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ANO edição set

xXI 85 2014
ANO XXI - Setembro 2014 - nº 85

CAPA
TIK (estojo para guardar a Torá)
em madeira revestida de prata, com
RIMONIM (enfeites no feitio de romãs)
Paris, circa 1860
Carta ao leitor

O Povo Judeu sempre se une diante de grandes desafios. As cartas de leitores enviadas aos principais jornais do
Os últimos meses foram tempos difíceis, tanto para os país revelam que o povo brasileiro também compreende a
judeus que vivem em Israel como para os da Diáspora. Em situação de Israel. Somos muitos gratos a todos aqueles que
Israel, nosso povo luta contra grupos fundamentalistas que estão ao nosso lado durante esta época difícil.
declaram publicamente que visam a aniquilar o Estado
É importante ressaltar que, durante o conflito em Gaza,
de Israel e exterminar todo o Povo Judeu. Fora de Israel,
muitos países árabes, que costumam condenar Israel de
os judeus enfrentam o ressurgimento do antissemitismo
antemão, mantiveram-se em silêncio. Vários deles, que
ostensivo e violento. Não há mais como negar que
nem sequer reconhecem a existência do Estado de Israel,
antissionismo é uma forma disfarçada de antissemitismo.
culparam os grupos que controlam Gaza pelo conflito. Essa
O atual conflito entre Israel e as organizações terroristas que mudança de postura política é resultado das atrocidades
controlam Gaza  se iniciou com o sequestro e assassinato de que ocorrem, atualmente, no Oriente Médio. Os líderes
três jovens judeus, seguido pelo lançamento de milhares de árabes moderados finalmente se conscientizaram de que o
mísseis contra as principais cidades israelenses. O Estado terrorismo e o fundamentalismo representam uma ameaça
Judeu viu-se obrigado a iniciar uma operação militar para não apenas a Israel e ao Ocidente, mas também ao mundo
garantir a segurança de seus cidadãos. árabe. Os dirigentes da maioria dos países árabes sabem,
ainda que não o admitam publicamente, que Israel luta
Ao longo do conflito, Israel tem polarizado a atenção
contra organizações que ameaçam não apenas o Estado
mundial. Muitas pessoas apoiaram a operação militar
Judeu e o Oriente Médio, mas o mundo todo.
israelense, pois estão cientes de que Israel tem não apenas
o direito, mas a obrigação de defender seus cidadãos contra Nós, judeus que vivemos fora de Israel – junto com
chuvas de mísseis lançados de Gaza contra a população nossos amigos e aliados – defenderemos Israel contra
civil israelense. Em Gaza, mesquitas, hospitais e escolas as mentiras criadas e disseminadas por antissemitas. Ao
são utilizados para esconder foguetes e lançá-los contra as mesmo tempo, o Estado de Israel continuará a defender os
cidades israelenses. judeus da Diáspora na luta contra o ódio, a intolerância e o
Entretanto, são inúmeras as acusações divulgadas pela mídia antissemitismo.  
de que Israel não se importa com a morte de civis. Mas, O ex-Primeiro-Ministro da Espanha, José Maria Aznar,
qualquer pessoa familiarizada com a história do povo declarou: “Se Israel tombar, todos nós tombaremos”. Israel
judeu sabe quão profundamente os judeus respeitam a
não tombará. E o restante do mundo também não. Cedo ou
vida humana. A verdade é que, em toda a história militar,
tarde, a verdade prevalecerá sobre a mentira, a luz sobre a
nenhum exército envolvido em conflito armado tomou tanto
escuridão, a paz sobre a violência e a vida sobre a morte.
cuidado para proteger a vida de civis quanto Israel o faz,
diariamente, chegando mesmo a pôr em risco a vida de seus Aproximam-se os dias sagrados de Rosh Hashaná, em que
próprios soldados. D’us decide o futuro de todas as Suas criaturas. Que neste
Não há outra nação que lamente mais a perda de vidas novo ano judaico, D’us abençoe o Estado de Israel, os
humanas, israelenses ou palestinas, do que Israel. Como bem judeus da Diáspora e o mundo todo com uma paz que seja
o disse o Nobel da Paz, Elie Wiesel, “Os pais palestinos, verdadeira e duradoura.
assim como os israelenses, almejam um futuro promissor
para seus filhos. E ambos deveriam estar unidos pela paz”. SHANÁ TOVÁ UMETUCÁ!
Nos últimos meses, presenciamos a eclosão do
antissemitismo, principalmente na Europa, mas o Povo
Judeu viu que pode contar com o apoio de bons amigos
ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Muitos jornalistas
defendem o direito e a obrigação de Israel de se defender.
NOSSAS FESTAS

Rosh Hashaná:
Dia de Novos Começos
A Haftará lida no primeiro dia de Rosh Hashaná conta a
história de Hanna. Trata-se da história de uma mulher estéril,
que se tornou um dos modelos históricos do fervor da
oração. Em resposta à sua súplica, do fundo do coração,
D’us a fez mãe de Shmuel, o maior dos Juízes, um profeta
comparado a Moshé e Aaron.

s
hmuel se tornou o durante uma visita a Shiló, Eli, o Cohen Gadol, observava
líder da nação durante um Hanna foi ao Tabernáculo para Hanna enquanto ela orava. Somente
de seus períodos abrir seu coração a D’us. Eli, seus lábios se moviam, mas sua voz
mais difíceis e ele a trouxe
o Cohen Gadol, estava sentado não se fazia ouvir. Eli, então, pensa
de volta à sua glória no umbral da porta, de onde que ela estivesse bêbada. Ele fica
anterior. De sua casa em Ramah, a observava. “Ela estava perplexo com sua conduta – Hanna
ele viajou por toda a Terra de Israel, profundamente amargurada”, conta- era uma das mulheres mais justas
ensinando, julgando e inspirando. nos o Livro de Samuel (Shmuel, à época – e ele se volta aos Urim
Além disso, foi o profeta que ungiu 1:10), “e ela orou ao Eterno, v’Tumim buscando uma resposta.
os primeiros dois reis do Povo Judeu chorando muito”. Hanna chorava Urim v’Tumim eram 12 pedras
– Shaul e David. porque, como ensinam nossos Sábios, preciosas afixadas no peitoral usado
os portões das lágrimas nunca se pelo Cohen Gadol, nas quais estavam
O Livro de Shmuel se inicia com a fecham (Talmud, Berachot 32b). gravados os nomes das tribos.
história de Hanna, mulher de Elkaná. E ela faz um voto: “Eterno, Senhor
Ela era uma mulher que desejava um dos Exércitos! Se olhares para a De acordo com o Zohar, os Urim
filho mais do que tudo no mundo. aflição da Tua serva, Te lembrares v’Tumim eram os Nomes de D’us
Mas, há dez anos ela tentava, em vão, de mim e não Te esqueceres da de 42 e de 72 letras, colocados nas
engravidar. O Tanach nos conta que Tua serva, e deres à Tua serva um dobras do peitoral, que faziam com
Elkaná e sua família costumavam descendente, eu o darei ao Eterno que as letras gravadas nas pedras
fazer peregrinações a Shiló, onde por todos os dias da sua vida...” se acendessem sequencialmente, de
havia um Tabernáculo, um Mishkan – (ibid 1:11). Hanna prometeu que se modo a emitir uma resposta a uma
o predecessor do Templo Sagrado de fosse abençoada com um filho, ela o pergunta feita pelo Sumo Sacerdote.
Jerusalém. O líder da nação, à época, dedicaria exclusivamente a D’us.
que oficiava nesse Santuário, era Os Sábios nos dizem que Hanna Eli consultou os Urim v’Tumim
Eli, o Cohen Gadol, um dos maiores pediu por um filho que fosse notável e quatro letras se acendem: Shin,
juízes, sucessor de Sansão. Certa vez, por sua sabedoria e piedade. Resh, Kaf, Hei. Eli supôs que as

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REVISTA MORASHÁ i 85

letras soletrassem a palavra Shikorá Eli, que erroneamente atribuíra a concebera, que ela deu à luz um
– bêbada. Mas, na realidade, as letras Hanna uma conduta imprópria – filho. Ela o chamou de Shmuel, e
deveriam ter-se alinhado para soletrar profanar o Tabernáculo com sua assim disse: ‘Eu o pedi ao Eterno’ ”.
a palavra KeSará – como Sara. As embriaguez – além de acalmá-la, a Conta o Midrash que Ele a atendeu
pedras Urim v’Tumim indicaram a abençoa. “Vai-te em paz”, diz-lhe. “O por causa da fé e confiança de
Eli que a mulher que estava diante D’us de Israel te concederá o pedido Hanna em D’us (Bereshit Rabah
do Tabernáculo era como a Matriarca que lhe fizeste” (ibid 1:17). 56:2). Nossos Sábios nos ensinam
Sara, que, como Hanna, era estéril que as bênçãos são difíceis de se
e orou pedindo um filho. As quatro O Livro de Samuel nos conta que cumprir se a pessoa não tem fé
letras significavam também Kesherá “Assim a mulher seguiu seu caminho, n’Aquele que é a Fonte de todas as
– ela é digna. O Gaon de Vilna e comeu, e não mais era triste o seu bênçãos.
explica que o erro de Eli em ler os semblante”. O Maharal de Praga
Urim V ’Tumim indicava que a Divina explica que o rosto de uma pessoa Segundo nossos Sábios, D’us
Providência o havia destituído de é a janela de sua alma: Quando “lembrou-Se” de Hanna e ela
Inspiração Divina naquele momento. Hanna estava tão amargurada com concebeu em Rosh Hashaná, que
sua esterilidade, sua infelicidade se é chamado de Yom HaZikaron, o
Eli disse a Hanna, “Durante quanto refletia em sua face; mas quando Dia da Recordação. E ensinam
tempo você ficará bêbada? Remova recebeu a bênção do maior homem que o mesmo ocorreu com Sara,
esse vinho de seu corpo!” Hanna de sua geração, o brilho em sua face nossa primeira Matriarca – mãe de
protesta dizendo que não estava fazia transparecer seu júbilo. Yitzhak, nosso segundo Patriarca
bêbada. “Não bebi vinho nem bebida – que concebeu em Rosh Hashaná.
alguma forte, e derramei minha alma Pouco depois a bênção é cumprida. Esses nascimentos, que mudaram
perante o Eterno. Não julgue que Sua “Elkaná conheceu a Hanna, sua o curso da História Judaica, são
serva seja uma mulher vulgar – pois mulher, e o Eterno se lembrou frequentemente mencionados na
foi movida por muito sofrimento e dela. E aconteceu, com a passagem liturgia desse dia. Como dissemos
raiva que falei até agora”. do período de dias em que Hanna acima, a história de Hanna é lida

7 SETEMBRO 2014
NOSSAS FESTAS

como Haftará do primeiro dia de Sua canção é considerada uma das Shmuel ungiu Saul e David – os
Rosh Hashaná. dez maiores canções proféticas da primeiros reis de Israel – e Hanna
História. Trata-se de uma série de orou por seu sucesso. Mas, mais do
O legado de Hanna ao profecias acerca de futuros milagres que uma prece por Shmuel e os reis
Povo Judeu de salvação. a quem ele diretamente elevou à
grandeza, a Canção de Hanna é uma
Hanna trouxe ao mundo não apenas O tema central é a constatação de oração pela Nação Judaica: segundo a
Shmuel, mas também outros filhos. que o triunfo e a derrota, riqueza Targum Yonatan, ela rezou por todos
Além de ter-nos dado um dos e pobreza, grandeza e degradação, os judeus ao longo da história, e pelo
maiores profetas e juízes, Hanna não são condições permanentes, Mashiach, que é chamado de “ungido
se tornou o paradigma da prece pois as boas ações e a oração podem por Shmuel” porque ele descenderá
sincera. Algumas das leis da oração produzir mudanças na condição do Rei David, a quem Shmuel ungiu
do Shemonê Esrê (a Amidá) derivam humana. Esse é um dos temas (Yalkut Shimoni).
das rezas que ela murmurou no fundamentais de Rosh Hashaná.
Tabernáculo, em Shiló: que se deve Assim, Hanna, mulher estéril que
orar em silêncio e que as palavras A Canção de Hanna inclui uma durante muitos anos chorou e
devem ser enunciadas, mas não em prece por seu filho Shmuel: “Eterno, pediu por um filho, tornou-se não
voz alta ao ponto de serem ouvidas que os que lutam contra ele sejam apenas a mãe de Shmuel – um de
pelos demais. destroçados. Que os Céus caiam nossos maiores profetas e aquele
sobre eles. Possa o Eterno julgar até que ungiu nosso maior rei, David,
O Livro de Shmuel registra a Canção os confins da terra; possa Ele atribuir que é um antepassado do Mashiach
de Reza de gratidão de Hanna, que poder a Seu rei e causar orgulho – mas a mãe de todo o Povo Judeu,
ela compôs após dar à luz a Shmuel. àqueles que Ele ungiu” (ibid 2:10). para todas as gerações. Não é mera
coincidência o fato de que, como
nossa Matriarca Sara, estéril,
Hanna também concebeu em
Rosh Hashaná – a início do Ano
Judaico –, dia no qual os judeus
de todo o mundo proclamam nas
sinagogas a soberania de D’us e
se dedicam a Seu serviço, assim
como Hanna prometeu que seu
primogênito o faria.

Rosh Hashaná:
a oportunidade de um
novo começo

Rosh Hashaná, literalmente, a


“cabeça do ano”, é o início de um
novo ano. É a oportunidade de cada
pessoa de começar sua vida de novo.
Certamente, a cada dia – ou mesmo,
a qualquer momento em nossa vida –
podemos optar por tomar diferentes
caminhos na vida – melhorar o que
é preciso – mas Rosh Hashaná é o
momento mais auspicioso do ano
para fazê-lo. Trata-se de um novo
começo. Um novo ano representa
shmuel é dedicado por hanna, no templo. frank w. w. topham, final séc. 19.
mary evans picture gallery, londres novas possibilidades.

