. Sua concentração aumenta na
medida em que o processo evolutivo se desenvolve, para
cima, no sentido de atingir maior complexidade.
No homem, a energia radial é a energia de nossos pensa­
mentos. Energia radial e tangencial são de alguma forma
relacionadas, e passam uma para a outra. Por um lado, “para
pensar precisamos comer”,23 por outro lado, através do pensa­
mento e da vontade podemos afetar mudanças físicas.
Conforme Teilhard a energia radial se opõe ao efeito
degenerativo da segunda lei. Desde que isso foi escrito por
Teilhard, tem sido notado que sua energia radial, psíquica, é
de fato equivalente a conteúdo de informação, que não pode
evitar as restrições da segunda lei.24 Assim, como teoria cientí­
fica, este aspecto da visão de Teilhard foi refutado.
Embora o universo de Teilhard seja centrado em Cristo,
trata-se de um Cristo muito diminuído, altamente dependente
do esforço do homem e do processo evolutivo. Dificilmente
seria o Cristo do cristianismo ortodoxo.

2. O Deus da Teologia de Processo


Em anos recentes, o pensamento de processo tem se

23 The Phenomenon ofMan, p. 64.


24 Barrow eTipler, 77/e Anthropic Cosmological Principle, 198.

216
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

tornado popular entre os teólogos. Tal movimento tem sua


origem na obra de Alfred North Whitehead (1861-1947), que,
de início, esteve bem ativo nos campos da filosofia da ciência
e matemática. Ele, por sua vez, recebeu grande influência de
Bergson e Alexander. Em sua obra principal,Process andReality
(Processo e Realidade) ele desenvolveu um sistema metafísico
no qual os conceitos de processo e tomar-se ocupavam posição
central. Desde então, suas idéias passaram a ser desenvolvidas
por varios teólogos e filósofos, entre os quais se destacam
Charles Hartshorne e Schubert Ogden.
A teologia de processo rejeita tanto o Deus do teísmo
clássico, onde Deus é distinto do mundo, quanto ao panteísmo,
o qual considera Deus e o mundo como sendo iguais. Em vez
disso, é adotado o conceito denominado “panenteísmo”, que
significa “todas as coisas em Deus”. O mundo é visto como
sendo o corpo de Deus. Deus possui também uma mente, mas
ela é dependente de seu corpo. Criaturas no universo são con­
sideradas células no corpo de Deus.
Whitehead considera Deus como sendo “bipolar”: Ele tem
a natureza primordial tanto quanto a natureza consequente. Visto
como primordial, Deus é “a ilimitada realização conceptual
da absoluta abundância da potencialidade”.25 Nesse estado,
ele não está consciente. Através desse aspecto Deus é a fonte
de unidade e ordem no mundo. “Ele é a fascinação pela
emoção, e o eterno estímulo do desejo.”26 Nesse polo, Deus é
infinito e imutável.
Mas, há outro lado de Deus. Em Sua natureza conse-
qüente Deus é consciente, e é “a percepção do mundo real na
unidade de Sua natureza, e através da transformação de Sua
sabedoria.”27 Nesse polo Deus é finito, dependente do mun­
do, e em processo. “Deus é o grande companheiro - o amigo

25 Process and Reality, p. 521.


26Ibid., p.522. 27 Ibid., p.524.

217
Deus e Cosmos

sofredor que compreeende.” 28 Deus é tanto o campo


primordial da ordem, estruturando formas potenciais de
relacionamento antes que elas aconteçam, como é o campo da
novidade, apresentando novas possibilidades.
Não apenas Deus (pelo menos em Sua natureza pri­
mordial) mas também o universo, são eternos. Deus criou o
mundo, não ex nihilo, porém a partir de material preexistente.
Deus não existe desde antes da criação, e sim com toda a cria­
ção. Nem é único o nosso universo. Com o decorrer do tempo,
todos os universos logicamente possíveis (“épocas cósmicas”),
virão à existência, cada um finalmente sendo substituído pelo
seu sucessor. Nosso universo, inclusive, será eventualmente
extinto.29
Na teologia de processo Deus é geralmente considerado
como onisciente com respeito a todos os eventos passados e
presentes, mas não com relação aos eventos futuros. O futuro é
indeterminado, e nem mesmo Deus pode conhecê-lo.30 Se o
futuro fosse fixo, não havería espaço para as ações livres do
homem. A teologia de processo afirma a ordem, bem como a
abertura na natureza. O propósito divino é entendido como
tendo metas imutáveis, porém não um plano eterno detalha­
do; Deus responde diante do imprevisto. O pensamento de
processo reconhece potencialidades alternativas que podem ou
não ser concretizadas. O Deus da teologia de processo não
é onipotente. Ele influencia o mundo, através de avaliar
potencialidades particulares às quais as criaturas podem res­
ponder, mas isso sem determinar eventos. Deus sempre age
com e através de outras entidades, em vez de agir sozinho, como
substituto pelas ações delas. A presença de Deus no universo
não é, pois, prontamente detectável. A maioria dos teólogos

28 Process and Reality, p. 532.


29 Ibid, p.139,148,171.
30 R. H. Nash, The Concept of God, Grand Rapids: Academe Books, p. 27.

218
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

de processo crêem que a ação de Deus não contradiz a ciência


e, portanto, Deus não realiza milagres. O poder de Deus sobre
a natureza é limitado. O poder que Deus exerce é tal que evoca
amor e inspiração, ao invés de ser uma força unilateral
controladora. Deus não força, todavia supre poder criativo às
suas criaturas.
É através do homem que Deus tem as maiores oportuni­
dades de influenciar o mundo. O homem é considerado um
ser livre co-criador com Deus e de Deus. O homem cria-se a si
mesmo através das decisões que ele faz. Também, nos níveis
materiais e biológicos “decisões” são feitas quando uma entre
muitas possibilidades é realizada. O mundo é uma série de
decisões, e neste sentido a liberdade forma uma dimensão do
universo. Não apenas o homem, porém o mundo inteiro, é
uma realidade autocriativa. Todos os eventos que acontecem
são mutuamente relacionados. As propriedades fundamentais
da realidade são criatividade e relatividade, sendo Deus a
suprema Criatividade e a Relação universal.
A coesão de todas as decisões individuais no mundo é
devida à influência da suprema criatividade em todos os
eventos. Isso não anula sua liberdade, mas é uma forma de
estímulo. Deus é aquele elemento ordenador através do qual
a criatividade assume um caráter específico, e sem o qual oca­
siões para experiência seriam impossíveis. Deus é o sempre
presente campo da experiência. Cada ocasião é dependente de
Deus para sua existência, bem como para a ordem das possibi­
lidades que podem ser realizadas. Diferente da visão de
Teilhard da culminação da história num Ponto Ômega, a
teologia de processo visualiza a história como não tendo meta
final específica. Há somente uma deidade crescente cada vez
mais, em direção a uma crescente perfeição.
Ronald Nash criticou a teologia de processo em vários
pontos. De acordo com ele, a maioria dos teólogos de processo
aplica uma hermenêutica bíblica altamente seletiva, sendo

219
Deus e Cosmos

bem receptivos às Escrituras quando elas concordam com a


opinião panenteísta, mas ignorando-as quando em sentido
oposto.31 Além disso, os teólogos de processo freqüentemente
negam os princípios básicos do cristianismo, tais como a
deidade de Cristo.32 Schubert Ogden, por exemplo, embora
referindo-se a Cristo como “o ato decisivo de Deus”, sustenta
que Cristo é totalmente humano, especial apenas no aspecto
de que Suas palavras e Seus atos representam o ser de Deus
num sentido normativo.33 Outros credos cristãos fundamen­
tais, como, por exemplo, a encarnação, a ressurreição do
corpo, e a expiação são também questionados pelos teólogos
de processo.
O Deus da teologia de processo deixa a desejar quanto às
necessárias qualificações do onisciente e onipotente Deus da
Bíblia. E, como veremos em breve, a teologia de processo não
oferece esperança aos cristãos no que tange a vida após a mor­
te. Posto que a motivação por trás da teologia de processo foi
primariamente o desenvolvimento de uma teologia mais em
linha com o pensamento evolucionário moderno, não é, pois,
surpreendente que tal abordagem nos deixa com pouco
conteúdo cristão.

Vida Após a Morte

Uma questão teológica crucial é a que trata da vida após a


morte. Como cristãos depositamos nossa esperança numa vida
melhor no porvir. Teria a cosmologia moderna algo a oferecer
no tocante a esta questão? Já vimos no capítulo precedente

31 The Concept of God.


32 Ver John B. Cobb, Christ in a Pluralistic Age, Philadelphia: Westminster
Press, 1975, p.74.
33 The Reality of God and Other Essays, New York: Harper and Row, 1966 pp.
184-186.

220
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

que, se nos apoiarmos puramente em processos naturais,


o destino da vida no universo parece desolador. Poderia qual­
quer um dos deuses descritos acima remediar tão sinistras
previsões?
Fred Hoyle crê que a convicção de imortalidade indi­
vidual é um erro. Contudo, ele crê que nossos remotos
descendentes, através de imensos avanços em tecnologia,
serão capazes de garantir a imortalidade coletiva da raça
humana.34 Entretanto, tal coisa é, infelizmente, de pouca
consolação para o indivíduo, o qual permanece como mero
mortal.
I
Freeman Dyson e Frank Tipler são mais otimistas. Dyson
especula que a tecnologia futura permitirá a reconstrução de
cópias de nossos antepassados, se pudermos registrar a sequên­
cia de bases em suas células de DNA. Talvez, também, seja
possível ler traços de memória nos cérebros de nossos antepas­
sados, e ativá-los novamente. Desse modo, seria possível
“ressuscitar” ancestrais.35
Se isso de fato irá funcionar, é algo bem duvidoso. Em
primeiro lugar, seria possível apenas a indivíduos para os
quais haveria amostras de DNA, e que também tivessem tra­
ços de memória registrados. No entanto, mesmo se registros
completos de memória fossem possíveis, o que parece muito
improvável, a tecnologia necessária para realizar tal feito
estaria num futuro distante, quando nossos pensamentos e
cérebros já teriam desaparecido desde há muito. Não parece
que as gerações do passado e do presente seriam beneficiadas
pelo esquema inteligente apresentado por Dyson. Em segun­
do lugar, mesmo supondo que tal processo fosse factível,
seriam reproduzidas apenas cópias de nossos ancestrais, e não
os ancestrais em si mesmos. Não haveria portanto consciente

34 The Intelligent Universe, p. 226.


35 Infinite inAUDirections, p. 289,

221
Deus e Cosmos

continuidade ou imortalidade do indivíduo.


Um cenário bem semelhante é oferecido por Tipler. Ele
argumenta que é possível, pelo menos em princípio, que a
vida futura possa reconstruir uma simulação extremamente
acurada de nossas vidas passadas. Uma tal simulação de um
ser vivo, de acordo com Tipler, teria vida, na realidade:

O corpo simulado, poderá ser um tipo amplamente melhorado,


se comparado com nossos corpos do presente... a um tal corpo
simulado, melhorado e imortal poderemos chamar de “corpo
espiritual”?b

Tais simulações seriam feitas usando os raios de luz do


passado de nossos ancestrais. Esses raios de luz não são
perdidos, mas serão interceptados na medida em que nos
aproximamos da singularidade. Quanto mais próximo da
singularidade, mais exata será a informação extraída. A partir
da informação extraída dessa luz nossos ancestrais poderão
ser reconstruídos. E mesmo que informações suficientes não
possam ser extraídas do cone de luz do passado, a ressurreição
ainda poderá ocorrer, pois ainda será possível ressuscitar
todos os seres humanos cujos DNA possam ser codificados,
sendo este um número finito.
De novo, isso é muito similar à ressurreição proposta por
Dyson, exceto que não menciona a reconstrução de memória.
O mesmo tipo de crítica se aplica. Em particular, mesmo se
fosse tecnicamente possível, tal esquema produziría uma
cópia do eu do passado, e não a continuação do meu ser
consciente.
O sistema de Teilhard, também, oferece pouca esperança
para aqueles que alimentam alguma expectativa para a vida
após a morte. Quando um homem morre, seu corpo se*

36 “The Omega Point as Eschaton”, p. 246.

222
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

decompõe, e volta a ser matéria ordinária não viva. Segue


daí que, a alma humana, sendo vinculada ao corpo, não pode
sobreviver como uma consciência de ordem superior. O
máximo que se pode esperar, ao que parece, é um grandioso
número de centros de consciência elementar, cada um desses
associado às unidades de matéria do corpo decomposto, e
sujeitos às leis da estatística. O homem só poderia sobreviver
coletivamente, não individualmente.37Assim, no íntimo,
mesmo tendo Teilhard introduzido Cristo em seu esquema,
trata-de de um Cristo que não nos oferece salvação final.
No tocante ao destino do homem, a maioria dos teólogos
de processo rejeita a noção de um céu e um inferno reais, ou
qualquer noção de imortalidade individual. Segundo Ogden,38
o homem continuará a viver apenas na memória cósmica de
Deus, e, como tal, não seremos conscientes. Uma posição
similar é assumida por Charles Hartshorne,39o qual considera
a noção de céu e inferno fatuais um erro perigoso. Na teologia
de processo há apenas um tipo de imortalidade objetiva-.
podemos continuar vivendo após a morte, porém apenas
através de nossas ações do passado, somente na memória de
Deus. Não há imortalidade subjetiva, na qual nosso eu
continua tendo existência consciente.
John Cobb, outro teólogo de processo, discute a questão
da vida após a morte em seu livro A Christian Natural Theology
(Uma Teologia Natural Cristã}.40 A maior dificuldade na
separação entre corpo e alma, afirma Cobb, é onde colocar a
alma. Não concebemos mais o céu ou o inferno como lugares
espaciais. Na cosmologia newtoniana, alma ou substâncias
mentais se encaixavam com tanta dificuldade com o contínuo

37 The Phenomenon ofMan, p. 61.


38 “The Meaning of Christian Hope”, Union Seminary Quarterly Review,
1975,30, pp. 160-163.
39 The Logic ofPerfection, LaSalle, Illinois: Open Court, 1962, p. 254.
40 Philadelphia: Westminster Press, 1965, pp.63-70.

223
Deus e Cosmos

espaço-tempo que não parecia coisa estranha postular a exis­


tência de uma outra esfera, o domínio espiritual, aonde a alma
humana pertenceria. Mas, no cosmos evolucionário, tal
distinção entre matéria e mente não pode ser mantida. Caso
mentes emergirem no universo físico, então elas têm que
pertencer àquele universo. Não parece haver mais um “lugar”
para a alma após a morte.
Está portanto claro que a questão de origens é intima­
mente relacionada com a questão da vida eterna. Na suposta
origem evolucionária do homem, uma vez que a alma é fisica­
mente determinada, sua capacidade de sobreviver à morte fica
enfraquecida. O astrônomo holandês Hermán Zanstra
argumenta que a rejeição da imortalidade da alma feita por
Teilhard não deixa lugar para uma verdadeira religião no
sentido integral. Conforme afirma Zanstra, a questão princi­
pal da religião é se a alma pode se separar do corpo e levar
uma existência independente do corpo sem perecer. Se todos
os processos na alma não passarem de diferentes aspectos de
processos corporais, os quais por sua vez são inteiramente
governados pelas leis da física, então quando o corpo morre, a
alma deixa de existir. Se a alma for necessariamente vinculada
ao corpo, então o passado Big Bang e a futura morte do calor
(ou Big Crunch) eliminam a possibilidade da existência de
consciência num passado ou num futuro distantes. Tal ponto
de vista não deixa lugar para Deus como um Espírito, e é
essencialmente ateísta. Assim, Zanstra opta por dualismo com
interação: corpo e alma são entidades separadas, se influenci­
ando mutuamente, mas ainda mantendo certo grau de inde­
pendência. Sua visão sobrenatural do mundo inclui espíritos
conscientes, onde a consciência já existia antes que o universo
físico tivesse começado, e continuará a existir quando o
universo físico for reduzido a pó e cinza.41
41 “Is Religión Refuted by Physics or Astronomy?”, Vistas in Astronomy, 1968,
10,pp.l-21.

224
Os Estranhos Deuses da Cosmologia Moderna

John Polkinghorne também postula a existência de outro


domínio, o qual ele chama de mundo “noético”. Em tal mundo
há entidades mentais, como, por exemplo, verdades matemá­
ticas, as quais não são ancoradas ao domínio material, e
também entidades espirituais, como anjos. Polkinghorne quer
fazer justiça à experiência que temos do fato de que “pela
nossa consciência biologicamente evoluída participamos de
um mundo de realidade que não veio à existência conosco ou
mesmo na origem do mundo físico no Big Bang, mas que
sempre existiu”. Tal mundo “noético” pode não ter fim,
porém não é um mundo eterno, incriado. Ele não existe para­
lelamente com Deus, ou em igualdade com Deus, mas
depende de Deus. Deus, propriamente, não faz parte desse
mundo “noético”; Ele está acima do mundo de Sua criação.42

Conclusões

Em resumo, é evidente que a cosmologia moderna não


consegue facilmente acomodar dois dos mais essenciais
ingredientes da verdadeira religião: um Deus sobrenatural e
a imortalidade subjetiva. Claramente, para preservar estas
características fundamentais deve existir uma realidade mais
rica além do espaço físico tridimensional. Deve haver um
mundo espiritual onde Deus e a alma possam existir. Tal
mundo transcendente está além do escrutínio de cientistas.
Assim, finalmente, aqueles que desejarem manter o
básico da verdadeira religião devem reconhecer a inadequação
ou incoerência do quadro descrito pela cosmologia moderna,
não apenas no tocante ao futuro, mas também em relação à
presente estrutura do universo.

42Science and Creation, London: SPCK, 1988, p.76.

225
7
A Bíblia sobre Cosmologia
O que diz a Bíblia a respeito do assunto de cosmologia?
Neste capítulo examinaremos o ensinamento bíblico sobre
Deus e Sua criação, e como um se relaciona com o outro.
Várias questões específicas relacionadas diretamente à
cosmologia serão de particular interesse. Finalizaremos com
uma abordagem da cosmologia Big Bang vista sob o prisma
das Escrituras.

O Ser e a Natureza de Deus

Primeiro vamos sumariar o ensinamento bíblico a


respeito do Ser de Deus, particularmente no que concerne
à Sua criação, Deus não é um conceito abstrato ou um poder
impessoal, mas um Ser vivo e pessoal que possui natureza e
caráter definidos.

Deus como Trindade


O Deus bíblico é um Deus triuno. Há somente um Deus,
porém existem três Pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito
Santo. As Pessoas da Trindade são às vezes distinguidas por
Suas diferentes funções. Assim, a criação é frequentemente
atribuída ao Pai, a redenção ao Filho, e a santificação ao Espí­
rito Santo (ver Efésios 1:3-14). Contudo, existe uma unidade
fundamental pela qual todos os três participam na atividade
de qualquer um. Por exemplo, a criação é também dita ser
obra do Filho {João 1:3) e do Espírito Santo {Isaías 40:12-13).

226
A Biblia sobre Cosmologia

Deus é Espírito
A Bíblia nos diz que “Deus é Espírito” (João 4:24). Isso
significa, primeiro, que Deus não depende da matéria: “um
espírito não tem carne nem ossos” (Lucas 24:39). Deus tem
uma natureza substancial toda própria, e distinta do mundo
físico. Ele é imaterial. Ele é também invisível aos sentidos
corporais: “O Deus invisível” (Colossenses 1:15). A idéia de
espírito inclui também o fato de que Ele é vivo: “O Deus
vivo” (ÀfízfôMS 11:16) e de que Ele é uma pessoa, um Ser
autoconsciente e autodeterminante: “Eu sou o que Sou”
(Êxodo 3:14; ver também Romanos 9:11).

Deus é Infinito
A infinitude de Deus refere-se a ausência de vínculos que
o prendam: Ele é livre de todas as limitações. Ele de nenhum
modo é limitado ou confinado ao universo. Deus é absoluta­
mente perfeito, sem defeitos: “sede vós pois perfeitos, como
perfeito é o vosso Pai que está nos céus” (Àfufôus 5:48). Sua
grandeza não conhece limites: “Sua grandeza é inescrutável”
(Salmos 145:3). Deus é também perfeitamente sábio, verda­
deiro, bom, santo e justo.
A infinitude de Deus é, além disso, manifesta em Sua
eternidade, a qual não é presa ao tempo: “de eternidade a eter­
nidade, tu és Deus” (Salmos 145:3); e Sua imensidão, a qual
não tem limitação espacial.

Deus é Onipresente
A Bíblia retrata Deus como onipresente. Ele transcende
todas as limitações espaciais e ainda assim é presente em cada
ponto do espaço: “Ainda que não está longe de cada um de
nós; porque nEle vivemos e nos movemos, e existimos” (Atos
17:27-28). Ou “Esconder-se-ia alguém em esconderijo, de
modo que eu não o veja?”, diz o Senhor. Porventura não
encho eu os céus e a terra? (Jeremias 23:24).

227
Deus e Cosmos

Mesmo assim, embora Deus esteja presente em todos os


lugares, Ele não Se manifesta a Si mesmo em todo lugar da
mesma maneira. Há numerosas referências bíblicas a Deus
habitando particularmente num lugar especial: “Num alto e
santo lugar habito” (Isaías 57:15). Além disso, o lugar de
particular manifestação de Deus não é fixado no tempo;
movimento é freqüentemente atribuído a Deus: e o Espírito
de Deus se movia sobre a face das águas (Gênesis 1:2). “Deus
passeava no jardim pela viração do dia” (Gênesis 3:8), o Senhor
vem até Abraão (Gênesis 3:18), o Senhor vai adiante de Israel
numa coluna de nuvens (Êxodo 13:21), o Senhor desce ao monte
Sinai (Êxodo 19:20), Moisés vê passar o Senhor (Êxodo, capítu­
lo 33). Na encarnação Cristo desce, do lugar de Deus, ao lugar
do homem, assumindo a natureza humana; em Sua ascensão o
corpo humano e ressurreto de Cristo vai do lugar do homem
para o céu - para um lugar específico - onde Ele agora está à
direita de Deus (Romanos 8:34).
Deus não é uma abstração fora do tempo e do espaço, e
sim, em vez disso, é um Deus vivo e pessoal, o qual trans­
cende o universo por Ele criado.

Deus é Onisciente
O conhecimento de Deus é completo e perfeito. “Deus...
conhece todas as coisas” (ljoão 3:20). Isso inclui todos os even­
tos: “Os olhos do Senhor estão em todo lugar, contemplando
os maus e os bons.” (Provérbios 15:3). Isso cobre também o
conteúdo de nossas mentes e corações: “O Senhor conhece os
pensamentos do homem” (Salmos 94:11); “O Senhor olha para
o coração” (1 Samuel 16:7); “Porque esquadrinha o Senhor
todos os corações, e entende todas as imaginações do pensa­
mento” (1 Crônicas 28:9).
O conhecimento de Deus inclui todo o futuro: “Eis que
as primeiras coisas passaram, e novas coisas eu vos anuncio, e
antes que venham à luz vo-las faço ouvir” (Isaías 42:9); “Que

228
A Bíblia sobre Cosmologia

anuncio o fim desde o principio, e desde a antigüidade as


coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho
será firme, e farei toda a minha vontade” (Isaías 46:10).

Deus é Onipotente
Na Bíblia fica abundantemente declarado que Deus é todo-
-poderoso: “Tudo o que o Senhor quis, Ele o fez, nos céus e na
terra” (Salmos 135:6); “A Deus tudo é possível” (Mateus 19:26);
“O Senhor Deus todo-poderoso reina” (Apocalipse 19:6). Nada
acontece por acaso: “A sorte se lança no regaço, mas do Senhor
procede toda a sua disposição” (Provérbios 16:33).
O Senhor é um Deus de ordem, não de confusão (1
Corintios 14:33). Ele tem estabelecido limites e ordenanças
para Suas criaturas (Jó 38:41; Jeremias 33:25). Deus, em Seu
infinito poder e sabedoria decretou que certas regularidades
sejam mantidas. Ele tem estabelecido uma estrutura de leis
para Sua criação. E esta atividade regular e sustentadora de
Deus em Sua criação que torna possível a ciência. No caos não
pode haver ciência; e somente um universo que obedece a
padrões regulares pode ser observado, discernido e usado como
base para previsões.
Contudo, Deus não limita Suas ações a regularidades:
Ele também realiza milagres. Eles não devem ser vistos
como intervenção divina num mundo que doutra forma
seguiria seu próprio curso, pois Deus continuamente sus­
tenta Sua criação. Em vez disso, leis e milagres devem ser
consideradas como manifestações regulares e irregulares da
vontade de Deus. O principal propósito dos milagres é
demonstrar o poder onipotente de Deus: “a ti te foi mostrado,
para que soubesses que o Senhor é Deus; nenhum outro
há senão Ele” (Deuteronômio 24:35). Milagres não são realiza­
dos somente por Deus, diretamente, mas também através dos
profetas (por exemplo, Elias e Eliseu) e os discípulos de
Cristo; bem como por anjos (João 5:4; Atos 5:19) e espíritos

229
Deus e Cosmos

demoníacos (2 Tessalonicenses 2:9; Apocalipse 16:14).


Assim, em nosso estudo de cosmologia devemos ter em
mente que o universo físico não é um sistema fechado de pura
relação física de causa e efeito, mas sim onde também operam
forças sobrenaturais.

A Doutrina da Criação

A doutrina bíblica da criação é sumariada com aptidão na


Confissão Belga (1561):

Cremos que o Pai, através do Verbo, isto é, através de Seu


Filho, criou, do nada, céus e terra e todas as criaturas, quando
Lhe pareceu bem fazê-lo, e que Ele deu a cada criatura o seu
próprio ser, aspecto, forma, e a cada uma seu papel e função
específicos, para servir a Seu Criador. Cremos também que Ele
continua a sustentar e governar Sua criação de acordo com Sua
eterna providência e por Seu infinito poder de modo a servir o
homem, com o fim de que o homem possa servir a seu Deus. Ele
também criou bons os anjos, para serem Seus mensageiros e para
servir os eleitos (Artigo 12).

Ressaltamos os seguintes pontos:

Todas as coisas foram criadas por Deus


A Bíblia afirma que Deus é o Criador de todas as coisas
no céu e na terra: “No princípio criou Deus os céus e a terra”
(Gênesis 1:1). Embora a criação seja derivada de Deus o Pai,
ela aconteceu através de Cristo, por Quem “foram criadas to­
das as coisas... nos céus e na terra... visíveis e invisíveis... todas
as coisas foram criadas por Ele e para Ele, e Ele é antes de
todas as coisas, e todas as coisas subsistem por Ele” (Colossenses
1:16-17).

230
A Bíblia sobre Cosmologia

A Criação é um ato livre do Deus transcendente


Deus é o Deus transcendente. Ele está “acima de todos” e
“sobre todos” (Romanos 9:5), independente de Sua criação, auto-
-existente e auto-suficiente. Ele é distinto de Sua criação. Deus
não deve ser identificado com o universo físico ou qualquer
porção dele. Assim o homem é reprovado por “servir mais à
criatura do que ao Criador” (Romanos 1:25), e é ordenado a
não adorar nenhuma imagem de escultura (Exodo 20:4). A
criação deve ser entendida não como um ato necessário, mas
como um ato livre de Deus, da Sua soberana vontade (ver
Efésios 1:11, Apocalipse 4:11). Ele não tinha necessidade de
criar o universo (ver Atos 17:25), porém livremente escolheu
fazê-lo.

O mundo está sempre em dependência de Deus


Deus não é apenas transcendente, mas também imanente-,
Ele é “sobre todos e por todos e em todos” (Efésios 4:6). Embo­
ra distinto de Sua criação, Ele está também presente nela.
“Todas as coisas subsistem por Ele” (Colossenses 1:17) e “...nele
vivemos, e nos movemos, e existimos” (Atos 17:28).
Deus não é apenas o Criador, o originador do universo,
Ele também é a causa de sua contínua existência: “susten­
tando todas as coisas pela palavra do seu poder” (Hebreus 1 ;3).
O universo está em todo o tempo inteiramente dependente do
poder sustentador de Deus. Sem a contínua Palavra
sustentadora de Deus o universo instantaneamente deixaria
de existir.

O Propósito do Universo
Deus fez todas as coisas para serviço do homem, para que
o homem, por sua vez, pudesse usá-las para servir a Deus. O
homem é o centro da criação; a ele foi dado domínio sobre ela
(Gênesis 1:28). Contudo o homem deve exercer tal domínio
como mordomo, servindo e glorificando a Deus. O propósito

231
Deus e Cosmos

final da obra criadora realizada por Deus é revelar Sua glória:


“e os criei para minha glória” (Isaías 43:7).

