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às Ciências da Linguagem:
LINGUAGEM, HISTORIA e
CONHECIMENTO
Emílio Pagotto
Introdução
Como muitos outros campos das ciências, a sociolinguística é uma área na qual um
rótulo - sociolinguística - é disputado por diversas abordagens diferentes que constroem, por
sua vez, um mundo referencial diferente a ser abarcado por tal rótulo. Nesse caso específico,
temos ainda um complicador porque o rótulo pressupõe a existência de outros campos que se
entrecruzam: o social e o linguístico. O rótulo poderia ser outro, se é um composto isto se dá
porque o surgimento do que veio a ser conhecido como sociolinguística ocorre a partir da
tensão com a linguística - com uma certa linguística - e, como outras abordagens, procura
colocar em questão as teses de cunho imanentista do estruturalismo, ou naturalistas, do
gerativismo. Historicamente, temos que localizar a sociolinguística a partir de uma linguística
estabelecida. Estamos nos anos 60, o estruturalismo proclama a sua vitória, sem perceber que
seus alicerces são roídos e abalados por movimentos teóricos que buscam recolocar o
funcionamento social como parte do funcionamento linguístico ou que procurarão, como é o
caso do gerativismo, investir em um sistema linguístico que explicite a criatividade linguística.
É claro que não pretendo nesse texto chegar à relação verdadeira, como se o
conhecimento fosse apenas a atribuição correta do nome à coisa. Pretendo apenas fazer o
exercício de descrever determinadas práticas científicas normalmente cobertas pelo rótulo de
sociolinguística procurando ver o que elas têm em comum e o que as diferencia.
O que identifica tais abordagens é o fato de que, como o próprio nome diz, propõe-se
investigar a relação entre o mundo linguístico e o mundo social. Há, porém, inúmeras
abordagens que trabalham a partir do pressuposto de que há uma relação entre o corpo da
língua e seu exterior. Por que todas elas não são reunidas sob o rótulo de sociolinguística? Seria
apenas uma questão de rótulo? Parece que não.
1. O objeto desdobrado
Metodologicamente, o que se faz em sociolinguística é buscar lugares de intersecção
entre o mundo social e a dimensão linguística. Estas intersecções podem ser definidas a partir
do funcionamento social ou a partir do funcionamento linguístico, normalmente a partir deste
último. As diversas linhas de pensamento usualmente reunidas sob rótulo de sociolinguística se
estabelecem a partir do lugar que privilegiam para as intersecções entre língua e sociedade,
podendo -se distinguir três grandes áreas: a Teoria da Variação e Mudança, a Etnografia da Fala
e a Sociologia da Linguagem. Todas estudam aspectos relevantes do funcionamento da língua
em sociedade. No caso da sociologia da linguagem, estudam-se relações "maiores" da língua
com a sociedade, isto é, normalmente não se desce a detalhes no âmbito do funcionamento
linguístico, mas busca-se muito mais entender como uma língua se espalha por uma
determinada comunidade e quais as relações entre esse espalhamento e as estrutura s de
poder. Podemos incluir nessa linha de pensamento, tanto os trabalhos sobre comunidades
plurilíngues, que tem em John Fishmann o grande pensador, como trabalhos como o de Pierre
Bourdieu, que constrói um a sociologia da linguagem profundamente calcada no marxismo. 1 Já
as áreas cobertas pela Teoria da Variação e da Mudança e pela Etnografia da Fala estão mais
interessadas no funcionamento linguístico, propriamente, isto é, interessam-se
primordialmente pelo funcionamento da língua e como este é afetado pela sua relação com a
sociedade. O que distingue uma área da outra, neste último caso, tem a ver tanto com os
fenômenos que elege para investigação quanto pelo tipo de questão que coloca para este
funcionamento. A Etnografia da Fala, rótulo que hoje cobriria áreas com o a sociolinguística
interacional, se interessa em chegar a uma competência comunicativa dos falantes
descrevendo cenas enunciativas nas quais eles revelam de que maneira está organizada a
comunidade; o foco central é o conhecimento das regras sociais que norteiam o emprego das
formas linguísticas, como parte do funcionamento social da comunidade. A Teoria da Variação
e da Mudança, também conhecida como sociolinguística quantitativa, procura discutir de que
maneira o sistema linguístico, no seu núcleo gramatical, é afetado pelas relações com a
sociedade, pensando, dessa maneira, não somente as relações no plano da cena enunciativa
com o também a organização da sociedade em classes e outros grupos sociais. (p.52)
O plano espacial tem a ver com a correlação que fazemos entre as formas linguísticas e
espaço geográfico, isto é, o que tradicionalmente conhecemos como dialetos. Quanto à
dimensão social, procura-se investigar até que ponto o funcionamento da estrutura social
reflete-se ou interfere na estrutura linguística. Neste caso, cada sociedade define os
parâmetros relevantes, em função da maneira como as relações sociais estão estruturadas. É
comum tomar parâmetros como idade, classe social, gênero, grau de escolaridade e assim por
diante, quando se consideram sociedades urbanas ocidentais ou ocidentalizadas. A dimensão
social costuma ser vista como uma extensão da visão dialetológica para a dimensão social. A
última dimensão é a do contexto de enunciação. Como o próprio rótulo já indica, trata-se de
correlacionar o funcionamento linguístico ao funcionamento do processo de comunicação.