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REVISTA MORASHÁ i 85

Muitos de nós se acostumam com o dia, além de ganhar a liberdade, ele de nós pode ser elevado da tristeza
mundo e com a vida do jeito que está. foi elevado da prisão à autoridade à alegria, do fracasso ao sucesso,
Muitos são pessimistas sobre o futuro suprema. Como relatam as porções da carência à riqueza – material
do mundo, especialmente à vista dos finais do Livro de Gênesis, Yossef, e espiritualmente. O conceito de
recentes eventos. Muitos indivíduos após interpretar corretamente os destino é estranho ao Judaísmo: em
e mesmo nações se veem presa de sonhos do Faraó, foi nomeado qualquer momento de nossa vida,
círculos viciosos, e às vezes parece não Vice Rei do Egito. Consideremos, mas especialmente em Rosh Hashaná,
haver saída. então: na manhã de Rosh Hashaná podemos mudar nosso destino.
daquele ano, ele acordara em uma
Rosh Hashaná nos ensina que nada prisão egípcia; naquela noite ele Ao recitarmos as preces neste
na vida é predeterminado – e que adormeceu como o líder de facto da Rosh Hashaná, ao ouvirmos a Haftará
o futuro pode ser radicalmente superpotência da época... no primeiro dia da festividade,
diferente do presente. A história de relatando-nos a história de Hanna,
Hanna nos faz lembrar que é possível A Torá não visa a ser um livro de levemos a sério as lições por ela
não apenas uma mulher estéril História Judaica Antiga. É o modelo transmitidas. Explicamos acima
conceber, mas dar à luz um profeta. para a vida de qualquer judeu: suas – e isso merece ser repetido – que
A história de Hanna trata de uma histórias se aplicam a qualquer judeu. Hanna concebeu porque tinha fé
completa reversão do futuro. A Torá nos conta a história de Sara, na bênção de Eli de que o D’us de
Hanna e de Yossef, porque estas Israel concederia seu pedido. Nós,
De fato, não foram apenas nossa se aplicam a todos nós – em Rosh também, devemos ter fé – de que se
primeira Matriarca, Sara, e Hanna Hashaná, D’us se lembrou deles e fizermos um esforço honesto, D’us
que foram lembradas por D’us Ele também se lembra de todos nós, nos abençoará e concederá todos os
em Rosh Hashaná. Yossef, filho de Seus filhos. Por meio da oração, do pedidos de nossos corações.
Yaacov, também foi lembrado em arrependimento – corrigindo nossos
Rosh Hashaná. Depois de passar erros e fazendo um empenho para
12 anos em uma prisão egípcia, melhorar – da tzedaká e da prática BIBLIOGRAFIA
Nevi’im Rishonim - The Prophets
depois de ser acusado de um crime de boas ações – atos de santidade
- The Book of Shmuel. Edição Rabino
que não tinha cometido, Yossef foi e bondade – cada um de nós pode Nosson Scherman - The Artscroll Series.
libertado em Rosh Hashaná. Naquele mudar o curso de sua vida. Cada um Mesorah Publications, Ltda.

9 SETEMBRO 2014
NOSSAS FESTAS

Algumas leis relacionadas


com Yom Kipur
Neste ano, Yom Kipur se inicia no dia 3 DE OUTUBRO, sexta-feira,
às 17:46h, e termina na noite do dia 4 DE OUTUBRO, ÀS 18:40H.
.

C
ostuma-se fazer caparot recebendo Yom Kipur com o ato de pele (perfumes, cremes etc.), não
– abate de um galo, acendimento das velas. calçar couro, não ter relações
para um homem, e de É, porém, necessário antecipar o conjugais”.
uma galinha, para uma recebimento de Yom Kipur para antes
mulher, no dia 9 de do pôr-do-sol. O jejum diz respeito tanto aos
Tishrei de madrugada, 3 de outubro, homens quanto às mulheres,
por um shochet qualificado. É costume os pais abençoarem mesmo grávidas ou amamentando.
Também é possível cumprir este os filhos, pedindo que estes Só em caso de doença ou onde
costume com dinheiro, doando-o sejam selados no Livro da Vida haja algum perigo à vida, o jejum
para tzedacá. e que, em seus corações, permaneça pode ser suspenso (consulte seu
sempre o amor a D’us. Convém rabino). As crianças de 9 a 10
É proibido jejuar no dia que precede também ir à sinagoga antes do pôr- anos podem jejuar algumas horas,
Yom Kipur, mesmo se este jejum por do-sol, para poder participar do Kol e, a partir dos 11 anos, conforme
Taanit Halom. É, ao contrário, uma Nidrei, a “anulação dos votos”. avaliação dos pais, podem jejuar
mitzvá fazer uma refeição adicional. o dia todo. Mas o jejum torna-
A refeição que antecede o jejum deve Restrições durante se obrigatório aos 12 anos, para
ter pão e pratos de fácil digestão e Yom Kipur meninas, e aos 13, para meninos.
ser concluída 20 minutos antes do
pôr-do-sol. Bebidas alcoólicas são Yom Kipur é o Shabat dos Shabatot O uso de sapato, sandálias ou
proibidas. e, portanto, todo trabalho profano tênis de couro é proibido tanto
deve cessar e todas as leis do Shabat para homens como para mulheres.
As mulheres devem acender as devem ser respeitadas. Assim como As crianças também devem ser
velas antes de ir à sinagoga, dizendo no Shabat, é proibido carregar sobre orientadas neste sentido.
a bênção “Lehadlik Ner Shel Shel si qualquer objeto durante Yom Kipur.
Shabat Veshel Yom HaKipurim”. Se Além de observar as leis do Shabat, Ao término de Yom Kipur,
a mulher quiser locomover-se de em Yom Kipur outras cinco restrições a Havdalá deve ser feita sem
automóvel ou usar o elevador antes são acrescidas: bessamim, e a Bênção da Luz deve
do início de Yom Kipur, deverá, ser feita sobre uma vela que
antes de acender as velas, fazer “Não comer, não beber, não trabalhar, permaneceu acesa desde o dia
uma ressalva dizendo que não está não se lavar e nem massagear a anterior.

10
nossas festas

As Quatro Espécies de Sucot


e o que nos ensinam
Um dos principais mandamentos da festa de Sucot diz respeito
às Quatro Espécies: Lulav, Etrog, Hadáss e Aravá. Cumprimos
esse mandamento porque a Torá assim nos ordena. O fato
de entendermos a razão para o seu cumprimento – e por
que devemos reunir e segurar essas quatro espécies – tem
importância secundária. A importância primária é a percepção
de que fazê-lo é cumprir a Vontade de D’us.

n
o entanto, a Torá nos seu tempo na sinagoga, na ieshivá e Vale ressaltar que nem todos os
estimula a descobrir nas escolas – estudando e ensinando judeus personificados pelo Lulav são
o significado de seus Judaísmo. Como a maior parte de iguais: um pode ser um grande Sábio
mandamentos. seu tempo, energia e recursos são e Cabalista, enquanto outro pode ser
A raiz da palavra Torá dedicados a estudar e a ensinar um professor. Mas, essencialmente,
é Hora’á – ensinamento. Cada a Torá, eles muito dificilmente todos eles estão engajados na mesma
passagem, lei e mandamento da Torá deixarão sua Torre de Marfim para atividade: por meio de seu estudo,
oferece ensinamentos atemporais e realizar um grande número de boas servem de canal para trazer à Terra a
universais. ações. Pouquíssimos dentre eles têm Sabedoria Divina, ajudando, assim, a
os recursos financeiros para promover difundi-la entre outros.
O mandamento das Quatro Espécies grandes atos de benemerência. Muito
de Sucot é um dos mais enigmáticos raramente o rabino de uma sinagoga O Hadáss – ramo da árvore de
no Judaísmo. No entanto, transmite é quem a mantém financeiramente. murta – é outro elemento das
muitas lições, especialmente à luz Quatro Espécies. De certa forma,
dos ensinamentos do Midrash sobre É muito raro que um grande erudito é a contraparte do Lulav: um
o simbolismo de cada uma das em Torá tenha os meios de fundar possui o que falta ao outro. O
espécies. e financiar escolas e ieshivás, de Hadáss representa o judeu que não
doar grandes somas a hospitais e tem tanta inclinação intelectual
Segundo o Midrash, o Lulav – a refeitórios públicos. Muitos desses ou que simplesmente é muito
folhagem fechada da palmeira, que eruditos nem passam muito tempo ocupado para passar horas a fio
é a mais alta das quatro espécies – rezando: sua missão na vida é estudando a Torá. Personifica os
simboliza o estudioso da Torá: o absorver o máximo possível da Torá judeus que são homens de ação:
judeu que passa a maior parte de seu – a Vontade e a Sabedoria Divina líderes comunitários, jornalistas,
tempo estudando os livros sagrados. – para depois transmitir o que empresários, profissionais, filantropos
Essas pessoas geralmente levam uma aprenderam por meio de palestras, e ativistas. É raro encontrarmos
vida isolada: passam a maior parte de livros e aulas. pessoas desse tipo que tenham tempo

11 SETEMBRO 2014
NOSSAS FESTAS

de passar muitas horas estudando com os poderes intelectuais e Por que, então, é o Aravá uma
a Torá. Eles são muito ocupados espirituais de se tornarem eruditos das Quatro Espécies e por que é
trabalhando ou realizando boas ações em Torá e com os recursos necessário para o cumprimento da
para poderem passar dias e noite financeiros para realizar grandes mitzvá? E, ainda, por que a bênção
estudando o Talmud ou mergulhando atos de benemerência. A Torá menciona o Lulav e não o Etrog?
nos segredos da Cabalá. O Hadáss chama o Etrog de um belo fruto, e As respostas a essas perguntas nos
é o judeu que se ocupa ajudando os pode-se compreender por que: ensinam importantes lições sobre o
demais. Ele pode ser um médico que a pessoa que é tanto um estudioso judaísmo e sobre como nos devemos
salva vidas, um cientista que pesquisa quanto um líder comunitário é uma relacionar com outros judeus.
a cura das doenças, o soldado que bela pessoa, completa.
ajuda a proteger os cidadãos de O estudo da Torá
Israel ou o empresário que fornece A quarta espécie é o Aravá – e a prática de seus
produtos ou serviços que melhoram um ramo folhoso do salgueiro. mandamentos
nosso mundo. A maioria dos judeus Representa o judeu que não é um
se enquadra nessa categoria. Não estudioso nem tampouco um líder O judaísmo é, basicamente,
importa se a pessoa faz um pequeno ou benfeitor – alguém que não tem dividido em duas ramificações: o
donativo mensal para os necessitados riqueza espiritual nem material. estudo da Torá e a prática de seus
ou doa e subsidia sinagogas, escolas e Enquanto as três outras espécies mandamentos. Apesar de o estudo da
hospitais – se é membro do governo representam judeus que possuem e Torá ser, por si só, um mandamento,
de Israel ou líder de um clube judaico doam algo de si – sabedoria, riqueza ele se destaca dos demais porque
local. O que importa é que a pessoa ou influência – o Aravá envolve especialmente a mente,
doa seu tempo ou seus recursos em representa aquele que não dispõe enquanto os demais envolvem o
benefício de outros seres humanos. desses atributos e, portanto, corpo. Quando alguém estuda
necessita recebê-los de terceiros. os comentários da Torá, como os
O Etrog – a cidra amarela, outra das Aparentemente, o Aravá é o oposto de Rashi, ou o Talmud, ou estuda
Quatro Espécies – representa o judeu do Etrog. uma obra do misticismo judaico, é
que é um erudito em Torá e um necessário fazer grande empenho
homem de grandes feitos. À primeira vista, ninguém ia querer intelectual para entender bem o que
Tais pessoas são muito raras, mas ser um Aravá e todos gostariam de se está estudando. Mandamentos
existem. O Rabi Yehudah HaNassi, ser um Etrog. No entanto, na falta do tais como colocar os Tefilin, acender
conhecido no Talmud como Rebi, Aravá, o mandamento das Quatro as velas do Shabat ou dar dinheiro
foi o maior erudito de sua geração. Espécies não pode ser cumprido. a alguém necessitado não requerem
Foi quem transcreveu a Mishná, Essa espécie não pode ser substituída muito esforço mental.
resumo da Torá Oral. Ele também por nenhuma das outras. Podemos
era o homem mais rico de Israel possuir os Etroguim mais belos e O Judaísmo sempre deu imenso
e amigo íntimo do imperador um lindo campo de Lulavim e de valor ao estudo e à educação. Como
romano, à época, Marco Aurélio Hadassim de onde escolher, mas se escreveu Maimônides, alguém que
Antonino. Rebi passava seus dias faltar o Aravá, não podemos cumprir ensina a Torá a crianças não pode
estudando e ensinando a Torá o mandamento da Torá. interromper o que faz mesmo
– e ao transcrever a Mishná, se for convocado para construir
garantiu que a Torá Oral nunca Deve-se notar, também, que a bênção o Terceiro Templo Sagrado de
se perdesse. Ao mesmo tempo, feita sobre as Quatro Espécies Jerusalém. Não há nada mais
Rebi usou sua fortuna e influência menciona não o Etrog, mas o Lulav: importante do que a educação das
para melhorar a vida do Povo Judeu, termina com as palavras “al netilat crianças. Analogamente, o Talmud
cujos membros viviam na Terra de Lulav”, e não “al netilat Etrog”. compara aquele que estuda a
Israel sob ocupação romana. Em vista do que dissemos acima, Torá com o Cohen Gadol, o Sumo
seria de esperar que o Aravá fosse Sacerdote, quando entrava no Kodesh
Rabi Yehudah HaNassi foi um desnecessário para o cumprimento HaKodashim em Yom Kipur.
homem singular na História Judaica, do mandamento e que a bênção fosse
mas houve e há algumas pessoas feita sobre o Etrog, que representa o Há inúmeras razões para o Judaísmo
extraordinárias que foram abençoadas judeu em sua totalidade. dar tanta importância ao estudo da

12
REVISTA MORASHÁ i 85

sinagoga portuguesa de amsterdã durante hoshaná rabá, gravura de bernard picart, 1725