Criação a partir do nada


A formulação explícita de creatio ex nihilo (latim para “cri­
ação a partir do nada”) nasceu bem cedo na Igreja como reação
à crença de que a matéria sempre existiu. Esse desafio surgiu
em duas formas: dualismo e panteísmo. Os dualistas sustenta­
vam que Deus criou o universo a partir de material preexistente.
Haveria portanto duas entidades fundamentais: o mundo e
Deus. O panteísmo, por sua vez, identificava Deus com o
mundo, assim negando ao mundo qualquer realidade
distinta.
Em oposição a tais pontos de vista, o ensinamento cristão
tradicional é que o universo foi criado a partir do nada; isto é,
sem o uso de alguma matéria preexistente.
A explícita expressão “criar a partir do nada” não é
encontrada nas Escrituras, mas é encontrada nos Apócrifos
(2 Macabeus 7:28). No entanto, tal ensinamento parece ser
confirmado pela Bíblia. “No princípio criou Deus os céus e a
terra” (Gênesis 1:1) implica que o universo físico teve um
começo no tempo, sendo criado por Deus. Outro texto frequen­
temente citado sobre criação ex nihilo é Hebreus, capítulo 11,
versículo 3: “Pela fé entendemos que os mundos pela Palavra
de Deus foram criados; de maneira que aquilo que se vê não
foi feito do que é aparente.” Também “porque tu criaste todas
as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Apocalipse
4:11). Nada existiria se não fosse pela vontade de Deus. Deus
simplesmente falou, e as coisas vieram a existir: “Porque fa­
lou, e tudo se fez” (Salmos 33:9).
A doutrina de criatio ex nihilo é mais do que uma simples
declaração da dependência do universo em Deus para sua exis­
tência: ela enfatiza que o universo, em algum ponto do tempo,
foi criado a partir do nada.

232
A Bíblia sobre Cosmologia

Criação contínua
Em tempos mais recentes muitos teólogos têm trocado
creatio ex nihilo por creatio continua (latim para “criação contí­
nua”). Assim, por exemplo, Barbour afirma que criatio ex nihilo,
particularmente se associada com um começo absoluto, é
um conceito não bíblico.1 Ele sustenta que a idéia de criação
“no começo” nasceu de idéias como o pacto e a providência.
Além disso, enquanto a criação ex nihilo possa se encaixar no
universo estático da cosmologia medieval, o universo moder­
no é dinâmico e evolui. Está ainda incompleto, e em processo
de criação. A vinda à existência da vida a partir da matéria é
vista por Barbour como tão representativa da criação divina
como a produção primária de matéria a partir do nada. Barbour
combina criação contínua com providência e minimiza creatio
ex nihilo. Ted Peters, também, embora defenda criatio ex nihilo,
em oposição a Barbour, concorda com a importância de criatio
continua. De acordo com Peters, a obra criativa de Deus ainda
não está completa: “Nós hoje nos achamos ainda em algum
ponto dentro dos seis primeiros dias”.12
Ora, devemos afirmar, é claro, que Deus sustenta conti­
nuamente o universo. Se assim não fosse, o universo deixaria
de existir. Mas a Bíblia fala claramente da criação como sendo
um evento passado. No final do sexto dia, “Viu Deus tudo
quanto tinha feito, e eis que era muito bom” (Gênesis 1:31).
Foi após estar completada a criação que a queda do homem
ocorreu, com a resultante maldição sobre a criação. Noutro
lugar, igualmente, os seis dias são também referidos como um
evento passado-. “Em seis dias fez o Senhor o céus e a terra, e
ao sétimo dia descansou, e restaurou-se” (Êxodo 31:17).
Assim, criatio continua, com sua noção de que o universo está
ainda em evolução para cima, carece de apoio bíblico.
1 Ian G. Barbour, Issues in Science and Religión, New York: Harper, 1971,
p.384.
2 Ted Peters (ed.), Cosmos as Creation, Nashville, Abingdon Press, 1989, p. 96.

233
Deus e Cosmos

A História do Universo

Eventos da Criação
A Bíblia ensina que Deus, em seis dias, criou o cosmos a
partir do nada. Vamos fazer um breve resumo da obra realiza­
da nos primeiros quatro dias, na medida que se relaciona com
cosmologia.
PRIMEIRO DIA
“No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem
forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito
de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: haja luz.
E houve luz. E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separa­
ção entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz Dia; e as trevas
chamou Noite. E foi a tarde e a manhã o dia primeiro” (Gênesis
1:1-5).

“No princípio Deus criou os céus e a terra”. A terra na sua


origem era escura, sem estrutura, caos, em forma líquida na
maior parte. Como mencionado por Jordan, nada parecido com
isso é dito a respeito do céu,3 e o resto da Bíblia indica que o
céu era estruturado, cheio, e brilhante desde o começo.
A criação da luz foi a primeira das três separações neces­
sárias para mudar o caos em cosmos. Isso marcou o começo da
sucessão contínua de dias. Note que “dia” aqui é explicitamente
definido como um período de luz.
O “abismo” ou águas tinham uma “face”, ou superfície,
implicando que o universo físico inicial consistia de um
delimitado e finito volume de matéria implantado dentro de
um espaço maior.
Como o sol e outros corpos celestes não haviam sido
ainda criados até o quarto dia, alguém poderia perguntar que

3 James B. Jordan, Creation in SixDays: A Defense ofthe Traditional Reading


ofGenesis, Moscow, Idaho: Canon Press, 1999, p.174.

234
A Bíblia sobre Cosmologia

fonte de luz seria aquela. Não há informação sobre isso.


Talvez Deus tenha criado fotons de luz diretamente. Douglas
F. Kelly e Henry Morris sugerem que a fonte de luz anterior à
criação do sol pode muito bem ter emanado da presença
teofânica do próprio Deus.4 Numa linha semelhante de
pensamento, Russell Humphreys sugere que o Espírito de
Deus, movendo sobre a superfície das águas, Ele próprio,
tornou-Se uma fonte de luz para a superfície, de modo muito
semelhante ao que acontecerá no futuro, quando Ele será a
fonte de luz (Apocalipse 21:23; 22:5).5 Isso dá à superfície
do abismo um lado brilhante e um lado escuro, com o movi­
mento da fonte de luz trazendo a resultante sucessão de dias
e noites.
SEGUNDO DIA
“E disse Deus: haja uma expansão no meio das águas, e haja
separação entre águas e águas. E fez Deus a expansão, e fez
Deus separação entre as águas que estavam debaixo da expan­
são e as águas que estavam sobre a expansão: e assim foi. E
chamou Deus a expansão Céus, e foi a tarde e a manhã o dia
segundo” (Gênesis 1:6-8).

Aqui temos uma segunda separação, desta vez uma sepa­


ração espacial. O firmamento, chamado céus, é criado para
separar as águas em duas camadas distintas, acima e abaixo
do firmamento. O firmamento é geralmente tomado como
incluindo a atmosfera que envolve a terra, bem como as outras
partes do céu onde se encontram o sol e as estrelas.
Mas, o que fazer com as águas acima do firmamento?
Este assunto tem sido fonte de muita especulação. Muitos
comentaristas, inclusive João Calvino, consideram essas águas

4 Kelly, Creation and Change, Tain, Ross-shire: Mentor, 1997, p. 204; Morris,
The Remarkáble Birth ofPlanetEarth, Minneapolis: Dimension Books, 1972.
5 Starlight and Time, Colorado Springs: Master Books, 1994, p.76.

235
Deus e Cosmos

como sendo simplesmente nuvens na atmosfera. Por outro lado,


outros, como Bouw6 e Humphreys7, sustentam que, como o
sol e as estrelas são posteriormente colocados no firmamento,
as águas acima do firmamento devem estar além das estrelas.
Ambos os autores descrevem o universo como uma enorme
esfera, com seu centro em na terra ou próximo a ela, circunda­
da por uma fina camada de água. Sejam quais forem as
dificuldades que tal camada aquosa apresente para sua
explicação física, seu posicionamento para além do horizonte
observacional coloca o problema fora de vista.
Jordán argumenta que as águas acima do firmamento
estão no próprio céu, além das fronteiras remotas do
firmamento.8 Ele equipara tais águas com o mar de vidro,
cristal e gelo que é citado nas visões do céu como em Ezequiel
e no Apocalipse. Ele vê confirmação para isto no Salmo 104:2-
4, onde somos informados de que “Ele põe nas águas os viga­
mentos de suas câmaras”. O firmamento separa céus e terra
pela primeira vez, pondo o céu numa outra dimensão. Essa
barreira será removida num futuro remoto, quando céus e ter­
ra forem renovados, o mar não mais existir, e a nova Jerusalém
descer do céu (Apocalipse, capítulo 21).
TERCEIRO DIA
“E disse Deus, ajuntem-se as águas debaixo do céu num lu­
gar; e apareça a porção seca. E assim foi. E chamou Deus a
porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou Mares.
E viu Deus que era bom. E disse Deus: produza a terra erva
verde, erva que dê semente, árvore frutífera, que dê fruto segun­
do sua espécie, cuja semente esteja sobre a terra. E assim foi”
(Gênesis 1: 9-13).

6 Gerardus G. Bouw, Geoceniricity, Cleveland: Association for Biblical


Astronomy, 1992, p. 322.
7 Starlight and Time p.35.
8 Creation in Six Days, p. 180.

236
A Biblia sobre Cosmologia

A matéria criada no primeiro dia parece ter sido uma


fusão de águas e lama não diferenciadas.9 Humphreys sugere
que toda a matéria inicial era água, parte da qual foi transfor­
mada por Deus no segundo dia em vários elementos, por
Contudo, o texto de Gênesis não dá nenhuma
compactação.10 11
evidência de tal transformação ter acontecido. O terceiro dia
relaciona a separação de água e terra seca, porém nenhuma
menção é feita sobre criação de terra. Tanto a água quanto os
elementos da terra parecem ter sido criados no princípio, no
primeiro dia.

QUARTO DIA
“E disse Deus: haja luminares na expansão dos céus, para se­
paração entre o dia e a noite; e sejam para sinais e para tempos
determinados, e para dias e anos. E sejam para luminares na
expansão dos céus, para alumiar a terra, e assim foi. E fez Deus
os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia
e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas. E
Deus os pôs na expansão dos céus para alumiar a terra, e para
governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as
trevas. E viu Deus que era bom” (Gênesis 1:14-19).

Alguns comentadores afirmam que o sol e as estrelas já


haviam sido criados no primeiro dia, e que o quarto dia ape­
nas descreve a limpeza da atmosfera previamente opaca, de
modo que o sol e as estrelas tornaram-se visíveis a partir da
terra pela primeira vez.11 Todavia, como mencionado por Kelly,
tal interpretação contradiz o texto, que ensina claramente que
Deus, no quarto dia, criou os corpos celestes que não existiam
previamente.

9 Kelly, Creation and Change, p.82.


10 Starlight and Time, p. 79.
11 Por exemplo, Hugh Ross, The Genesis Question, Colorado Springs:
NavPress, 1998, p.44.

237
Deus e Cosmos

Quanto ao propósito desses corpos celestes, sua função


como luminares, como divisores entre dia e noite, e calcula­
dores de dias, anos e estações, parece muito óbvio: “O sol
para governar o dia... a lua e as estrelas para governar a noite”
(Salmos 136:8-9); “Deus designou a lua para as estações”
(Salmos 104:19).
Que dizer a respeito de suas funções como sinais? Kelly
considera que sinais incluem a função das estrelas como auxí­
lio à navegação e cartografia. A isso pode-se ainda adicionar
que “Os céus manifestam a glória de Deus, e o firmamento
anuncia as obras de suas mãos” (Salmos 19:1). Além disso, são
também sinais de que o Senhor fará o que prometeu:

‘E isto te será da parte do Senhor como sinal de que o Senhor


cumprirá esta palavra que falou: eis que farei que a sombra dos
degraus, que passou com o sol pelos graus do relógio de Acaz
volte dez graus atrás. Assim recuou o sol dez graus, pelos graus
que já tinha andado” (Isaías 38:7,8).

Há também sinais celestiais do vindouro dia do Senhor:

“E mostrarei prodígios no céu e na terra, sangue e fogo, e


colunas de fumo. O sol se converterá em trevas, e a lua em san­
gue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor” (Joel 2:
30-31).
‘E haverá sinais no sol, e na lua, e nas estrelas” (Lucas 21:25)
“Ora, naqueles dias, depois daquela aflição, o sol se escurecerá
e a lua não dará a sua luz. E as estrelas cairão do céu, e as forças
que estão nos céus serão abaladas” (Marcos 13:24-25).

A Queda e suas Conseqüências


Ao fim do sexto dia da criação, “E viu Deus tudo quanto
tinha feito, e eis que era muito bom” (Gênesis 1:31). No
entanto, pouco tempo depois o mal entrou no mundo. O
mal originou-se no céu, com o diabo - “o diabo peca desde o

238
A Bíblia sobre Cosmologia

princípio” {ljoão 3:8) - o qual apareceu na terra em forma de


serpente {Apocalipse 20:2), e tentou Adão e Eva a pecar {Gênesis,
capítulo 3). Como resultado da desobediência de Adão o
pecado entrou no mundo, e se espalhou por todos os homens.
Teria a Queda alguma implicação em cosmologia? A Bí­
blia não deixa claro até que ponto as estrelas foram afetadas
pela Queda, se é que foram afetadas. Por outro lado, Paulo
declara que “Sabemos que toda a criação geme e está junta­
mente com dores de parto até agora” {Romanos 8:22), e, no fim
dos tempos os corpos celestiais serão transformados. Outros-
sim, embora tenha Deus específicamente amaldiçoado a terra,
por causa do pecado de Adão, de modo que agora ela produz
espinhos e cardos {Gênesis 3:17-18), nenhuma menção especí­
fica é feita de qualquer mudança no sol, lua ou estrelas.
Alguns têm pensado que a segunda lei da termodinâmica
não estava em efeito antes da Queda. Por exemplo, Henry
Morris escreve:

A validade universal da segunda lei da termodinâmica é


demonstrada, mas ninguém sabe porque ela é verdadeira... Mas
a explicação bíblica é que está envolvida na maldição pronun­
ciada por Deus sobre o mundo e seu sistema como um todo, por
causa do pecado de Adão... Portanto, concluímos que a Bíblia
ensina que originalmente não havia desordem, não havia deca­
dência nem processo de envelhecimento, não havia sofrimento e,
acima de tudo, não havia morte no mundo quando a criação foi
completada. Tudo “era muito bom”.12

É difícil imaginar como seria o universo sem a segunda


lei da termodinâmica. Por exemplo, significaria então que não
haveria forças de atrito para desacelerar uma bola lançada ao
ar? Caso positivo, como então os pássaros poderiam voar? A

12 The TwilightofEvoluíion, Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1963.


p.37.

239
Deus e Cosmos

concretude das estrelas e galáxias sem dúvida seria muito


afetada, mas talvez isso seja de pequena importância, uma vez
que tais coisas foram criadas completas, o que já seria uma
violação das leis da termodinâmica, e a Queda ocorreu pouco
tempo depois (questão de dias?).
Contudo, não parece que a Queda tenha trazido uma
grande descontinuidade na natureza do universo e de suas
criaturas. As árvores continuaram produzindo frutos, pássa­
ros continuaram voando e se multiplicando, o homem
continua comendo frutas e conversando, e assim por diante.
Mesmo depois da Queda, era ainda possível para o homem
viver para sempre, não tivesse sido a ele negado acesso à
árvore da vida (Gênesis 3:22-24). Tudo isso sugere que, embora
a Queda tenha profundamente afetado o bem estar físico (e
espiritual, é claro) do homem, as leis básicas da física foram
provavelmente mantidas intactas.

Escatologia
Através da obra de Cristo - Sua encarnação, morte e
ressurreição - a salvação tornou-se possível ao homem. Deus,
através de Cristo, reconcilia conSigo mesmo todas as coisas,
tanto as que estão na terra como as que estão no céu (Colossenses
1:19-20). Ora, a criação ainda continua gemendo com dores de
parto, porém eventualmente ela será libertada da escravidão à
decadência (Romanos 8:19-20). Ao fim desta era Cristo virá
julgar todos os homens, e determinar o destino eterno de cada
um (Apocalipse 20:11 -15).
Os últimos dias serão marcados por dramáticos sinais
celestiais, envolvendo o sol, a lua e as estrelas, como mencio­
nado anteriormente. Depois disso o primeiro céu e a primeira
terra passarão, e haverá um novo céu e uma nova terra
(Apocalipse 21:1). “Porque eis que crio céus novos e terra nova;
e não haverá lembrança das coisas passadas, nem mais se re­
cordarão” (Isaías 65:17). Então a cidade santa, a nova Jerusa-

240
A Bíblia sobre Cosmologia

lém descerá do céu, e Deus habitará nela com Seu povo para
sempre (Apocalipse 21:2-3).
O apóstolo Pedro tem mais a dizer a respeito da destrui­
ção dos céus:

“Os céus passarão com grande estrondo, e os elementos arden­


do se desfarão, e a terra, e as obras que nela há, se queimarão”
(2 Pedro 3:10).

Isso parece se referir primariamente ao céu no sentido


de atmosfera. Wilbur M. Smith especula que o dissolver dos
elementos pode se referir à liberação de energia nuclear.13 Ele
crê que o terceiro céu, a habitação de Deus, não será afetada. O
velho céu e a velha terra passarão, ou serão transformadas
porque estão corrompidos pelo efeito do pecado, o que não
é verdade quanto à habitação de Deus. A terra, e os corpos
celestes em torno dela não serão aniquilados, mas apenas
renovadas a uma condição mais gloriosa.14

A Data da Criação
O que nos diz a Bíblia com respeito à idade do mundo?
Nos tempos mais recentes, esta tem sido uma questão bastante
contenciosa. Entretanto, não foi sempre assim. Até poucas
centenas de anos atrás a visão cristã praticamente universal era
a de que o mundo teria apenas alguns milênios de idade. Era
amplamente concordado que a Bíblia falava muito claro a esse
respeito: Gênesis, capítulo 1, fala de uma criação de seis dias,
com a luz sendo criada no primeiro dia, e objetos celestes no
quarto dia. As genealogias de Gênesis, capítulos 5 e 11, e outros
dados bíblicos, situam a criação de Adão no sexto dia em
mais ou menos 4.000 anos a.C.

13 The Biblical Doctrine ofHeaven, Chicago: Moody Press, 1968, p.229.


14 Ibid. p. 235.

241
Deus e Cosmos

Os dias da criação eram geralmente considerados como


dias comuns, tanto pela Igreja, como pelos Pais da Igreja
Primitiva, bem como depois, pelos Reformadores. Embora
textos como 2 Pedro 3:8 (“Um dia para o Senhor é como mil
anos”) tenham sido usados para fazer conexão entre os dias da
criação e longos períodos de tempo, isso foi aplicado não
referindo-se à semana da criação, e sim à história da humani­
dade: muitos pensavam que a totalidade da história seria igual
a seis mil anos.
Nas palavras de David Young, certamente um que não
apoia a idéia de uma terra jovem:

A despeito das muitas interpretações de Gênesis, capítulo 1,


que se apartam do rigidamente literal, não se pode negar que a
quase universal visão do mundo cristão até o século 18 era de
que a terra tinha apenas uns poucos mil anos de idade P

Tal consenso foi questionado pelas evidências geológicas


e astronômicas que eram vistas como exigindo uma idade
muito maior para a humanidade, a terra e as estrelas. Outras
interpretações de Gênesis foram então buscadas, que melhor
harmonizassem com a nova ciência. Primeiramente os dias
da criação foram reinterpretados como longos períodos de
tempo. Posteriormente, como mesmo isso foi considerado
insustentável, tornou-se popular a visão de que os dias da
criação eram meros artifícios literários para comunicar
verdades teológicas mais profundas.
Contudo, é digno de se notar que os proponentes da
posição literária freqüentemente reconheciam que, em ter­
reno puramente exegético, e excluindo a evidência científica,
a interpretação tradicional é superior. Ramm, Blocher, Van Till
e Young todos explícitamente declararam que sua rejeição da*

15 Christianity and the Age ofthe Earth, p.25.

242
A Bíblia sobre Cosmologia

leitura literal de Génesis é primariamente por causa da presu­


mida incompatibilidade com a ciência moderna.16 Assim, por
exemplo, Howard Van Till afirma que “os dias da história de
Gênesis, capítulo 1, são claramente dias comuns”,17 embora,
com base em evidências astronômicas, ele não pode mais
aceitar a interpretação tradicional de Gênesis.
Hoje em dia, os cálculos do arcebispo James Ussher (1581-
1656), que localiza a criação em 4004 a.C, são freqüentemente
escarnecidos. Até mesmo muitos cristãos consideram a crono­
logia bíblica um agudo embaraço.
Todavia, a natureza cronológica - e inteireza - das
genealogias de Gênesis eram reconhecidas por todos os Pais
da Igreja Primitiva, bem como pelos Reformadores protes­
tantes. Os teólogos Agostinho, Martinho Lutero, João Calvino
e Abraham Kuyper todos explícitamente afirmavam que o
mundo tinha menos que seis mil anos de idade. Assim foi
também com cientistas como Johannes Kepler e Isaac Newton.
A função cronológica de Gênesis foi questionada em 1863
por William Henry Green do Seminário Teológico de
Princeton.18 Green deixou claro que estava abandonando a
cronologia bíblica tradicional motivado pelo desejo de
harmonizar a Bíblia com as conclusões científicas relativas à
antiguidade do homem. Como conseqüência ele sugere que as
genealogias de Gênesis têm enormes lacunas, de modo que não
podemos datar os eventos de Gênesis, capítulos 1-11. Assim,

16 Bernard Ramm, The Christian View ofScience andScripture, Grand Rapids:


Eerdmans, 1954, p. 17; Henri Blocher,/w The Beginning, Downers Grove:
InterVarsity, 1984, p. 48; Howard Van Till, TheFourthDay, p. 76; Davis Young,
“Scripture in the hands of geologists”, p.295
17 TheFourthDay p. 91.
18 Um artigo de Green publicado nuBiblotheca Sacra, 1890,47, pp. 285-303,
faz referência a um artigo anterior datado de 1863. O artigo de 1890 foi
reimpresso como um apêndice em R. C. Newman e H. J. Eckelmann, Genesis
OneandtheAgeoftheEarth, Downers Grove: InterVarsity. 1977.

243
Deus e Cosmos

poderíamos evitar um choque com a ciência.


Contudo, quando lemos “E viveu Sete cento e cinco anos
e gerou a Enos. E viveu Sete depois que gerou a Enos, oitocen­
tos e sete anos; e gerou filhos e filhas” (Gênesis 5:6-7), parece
claro que temos um vínculo direto de pai para filho. Somando
assim todos os vínculos, é fácil calcular que 1656 anos se pas­
saram desde a criação de Adão até o dilúvio (Gênesis, capítulo
5), e mais 222 anos até Tera (Gênesis, capítulo 1). A sugestão
feita por Green de que o texto pode ser lido como “E viveu
Sete cento e cinco anos e se tornou um ancestral de Enos. E
viveu Sete depois que se tornou um ancestral de Enos, oitocen­
tos e sete anos”, parece muito artificial. Outros escritores têm
concluído que o argumento de Green para lacunas é espúrio, e
que evidências bíblicas favorecem o ponto de vista de que as
genealogias de Gênesis são completas.19
Eu não tenho intenção de entrar numa discussão detalha­
da sobre os aspectos exegéticos específicos das várias interpre­
tações de Gênesis. Para isso, seria melhor o leitor consultar obras
tais como o recente estudo de Douglas Kelly, anteriormente
mencionado.20 Dois pontos que eu gostaria de sublinhar são:
(1) Até recentemente a vasta maioria dos cristãos adotava
a interpretação literal tradicional de Gênesis.
(2) Aqueles que rejeitaram tal interpretação geralmente
foram levados a fazê-lo com base em considerações extra-
bíblicas. Como já argumentei no Capítulo 1, a rejeição da
interpretação preferencial das Escrituras é inconsistente com
a confissão de que a Bíblia é a inerrante e autoritativa Palavra
de Deus.
Concluindo, eu entendo que a evidência bíblica aponta

19 Ri hard Niessen, “A biblical approach to dating the earth: a case for use of
Genesis 5 and 11 as an exact chronology”, Creation Research Society Quarterly,
1982,79, pp. 60-66; C. G. Ozane, The First Seven Thousand Years: A Study in
Bible Chronology, New York: Exposition Press, 1970.
20 Creation and Change.

244
A Bíblia sobre Cosmologia

para uma criação do universo há aproximadamente seis mil


anos atrás. No próximo capítulo, quando estivermos investi­
gando os vários modelos cosmológicos criacionistas, exami­
narei a questão sobre se uma idade tão jovem para o universo
pode ser encaixada num modelo cosmológico viável.

O Mundo Espiritual

Deus não criou apenas o universo físico, mas também o


mundo espiritual. Nos anos recentes, relativamente pouco tem
sido escrito sobre o céu e o mundo espiritual. A ciência
moderna, particularmente a cosmologia, tem lançado dúvi­
das sobre a existência do céu. No entanto, a Bíblia fala
claramente sobre o mundo espiritual. Além disso, como o
mundo espiritual interage com o mundo físico, isso traz
profundas implicações para a cosmologia.

Anjos
O mundo celeste é o lugar de habitação não apenas de
Deus, que é Espírito (João 4:24), mas também dos anjos. A
função dos anjos é adorar a Deus (Apocalipse, capítulo 4),
executar a vontade de Deus (Salmos 103:20), e ministrar aos
crentes (Hebreus 1:14).
Os anjos não existiram sempre, porém foram criados:
“Louvai-o, todos os seus anjos... pois mandou e foram cria­
dos” (Salmos 148:2,5). Aparentemente sua criação se deu antes
que a terra fosse feita - “Onde estavas tu quando Eu fundava
a terra?... Quando as estrelas da alva juntas alegremente
cantavam, e todos os filhos de Deus rejubilavam” (Jó 38:4,7)?
- mas dentro da semana da criação (Gênesis 1:1; 2:1).
Esses seres espirituais são normalmente invisíveis, “Pois
um espírito não tem carne nem ossos” (Lucas 24:39). Anjos
são parte da criação invisível mencionada em Colossenses 1:16.
Contudo, Deus, algumas vezes, abre nossos olhos para que

245
Deus e Cosmos

possamos vê-los, como no caso de Eliseu e seu servo (2 Reis


6:16). Noutras ocasiões eles tomam forma corporal (Gênesis,
capítulo 19; Juízes, capítulo 13, Lucas, capítulo 1). Os anjos
podem se comunicar com Deus (Jó 1:6), com o homem e
entre eles mesmos (Apocalipse 7:12). A atividade dos anjos
pode ter efeito físico, tal como a matança dos assírios (2 Reis
19:35) e a cegueira dos sodomitas (Gênesis 19:11).
Os anjos foram originalmente criados santos e possuíam
livre arbítrio. Alguns, sob liderança de satanás se rebelaram
contra Deus (Apocalipse 12:7-10). Satanás foi derrotado pela
vida, morte e ressurreição de Cristo, mas sua derrota só será
completada no fim dos tempos. Enquanto isso não se dá, satanás
e suas forças espirituais continuam a tentar os crentes e lutar
contra os planos de Deus.

Céu
Na Bíblia a palavra “céu” tem vários significados. O
primeiro céu é a atmosfera, e não há dúvida quanto a isso
em passagens como Gênesis 7:11 e 7:14. O segundo céu se
refere ao espaço celestial, onde estão os planetas, as estrelas e
as galáxias.
Depois, há o terceiro céu, aonde o apóstolo Paulo foi
arrebatado (2 Coríntios 12:2) e o qual ele também chamou de
“paraíso”. Este é o lugar da habitação de Deus (Salmos 11:4) e
de seus anjos (Marcos 13:32). É também o destino final de
todos os crentes, que esperam ter no futuro “uma herança
incorruptível, incontaminável, e que não pode murchar,
guardada no céu para vós” (1 Pedro 1:4). Os redimidos serão
ressuscitados com corpo espiritual, em vez de corpo físico
(1 Coríntios 15:44). Esse corpo espiritual terá as qualidades de
incorruptibilidade, glória, poder e imortalidade (1 Coríntios
15:42-44). Nossos corpos ressurretos serão como o de Cristo
(Filipenses 3:21). O Cristo ressuscitado tinha um corpo em certo
sentido semelhante ao nosso corpo físico, contudo, bem

246
A Bíblia sobre Cosmologia

diferente em outro sentido. Ele podia ser visto e tocado, Ele


podia comer alimentos, e no entanto Ele também podia
aparecer e desaparecer instantaneamente. O Cristo ressus­
citado Se fez conforme o mundo físico quando assim o quis, à
maneira de outros seres espirituais, como os anjos. O corpo
espiritual é portanto superior ao corpo físico, podendo
incluí-lo, mas sendo-lhe transcendente.
O que acontece entre a morte e a ressurreição? Onde resi­
de a alma? A posição do cristianismo tradicional é que a alma
imediatamente retorna para Deus (ver, por exemplo, Eclesiastes
12:7,Lucas 23:43,Atos 7:59). As almas dos justos são recebidas
no céu, onde eles vêem a face de Deus e aguardam a completa
redenção de seus corpos; as almas dos perversos são lançadas
no inferno, para lá aguardar o dia do julgamento. Uma deta­
lhada defesa da visão tradicional da existência incorpórea da
alma desde a morte até a ressurreição foi elaborada por John
Cooper em seu livro Body, Soul, and Life Everlasting.21

Céu e Espaço
Como é o lugar de Deus relacionado com o lugar do
homem? A Bíblia deixa muito claro que os mundos físico e
espiritual não são isolados entre si, mas, em vez disso, são
estreitamente relacionados.
O mundo espiritual não é uma mera abstração, mas
possui um aspecto espacial concreto. A descrição física sugere
que o céu espiritual é um universo paralelo ao universo físico.
Embora o céu seja normalmente invisível ao homem, ele
às vezes é aberto (ver, por exemplo, Ezequiel 1:1, Marcos 1:10,
2 Reis 6:17) de modo que o homem possa ter uma breve idéia
das coisas celestiais. “E vereis o céu aberto, e os anjos de Deus
subirem e descerem sobre o Filho do homem” (João 1:51).
Nós somos informados de que Miguel e seus anjos luta-

21 Grand Rapids: Eerdmans, 1989.

247
Deus e Cosmos

vam no céu contra satanás e seus anjos, tendo este sido derro­
tado, “nem mais o seu lugar se achou nos céus” {Apocalipse
12:7,8). Anjos, tanto como espíritos, ocupam um lugar no céu
e podem ser deslocados. Cristo subiu de Jerusalém para o céu,
onde foi recebido, e agora assenta-se à mão direita de Deus, e
do mesmo modo que foi Ele voltará. A visão celestial de João
descreve Deus sentado num trono, cercado de anjos, anciãos e
santos. De novo, nos é dado uma visão espacial. Apocalipse,
capítulo 21, nos fala da Nova Jerusalém descendo do céu de
Deus à terra: no futuro céu, o lugar de Deus e o lugar do
homem serão unicamente um. A nova Jerusalém é vista não
como uma cidade terrena transformada, mas como uma que
se origina no céu e é suspensa sobre a terra. Como tal, ela não
parece ser não-espacial, e sim, swper-espacial, transcendendo
nosso espaço físico tridimensional.
A luz destas considerações, muitos autores têm especu­
lado que talvez os mundos físico e espiritual devam ser
considerados como sendo, em certo sentido, partes de um mais
elevado espaço multidimensional. Esta idéia será melhor
investigada no próximo capítulo.