Para a sociolinguística, contraditoriamente, temos aqui o lugar mais problemático de
correlação, em parte porque diversas outras áreas da linguística, que não costumam ser
entendidas como pertencentes à sociolinguística, têm estudado a relação entre o
funcionamento linguístico e o processo enunciativo. Qual é a especificidade desta relação na
sociolinguística? Talvez a grande diferença seja a de que não é objeto imediato da
sociolinguística uma relação constitutiva, digamos assim, entre o processo enunciativo e a
estrutura social (isto é, a sociolinguística não parte do pressuposto de que o funcionamento
linguístico é uma função do processo enunciativo, mas a ele pode estar correlacionado). Para a
sociolinguística, como a estrutura da língua é prévia ao momento de enunciação, interessam as
maneiras pelas quais os falantes se delimitam, se identificam ou se excluem no processo
comunicativo, por meio do uso de determinadas marcas linguísticas. Nesse sentido, o contexto
de comunicação é na verdade o lugar em que as dimensões social e geográfica se atualizam,
definindo quem é quem.
Isto posto, cabe perguntar o que amarraria todos essas dimensões e intersecções, já
que, da forma como apresentamos, fica a ligeira impressão de que não haveria um elo entre
todas essas possibilidades. É possível dizer, no entanto, que há um conceito básico por meio do
qual é possível visualizar todas essas inter-relações: o conceito de variantes linguísticas. Toda
língua seria constituída de possibilidades formais diferentes para a mesma função
comunicativa. Assim, as formas variantes seriam as marcas pelas quais a língua pode expressar
as dimensões fora dela, como a espacial ou a social. (p.53)
(1) “_O senhor poderia me passar o sal e os palitos de dente, por favor?"
O primeiro fato para o qual se deve chamar a atenção é o de que à sociolinguística não
interessa teorizar sobre a natureza deste enunciado como um ato de fala, ou como um ato de
discurso. Isto é, à sociolinguística só tem interessado a teorização sobre as condições de
produção dos enunciados quando, de alguma maneira, tais condições se entrecruzam com as
formas variantes que a língua disponibiliza para a expressão de tais condições. Por exemplo,
não é objeto de estudo da sociolinguística o fato de que o enunciado tem a forma de pergunta
mas funciona como um ato ilocucionário de pedido. Do mesmo modo, não é de interesse
primeiro da sociolinguística o fato de que não se costuma pedir sal e palitos de dente ao
mesmo tempo. Que condições de produção deste enunciado teriam motivado um pedido tão
estranho? No entanto, pode interessar à sociolinguística a forma de polidez utilizada no final do
enunciado, bem como a forma de tratamento do começo, as quais obviamente, têm íntima
relação com as regras de convivência social, bem como com a estrutura social que dá origem a
tais regras.
Esse exame superficial nos mostra que a cada enunciado é possível tropeçar em
inúmeros lugares para o processo de variação. Praticamente a cada palavra temos a abertura
de possibilidades de utilizar uma ou outra forma linguística. Essa constatação pode levar à
conclusão falsa de que a língua é um fenômeno de tal sorte heterogêneo que se tornaria
praticamente impossível estudar tal heterogeneidade de maneira sistemática e consequente.
Um exame mais detido nas possibilidades aventadas acima pode mostrar que não é o caso.
No componente sintático:
No componente lexical:
1. As formas de tratamento.
Em função disto, é preciso que pensemos com bastante cuidado a maneira como
estudar o processo de variação, do contrário podemos nos enredar n uma teia sem fim de
formas variantes, sem chegar a nenhuma explicação satisfatória.