Torá. Uma dessas razões é que sem prático. Estudamos certos assuntos do organismo: não conseguimos
o conhecimento não pode haver da Torá que não têm valor prático sequer mover um dedo ou dar um
ações adequadas. Isso é óbvio, não algum. E o fazemos porque, como suspiro sem nossa mente. Não
apenas em questões de fé e moral, ensinam nossos Sábios e místicos, surpreende que os Cabalistas
mas mesmo em assuntos seculares: a Torá não é apenas uma obra de ensinem que a mente é a sede da
para ser médico, é necessário estudar autoria Divina ou um livro de leis alma humana. Mediante o estudo da
Medicina; para ser engenheiro, é e ensinamentos morais: é a própria Torá, ligamos nossa faculdade mais
necessário estudar Engenharia. A Vontade e Sabedoria de D’us. preciosa a D’us: fundimos nossa alma
prática da Medicina ou Engenharia E como D’us é indivisível, Ele e com Sua Raiz e Essência.
sem o conhecimento necessário sua Vontade e Sabedoria são unos.
pode ter consequências catastróficas. Portanto, sempre que assimilamos Pode-se argumentar que a Filosofia
Da mesma forma, para cumprir algo da Torá, estamos, por assim também é um tema essencialmente
propriamente os mandamentos da dizer, apreendendo algo do Próprio intelectual e carente de espírito
Torá – para saber o que D’us espera D’us. Como o descreve o Ba’al prático, que trata de assuntos
de nós, tanto em relação a Ele HaTanya: quando compreendemos profundos. Contudo, a diferença
quanto em relação aos seres humanos um tema da Torá, nossa mente se entre o estudo de Filosofia e de
– precisamos estudá-los. torna interligada com D’us: a mente Torá é que o primeiro é a sabedoria
humana abraça e é abraçada pela humana – se origina na mente
No entanto, há uma enorme Mente Divina. Essa fusão entre a humana – ao passo que a Torá é a
diferença entre o estudo da Torá e Mente Divina Infinita e a finita Sabedoria Divina. Não podemos
o dos assuntos seculares. Quando se mente humana ocorre apenas por comparar a sabedoria do homem
estuda Contabilidade na faculdade, é meio do estudo da Torá. com a de D’us. Fazê-lo sequer é
por um propósito prático. blasfemar – é simplesmente tolice.
Ademais, a mente é a maior
O estudo da Torá, por outro lado, faculdade do homem. Como bem o À luz do que explicamos acima,
não precisa necessariamente ser sabemos, a mente é o sistema central podemos entender por que a

13 SETEMBRO 2014
NOSSAS FESTAS

transmitindo os ensinamentos da
Torá –, mas porque, como ensina o
Midrash: “D’us criou o mundo para
que Ele possa ter uma morada aqui
embaixo”. A simples explanação
dessa enigmática declaração é que
D’us deseja que o homem – todos os
seres humanos, não apenas o Povo
Judeu – aperfeiçoe o mundo. D’us
não criou o homem para que este
passasse seus dias buscando prazer
e entretenimento – “comer, beber e
farrear” – mas, Ele tampouco quer
que a maioria dos seres humanos
passe toda a sua vida orando e
estudando a Torá: Ele já tem
miríades e miríades de anjos no Céu
que o fazem. D’us criou o homem –
uma criatura que é uma mistura dos
Céus e da Terra – para se aperfeiçoar
sucot, 1894-95. obra de leopold pilchouski. jewish museum, nova york e aperfeiçoar o mundo. E a maneira
de o fazer é realizando a Vontade de
D’us – cumprindo os mandamentos
bênção feita antes de cumprir o Como a Torá é a Luz Divina, quanto da Torá.
mandamento das Quatro Espécies mais a pessoa a estudar e ensinar,
menciona o Lulav. O estudo da Torá mais estará ajudando a iluminar o Há dois tipos gerais de
é a base do Judaísmo e o meio pelo mundo. De fato, a Torá é a fonte mandamentos na Torá – entre o
qual o homem realiza a maior união de energia do mundo. Os místicos homem e seu Criador, e entre o
possível entre sua alma e D’us. ensinam que se o estudo da Torá homem e os outros seres humanos.
fosse completamente suspenso Mandamentos como colocar Tefilin,
Um de nossos Sábios que por um segundo sequer, o mundo comer Matzá em Pessach e segurar
personificou o Lulav foi Rabi deixaria de existir. Se, em algum as Quatro Espécies em Sucot fazem
Shimon Bar Yochai. Ele foi um momento, nenhum judeu estudasse parte da primeira categoria. Os
mestre tanto das dimensões a Torá, os Céus e a Terra deixariam outros, como honrar pai e mãe,
exotéricas (ou reveladas) quanto das de existir. Os Sábios da Torá – os professores e idosos; ajudar os
esotéricas (ou obscuras) da Torá. verdadeiros eruditos em Torá, não necessitados – financeira, psicológica
Ele é um dos pilares da Lei Judaica os oportunistas e charlatões, que e emocionalmente; e realizar atos de
– praticamente todos os capítulos a utilizam por motivos políticos e bondade e justiça são exemplos do
do Talmud fazem menção ao seu financeiros – sustentam o mundo. outro tipo de mandamentos.
nome – e ele também foi o autor
do Zohar, o “Livro do Esplendor”, Isso significa, então, que D´us quer O Hadáss simboliza os judeus que
obra fundamental da Cabalá. que todos os Filhos de Israel sejam se ocupam cumprindo o propósito
Rabi Shimon cumpriu muitos o tipo de judeu personificado pelo Divino ao criar o mundo. Cada
mandamentos da Torá, obviamente, Lulav? Considerando a suprema vez que uma pessoa cumpre um
mas sua principal atividade na vida importância do estudo da Torá, mandamento, ela traz uma nova luz
era estudá-la e ensiná-la. Em virtude deveríamos, então, almejar ser como ao mundo. Cada vez que um judeu
de sua dedicação ímpar ao estudo da Rabi Shimon Bar Yochai? Não, cumpre corretamente o mandamento
Torá, em especial às suas dimensões e não apenas pela razão óbvia – dos Tefilin, ele atrai a Shechiná – a
místicas, ele revolucionou o Judaísmo porque nem todos têm a inclinação Presença Divina – tornando-se,
e trouxe muita luz ao mundo – para intelectual, a capacidade e o desejo portanto, um canal para bênçãos
judeus e não judeus. de passar os dias estudando e Divinas e abundância para nosso

14
REVISTA MORASHÁ i 85

mundo físico. Quando um judeu


doa de si – de sua riqueza, de seu
tempo, de seus talentos – para ajudar
os demais, ele está transformando o
mundo em um lugar melhor e mais
Divino – uma morada adequada para
seu Criador.

De certa forma, o Hadáss é superior


ao Lulav. Este aperfeiçoa aqueles a
quem consegue ensinar; o Hadáss
aperfeiçoa o mundo como um
todo. O primeiro tipo de judeu
melhora o mundo espiritualmente,
ao passo que o segundo, o melhora
fisicamente. Precisamos dos dois, é
claro, e é por isso que, como dissemos
acima, o Judaísmo é dividido em
duas vertentes principais: o estudo
da Torá e o cumprimento de seus
mandamentos. Uma complementa a
outra. O mundo precisa de grandes
mentes, mas também necessita
de grandes corações. Necessita
de Sábios, eruditos, místicos e
professores, mas também necessita
de filantropos e líderes, médicos e
cientistas. O homem necessita de
alimento espiritual, que é o estudo
da Torá, mas necessita, também, do
alimento físico, que se torna mais
abundante à medida que mais e mais natureza morta, com objetos do cultojudaico. Issachar ryback.
pessoas se incumbem de melhorar o óleo e colagem sobre tela. museu de israel, jerusalém.

mundo.

À vista do que explicamos acima, história – um ser humano não pode


deveria ser claro por que o Lulav e ser um extraordinário erudito em
o Hadáss se auto-superam em vários Torá e um homem de grandes atos A maior lição do
aspectos. Mas não seria o Etrog benemerentes. Exceto homens como mandamento das
superior a ambos? Se este simboliza Moshé Rabenu e Rabi Yehudah Quatro Espécies: que
as virtudes tanto do Lulav quanto HaNassi, um judeu não pode ser o
do Hadáss, não deveria naturalmente maior dos Sábios e um grande líder a força do Povo
ser a opção preferencial? Em outras de sua geração. A maioria das pessoas Judeu – física e
palavras, na presença do Etrog, tem que fazer escolhas na vida: não se espiritual – depende
para que se necessita do Lulav e do pode ser o Rabino Chefe e ao mesmo
Hadáss? tempo Primeiro Ministro de Israel. de nossa união. Cada
um de nós, judeus,
A resposta é que exceto para Somos limitados pelo tempo e é absolutamente
homens como o Rabi Yehudah espaço e energia: se a pessoa opta por
HaNassi – e tais homens foram
necessário para
dedicar todo o seu tempo e energia
extremamente raros em toda a ao estudo e ensino da Torá, ela não nosso povo

15 SETEMBRO 2014
NOSSAS FESTAS

terá condições de se dedicar a outras reuníssemos nove dentre os maiores pessoa arrogante. A arrogância é a
coisas com o mesmo afinco. Poderá Sábios de todos os tempos, não antítese da Divindade: uma pessoa
herdar uma fortuna, ganhar a loteria bastaria para formar um Minyan. que é cheia de si não deixa espaço
ou mesmo investir em uma empresa Na ausência de um Minyan, a Torá para os demais – nem mesmo para
e se tornar multimilionária – e, com não pode ser lida em público e as D’us. E como D’us preenche toda
sua riqueza, contribuir para tornar o orações do Kadish, Barechu e Kedushá a Terra, a pessoa arrogante ocupa
mundo um lugar melhor. Mas se ela não podem ser recitadas. Por outro espaços que não lhe pertencem.
passa todo o seu tempo na sinagoga lado, se 10 dos judeus mais simples
ou na ieshivá, não terá condições de e incultos jamais vistos se reunissem, O Judaísmo enfatiza que o conceito
sair pelo mundo para melhorá-lo. estes sim, poderiam constituir um de bitul é uma marca de santidade, ao
Por outro lado, aquele que segue Minyan. O que 10 judeus simples – o passo que a arrogância é um símbolo
uma carreira profissional pode ser que 10 Aravot – conseguem fazer de idolatria e profanação. Como
abençoado em seu estudo da Torá – – 9 Etroguim – 9 Moshé Rabenus atesta a Torá, Moshé, o maior dos
pode adquirir muito conhecimento – não conseguem. Sem o Aravá, o profetas – o homem mais realizado
em relativamente pouco tempo – mas mandamento das Quatro Espécies de todos os tempos, o único que
é pouquíssimo provável que se torne não pode ser cumprido. falou com D’us face a face – também
um grande especialista na Halachá De modo similar, se qualquer foi o mais humilde que jamais
ou um místico. O Etrog é a mais segmento do Povo Judeu fosse viveu. Chama atenção o fato de que
bela das Quatro Espécies porque excluído, nós nos tornaríamos um na Torá, Moshé não é chamado
nada lhe falta. Simboliza o equilíbrio organismo deficiente. de o maior dos eruditos nem de o
da vida: sabedoria e boas ações; melhor dos líderes, mas do homem
conhecimento que leva à ação. Mas o Há outra lição fundamental que mais humilde que já existiu. Ele, o
Etrog não é tão especializado quanto nos ensina o Aravá: o bitul – auto- maior de todos os homens – o Etrog
o Lulav e o Hadáss, e, portanto, anulação. O Talmud ensina que supremo – considerava-se um Aravá.
não é necessariamente superior às nada desagrada mais a D’us do que
demais espécies. O tipo de judeu a arrogância. Nossos Sábios dizem Um judeu que é um Aravá não está
simbolizado pelo Etrog pode que o Todo Poderoso pode mesmo mais distante de D’us do que quem é
conhecer menos da Torá que o judeu suportar um pecador, mas não uma um Etrog, Lulav ou Hadáss.
personificado pelo Lulav e pode
realizar um menor número de boas Na verdade, sua humildade abre
ações do que a pessoa personificada espaço para que a Luz Divina
pelo Hadáss. brilhe dentro dele. Como ele não é
orgulhoso de seus conhecimentos
E o Aravá? Aparentemente, é nem de seus feitos, ele não é
inferior às outras três espécies. arrogante, o que seria a antítese da
Podemos até perguntar-nos por santidade.
que é uma das Quatro Espécies. No
entanto, não apenas é necessário para O Talmud ensina que Rabi Yehudah
o cumprimento desse mandamento, HaNassi, Rebi, que, como dissemos
mas, de certa maneira, é superior às acima, exemplificou o Etrog, era a
demais três espécies, pois nos ensina personificação da humildade. Para
que um judeu não necessita estudar se tornar um verdadeiro Etrog, como
a Torá nem mesmo praticar os ele, a pessoa primeiro tem que se
mandamentos para ser um judeu. considerar um Aravá.

O Aravá transmite um conceito As Quatro Espécies


fundamental no Judaísmo: que o e a Unidade Judaica
judeu não é definido pelo que ele
sabe ou faz, mas pelo que é. Esse O mandamento das Quatro Espécies
conceito tem ramificações práticas é uma lição de unidade judaica.
sobre a Lei Judaica. Por exemplo, se O Povo Judeu não pode estar

16
REVISTA MORASHÁ i 85

completo na ausência de qualquer duas delas (Hadáss e Aravá) não das árvores frutíferas quanto das
judeu – mesmo se for um daqueles dão frutos. As que dão frutos infrutíferas.
que são vistos pelos outros como necessitam das que não dão e as que
Aravot. Precisamos de irmãos nossos não dão frutos necessitam daquelas Essa é talvez a maior lição do
que sejam Lulavim, Hadassim, que os dão… E, assim também, mandamento das Quatro Espécies:
Etroguim e Aravot. Todo judeu tem quando o Povo Judeu suplica a que a força do Povo Judeu – física
sua missão na Terra – tanto D’us, somente é atendido se estiver e espiritual – depende de nossa
em relação a D’us quanto em unido em um único grupo, como união. Cada um de nós, judeus,
relação aos demais homens e ao está escrito: “É Ele quem constrói é absolutamente necessário para
mundo, em geral. Não é coincidência suas câmaras superiores nos Céus e nosso povo. Quer nos consideremos
que o mandamento das Quatro fundou Seu arco na Terra” (Amos como um Lulav, um Hadáss,
Espécies se aplique apenas durante 9:6). Rashi, o comentarista clássico um Etrog ou um Aravá, somos
os sete dias da festa de Sucot, da Torá, explica esse verso bíblico: indispensáveis para a Nação Judaica.
conhecida como a “época de nosso “Somente quando Seu grupo (o Cabe, portanto, a cada judeu
júbilo”. Isso porque a unidade Povo Judeu) está unido, eles são fortalecer seus vínculos de amor
judaica leva à paz e à força, que encontrados sobre a Terra”: ou seja, com outros judeus, em Israel e na
por sua vez leva ao júbilo genuíno, apenas quando os judeus estão Diáspora, para que as súplicas de
enquanto que a divisão e o unidos, há base para que seus pedidos nosso povo por paz, segurança
desentendimento entre judeus sejam aceitos nos Céus. e sucesso possam ser aceitas nos
levam a conflitos, fraqueza e derrota. Céus.
Rashi vai mais longe: Em tempo de
Há uma passagem no Talmud que necessidade, é declarado um jejum
discute de que forma o mandamento comunitário e a eficácia do jejum BIBLIOGRAFIA
das Quatro Espécies é uma expressão depende da participação unida de Rabi Menachem Mendel Schneerson -
Likutei Sichot
da necessidade da unidade judaica. toda a comunidade judaica – tanto
O Talmud ensina (Menachot, 27a), os justos quanto os não justos – Rabi Shneur Zalman m’Liadi - Likutei
acerca das Quatro Espécies: duas assim como o mandamento das Amarim (Tanya)
delas (Etrog e Lulav) dão frutos e Quatro Espécies requer o produto Talmud Bavli (Menachot)