Céu e Tempo
O céu não é um lugar onde tempo não existe. Eventos
ali acontecem numa sequência no tempo: há o “antes” e o
“depois”. Anjos são criados, alguns se rebelam e são depois
expulsos; em certo tempo, anjos se apresentam diante de Deus
{Jó 2:1). Cristo em Seu corpo humano, embora ressurreto, e as
almas daqueles que partiram entram no céu; no céu há atos
temporais tais como oração, fala, cântico, dedilhar de harpas
{Apocalipse 5:8-12), e até mesmo meia hora de silêncio
{Apocalipse 8:1). De fato, o tempo terrestre e o tempo celeste
parecem estar em estreita correlação: eles parecem estar
ambos sincronizados pelo mesmo relógio divino. Okke Jager,
num estudo extensivo sobre tempo e eternidade conclui que,

248
A Bíblia sobre Cosmologia

na Bíblia, o tempo terrestre, o tempo do céu e o tempo do


inferno são todos o mesmo tempo.22
E quanto ao tempo no futuro céu quando os redimidos
entram na eternidade de Deus? Parece que esse futuro é eter­
no no sentido de que não tem fim, ou durará para sempre, e
não que seja intemporal. Isso se mostra evidente na descrição
da nova Jerusalém:

“E mostrou-me o rio puro da água da vida, claro como cristal,


que procedia do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da sua
praça, e de uma e outra banda do rio, estava a árvore da vida que
produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês. E as folhas
da árvore são para a saúde das nações. E ali nunca mais haverá
maldição contra alguém; e nela estará o trono de Deus e do
Cordeiro, e os seus servos o servirão. E verão o Seu rosto, e nas
suas testas estará o Seu nome. E ali não haverá mais noite, e não
necessitarão de lâmpada nem de luz do sol, porque o Senhor
Deus os alumia, e reinarão para todo o sempre”. (Apocalipse
22:1-5).
A água que flui, o ato de reinar (para sempre!), os frutos
amadurecendo a cada mês, tudo isso aponta para atos dentro
do tempo. Mesmo havendo claramente muito simbolismo no
Apocalipse, não há em nenhum lugar qualquer sugestão que
indique que nossa eternidade futura será intemporal, mas sim
que não terá fim.

Tempo e Eternidade
Como está a eternidade de Deus relacionada com o
tempo? Deveria esta ser relacionada com o tempo eterno
ou com a intemporalidade?
A questão do relacionamento entre tempo e eternidade
causa perplexidade. Como criaturas finitas e presas ao tempo

22 Het Eeuwige Leven: Met Name in Verband met de Verhouding van Tijd en
Eeuwigheid, Kampen: Kok, 1962, p. 511.

249
Deus e Cosmos

nós temos muita dificuldade de conceber o infinito e a


intemporalidade. Como podemos nós, seres humanos falíveis
como somos, nos atrevermos a descrever os atributos de Deus?
Devemos portanto ser cautelosos, evitar conjecturas inúteis
e considerar o que Deus tem nos revelado sobre Si mesmo
com respeito a tempo e eternidade.
A Bíblia nunca retrata Deus como uma abstração passiva
e intemporal. Pelo contrário, Ele sempre é mostrado como um
agente que opera na história. Deus é o Deus vivo (7 Timóteo
4:10), que atua no tempo. Além disso, Deus existe de eterni­
dade a eternidade, sem ter começo nem fim:

“Antes que os montes nascessem, ou que tu formasses a terra e


o mundo, sim, de eternidade a eternidade tu és Deus” (Salmos
90:2).
“Os teus anos nunca terão fim” (Salmos 102:27; compare
com Hebreus 1:12) .

Isso implica que o tempo em si mesmo se estende infini­


tamente adentro do passado e do futuro. A referência a “antes”
que a terra e o mundo fossem formados acarreta necessaria­
mente que o tempo existiu antes da criação das coisas físicas.
Portanto, a criação do mundo físico pode ser visto como um
ato temporal de Deus.
A Confissão Belga fala de Deus criando os céus e a terra
“quando lhe pareceu bem fazê-lo” (Artigo 12). Isso implica que
a criação não foi sem tempo, como alguns afirmam, mas
dentro de um tempo preexistente. Também, em discutindo as
duas naturezas de Cristo, a Confissão Belga (Artigo 19) contras­
ta a natureza humana de Cristo, a qual foi criada, e teve um
começo de dias, com a natureza divina de Cristo, a qual é sem
começo de dias ou fim de vida”. O pensamento subjacente é o
de eternidade sem limitações ou vínculos de temporalidade.
João Calvino (Instituías, I. XIV. 1) respondendo à

250
A Bíblia sobre Cosmologia

zombaria profana de que parecia estranho que não tivesse


ocorrido à Deus criar céu e terra mais cedo, em vez de per­
mitir que um infinito período de tempo passasse antes de
fazê-lo, apontou para a futilidade da especulação sobre coisas
que Deus propositadamente não nos revelou.
A eternidade de Deus envolve também Sua capacidade
de perceber simultaneamente todo o tempo. Ele conhece o
passado e o futuro tão perfeitamente quanto Ele conhece o
presente. Seu “presente” preenche todo o tempo. Nós, por
outro lado, experimentamos uma sucessão de eventos. Nosso
presente é, no máximo, uns poucos segundos; nosso passado
limitado é relembrado apenas de modo imperfeito; nosso
futuro ainda nos é desconhecido.
E mais, a Bíblia nos diz que Deus, embora ativo na
história, é imutável. Ele não muda em Seu Ser, perfeições,
propósitos e promessas. Se conhecimento, princípios morais,
volições, permanecem para sempre os mesmos.23 Isso é visto
em textos tais como:

“Porque eu o Senhor não mudo, por isso vós, ó filhos de Jacó,


não sois consumidos” (Malaquias 3:6/
“Mas tu és o mesmo, e os teus anos nunca terão fim” (Salmos
102:27).

Berkhof observa que a imutabilidade de Deus não implica


em imobilidade, pois Deus está sempre em ação. Pelo contrá­
rio, a imutabilidade divina significa que as interações de
Deus com a Sua criação são sempre consistentes com o Seu
mais perfeito caráter e sempre fiel às Suas misericordiosas
promessas.
Em resumo, a evidência bíblica favorece ao ponto de

23 Ver Louis Berkhof, Systematic Theology (Teologia Sistemática), Londres:


Banner of Truth, 1958 (Frequentemente reimpresso), pp. 58-59.

251
Deus e Cosmos

vista de que o tempo se estende infinitamente adentro do


passado e do futuro, de eternidade a eternidade. A eternidade
de Deus é supra temporal, abrangendo tempo irrestrito.
Também, a percepção e experiência que Deús tem do tempo
são muito diferentes das nossas. Ele tem completo conheci­
mento de todos os eventos do passado, do presente e do futuro,
que são para Ele como um todo integral. Finalmente, o agir
de Deus através dos tempos é sempre marcado pela imuta­
bilidade de Seu Ser e de Suas promessas.

Questões Cosmológicas Adicionais

Agora examinaremos algumas questões adicionais de


significância cosmológica bem como astronômica.

As Estrelas como Sinais


Teriam as estrelas a função de sinais em outros capacida­
des diferentes dos mencionados acima? Vários autores acham
que sim.

O Evangelho nas Estrelas


Muitos escritores têm afirmado que os agrupamentos de
estrelas em constelações retratam uma mensagem divina - a
história da salvação - escrita no firmamento.24 Eles notam que,
embora Adão tenha dado nome aos animais, foi o próprio
Deus quem nomeou as estrelas: “Conta o número das estrelas,
chama-as todas pelos seus nomes” (Salmos 147:4; ver também
Isaías 40:26). Eles crêem que tais nomes estejam ainda pre­
servados nas constelações, e a história que estas contam. Com

24 Ver J. A. Seiss, The Gospel in the Stars, 1882, rept. Grand Rapids: Kregel,
1972, and K. C. Fleming, God’s Voice in the Stars, Zodiac Signs and Gospel
Truth, Neptune, N. J.: Loizeau Brothers, 1981.

252
A Biblia sobre Cosmologia

relação à historia contada pelas estrelas, Fleming refere-se ao


Salmo 19:

“Os céus declaram a gloria de Deus, e o firmamento anuncia


as obras de suas mãos. Um dia faz declaração a outro dia, e uma
noite mostra sabedoria a outra noite. Não há linguagem nem
fala, onde não se ouça a sua voz. A sua linha se estende por toda
a terra, e as suas palavras até ao fim do mundo”.

O fato de ser a última parte desta passagem citada em


Romanos 10:18, com clara referência ao ensinamento de
Cristo, é interpretado por Fleming como significando que as
constelações apresentam a mensagem do evangelho.
Esta é uma tese bastante intrigante, mas seria uma tese
viável? Deveríamos crer que esta mensagem celestial comuni­
cando a queda do homem e a salvação já estaria reve-lada e
observada por Adão antes que sua queda acontecesse de fato?
Ou teria Deus rearranjado e renomeado as estrelas depois da
Queda? Nem uma nem outra das opiniões parece plausível.
Uma dificuldade subseqüente é que a forma ou padrão
em que as estrelas estão dispostas tem pouca semelhança com
as constelações correspondentes, mesmo quando considera­
mos os movimentos das estrelas e fazemos extrapolação até
ao tempo de Paulo ou Davi. Por exemplo, é evidente que a
constelação Ara (altar) não é facilmente discernível como
tendo a forma de um altar, nem as estrelas na constelação Virgo
(virgem) formam uma figura semelhante a uma mulher (ver
Figuras 7.1 e 7.2). Uma vez que as estrelas são designadas às
várias constelações, é possível fazermos associação, mas isso
requer uma explicação verbal junto com nossa observação
das estrelas. Surge então a questão de por que Deus, quem
colocou as estrelas no céu, não as teria arranjado de modo
mais óbvio, se o propósito era apresentar a mensagem do
evangelho?

253
Deus e Cosmos

Além disso, a necessidade de explicação verbal enfra­


quece as referências a Salmos 19 e Romanos, capítulo 10, feitas
acima.
E sabido que as figuras e nomes das constelações têm uma
história bem antiga, remontando pelo menos ao tempo dos
Sumérios e Acádios, os habitantes não semitas do vale do
Eufrates, antes dos Babilônios, antes de 2.000 a.C. O livro de
Jó, um dos mais antigos livros da Bíblia, parece se referir a
várias constelações:

Ou poderás tu ajuntar as delícias das sete estrelas, ou soltar os


atilhos de Orion? Ou produzir as constelações a seu tempo, e
guiar a Ursa com seus filhos? (Jó 38:31-32).

A palavra Mazzaroth (traduzida por Órion na versão ARC)


é por muitos considerada como uma referência aos sinais
zodíacos (as constelações existentes ao longo do percurso do
sol). Infelizmente, não há consenso quanto ao significado dos
antigos nomes das estrelas e constelações.
O astrônomo Michael Ovenden por dedução da posição
do pólo norte em antigas gravuras retratando as constelações,
remonta as origens das constelações a 2600 a.C. Embora não
seja cristão, ele conclui, com relação a uma parte das constela­
ções (ver Figuras 7.1 e 7. 2):

Vindo do navio (Argo) está Centauro, o homem-animal, sa­


crificando uma fera (Lupus) sobre um altar (Ara); nós vemos
também a serpente aquática (Hydra) com um corvo (Corvus)
comendo sua carne. Não há dúvida de que temos aqui, em ima­
ginação retratada nos céus, uma versão da história de Noé e o
Dilúvio. A figura é completada com a Via Láctea aparentemen­
te subindo do altar como fumaça. 25

25 M. W. Ovenden, “The Origin of the Constellations”, PhilosophicalJournal,


1966,3,pp. 1-18.

254
A Bíblia sobre Cosmologia

Embora pareça promissora, essa interpretação destas


constelações é bem diferente daquela proposta por Fleming,
que interpreta por exemplo, o Centauro como Cristo, o homem-
-Deus, Lupus como Cristo, a vítima sacrificada, e Ara como o
lago de fogo preparado para satanás.
Assim, embora os nomes das constelações sejam indu­
bitavelmente muito antigos, e muito provavelmente relacio­
nados com temas bíblicos, é evidente que seus significados
originais foram corrompidos. Sua mensagem original,
mesmo que fosse de origem divina, não seria facilmente
resgatada.

A Estrela de Belém
Alguém poderia perguntar: se Paulo refere-se a um tão
claro evangelho nas estrelas, porque outros escritores do tem­
po de Paulo não fizeram menção disso? Contudo, pode ser
que haja indicação adicional de que as constelações comuni­
cam uma mensagem mais profunda. Considere a história da
estrela de Belém. Quando os magos chegam a Jerusalém eles
perguntam: “Onde está aquele que é nascido rei dos judeus?
Porque vimos a sua estrela no oriente e viemos a adorá-lo”
(Mateus 2:2). Como poderiam eles saher que a estrela signi­
ficava o nascimento do rei dos judeus? Não há qualquer
evidência de que eles tivessem recebido revelação direta
sobre isso. Pelo contrário, parece que eles deduziram, pura­
mente através de sinais celestes, o nascimento de um novo e
importante rei judeu. Em tal caso, eles devem ter atribuído
significado a eventos celestes que tinham para eles pelo
menos algum grau de verdade.
Há muita especulação sobre a identidade da estrela de
Belém. As três explicações naturalistas mais populares são a
de que teria sido um cometa, uma supernova, ou a conjunção
dos planetas Júpiter e Saturno. Todavia, nenhuma destas
propostas faz justiça ao relatado comportamento da estrela:

255
Deus e Cosmos

Figura 7.1: Constelações do Hemisfério Norte.


Extraída da obra de Sir W. Peck, The Observer's Atlas of the
Heavens.

256
A Bíblia sobre Cosmologia

Figura 7.2: Constelações do Hemisfério Sul


Extraída da obra de Sir W. Peck, The Observer’s Atlas of the
Heavens.

257
Deus e cosmos

“E, tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela, que
tinham visto no oriente, ia adiante deles, até, chegando, se deteve
sobre o lugar onde estava o menino. E, vendo eles a estrela,
alegraram-se muito com grande alegria” (Mateus 2: 9-10).

Note o movimento peculiar da estrela durante a curta


jornada dos magos de Jerusalém até Belém: primeiro indo
adiante deles, depois se detendo sobre o lugar onde estava o
menino. O excessivamente grande regozijo dos magos quan­
do eles depois viram a estrela implica o comportamento não
usual da mesma, não somente pelo seu reaparecimento súbi­
to, mas também pelo seu alterado movimento. Claramente, se
a estrela estivesse guiando os magos ao longo de toda a jornada
do oriente até Jerusalém, eles não precisariam ter pedido
informação sobre onde encontrar o menino. Um tal compor­
tamento da estrela mostra que não se tratava de algum cometa,
supernova, ou combinação de planetas.
No entanto, embora sendo provavelmente sobrenatural, a
posição inicial da estrela entre as constelações deve ter tido
um grande significado. Mas, qual teria sido aquela posição?
Fleming pensa que deve ter sido uma nova estrela na conste­
lação de Coma, próxima a Virgo’, ele interpreta Coma como
significando “o filho desejado” de Virgo. De acordo com Colin
Humphreys26, em astrologia dos magos o planeta Saturno
representa o divino pai, Júpiter é seu filho, e a constelação de
Pisces (Peixes) era associada com Israel. Assim, a conjunção
de Saturno e Júpiter na constelação de Pisces no ano 7 a.C.
teria gerado a mensagem astrológica de que um messias-rei
nascería em Israel.
Por outro lado, Ernest Martin identifica a estrela de Belém
com Júpiter, o planeta rei, entrando na constelação de Leo
26 C. J. Humphreys, “The Star of Bethlehem - a Comet in 5 BC - and the
Date of the Birth of Christ”, Quarterly Journal of the Royal Astronomical
Society, 1991,32, pp. 389-407.

258
A Bíblia sobre Cosmologia

(Leão), associada na Bíblia com a tribo de Judá, da qual


nasceu Jesus, em 12 de agosto, do ano 3 a.C. Naquele tempo, o
sol, representando o pai supremo, estava posicionado próxi­
mo a Vénus, a mãe, a qual acabava de entrar na constelação
Virgo, a virgem.27
A preferência por Leo, o leão, é baseada na profecia
de Balaão “Uma estrela procederá de Jacó” {Números 24:17),
combinada com a bênção de Jacó “Judá é um leãozinho”
{Gênesis 49:9).
Claramente, muito disso não passa de pura conjectura.
Alguém pode imaginar que com certa criatividade casos
semelhantes a esses podem ser construídos para praticamente
qualquer constelação. Assim, enquanto reconhecendo que o
local inicial da aparição da estrela dentro das constelações sem
duvida comunicou algum significado, não podemos fazer mais
do que imaginar qual teria sido tal posição ou significado.

O Tamanho do Universo

Poderia o universo físico ser infinitamente grande? A


maioria dos teólogos cristãos é a favor de uma criação finita.
Muitos têm crido que somente Deus pode ser infinito, e que
qualquer teoria física que afirme que o universo é infinito em
tempo e espaço deve ser rejeitada no campo religioso. Norman
Geisler, por exemplo, argumenta que é impossível haver dois
seres infinitos, pois o infinito inclui o tudo, e não pode haver
dois “tudo”. Portanto só poderia haver um Ser infinito - Deus
- e todas as outras coisas seriam finitas. Ele crê que a finitude
é uma propriedade essencial da criação.28
Por outro lado, Don De Young conjectura que talvez haja
um número infinito de estrelas - “Que maneira excelente para
27 E. L. Martin, TheBirth of Chnst Recalculaled, Pasadena: Foundation for
Biblical Research, 1980.
28 Knowing the TruthAbout Creation, Ann Arbour: Servant Books, 1989, p.9.

259
Deus e Cosmos

o Criador mostrar Sua glória!”29


Em primeiro lugar, deixe-me esclarecer que eu não creio
que o argumento de Geisler seja convincente. Certamente,
devemos reconhecer que não pode haver outro Ser que seja
infinito no mesmo sentido em que a infinitude é atribuída a
Deus, com todas as conotações de perfeição, liberdade,
irrestringibilidade. Mas não me parece claro, contudo, que isso
necessariamente elimina a existência de entidades que incor­
porem uma limitada forma de infinitude. Por exemplo, se Deus
existe eternamente no tempo, então tanto Deus quanto o
tempo são infinitos, no sentido de não terem restrições tempo­
rais. Tal coisa não envolve contradições. Não poderia o mesmo
ser aplicado a Deus e espaço, de que Deus e espaço sejam
ambos ilimitados. Além disso, indo até ao ponto de que o
espaço espiritual de Deus transcende o espaço tridimensional
do homem, mesmo um universo tridimensional infinito
poderia ainda ser meramente um subespaço de um muito
mais amplo espaço multidimensional.
Haveria alguma indicação bíblica de que o nosso mundo
físico é infinito no espaço? Textos tais como “Como não se
pode contar o exército do céu, nem medir-se a areia do mar,
assim multiplicarei a descendência de Davi” (Jeremias 33:22),
embora referindo-se a “incontáveis estrelas”, claramente
significa apenas que “são em número muito grande”, grande
demais para que os homens possam contar, assim como a
areia do mar e a descendência de Davi são ambos finitos.
Textos bíblicos tais como “Conta o número das estrelas,
chamando-as a todas pelos seus nomes” (Salmos 147:4), pare­
cem apontar para um número finito. Pois, se assim não o
fosse, como poderia um número infinito de estrelas ter todas
elas os seus nomes? Além disso, o propósito das estrelas é

29 Astronomy and the Bible, Grand Rapids: Baker Book House, 1989, p.57.

260
A Bíblia sobre Cosmologia

alumiar a terra, e servir de sinais e de estações (Gênesis 1:14-


18). Isso sugere que, para cumprir tal mandato, estrela alguma
poderia estar infinitamente distante da terra.
Finalmente, como acima notamos, o fato do “abismo” em
Gênesis, capítulo 1, ter uma face ou superfície implica que,
pelo menos no primeiro dia, o universo material era finito,
contido dentro de um espaço maior. Presumivelmente a ma­
téria continuaria sendo finita e restrita depois da criação do
firmamento e separação das águas no segundo dia, embora isso
dependa de certo modo em como “o firmamento” é interpre­
tado, particularmente quando estrelas são postas no firmamento
no quarto dia.
No geral, eu concluo que as evidências bíblicas pendem
em favor de um universo físico finito, talvez imerso num
espaço infinito. E claro que, na prática, esta questão é larga­
mente acadêmica, pois, do ponto de vista observacional, nós
nunca poderemos distinguir entre um universo infinitamente
grande e um meramente maior do que a porção observável.

Um Universo Expandido?

De acordo com Humphreys, o firmamento se expandiu.


E para apoiar tal afirmação ele aponta numerosos textos que
falam do universo sendo extendido: Ele “extendeu os céus”
(Jeremias 10:12, ver tambémjó 9:8, Salmos 104:2, Isaías 40:22).
A expansão começou, diz Humphreys, no segundo dia,
quando o firmamento foi criado. O segundo dia é o único dia
em que Deus não comenta que era bom. Contudo, no sexto
dia, referindo-se a tudo quanto tinha feito, Deus declarou que
era “muito bom” (Gênesis 1:31). Humphreys sugere que
Deus não declarou o segundo dia como bom porque a
expansão ainda não havia sido completada; mas continuou
até, ou pouco antes de, o sexto dia.30
E bem plausível que ao fim do segundo dia o universo

261
Deus e Cosmos

material fosse maior do que havia sido no primeiro dia,


desde que então o firmamento havia sido acrescentado para
separar as águas que anteriormente estavam todas juntas.
Neste sentido pode-se dizer que o universo pode ter sido
expandido. Por outro lado, naquele tempo não havia ainda
objetos celestiais.
Teria havido expansão subseqüente após o segundo dia?
Como o sol e as estrelas não haviam sido ainda criados até o
quarto dia, somente aquela porção da expansão, do quarto ao
sexto dia seria cosmológicamente pertinente. O argumento
de Humphreys sobre a ausência do termo “muito bom” ao tér­
mino do segundo dia da criação é muito tênue. Além disso,
por que teria que ser usada a expressão “era muito bom” após
completar a expansão no sexto dia em vez da expressão “era
bom” do quarto dia, quando os objetos celestes no firmamento
são criados? Afinal, depois do quarto dia a narrativa da cria­
ção menciona apenas a criação de criaturas vivas terrestres.
As interpretações mais usuais sobre a expansão dos céus
são que isso se refere à sua criação inicial, no segundo dia, em
vez de expansão subseqüente. Qualquer proposta de expansão
após o segundo dia é pura especulação.

A Estrutura Referencial Bíblica

A estrutura referencial da Bíblia é claramente geocêntrica.


Eventos são referidos quanto à posições de astros em relação
à terra (ver Josué 10:12-14). A terra é considerada como fixa
também num sentido mais profundo; ela é dita estar em
repouso com relação ao lugar da habitação de Deus (ver Isaías
66:1), quem estabelece todos os absolutos. Esse é certamente o
caso quanto à vida futura, quando a nova Jerusalém descerá
do céu e o lugar da habitação de Deus, o tabernáculo de Deus,

30 Starlight and Time, p. 68.

262
A Bíblia sobre Cosmologia

estará com os homens {Apocalipse 21:1 -2).


Pode-se questionar se tal geocentricidade teria algum
significado científico. Como notamos em nossa discussão
sobre Galileu e a Igreja, somente o movimento relativo é
observável. Movimento absoluto é sem significado, a menos
que definamos o padrão com relação ao qual o movimento
“absoluto” deve ser mensurado. Não pode haver objeção quanto
a considerar-se a terra - ou o céu - como padrão absoluto de
repouso. Pode não ser, de um ponto de vista puramente
científico, a definição mais conveniente de padrão, porém
dificilmente poderia ser considerado falso. A escolha de um
padrão absoluto é questão puramente filosófica, ao invés de
científica. Assim sendo, ninguém poderá objetar quanto à
opção por uma estrutura geocêntrica, como usada na Bíblia.
Alguém pode preferir usar algum outro referencial que não o
geocêntrico, mas não pode por isso afirmar que a Bíblia esteja
errada.
A geocentricidade bíblica define a terra em repouso com
relação ao céu, o trono de Deus, o qual não é observável ao
homem (a menos que Deus escolha abrir nossos olhos). Como
tal, são óbvias as implicações teológicas, mas poucas, se é que
existem, as implicações físicas.
Seria o universo geocêntrico também no sentido de que a
terra está no centro geométrico do universo (ou próxima ao
centro)? A narrativa da criação em Gênesis, capítulo 1, localiza
a terra no centro, cercada pelas águas abaixo do firmamento, o
firmamento, e as águas acima deste. Humphreys31 especula que
durante a semana da criação a terra estava no ou próximo
do centro de um universo esférico. Contudo a Bíblia não
especifica uma forma geométrica para o universo. Nem
tampouco especifica que as estrelas estão dispostas em
simetria esférica em relação à terra.

31 Starlightand Time, p. 71.

263
Deus e Cosmos

Portanto devemos frisar que a geocentricidade bíblica


não necessariamente implica em que a terra esteja no centro
geométrico do sistema solar, ou da galáxia, ou do universo.
Nem tampouco tal geocentricidade implica em que a dinâ­
mica geocêntrica seria mais conveniente do que, digamos, a
dinâmica newtoniana ou a mecânica relativista.
Concluindo, parece-me que a geocentricidade bíblica não
tem necessária implicação direta, observacional ou científica.
Todavia ela aponta para além do mundo físico de nossas
observações, isto é, para uma realidade espiritual mais rica e
oculta do céu.

A Bíblia e o Big Bang

Muitos cristãos têm impetuosamente abraçado e apoiado


cosmologias Big Bang. Assim, por exemplo, o teólogo evan­
gélico Norman Geisler exclama “A teoria Big Bang é uma
maravilhosa harmonização com a narrativa da criação em
Gênesis 1:1,32 e o astrônomo Hugh Ross vai longe a ponto de
afirmar que a Bíblia “é o único texto religioso que ensina a
cosmologia em total acordo com as últimas descobertas
astrofísicas”.33 Fred Heeren, num tom semelhante, ecoa “A
Bíblia é a única fonte religiosa que, proveniente da antigüi-
dade, chega até nós e se ajusta no cenário da cosmologia
moderna”.34
Seriam tais alegações justificáveis? Deveria, e poderia, a
cosmologia Big Bang ser reconciliada com a Bíblia?
Num capítulo precedente já observamos vários pontos
fracos da cosmologia Big Bang, a subjetividade da teorização
cosmológica, e a possibilidade de construção de modelos
32 Journal ofEvangelical Theological Society, 1979,22, p. 282.
33 The Fingerprint ofGod, p. 179.
34 Show me God: IFhat the Messagefrom Space Is telling Us about God, Wheeling:
Searchlight, 1995, p. xvii.

264
A Bíblia sobre Cosmologia

cosmológicos alternativos. Também alertamos para o perigo


de se igualar a cosmologia Big Bang com a verdade revelada.
Então, por esta perspectiva, não é essencial que a Bíblia esteja
de acordo com a cosmologia Big Bang.
Apesar disso, pode-se perguntar até que ponto há acordo
entre as Escrituras e o modelo Big Bang.