O que vimos acima justifica o fato de termos afirmado na introdução que a área da
sociolinguística trabalha - implícita ou explicitamente - com a ideia de que, em alguma medida
a língua é uma estrutura independente da estrutura social (isto é, não é completamente
definida a partir dela). No exame que fizemos acima dos possíveis lugares de variação, temos
que lançar mão da ideia da língua como uma estrutura organizada em níveis independentes, do
contrário não poderíamos diferenciar os fenômenos. Por exemplo, é somente pensando no
componente fonológico que podemos associar as palavras senhor, passar, por, favor, chegando
à conclusão de que a possibilidade de mais de uma pronúncia, para cada uma delas, se deve a
um único fenômeno: a realização da consoante /R/ em final de sílaba e de palavra. Isto implica
que as palavras isoladamente não estão em variação, mas o fenômeno de variação é algo que
interage com a própria estrutura da língua (veja, por exemplo, que temos que pensar na
estrutura da sílaba, já que em outras posições o /R/ não estaria em variação, isto é, não coloca
a língua sujeita à significação social)
Mas por que razão as formas variantes são o lugar privilegiado para observar as
relações entre língua e sociedade? Não seriam elas apenas flutuações estruturais ou lexicais de
natureza aleatória que integrariam nosso repertório linguístico? A linguística estruturalista
acreditou durante muito tempo nisso, da mesma maneira que a linguística histórica do século
XIX, de mãos dadas com o evolucionismo naturalista do período, também trabalhava com o
pressuposto de que as únicas leis que governariam tal processo seriam leis também de
natureza linguística.
Hoje temos já bastante pesquisa desenvolvida para dizer que o processo de variação é
claramente um dos lugares por meio do qual o funcionamento social interage (p.56) com o
funcionamento linguístico, de tal sorte que, no processo enunciativo, ou seja, no ato de dizer
alguma coisa para alguém em algum lugar específico - no evento histórico de dizer algo - as
formas em variação portam significados sociais os mais diversos.
Em primeiro lugar, por que nosso falante fala em português? Essa resposta é óbvia se
tomamos falantes monolíngues da cidade de Vitória, por exemplo; é menos óbvia se tomamos
a cidade de Pomerode, em Santa Catarina, que tem um bilinguismo relativamente forte. N u m
caso como esse último, poderíamos nos perguntar quais são as condições que definem a opção
por uma ou outra língua, numa comunidade bilíngue. Os estudos da área da sociologia da
linguagem se ocupam em especial de comunidades plurilíngues e procuram determinar como
se dão essas condições, que são afetadas pelos mais diversos fatores (apenas para dar um
exemplo de tal complexidade: em muitas das cidades bilíngues em Santa Catarina, pais e filhos
têm, mais e mais, usado o português em comunicações no interior de casa).
Da mesma maneira que há um conjunto complexo de condições que numa
comunidade bilíngue vai determinar a opção por uma ou outra língua, no interior de uma dada
língua, há uma série de condições que vão determinar a opção por uma ou outra forma
variante. Essas condições decorrem de como está organizado o que é conhecido na literatura
como a comunidade linguística.
Labov (1972) define uma comunidade linguística como um conjunto de falantes que
compartilham os mesmos valores com relação à língua. Isso implica que os (p.57) falantes, de
alguma maneira, reconhecem, mesmo que eventualmente possam não concordar, o que se
costuma chamar de significado social das formas variantes. Cada comunidade linguística atribui
às formas variantes significados que têm a ver com identidades sociais as mais diversas.
Podemos dizer que esses significados operam no eixo da dimensão prestígio X estigma
dependendo do rótulo associado a cada uma das formas variantes. Esses significados sociais,
ainda segundo o mesmo autor, podem ser de conhecimento consciente dos falantes ou podem
operar sem que os falantes tenham qualquer controle consciente sobre eles. Assim, a
dimensão externa, a que aludimos anteriormente, pode ser agora entendida como resultante
da maneira como uma comunidade linguística organiza os significados sociais e os atrela às
formas variantes.
A dimensão espacial do processo de variação tem sido a mais estudada, sendo anterior
ao próprio advento da sociolinguística nos anos 60. Tem comportado uma tradição especial de
estudo, conhecida como dialetologia ou geografia linguística. (p.58)
Dialeto deve ser entendido, assim, como uma noção relativa. Quando usamos a
expressão "o dialeto de Salvador" ou "o dialeto do Rio de Janeiro" estamos fazendo uma
aproximação superficial do fenômeno de variação, definido a partir da dimensão geográfica.