17 SETEMBRO 2014
HISTÓRIA

OPERAÇÃO SECRETA
POR zevi ghivelder

Num domingo de intenso verão, dia 1º de julho de 1945,


o jovem americano Rudolf G. Sonnenborn, 47 anos,
providenciou a colocação de vinte cadeiras na sala de
estar de sua espetacular cobertura, na Rua 57 Leste de
Nova York, e que fossem preparados sanduíches e sucos
para as visitas que receberia naquela manhã.

d
escendente de uma judeus: organizações sionistas, estavam focadas nas questões da
abastada família judaica líderes religiosos, grupos de jovens, comunidade judaica americana ainda
de origem alemã, líderes comunitários e filantropos submetida a surtos de antissemitismo
radicada em Baltimore, conhecidos por suas fortunas e e, só em segundo lugar, no problema
ele atuava como passíveis de futuras generosidades. dos refugiados. Ben Gurion começou
diretor-executivo de uma empresa fazendo referência justamente aos
multimilionária do ramo do petróleo A comunidade judaica americana já seis milhões de judeus assassinados
e servira como aviador da marinha tomara conhecimento do Holocausto pelo nazismo. Os principais centros
americana durante a 1ª Guerra e se mostrava disposta a estender judaicos do leste europeu, disse
Mundial. Os convidados para o dito toda ajuda possível aos sobreviventes ele, haviam sido dizimados e os
encontro haviam sido convocados refugiados, inclusive fazendo refugiados não tinham para onde ir,
através de telegramas enviados para pressão junto à Casa Branca para não havia países dispostos a abrigá-
diversas cidades dos Estados Unidos a concessão de vistos. Sonnenborn los e as portas da Palestina estavam
e do Canadá. Seus destinatários eram fez uma breve apresentação daquele trancadas por força do White Paper
conhecidos milionários judeus. homem que lhes falaria, vindo (documento que banira a imigração
da remota Palestina. As pessoas para a Palestina) emitido pelos
O primeiro a chegar foi David Ben presentes estavam a par do que havia mandatários britânicos. Portanto,
Gurion, então com 59 anos de idade, acontecido naquela parte do mundo, acentuou Ben Gurion, só um lugar
colarinho branco aberto sobre as abas tinham conhecimento da Declaração no planeta poderia absorver aqueles
do paletó, a cabeça já coberta por Balfour (documento britânico de despojados: a então Palestina, a Terra
revoltos cabelos brancos. Somente o 1917 que admitia a existência de Santa, a Terra de Sion, Eretz Israel.
anfitrião sabia sua origem, ninguém um lar nacional na Palestina para Prosseguiu: “Vou lhes ser sincero. Lá
mais. Ben Gurion se encontrava os judeus), sabiam que milhares somos 600 mil judeus contra mais de
há cerca de um mês nos Estados de judeus ali haviam estabelecido um milhão de árabes. Só poderemos
Unidos, onde se dedicava dia e colônias agrícolas coletivas, os ter um Estado judaico se viermos a
noite a reuniões com incontáveis kibutzim, mas suas prioridades ser a maioria.

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REVISTA MORASHÁ i 85

Navio da Haganá, com sobreviventes do Holocausto a bordo, no porto de Haifa. 1947

Não vou entrar no mérito do certamente havia sensibilizado clandestina chamada Haganá.
sionismo como doutrina ou como suas mentes e corações, acrescido Não sabíamos quando nem como
movimento nacional. Preciso de um rigoroso compromisso de seríamos chamados, mas sabíamos
da ajuda de vocês para termos confidencialidade. Anos mais tarde, que tínhamos que estar a postos”.
o nosso país e para acolhermos Sonnenborn anotou em seu diário:
nossos irmãos. Quando os ingleses “Naquele dia memorável nós fomos Um jovem judeu chamado Philip
terminarem seu mandato, haverá convocados para nos tornarmos o Alpert obtivera sua graduação em
um vácuo na Palestina, um vácuo braço americano de uma organização Berkeley e ganhava alguns trocados
que nós precisaremos preencher. trabalhando no departamento
Sei que seremos atacados pelos de engenharia mecânica daquela
árabes e teremos que lutar. Para isso universidade. Em busca de uma
contaremos com a Haganá, o exército situação melhor, foi para Nova York
clandestino que estamos formando. onde passou a morar na casa de um
Tenho muitas dúvidas sobre tudo, tio. Vasculhava os classificados dos
mas também tenho uma certeza: sem jornais e encontrava oportunidades
a participação de vocês, nada será de emprego em Connecticut e Nova
alcançado”. Jersey, mas preferia permanecer em
Manhattan. Um dia, encontrou-se
Alguns dos presentes fizeram por acaso com um amigo que,
perguntas a Ben Gurion, que as como ele, havia pertencido anos
respondeu com absoluta clareza, antes a um grupo de jovens sionistas.
mas a reunião terminou de forma Disse o amigo: “Phil, há um trabalho
quase sombria. Ninguém foi que pode te interessar. É no ramo
instado a declarar qual seria a sua da engenharia e tem alguma coisa a
contribuição em dinheiro, mas o ver com a Palestina. É só o que eu
relato do emissário da Palestina sei para te informar”. Marcaram um

19 SETEMBRO 2014
HISTÓRIA

encontro para o dia seguinte num segunda-feira”. Slavin foi categórico:


apartamento perto da Grand Central “Nada disso. Você começa amanhã”.
Station. Quando bateram numa Slavin alugou um apartamento com
porta do 12o andar, esta foi aberta cinco quartos no número 512 da rua
por um sujeito de aparência eslávica, 112 Oeste, perto da Universidade de
com cara amarrada, quarenta e Colúmbia.
poucos anos. Era Chaim Slavin,
nascido na Rússia, que chegara à A primeira tarefa de ambos consistia
então Palestina em 1924. Ali se em elaborar em papel vegetal os
formou em engenharia elétrica e projetos dos quais se valeriam após a
obteve emprego como responsável aquisição dos materiais necessários.
pela estação geradora de energia de Usando o codinome Auerbach, Slavin
Tel Aviv. mandava telegramas semanais para
a Agência Judaica informando sobre
Foi atraído pela Haganá e Rudolf G. Sonnenborn o desenvolvimento dos trabalhos.
encarregado por Ben Gurion para Alpert contava com fornecedores no
implantar uma oficina de produção Bronx que lhe vendiam cartuchos
de armas que serviriam para de mais nada precisava comprar com munições. Mas, decorrido
abastecer a Haganá, trabalhando tubos de ferro e aço com os quais algum tempo, seu trabalho ficou
sem levantar suspeitas dos ingleses. pretendia manufaturar morteiros. mais fácil. O governo americano
Habilidoso, transformou sucatas criou um departamento chamado
e peças metálicas numa linha de Ao término da explanação, o Administração de Bens de Guerra,
produção com potencial industrial. jovem de Berkeley perguntou: encarregado de vender em leilão,
Logo após o término da 2ª Guerra “Isto é proibido pela lei americana?” somente para empresas legalmente
Mundial, foi mandado para os Slavin foi fiel à verdade. Respondeu estabelecidas, algumas de suas
Estados Unidos com a missão de que a legislação dos Estados fábricas de materiais bélicos e outros
adquirir maquinário destinado a fins Unidos, no tocante ao excedente suprimentos militares.
bélicos: armamentos e munições de armamentos, era complexa,
restantes do conflito na Europa e contraditória e imprevisível em Alpert e Slavin fizeram uma lista de
no Pacífico, além de se dedicar à função dos rumos da política externa todas as empresas que participariam
fabricação de armas por iniciativa do país. Assim, a atividade seria ao dos leilões e quais delas poderiam
própria. Slavin não falava uma só mesmo tempo legal e ilegal. Alpert estar interessadas em revender os
palavra de inglês e, com a ajuda do hesitou alguns minutos e disse: itens que tivessem arrematado e
amigo de Alpert, revelou que antes “Tudo bem. Posso começar na que lhes pudessem ser úteis. Nessa
tarefa, Alpert e Slavin percorreram
os Estados Unidos de costa a costa,
de alto a baixo, fazendo compras
a preços muito mais acessíveis do
que os de mercado. De posse de
materiais portáteis e dos projetos
bem desenhados e finalizados, eles
cruzaram a fronteira para o Canadá,
de onde conseguiram despachar
tudo para a Palestina antes do prazo
previsto.

O casal Ruby e Fannie Barnett


havia comprado em 1944, num
leilão federal de falência, um hotel
situado no número 14 da Rua 60
Membros do primeiro curso de pilotos da Haganá. 1938 Leste. Deram um dinheiro vivo

20
REVISTA MORASHÁ i 85

como entrada e assumiram uma


hipoteca no valor de 800 mil dólares,
importância salgada para aquela
época. Ele já tinha trabalhado
como advogado e contador e ela era
uma loura bonita já engajada em
atividades sionistas.

Durante a guerra, quando Chaim


Weizmann foi a Nova York, Fannie
trabalhou como sua secretária. Assim
que o prédio foi reformado, o Hotel
14 passou a abrigar hóspedes ilustres
como residentes permanentes. No
subsolo do hotel ficava a boate
Copacabana, a mais concorrida
de Nova York, frequentada pela
alta sociedade de Nova York e Combatentes da Haganá. Dezembro, 1947
celebridades como o famoso
jornalista Walter Winchell. Parte
dos espetáculos ali apresentados guerra, ele havia estudado engenharia outra para resultados. Oficialmente,
contava com dois astros: Groucho na Bélgica e regressado a Tel Aviv, dedicava-se à arrecadação de fundos
Marx e Carmen Miranda. Ao piano, em 1926, quando se filiou à Haganá e mantinha um escritório na sede
quem comandava o show era o e passou a chefiar as atividades da da Agência Judaica em Nova York.
comediante Jimmy Durante. Certa organização na cidade de Haifa. Em Fannie atuava como sua secretária.
ocasião, o hotel recebeu um hóspede 1939 foi nomeado chefe do estado Ele passava quase todo o tempo
chamado Reuven Zaslani, que, por maior da Haganá, posto que manteve ditando cartas, que, de forma gentil,
sua discrição e mutismo chamou durante sete anos, até ser enviado porém insistente, pediam às pessoas
a atenção de Ruby. Ele perguntou para os Estados Unidos com a que honrassem as contribuições
à mulher se ela sabia de quem se missão de adquirir armamentos. prometidas. As respostas eram
tratava. Fannie respondeu: “Sei que desalentadoras e isto apenas
veio da Palestina e parece que foi No quarto que ocupou no Hotel contribuía para que ele dobrasse a
espião infiltrado nos países árabes”. 14, Dostrovsky se manteve fiel quantidade de cartas. Ao mesmo
à disciplina militar a que estava tempo, criou uma série de empresas
Num domingo à tarde, Ruby viu acostumado. Colou na parede um fantasmas, todas destinadas ao
o misterioso hóspede se encontrar grande mapa dos Estados Unidos, transporte de refugiados, desafiando
na porta do hotel com David Ben pontilhado por pinos de cores o bloqueio imposto pelos britânicos
Gurion, que estava justamente diferentes: uma cor para reuniões que, depois da guerra, só haviam
vindo da reunião no apartamento de e encontros reservados, outra para permitido a entrada de 100 mil
Sonnenborn. Perguntou à mulher se personalidades, outra para planos e judeus na Palestina.
aquela ligação com palestinos não
lhes traria problemas e ela informou Os nomes das companhias eram,
que, em breve, acolheriam um dos entre outros, curiosos: Caribbean
mais importantes líderes da Agência Atlantic Steamship e Pine Tree
Judaica, sediada em Jerusalém. Industries. Dostrovsky e Slavin se
Tratava-se de Jacob Dostrovsky, reuniam regularmente no Hotel 14.
cuja família havia imigrado para a Passavam em revista a situação dos
então Palestina depois do pogrom armamentos e tomavam providências
(massacre) perpetrado pelos russos no sentido de adquirir dezenas de
em Odessa, em 1905. Depois de diferentes materiais necessários para
servir na Brigada Judaica durante a a Haganá e para os pioneiros da

21 SETEMBRO 2014
HISTÓRIA

reposição fosse feita. Como se não


bastasse, os ingleses desfecharam
o chamado Sábado Negro, no qual
prenderam todos os líderes da
Agência Judaica.