O Big Bang e o Passado


E claro que há um número de pontos em comum entre o
Big Bang e o Génesis. Por exemplo, ambos retratam o universo
sendo originado num ponto do passado, sendo a luz urna das
primeiras coisas a serem criadas, e o homem a última, pelo
menos até agora (se a vida é o resultado de evolução, deve-se
esperar que eventualmente sejam produzidos seres mais
avançados que o homem).
Entretanto, há também obvias diferenças. Primeiro, os
bilhões de anos considerados necessários na cosmologia Big
Bang grandemente excedem os seis dias da criação de Génesis,
capítulo 1. Interpretar os dias de Génesis, capítulo 1, como
longos períodos de tempo não é satisfatório, uma vez que os
dias ali referidos são períodos de luz e escuridão.
Segundo, a ordem da criação difere significativamente. A
principal discrepância, sem dúvida, diz respeito à criação do
sol e das estrelas. Mas, há outras diferenças que são problemá­
ticas. Em cenários evolucionistas os oceanos são formados de­
pois da terra seca. Davis Young, em sua crítica do concordismo,
argumenta que, de acordo com a geologia evolucionista a vida
marinha precede a vegetação terrestre. Também, do ponto de
vista evolucionista, animais terrestres e pássaros precederam
as árvores frutíferas.35 Tais considerações levam à seguinte
seqüência:

35 “Scripture in the Hands of Geologists”, pp. 293,287.

265
Deus e Cosmos

BIG BANG GÊNESIS, Capítulo 1

1. Luz e Elementos de Luz 1. Água, Elementos


Terrestres (1° dia)
2. Estrelas 2. Luz
3. Elementos Pesados, Agua 3. Firmamento, Oceanos,
Atmosfera (2° dia)
4. Sol, Lua, Terra 4. Terra Seca (3° dia)
5. Terra Seca 5. Vegetação Terrestre,
Árvores Frutíferas
6. Oceanos 6. Sol, Lua, Estrelas (4° dia)
7. Vida Marinha 7. Vida Marinha (5° dia)
8. Vegetação Terrestre 8. Pássaros
9. Animais Terrestres: Répteis 9. Animais Terrestres (6° dia)
10. Pássaros 10. Homem
11. Animais Terrestres: 11. Mulher
Mamíferos
12. Arvores Frutíferas,
Gramíneas
13. Humanos

Terceiro, há o modo da criação. Em Gênesis tudo é criado


instantaneamente por Deus. Ele falou, e tudo se fez. No Big
Bang tudo acontece gradualmente, através de um processo
evolucionário, baseado exclusivamente na operação de leis
naturais.
Quarto, de acordo com Gênesis a criação, incluindo o ho­
mem, foi inicialmente “boa”, tendo sido depois deteriorada
pela Queda, a qual trouxe maldição sobre a criação. De acordo
com o cenário evolucionista do Big Bang o homem não caiu,
mas está em evolução ascendente. É particularmente esta
noção da bondade original do homem e sua subseqüente
Queda que é difícil de se encaixar dentro da visão naturalista
das origens.

266
A Bíblia sobre Cosmologia

O Big Bang e o Futuro


Uma reconciliação entre o Big Bang e Gênesis, mesmo se
tivesse solidez exegética, ainda assim não daria um favorável
atestado de saúde teológica para o Big Bang. Outros proble­
mas permaneceriam. Consideremos, por exemplo, as questões
relativas ao futuro.
Como visto em capítulo anterior, a cosmologia Big
Bang prevê uma perspectiva sombria para o futuro: a evolu­
ção continuada tende a substituir o homem por seres mais
inteligentes, e eventualmente toda forma de vida tende à
extinção, seja por um Big Crunch ou pela morte do calor. E
também, não há embasamento físico para se crer numa vida
após a morte.
Obviamente, tal perspectiva do futuro tem muito pouco
em comum com o que diz a Bíblia. O tema central da espe­
rança cristã é o retorno de Cristo, a ressurreição dos mortos,
o julgamento final, e a vida eterna em renovados céus e terra.
E tais eventos devem ocorrer brevemente, não daqui a bilhões
de anos.

O Big Bang e a Realidade Espiritual


Finalmente, a teoria Big Bang levanta problemas para o
cristianismo, não apenas em sua descrição do futuro ou do
passado, mas, ainda mais importante, na sua concepção da
presente estrutura do universo. A teoria Big Bang pressupõe
que o universo físico é tudo o que existe; somente causas e
efeitos têm influências no universo. Assim, não há lugar para
um Deus transcendente, para causas sobrenaturais, ou uma
alma imortal. Com a morte física do ser humano, sua vida
estaria para sempre extinta.
A Bíblia, em oposto, aponta para a existência de um
mundo espiritual, onde se encontram Deus, os anjos, e as
almas dos que partiram. O céu bíblico parece ser um universo
paralelo ao nosso mundo físico, porém usualmente é invisível

267
Deus e Cosmos

ao homem. O homem moderno comete o equívoco de consi­


derar o mundo físico como sendo a realidade suprema, e o
mundo espiritual como algo que não passa de uma abstração
vaga. Na realidade, contudo, é o nosso cosmos tridimensional
que não passa de uma tênue e passageira sombra: a realidade
suprema é a multidimensional habitação de Deus.

Implicações
Os cristãos, numa tentativa de reconciliar a cosmologia
Big Bang com a Bíblia geralmente se limitam às questões de
origem. O reconhecimento da escatologia bíblica, bem como
da existência de elementos espirituais e sobrenaturais no
mundo, implica em que o principal da cosmologia Big
Bang seja abandonado.
A Bíblia dá poucas informações específicas sobre a ori­
gem de objetos astronômicos. Contudo, no que tange à
astronomia, parece relativamente fácil fazer com que a Bíblia
e a cosmologia Big Bang concordem. Apenas ter-se-ia que
ajustar os dias da criação quanto à sua natureza, duração em
tempo, e seqüência ou ordem de criação.
Embora tais alterações pareçam pequenas e inofensivas,
há mais questões de cerne envolvidas do que se percebe à
primeira vista.
Primeiro, forçar os textos bíblicos para que sejam harmo­
nizados com a teorização científica reflete uma epistemología
que dá mais peso e importância à teorização científica do que
à Palavra de Deus. Aqueles que advogam concordância entre
o Gênesis e a cosmologia Big Bang freqüentemente aderem
à uma teoria de dupla revelação. Hugh Ross por exemplo
argumenta que:

Os fatos da natureza podem ser como o 67° livro da Bíblia...


nós podemos esperar que interpretações dos fatos da natureza

268
A Bíblia sobre Cosmologia

sejam coerentes com a mensagem de Gênesis.36

Seu equívoco é estender o conteúdo de tais fatos para


além dos dados observacionais de modo a também incluir
teorias científicas específicas, como a cosmologia Big Bang.
As limitações da revelação geral foram discutidas no capítulo
4. Deixe-me repetir aqui que, teorias científicas, parti­
cularmente quanto a questões de origem, são altamente
especulativas, subjetivas, não verificáveis, e constantemente
mudando. Em nenhuma hipótese podem tais teorias ter o status
de verdade divina. Em contraste, dados observacionais são
baseados em terreno muito mais firme. Eles podem ser
considerados como essencialmente factuais. Contudo, em
cosmologia tais dados consistem de fótons de luz quando
estes atingem nossos olhos ou nossos telescópios. Tais observa­
ções estão limitadas a (alguns) eventos do presente ou do
passado recente. Não temos observações diretas do passado
pré-histórico distante. Assim, não temos fatos genuinamente
científicos sobre origens. O máximo que os cientistas podem
fazer é especular.
O ponto em questão é, portanto, nada menos que a
autoridade e interpretação da Palavra de Deus. Se o pensa­
mento humanista deve ditar nossa leitura de Gênesis, capítulo
1, então teremos desistido do princípio básico segundo o qual
a sabedoria do mundo deve ser julgada à luz das Escrituras, e
não vice versa. Se não formos capazes de crer em tudo o que a
Bíblia diz, mesmo em se tratando de questões aparentemente
de menor importância, como poderemos crer em qualquer
coisa dita por ela?
Segundo, a aceitação de um universo antigo, e, conse-
qüentemente, uma terra antiga, requer não apenas que
Gênesis, capítulo 1, seja reescrito. De acordo com a geologia

36 Creation and Time, Colorado Springs: Navpress, 1994, p.56.

269
Deus e Cosmos

evolucionista, fósseis do tipo humanos podem ser datados a


4,5 milhões de anos. Como pode isso ser conciliado com o
Adão bíblico? Marvin Lubenow aponta que nem um Adão
antigo, nem um Adão recente podem ser facilmente harmoni­
zados com uma terra antiga.37 Um Adão antigo envolve um
esticamento (ou alongamento) das genealogias de Gênesis,
capítulos 5 e 11, a comprimentos prováveis. Também, a
descrição de Adão como um agricultor inteligente (ver Gênesis,
capítulo 4) contradiz a noção evolucionista do homem primi­
tivo como um estúpido habitante de cavernas, um caçador e
coletor que viveu muito antes do aparecimento de animais
domésticos e de cereais. Por outro lado, localizando Adão há
apenas uns poucos milhares de anos passados levanta o
problema sobre o que fazer com os seres semelhantes a
homens que existiram antes de Adão, e como levar em
conta suas mortes, já que teriam sido resultantes da Queda
em Adão. Em resumo, o Adão bíblico não pode ser colocado,
plausivelmente, dentro da estrutura da cronologia evolu­
cionista. A negação do Adão bíblico, por outro lado mina a
historicidade da Queda e a realidade do pecado original. Isso
traz enormes implicações teológicas.
Então, a questão é muito mais importante do que parece
inicialmente. Como a história tem mostrado, a falha em
defender os dias literais da criação, em oposição à ciência
naturalista, mina a defesa do resto das Escrituras.

Conclusões
Sumariando, já temos discutido um número de ensina­
mentos bíblicos sobre a natureza de Deus e a criação. Agora
enumeraremos algumas das conclusões principais.
A Bíblia menciona muito pouco sobre a presente

37 Bones of Contention, Grand Rapids: Baker, 1992

270
A Bíblia sobre Cosmologia

estrutura física do universo. Sua mensagem está muito mais


direcionada para o relacionamento entre o cosmos criado e o
seu Criador. Assim sendo, ela nos informa sobre os planos
divinos para o universo. Tudo foi criado a partir do nada, em
seis dias, há uns poucos milhares de anos atrás. A criação
original era boa mas, por causa da Queda de Adão o pecado
entrou no mundo. A salvação do homem é baseada na
encarnação, morte, e ressurreição de Cristo. No último dia
Cristo voltará para julgar o mundo, e para trazer novos céus
e nova terra, onde não haverá lugar para o pecado.
De grande importância é a existência do mundo espiri­
tual o que aponta para uma realidade maior, além do nosso
mundo físico tridimensional limitado. A principal caracterís­
tica de uma cosmologia cristã é o reconhecimento próprio
do mundo espiritual, com sua possível interação com o nosso
universo físico.
Várias questões cosmológicas posteriores foram aborda­
das. A evidência bíblica sugere que o universo físico é finito.
Evidências de um evangelho escrito nas estrelas e o caso de
um possível universo expandido são duvidosas. Embora a
Bíblia use uma estrutura de referência geocêntrica isso não
tem necessárias conseqüências científicas ou observacionais.
Finalmente, a relação entre a cosmologia Big Bang e a
Bíblia foi discutida. Vimos que as duas entram em choque,
não apenas com relação às origens, mas também em relação a
escatologia e a existência de entidades espirituais. Adesão à
cosmologia Big Bang traz grandes implicações, muito além
de um simples remendo em Gênesis, capítulo 1.

271
8
Cosmologias Bíblicas
No capítulo anterior vimos que a cosmologia Big Bang
não se concilia facilmente com as Escrituras. Seria possível - e
desejável - construir modelos cosmológicos mais harmônicos
com a Bíblia? Essas questões serão focalizadas no presente
capítulo.
Como observado anteriormente, a Bíblia tem pouco a
dizer sobre a presente estrutura física do universo. Ela não
conflita com nenhuma das observações astronômicas corren­
tes. Os problemas surgem quando passamos do campo das
observações para o campo das teorias. Os dados cosmológicos
observacionais disponíveis podem ser interpretados de vários
modos diferentes; a cosmologia moderna oferece uma grande
variedade de modelos visando explicar as observações astro­
nômicas. A abordagem, bem como a escolha de modelos
cosmológicos tem mais a ver com prévias tendências filosó­
ficas e religiosas do que com a pura observação e a lógica
dedutiva. Uma abordagem cristã deve ter como ponto de
partida que as teorias científicas sejam construídas visando
coerência com dados bíblicos.
A entrada de dados fornecidos pela Bíblia à cosmologia é
primariamente relacionada com o assunto de origens, mundo
espiritual, e o futuro. Com relação ao futuro, como os céus e a
terra serão renovados por meios sobrenaturais, haverá apenas
uma limitada continuidade natural entre esta era e a próxima.
Portanto, é impossível construir um modelo cosmológico ade­
quado para o futuro distante. Tudo o que se pode dizer é que

272
Cosmologias Bíblicas

qualquer modelo do universo físico presente pode ser válido


no máximo por um tempo limitado - até o retorno de Cristo.
Também, o mundo espiritual e seu relacionamento com o
mundo físico estão além das investigações científicas. De novo,
não há como construir modelo cosmológico concreto nem como
estabelecer qualquer relação matemática pertinente. Contu­
do, a existência de causas espirituais que resultam em efeitos
naturais estabelece obrigatoriamente um outro limite na
adequação dos modelos cosmológicos.
Isso nos deixa primariamente com o problema de expli­
car as observações astronômicas correntes em termos de pres­
supostos bíblicos concernentes as origens. Nos anos recentes
várias tentativas têm sido feitas visando construir modelos
cosmológicos que estejam em harmonia com a Bíblia. Nós
nos referiremos a tais modelos como “cosmologias bíblicas”,
reconhecendo que, embora tais modelos possam ser baseados
em dados bíblicos particulares, suas peculiaridades específi­
cas necessariamente requerem pressupostos adicionais.
Examinaremos duas categorias de cosmologias. A pri­
meira consiste de modelos cosmológicos construídos dentro
das restrições da cronologia bíblica, e a segunda consiste de
modelos mais voltados para considerações espaciais, ao invés
de temporais.

Universos Jovens

Criacionistas têm se concentrado em modelos coerentes


com uma idade bem jovem: algo em torno de seis mil anos. A
dificuldade que eles enfrentam é como explicar aquelas carac­
terísticas do universo que são geralmente interpretadas como
indicativas de idades de bilhões de anos. Por exemplo, se o
universo tem seis mil anos de idade, como é que podemos
estar vendo galáxias que parecem estar a bilhões de anos-luz
distantes de nós? Se tais galáxias estiverem distantes de nós

273
Deus e Cosmos

por bilhões de anos-luz, não teria a luz que irradiam viajado


por bilhões de anos até atingir-nos?
Várias soluções para este problema têm sido propostas.
Vamos examinar ligeiramente algumas delas.

1. Velocidade Variável de Luz


Barry Setterfíeld propôs que a velocidade da luz no ins­
tante da criação (há mais ou menos 4.000 a.C.) teria sido
infinita, e que tal velocidade veio decrescendo desde então até
atingir seu valor atual. Assim, a luz vinda das galáxias distan­
tes, viajando a velocidades fenomenais, poderia atingir-nos
num curto período de tempo.1 Um modelo similar, elaborado
mais detalhadamente mas sem especificar uma idade jovem
para o universo foi desenvolvido pelo físico russo V. S.
Troitskii.12 Nestes modelos, a redução da velocidade da luz
efetivamente causa um decréscimo na freqüência observada,
de modo que a luz das galáxias distantes aparece deslocada
para o vermelho. Assim, o modelo fornece também uma al­
ternativa à teoria de expansão do universo como explicação
para os deslocamentos para o vermelho. De fato, Setterfíeld
sugere que o estado atual do universo é de contração enquanto
Troitskii defende um universo estático. O modelo de Troitskii
gera também as características observadas de radiação de
fundo.
Estes modelos apresentam outras características interes­
santes. Supondo, entre outras coisas, a estabilidade de átomos
e a observada constância do espectro de hidrogênio de estre­
las distantes, uma alteração na velocidade da luz requer
mudanças correspondentes em certas outras “constantes”

1 “The Velocity of Light and the Age of the Universe”, ExNihilo, 1981,4, No.
1, pp.38-48, e No. 3, pp. 56-81.
2 “Physical Constants and the Evolution of the Universe”, mencionado na
pagina 84.

274
Cosmologias Bíblicas

físicas fundamentais. Uma implicação de grande signifi­


cado geológico seria que a taxa de degradação de substâncias
radioativas teria sido também muito maior no passado. Isso
poderia explicar porque a rádiodatação de rochas indica
idades aparentemente tão antigas.
Mas, haveria evidências observacionais e diretas para uma
redução na velocidade da luz? A velocidade da luz foi pela
primeira vez medida em 1675. Norman e Setterfield fizeram
extensivas análises de medições históricas e alegam que po­
dem demonstrar um decréscimo exponencial.3 Contudo, a
análise por eles feita foi questionada, particularmente no que
tange aos valores de um número de cruciais determinações
históricas. Ademais, nas últimas décadas, quando equipa­
mentos de medida de alta sensibilidade estão disponíveis,
o decréscimo parece ter cessado. Assim, até o presente, as
evidências empíricas são inconclusivas.
Ainda que uma mudança na velocidade da luz pudesse
ser demonstrada por meio de observações, outra coisa bem
diferente é fazer a extrapolação exponencial muito além dos
dados de observação direta, o que aliás Setterfield fez. A hipó­
tese de que a velocidade da luz tenha sido infinitamente alta
há seis mil anos atrás deve ser considerada muito mais
especulativa do que a simples noção de velocidade variável
da luz. Apesar disso, tais especulações são muito difíceis de
serem refutadas.
Todavia, ainda que a teoria de Setterfield fosse válida e
pudesse explicar nossas observações das galáxias distantes num
universo jovem, ela não produz explicação naturalística para
a formação de tais galáxias. A cronologia bíblica é medida em
termos de anos solares, uma unidade de tempo dependente da
intensidade da gravidade. Todas as variações de tempo têm

3 Trevor Norman e Barry Setterfield, The Atomic Constants, Light and Time,
Flinders University, Australia, 1987.

275
Deus e Cosmos

portanto que ser comparadas com as variações de gravidade.


Ora, o tempo de formação de planetas, estrelas, galáxias, e
outras estruturas de grande escala, a partir de uma nuvem
gasosa inicial depende largamente da intensidade da constan­
te gravitacional. Como tal constante deve ser considerada
invariável (de acordo com ambos, Setterfield e Troitskii),
chegamos a tempos de formação muito grandes para esses
astros celestiais se pressupomos apenas processos físicos. Por
isso, na cosmologia de Setterfield, é necessária a pressuposi­
ção de que estrelas e galáxias foram criadas em forma já ma­
dura, como corpos celestes completamente desenvolvidos.
Outras variações sobre o tema de Setterfield são possíveis.
Por exemplo, talvez a variação da velocidade da luz ocorra em
função de posição no espaço, em vez de posição no tempo.
Pode-se defender a idéia de que a velocidade da luz a grandes
distâncias da terra seja muito grande, aproximando-se do
infinito na medida em que se aproximam as fronteiras do
universo. Ou talvez a velocidade da luz seja de algum modo
dependente do campo gravitacional. Em espaço interestelar,
onde a gravidade é pequena, a velocidade da luz poderia ser
enorme; próximo às estrelas tal velocidade poderia ser próxi­
ma à velocidade verificada nas proximidade da terra. Sem
dúvida, uma relação matemática poderia ser conjecturada que,
ao mesmo tempo que produzisse pequenos intervalos de
tempo de percurso da luz, ainda satisfizesse todas as restrições
observacionais.
Tais hipóteses, no entanto, teriam menor poder de
explicação que a teoria de Setterfield, pois não afetariam a
rádiodatação da terra. Portanto, mais ainda que o modelo de
Setterfield, tais hipóteses requereriam a suplementação de
alguma forma de criação amadurecida.
Uma dificuldade com teorias desta natureza é que as tais
são amplamente ad hoc (proposital), introduzidas com o fim
único de amparar alguma idéia favorita, a qual seja ameaçada

276
Cosmologias Bíblicas

por evidências desfavoráveis. Há muito pouco em termos de


evidências que apoiem tal comportamento estranho da luz.
Não há razão física óbvia para que a velocidade da luz depen­
da de posição no espaço ou tempo. Por outro lado, o simples
fato de ser uma teoria ad hoc não é razão suficiente para que
seja desaprovada. Além disso, como já vimos em capítulos
anteriores, tais teorizações ad hoc são muito comuns em
cosmologia. De fato, já foi anteriormente mostrado que a
noção de uma velocidade variável da luz tem sido recente­
mente empregada por Albrecht, Magueijo e John Barrow,4
para resolver vários problemas emergentes associados com a
cosmologia Big Bang. Também eles postulam que no princí­
pio, na singularidade do Big Bang, a velocidade da luz era
virtualmente infinita. Parece que, pelo menos neste particu­
lar, a cosmologia criacionista não está em pior situação que a
cosmologia Big Bang.

2. Retardo do Tempo
Outra possibilidade é a de que o tique-taque do relógio
da terra seja mais lento do que o de qualquer outro lugar no
universo. Este efeito é conhecido como retardo do tempo. De
acordo com a teoria da relatividade geral, a taxa com que um
relógio marca o tempo, depende do movimento do relógio e
do campo gravitacional local. Será que, pelo retardo do
tempo, a luz das galáxias distantes teria viajado distâncias
equivalente a bilhões de anos-luz num tempo, digamos, de
apenas uns poucos anos terrestres?
Um método de indução de retardo do tempo é através da
expansão. Galáxias distantes, afastando-se de nós em altas
velocidades, teriam sua luz deslocadas para o extremo verme­
lho do espectro. Isso corresponde a um aparente retardamento
dos relógios de tais galáxias. Na medida em que a velocidade

4Verp. 102

277
Deus e Cosmos

de afastamento das galáxias aproxima-se da velocidade da luz


os relógios galácticos atingem a parada total.
Infelizmente, tal retardo do tempo é exatamente o oposto
do que deveria ser. E o relógio da terra, não os relógios galácticos,
que deveria ser retardado. Ambos, Peacock5 e Schroeder6
sugerem que os seis dias da criação devem ser medidos em
termos de um relógio divino, movendo-se a uma velocidade
próxima à da luz, e não em termos de um relógio terrestre.
Muitos bilhões de anos terrestres poderiam então ter passado
durante os seis dias de tempo divino. Contudo, tal explicação
não satisfaz. Os dias do Gênesis são claramente definidos como
períodos de luz e escuridão observados na terra. Assim, o
retardo do tempo devido à expansão apenas torna as coisas
mais difíceis de explicar.
Uma hipótese mais sofisticada foi recentemente proposta
por Russel Humphreys.7 Ele desenvolveu um modelo
cosmológico bem elaborado, no qual o universo é conside­
rado como tendo emergido de um “buraco branco” (o oposto
de um buraco negro onde há colapso ou implosão). A idéia
central é que um observador localizado na terra está próximo
ao centro de um finito e confinado universo. Num tal univer­
so, o campo gravitacional é mais forte no centro. Assim sendo,
o relógio da terra seria mais lento do que o das galáxias
distantes do centro.
Embora tal modelo tenha recebido significativa publici­
dade, o cenário proposto por Humphreys é altamente
especulativo, e cálculos quantitativos para sustentar a pro­
posta ainda não foram apresentados por ele. A maioria dos

5 Roy E. Peacock, A Brief History of Eternity, Wheaton: Crossway Books,


1990,p. 111.
6G. L. Schroeder, Genesis and the Big Bang, New York: Bantam Books, 1990,
p.53.
7 Starlight and Time.

278
Cosmologias Bíblicas

modelos cosmológicos baseados na relatividade geral não


considera um significativo retardo de tempo. De fato, tem sido
mostrado que mesmo no modelo de Humphreys não há
retardo de tempo, contrariando as alegações do próprio
Humphreys.8 Embora seja possível inventar modelos parti­
culares com retardos de tempo suficientemente grandes, tais
gigantescos retardos de tempo causam outras efeitos obser­
vacionais indesejáveis. A principal dificuldade é que tais
modelos de retardo de tempo prevêem ou grandes desloca­
mentos para o azul das galáxias distantes, ou muito grandes
deslocamentos para o vermelho que diminuem com a distân­
cia. Isso contraria as observações atuais. Como tal deficiência
será resolvida, ainda não está claro.
Ademais, este modelo também não elimina a necessidade
de uma criação amadurecida. Presumivelmente, com grandes
retardos de tempo, estrelas distantes poderiam se desenvolver
por processo natural. Contudo, não seria esse o caso das estre­
las próximas. Certamente, não seria o caso do sol, onde o
potencial gravitacional cósmico, e portanto a rapidez do
relógio, são essencialmente os mesmos que o da terra.

3. Modelos de Espaço Curvo


A determinação das distâncias galácticas apresenta outra
possibilidade. Será que o tamanho do universo é realmente
de bilhões de anos-luz (usando como padrão a velocidade da
luz nas proximidades da terra)? As distâncias para as estrelas
e galáxias são estimadas tendo como pressuposição básica
que o espaço é, pelo menos aproximadamente, o espaço
“plano” da geometria euclidiana. O espaço plano é caracteri­
zado pelas propriedades usuais da geometria euclidiana, tais
como a regra de que a soma dos ângulos internos de um
triângulo é igual a 180 graus.
8 Ver John Byl, “On Time Dilation in Cosmology”, Creation Research Society
Quarterly, 1997,34, pp.26-32.

279
Deus e Cosmos

E se o espaço for “curvo”, e não plano? Num espaço curvo


(também chamado não-euclidiano) os ângulos internos de
um triângulo não somam 180 graus. Há dois tipos de espaço
curvo: “esférico” e “hiperbólico”. Num espaço esférico os ân­
gulos de um triângulo somam mais do que 180 graus (como
acontece quando você desenha um triângulo na superfície de
uma laranja); já num espaço hiperbólico a soma é menor que
180 graus. Se o espaço for realmente curvo, então as estima­
tivas das distâncias que presumem um espaço plano podem
estar seriamente fora.
Há algum tempo atrás, Moon e Spencer desenvolve­
ram um modelo de espaço curvo para o universo no qual o
tempo de deslocamento da luz a objetos distantes foi estimado
como sendo no máximo de 15,7 anos.9 Embora tal modelo
venha sendo citado por muitos criacionistas, ele tem várias
deficiências sérias. Por exemplo, é postulado que o espaço
curvo aplica-se apenas à luz. Corpos materiais se compor­
tariam como se o espaço fosse plano. Isso parece muito
estranho. Espera-se que o universo seja ou plano ou curvo,
porém não ambas as coisas simultaneamente. E mais, ainda
que tal falha pudesse ser remediada, esse modelo não resolve
o problema dos criacionistas: o espaço curvo que é proposto
é do tipo esférico, o qual faz com que objetos distantes pare­
çam mais próximos, em vez de mais distantes. Isso tende a fazer
que o universo pareça menor, não maior, do que realmente é
(ver Figura 8.1).
Tudo isso pode ser resolvido supondo-se o espaço hiper­
bólico. Em tal espaço, devido à curvatura dos raios de luz,
objetos que estão próximos parecem estar muito distantes (ver
Figura 8.1). Deste modo, o universo inteiro, de aparentemente
bilhões de anos-luz em tamanho de acordo com a suposição

9 E Moon e D. E. Spencer, “Binary Stars, and the Velocity of Light”Jowraai


of Optical Society ofAmerica, 1953,43, pp. 635-641.

280
Cosmologias Bíblicas

$9

Figura 8.1: Efeitos do Espaço Curvo sobre Distâncias


Aparentes.
Parte (a) mostra o efeito da curvatura positiva no caso de espaço
esférico. Parte (b) mostra o efeito da curvatura negativa no caso
de espaço hiperbólico. As linhas escuras referem-se aos raios
de luz reais; as linhas cinzas referem-se às respectivas trajetórias
aparentes, pressupondo-se que o percurso da luz seja retilíneo.
Observar que no caso do espaço esférico as distâncias aparentes
tendem a diminuir, enquanto que no espaço hiperbólico
tendem a aumentar.

281
Deus e Cosmos

de espaço plano, poderia caber dentro de uma esfera de uns


poucos milhares de anos-luz.10 Para as estrelas próximas, não
haveria significativa diferença observacional entre espaço
curvo ou plano. A distinção se torna substancial, no entanto,
quando consideramos as galáxias distantes, as quais, como é
de se esperar, seriam drasticamente aplainadas na direção da
linha de mira.
E claro que tal modelo sofre das mesmas limitações que
os outros apresentados na seção anterior. Ele é amplamente
ad hoc. Além disso, embora ele possa explicar o fato de poder­
mos observar objetos aparentemente distantes num universo
jovem, não pode explicar a origem dos mesmos. De novo, ele
requer que as estrelas e galáxias tenham sido criadas comple­
tas, como entidades amadurecidas.