Tanto Salvador quanto o Rio de Janeiro (quanto qualquer outra cidade, ou região) comporta
um grau de complexidade nas relações sociais e na sua composição que levarão seguramente a
um forte grau de variação interna.
2 O livro a que me refiro é uma introdução é linguística, mas seu capítulo 3 elabora de maneira muito
precisa os conceitos de dialeto e língua e é uma leitura que recomendo ao leitor.
central do processo de variação n uma língua: a variação é algo inerente aos sistemas
linguísticos. Não há língua que não tenha processos de variação. O que não temos condições
de responder, ainda hoje, é por que determinados processos de variação ocorrem em certas
regiões e não ocorrem em outras, dadas condições históricas e linguísticas semelhantes.
Seguramente, as variantes dialetais não são devidas à região geográfica, tomada como
entidade física, isto é: o clima, o relevo não produzem variação. Sendo você um leitor mais bem
informado, pode estar achando meio ridícula a minha preocupação, mas de vez em quando
ainda prosperam visões - em geral preconceituosas -que procuram relacionar o clima às formas
variantes. Já ouvi mais de uma vez que o ritmo e a entonação de certos dialetos do nordeste do
Brasil se deveriam ao clima quente da região, que tornaria os indivíduos mais calmos - para não
usar preguiçoso, que é o termo preconceituoso normalmente utilizado. 3
3 Há hipóteses mais absurdas que são difundidas sem muito pudor. Já assisti a uma "assessora
linguística" de uma grande rede de TV atribuir ao balanço do cavalo a curva melódica e a estrutura
rítmica do dialeto gaúcho de fronteira.
4 Já tivemos oportunidade de mencionar as situações de bilinguismo. Não é o foco de nossa discussão
aqui, mas uma das maneiras pelas quais uma dada situação de bilinguismo se resolve é absorção de uma
língua pela outra. Quando isto se dá, é comum que a língua "absorvida" deixe marcas na língua
vencedora.
restaurante em questão fica em Sorocaba, cidade que apresenta uma forte presença da
variante retroflexa, a maneira como a sua ocorrência é tomada se operará diferentemente de
se o restaurante está no Rio de Janeiro. As duas cidades desenvolvem valores diferentes com
relação a essas formas, que por sua vez dialogam com os sentidos atribuídos na comunidade
linguística brasileira.
Veja o leitor que passamos das formas variantes definidas geograficamente para a
dimensão simbólica, digamos assim, em que a região dialetal de uma forma linguística ganha
um certo estatuto - positivo ou negativo - em função de processos históricos, econômicos e
sociais maiores. Esses valores são percebidos em interações específicas e vão obviamente criar
efeitos de identidade entre os falantes, a depender da comunidade em que se insere a
conversação e dos falantes que interagem. (p.61)
Sem dúvida, a expressão que mais chama atenção para os papéis sociais dos
interlocutores é a forma senhor. De fato, expressões como você, senhor, tu têm um
funcionamento todo especial, já que permitem referir o interlocutor de várias maneiras
diferentes. O interessante em tais pronomes é que, cumprindo todos a mesma função
comunicativa básica - fazer referência à segunda pessoa - têm inscrito no seu sentido o que
aqui estamos chamando de significado social, isto é: no sentido da palavra senhor está inscrita
uma série de condições que definem na referência a quem deve ser empregado; o mesmo se
aplica a tu, ou você. Expressões como essas que destacamos, pelo seu caráter também
gramatical, é que fazem com que levemos a sério a ideia de que a língua não é uma estrutura
alheia ao mundo social do qual deriva e onde é empregada e, para muitos pesquisadores, é, ao
contrário, totalmente determinada pelas condições que estão fora dela.
Não vou detalhar aqui o funcionamento das formas de tratamento, que constitui um
problema de análise muito interessante (remeto o leitor a Faraco, 1995), mas somente anotar
que a forma senhor pressupõe uma série de papéis - ou funções sociais, tanto para o locutor
quanto para o destinatário. Assim, embora seja conhe-
Se o locutor (no caso, locutora) estiver situada nas classes mais altas da sociedade,
enquanto o destinatário na classe trabalhadora, é possível que o tratamento seja senhor, mas
se a situação for oposta, é possível que ocorra a forma você. Isso implicaria que os papéis
conferidos pela classe social seriam bem mais demarcatórios do que idade e sexo.