Ben Gurion escapou porque se


encontrava em Paris. O grupo
reunido em torno da mesa intitulou-
se Instituto Sonnenborn. Acertaram
que eles se reuniriam ao meio-dia de
todas as quintas-feiras, no mesmo
hotel. Sonnenborn acentuou de
forma dramática que, doravante,
tudo deveria ser guardado no mais
absoluto segredo porque o FBI
começava a se aproximar de seus
Combatentes da Haganá treinam no vale de Yizreel. Março,1948 passos. A prioridade seria a aquisição
de navios de quaisquer calados para
transportar armas e refugiados a par
Terra Santa. Um de seus principais informava: almoço em homenagem a de uma miríade de produtos que
achados na América foi um jovem Rudolf. G. Sonnenborn. sempre seriam úteis para a Haganá.
engenheiro eletrônico chamado Na reunião do dia 16 de outubro
Dan Fiderblum, 21 anos de idade, Desde a reunião em seu apartamento, de 1946, ficou combinado que, a
morador de Yonkers, perto de Nova Sonnenborn enfatizava com seus cada quinta-feira, a soma arrecadada
York. Como era muito moço para amigos e amigos dos amigos a deveria atingir a soma de 100 mil
servir durante a guerra, fizera um grave situação em curso na então dólares, de modo a poderem contar
curso ministrado na Universidade Palestina. Os mandatários britânicos com 1 milhão de dólares no fim do
de Nova York pelo Corpo de haviam descoberto e confiscado ano. Sonnenborn insistia em dizer
Sinaleiros do exército americano. em esconderijos da Haganá mais que eles não eram uma organização
A pedido de Dostrovsky, o rapaz de 600 rifles, pistolas, morteiros e formal, não havia comitês, nem
convocou um grupo de jovens judeus metralhadoras. Era urgente que uma comissões, nem pessoas privilegiadas
talentosos, alguns veteranos do e muito menos papéis timbrados.
Corpo de Sinaleiros, familiarizados Entretanto, o Instituto havia se
com as mais modernas inovações transformado numa verdadeira e
eletrônicas. Sua missão era fabricar operosa instituição. O último almoço
o maior número possível de rádios do qual Dostrovsky participou, foi na
portáteis que serviriam para a primavera de 1947. Tinha recebido
comunicação entre os kibutzim e os ordens para regressar a Jerusalém e
centros da Agência Judaica na então reassumir seu posto na Haganá.
Palestina, operando numa frequência
que não pudesse ser detectada pelos O Instituto Sonnenborn buscava
ingleses. ajudas, sem cessar, em todos os
cantos do país. Assim entraram
Tudo funcionou a contento e foi em contato com o coronel David
enviado para Jerusalém. Finda essa “Mickey” Marcus, graduado de
tarefa, dias depois Ruby Barnett West Point, que servira no quartel-
e Jacob Dostrovsky dirigiram-se general de Eisenhower em Londres,
ao Hotel McAlpin, no centro de durante a guerra. Ele se voluntariou
Manhattan. Junto à porta de um para atuar como conselheiro da
dos salões, um pequeno dístico coronel david “mickey” marcus Haganá e chegou à então Palestina

22
REVISTA MORASHÁ i 85

em março de 1948. Jerusalém estava na matemática, jogos de bridge e


bloqueada pelos árabes e o grande de xadrez, além de um profundo
feito de Marcus foi comandar a conhecedor da obra de Bach. Ele
abertura de uma estrada alternativa concordou de imediato em ser o
que recebeu o nome de Burma professor dos professores na escola
Road, referência a uma complicada de Bernstein, que já contava com
estrada construída pelos ingleses na 60 alunos. Estes foram incumbidos
Birmânia. Ben Gurion destacou-o de uma missão especial: elaborar
para um dos comandos da Haganá. um código à prova de ser decifrado
Certa noite, em junho, nas cercanias que servisse para a comunicação
da Jerusalém já desbloqueada, entre o Instituto e a Haganá, na
Marcus foi abordado à distância por então Palestina. Decorridas algumas
um sentinela que a ele se dirigiu semanas, o novo código começou a
em hebraico. Como não soubesse funcionar com perfeição e totalmente
responder, o rapaz tomou-o por blindado.
inimigo e deu-lhe um tiro mortal. yehuda arazi
O corpo de David Marcus foi No dia 25 de outubro de 1947,
transportado para ser sepultado faltando pouco mais de um mês
em West Point. Em sua guarda para a votação sobre a partilha Assembleia Geral para a aprovação
de honra se encontrava um jovem da Palestina nas Nações Unidas, da partilha.
representante da Haganá chamado realizou-se no Hotel Waldorf Astoria
Moshe Dayan. mais um almoço em homenagem Em seguida, apresentou um
a Rudolf G. Sonnenborn. Estavam convidado especial, que vestia uma
No verão de 1947, o Instituto presentes 55 convidados vindos de farda do exército inglês e falava com
entrou em contato com Nahum diversos estados americanos. um impecável e sofisticado sotaque
Bernstein, um dos mais respeitados O anfitrião tomou a palavra e fez de Cambridge. Era o major Audrey
advogados de Manhattan. um relato referente às difíceis Ebban, mais tarde mundialmente
Durante a guerra ele havia atuado atividades dos representantes da conhecido como Abba Ebban.
na OSS, o serviço de inteligência Agência Judaica na sede da ONU, Este focou seu breve discurso num
americano que antecedeu a CIA. então localizada em Lake Success, ponto fundamental: se a partilha
Ele compareceu a um dos almoços perto de Nova York, no sentido de não fosse aprovada, não haveria
das quintas-feiras e fez amizade conseguir dois terços dos votos da um Estado Judeu. Informou que os
instantânea com Sonnenborn,
que lhe disse: “Precisamos de uma
pessoa como você para uma tarefa
que ninguém é capaz de executar
nos Estados Unidos”. Essa tarefa
consistia em criar uma espécie de
escola que ensinasse sistemas de
códigos e a difícil habilidade para
elaborar e decifrar mensagens
criptografadas.

Bernstein encontrou obstáculos


para encontrar judeus especialistas
naquelas matérias. Acabou entrando
em contato com um antigo colega
da OSS, Geoffrey Mort-Smith,
cristão evangélico que se dizia
descendente de índios. Era um
gênio na criptografia e também Membro da Haganá lendo as notícias no transmissor ilegal. 10 de abril de 1948

23 SETEMBRO 2014
HISTÓRIA

seduzir as pessoas, além de ser um


incomparável coletor de doações.
Coube-lhe também o encargo de
ampliar os contatos da clandestina
Haganá na América Latina. No
Brasil, seu representante era um
judeu de origem polonesa-alemã
chamado Menashe Shepitsky, de
quem fui amigo. Certa madrugada,
Teddy precisava mandar um envelope
com alguns milhares de dólares para
o capitão de um navio de bandeira
panamenha ancorado em Nova York.
Olhando pela janela de seu quarto,
percebeu um carro estacionado perto
do hotel que, com certeza, era do
FBI e seguiria qualquer pessoa que
saísse do hotel àquela hora. Desceu,
então, até a boate Copacabana e
Estados Unidos e a União Soviética armas eram embaladas sob diferentes pediu a um jovem cantor que ali se
se mostravam a favor da partilha, disfarces. Mesmo assim, Arazi não apresentava, seu conhecido, e pediu-
mas era preciso conquistar os votos desistiu e foi dando voltas por cima. lhe que levasse o envelope até seu
de pelo menos 23 países. Portanto, destino. O rapaz aquiesceu e, após
os presentes, donos e diretores de Em seguida, registrou-se um novo o fechamento da boate, dirigiu-se
empresas multinacionais, deveriam hóspede no Hotel 14, chamado sem ser seguido ao cais do porto
estender seus contatos mundo Teddy Kollek, nascido em Budapeste, e entregou a encomenda. Ele se
afora para obter o engajamento dos criado em Viena, e um dos pioneiros chamava Frank Sinatra.
governos aos quais tinham acesso. fundadores do kibutz Ein Guev,
às margens do Mar da Galileia. Um dos mais valiosos colaboradores
Àquela altura, hospedou-se no Teddy já possuía vasta experiência da Haganá em Nova York foi um
Hotel 14 mais um jovem palestino em tratativas internacionais e, judeu chamado Adolf Schimmer,
chamado Yehuda Arazi. Seguindo inclusive, negociara diretamente fisgado por Teddy Kollek. Al, como
instruções diretas de Ben Gurion, a com Eichmann, durante a guerra, era chamado, 30 anos, servira em
ele competiria a tarefa de adquirir a libertação de mais de 1.000 bombardeiros durante a guerra como
determinados tipos de armamentos judeus húngaros. Ele tinha uma piloto e engenheiro de vôo, e depois
que até então eram indispensáveis e vocação inata para fazer amigos e como comandante nas linhas aéreas
faltavam à Haganá. No decorrer de TWA. Depois da partilha, Arazi
sua missão secreta, Arazi usou vários foi ao seu encontro e deu-lhe uma
nomes: Joseph Tenembaum, José de vultosa quantia em dinheiro para
la Paz, rabino Leflowitz, Dr. Scwartz, a aquisição de aviões de quaisquer
Dr. Oppenheim e Albert Miller. espécies. O novo país não poderia
Seu êxito foi notável nessa tarefa, sobreviver sem uma força aérea, por
sobretudo no suborno de capitães mais limitada que fosse. Na fábrica
de navios mercantes de inúmeras da empresa Lockheed, localizada
nacionalidades, que transportavam os na Califórnia, Al descobriu quinze
armamentos para a então Palestina. aviões do tipo Constellation, todos
Tudo ficou ainda mais complicado paralisados no solo como excedentes
quando os Estados Unidos, após a de guerra e necessitando alguns
aprovação da partilha, declararam reparos de peças e manutenções.
um embargo para as exportações Como fachada, criou uma empresa
para a Palestina, cientes de que as Reuven Zaslani “Shiloah” chamada Schwimmer Aviation e

24
REVISTA MORASHÁ i 85

outra, meses mais tarde, a Service


Airways. O primeiro avião que
comprou foi um DC-3 e depois
quatro aeronaves Curtiss-46.

Finalmente, depois de incontáveis


idas e vindas, conseguiu adquirir
quatro Constellations e, com a ajuda
de amigos veteranos de guerra,
pilotos e mecânicos, voou todos eles
até a então Palestina sem apresentar
os necessários planos de voos às
autoridades. Enquanto isso, sob o
beneplácito da ex-União Soviética
que queria ver as potências ocidentais
fora do Oriente Médio, o Estado de Eliezer Kaplan, com Moshe Shertok-Sharett e David Ben-Gurion sentados,
Israel comprou na Checoslováquia e Zeev Sharef de pé, na assinatura da Declaração da Independência de Israel,
no Museu de Tel Aviv, 14 de maio de 1948
tudo que precisava em matéria de
armamentos. Agora, sim, o novo
país teria condições militares para Chaim Slavin não quis participar do primeiro chefe do Estado-Maior das
enfrentar os invasores árabes. primeiro governo de Israel, alegando Forças de Defesa de Israel. Morreu
não suportar a burocracia. Tornou-se em 1973.
Com a estabilização de Israel, Rudolf industrial de uma empresa de casas
G. Sonnenborn deu por encerrada pré-fabricadas. Morreu em 1980. Yehuda Arazi abandonou as
sua missão na Haganá e passou a atividades militares e estabeleceu um
presidir a representação dos Bônus Daniel Fliderblum foi viver em hotel tipo resort de pouco sucesso.
de Israel nos Estados Unidos. Israel, onde mudou o sobrenome Morreu em 1959, sem obter o
Aposentou-se de suas atividades para Avivi. Foi um proeminente reconhecimento que merecia.
comerciais e morreu em junho de engenheiro no campo da eletrônica.
1986. Teddy Kollek, antes de chegar ao
Nahum Bernstein voltou a praticar Hotel 14, atuara como representante
O misterioso Reuven Zaslani a advocacia em Nova York e deu da Agência Judaica na Europa.
hebraizou seu nome para Reuven sucessivas palestras para os serviços Serviu na embaixada de Israel em
Shiloah. Representou Israel em americanos de inteligência. Foi Washington. Voltou para Israel em
Rhodes, em 1949, nas negociações presidente do Jerusalem Fund, nos 1952, trabalhando como chefe de
com parte dos invasores árabes. Foi Estados Unidos. Morreu em 1983. gabinete do primeiro-ministro até
diretor-geral do primeiro Ministério 1964. No ano seguinte, foi eleito
das Relações Exteriores de Israel, Al Schwimmer emigrou para Israel, prefeito de Jerusalém, cargo que
embaixador em Washington e onde atuou durante 24 anos como manteve durante 40 anos. Morreu aos
também diretor do serviço de diretor da Israel Aerospace Industries. 95 anos de idade, em janeiro de 2007.
inteligência Shin Bet. Morreu em Por ter contrabandeado aviões
1959. para fora dos Estados Unidos, foi David Ben Gurion, profeta do povo
processado pelo FBI e teve cassada de Israel, morreu no dia
Phil Alpert implantou uma indústria sua cidadania americana. Recebeu um 1º de dezembro de 1973.
de máquinas pesadas nos Estados perdão especial no fim do mandato
Unidos e só esteve em Israel como do presidente Clinton. Recebeu o
turista, onde pôde ver de perto Prêmio Israel em 2006 e morreu em
BIBLIOGRAFIA
as instalações da indústria bélica 2011, aos 94 anos de idade. “The Pledge”, de Leonard Slater, Editora
de Israel, que começara, com sua Simon and Schuster, EUA, 1970.
participação, naquele apartamento Jacob Dostrovsky hebraizou seu
em Manhattan. nome para Yacov Dori e foi o zevi ghivelder é escritor e jornalista.

25 SETEMBRO 2014
ARTE

ALEXANDER BOGEN,
RESISTÊNCIA COM ARMAS E TINTA
POR REUVEN FAINGOLD

Experimentar sons, tatear e sentir o gosto da obra artística


ao limite, transbordar tensões e mergulhar nas sensações
do mundo à sua volta, todas estas experiências fazem de
Alexander Kazenbogen uma figura ímpar. Só um artista que
se dispõe a abraçar a arte e respirá-la até seu último suspiro
consegue aventurar-se por diversos sentimentos, mesmo que
estes sejam momentos de extremo perigo e dor.

VIDA DE PARTISAN antissemitas entre os partisans da de Vilna antes que fosse totalmente
resistência antinazista (especialmente destruído. Foi precisamente nessa
Alexander (Shura) Katzenbogen entre russos, estônios e bielorrussos), época que Alexander Bogen
(1916-2010) nasceu em Durpat, na Bogen conseguiu formar um seleto conheceu o combatente Abba
Estônia, e cresceu em Vilna, cidade grupo de 30 combatentes judeus, Kovner (1918-1987), uma figura
conhecida na história judaica como a denominado “Nekamá”, que em central na heroica revolta do gueto
“Jerusalém da Lituânia”. Filho de um hebraico significa “vingança”. de Vilna.
casal de médicos, pelo lado materno
Alexander era neto do rabino Tuvia O objetivo desses judeus era vencer Os dois combatentes tiveram
de Wolkovysk, um erudito da Torá as treinadas forças alemãs da duas formas diferentes de avaliar
e personalidade destacada entre os Wehrmacht. O grupo “Nekamá” a maneira em que deveriam lutar
55 mil judeus que constituíam a era responsável por ações especiais, contra os alemães em Vilna. Para
comunidade de Vilna no início do como dinamitar vias férreas por Abba Kovner, desde o início havia
século 20. Desde cedo frequentou a onde passariam comboios repletos que realizar ataques em grande
Universidade de Vilna, aprendendo de soldados, causar sabotagem nas escala, mesmo que a revolta resultasse
os rudimentos da pintura e da encomendas de armas direcionadas em inúmeras baixas, um verdadeiro
escultura. aos nazistas, contrabandear alimentos “al Kidush Hashem” (Santificação
e disseminar a informação nos guetos em Nome de Deus). Já Alexander
Com 23 anos, no começo da sobre o extermínio em massa de Bogen argumentava que a ideia de
2ª Guerra, Alexander Bogen, judeus. Kovner era impraticável, pois não
nome que adotou, juntou-se aos havia forma de combater (muito
“partisans”, guerrilheiros das florestas Por volta de 1943, durante o menos de vencer) os nazistas com
que circundavam o lago Naroch, atribulado período da 2ª guerra, armas primitivas e escassas. Portanto,
localizado nos frondosos bosques da Bogen serviu como comandante seria necessário ir até as florestas
Bielorrússia, a 200 km de Vilna. Ao chefe de uma unidade, auxiliando para obter armas melhores e poder
encontrar preconceito e provocações no transporte de judeus do gueto enfrentá-los. Encerrada a guerra,

26
REVISTA MORASHÁ i 85

Partisans, judeus. óleo. 1981

ambos emigraram da Europa para do espaço. Seu traço forte, muitas


Israel, cultivando uma forte amizade. vezes nervoso, vai-se unindo às partes
Abba Kovner se tornou um grande mais sensíveis e poéticas. Suficiente
poeta e, por sua rica obra literária lembrar que este artista judeu criou,
relacionada com o Holocausto, num ambiente de guerra, sofrimento
recebeu em 1970 o Prêmio Israel de e sobrevivência, como forma de
Literatura. valorizar ainda mais sua obra.