4. Criação Amadurecida
Então, parece difícil a uma cosmologia criacionista evitar
pelo menos algum grau de criação amadurecida. E geralmen­
te necessário assumir, por exemplo, que estrelas não foram
formadas através de um longo processo natural, mas foram
criadas virtualmente de um modo instantâneo e miraculoso.
Uma estrela criada como uma unidade teria que ter suas
várias partes em apropriada relação gravitacional, térmica e
radioativa, do contrário tal estrela não podería se manter está­
vel. A luz na superfície da estrela não seria originada do inte­
rior da estrela, como pressupõe as teorias de evolução estelar.
Ao invés, tal luz teria sido criada na superfície, durante o curso,
e poderia ser interpretada como tendo uma aparente história
antecedente.
Considerações similares se aplicam a uma galáxia inteira,
criada como uma unidade em forma amadurecida. Ela teria

10 John Byl, “On Small Curved-Space Models of the Universe”, Creation


Research Society Quarterly, 1988,25, pp.138-140)

282
Cosmologias Bíblicas

sido criada completa, com todos os seus constituintes: estrelas


e gases, campos gravitacionais, e radiação de luz (fótons).
Ambos, os fótons de luz e os efeitos gravitacionais teriam sido
criados durante o curso, mas aparentemente sendo originados
das estrelas.
Raciocínio similar poderia ser aplicado a agrupamentos
de galáxias (clusters) e mesmo sistemas maiores, que parecem
estar em interação gravitacional. Num universo jovem, com
tempo insuficiente para a gravidade agir, eles teriam que ter
sido criados como unidades completas, com suas interações
gravitacionais internas. Se a gravidade se desloca na veloci­
dade da luz, como é pressuposto pela relatividade geral, então
a criação de grandes objetos astronômicos com seus campos
gravitacionais estabelecidos parece equivalente à criação de
fótons de luz durante o curso.
Mas, estruturas de galáxias podem ser enormes, cobrindo
uma fração significativa do universo. É portanto uma questão
de dar um pequeno passo adiante, e estender o conceito de
uma criação amadurecida ao universo todo. Como John C.
Whitcomb e Henry Morris sugerem, não seria possível que
o universo inteiro tenha sido criado como uma unidade com­
pleta, não apenas com estrelas e galáxias em interação
gravitacional, mas também com fótons de luz criados no
mesmo instante que as estrelas de onde eles aparentemente
derivam?11 Em tal caso, as teorias especulativas sobre veloci­
dade variável de luz, bem como espaço curvo, poderiam ser
dispensadas.
A noção de criação amadurecida, radical como possa
parecer, apresenta um número de pontos distintos a seu favor.
Como ela se refere ao passado, observações ou experimentos
do presente ou futuro não podem refutá-la. Nem tampouco
contraria a razão, não havendo nada de ilógico a respeito de

11 The Genesis Flood, Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1961, p. 369

283
deus e Cosmos

uma tal origem do universo. Portanto ela estaria acima de


refutação lógica e observacional.
O cosmologista George Ellis observa:

Um cosmologista moderno, que fosse também um teólogo


estritamente fundamentalista, poderia construir um modelo de
universo que tivesse começado há 6.000 anos atrás e cuja
fronteira estivesse a 6.000 anos-luz de distância do sistema
solar. Um Deus benevolente poderia facilmente arranjar a
criação do universo ...de tal maneira que radiação adequada des­
tocándose da fronteira do universo em nossa direção produzisse
a ilusão de um muitíssimo velho e imenso universo em expansão.
Seria impossível a qualquer outro cientista neste planeta refutar
tal visão do mundo, quer do ponto de vista experimental, quer
observacional; o máximo que poderia fazer seria discordar das
premissas cosmológicas adotadas pelo autor do modelo.12

Outro físico, Herbet Dingle, escreve sobre a teoria da criação


amadurecida:

Não há dúvida de que a teoria é isenta de autocontradição e é


consistente com todos os fatos da experiência que tenhamos que
explicar; ela certamente não multiplica hipóteses além do neces­
sário uma vez que ela invoca apenas uma; e está evidentemente
acima de refutações futuras. Se requerermos de nossos conceitos
apenas que eles correlacionem economicamente as nossas pre­
sentes experiências e nada além disso, então temos que aceitá-la
em preferência a qualquer outra. No entanto, é duvidoso que
uma única pessoa assim o faça.13

Qualquer objeção - e muitos são os que têm objetado -


deve portanto estar baseada em considerações profundamente

12 “Cosmologia e Verificabilidade” p. 246 (citado na p. 107.)


13 “Philosophical Aspects of Cosmology”, Vistas in Astronomy, 1960,1, p.166.

284
Cosmologias Bíblicas

teológicas e filosóficas. Examinemos algumas das críticas


mais importantes que têm sido apresentadas.

a. Ela não é testável


Alguém poderia objetar que tal teoria seja intestável, e
portanto não é científica. A isso a resposta pode ser que teorias
intestáveis podem ainda ser verdadeiras, que outras teorias da
cosmologia Big Bang são igualmente intestáveis, e que,
afinal, a intestabilidade é um critério arbitrário sobre o que se
qualifica com “científico”.
Mesmo assim, o físico Frank Tipler tem demonstrado que
é possível construir modelos criacionistas falsificáveis (isto é,
verificáveis quanto a ser ou não falsos).

Umversalmente pensa-se ser impossível construir uma teoria


falsificável e que seja consistente com os milhares de observações
que apontam para uma idade de bilhões de anos, mas que ainda
sustentasse que o universo tem apenas poucos milhares de anos
de idade. Eu considero tal conceito como um desprezo à capaci­
dade intelectual dos físicos teóricos: podemos construir teorias
falsificáveis com quaisquer características que se possa nomear.14

No modelo de Tipler é pressuposto que a densidade era


tão grande há 6.000 anos atrás que é impossível extrapolar as
leis da física além daquele ponto no tempo. A densidade é
causada pela explosão de numerosos buracos negros. Tipler
afirma ser capaz de explicar todas as observações atuais, bem
como fazer algumas previsões específicas a respeito de futuras
observações mais detalhadas (por exemplo, concernente ao
espectro da radiação gama).
14 “How to construct a falsifiable theory in which the universe came into
being several thousand years ago” (Como construir uma teoria falsificável
na qual o universo tenha sido iniciado há poucos milhares de anos atrás),
Proceedings ofthe 1984 Biennial Meeting of the Philosophy of Science
Association, Vol. 2, Lansing Michigan: The Association, pp. 873-902.

285
Deus e Cosmos

O argumento básico de seu modelo é que, embora o uni­


verso pareça muito velho, isso é apenas ilusório. Ele observa
que uma tal história ilusória não é algo único em relação à sua
teoria. A interpretação da teoria de mundos múltiplos sobre a
mecânica quântica requer que, por causa da observada inter­
ferência de amplitudes de probabilidades, há na realidade
muitas histórias alternativas que ocasionam o presente. Tipler
escreve:

Por exemplo, embora geralmente haja acordo quanto à exis­


tência de Júlio César, há também uma história alternativa que
afirma que ele não existiu. A interpretação da teoria de mundos
múltiplos afirma que ambas as histórias realmente ocorreram e
ambas combinaram de modo tal a dar origem a nós.15

Tipler observa que ele realmente não crê em sua teoria


criacionista; ela foi desenvolvida para desafiar cosmólogos e
filósofos a darem boas razões para rejeitá-la no campo científi­
co. Tipler alega que sua teoria satisfaz não apenas o critério de
falsificabilidade, como também a maioria dos outros critérios
discutidos na literatura científica.

b. Um universo de cinco minutos de idade


Uma segunda objeção ao conceito de criação amadurecida
é que alguém poderia, de maneira semelhante alegar que o
universo inteiro, juntamente com nossas memórias de um
passado aparente, foi criado apenas cinco minutos atrás. E
então, se permitirmos tal raciocínio, não temos nenhuma

15 “How to construct a falsifiable theory in which the universe came into


being several thousandyears ago” (Como construir urna teoria falsificável
na quai o universo tenha sido iniciado há poucos milhares de anos atrás),
Proceedings ofthe 1984 Biennial Meeting ofthe Philosophy ofScience Association,
Vol. 2, Lansing Michigan: The Association, pp. 891.

286
Cosmologias Bíblicas

garantia de que qualquer parte de nossa história seja real.16


A resposta a esse argumento é que o caso para um uni­
verso de 6.000 anos de idade, ao contrário de um universo de
cinco minutos de idade, é baseado em mais do que simples
possibilidades filosóficas. Aos seus proponentes, o caso tem
sua base no testemunho de Deus, como revelado na Bíblia.
De acordo com E. H. Andrews:

A Bíblia testifica a favor de uma criação amadurecida há al­


guns milhares de anos atrás, e assim limita nossa liberdade de
empregar argumentos do tipo reductio ad absurdum ao con­
ceito de criação amadurecida.17

Andrews baseia seu argumento na interpretação tradicio­


nal e literal do Gênesis.

c. Não há lugar para processo


Uma outra objeção que tem sido levantada é a de que a
própria narrativa da criação se refere a um universo formado
em seis dias e envolvendo ação, em vez de ser criado instanta­
neamente. Para responder a isso, Andrews desenvolve a teoria
do “processo miraculoso”. Criação amadurecida refere-se ao
produto final após os seis dias de criação. Talvez Deus tenha
feito uso de processos especiais. Considere por exemplo, no
Gênesis, a narrativa da criação de Adão e Eva. E claro, contu­
do, que tal processo não foi o produto único das leis naturais
costumeiras. Particularmente a criação de Adão e Eva demons­
tra que a formação de ambos, embora não tendo sido exata­
mente instantânea, foi ainda feita de modo o mais miraculoso.18

16 Ver, por exemplo, Clarence Menninga, “Creation, Time, and Apparent


Age”, Perspective on Science and Christian Faith, 1988,40, p. 161.
17 O. R. Barclay (ed.), Creation and Evolution: When Christians Disagree,
Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 1985, p. 164.
18Ibid., p.65.

287
Deus e Cosmos

d. Ilusão Divina
A maior objeção contra uma criação amadurecida é que
ela implica em ilusão (ou fraude) da parte de Deus. Assim,
Van Till, por exemplo, escreve:

Não se pode negar a antiguidade de qualquer objeto celeste


sem ao mesmo tempo negar a autenticidade da história inteira de
eventos que são revelados pelas propriedades do objeto... a
questão é se o registro físico da história do objeto é autêntico
ou meramente uma ficção elaboradamente detalhada}9

Tal dificuldade torna-se particularmente aguda quando a


criação amadurecida inclui a luz aparentemente vindo direta­
mente dos objetos distantes. Se a luz dos objetos distantes é
criada durante o curso, então realmente ela não poderia jamais
originar-se dos objetos. Assim, qualquer informação sobre
eventos que possamos inferir a partir desta luz seria pura
ilusão. De fato, poder-se-ia considerar a hipótese de que as
galáxias nem mesmo existam, mas apenas a sua luz. Mudan­
ças na intensidade da luz talvez correspondam a explosões de
supernovas que de fato realmente nunca aconteceram. De novo
citando Van Till:

Todos, exceto os últimos poucos milhares de anos de uma histó­


ria cósmica de bilhões de anos não passaria de uma ilusão... uma
fraude divinamente perpetrada.1920

Quão válido seria esse argumento? A resposta de Andrews


é que Deus dificilmente poderia ser acusado de fraude por
revelar a criação amadurecida nas Escrituras. O homem pode
ignorar a Bíblia e por isso chegar a conclusões falsas a respeito

19 The Fourth Day, p. 171.


20 Ibid., p. 239.

288
Cosmologias Bíblicas

da idade do universo. Mas então, ele só poderia culpar o pró­


prio homem. Mesmo sendo o homem confundido ou iludido
pela evidência, por insistir numa explicação rigidamente
naturalística sobre as origens, não se pode concluir daí que
Deus teve intenção de enganar ou fraudar.
Andrews observa que Deus algumas vezes oculta a ver­
dade aos homens “sábios e instruídos” porém a revela aos
“pequeninos” (Mízws 11:25). A falha, contudo, deve ser
atribuída àqueles cujas mentes estão cegas, e não a Deus.
Numa linha semelhante, Roy Clouser, ao discutir a natureza
de Deus, ressalta:

As Escrituras declaram que Deus não pode mentir (Tito 1:2,


Hebreus 6:18), mas tais afirmações ocorrem explícitamente em
um contexto pactuai, significando que Ele não pode mentir
aos crentes, porque assim Ele prometeu. Deve-se ter em mente
que outras partes das Escrituras específicamente declaram que
Deus engana aqueles que não são crentes. (Ezequiel 14:9,
2 Tessalonicenses 2:11).21

O último texto nesta citação afirma que Deus envia


uma forte ilusão sobre aqueles que rejeitam Sua verdade, para
fazê-los crer no que é falso.
Também, deve-se notar que uma aparente idade e histó­
ria de um objeto não são propriedades intrínsecas ao objeto.
Pelo contrário, elas podem ser inferidas somente com base num
modelo teórico que é usado para interpretar as características
observadas. A ilusão de uma particular história passada ocor­
re somente quando vemos os dados através do espelho de um
particular conjunto de premissas teóricas. Como diferentes
modelos podem levar a várias histórias aparentes, a escolha
quanto ao que preferir depende de nosso critério de seleção de
21 The Myth of Religious Neutrality, NotreDame, Indiana: University of
NotreDame, 1991, p. 309.

289
Deus e Cosmos

teorias. É sempre possível construir modelos que interpretem


os dados observacionais de maneira consistente com a crono­
logia bíblica tradicional.
Deve-se ter em mente que, como acima foi mostrado, se a
criação da luz (ou da gravidade) durante o curso for eliminada
com base em que Deus não engana, isso também se aplica à
criação amadurecida e instantânea de grupos de galáxias,
galáxias simples, ou mesmo estrelas. Todos estes objetos,
sendo de tamanho finito, aparentemente teriam requerido
um período de tempo para que todas as interações gravita-
cionais e radioativas fossem estabelecidas e constituídas num
todo com funcionamento próprio. A criação instantânea teria
necessariamente criado uma fictícia história passada para a
gravitação e a luz.
A abordagem de Van Till é baseada na suposição de
causas físicas puramente naturais e invariáveis no tempo. E
em essência nega a capacidade de Deus de realizar milagres.
Cientistas sempre lutam para explicar as características de um
objeto presentemente observadas em termos de uma cadeia
fechada de postuladas e naturais causas e efeitos passados.
Assim, tais análises científicas, quando aplicadas a eventos
miraculosos, levam a resultados errôneos. Conseqüente-
mente, por esse raciocínio, qualquer evento miraculoso pode
ser classificado como falaz ou ilusório. A propósito, é interes­
sante notar que o miraculoso vinho das bodas de Caná
resultou num mestre-sala equivocado, o qual questionou ao
esposo o porquê de haver ele deixado por último o melhor
vinho (João 2:10). Deveríamos concluir daí que Jesus agiu
enganosamente?
Claro que Deus não está sendo enganoso quando usa
poderes sobrenaturais; Ele é livre para agir como Lhe agrada.
Ao contrário, as limitações com as quais lidamos aqui resul­
tam de raciocínio humano, e não de ação divina. Só podemos
afirmar que Deus estaria nos iludindo se antes Ele tivesse

290
Cosmologias Bíblicas

dado divina aprovação para as nossas premissas teóricas. Como


dificilmente será esse o caso, então é melhor argumentar que a
visão evolucionista do passado deve estar errada, de outro modo
Deus estaria nos enganando em Sua Palavra revelada.

Resumo
Concluindo, embora fique claro ser possível construir
várias cosmologias criacionistas, deve-se reconhecer que a
maioria desses modelos são do tipo ad hoc, não foram devida­
mente elaborados em detalhe, e freqüentemente têm poucas
implicações observacionais distintas. Assim, é pouco prová­
vel que sejam úteis para convencer os céticos.
Quase todos os modelos criacionistas, enfim, se baseiam
no conceito de criação amadurecida. Enquanto tal noção seja
lógica e observacionalmente inatacável, ela apresenta uma
notável deficiência científica. Ela tem muito pouco a ofere­
cer quanto a explicações detalhadas para aspectos específicos
de observações astronômicas, a não ser afirmar que esse é o
modo como Deus fez as coisas. Nesse sentido, a cosmologia
Big Bang, com todas as suas deficiências, pelo menos tenta
desenvolver uma explicação coerente para vários aspectos
observacionais.
Afinal, a questão essencial deve ser a de confiabilidade
de um modelo cosmológico, em vez de abrangente, porém
ilusório, poder de explicação. Nosso objetivo final não é a
mera construção de detalhadas teorias explanatórias que se
enquadrem no critério subjetivo que decide o que é ou deixa
de ser “científico”, e sim, uma realista descrição da história
passada. Em resumo, as cosmologias criacionistas, a despeito
de suas deficiências, estão em harmonia com os fatos divina­
mente revelados, enquanto que a cosmologia Big Bang
não está.

291
Deus e Cosmos

Modelos Geométricos

Várias cosmologias bíblicas têm se preocupado mais com


o sentido da geometria do universo, do que com a sua idade.
Reconhecendo que nenhuma delas tem sido desenvolvida
em detalhes, citaremos resumidamente algumas, visando o
interesse e a inteireza.

Modelos Geocêntricos
Diversos cosmologias localizam a terra no centro ou pró­
xima ao centro do universo. Isso, como já vimos, é coerente
com dados bíblicos, mas não necessáriamente exigido por eles.
É também coerente com a isotropia observada do universo, e
como tal, é uma viável alternativa ao princípio cosmológico,
o qual pressupõe que o universo é o mesmo em todas as
direções. Universos fronteirados, esféricamente simétricos,
centrados na terra (ou pelo menos em nossa galáxia) têm sido
apresentados por Ellis, Rao e Annapurna, Humphreys e
Gentry.22
Contudo, deve-se observar que, no sentido restrito, tais
modelos não são geocêntricos. A terra não é posta no centro do
sistema solar, nem no centro da galáxia. O centro do universo
é geralmente considerado como sendo um ponto próximo à
nossa galáxia, mas observacionalmente o centro não pode ser
determinado com precisão. Além disso, todos esses modelos
consideram a terra como em movimento em relação ao centro
do universo.
Uma variedade de modelos mais genuinamente geo­
cêntricos consideram o universo em movimento de rotação
em torno de uma terra fixa. Lynden-Bell tem mostrado que,
na relatividade geral, o universo girando em torno da terra
fixa produz não somente as forças centrífugas e de Coriolis e
22 Ver referências citadas em pp. 84 e 235.

292
Cosmologias Bíblicas

dilatação no equador da terra, mas também todos os outros


fenômenos geralmente citados como provas de que a terra
está em rotação.23 Uma objeção comum à geocentricidade é
que isso faria com que as galáxias girassem em torno da terra
a velocidades superiores à da luz. Na relatividade geral, no
entanto, um objeto é restingido a se mover a velocidades
inferiores à da luz apenas com relação ao espaço em segundo
plano, o qual por sua vez pode se mover a velocidades supe­
riores à da luz. No modelo geocêntrico o espaço de segundo
plano, com todas as galáxias nele embutidas, está girando em
torno da terra, e assim sendo, a objeção não se aplica. Logo,
de acordo com a relatividade geral, um universo geocêntrico
é bem viável.
Modelos geocêntricos não relativistas têm sido desen­
volvidos por Moon, Spencer,24 Barbour e Bertotti.25 Nenhum
desses autores reivindica ser cristão.
Um modelo geocêntrico dentro de uma estrutura explí­
citamente bíblica foi construído por Gerardus Bouw.26 Ele
considera o firmamento, criado no segundo dia e estendendo
por todo o universo, como sendo uma estrutura extrema­
mente pesada, com a gigantesca densidade de gm/cc. Um
centímetro cúbico deste firmamento teria muito mais massa
do que um inteiro universo observável! De acordo com Bouw,
devido à presença da matéria no interior do firmamento, este
tem um período rotacional natural de um dia. Em sua rotação
ele leva consigo todas as estrelas e galáxias nele embutido.
Esse modelo, com sua detalhada descrição do firmamento,

23 “Mach’s Principle from the Relativistic Constraint Equations.” Ver tam­


bém p. 56.
24Verp. 280.
25 J. B. Barbour e B. Bertotti, “Gravity and Inertia in a Machian
Freamework”,/ZWwow Cimento, 1977, B38, pp. 1-28.
26 Geocentricity (ver também p. 236).

293
Deus e Cosmos

é altamente especulativo, e a maior parte do trabalho para


desenvolvê-lo ainda está por ser feito.
Na nossa era a maioria das pessoas, incluindo os cristãos,
crêem que o geocentrismo é obviamente contrário aos fatos.
Contudo a tese básica é de fato notoriamente difícil de ser
refutada, se não impossível. Supostas contestações tendem a
ser muito simplistas, ignoram os resultados da relatividade
geral acima, e não levam em conta os problemas mais pro­
fundos relacionados com movimento absoluto. Assim, por
exemplo, Martin Selbrede de maneira habilidosa defende o
geocentrismo contra as críticas de Gary North.27
Por outro lado, aderentes do geocentrismo vão longe
demais quando afirmam que a geocentricidade pode ser
científicamente provada. Como já vimos, no cerne essa
questão não é de modo algum científica.

O Universo Invertido
Um modelo bem pouco usual de universo tem sido
advogado por Fritz Braun. De suas interpretações dos textos
bíblicos ele conclui que a terra deve estar invertida: a super­
fície da terra deve ser o interior de uma esfera oca e que inclui o
sol, a lua e as estrelas. O céu está no centro desse universo
invertido, fazendo esse modelo ser literalmente teocêntrico (ver
Figura 8.2)28.
Uma teoria similar da terra-oca foi defendida em 1870
pelo venerado líder americano Cyrus Teed, e em 1930 na
Alemanha. Seu promotor mais recente sendo Mostafa
Abdelkader, de Alexandria, Egito.29

27 “Geocentricity's Critics Refuse to Do Their Homework”, Chalcedon


Report, 1994, N° 351, p. 239.
28 Das Drei-Stockige Weltall der Bibel, Salem-Obw.: Morgenland Verlag, 1973.
29 “A Geocosmos: Mapping Outer Space into a Hollow Earth”, Speculatiosn
in Science and Cosmoloyg, 1983, ,pp. 81-89.

294
Cosmologias Bíblicas

Figura 8.2: O Universo Invertido


Extraído da obra de Fritz Braun, Das Drei-Stockige Weltall der
Bibel (também publicado em inglês sob o título Space and the
Universe). Notar que o céu é posto no centro, circundado pelo
mar de vidro, planetas, o sol e as nuvens. Notar também as tra­
jetórias curvas da luz.

295
Deus e Cosmos

A primeira vista tal modelo parece ser obviamente falso.


Por exemplo, se fosse verdade então podemos pensar que seria
possível ver através da esfera oca o outro lado da terra. Em
1933, em Magdeburg, Alemanha, promotores da teoria da
terra oca quiseram provar sua teoria por meio de um foguete.
Eles argumentavam que, se um foguete, direcionado a prumo
para cima, se chocasse com o lado oposto da terra, então a
teoria estaria provada. Como reportado por Willy Ley, vários
foguetes foram disparados, porém, infelizmente, todos
tiveram problemas de mau funcionamento e o teste foi even­
tualmente abandonado.30
Todavia, tal modelo não pode ser facilmente dispensado.
Na prática é frustrantemente difícil refutá-lo. De fato, essa
teoria pode ser cogitada de tal modo que sua refutação seja
impossível.
Os testes acima presumem que as leis normais da física
funcionam e que, em particular, a luz se desloca aproximada­
mente em linha reta e as dimensões do foguete sejam constan­
tes. Mas, e se não for assim?
O modelo da terra-oca pode ser derivado da figura mais
usual do universo por meio de uma simples transformação
matemática denominada “inversão geométrica”. O procedi­
mento é bem simples. Para cada ponto do universo mede-se a
sua distância r ao centro da terra e movemos o ponto ao longo
da linha centro-ao-ponto para uma nova distância Ur . O re­
sultado dessa operação é que todos os objetos originalmente
exteriores à terra (montanhas, casas, núvens, estrelas, etc.) agora
estão dentro da terra, e vice-versa. As leis da física são também
invertidas, com conseqüências que parecem estranhas àque­
las pessoas mais acostumadas a pensar num universo mais
convencional. Por exemplo, a luz agora se desloca em curvas.
Também, um foguete lançado a partir da terra para o espaço

30 Rockets, Misúles, andSpace Travei, New York: Viking Press, 1951.

296
Cosmologias Bíblicas

“externo”, ou melhor, “interno” se encolherá e se tornará mais


lento na medida em que se aproxima do céu central, nunca
chegando a atingi-lo.
Conseqüentemente, o universo invertido de Braun é
observacionalmente indistinguível dos modelos mais conven­
cionais de universo. Contudo, embora os dois modelos sejam
empiricamente idênticos, eles refletem maneiras bem distin­
tas de visão da realidade, particularmente no caso de Braun,
com relação a entidades espirituais e questões teológicas.

O Universo Multidimensional
No capítulo anterior observamos o aspecto espacial do
céu. Como é que o espaço no céu se relaciona com o espaço
do nosso mundo físico? Uma interessante posição tem sido
desenvolvida pelo teólogo holandês Luco Van den Brom. Ele
sugere que Deus existe especialmente em Seu próprio univer­
so multidimensional. Se Deus existe desde a eternidade, e se
Deus é espírito, então o lugar de Deus, o mundo espiritual,
necessariamente tem existido desde sempre. No Seu ato de
criação Deus fez espaço para o mundo físico tridimensional
dentro de Seu mundo de mais elevada dimensão. Van den
Brom vê a ascenção de Cristo como a retirada do corpo de
Cristo do mundo criado tridimensional para o sistema de
mais elevada dimensão do céu.31
Desse modo, é possível falar do céu de Deus como
um lugar fora de nosso espaço sem ter que considerar o céu
como um lugar em sentido não real. Podemos considerar o
céu como tendo mais que três dimensões, ou como um
mundo tridimensional paralelo ao nosso num espaço quad-
ridimensional, semelhante a dois planos bidimensionais
embutidos num espaço tridimensional. Num trabalho mais
recente, Van den Brom sugere que, baseado na lógica da

31 GodAlomtegenwoordig, Kampen: Kok, 1982.

297
deus e Cosmos

concepção de Anselmo segundo a qual Deus deve ser


concebido como “um ser acima do qual nada mais pode ser
concebido”, o espaço divino deve então ser constituído de
um número infinito de dimensões.32
Em tal espaço, é também natural que nosso mundo físico
possa ser influenciado por fatores a ele externos. O mundo de
mais elevadas dimensões de Deus pode ter suas próprias leis,
as quais coexistiriam com as leis que regulam nosso mundo
tridimensional. Essas leis e dimensões mais elevadas não
seriam abertas à pesquisa científica. Assim, efeitos físicos
causados por seres de mais elevada dimensão não teriam
explicação natural (isto é, física), e seriam interpretadas como
miraculosos. Conseqüências ulteriores de um espaço de mais
elevada dimensão foram também delineadas. Hugh Ross,
por exemplo, comenta sobre a miraculosa aparição de Cristo
ressureto numa sala fechada (João 20:19). Como poderia um
ser com corpo físico (ver Lucas 24:37-43) passar através das
paredes? Ross escreve:

Jesus não teria a menor dificuldade em fazer isso em Suas


extradimensões. Seis dimensões espaciais seriam adequadas.
Ele poderia simultaneamente converter a primeira dimensão
de Sua fisicalidade numa quarta dimensão, a segunda numa
quinta dimensão, e a terceira numa sexta. Então, Ele poderia
passar através das paredes da sala e transformar Seu corpo
tridimensional de quarta, quinta e sexta dimensões de volta à
primeira, segunda e terceira dimensões.33

Mais tarde, Ross refere-se à analogia dos dois seres bi­


dimensionais (“flatlanders”) vivendo numa superfície plana.
Tais criaturas imaginárias foram inventadas por Edwin A.
32 “Interpreting the Doctrine of Creation”, em Vincent Brummer (ed.),
Interpreting the Universeas Creation, Kampen: KokPharos, 1991.
33 The Creatorandthe Cosmos, Colorado Springs: Navpress, 1993,p. 73.

298
Cosmologias Bíblicas

Abbott que em seu livro Flatland deu uma descrição divertida


de como a vida poderia ser num universo bidimensional.34
Os flatlanders poderiam experimentar apenas objetos de
duas dimensões num plano, e portanto teriam concepção de
largura e comprimento, mas não de altura. Eles não poderiam
entrar num quadrado fechado desenhado num plano, enquan­
to que um ser tridimensional poderia fazê-lo simplesmente
movendo-se para cima, na terceira dimensão, e saltando
por sobre a linha limítrofe do quadrado, sem qualquer
perturbação. Num modo similar, pode-se conceber um ser
multidimensional entrando num ambiente fechado de três
dimensões. Entretanto, seguindo a analogia de Flatland,
parece que apenas uma dimensão a mais resolveria a questão,
em vez das três dimensões adicionais como proposto por
Ross.
Ross afirma que vários outros conceitos teológicos
podem ser melhor entendidos pelo uso do conceito de
espaço multidimensional. Por exemplo, flatlanders não
seriam capazes de ver um objeto tridimensional de grandes
dimensões posicionado apenas um pouco acima deles. Contu­
do tal objeto, embora invisível, poderia estar mais próximo
de cada um deles do que eles entre si. Similarmente, um
objeto multidimensional poderia estar próximo de todos nós,
e não obstante ser invisível. E mais, Ross argumenta que num
espaço multidimensional o conceito da Trindade torna-se
matematicamente possível.
Imagine que um ser tridimensional toque com a ponta
do dedo no plano dos flatlanders. Os flatlanders veriam isso
como o aparecimento miraculoso de um círculo. Se o mesmo
ser tocasse três dedos no plano, os flatlanders observariam o
aparecimento de três objetos bidimensionais. Da mesma
forma, a unidade multidimensional de Deus poderia gerar

^Flatland, 1884, reimpressão New York: Dover, 1992.