Suponha agora que a conversação hipotética não tenha nenhuma assimetria, isto é:
locutor e destinatário têm a mesma idade, são do mesmo sexo e pertencem à mesma classe
social. Muito provavelmente o tratamento que um dispensaria ao outro seria o mesmo. Mas
qual, você ou senhor? Fundamentalmente, isto dependeria do contexto de comunicação, que
define, no fundo, qual é o grau de intimidade entre os falantes. Assim, dois homens, da idade
de 40 anos numa sessão no fórum, muito provavelmente se tratariam com senhor. Já dois
homens (até os mesmos), da mesma idade numa academia de ginástica, muito provavelmente
se tratariam por você (mesmo que não tenham nenhuma intimidade). O contexto de
enunciação costuma ser descrito em termos do grau de formalidade, mas observe que esse
grau de formalidade é, no fundo, uma função de todos os outros índices, isto é, o contexto é o
conjunto de determinações sociais que age sobre o processo de comunicação definindo e
tipificando situações de comunicação que passam, elas próprias, a ter uma espécie de
significado próprio.
O que estamos entrevendo aqui? Que no interior de uma dada comunidade, é possível
associar as formas variantes a uma série de rótulos de natureza social, que têm a ver com
papéis ou grupos sociais, que tanto são tomados como grupos com interesses específicos e
com uma rede de contatos específica, como são tomados sim-
Por fim, veja que interessante o leitor: se de um lado a presença ou ausência da marca
de plural no núcleo do sintagma pode estar associada a índices de natureza social e ao
contexto, por outro lado, quando realizada, temos também possibilidade de variação, agora no
plano fonético. O interessante é que, neste último caso, parece que o fenômeno não tem uma
correlação com grupos definidos socialmente ou o contexto, mas com a dimensão espacial. O
mesmo se poderia dizer da realização de /R/ - a consoante pode estar realizada ou não.
Quando realizada, pode apresentar formas variantes que apresentam uma correlação com a
dimensão geográfica, como vimos. Já a realização versus não realização parece estar muito
mais ligada a fatores contextuais, isto é, podemos formular a hipótese de que quanto mais
formal o contexto de enunciação, maior vai ser a probabilidade de empregarmos essa
consoante, cuja presença parece ter relação com o nosso contato, maior ou menor, com a
escrita.
Este texto não pretende esgotar o assunto, até por que a mudança linguística costuma
ser estudada no ramo dos estudos da linguagem conhecido como linguística histórica. Mas
dada a sua íntima relação com os processos sociolinguísticos, algumas palavras são inevitáveis.
O ramo da sociolinguística que tem se ocupado dessa inter-relação é a Teoria da Variação e da
Mudança, ou sociolinguística quantitativa.
Mas pode acontecer de o processo de variação não resultar em mudança - nesse caso
se costuma falar em variação estável - cada variante mantém sua trincheira de usos sociais no
correr do tempo, servindo aos jogos enunciativos que as comunidades se dão. Porém, se de um
lado a variação pode resultar estável, de outro, todo processo de mudança havido implica o
estágio anterior da variação e da concorrência entre formas.
3. Metodologia
Uma vez que tem a pretensão de investigar de que maneira se relacionam estrutura
linguística e estrutura social, a sociolinguística devota atenção especial ao problema
metodológico: com o ter à disposição para análise dados linguísticos de situações
comunicativas relevantes? O advento do gravador portátil facilitou enormemente o registro e o
acesso à fala, no entanto, ele próprio é um empecilho, uma vez que a presença de gravador
gera uma situação comunicativa especial e indesejada.(p.66) Esse efeito ficou conhecido na
literatura como o paradoxo do observador: é preciso observar e registrar situações reais de
comunicação; no entanto a presença do observador - e seu indefectível gravador - altera
profundamente as condições sob as quais a conversação se constrói.
Cada pesquisa vai definir a metodologia final a ser utilizada, mas pode-se dizer que ela
obedecerá a alguns princípios:
(p.67)
FISHMAN, J. A. "A Sociologia da Linguagem". In: Fonseca, M.S. & Neves, M.F.
GIGLIOLI, P.P. Language and Social Context. Selected readings. Great Britain, Penguin
Books, 1974.
GUY, G.R., FEAGIN, C., SCHIFFRIN, D. e BAUGH, J. (Orgs.). Towards a Social Science of
Language. Amsterdam, Phiadelphia, John Benjamins, 1995, v. 1 e 2.
(p.72)