Entre os anos 1939-1942, Bogen Encerrada a guerra, em 1945,


colocou em seus desenhos aquele Alexander Bogen retorna à
olhar forte e característico que Universidade e, dois anos depois,
nascia a partir da simples observação completou seus estudos de arte;
da vida de seus companheiros e torna-se professor titular na Escola
colegas guerrilheiros, momentos de Estudos Avançados em Artes de
de tranquilidade de dor e luta. Lodz, na Polônia.
Surpreendentemente, ele achava
pedaços de papel largados no meio Em 1951, Bogen, sua esposa
da floresta, pedaços de embrulhos, Rachel (Rela) e seu filho pequeno,
outros ainda queimados e pedaços Michael, emigram para o jovem
de carvão das fogueiras que utilizava Estado de Israel, ainda incipiente. Lá,
para desenhar. o combatente sobrevivente continuou
seu trabalho como artista e professor
Seus traços são fluidos e intensos, na Universidade Hebraica de
mostrando quase sempre uma Jerusalém, inspirando-se em pintores
dramaticidade única, revelando, no clássicos como Henri Matisse,
desenho, pleno conhecimento do uso Marc Chagall e Pablo Picasso. ALEXANDER BOGEN em israel

27 SETEMBRO 2014
ARTE

Entre os anos 1969-1981, escritos por colegas combatentes ou


assumiu o cargo de “Diretor pessoas que o conheceram. Nesses
da Associação de Pintores e textos memoriais fica bem clara a
Escultores de Israel”. Em vida, perspectiva de seu processo criativo e
recebeu numerosos prêmios: a visão de mundo também retratada
em 1950, o “Prêmio do Governo em sua arte.
da Polônia”; em 1961, o “Prêmio
Histadrut” (Confederação Geral Um dos depoimentos mais bonitos
dos Trabalhadores); em 1962, a ser lembrado é o do sobrevivente
o “Prêmio do Ministério da Itzhak Rudnicki, depois conhecido
Educação”; 1983, o “Prêmio como General Itzhak Arad,
Neguev”, e, em 1992, o “Prêmio Diretor do Museu Yad Vashem, em
Sholem Aleichem”. Jerusalém, entre 1972 e 1993. Dez
Alexander BogeN, comandante da
unidade Nekamá.
anos mais jovem que Bogen, Arad
Em 9 de abril de 2008 foi confessa: “Durante o Holocausto,
inaugurado um “Monumento aos Alexander Bogen serviu comigo
Partisans” na localidade de Latrun, pensador de uma resistência judaica na unidade militar. Ele foi um
de autoria de Alexander Bogen. embrionária que surgia nas florestas guerrilheiro das florestas e um
Catálogos com suas principais da Europa. comandante dos guerrilheiros.
obras foram publicadas pelo Kibutz Apesar de todos os deveres
“Lochamei Haghetaot”, Museu de Infelizmente, a obra “Revolta” não encomendados e as funções a ele
Yad Vashem e Museu do Holocausto informa as datas de suas gravuras, impostas, jamais esqueceu sequer por
de Washington. portanto fica extremamente difícil um minuto que era um artista. Nós
determinar quando foram realizadas, (os partisanim) nunca conseguimos
A OBRA “REVOLTA” se durante a 2ª Guerra ou já em entender como ele conseguiu,
Israel. As diversas técnicas e os naquelas condições, literalmente a
Alexander Bogen detém uma nomes dos desenhos, sim, aparecem partir do nada, produzir os materiais
produção artística norteada por no livro. Além dos trabalhos, para seu trabalho. Tudo é um enigma
uma força retirada do próprio existem também trechos literários para nós, (especialmente) o que o
âmago, é um artista cru e verdadeiro. inspirou a produzir aqueles esboços
Transmite ao apreciador de sua relâmpagos, mesmo em momentos
arte algo notável e essencialmente de perigo ou no meio da ação contra
inspirador. Todas estas afirmações o inimigo”.
aparecem claramente em seu
livro “Revolta”, em hebraico, VIVÊNCIAS DE CINZAS
“Mered”, uma obra na qual reflete
profundamente sua função de O que chama a atenção na arte de
comandante e artista, de lutador e Bogen são as precárias condições de
herói da resistência judaica contra os trabalho que tinha à sua disposição.
nazistas. Se muitas vezes é difícil criar
trabalhos artísticos e deixar fluírem
O livro de Bogen traz vários as sensações em um confortável
desenhos a carvão, nanquim, gravuras ateliê, ou em algum lugar com uma
de metal e outras tantas técnicas estrutura física boa, o que dizer de
artísticas, todos eles produzidos no produzir em tempos de guerra, de
decorrer da 2ª Guerra Mundial. movimentação e deslocamentos
Trata-se de uma artista plástico permanentes. Borgen nutria uma
que não se contentou apenas em vontade enorme de desenhar a
acalentar ideais poéticos de liberdade, partir de suportes simples, sem
mas teve um papel fundamental Kovner discursa aos membros da
Haganá no Kibutz Yad Mordechai,
nenhuma opção de escolha ou
como comandante, combatente e 17 de maio de 1948 ideia preconcebida. Praticamente,

28
REVISTA MORASHÁ i 85

criou uma arte própria com base


no seu fôlego de batalha, sua aura
de desbravador em meio a um caos
assumidamente dilacerante.

Outro ângulo que certamente


desperta nosso interesse é a
cumplicidade de Bogen com
o aspecto processual de seus
trabalhos, encarando a traumática
vivência da 2ª Guerra Mundial
em fusão permanente com sua
intrínseca expressão pictórica. Ele
não se limitou apenas a pintar em
momentos de descanso, mas também
em situações de confronto e luta.
Como já disse Arad, para serem
retratadas, muitas dessas situações, Partisans judeus. Tinta em papel, 1943
“não possuíam o menor respiro
de tranquilidade e, mesmo assim,
Bogen retirou das profundezas de imagens de homens em situações Varsóvia) ou guerrilheiros em fuga
seu coração artístico força quase variadas, ele retratou aquela cidade rumo às florestas da Europa. Seus
tátil para poder transformar aquelas judaica que não existe mais”. trabalhos, mais especificamente
vivências em arte”. as gravuras, retratam edifícios e
As telas de Alexander Bogen fachadas de sua querida Vilna. A
Encerrada a 2ª Guerra Mundial, não evocam somente o “partisan forte caracterização da angústia e
os trabalhos artísticos de Bogen, a judeu” (perfil similar aos irmãos do sofrimento subsistem no traço
maioria deles expostos no Kibutz Bielski), o combatente do gueto caótico dessas representações,
“Lochamei Haghetaot” e no “Museu (perfil de Mordechai Anilevich, em pulsando diretamente no cuidadoso
de Arte de Yad Vashem” continuam olhar do espectador, segurando
a evocar traços de maior segurança, velhos vestígios de um vilarejo em
vestígios de um olhar sumamente ruínas com poucos monumentos
crítico diante da devastação e das arquitetônicos que sobreviveram. São
atrocidades causados pela guerra. prédios e construções que emergem
O artista judeu é, sem sombra de de um emaranhado de linhas
dúvida, uma figura que surgiu das como manifestos de resistência e
cinzas de um conflito, e como tal perseverança em meio à destruição
decidiu repensar e filosofar seu ocasionada pela guerra
lugar no mundo, codificando sua
sensibilidade através de linhas, O artista possui uma plasticidade
manchas e, sobretudo, muito suor. única e uma posição bem nítida em
relação a seu processo artístico, que
Existe outro depoimento, desta vez podem ser facilmente vinculados a
do sobrevivente Yehuda Leib Bialer, trabalhos de outros artistas, como
que nos remete a aspectos centrais da William Kentridge e Lasar Segall.
obra de Bogen: “Ele (Bogen) estava Tanto o lituano Segall como o sul-
imbuído com o espirito de Vilna. Por africano Kentridge sustentam suas
ela lutou e pelo bem dela completou obras através de aspectos incisivos
sua missão artística, enquanto de suas vidas para logo desenhar
mantinha a fé em seu lado mais e demarcar suas aflições e paixões
humano e judeu. Além de pintar Bogen e sua esposa Rachel, Israel em determinado período, gerando

29 SETEMBRO 2014
ARTE

Ele escreve: “Recentemente, tenho


indagado muito acerca do
motivo pelo qual desenho, mesmo
havendo combatido dia e noite.
Há aqui algo intimamente
relacionado com a continuidade
biológica. Cada ser humano, cada
povo, precisa vivenciar isto uma
vez... Ser criativo durante o
Holocausto era também uma forma
de resistir. Cada homem que se
encontra frente a frente com
seu inimigo, cruel e perigoso,
age de forma pessoal. Assim, o artista
tem seu próprio caminho para agir,
pois essa (arte) é sua própria arma.
Isso nos ensina porque os alemães
não conseguiram destruir nosso
espírito”.

Alexander Katzenbogen morreu


em 2010 e hoje está enterrado no
cemitério judaico de Kyriat Shaul,
em Tel Aviv. Este artista colocou sua
vida em sua arte de forma explícita,
sem máscaras, e isso é o que faz dele
um verdadeiro sobrevivente, não
A deportação. óleo, 1996 apenas da 2ª Guerra, mas também do
mundo artístico em geral.

“Tenho indagado experiências artísticas próprias e


reutilizando características pictóricas BIBLIOGRAFIA
muito acerca do e poéticas em seus trabalhos Bogen, Alexander, Revolt. Publicado por
motivo pelo qual plásticos, tal qual Bogen fez no Yehuda Leib Bialer, Jerusalém, 1974
período da 2ª Guerra Mundial. Blater, Janet & Milton, Sybil, Art of the
desenho, mesmo Holocaust. Ed. Pan Books. Londres , 1982
havendo combatido Independente de qualquer tipo Constanza, Mary S., Living Witness: Art in
de posição política, é inegável que the Concentration Camps and Ghettos. The
dia e noite (....) Ser
Alexander Bogen tem sido um Free Press. Nova York, 1982
criativo durante o artista excepcional, infelizmente
Norvitch, Miriam, Resistenza Spirituale
Holocausto era pouco conhecido dentro do cenário (Spiritual Resistence 1940-1945: 120
artístico. Tive a grande felicidade de Drawings from Concentration Camps
também uma forma poder estudar sua produção através and Ghettos). The Commune of Milan,
de trechos do livro “Revolta”; uma Milão,1979.
de resistir”.
obra ímpar tanto pela força de seu
Alexander Bogen nome como pelo seu rico conteúdo.
Prof. Reuven Faingold é historiador
Durante a pesquisa encontrei uma e educador, PHD em História Judaica pela
Universidade Hebraica de Jerusalém.
frase de Alexander Bogen que me É sócio fundador da Sociedade
marcou profundamente e resume Genealógica Judaica do Brasil e membro
do Congresso Mundial de Ciências
a verdadeira essência de sua arte. Judaicas de Jerusalém.

30
música

Enrico Macias, símbolo


da música árabe-andaluz
Uma notícia apareceu com destaque na mídia israelense nos
últimos meses: a decisão do cantor Enrico Macias de emigrar
da França para Israel. O ícone da música árabe-andaluz
anunciou suas intenções em uma entrevista à emissora
israelense Canal 2, dizendo que o crescente antissemitismo
na Europa está por trás desta mudança.

e
m Israel, me sinto livre, que, em 1985, concedeu-lhe a apoio às tropas israelenses.
eu me sinto em casa. Legião de Honra do país. Em 1997, Ao longo de sua carreira, Macias
Há muito tempo queria foi indicado pelo Secretário Geral apresentou-se mais de 40 vezes em
partir, mas sinto que das Nações Unidas, Kofi Annan, Israel, levando às lágrimas muitos
agora chegou o momento. como Embaixador Mundial para que, através de suas canções, reviviam
Acredito que o antissemitismo na a Paz e Proteção das Crianças. momentos felizes de seu passado
França crescerá e que devo ensinar Em novembro de 1981, o então nos países árabes dos quais foram
algo aos meus filhos e netos. Então, secretário geral das Nações Unidas, obrigados a partir.
darei o exemplo de partir para viver Kurt Waldheim, concedeu-lhe o
em Israel”, ressaltou o artista. título “Cantor da paz”, após Macias Após 1948, como consequência
ter doado os royalties da canção da fundação de Israel, da guerra
Internacionalmente consagrado “Malheur à celui qui blesse un deflagrada pelos países árabes contra
e intensamente aplaudido nos enfant” para a Unicef. o Estado Judeu e do recrudescimento
palcos europeus, na América do das perseguições, centenas de
Norte, na antiga URSS e no Japão, Sua posição de apoio a Israel vem milhares de judeus do Egito, Síria,
entre outros, Enrico Macias tem de longa data. Em 1973, durante a Iraque, Argélia, Marrocos, Iêmen e
transmitido em suas canções uma Guerra de Yom Kipur, cantou para Tunísia deixaram seus respectivos
mensagem universal de paz e os soldados nas frentes de batalha países. Partiram para Israel; outros
solidariedade entre os povos. O disco e atravessou o Canal de Suez com para a Europa, Estados Unidos e
“Oranges amères” lançado em 2003 e alguns batalhões. Em 1978, foi América do Sul. Deixaram para
produzido por seu filho, Jean-Claude convidado pelo então presidente trás recordações, séculos de história
Ghernassia, é fruto desse universo Anuar el-Sadat a fazer um show aos e um valor incalculável em bens
que, justamente, é o que nele a todos pés das pirâmides para celebrar o individuais e comunitários.
encanta e seduz. acordo de paz assinado com Israel.
Em 2006, recebeu uma medalha Embora consagrado como um dos
Sua atuação em prol da paz foi especial do então ministro da Defesa grandes artistas internacionais da
reconhecida pelo governo da França, de Israel, Shaul Mofaz, pelo seu música andaluz, Macias jamais