299
Deus e Cosmos

uma pluralidade aparente no espaço tridimensional. Mais adi­


ante Ross faz esta declaração dramática:

Todas as paradóxicas doutrinas da Bíblia (por exemplo,


Trindade, Livre-arbítrio, Predestinação, Segurança Eterna,
Batismo no Espírito Santo, Céu, Inferno, Dons Espirituais)
podem ser resolvidas e entendidas dentro do contexto da reali­
dade multidimensional.35

Em seu último livro Beyond the Cosmos (Além do Cos­


mos) Ross acrescenta mais detalhes a essa tese.36 Contudo,
William Craig, em sua revisão do trabalho de Ross, acha
que, para a maioria dos “paradoxos” citados, Ross apresenta
explicações que tem pouco a ver com multidimensionalidade.
E mais, Craig encontra diversas deficiências filosóficas e
teológicas nas explicações apresentadas por Ross.37
Embora eu concorde com a noção de espacialidade do
céu, e da realidade além das nossas três dimensões físicas, é
evidente que algumas palavras de precaução precisam ser
ditas. Primeiro, deve ser entendido que quaisquer que sejam
as dimensões mais elevadas elas terão que ser qualitativa­
mente diferentes das três dimensões físicas observadas. Em
tais dimensões mais elevadas as leis físicas, tais como a veloci­
dade limitada da luz, podem não ser aplicáveis, ou, se forem,
podem tomar formas bem diferentes. Como Van den Brom
observa:

O mundo de Deus não é este mundo criado numa escala maior:


embora usemos os mesmos conceitos de espaço no modelo de uma

35 The Fingerprint of God, p. 183.


36 Beyond the Cosmos, Colorado Springs: Navpress, 1996.
37 “Hugh Ross’s Extra-Dimensional Deity: A Review Article”,Journal ofthe
Evangelical Theological Society, 1999,42, pp. 293-304.

300
Cosmologias Bíblicas

atividade divina de dimensões mais elevadas, isso não significa


que o conteúdo do espaço das criaturas é o mesmo daquele espaço
divino, com as mesmas leis naturais e as mesmas constantes
fundamentais.38

Dimensões mais elevadas não devem ser confundidas com


dimensões extra-espaciais requeridas nas teorias de super-
cadeias da física.
Segundo, devemos ser cuidadosos quanto a especulações
a respeito de Deus. Como humanos finitos não estamos em
posição de entender Deus de modo completo. Certamente
nesta vida somos restringidos a olhar através de óculos emba­
çados; nosso conhecimento sobre o mundo espiritual é bem
limitado, sendo confinado àquilo que Deus nos revelou. Em­
bora alguns dos exemplos acima possam até mesmo ilustrar
como alguns conceitos teológicos podem ser melhor descritos
à luz do conceito de espaço multidimensional, esse fato serve
para destacar, não a adequação de nossas concepções do mun­
do espiritual, e sim, ao invés, as limitações de nossas normais
perspectivas tridimencionais.
De novo, como acontece com os outros modelos
geométricos, não há características observacionais que nos
permitam confirmar (ou refutar) cientificamente esse tipo
de modelo.

Sumário
Todos esses modelos geométricos apontam para uma
realidade maior, além do universo fisicamente observável. Sua
principal característica é a afirmação das verdades teológicas,
particularmente a existência de um mundo espiritual. Tais
modelos, porém, pelo fato de serem observacionalmente
indistintos dos outros modos mais usuais de se ver o universo,

38 “Interpretating of Doctrine of Creation.”

301
Deus e Cosmos

têm pouco a oferecer-nos quanto a predições distintas para a


cosmologia física.

Limites da Cosmologia Bíblica

Qual seria a função apropriada das cosmologias bíblicas?


Como já observamos, elas são importante como modelos de
realidade, como reflexões de verdades teológicas. Através de
tais modelos podemos demonstrar várias possibilidades de
combinar dados observacionais com revelações bíblicas. Vale
a pena mostrar que a Bíblia e as observações astronômicas não
são incompatíveis entre si.

Cosmologia e Apologética
Mas, será que poderíamos obter algo mais do que isso?
Muitos cristãos não se contentam em simplesmente construir
cosmologias alternativas. Eles querem provar que a cosmologia
bíblica de algum modo é “melhor”, num sentido científico
amplamente aceito, do que os modelos seculares. Espera-se
que através de demonstrações da superioridade de uma
cosmologia bíblica possa-se atingir o objetivo apologético de
convencer o incrédulo quanto à veracidade da Bíblia.
E claro que modelos que envolvem uma criação ama­
durecida ou um céu invisível dificilmente servirão a tais fins
apologéticos. Para isso, seria necessário desenvolver modelos
mais detalhados que façam predições específicas. Talvez
alguma coisa na linha de uma teoria detalhada para uma
velocidade variável de luz ou um novo sistema de mecânica
geocêntrica. No presente tais teorias podem ainda ser inade­
quadas, em face das várias limitações teóricas e observacionais.
Mas isso não deve deter-nos. Talento associado a um pesado
investimento de fundos de pesquisa poderão resolver muitas
das dificuldades correntes.

302
Cosmologias Bíblicas

Contudo deve-se ainda questionar se o diligente


desenvolvimento de elaboradas teorias justificaria o gasto
de limitados recursos da comunidade cristã. Até que ponto
podem tais modelos cosmológicos ser usados para fins
apologéticos?
Há riscos envolvidos quando se apoia excessivamente
num modelo científico particular. Primeiro, quanto mais
elaborado seja um modelo, tanto mais suscetível de refutação
observacional ele seria. Embora podendo sempre ser remen­
dado, no caso do modelo tornar-se muito implausível (aos olhos
dos céticos) então, na falta de alternativas viáveis, a sua falên­
cia bem poderá resultar na subseqüente rejeição inclusive da
Bíblia, a qual o modelo supostamente estaria defendendo.
Segundo, cuidado deve ser tomado para evitar cair na
armadilha de justificar fé na Bíblia com base na nossa habili­
dade de suprir “explicações científicas” de eventos bíblicos.
Uma instrutiva ilustração histórica disso é dada por D. C.
Allen em seu livro The Legend ofNoah (A Lenda de Noé).39
No século dezesseis teólogos foram argüidos quanto a várias
questões científicas relacionadas ao Dilúvio. Os teólogos da
igreja católica romana responderam às dificuldades científi­
cas declarando que a impossibilidade de se explicar a mecâni­
ca do Dilúvio claramente demonstrava ter sido o mesmo um
milagre. Mas os protestantes, ansiosos por pro- var que a
Bíblia toda está em harmonia com a razão humana, tentaram
desenvolver soluções científicas precisas. A falha em explicar
os detalhes ao ponto de satisfazer à crítica, eventualmente
levou muitos a reclassificar a inspirada história de Noé,
passando a considerá-la simplesmente um mito.
Terceiro, não devemos nos esquecer que, se um modelo
científico é julgado aceitável por um incrédulo, então tal

39 The Legend ofNoah: Renaissance Rationalism in Art, Science, and Letters,


Urbana: University of Illinois Press, 1963.

303
Deus e Cosmos

modelo deve satisfazer os critérios por ele estabelecidos.


Como tais critérios, em essência, tendem a ser não bíblicos, o
veredicto será uma conclusão preestabelecida. Aqueles que
rejeitam a Deus dificilmente poderão objetivamente avaliar
Sua Palavra.
Por exemplo, a real dificuldade que muitos cientistas têm
com os criacionistas não reside tanto na natureza ad hoc das
suas teorias, mas principalmente na aceitação prévia da Bíblia
e as restrições que ela impõe à teorização. Considere por exem­
plo a declaração de Michel Ruse, um proeminente porta-voz
da ciência evolucionista:

A principal razão por que a ciência criacionista não é ciência


genuína é que seus defensores têm que crer, sem questionar nem
discutir, na verdade literal do Gênesis.40

Claramente, a questão básica aqui é de pressuposições


religiosas.
Finalmente, a apologética acima pode ser vista como
tendo implícito o princípio de que o incrédulo é justificado
em sua rejeição das Escrituras até que explicações científicas
aceitáveis sejam estabelecidas. O que então pode ser feito é
confrontar o incrédulo com a Palavra de Deus, e necessidade
de arrependimento. Os dados bíblicos devem ser admitidos
como básicos, como artigos de fé inegociáveis. A confiabilidade
da Palavra de Deus não pode ser contingente à nossa habili­
dade de explicá-la ou prová-la “razoável” segundo os padrões
humanos.
Que o ônus seja posto sobre os que rejeitam a precisão da
Bíblia, e que eles demonstrem a alegada impossibilidade dos
eventos bíblicos. E se os dados bíblicos não são prontamente
explicáveis em termos de um modelo científico, isso deve

40 But Is It Science?, Buffalo: Prometheus Books, 1988, p. 393.

304
Cosmologias Bíblicas

meramente servir para ilustrar a inadequação da teoriza­


ção humana. Nossas teorias devem ser julgadas à luz das
Escrituras, e não vice-versa. Reafirmemos, portanto, que nossa
lealdade primária é com Deus e Sua Palavra, e não com expli­
cações humanas e científicas de qualquer porção da mesma.

O Status da Cosmologia Bíblica


Poderia se pensar que, como as cosmologias bíblicas são
presumivelmente baseadas em verdades divinamente revela­
das, elas seriam por isso mais prováveis de serem verdadeiras
do que os outros modelos cosmológicos. A dificuldade
contudo é que somos abençoados com um embaraçamento
de riquezas: é possível desenvolver-se não apenas uma, mas
um número virtualmente ilimitado de cosmologias baseadas
na Bíblia. O requisito de que as teorias devem ser consistentes
com as Escrituras na realidade expande a base de dados que
devem ser satisfeitos pelas teorias. Como visto anteriormente,
pode-se construir um número qualquer de cosmologias
consistentes com os dados observacionais. Portanto, o pro­
blema não está em construir uma cosmologia bíblica, e sim
em escolher, dentre um grande número de possibilidades, o
modelo correto (ou quase correto). De novo, a questão se
resume em construir e justificar um critério apropriado
para seleção de teorias. Nesta questão a Bíblia nos fornece
pouca ajuda.
Em resumo, enquanto que as teorias que contradizem as
Escrituras são certamente falsas, as cosmologias bíblicas, na
medida em que vão além da Bíblia e da observação, são tam­
bém provavelmente erradas. A natureza especulativa da
teorização científica nos alerta para não depositarmos confi­
ança indevida em qualquer modelo particular. Portanto, não
estejamos desnecessariamente prendidos: qualquer teoria em
harmonia com as Escrituras pode ser verdadeira, embora
as chances sejam contrárias. Assim, qualquer cosmologia

305
Deus e Cosmos

bíblica deve ser apresentada com prudência meramente como


uma possibilidade hipotética, e não como a solução.
Sendo esse o caso, então será talvez melhor delinear
uma meia dúzia de possibilidades do que prender-se demais
a uma teoria detalhada. A abordagem multiteoria traz uma
série de vantagens quando se trata da questão de origens. Tal
abordagem tem melhores chances de encontrar boas possibi­
lidades e expõe o fato de que os dados observacionais podem
ser interpretados de muitas maneiras diferentes. E nos pre­
vine quanto a aceitar qualquer modelo como sendo a verdade
final. Também, fica claro o elemento subjetivo e conjectural
presente na construção de modelos, bem como a grande
lacuna existente entre os dados observacionais e as teorias
que pretendem explicar tais dados.
Assim, por exemplo, com relação ao problema de tempo
de trânsito da luz deve ser frisado que existem diversas possí­
veis soluções: pode ser que a luz tenha sido criada durante o
curso, talvez o espaço seja curvo, talvez a velocidade da luz seja
dependente do tempo ou do espaço. Sem dúvida, outras pos­
síveis soluções podem ser construídas. Qual delas é a certa?
Somente Deus sabe, e, além daquilo que Ele tem revelado -
através da observação direta e através de Sua Palavra - nós
podemos apenas conjecturar.
Uma melhor defesa da fé contra a ciência secular não é a
demonstração de quão bem a Bíblia se encaixa com as teorias
e padrões humanos, mas, antes, uma exposição das limitações
da teorização científica, particularmente no que tange à ques­
tão de origens. Mais atenção deve ser focalizada nas questões
filosóficas subjacentes. Aqui, ofensivas devastadoras podem
ser montadas contra a alegada confiabilidade da secular
ciência de origem. A comunidade científica secular deve ser
desafiada a:
a) reconhecer a natureza altamente subjetiva da constru­
ção, seleção e justificação de teorias;

306
Cosmologias Bíblicas

b) reconhecer que na ciência é muito importante o papel


desempenhado pelas pressuposições filosóficas e teológicas;
c) ser menos dogmática quanto a pronunciamentos
relacionados com a questão de origens.
Geisler e Anderson fazem distinção entre ciência de
origem e ciência operacional.41 A última ocupa-se de eventos
repetíveis, e a primeira de singularidades tais como criação.
Eu creio que tal diferenciação é muito importante. Cristãos
freqüentemente justificam investigações científicas referin­
do-se ao comando cultural dado em Gênesis 1:28, onde o
homem é estimulado a sujeitar e exercer domínio sobre a
terra. Mas, a ênfase aqui é em aplicação prática, em vez de
conhecimento teórico. É claro, o homem deve primeiro
investigar a natureza antes que possa desenvolvê-la e admi­
nistrá-la. Contudo, o texto de Gênesis implica que a tarefa
principal do homem, no tocante à ciência, não é especular a
respeito de uma realidade oculta, e sim suprir resultados úteis.
Desse modo, a ciência operacional é certamente justificada pelo
comando cultural, até onde sua meta seja a aplicação útil.
A ciência de origem, por outro lado, ocupa-se principal­
mente de conjecturas a respeito de um passado remoto. Dada
a natureza especulativa e inverificável de suas teorias, eu
questiono seu valor. Na falta de um válido e objetivo critério
epistemológico que nos permita detectar verdadeiras teorias
de origens, a ciência de origem pode ser classificada como
pouco melhor do que um jogo de salão intelectual e humorís­
tico: agradável de jogar, talvez, mas dificilmente merecedor
de grande devoção. Note também que as Escrituras têm
pouco de positivo a dizer a respeito das especulações teóricas
dos homens: Jó 38:41, ao contrário, enfatiza a ignorância do
homem com respeito a origens e questões mais profundas da

41N. L. Geisler e J. K. Anderson, Origin Science: A Proposalfor the Creation-


Evolution Controversy, Grand Rapids: Baker Book House, 1987.

307
Deus e Cosmos

natureza. Sendo assim, desejo sugerir que os cientistas se


concentrem em ciência operacional com o objetivo primário
de desenvolver tecnologia útil.
Em resumo, consmologias bíblicas envolvem, em grande
extensão, várias características inerentemente inobserváveis.
Embora modelos mais detalhados possam ser construídos com
definição de predições observacionais, elas têm apenas um
valor limitado. A falta de um critério válido para seleção de
teorias faz que também as cosmologias baseadas na Bíblia
sejam especulativas. Devemos estar sempre muito alertas
quanto às limitações das explicações e extrapolações cientí­
ficas, cuidando em pôr nossa confiança na Palavra de Deus e
não na teorização humana.

308
9
Conclusões
Chegamos ao final de nosso estudo sobre as interações entre
cosmologia e teologia. Vamos resumir as principais conclu­
sões a que chegamos e fazer alguns comentários finais.

Sumário

1. Questões Básicas
Em nossas considerações preliminares discutimos a natu­
reza da teorização científica, bem como várias abordagens que
visam reconciliar a ciência e as Escrituras. Foi este o cenário
dos capítulos subseqüentes. Podemos agora formular várias
conclusões principais:

1.1 A subjetividade da teorização científica


A teorização científica é subjetiva, e, na seleção de teorias,
um papel muito importante é desempenhado por pres­
suposições extracientíficas determinadas por prévios
compromissos segundo pontos de vista globais e religiosos.

1.2 A limitação dos “fatos” científicos às observações


confirmadas
Em consequência, para resolver o problema do conhe­
cimento científico, somente as observações diretas e confir­
madas podem ser consideradas na constituição dos “fatos”
científicos.

309
Deus e Cosmos

1.3 A supremacia da Palavra de Deus na epistemología cristã


Uma epistemología cristã deve atribuir peso principal às
Escrituras, lógica dedutiva e observação. Tais fontes de infor­
mação podem ser consideradas como dadas por Deus e devem
portanto ser coerentes entre si. A teorização científica, por
outro lado, é uma atividade humana falível que deve ser
avaliada à luz de fontes epistemológicas mais elevadas.

1.4 Implicações de uma visão elevada das Escrituras


A supremacia epistêmica das Escrituras implica em que
essas sejam consideradas como inerrantes, com total autorida­
de, e interpretadas por meio de princípios hermenêuticos
consistentes com a epistemología acima. A Bíblia deve ser
tomada em seu sentido mais direto e literal, a menos que
evidência escriturística interna mostre conclusivamente que
uma interpretação não literal seja requerida.

2. Cosmologia Histórica
Após uma rápida revisão da cosmologia antiga, focaliza­
mos os modelos medievais do universo. As principais lições
aprendidas foram:

2.1 O perigo de se associar teologia a uma cosmologia espe­


cífica
Nosso estudo da cosmologia medieval enfatizou o perigo
de combinar teologia cristã com a cosmologia de Aristóteles.
A falência da cosmologia aristotélica obrigou muitos a recon­
siderar suas teologias cristãs.

2.2 A natureza ilusória do movimento absoluto


A ciência pode medir somente o movimento relativo. A
determinação de um padrão absoluto de repouso depende de
considerações e definições de natureza filosófico-teológica.
Galileu errou em sua afirmação que ele havia provado que a

310
Conclusões

terra se movia num sentido absoluto. A noção popular,


embora errônea, de que Galileu estava certo trouxe profun­
das implicações para a epistemología cristã e hermenêutica
bíblica.

3. A Cosmologia Moderna
Nosso levantamento da cosmologia moderna levou às
seguintes conclusões principais.

3.1 Limitações da cosmologia Big Bang


A cosmologia Big Bang apresenta várias deficiências
teóricas e observacionais.

3.2 A possibilidade de cosmologias alternativas


Dados cosmológicos observacionais ensejam múltiplas
interpretações teóricas, resultando em inúmeras cosmologias
alternativas.

3.3 A necessidade de pressuposições extracientífícas


Qualquer modelo cosmológico deve apoiar-se, necessari­
amente, em várias suposições que são essencialmente
inverificáveis. A justificação de tais pressupostos básicos deve
vir de subjetivas considerações extracientíficas. Os modelos
cosmológicos são construídos de modo a serem coerentes com
nossas mais básicas convicções filosóficas e religiosas.

4. Provas da existência de Deus


A incerteza dos modelos cosmológicos limitam sua utili­
dade como argumentos que presumem provar a existência de
Deus. Em particular vimos:

4.1 As deficiências dos argumentos cosmológicos


O passado finito do universo não pode ser provado
de modo conclusivo através de argumentos puramente

311
Deus e cosmos

filosóficos ou científicos. Vimos serem falhos os argumentos


filosóficos contra a existência de uma infinitude real. Tampouco
a cosmologia Big Bang, mesmo se provada verdadeira, ou a
segunda lei da termodinâmica, mesmo se aplicável ao uni­
verso inteiro, necessariamente requerem que o universo tenha
um passado finito.

4.2 As deficiências do argumento do “design”


O aparente ajuste fino do universo parece ser muito mais
plausível de ser explicado pelo design divino do que pelas
explicações alternativas da teoria dos mundos múltiplos,
princípios antrópicos, teorias do tudo, ou seleção natural.
Contudo, também este argumento carece de obrigatoriedade.
Critérios tais como simplicidade e plausibilidade freqüen-
temente estão na visão do observador, um observador cuja
avaliação das explicações concorrentes é baseada em suas
convicções religiosas mais profundas.

4.3 O Deus das provas e o Deus da Bíblia


Mesmo se tais provas teístas fossem válidas, permanece­
ria ainda uma grande lacuna entre o Deus vivo de Abraão,
Isaque e Jacó, e o Causador Primeiro, ou Causa Original. A
teologia natural está severamente limitada nas suas tentativas
de descrever Deus.

4.4 O perigo do comprometimento com a cosmologia Big Bang


E preciso que se tenha cautela quanto ao uso da cosmologia
Big Bang em provas teístas. Tal cosmologia pode muito bem
ser desbancada no futuro. Também, o endosso implícito da
cosmologia Big Bang conduz a uma nova epistemología que
atribui grande peso a teorizações científicas, com graves im­
plicações para a autoridade bíblica e hermenêutica.

312
Conclusões

4.5 A extensão limitada da revelação geral


A cosmologia Big Bang não pode ser equiparada com a
verdade revelada. A revelação geral de Deus através da natu­
reza diz respeito a apenas alguns dos atributos de Deus, e é
adquirida através da nossa experiência direta com a natureza.
Não há evidência bíblica sugerindo que Deus revela-Se a Si
mesmo através da falível teorização humana. Pelo contrário,
a Bíblia enfatiza as limitações do conhecimento humano,
particularmente no tocante a origens.

5. Vida no Universo
5.7 Evidência contra os extraterrestres
Vimos que não há evidência científica para qualquer
vida extraterrestre natural. Considerações teológicas pendem
contra a existência de inteligência extraterrestre natural. A
singularidade da encarnação de Cristo implica que, se outras
expécies existem, elas não decaíram, ou, se decaíram, não
foram redimidas.

5.2 A vida no universo naturalista está condenada


A cosmologia naturalista moderna pinta um quadro hor­
rível para o futuro da vida no universo: ela está condenada à
extinção seja através do Big Crunch (a Grande Implosão), seja
através da “morte do calor”. Há um choque acentuado entre as
predições escatológicas da cosmologia Big Bang e aquelas
reveladas na Bíblia.

6. Os Deuses da Cosmologia Moderna


Foram examinadas várias tentativas de conciliar a
cosmologia moderna e a religião.

6.1 A cosmologia Big Bang exclui Deus e a vida após a morte


A cosmologia moderna não consegue acomodar dois dos
mais essenciais componentes da verdadeira religião: um Deus

313
Deus e cosmos

sobrenatural e uma imortalidade subjetiva. Para preservar


esses aspectos fundamentais deve haver um mundo espiritual
onde Deus e a alma existam. O conhecimento de um mundo
tão transcendental está além do alcance do escrutínio dos
cientistas.

7. A Bíblia em Cosmologia
O ensinamento da Bíblia com respeito à cosmologia foi
examinado. Foi visto que a Bíblia diz pouco com relação à
presente constituição física do universo. Em vez disso, ela fala
primariamente sobre a origem e destino do universo, bem como
de seu relacionamento com Deus.

7.7 A interpretação tradicional de Gênesis deve ter a prefe­


rência
Com respeito a origens, se levarmos em conta que os
questionamentos da interpretação tradicional de Gênesis se
baseiam primariamente em considerações extrabíblicas, a
epistemología e hermenêutica acima invalidam tais
questionamentos. Segue daí que a interpretação tradicional
e literal de Gênesis deve ser a interpretação preferida.

7.2 A recente criação do universo


Ao interpretarmos literalmente Gênesis, capítulos 1-11,
considerando os dias da criação como dias normais e as
genealogias em Gênesis, capítulos 5 e 11, como cronologi­
camente completas, posicionamos a criação do mundo no
tempo de aproximadamente seis mil anos passados.

7.3 A existência do mundo espiritual


Uma das principais características da cosmologia cristã
deve ser o reconhecimento da existência do mundo espiri­
tual, o qual se extende além das três dimensões espaciais
visíveis a nós, e que interage com nosso universo físico. O

314
Conclusões

céu inclui ambos os aspectos, espaciais e temporais.

7.4 Uma geocêntrica estrutura de referência


A estrutura de referência bíblica é claramente geocêntrica.
Contudo, isso não implica em conseqüências observacionais
ou científicas.

7.5 A cosmologia BigBang contradiz a Bíblia


Uma das principais conclusões deste livro aponta para o
conflito entre a cosmologia Big Bang e a Bíblia. Elas se cho­
cam não apenas em questões de origem, mas também em
escatologia e a existência de entidades espirituais. A aceitação
da cosmologia Big Bang traz implicações significativas para o
cristianismo.

8. Cosmologias Bíblicas
Foram examinadas várias cosmologias baseadas na Bíblia,
e avaliados seus valores apologéticos.

8.1 Limites das cosmologias de um universo jovem


Todas essas cosmologias finalmente se apoiam no conceito
de criação amadurecida. Tal conceito, conquanto inatacável
dos pontos de vista lógico, observacional e teológico, tem
pouco a fornecer no tocante a explicações detalhadas para
características específicas de observações astronômicas. Toda­
via, a veracidade é mais importante do que amplos, porém
ilusórios, poderes de explicação.

8.2 Limites das cosmologias geométricas


Todos os modelos geométricos apontam para uma
realidade mais ampla, além do universo fisicamente observá­
vel. Sua característica principal é a reafirmação de verdades
teológicas, particularmente a existência do mundo espiritual.
Contudo, tais modelos têm pouco a oferecer-nos em termos

315
Deus e Cosmos

de predições para a cosmologia física.

8.3 As deficiências das apologéticas cosmológicas


A construção de cosmologias bíblicas mostrando a
coerência entre a Bíblia e nosso universo observável pode
ser útil para encorajar a fé dos cristãos. Entretanto, seu valor
apologético é muito limitado: nossa confiança na Bíblia não
pode estar em relação de dependência à nossa habilidade
de suprir explicações científicas para eventos bíblicos. Na even­
tualidade de tais explicações científicas serem posteriormente
descartadas como inadequadas, isso poderá resultar não ape­
nas na rejeição das mesmas, mas também da própria Bíblia, a
qual tais explicações científicas presumiram defender.

8.4 A natureza limitada das cosmologias Bíblicas


Inúmeras cosmologias podem ser desenvolvidas, que
levem em conta dados bíblicos e observacionais. A falta de
critério válido para seleção de teorias nos adverte para o risco
de depositarmos indevida confiança em algum modelo parti­
cular. Toda cosmologia bíblica deve, portanto, ser apresentada
cautelosamente como mera posibilidade hipotética, e não como
a solução. É mais prudente adotar uma abordagem multiteoria
para a questão de origens do que apostar tudo numa única
teoria particular.

8.5 Uma abordagem apologética preferencial


É possível construir mais adequada defesa da fé contra o
naturalismo, através da exposição das limitações da teorização
científica, especialmente no tocante a origens. Devemos
enfatizar a natureza altamente subjetiva da construção de
teorias, dos critérios de seleção de tais teorias, bem como de
suas justificações. Devemos enfatizar também o importante
papel que, em ciência, é desempenhado pelas pressuposições
filosóficas e religiosas.

316
Conclusões

8.6 Ciência das origens e ciência operacional


A ciência das origens, com suas teorias subjetivas e
inverificáveis conjecturas a respeito do passado remoto, é de
valor questionável. Os cientistas deveriam se concentrar em
ciência operacional, voltada para as aplicações práticas de
fenômenos repetíveis, com o objetivo primário de desen­
volver tecnologia útil.

Considerações Finais

1. Os Limites do Conhecimento Humano


A tese central desse estudo é apontar as sérias limitações
do raciocínio humano, especialmente no que se refere a
teorização científica aplicada à cosmologia. Somente dados
diretos e observacionais podem ser aceitos como “fatos”
genuínos e indubitáveis.
Conseqüentemente, grande parte dessa investigação tem
sido uma negativa redução ao ridículo das várias conclusões
extraídas das teorizações científicas. A cosmologia Big Bang,
a favorita do momento, foi o foco principal de nossas críticas.
Isso é justificável apenas pelo fato de que muitos escritores a
têm usado, uns para criticar e outros para apoiar o cristia­
nismo. Entretanto, outros modelos cosmológicos, incluindo
alguns fundamentados na Bíblia, também foram focalizados
e apontadas as suas deficiências.
O leitor pode muito bem achar que eu fui longe demais, e
que tenho sido muito cético quanto à veracidade das teorias
científicas. De fato, a maioria dos cientistas gostaria de que os
“fatos” científicos incluíssem também pelo menos algumas
teorias “bem estabelecidas”. Mas, quais delas? Como é que
podemos determinar quais teorias são mais provavelmente
verdadeiras? Certamente não seria pelo critério do voto da
maioria. No entanto, que critério adotar? E por qual critério
escolheríamos o critério?

317
Deus e Cosmos

s
Aqueles que desejam expandir o escopo do conhecimento ci­
entífico eu deixo o desafio de estabelecerem e justificarem um
critério apropriado para o discernimento de teorias verdadei­
ras. Isso ainda está por ser realizado.

2. A Supremacia da Palavra de Deus


Nossa segunda tese primária é a de que a Bíblia é a Pala­
vra de Deus. Como tal, possui autoridade intrínseca, e deve
ser interpretada em conformidade com ela. Conseqüente-
mente, uma epistemología cristã necessariamente terá que
insistir no ponto de que a falível teorização humana deve ser
avaliada à luz da Palavra de Deus, e não vice-versa. Aplicado
coerentemente, isso nos deixa com, entre outras coisas, a tradi­
cional literal interpretação de Gênesis, capítulos 1-11.
De novo o leitor pode achar que eu fui longe demais.
Atualmente poucos acadêmicos cristãos estão dispostos a
tomar o livro de Gênesis por seu valor nominal. Em sua
maioria, por não estarem totalmente a par das limitações da
ciência aqui apontadas, eles foram talvez persuadidos da vasta
idade da terra, da cosmologia Big Bang, ou da origem evolutiva
do homem. Como nenhuma dessas coisas é observável por via
direta, o que eles de fato tem feito é, indevidamente, elevar ao
status da verdade conclusões teóricas particulares. Assim
fazendo, eles também, talvez não intencionalmente, fizeram
investimento numa epistemología que atribui excessivo peso
à teorização humana.
Seu conjunto de “fatos” científicos, indevidamente, equi­
parados com as Escrituras, força a interpretação do texto
bíblico que melhor lhes adeque. Uma epistemología falaciosa
resulta numa dúbia hermenêutica. E mais, se uma ciência
naturalista pode ditar novas interpretações das Escrituras num
ponto, tal como Gênesis, capítulo 1, porque não em outros
pontos? Uma hermenêutica que se dobra à ciência natura­
lista, quando sistematicamente aplicada acaba por esvaziar a

318
Conclusões

Bíblia do seu conteúdo sobrenatural.