31 SETEMBRO 2014
música

abandonou suas raízes argelinas, e ela, 13. Suzy sofria de problemas irmão, o pai lhe pediu para tocar algo
nunca perdeu a sua simplicidade e cardíacos e, aos 18 anos, submeteu- para os convidados. Acompanhado
o sorriso fácil e sincero que cativou se à primeira cirurgia cardiovascular por Cheikh Raymond, bastou que
tantos amigos e público, sendo realizada em Paris. Apesar de ter começasse a dedilhar o violão para
o porta-voz de todo um povo sido alertada pelos médicos de revelar seu talento. Ao final do
desarraigado da África do Norte que não poderia engravidar, ela dueto, impressionado com o jovem,
durante a década de 1960. conseguiu dar à luz uma menina e o mestre do maaluf o convida para
um menino, enfrentando grandes integrar sua prestigiosa orquestra.
Sua vida adversidades. Em 23 de dezembro
de 2008, Suzy faleceu, após longa Em 1956, após terminar seus
No dia 11 de dezembro de 1938, enfermidade. estudos, candidatou-se ao cargo
nascia em Constantina, na Argélia, de professor em uma escola, pois a
em uma tradicional família judaica, A música maaluf ou andaluz, tocada música não parecia ter futuro. Como
Gaston Ghernassia, que, décadas em instrumentos tradicionais, é as escolas precisavam de professores,
mais tarde, seria consagrado como a forma mais comum da música foi contratado, mas jamais deixou de
Enrico Macias. As tradições e oriunda da Andaluzia, na Espanha, tocar.
valores judaicos eram cultivados e chegou à Argélia no século 15,
por seus pais – a mãe descendia de logo após a expulsão dos árabes A realidade da Argélia harmoniosa,
uma boa família de judeus locais, daquele país. Desde sua juventude, onde católicos, judeus e muçulmanos
enquanto os familiares de seu pai “Gaston-Enrico” tocava violão e compartilhavam a mesma terra,
vinham de Granada, na Andaluzia. A logo passou do violão à harmônica. estava acabando. Começava uma
música fez parte da sua vida desde a Sua musicalidade era um dom era de instabilidade política. O
infância, pois seu pai era violinista da e costumava dizer: “Em termos movimento Frente Nacional de
orquestra do grande mestre Cheikh musicais, eu poderia ser comparado Libertação (FLN), fundado em
Raymond Leyris, uma das mais a um homem que fala muito 1954 por Ahmed Ben Bella, lutava
representativas da mais pura tradição bem, mas não sabe escrever. Tudo pela independência do país, que era
musical do maaluf, canto tradicional brotou por intuição”. Aos oito anos colônia francesa há mais de 130
árabe-andaluz. Anos mais tarde, o aprendeu sozinho a tocar mandola, anos. Foi criado na mesma época
jovem Gaston casa-se com Suzy, tipo de bandolim. Seu pai, querendo o Exército de Libertação, braço
filha do grande mestre. preservá-lo das dificuldades da armado da FLN. Inicia-se a Guerra
profissão, preferiu não ser seu mestre. de Independência (1954-1962), que
Sua história de amor com Suzy Mas ele tocava escondido. Até que, acaba sendo prolongada e muito
começou quando ele tinha 15 anos aos 12 anos, no Bar-mitzvá de seu sangrenta, em virtude da resistência
dos colonos franceses, os Pieds Noirs,
senhores das melhores terras.

Entre as vítimas do conflito estava


Cheick Raymond que, no dia 22 de
junho de 1961, fora assassinado de
forma selvagem em Constantina.
Naquele momento, o jovem
Gaston se deu conta de que a única
alternativa para ter um futuro era
o exílio na França. Chegava ao fim
uma era de calma e tranquilidade
para os judeus argelinos. No mesmo
ano, Gaston embarca com a esposa,
Suzy, na companhia de toda a sua
família e amigos no navio Ville
d’Alger, que os levaria à França.
Deixar a Argélia foi um duro golpe

32
REVISTA MORASHÁ i 85

para uma comunidade que tinha ano do nascimento de sua filha Jocya A década de 1960 foi uma
construído a vida na África, ainda (o filho Jean-Claude nasceria pouco verdadeira roda-viva de gravações e
que suas raízes estivessem na Europa. depois). Em 1964, Gaston adota turnês. Em 1968, foi intensamente
definitivamente o nome artístico aplaudido no Carnegie Hall, em
Ao chegar a Paris, Gaston decidiu de Enrico Macias, apresenta-se no Nova York, Chicago, Dallas, Los
apostar na carreira musical. Como Teatro Olympia e conquista um Angeles e outras cidades dos
uma criança prodígio da música sucesso fenomenal com hits como EUA e Canadá. Entre os prêmios
maaluf, resolveu adaptar o estilo ao “Enfants de tous pays”, “Les filles de acumulados ao longo de sua carreira
gosto do público francês, traduzindo mon pays” e “La musique et moi”. estão o Disco de Outro pelo álbum
partes das músicas que conhecia para Começam também as intermináveis “Melisa”, que incluiu o sucesso
o francês, mas não ficou satisfeito turnês ao redor do mundo. “Malheur à celui qui blesse un
com as versões. Então construiu um enfant”. Em 1978, foi convidado
repertório baseado em suas próprias Embora seus primeiros fãs tenham pelo presidente Anuar El-Sadat a
experiências. Mas, enquanto o sucesso sido os “Pés Negros”, que se se apresentar no Egito, como vimos
não vinha, aceitou vários trabalhos identificavam com as canções de acima. Um momento marcante para
tocando e cantando em cafés. Macias, também cativou o público Enrico Macias, banido dos países
mais amplo e suas canções passaram árabes durante anos.
Ele foi contratado pela d’Or em a ser cantadas por todos. Em 1965,
1962. Gravou seu primeiro disco recebeu o Prêmio Vincent Scotto Ao longo de décadas, Macias
com a canção “Adieu mon pays”, que e compôs a canção “Les Gens du escreveu um capítulo importante
compusera no navio quando saía Nord” e “Non, je n’ai pas oublié”. da história dos judeus forçados ao
da Argélia. Em outubro do mesmo No ano seguinte, apresentou-se para exílio. Através de suas canções, revela
ano, aparece em um programa de uma plateia de 120 mil pessoas no a trajetória comum de milhares de
televisão sobre os expatriados da Dinamo Stadium, em Moscou, e em judeus que, mesmo reconstruindo
Argélia, “Cinq colonnes à la une”, e, outras 40 cidades soviéticas. Sucesso suas vidas em outras paragens, jamais
a partir de então, é o início da fama. após sucesso, ele gravou, também, em arrancaram de seu coração seus
Faz a sua primeira turnê em 1963, espanhol e italiano. países de origem.

33 SETEMBRO 2014
ATUALIDADE

Tempos difíceis para os


judeus da Ucrânia
Não é a primeira vez, em sua história longa e turbulenta,
que a Ucrânia é palco de sangrentas lutas, nem a primeira
em que se defronta com uma guerra civil ou que enfrenta a
Rússia em questões territoriais. Tampouco é a primeira vez
que a população judaica do país se vê em meio a uma feroz
disputa de poder entre Kiev e Moscou.

n
o passado, as lutas internas foram desastrosas A crise que está dilacerando o país e preocupando
para os judeus, pois, além do antissemitismo o Ocidente teve início em 21 de novembro de 2013,
estar no DNA da Ucrânia, a violência contra quando protestos espontâneos irromperam na capital,
os judeus sempre tende aumentar em épocas Kiev, após Viktor Yanukovych, presidente ucraniano
conturbadas. Simon Wiesenthal disse, certa de etnia russa, ter sustado os preparativos para a
vez, que “onde a democracia é forte, é bom para os judeus, assinatura de um Acordo de Associação e de um
e onde é fraca, é mau para os judeus”. Acordo de Livre Comércio com a União Europeia,
em favor de relações econômicas mais estreitas com
Hoje vivem na Ucrânia cerca de 70 mil judeus praticantes a Rússia. A violência das forças do governo na
e entre 300 e 400 mil ucranianos têm origem judaica. repressão das manifestações levou um número
A pergunta que paira é o que eles vão fazer perante crescente de manifestantes às ruas – chegando
a questão da Ucrânia versus Rússia. O Rabino Chefe a 800 mil na primeira semana de dezembro. Os protestos
de Odessa, Abraham Wolff, diz que os judeus estão foram alimentados pela crise econômica, a falta de
divididos sobre essa questão, assim como a comunidade emprego e a corrupção generalizada em todas as esferas
mais ampla. do governo.

Conflito interno Inicialmente conduzida por estudantes universitários,


a Euromaidan, como passou a ser chamada, acabou
Para entender a crise ucraniana, é preciso lembrar que reunindo amplos setores da população ucraniana,
a Ucrânia é um país dividido tanto do ponto de vista inclusive elementos de direita, de extrema-direita e
étnico quanto cultural. A população da Ucrânia do Sul e simpatizantes do fascismo e do nazismo.
Oriental têm maioria russa, fala russo e tende a ser pró-
Moscou. Já a da Ucrânia Central e Ocidental é ucraniana, São numerosos os membros do partido ultranacionalista
nacionalista, fala ucraniano e, desde que o país se tornou Svoboda1 e da coalizão de grupos neonazistas,
independente, em 1991, com o fim da União Soviética, denominada Setor Direita. Líderes desses partidos têm
deseja fazer parte da União Europeia. expresso abertamente suas ideias antissemitas.

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1 2 3

4 5 5

Em fevereiro deste ano de 2014, o presidente e cidades de maioria russa também manifestaram sua
Viktor Yanukovich é removido do poder, assumindo um intenção de se separar da Ucrânia. Separatistas pró-
governo de coalizão que inclui grupos pró-Europa e de Rússia acabam criando áreas autoproclamadas como
extrema direita. Nas eleições realizadas em regime de “repúblicas populares independentes”. Em maio, a
urgência, a população vota a favor do novo governo República Autoproclamada de Donetsk e a de Lugansk
pró-Ocidente. Petro Poroshenko, um dos pilares dos unificaram-se sob o nome de Novorossia (Nova Rússia). 
protestos Euromaidan, assume a presidência do país. Moscou e Kiev têm trocado sérias acusações.
De tendência pró-Ocidente, apoia as ações militares
contra o movimento separatista pró-Rússia e adere O governo da Ucrânia acusa o presidente russo Vladimir
à UE. Empresário bilionário especialista em relações Putin de apoiar e armar os rebeldes separatistas, o que
econômicas internacionais, Poroshenko já ocupou o ele nega. Já Moscou diz que as “operações punitivas”
Ministério da Economia e das Relações Exteriores, bem do governo ucraniano contra os separatistas são “atos
como a presidência do Banco Central. criminosos”.

Moscou não reconheceu como legítima a troca de A crise foi agravada com a queda do Boeing-777 da
governo, enquadrando-a como golpe de Estado. Malaysia Airlines, e a morte dos 289 ocupantes, na região
As populações ucranianas da fronteira com a Rússia à leste de Donetsk, palco dos combates separatistas.
alinham-se com Putin, e denunciam a legitimidade do Após a queda, autoridades de todas as partes envolvidas:
novo governo. Ao mesmo tempo, milhares de soldados o governo russo, o ucraniano, além do representante
sem identificação tomam bases militares na Península de Donetsk, negaram ter abatido o avião. Mas, os
da Crimeia, dando apoio aos separatistas pró-soviéticos. especialistas dizem que apenas os mísseis terra-ar, guiados
As tensões culminaram com a anexação da Crimeia por calor, fornecidos pela Rússia aos separatistas, seriam
pela Rússia, em março deste ano, quando um referendo capazes de abater um avião daquele porte.
realizado – não reconhecido nem pelo governo ucraniano
nem internacionalmente – deu a vitória aos separatistas. Contra esse pano de fundo, os conflitos entre tropas
Após a anexação da Crimeia pela Rússia, outras regiões oficiais e separatistas pró-russos já deixaram mais de

35 SETEMBRO 2014
ATUALIDADE

400 mortos. Por causa dos combates na região leste da pelo Google News search, pois é virtualmente ausente
Ucrânia, centenas de judeus são hoje refugiados. Eles a cobertura da grande mídia à ameaça à comunidade
sobrevivem graças à assistência de grupos judaicos judaica na Ucrânia).
locais e estrangeiros que, nas últimas semanas, iniciaram
importantes operações de auxílio e resgate. Caricaturas antissemitas, suásticas e outras imagens
nazistas têm aparecido com frequência em manifestações,
A Comunidade Judaica jornais e revistas, e em muros de várias cidades. Em
Donetsk, por exemplo, judeus da comunidade local têm
Apesar de não ser o centro da luta pelo futuro da relatado que grafites antissemitas começaram a surgir
Ucrânia, a comunidade judaica têm funcionado como assim que enfraqueceu o Estado de Direito. “Começamos
um conveniente instrumento político e uma importante a ver suásticas pintadas nos bancos das praças e nos
peça no xadrez político entre Ucrânia e Rússia. edifícios”.
Em discurso realizado no Kremlin, em março,
Putin declarou que a derrubada do presidente ucraniano Elementos antissemitas têm aproveitado o caos
Yanukovych havia sido um golpe armado e executado político para cometer atos de violência contra judeus
por nacionalistas, neonazistas, russófobos e antissemitas. e instituições judaicas. Segundo o Rabino Chefe
Nas semanas iniciais do Euromaidan, a televisão russa e do leste da Ucrânia, Shmuel Kaminezki, quando os
a mídia impressa relataram que o estado ucraniano estava protestos contra Yanukovych começaram em novembro,
sendo “atacado por neonazistas, fascistas e bandidos”. embora muitos judeus compartilhassem as aspirações
pró-europeias dos manifestantes, havia um grande
A Liga Anti Difamação da B’nai B’rith conclamou todas temor sobre a atuação dos grupos de extrema direita
as partes envolvidas no conflito para se absterem de nas manifestações. Alguns deles são neonazistas ou
uma “exploração cínica e politicamente manipulativa do neofascistas, pessoas sem pejo algum de manifestarem
antissemitismo “. No entanto, ninguém pode negar que o abertamente seu ódio aos judeus. O Svoboda causava a
espectro do antissemitismo voltou à Ucrânia. maior preocupação por causa das declarações antissemitas
feitas por seus líderes no passado e pela importância
Apesar de a mídia do Ocidente não ter coberto a ameaça que atribuem aos “heróis” nacionalistas ucranianos,
neonazista à comunidade judaica na Ucrânia, essa ameaça considerados verdadeiros carrascos pelos judeus. Entre
é real. (O completo blecaute da mídia é confirmado eles, Bohdan Chmielnicki, responsável pelos massacre de
1648- 1649, quando morreram cerca de 100 mil judeus;
Symon Petliura, considerado responsável pelos pogroms
de 1917-1921; Stepan Bandera, que criou as Waffen
SS Ucranianas da Galícia e as Divisões Nichtengall e
Roland, que participaram do assassinato de judeus.