É claro que todo cristão, em algum ponto, terá que defi­
nir uma linha demarcatória, de modo a preservar o essencial
do cristianismo. Nenhum cristão poderá, por exemplo, seguir
as implicações integrais da naturalista cosmologia Big Bang, e
negar a vida após a morte. Contudo, uma tão mirrada conces­
são por meros vestígios de cristianismo parece algo bastante
tramado, ou ajeitado: imitação teísta, a bordo de um vagão
naturalista. O critério para interpretação bíblica passa então a
ser dirigido por avaliações subjetivas a respeito do que é e do
que não é essencial à doutrina cristã, ao invés de um total
reconhecimento e submissão ao divino Autor.
Aqueles que desejam rejeitar a interpretação tradicional
de Gênesis, capítulos 1-11, eu deixo o desafio de justificar tal
rejeição em termos de princípios hermenêuticos válidos,
consistentes com a epistemología cristã baseada na suprema­
cia da Palavra de Deus.

3. Escolha de Visões do Mundo


Dada a natureza subjetiva da teorização, e a necessidade
de pressuposições extracientíficas, fica claro que a cosmologia
adotada por qualquer um é muitíssimo determinada pela
definição de seu ponto de partida.
Aqueles que pressupõem que o universo físico é tudo o
que existe, darão preferência a uma cosmologia naturalista
baseada puramente em causas e efeitos físicos. A cosmologia
Big Bang é a criação do mito do naturalismo. O naturalista,
partindo da rejeição do sobrenatural, obviamente nunca con­
siderará aceitável qualquer cosmologia bíblica. Na prática,
as atuais explicações naturalistas para o universo observável
parece altamente implausível, e apresenta enormes lacunas.
Pode-se pensar que, pelo menos em princípio, qualquer defi­
ciência da visão naturalista do mundo será eventualmente
remediada. Contudo, mesmo se o naturalismo pudesse ser

319
Deus e Cosmos

formulado como uma autocoerente visão do mundo, ela


produziria uma bastante truncada e empobrecida visão do
mundo. Não haveria lugar para Deus, o mundo espiritual, ou
vida após a morte. Mente, pensamentos, escolhas, ficam redu­
zidas a meras ilusões, sombras apagadas sem qualquer efeito
sobre o mundo material, cuja forma e conteúdo são completa­
mente dependentes de um determinista cérebro material, o
resultado acidental de um acaso cego.
Somos deixados num mundo material vazio de propó­
sitos e valores, um mundo sem beleza, justiça, sem verdades
eternas e sem amor. G. K. Chesterton em seu livro Orthodoxy
compara o materialista a um homem louco:

Para explicar o mundo o materialismo apresenta um tipo de


simplicidade insana. Tal explicação tem justamente a qualidade
do argumento do homem louco; ao mesmo tempo temos o senso
de abranger tudo e o senso de excluitr tudo... Ele (o materialista)
entende tudo, e tudo parece desmerecedor de entendimento. Seu
cosmos pode ser completo em cada rebite e engrenagem, mas ain­
da assim seu cosmos é menor que nosso mundo. De algum modo
seu esquema, como o lúcido esquema de nosso homem louco,
parece inconsciente das energias exteriores e da grande indife­
rença da terra; não considera as coisas reais da terra, os povos
em guerra ou mães orgulhosas, ou o primeiro amor, ou o medo
do mar.1

Assim é a coerente visão do mundo segundo o natura­


lismo. Seu círculo de explicações pode ser completo, porém é
um círculo muito pequeno que abrange apenas um pequeno
subconjunto da realidade.
A alternativa é ter como ponto de partida Deus, como re­
alidade completa. Visto que Deus é puramente espírito, o
mundo espiritual então se torna de primária importância. O

1 London: Hodderand Stoughton, 1908; reimpressão 1996.

320
Conclusões

universo físico, uma criação de Deus é então reduzido a


mero subconjunto de uma realidade muito mais ampla. O
reconhecimento de forças espirituais interagindo com o
universo físico facilmente leva em conta a existência de
milagres. Mesmo o colossal milagre da criação instantânea
do inteiro universo físico, por uma simples palavra de Deus,
não apresenta qualquer problema.
Se Deus é nosso ponto de partida, então à Sua Palavra
revelada será dada a máxima confiança como única fonte
fidedigna de conhecimento além do nosso horizonte
observacional. Através dela adquirimos conhecimento de
Deus, de Seu plano para o universo, do mundo espiritual, e
dos padrões morais. Em suma, pelo teísmo pode-se facil­
mente dar uma explicação plausível para o mundo observado,
bem como para a existência de coisas tais como a mente, pro­
pósitos, valores, pecado, e amor. Pela perspectiva teísta, o fato
de ciências naturalistas contradizerem a Bíblia meramente
indica a inadequação do pensamento humano quando deixa­
do por si próprio. Embora as explicações teístas sejam ainda
incompletas, sua descrição da realidade é muito mais ampla
do que aquela apresentada pelo naturalismo.
A escolha é clara: ou o naturalismo é verdadeiro, e a
concepção bíblica da realidade é uma ilusão, ou a Bíblia é a
verdade e o naturalismo, incluindo seu mito Big Bang para a
questão de origens, tem que ser rejeitado como mera fantasia.

4. Um Apelo à Coerência
Como cristãos devemos estar constantemente alertas, para
que não sejamos conformados com o mundo, mas, em vez
disso, sermos transformados em cada um de nossos pensa­
mentos. Devemos desenvolver integralmente as conseqüên-
cias de nossa fé com temor e tremor, resistindo às pressões para
concessões. Também, em questões científicas devemos ser
cautelosos no sentido de sustentar e defender nossos valores

321
Deus e Cosmos

cristãos e epistemología, examinando criteriosamente as


reivindicações científicas antes de aceitá-las como “fatos”.
Nos últimos anos tem havido um significativo aumento
de reconhecimento dado a acadêmicos cristãos por institui­
ções seculares. Contudo, questionamento tem sido feito
quanto a tais reconhecimentos estarem sendo concedidos
apenas porque a erudição evangélica tem se tornado seculari­
zada. Craig M. Gay sugere que tais reconhecimentos podem
muito bem ser motivados pelo fato de que acadêmicos
cristãos crescentemente têm adotado a comunidade acadê­
mica secular como seu ponto de referência, contrário à
comunidade dos crentes.2
Tem havido muita ênfase entre acadêmicos cristãos visan­
do integração de fé e ciência. Todavia, tal integração quase
sempre consiste em acomodar mais o cristianismo à certas
disciplinas e não vice-versa. Talvez mais atenção deve ser
dada à diferenciação, do que à integração. Os acadêmicos
cristãos devem examinar mais criticamente a metodologia,
epistemología e conteúdo de suas várias disciplinas. Cada
disciplina deve ser despida e desmontada, a começar da
base, purgada de noções não bíblicas, e reconstruída tendo
os valores bíblicos como dados válidos. Somente assim uma
genuína integração pode ser conseguida.
Com respeito à cosmologia em particular é claro que, se
devemos preservar princípios essênciais tais do cristianismo
como o retorno de Cristo e a vida após a morte, então haverá
um ponto em que a ruptura com a cosmologia Big Bang
será inevitável. Como afinal seremos reputados como tolos aos
olhos do mundo de qualquer maneira, que tal pelo menos
sermos tolos coerentes, e sustentar a Palavra de Deus em sua
totalidade não diminuída?
Nessa vida devemos reconhecer nossas limitações

2 “The Uneasy Intellect of Modern Evangelicalism”, Crux, 1990, xxvi, pp. 8-11.

322
Conclusões

humanas, particularmente com relação ao conhecimento


científico. Visto que a Bíblia é a nossa única fonte de verdade
absoluta, é preferível tomá-la demais a sério - se é que isso
pode ser feito! - do que arriscarmos abrir concessões, por
melhores que sejam nossas intenções. Apeguemo-nos por­
tanto à Palavra de Deus - sem adicionar nem subtrair nada - e
construamos nossas teorias cosmológicas de conformidade com
ela, esforçando-nos sempre para trazer cativo todo pensa­
mento à obediência a Cristo.

323
Bibliografia
Abdelkader, Mostafa A., “A Geocosmos: Mapping Outer
Space into a Hollow Earth”, Speculations in Science and
Technology, 1983, 6, pp. 81-89.
Abbott, Edwin A., Flatland, 1844, repr. New York: Dover, 1992.
Albrecht, Andreas e JoÄo Magueijo, “A Time Varying Speed
of Light as a Solution to Cosmological Problems”, Physical
Review, 1999, D 59: 043516.
Alfven, Hannes O. G., “Cosmology: Myth or Science?”, em
W. Yourgrau and A. D. Breck (eds.), Cosmology, History, and
Theology, New York: Plenum Press, 1974.
ALLEN, D. C., The Legend of Noah: Renaissance Rationalism in
Art, Science, and Letters, Urbana: University of Illinois Press,
1963.
ANDREWS, E. H., em O. R. Barclay (ed.), Creation & Evolution:
When Christians Disagree, Downers Grove: InterVarsity Press,
1985.
Arp, HaLTON, Seeing Red, Montreal: Apeiron, 1998.
Arp, HALTON, Roy Keys, e KONRAD RUDNICKI, Progress in New
Cosmologies: Beyond the Big Bang, New York: Plenum Press,
1993.
BARBOUR, Ian G., Issues in Science and Religion, New York:
Harper, 1971.
BARBOUR, Ian G., Religion in an Age of Science, San Francisco:
Harper, 1990.
Barbour, J. B. e B. Bertotti, “Gravity and Inertia in a
Machian Framework”, II Nuovo Cimento, 1977, B 38, pp. 1-28.
BARROW, JOHN D., The World within the World, Oxford: Clarendon
Press, 1988.
Barrow, John D., “Cosmologies with Varying Light-Speed”,
Physical Review, 1999, D 59: 043515.
Barrow, John D. e Frank J. Tipler, The Anthropic Cosmological
Principle, Oxford: The University Press, 1986.

324
Bibliografia

BERKHOF, LOUIS, Systematic Theology, London: Banner of Truth,


1958.
BERLINSKI, DAVID, “Was There a Big Bang?”, Commentary
Magazine, February 1998. Ver também “Letters from Readers”
e Berlinski’s resposta em Commentary Magazine, May 1998.
BLOCHER, HENRI, In the Beginning, Downers Grove: InterVarsity
Press, 1984.
BOSLOUGH, JOHN, Stephen Hawking’s Universe, New York:
William Morrow, 1985.
Bouw, GERARDUS D., “Geocentricity in the Twentieth
Century?”, Bulletin of the Tychonian Society, 1988, 46, p. 32.
BOUW, GERARDUS D., Geocentricity, Cleveland: Association for
Biblical Astronomy, 1992.
BRAUN, Fritz, Das Drei-Stockige Weltall der Bibel, Salem-Obw.:
Morgenland Verlag, 1973; também em inglês como Space and
the Universe.
BURBIDGE, G.j “Modern Cosmology: the Harmonious and the
Discordant Facts”, em B. R. Iyer (ed.), Highlights in Gravitation
and Cosmology, Cambridge: The University Press, 1988.
BURBIDGE, G. e F. HOYLE, “The Origin of Helium and the Other
Light Elements”, Astrophysical Journal, 1998, 509, pp. Ll-3.
BURBIDGE, G., F. Hoyle e J. V NaRLIKAR, “A Different
Approach to Cosmology”, Physics Today, 1999, 52 (April), pp.
38-44.
BURLES, SCOTT, et al., “Sharpening the Predictions of Big Bang
Nucleo-synthesis”, Physical Review Letters, 1999, 82, pp. 4176-
4179.
Byl, JOHN, “Instrumentalism: A Third Option”, Journal of the
American Scientific Affiliation, 1985, 37, pp. 11-18.
BYL, JOHN, “On Small Curved-Space Models of the Universe”,
Creation Research Society Quarterly, 1988, 25, pp. 138-140.
Byl, JOHN, “General Revelation and Evangelicalism”, Mid-
America Journal of Theology, 1989, 5, pp. 1-13.
BYL, JOHN, “On the Natural Selection of Universes”, Quarterly
Journal of the Royal Astronomical Society, 1996, 37, pp. 369-371.

325
Deus e Cosmos

Byl, JOHN, “The Role of Beliefs in Modern Cosmology”, in J.


M. van der Meer, (ed.), Facets of Faith and Science, Lanham:
University Press of America, 1996, Vol. 3, pp. 47-62.
Byl, John, “On Craig’s Defence of the Kalam Cosmological
Argument”, in J. M. van der Meer (ed.), Facets of Faith and
Science, Lanham: University Press of America, 1996, Vol. 4,
pp. 75-90.
Byl, JOHN, “On Time Dilation in Cosmology”, Creation Research
Society Quarterly, 1997,34, pp. 26-32.
CALVIN, John, Institutes of the Christian Religion, 1559 edition.
CAMERON, A. G. W., Interstellar Communication, New York:
Benjamin, 1963.
CHESTERTON, G. K., Orthodoxy, London: Hodder and Stoughton,
1908.
CLARK, G. H., Thales to Dewey, Grand Rapids: Baker Book House,
1957.
CLOUSER, Roy A., The Myth of Religious Neutrality, Notre Dame,
Ind.: University of Notre Dame, 1991.
CLUBE, S. V. M., “The Material Vacuum”, Monthly Notices of
the Royal Astronomical Society, 1980,193, p. 385.
COBB, John B., A Christian Natural Theology, Philadelphia:
Westminster Press, 1965.
COBB, John B., Christ in a Pluralistic Age, Philadelphia:
Westminster Press, 1975.
COLES, P, “The End of the Old Model Universe”, Nature, 393
(25 June 1998),p.741.
COOPER, John W., Body, Soul, and Life Everlasting, Grand Rapids:
Eerdmans, 1989.
CRAIG, W. L., The Kalam Cosmological Argument, London:
Macmillan, 1979.
CRAIG, W. L., “Philosophical and Scientific Pointers to Creation
Ex Nihilo”, Journal of the American Scientific Affiliation, 1980,
32, pp. 5-13.
CRAIG, W. L., “Hugh Ross’s Extra-Dimensional Deity: A Review
Article”, Journal of the Evangelical Theological Society, 1999, 42,
pp. 293-304.

326
Bibliografia

CRAWFORD, David E, “A New Gravitational Interaction of


Cosmological Importance”, Astrophysical Journal, 1991, 377,
pp. 1-6.
CRAWFORD, David F., “A Static Stable Universe”, Astrophysical
Journal, 1993,410, pp. 488-492.
CRAWFORD, IAN, “Galactic Civilizations: A Reply”, Astronomy
& Geophysics, 1997, 38, p. 19.
DARWIN, Charles, On the Origin of the Species, 2a ed., London:
John Murray, 1859.
DAVIDSON, H. A., Proofs for Eternity, Creation and the Existence
of God in Medieval Islamic and Jewish Philosophy, Oxford:
The University Press, 1987.
DAVIES, Paul, God and the New Physics, New York: Simon &
Schuster, 1983.
DAVIES, Paul, The Cosmic Blueprint, New York: Simon &
Schuster, 1988.
DAVIES, Paul, Are We Alone? Philosophical Implications of the
Discovery of Extraterrestrial Life, New York: Basic Books, 1995.
DAVIS, J. J., “Search for Extraterrestrial Intelligence and the
Christian Doctrine of Redemption”, Science & Christian Belief;
1997, 9, pp. 21-34.
De SITTER, W., “The Evolution of the Universe”, Nature, 1931,
128, p. 707.
DeYoung, Don B., Astronomy and the Bible, Grand Rapids:
Baker Book House, 1989.
Dick, Steven J., Plurality of Worlds, Cambridge: The University
Press, 1981.
DIEHL, David W, “Evangelicalism and General Revelation: An
Unfinished Agenda”, Journal of the Evangelical Theological
Society, 1987, 30, p. 441.
DlLLENBERGER, JOHN, Protestant Thought and Natural Science,
New York: Abingdon Press, 1960.
DINGLE, H., “Philosophical Aspects of Cosmology”, Eïsîîzî in
Astronomy, 1960, 1, p. 166.
DREES, Willem B., Beyond the Big Bang: Quantum Cosmologies
and God, Th. D. Thesis, Rijksuniversiteit Groningen, The
Netherlands, 1989.

327
Deus e Cosmos

DYSON, F., Disturbing the Universe, New York: Harper and Row,
1979.
DYSON, R, Infinite in All Directions, New York: Harper and Row,
1988.
EARMAN, John e JESUS MOSTERIN, “A Critical Look at
Inflationary Cosmology”, Philosophy or Science, 1999, 66, pp.
1-49.
EODINGTON, A. S., The Internal Constitution or the Stars,
Cambridge: The University Press, 1926.
EODINGTON, A. S., The Nature of the Physical World, 1928, repr.
Ann Arbor: University of Michigan, 1963.
Einstein, Albert, The Meaning of Relativity, 5a Ed., Princeton:
The University Press, 1956.
ElNASTO, J., et al., “A 120-Mpc Periodicity in the Three-
dimensional Distribution of Galaxy Superclusters”, Nature,
1997,385, p.139.
ELLIS, G. F. R., “Cosmology and Verifiability”, Quarterly Journal
of the Royal Astronomical Society, 1975,16, pp. 245-264.
Ellis, G. F. R., “Is the Universe Expanding?”, General Relativity
and Gravitation, 1978, 9, pp. 87-94.
ELLIS, G. F. R., “Alternatives to the Big Bang”, Annual Review
of Astronomy &. Astrophysics, 1984, 22, pp. 157-184.
Ellis, G. F. R., “Piety in the Sky”, Nature, 1994,371, p. 115.
ELLIS, G. F. R. e D. H. COULE, “Life at the End of the Universe”,
General Relativity and Gravitation, 1994, 26, pp. 713-739.
FlNLAY-FREUNDLICH, E., “Red Shifts in the Spectrum of
Celestial Bodies”, Philosophical Magazine, 1954, 45, pp. 303-
319.
FISCHER, E., “A Cosmological Model without Singularity”,
Astrophysics and Space Science, 1993, 206, pp. 203-19.
FLEMING, K. C., God’s Voice in the Stars: Zodiac Signs and Bible
Truth, Neptune, N.J.: Loizeau Brothers, 1981.
GALILEO Galilei, “Letter to the Grand Duchess Christina”
(1615), em Discoveries and Opinions of Galileo, traduzidapor
Stillman Drake, New York: Doubleday Anchor, 1957.

328
Bibliografia

GAMOW, G., “Modern Cosmology”, Scientific American, 1954,190,


pp. 55-63.
Gay, CRAIG M., “The Uneasy Intellect of Modern Evangelical­
ism”, Crux, 1990, xxvi, pp. 8-11.
GEISLER, Norman L., Journal of the Evangelical Theological
Society, 1979, 22, p. 282.
GEISLER, Norman L., Knowing the Truth About Creation, Ann
Arbor: Servant Books, 1989.
Geisler, Norman L. e J. K. Anderson, Origin Science: A
Proposal for the Creation-Evolution Controversy, Grand Rapids:
Baker Book House, 1987.
Geisler, Norman L. e W. CORDUAN, Philosophy of Religion,
Grand Rapids: Baker, 1988.
GELLER, M. J. e J. P Huchra, “Cosmic Cartographers Find
“Great Wall”, Science News, 1989,136, p. 340.
GENTRY, Robert, “A New Redshift Interpretation”, Modem
Physics Letters A, 1997,12, p. 2919.
GHOSH, A., “Velocity-Dependent Inertial Induction: a Possible
Tired-Light Mechanism”, Apeiron, 1991, 9-10, pp. 35-44.
GILMORE, G., et al., “First Detection of Beryllium in a Very Metal-
Poor Star: a Test of the Standard Big Bang Model”, Astro
physical Journal, 1991,378, pp. 17-21.
Glanz, James, “Worlds Around Other Stars Shake Planet Birth
Theory”, Science, 1997,276, pp. 1336-9.
GREEN, W. H., Bibliotheca Sacra, 1890,47, pp. 285-303, reimpresso
como uma Appendice em R. C. Newman e H. J. ECKELMANN,
Genesis One and the Age of the Earth, Downers Grove: Inter
Varsity Press, 1977.
GRIBBIN, JOHN, “Bunched Redshifts Question Cosmology”, New
Scientist, 1991,132, pp. 1800-1801.
GRUNBAUM, Adolph, “The Pseudo-Problem of Creation in
Physical Cosmology”, Philosophy of Science, 1989, 56, pp. 373-
394.
Guth, A. H. e M. Sher, “The Impossibility of a Bouncing
Universe”, Nature, 1983, 302, pp. 505-507.

329
Deus e Cosmos

HARRISON, Edward R., Cosmology: The Science of the Universe,


Cambridge: The University Press, 1981.
HARRISON, Edward R., “The Natural Selection of Universes
Containing Intelligent Life”, Quarterly Journal of the Royal
Astronomical Society, 1995, 36, pp. 193-203.
HART, Michael H., Extraterrestrials - Where are They? NewYork:
Pergamon Press, 1982.
HARTSHORNE, Charles, The Logic of Perfection, LaSalle, Ill.:
Open Court, 1962.
HAWKING, S. W., A Brief History of Time, New York: Bantam,
1988.
Hawking, S. W. e G. F. R. Ellis, “The Cosmic Black-Body
Radiation and the Existence of Singularities in Our
Universe”, Astrophysical Journal, 1967, 152, pp. 25-35.
Hawking, S. W. e R. PENROSE, “The Singularities of Gravita­
tional Collapse and Cosmology”, Proc. Royal Society of London,
1970, A 314, pp. 529-548.
HECHT, Jeff, “Astronomers” Double Whammy Rocks Cosmo­
logy”, New Scientist, 1994,141, p. 16.
HEEREN, FRED, Show Me God: What the Message from Space Is
Telling Us about God, Wheeling: Searchlight, 1995.
HEMPEL, CARL G., Philosophy ofNatural Science, Englewood Cliffs,
N.J.: Prentice-Hall, 1966.
HENNINGER, S.K., The Cosmological Glass: Renaissance Diagrams
of the Universe, San Marino, Calif.: Huntington Library, 1977.
HORGAN, J., “Universal Truths”, Scientific American, Oct. 1990,
pp. 109-117.
HOYLE, Fred, Astronomy and Cosmology, San Francisco: Freeman,
1975.
HOYLE, Fred, “On the Origin of the Microwave Background”,
Astrophysical Journal, 1975, 196, p. 661.
HOYLE, Fred, Ten Faces of the Universe, San Francisco: Freeman,
1977.
HOYLE, Fred, The Intelligent Universe, New York: Holt, Rinehart
and Winston, 1983.

330
Bibliografia

HUMPHREYS, C. J., “The Star of Bethlehem - a Comet in 5 BC -


and the Date of the Birth of Christ”, Quarterly Journal of the
Royal Astronomical Society, 1991, 32, pp. 389-407.
HUMPHREYS, D. R., Starlight and. Time, Colorado Springs: Master
Books, 1994.
ISRAELIT, M. e N. ROSEN, “A Singularity-Free Cosmological
Model in General Relativity”, Astrophysical Journal, 1989, 342,
p. 627.
JAGER, OKKE, Het Eeuwige Leven: Met Name in Verband Met de
Verhouding van Tijd en Eeuwigheid, Kampen: Kok, 1962.
JORDAN, J AMES B., Creation in Six Days: A Defense of the Traditional
Reading of Genesis One, Moscow, Idaho: Canon Press, 1999.
KANT, Immanuel, Allgemeine Naturgeschichte und Theorie des
Himmels (1755); uma tradução em inglês por Stanley L. Jaki
pode ser encontrada em Yourgrau and Beck, Cosmology,
History, and Theology (ver ALFVEN referência acima).
Kelly, DOUGLAS E, Creation and Change: Genesis l:l-2:4 in the
Light of Changing Scientific Paradigms, Tain, Ross-shire:
Mentor, 1997.
KIEREIN, J. W., “A Criticism of Big Bang Cosmological Models
Based on Interpretation of the Red Shift”, Laser and Particle
Beams, 1988,6, pp. 453-456.
KOESTLER, ARTHUR, The Sleepwalkers, Harmondsworth:
Penguin, 1968.
KOYRÉ, ALEXANDRE, From the Closed World to the Infinite Universe,
Baltimore: Johns Hopkins Press, 1957.
KUHN, T. S., The Copemican Revolution, Cambridge, Mass.:
Harvard University Press, 1957.
LAKATOS, Imre, The Methodology of Research Programmes,
Cambridge: The University Press, 1980.
Lauer, T. R. e M. Postman, “The Motion of the Local Group”,
Astrophysical Journal, 1994, 425, pp. 418-438.
LA VlOLETTE, PAUL A., Beyond the Big Bang: Ancient Myth and
the Science af Continuous Creation, Rochester, Vermont: Park
Street Press, 1995.

331
Deus e Cosmos

LERNER, E. J., “Plasma Models of Microwave Background and


Primordial Elements: An Alternative to the Big Bang”, Laser
and Particle Beams, 1988, 6, pp. 45-48.
LERNER, E. J., “Galactic Model of Element Formation”, IEEE
Transactions on Plasma Science, 1989, 77, pp. 259-263.
LERNER, E. J., The Big Bang Never Happened, New York: Times
Books, 1991.
LESLIE, John, “Modern Cosmology and the Creation of Life”,
em E. McMullin (ed.), Evolution and Creation, Notre Dame:
University of Notre Dame Press, 1985.
LESLIE, John, Universes, London: Routledge, 1989.
LESLIE, John (ed.), Physical Cosmology and Philosophy, London,
1990.
LEWIS, C. S., The Discarded Image, Cambridge: The University
Press, 1963.
LEY, W., Rockets, Missiles, and Space irawe/, New York: Viking
Press, 1951.
LlGHTMAN, A. e R. BRAWER, Origins, Cambridge, Mass.: Harvard
University Press, 1990.
LINDE, Andrei, “The Universe: Inflation out of Chaos”, New
Scientist, 7 March 1985, pp. 14-18.
Linde, Andrei, “Particle Physics and Inflationary Cosmology”,
Physics Today, 1987, 40, pp. 61-68.
Linde, Andrei, “The Self-Reproducing Inflationary Universe”,
Scientific American, Nov. 1994, pp. 48-55.
Linde, Andrei, Dmitri Linde e Arthur Mezhlumian, “Do
We Live in the Center of the World?”, Physics Letters, 1995, B
345, pp. 203-210.
LOVEJOY, ArthurO., The Great ChainafBeing, Cambridge, Mass.:
Harvard University Press, 1936.
LUBENOW, MARVIN L., Bones of Contention, Grand Rapids: Baker,
1992.
Lynden-Bell, D., J. Katz e J. Bicak, “Mach’s Principle from
the Relativistic Constraint Equations”, Monthly Notices of the
Royal Astronomical Society, 1995, 272, pp. 150-160.

332
Bibliografia

MacKay, D. S. et al., “Search for Past Life on Mars: Possible


Relic Biogenic Activity in Martian Meteorite ALH84001”,
Science, 1996,273, pp. 924-930.
MARKOV, M. A., “Asymptotic Freedom and Entropy in a
Perpetually Oscillating Universe”, Physics Letters, 1983, 94A,
pp. 427-429.
MARKOV, M. A., “Some Problems of Modern Theory of Gravita­
tion”, em The Past and Future of the Universe, Moscow: Nauka,
1989,pp.11-23.
Marmet, Paul e Grote Reber, “Cosmic Matter and the Non­
expanding Universe”, IEEE Transactions on Plasma Science,
1989,77, pp. 264-269.
MASCALL, E.L., Christian Theology and Natural Science, London:
Longmans, Green and Co., 1956.
MARTIN, E. L., The Birth of Christ Recalculated, Pasadena:
Foundation for Biblical Research, 1980.
McMullin, Ernan, “How Should Cosmology Relate to Theo­
logy?” em A. R. Peacocke, The Sciences and Theology in the Twentieth
Century, Stocksfield: Oriel Press, 1981.
MENNINGA, CLARENCE, “Creation, Time, and “Apparent Age”,
Perspectives on Science and Christian Faith, 1988, 40, p. 161.
MILNE, A. E., Modem Cosmology and the Christian Idea of God,
Oxford: Clarendon Press, 1952.
MITCHEL, W. C., The Cult af the Big Bang, Carson City: Cosmic
Sense Books, 1995.
MITCHEL, W C., “Big Bang Theory Under Fire”, Physics Essays,
1997,10, No.2.
Moon, Parry e Domina E. SPENCER, “Binary Stars and the
Velocity of Light”, Journal of the Optical Society of America,
1953,43, pp. 635-641.
Moon, Parry e Domina E. Spencer, “Mach’s Principle”,
Philosophy of Science, 1959,26, pp. 125-134.
MOORE, BEN, “Evidence Against Dissipationless Dark Matter
from Observations of Galaxy Haloes”, Nature, 1994, 370, pp.
629-631.

333
Deus e Cosmos

MORELAND, J. P., The Creatian Hypothesis, Downers Grove:


InterVarsity Press, 1994.
MORRIS, Henry M., The Twilight afEvolution, Philadelphia:
Presbyterian and Reformed, 1963.
MORRIS, Henry M., The Remarkable Birth af Planet Earth,
Minneapolis: Dimension Books, 1972.
MUSSER, George, “Glow in the Dark”, Scientific American, March
1998,275, 3, p.18.
NARLIKAR, J. V., The Primeval Universe, Oxford: The University
Press, 1968.
NARLIKAR, J. V., “Did the Universe Originate in a Big Bang?”,
em S. K. Biswas (ed.), Cosmic Perspectives, Cambridge: The
University Press, 1989.
NASA,“Hubble Uncovers New Clues to Galaxy Formation”,
http://opposite.stsci.edu/pubinfo/background-text/galxpds.txt,
1994.
NASH, R. H., The Concept of God, Grand Rapids: Academe Books,
1983.
NATIONAL Academy OF SCIENCE, Scientific Creationism: A View
from the National Academy of Science, Washington: National
Academy Press, 1984.
NlESSEN, RICHARD, “A Biblical Approach to Dating the Earth:
A Case for the Use of Genesis 5 and 11 as an Exact Chrono­
logy”, Creation Research Society Quarterly, 1982, 19, pp. 60-66.
NORMAN, Trevor e Barry SETTERFIELD, The Atomic Constants,
Light and Time, Flinders University, Australia, 1987.
OGDEN, Schubert M., The Reality of God and Other Essays, New
York: Harper and Row, 1966.
OGDEN, Schubert M., “The Meaning of Christian Hope”,
Union Seminary Quarterly Review, 1975, 30, pp. 160-163.
OLDERSHAW, R. L., “The New Physics - Physical or Mathema­
tical Science?”, American Journal ofPhysics, 1988,56, pp. 1075-
1081.
OVENDEN, M. W, “The Origin of the Constellations”, The Philo­
sophical Journal, 1966, 3, pp. 1-18.

334
Bibliografia

OZANNE, C. G., The First 7000 Years: A Study in Bible Chronology,


New York: Exposition Press, 1970.
PAGELS, Heinz R., “A Cozy Cosmology”, em LESLIE, Physical
Cosmology and Philosophy, 1990.
PEACOCK, Roy E.,A Brief History of Eternity, Wheaton: Crossway
Books, 1990.
PEEBLES, P J. E., Book Review: Inner Space/Outer Space -The
Interface between Cosmology and Particle Physics by E. W Kolb,
Science, 1987, 235, p. 372.
PEEBLES, PJ. E., Principles of Physical Cosmology, Princeton: The
University Press, 1993.
PENROSE, Roger, “Difficulties with Inflationary Cosmology”,
Annals of the New York Academy of Sciences, 1989, 571, pp. 249-
264.
PETERS, Ted (ed.), Cosmos as Creation, Nashville: Abingdon
Press, 1989.
PETERS, Ted, “The Trinity in and beyond Time”, em RUSSELL,
Murphy and Isham, 1996.
Poe, Edgar Allan, Eureka: A Prose Poem, New York: Putnam,
1848.
POLKINGHORNE, JOHN, One World: The Interaction of Science and
Theology, Princeton: The University Press, 1986.
POLKINGHORNE, JOHN, Science and Creation, London: SPCK,
1988.
POLKINGHORNE, JOHN, “Cross-Traffic Between Science and
Theology”, Perspectives on Science and Christian Faith, 1991, 43,
pp. 144-151.
POLKINGHORNE, JOHN, The Faith of a Physicist, Princeton: The
University Press, 1994.
POPPER, Karl R., Conjectures and Refutations, London: Routledge,
1963.
POPPER, Karl R., Objective Knowledge, London: Oxford
University Press, 1972.
RAMM, BERNARD, The Christian View of Science and Scripture,
Grand Rapids: Eerdmans, 1954.

335
Deus e Cosmos

Rao, J. KRISHNA e M. ANNAPURNA, “Spherically Symmetric


Static Inhomogeneous Cosmological Models”, Pramana, 1991,
36, pp. 95-103.
REES, MARTIN, “Ripples from the Edge of Time”, Guardian
Weekly, 3 May 1992, p. 11.
ROSS, HUGH, The Fingerprint of God, Orange: Promise Publishing
Co., 2a ed., 1991.
ROSS, HUGH, The Creator and the Cosmos, Colorado Springs:
Navpress, 1993.
ROSS, HUGH, Creation and Time, Colorado Springs: Navpress,
1994.
ROSS, Hugh, Beyond the Cosmos, Colorado Springs: Navpress,
1996.
ROSS, HUGH, The Genesis Question, Colorado Springs: Navpress,
1998.
ROZENTAL, I. L., Big Bang, Big Bounce, Berlin: Springer Verlag,
1988.
RUSE, Michael (ed.), But Is It Science? Buffalo: Prometheus
Books, 1988.
RUSSELL, Bertrand, The ABC of Relativity, London: Allen and
Unwin, 1958.
RUSSELL, J. R. (ed,), Physics, Philosophy and Theology: A Common
Quest for Understanding, Vatican City: Vatican Observatory
Press, 1988.
Russell, J. R., Nancy Murphy e C. J. Isham (eds.), Quantum
Cosmology and the Laws of Nature: Scientific Perspectives on
Divine Action, Vatican City: Vatican Observatory Publications,
1996.
SAGAN, Carl, Broca’s Brain, New York: Random House, 1979.
SCHILLING, G., “Galaxies Seen at the Universe’s Dawn”, Science,
1999,283, p. 21.
SCHROEDER, Gerald L., Genesis and the Big Bang, New York:
Bantam, 1990.
Segal, I. E., J. F. Nicoll, E Wu e Z. Zhou, “Statistically
Efficient Testing of the Hubble and Lundmark Laws on IRAS
Galaxy Samples”, Astrophysical Journal, 1993, 411, pp. 465-484.

336
Bibliografia

SEGAL, I. E. e Z. ZHOU, “Maxwell’s Equations in the Einstein


Universe and Chronometric Cosmology”, Astrophysical Journal
Supplement, 1995,100, p.307.
SEGAL, I. E. e J. F. NlCOLL, “Statistics of a Complete High-
Redshift Quasar Survey and Predictions of Nonevolutionary
Cosmologies”, Astrophysical Journal, 1996, 459, p. 496.
SEISS, J. A., The Gospel in the Stars, 1882, repr. Grand Rapids:
Kregel, 1972.
Selbrede, M. G., “Geocentricity’s Critics Refuse to Do Their
Homework”, Chalcedon Report, 1994, No. 351, pp. 33-40.
SENOVILLA, J. M. M., “Singularity Theorems and Their
Consequences”, General Relativity & Gravitation, 1998, 30, pp.
701-848.
SETTERFIELD, Barry, “The Velocity of Light and the Age of the
Universe”, Ex Nihilo, 1981, 4(1), pp. 38-48, (3), pp. 56-81.
SHULL, J. Michael, “Intergalactic Pollution”, Nature, 1999, 394,
pp. 17-18.
SMITH, Quentin, “Infinity and the Past”, Philosophy of Science,
1987,54, pp. 63-75.
SMITH, QUENTIN, “The Uncaused Beginning of the Universe”,
Philosophy of Science, 1988, 55, pp. 39-57.
SMITH, Wilbur M., The Biblical Doctrine of Heaven, Chicago:
Moody, 1968.
SORABJI, RICHARD, Time, Creation and the Continuum, Ithaca:
Cornell University Press, 1983.
SPENCER, Stephen R., “Is Natural Theology Biblical?”, Grace
Theological Journal, 1988, 9, pp. 59-72.
STOEGER, WILLIAM, “Contemporary Cosmology and Implica­
tions for the Science-Religion Dialogue”, em RUSSELL, Physics,
Philosophy and Theology.
STRAUSS, M. A. et al., “Can Standard Cosmological Models
Explain the Observed Abell Cluster Bulk Flow?”, Astrophysical
Journal, 1995,444, pp. 507-519.
SWINBURNE, Richard, “Argument from the Fine-Tuning of the
Universe”, em LESLIE, Physical Cosmology and Philosophy, 1990.

337
Deus e Cosmos

TEILHARD DE Chardin, E, The Phenomenon of Man, London:


Collins, 1959.
TlFFT, W G., “Global Redshift Periodicities and Periodicity
Variability”, Astrophysical Journal, 1997, 485, pp. 465-483.
TlPLER, FRANK J., “ETI Beings Do Not Exist”, Quarterly Journal
of the Royal Astronomical Society, 1980, 21, p. 278.
TlPLER, FRANK J., “A Brief History of the ETI Concept”,
Quarterly Journal of the Royal Astronomical Society, 1982,22, pp.
133-145.
TlPLER, FRANK J., “How to Construct a Falsifiable Theory in
Which the Universe Came into Being Several Thousand Years
Ago”, Proceedings of the 1984 Biennial Meeting of the Philosophy
of Science Association, Volume II, East Lansing, Mich.: Philo­
sophy of Science Association, 1984, pp. 873-902.
TlPLER, Frank J., “The Omega Point Theory: A Model of an
Evolving God”, em RUSSELL, Physics, Philosophy and Theology.
TlPLER, FRANK J., “The Omega Point as Eschaton: Answers to
Pannenberg’s Questions for Scientists”, Zygon, 1989, 24, pp.
217-253.
TlPLER, FRANK J., The Physics of Immortality, New York:
Doubleday, 1994.
Troitskii, V. S., “Physical Constants and Evolution of the Uni­
verse”, Astrophysics and Space Science, 1987, 139, pp. 389-411.
Tryon, EDWARD E, “Is the Universe a Vacuum Fluctuation?”,
Nature, 1973,246, pp. 396-397.
Turner, Michael S. e Anthony Tyson, “Cosmology at the
Millennium”, Reviews of Modern Physics, 1999, 71, S145-164.
VAN DEN BROM, L. J., God Alomtegenwoordig, Kampen: Kok,
1982.
Van DEN BROM, L. J., “Interpreting the Doctrine of Creation”,
em Vincent Brummer (ed.), Interpreting the Universe as Creation,
Kampen: Kok Pharos, 1991.
VAN FLANDERS, T., Dark Matter, Missing Planets and New Comets,
Berkeley, North Atlantic Books, 1993.
VAN TILL, H. J., The Fourth Day, Grand Rapids: Eerdmans, 1986.

338
Bibliografia

VAN Till, H.J., Portraits of Creation, Grand Rapids: Eerdmans,


1990.
Weinberg, Steven, The First Three Minutes, New York: Bantam
Books, 1979.
WEINBERG, Steven, Dreams of a Final Theory, New York:
Pantheon, 1992.
Whitcomb, John C. e Henry M. Morris, The Genesis Flood,
Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1961.
White, Simon D. M. et al., “The Baryon Content of Galaxy
Clusters: A Challenge to Orthodox Cosmology”, Nature, 1993,
366, p. 429.
WHITEHEAD, A. N., Process and Reality, New York: Macmillan,
1929.
WlLDIERS, N. MAX, The Theologian and His Universe, New York:
Seabury Press, 1982.
YOUNG, Davis, Christianity and the Age oflhe Earth, Grand Rapids:
Zondervan, 1982.
YOUNG, Davis, “Scripture in the Hands of Geologists”,
Westminster Theological Journal, 1987, 49, p. 1-34, 257-304.
ZANSTRA, HERMAN, “Is Religion Refuted by Physics or Astro­
nomy?”, Vistas in Astronomy, 1968, 10, pp. 1-21.
ZANSTRA, HERMAN, “Thermodynamics, Statistical Mechanics,
and the Universe? Vistas in Astronomy, 1968,10, pp. 23-44.
ZEILIK, MICHAEL, Conceptual Astronomy, New York: Wiley, 1993.
ZHI, Fang Li e Xian, Li SHU, Creation of the Universe, Singapore:
World Scientific, 1989.

339
s
Indice de Nomes e Assuntos

Abbott, Edwin A., 299 Argumento do design, 146-


Abdelkader, Mostafa A., 294 162,205, 206
Academia Nacional de Argumento moral, 117
Ciência, 21 Argumento ontológico, 177
Aceleração, 100-102 Argumento telelógico, 117,
Agostinho, 27,82,243 146-162,205,206
Albertus Magnus, 182 Aristarco, 50
Albrecht, Andreas, 102,227 Aristóteles, 38,40,41,43,
Alexander, Samuel, 199, 46,47,49,50, 52, 118
200, 217 Arp, Halton, 79,84, 104,114
Alfven, Hannes O. G., 127 Atomista(s), 37,63
Allen, D. C., 303 Autoridade bíblica, 23, 26,
Almas (Ver Imortalidade), 29-32, 59,60,245,269,
223,224,247,268 305
Anaximandro, 36
Anderson, J. K., 307 Babilônios, 36
Andrews, E. H., 287-289 Barbour, Ian G., 154, 159,
Anjos, 44,245,246 233
Annapurna, M., 83,292 Barbour, J. B., 293
Anselmo, 298 Bárions, 85,86,99, 100
Aparência de idade (Ver Barrow, John, 102, 132,149,
Criação amadurecida) 154-156,216,274
Apeiron, 37 Belém, Estrela de, 255, 258,
Apologética, 169,302-308, 259
315-317 Bellarmine, Robert, 52,57
Aquino, 27,46 Bergson, Henri. 243
Argumento cosmológico, Berkhof, Louis, 251
117-146 Berlinski, D., 104

340
índice de Nomes e Assuntos

Bertotti, B., 293 Chesterton, G.K., 320


Biblia e o Big Bang, 194- Ciência operacional, 307,308
197,264-271 Clausius, Rudolph, 68, 69
Bicak,J., 56 Clouser, Roy. A., 289
Big Bang Cosmologia, 70- Clube, S.V.M., 93
116, 126-140,264-271 Cobb, John B., 220,223
Big Bang e a Biblia, 194- Coles, Peter, 98,100
197,264-271 Cometas, 49
Big Crunch, 95, 135, 189- Complementarismo, 16, 31
191, 195,210,224 Concordismo, 16,31,265,
Blocher, Henri, 243 268
Boltzmann, Ludwig, 144 Confessão Belga, 230,250
Bonaventura, 24 Confissão de Fé de
Bondi, Herman, 76 Westminster, 183
Boslough, John, 150 Conservação de energia, 81
Bouw, Gerardus D., 236,293 Constante cosmológico, 73,
Brahe, Tycho, 49,53 100,130
Braun, Fritz, 294,295,297 Constelações, 36,254-260
Burbidge, G., 87,92, 111 Cooper, John, 247
Buries, Scott, 86 Copérnico, 50-56,59-61,63,
Byl, John, 43, 161,279,282 64,171
Corduan, W, 118,119
Calovius. Abraham, 59 Cosmologia do plasma,
Calvin, John, 168,235,243, 194,195
251 Cosmologia grega, 36-44
Cameron, A. G. W, 180 Cosmologia medieval, 43-50
Campo de Higgs, 97,111,113 Cosmologia Newtoniana, 26,
Cantor, Georg, 121 61-64,223
Catecismo de Heidelberg, Cosmologia, Big Bang, 70-
184 116, 126-140,264-271
Causagäo retrögrada, 207- Cosmologia, estado estacio­
209, 213 nário, 77, 92,109
Ceu, 223, 229, 246-251,267, Cosmologias bíblicas, 272-
268,297 308

341
Deus e Cosmos

Coule, D.H., 191 Dias da criação, 47,234-238,


Craig, William L., 119,121- 241, 242
127, 141, 165, 300 Dick, Steven J., 171
Crawford, Ian, 177 Diehl, David W, 24, 26
Criação amadurecida, 276, Digges, Thomas, 61,62,64
282-291 Dillenberger, John, 59
Criação contínua, 233 Dilúvio, 303
Criação ex nihilo, 119,146, Dingle, Herbert, 284
166, 230-238 Dislocamento gravitacional
Criação, Data da,47,241-245 vermelho, 83
Criação, Dias da, 47,234- Doppler, 79
238,241,242 Drees, Willem B., 142,154
Cronologia bíblica, 243 Dyson, Freeman, 150, 190-
193,203-206,221,222
Darwin, Charles, 66, 147,
180,207 Earman, John, 97,102
Data da criação, 47,241-245 Eclipses, 36
Davidson, H. A., 119 Eddington, A. S., 92,141
Davies, Paul, 147, 150, 176- Einasto, J., 90
180,200-203 Einstein, Albert, 26,71,131
Davis, John J., 180 Elementos, abundâncias, 76,
De Sitter, Willem, 135 85-88
De Young, Don. B., 260 Ellis, G. F. R., 83,93,107-
Deísmo, 134,165 108, 129, 130, 191,212,
Demócrito, 37,171 284,292
Deslocamentos para o ver­ Empirio, 46, 64
melho, 75,78-85, 103, Encarnação, 182-185
274, 277, 279 Entropia, 136, 140-145, 147,
Deus, o Ser e natureza, 226- 148, 196, 200
230 Epiciclo, 41,42, 50, 114
Deuses autocausados, 206- Epistemologia, 23-27, 29,
213 57-60,268,310,318
Deuses evolutivos, 198-221 Escatologia, 165, 196,197,
Deuses naturais, 198-220 240,241,268

342
índice de Nomes e Assuntos

Espaço curvo, 73, 132,279- Geisler, Norman L., 21,118,


282 119, 259, 260, 307
Espaço, 132-134, 248,249 Geller, M. J., 90
Espírito, 227 Gentry, Robert, 84,93,292
Estrela de Belém, 255,258, Geocentricidade, 65,262-
259 264,292-294
Estrelas como sinais, 252- Geologia, datação de rochas,
260 275
Estrelas, Evangelho nas, Ghosh, A., 82
z 252-259 Gilmore, G., 87
Éter, 38 Glanz, James, 174
Eternidade, 123,124,227, Gold, Thomas, 76
248, 249, 251 Gravidade quântica, 131,
Evangelho nas estrelas, 252- 138,158
259 Green, W. H., 243,244
Evolução biológica, 66,207, Grunbaum, Adolph, 133,
270 134
Expansão, Taxa de, 148,192, Guth, Alan, 94,137
227
Harrison, Edward R., 81,
Finlay-Freundlich, E., 92 160,161
Fischer, E., 82 Hart, Michael H., 176
Física de partículas, 97,101, Hartshorne, Charles, 217,
111,112,130,193 223
“Flatlanders”, 298,299 Hawking, Stephen, 97, 130,
Fleming, Kenneth C., 252, 150, 159, 160
253 Hecht, Jeff, 87
Flutuação de vácuo, 138,152 Heeren, Fred, 264
Helmholtz, Hermann von,
Galáxias, 65,76-80,89-104, 69
108-110,273-279,282,283 Hempel, Carl G., 18
Galileu, 50-61,63,263 Hermenêutica, 27-32
Gamow, George, 76, 137,145 Higgs, Campo de, 97, 111,
Gay, Craig M., 322 113

343
Deus e Cosmos

Hipótese nebular, 65 Isotropia, 77,89,106,107,


Homem, Singularidade de, 153
185 Israelit, M., 138
Homogeneidade, espacial,
108, 109, 129 Jager, Okke, 249
Horgan,John, 99 Jeans, Sir James, 84,141
Hoyle, Fred, 21,76, 84,88, Jordan, James B., 234-236
92, 127,176,206-209,221
Hubble, telescópio espacial, Kalam, argumento cosmo­
103,115 lógico, 118,119
Hubble, Lei de, 80-82, 192 Kant, Immanuel, 65,66, 172
Huchra, J. E, 90 Katz, J., 56
Hume, David, 105 Kelly, Douglas F., 235,245
Humphreys, C. J., 258 Kepler, Johannes, 59,172,
Humphreys, D. Russell, 235, 243
236,261-263, 278,279,292 Keys, R.,114
Kierein, J. W., 82
Idade da Terra, 47,241-245, Koestler, Arthur, 54
269,270, 273-292 Koyré, Alexander, 63
Ilusão divino, 288-291 Kuhn, T. S., 63,64
Imortalidade, 170, 192-195, Kuyper, Abraham, 243
220-225,247,267
Indução, 105, 106, 153 La Violette, Paul A., 83,104
Inerrância (Ver Autoridade Lakatos, Imre, 19,20
bíblica) Laplace, Pierre-Simon, 61,
Infinitude, 118-126,227, 65
259-261 Lauer, T. R., 89
Inflação, 94-97, 100, 110, Lemaître, G. H., 75
113,139 Lerner, E. J., 88,104,143,
Inge, Dean W.R., 182 144,194
Instrumentalismo, 43,57 Leslie, John, 148,149,150,
Inteligência, extraterrestre, 154, 164, 175
170-186 Lêucipo, 37
Intestabilidade, 110 Lewis, C. S., 46

344
índice de Nomes e Assuntos

Ley, W., 296 Moreland, J. P, 119,120


Linde, Andrei, 109,139 Morris, Henry, 235,283
Lógica, 105 Morte de calor, 66-69, MO-
Lowell, Percival, 172 144,189,194,199, 216,
Lubenow, Marvin L., 270 267
Luther, Martin, 243 Mosterin, J.,97,102
Luz cansada, 82, 83,92 Movimento absoluto, 54-56,
Luz, Criação de, 234, 235, 263
265, 282,288-291, 306 Movimento relativo, 54-56,
Luz, velocidade variável, 84, 263
102,106,274-277 Mundo espiritual, 235,245-
Lynden-Bell, D., 56,292 252, 264, 267, 268, 271,
273, 301
Maccheto, Duccio, 104 Musser, George, 102
MacKay, D. S., 175
Magueijo, João, 102,274 Narlikar, Jayant V., 88,92,94
Markov, M. A., 136,139 NASA, 103,171, 175
Marmet, Paul, 82 Nash, Ronald H., 218,219
Marte, vida no, 172, 174, 175 Naturalismo, 168, 169,290,
Martin, E. L., 259 291,319-321
Mascall, E. L., 183 Newton, Isaac, 61,63,64,243
Massa faltante, 98-100,113, Niessen, Richard, 244
114,139 Norman, Trevor, 275
McMullin, Ernan, 127 North, Gary, 294
Mecânica quântica 131-133, Núcleo-síntese, 86-88
138, 139, 152, 153, 158,
205,286 Ogden, Schubert M., 217,
Melanchthon, Philip, 182 220,223
Menninga, Clarence, 287 Olbers, Paradoxo de, 70
Milagres, 229,230,321 Oldershaw, R. L., 110,111
Milne, A. E., 182 Ovenden, Michael W., 254,
Mitchel, W. C., 104 255
Moon, Parry, 280,293 OVNI, 178,179
Moore, Ben, 100 Ozanne, C. G., 244

345
Deus e Cosmos

Pageis, Heinz R., 157 Ptolomeu, 41-43,49, 50


Paley, William, 162
Panenteísmo, 217 Quasars, 87
Paradoxo de Olbers, 70 Queda do homem, 239,240,
Peacock, Roy E., 127 266,267
Peck, Sir W, 256,257
Peebles, P J. E., 81, 111, 112 Radiação de fundo, 88-93,
Penrose, Roger, 97,130,142 98,274
Peters, Ted, 196,233 Radiodatação de rochas, 275
Philoponus,John, 118 Ramm, Bernard, 242, 243
Pio XII, 126,127 Rao, J. Krishna, 83,292
Planck, 132,133 Reber, G., 82
Planetas, 36,41-43,46-50, Redimindo o fenômeno, 40-
52-54, 173-175 42,52, 115
Platão, 38,40,44, 117 Rees, Martin, 98
Poe, Edgar A., 70,71 Relatividade, 26,71,104,
Polkinghorne, John, 154, 130-132, 158,277,293,
196,225 294
Ponto Omega, 191,210-212, Retardo do tempo, 277-279
219 Revelação geral, 24-29,166-
Popper, Karl R, 18,19 169
Postman, M., 89 Rosen, N., 138
Pressuposições, 22,23, 115, Rosental,I. L., 138,139
116, 304,307,319-321 Ross, Hugh, 127, 128, 150,
Princípio cosmológico per­ 165, 166,237,264,268,
feito, 76,109 298-300
Princípio cosmológico, 71, Rudnicki, K., 114
106-110 Ruse, Michael, 304
Princípio da incerteza, 138 Russell, Bertrand, 55
Princípios antrópicos, 155- Russell, J. R., 105
158
Problema do conhecimento Sagan, Carl, 179
científico, 26 Schelling, Friedrich, 199
Pseudo-Dionísio, 44 Schilling, G., 103

346
índice de Nomes e Assuntos

Schroeder, Gerald L., 278 Teilhard, condição limite,


Segal, I. E., 81 211,213
Seiss, Joseph A., 252 Tempo, 126,132-135, 140,
Selbrede, Martin G., 294 248-252
Senovilla, J. M. M., 130 Tempo e eternidade, 249-252
Setterfield, Barry, 274-276 Tempo, Retardo do, 277-279
Sher, M., 137 Teologia de processo, 216-
Shull, J. Michael, 87 220
Singularidade, 76, 105, 106, Teologia natural, 60,166-
126-140,277 169,189-213
Smith, Quentin, 121,136 Teoria de tudo, 158-160
Smith, Wilbur M., 241 Teorias de múltiplos mun­
Smoot, G., 98 dos, 151-155,286
Socinianismo, 204 Teorias, principais unifica­
Sorabji, Richard, 118 das, 94,158
Sozzini, Lelio, 204 Termodinâmica, 67-69, 135,
Spencer, D. E., 280,293 140-146, 190, 194, 195,
Spencer, Stephen R., 168 199, 239, 240
Stoeger, William, 104 Termodinâmica, Primeira
Strauss, M. A., 90 lei da, 67,68
Substâncias básicas, quatro, Termodinâmica, Segunda lei
37-39 da, 67,68, 135, 140-146,
“Super-cadeias”, 111, 158 200, 207,215,216, 239,
Swinburne, Richard, 150, 240
152, 153, 156 Thomson, William, 68
Tifft, W G., 80
Tales, 36 Tillich, Paul, 182
Tamanho do universo, 259, Tipler, Frank J., 149, 155,
260 156, 171, 179, 188-193,
Taxa de expansão, 148,192, 210-213,216,221,222,
227 285,286
Teed, Cyrus, 294 Troitskii, V. S., 84,274,276
Teilhard de Chardin, E, 199, Tryon, Edward P, 138
213-216,219,222-224 Turner, M. S., 89

347
Deus e Cosmos

Turretin, Francis, 60 Verificação, 110-112


Tyson, A., 89 Via Láctia, 65
Vida, extraterrestre, 170-186
Universo aberto, 73,95,109, Vida, Futura da, 187-197
137, 138, 192-194 Vida, improbabilidade, 149-
Universo expandido, 261 151, 174-178,206-208
Universo fechado, 73,95, Visões do mundo, 319-321
109, 137, 139, 190-192, Voet (Voetius), Gisbert, 60
210
Universo finito, 259,260 Weinberg, Steven, 101,189
Universo infinito, 61-64,70- Wheeler, John, 136,151
73, 109, 194, 259-261 Whitcomb, John C., 283
Universo invertido, 294-297 White, Simon D. M., 100
Universo multidimensional, Whitehead, A. N., 217
297-301 Wildiers, N. Max, 41,215
Universo por seleção natural WIMPs, 99,112
160,161 Wright, Thomas, 65,66
Universo, Tamanho do, 259,
260 Xian, Li Shu, 133
Universos jovens, 273-291
Universos oscilantes, 135- Young, Davis, 28, 30,243,
138 265
Ussher, James, 243
Zanstra, Herman, 140,144,
Van den Brom, L. J., 297, 224
300, 301 Zeilik Michael, 72, 74
Van Flandern, T, 88 Zhi, Fang Li, 133
VanTill, H. J., 20,22, 30,31, Zodíaco, 36,252-259
243, 288, 290 Zwicky, Fritz, 82

348
Deus e Cosmos
Em seu livro, A BriefHistory ofTime (Uma Breve História do
Tempo), o famoso cosmólogo de Cambridge, Stephen Hawking,
sustentou a possibilidade de obtermos uma teoria completa do
universo pela qual chegaríamos a saber “porque nós e o universo
existimos... então conheceríamos a mente de Deus”.
Já possuímos nas Escrituras uma fonte de conhecimento
superior a todas as outras fontes e já conhecemos “a mente de
Deus” à medida que Lhe agradou revelá-la a nós. Nessa base,
Byl questiona muito da cosmologia moderna, incluindo a teoria
sobre origens chamada Big Bang. Ele trata das limitações do
conhecimento humano, ensino bíblico relevante à cosmologia, a
busca de inteligência extraterrestre, a existência do domínio
espiritual, céu, anjos, vida após a morte e muito mais. A
abordagem de Byl é uma refrescante contraposição à perspectiva
desaminadora e, em última análise, sem sentido da cosmologia
moderna.

John Byl é Professor de Matemática e Diretor do Departamento de


Ciências Matemáticas na Trinity Western University, Langley, British
Colombia, Canadá. Ele obteve seu Ph. D. em astronomia na University
of British Colombia e é autor de muitos ensaios já publicados.

PES
PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS
Rua 24 de Maio, 116 3° andar salas 14-17
_________ 01041-000 São Paulo SP__________

Vous aimerez peut-être aussi