Em fevereiro último, dois importantes rabinos ucranianos


alertaram a comunidade judaica sobre o perigo que seus
membros corriam. O Rabino Moshe Reuven Asman
recomendou à sua comunidade que abandonassem a
região central de Kiev, ou se mudassem de cidade e, se
possível, abandonassem o país! O Rabino Asman disse
ao jornal israelense Maariv: “Há alertas constantes sobre
planos de atacar as instituições judaicas”.

O Rabi Yaacov Dov Bleich, que, desde 1990, é o Rabino


Chefe de Kiev e da Ucrânia, abordou a delicada situação
da comunidade judaica durante uma entrevista no
programa de rádio de Aaron Klein, da WABC, em Nova
York. Ele afirmou ter recomendado à comunidade que
fosse vigilante e evitasse locais onde estivessem ocorrendo
vladimir putin manifestações.

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1 2

1. Manifestantes pró Rússia diante de um edifício do governo em Donetsk 2. Grupo de Chassidim chegam ao túmulo do Rabi
Nachman de Bratslav, em Uman, aldeia a 200 Km de Kiev

Desde o início da crise, cresceu o número de Essa cidade é famosa por ser o local de
ataques contra indivíduos judeus. Em janeiro, nascimento do Rabi Menachem
um professor de escola judaica foi atacado em M. Schneerson, o Lubavitcher Rebe.
Kiev. Em fevereiro, desconhecidos atiraram
coquetéis molotov na entrada da sinagoga Em junho, Oleksandr Feldman, jurista
Chabad Giymat Rosa, em Zaporozhye, ucraniano e presidente do Comitê Ucraniano,
localizada a 400 km a sudeste de Kiev – não foi ameaçado em Kiev por homens
houve feridos. Essa sinagoga foi inaugurada uniformizados que bradavam insultos
em 2012 – sinal da retomada do judaísmo na antissemitas. Feldman, que usa kipá, é um dos
Ucrânia – e foi construída no local onde os judeus mais conhecidos na Ucrânia. Homens
judeus da comunidade receberam ordens para armados e mascarados também ameaçaram
se reunir antes da deportação nazista para os incendiar a casa de um dos Rabinos Chefes do
campos de extermínio. Em março, os muros da país, o Rabino Yaakov Dov Bleich, presidente
sinagoga em Simferopol, capital da República da Confederação Judaica da Ucrânia, mas
da Crimeia - anexada nesse ano de 2014 foram impedidos a tempo.
pela Federação Russa, foram pichados com
suásticas e as palavras “morte aos judeus”. Obviamente as instituições judaicas reforçaram
sua segurança e alguns eventos públicos foram
Em abril, surgiu um panfleto em Donetsk, à cancelados. Por sua vez, a Agência Judaica
leste da Ucrânia, que trouxe tristes lembranças informou que forneceria auxílio na segurança
dos idos de 1941 aos judeus da cidade. Com o às instituições judaicas.
selo de “República de Donetsk” – o selo usado
pelos separatistas da região – o panfleto pedia É importante ressaltar que manifestações
1
União Pan- aos habitantes judeus que se registrassem de cunho antissemita e atentados contra a
Ucraniana, junto à Prefeitura para pagar um imposto comunidade judaica na Ucrânia são perpetrados
“Svoboda” per capita. Para causar maior impacto, foi tanto por nacionalistas ucranianos como
Liberdade, é um
partido político pregado em uma árvore bem em frente de uma pelos separatistas pró-Rússia. Nessa região o
ucraniano sinagoga, para garantir que a congregação o antissemitismo é secular, estando impregnado
ultranacionalista
de extrema direita visse ao sair dos serviços religiosos. A pequena na cultura ucraniana. Os perpetradores dos
considerado por comunidade de Donetsk ficou aterrorizada. incidentes relatados nesta matéria e de outros
muitos fascista A Liga Anti Difamação mostrou ceticismo contra judeus ou instituições judaicas são, em
e antissemita. É,
atualmente, um quanto à autenticidade do folheto ter sido obra sua maioria, membros de grupos antissemitas
dos cinco maiores dos separatistas, mas, qualquer que fosse a sua ou são oponentes políticos. Os motivos
partidos do país
e sua filiação foi origem, as instruções claramente recordativas diferem; alguns simplesmente odeiam os
restrita apenas aos da época nazista tiveram o efeito de intimidar a judeus, outros querem “provar” ao mundo o
ucranianos étnicos. comunidade judaica local. Também em abril a cunho fascista do novo governo ucraniano ou
Três membros do
partido ocupam sinagoga de Nikolayev, no sul da Ucrânia, o antissemitismo russo. As vítimas, porém, são
posições no governo. foi atacada com bombas incendiárias. sempre os judeus.

37 SETEMBRO 2014
DESTAQUE

margem protetora
POR jaime spitzcovsky

Ao iniciar mais um ciclo de violência no Oriente Médio, em


julho passado, o grupo terrorista Hamas buscou perpetuar
uma estratégia em curso há décadas. Trata-se de impor a
Israel a necessidade de se envolver num conflito assimétrico,
no qual o Estado judeu, em busca da segurança de seus
habitantes, tenha de enfrentar inimigos que utilizam
população civil como escudo humano e empregam escolas,
hospitais, mesquitas e suas cercanias como bases para
lançamento de foguetes e esconder armamentos.

N
esse cenário, ao atrair Para entender a dificuldade dos Nenhum país do mundo ficaria
o combate para áreas governos israelenses nas últimas inerte diante de uma chuva de
densamente povoadas, décadas, basta analisar as origens foguetes atingindo sua população
grupos como o Hamas da Operação Margem Protetora, civil. Os disparos permanentes
apostam na morte de iniciada a 8 de julho. A escalada de condenam os israelenses, sobretudo
civis palestinos e cenas de escombros violência, na sua fase mais recente, nas áreas mais próximas a Gaza, a
para abalar a imagem do Estado começa com o sequestro e assassinato viver em permanente situação de
judeu e tentar isolar Israel no cenário de três jovens israelenses, em junho, estresse psicológico, pois quando
global. pelo Hamas. Apesar das negativas soa o alarme antimíssil, contam com
iniciais, o grupo acabou admitindo, escassos 15 segundos para chegar
O roteiro trágico é seguido desde por meio de seu líder principal, à segurança de um bunker. Com
meados dos anos 1970. Grupos Khaled Meshal, a autoria do crime. frequência, aulas em jardins de
como o Hamas e Hezbolá criam infância e escolas são interrompidas
situações insustentáveis para Israel, Em seguida ao sequestro, o Hamas pelo som estridente que anuncia a
colocando-o diante de um dilema: apostou na intensificação da crise, aproximação de um foguete oriundo
enfrentar um cenário de grave imaginando que uma escalada militar de Gaza.
ameaça à sua segurança, por um lado lhe permitiria arrancar concessões
e, por outro, entrar numa operação de Israel na hora de negociar um Nos últimos dez anos, mais de
militar que trará dividendos na cessar-fogo. De imediato, o governo 12 mil projéteis foram disparados
área de segurança, mas certamente israelense mostrou que preferia contra Israel, que amealhou
significará alto custo político e não embarcar num confronto expressivas vitórias contra a estratégia
diplomático. Essa costuma ser a bélico. Chegou a propor a fórmula terrorista ao investir pesadamente na
natureza das chamadas guerras “quiet for quiet” (tranquilidade por construção de abrigos antimísseis e
assimétricas, quando um país, com tranquilidade) na fronteira entre na construção do Iron Dome (Domo
forças armadas regulares, enfrenta Israel e Gaza. O Hamas, no entanto, de Ferro), um sofisticado sistema de
terroristas e milicianos que se seguiu disparando foguetes. Foram defesa que destrói foguetes inimigos
escondem em meio à população civil. mais de 400 em duas semanas. em pleno voo.

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REVISTA MORASHÁ i 85

Sistema de defesa aéreo antimísseis Domo de Ferro- de fabricação israelense contra-atacando um foguete

Israel, no entanto, não podia tolerar do Líbano. Mais uma vez, Israel numa guerra assimétrica. Sempre
a intensificação dos bombardeios, enfrentou um grupo terrorista, em um Estado constituído, com forças
que provocou mortes e obrigou parte outra guerra assimétrica e altamente armadas regulares, enfrentando
expressiva de sua população nas destrutiva. Foram mais de 30 dias de grupos terroristas e milicianos
proximidades de Gaza a abandonar encarniçados combates em território infiltrados na população civil.
suas casas. Teve, a contragosto, libanês, em meio à população civil.
de embarcar em mais uma guerra Nesses conflitos, os adversários de
assimétrica, enfrentando um grupo Uma triste radiografia mostra Israel naturalmente não esperam
baseado no terrorismo, com objetivo que Israel foi arrastado a mais vitória militar. Sabem que não
de neutralizar suas plataformas conflitos assimétricos, além dos contam com a capacidade para
de lançamento de foguetes e quatro registrados nos últimos destruir o Estado judeu por meios
destruir a sofisticada rede de túneis oito anos. Entre 2000 e 2004, a bélicos. O objetivo é impor derrotas
subterrâneos, construída para infiltrar Segunda Intifada e seus homens- políticas, obrigar um Exército bem
terroristas em solo israelense. bomba atingiram o Estado equipado e bem treinado a combater
judeu, assassinando cerca de num cenário desfavorável, em meio
A Operação Margem Protetora 1 mil israelenses, mais de 120 a zonas urbanas e população civil.
representou mais um capítulo nefasto deles menores de idade. E, entre Certamente cenas de destruição
das explosões cíclicas de violência 1987 e 1991, jovens palestinos vão correr o mundo, ainda mais
nas cercanias de Israel. Em 2012, foi protagonizaram a Primeira na era da internet e da revolução
a vez da Operação Pilar de Defesa e, Intifada, quando o cenário clássico tecnológica. E a disseminação dessas
na virada de 2008 para 2009, ocorreu apresentava civis lançando pedras fotos e vídeos tem alvo certo: corroer
a Operação Chumbo Fundido. Todas contra alvos israelenses. e imagem de Israel e fortalecer a
elas envolvendo o Hamas. Em 2006, estratégia de isolar o Estado judeu.
um comando do Hezbolá atacou A constatação: todos os conflitos
uma patrulha israelense na fronteira que envolveram Israel nas últimas A Guerra do Yom Kipur,
norte do país, matando três soldados décadas colocaram-no contra um em 1973, foi um divisor de águas.
e iniciando a Segunda Guerra adversário de natureza diferente, Representou o fim da etapa em que

39 SETEMBRO 2014
DESTAQUE

e jordanianas, e conseguiu um
formidável triunfo militar.

Em 1973, Cairo e Damasco


desejavam reverter os resultados
da guerra anterior. Fracassaram.
E constataram que Israel havia se
transformado, um quarto de século
após sua fundação, em realidade
que não poderia ser riscada do
mapa numa guerra simétrica. O
presidente egípcio Anuar Sadat,
diante do diagnóstico, desistiu do
projeto nasserista de destruir Israel,
visitou Jerusalém em 1977 e assinou
o acordo de paz de Camp David
em 1979, o primeiro entre um país
árabe e Israel. Pagou pela ousadia
com a própria vida, assassinado num
Cartaz pede a volta de Naftali Fraenkel, Gil-Ad Shaer e Eyal Yifrah, atentado em 1981.
sequestrados e assassinados pelo Hamas em junho

Lideranças árabes e seus aliados,


Israel se viu em guerras simétricas, Antes disso, o jovem Estado convencidos de que Israel não
ou seja, quando um país, com Judeu havia participado, poderia ser derrotado no âmbito
forças armadas regulares, enfrenta por exemplo, em mais dois conflitos militar, decidiram mudar a estratégia.
outro país, igualmente com forças simétricos. Em 1956, enfrentou, E se espelharam no conflito mais
armadas regulares. No conflito com apoio de britânicos e franceses, emblemático da Guerra Fria,
iniciado no dia mais sagrado do o Egito, do presidente Gamal Abdel encerrado em 1975: a Guerra do
calendário judaico, Egito e Síria Nasser. Onze anos depois, na Vietnã. Numa guerra assimétrica, os
invadiram Israel, que repeliu os Guerra dos Seis Dias, Israel vietcongues comunistas impuseram
agressores e venceu o embate. combateu tropas egípcias, sírias uma derrota ao poderosíssimo
Exército norte-americano, que
se retirou do front vietnamita em
1973. A retirada se deu sobretudo
devido à crescente pressão da opinião
pública norte-americana, cada vez
mais inclinada a rejeitar as imagens
de mortes de civis. A estratégia
vietcongue levava claramente em
conta a importância de provocar,
na população dos EUA, indignação
com o sangrento conflito no sudeste
asiático.

Os adversários de Israel decidiram


embarcar num roteiro semelhante.
Com força militar inferior,
optaram por levar o conflito à
arena política e diplomática, com
ênfase na disputa pela opinião
Soldado israelense explora um dos túneis do Hamas para Israel pública internacional. Ou seja, se

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REVISTA MORASHÁ i 85

Família israelense refugiou-se em abrigo após ter tocado a sirene que alerta a
população da chegada de mísseis vindo de Gaza

aniquilar Israel militarmente se um palestino se aproxima da mesa,


mostrou inalcançável, a ideia a esbaforido, e conta, sem pausa para
partir de meados dos anos 1970 respirar, que num vilarejo próximo
passou a visar o conflito assimétrico, há um confronto entre civis
gerando consequências políticas e palestinos, lançando pedras e
diplomáticas que levem ao crescente coquetéis molotov, contra soldados
isolamento de Israel no cenário israelenses. O dirigente que havia
global. interrompido a entrevista ouve a
história com atenção, e, impassível,
Portanto, nas últimas quatro pergunta: “A CNN está lá?” “Sim”,
décadas, Israel não se envolveu respondeu o afobado mensageiro.
mais em guerras simétricas. Grupos “Então está tudo ok, podemos
terroristas e milícias, em meio à continuar a entrevista”, disse o
população civil, passaram a impor ganha força, impulsionado por líder palestino ao jornalista norte-
desafios a Jerusalém, com o intuito ações de claro caráter antissemita. americano, antes de, calmamente,
de deslanchar conflitos sangrentos Importante lembrar que a estratégia sorver mais um gole de chá.
e obter dividendos políticos, com a de deslegitimação de Israel também
exploração de imagens de mortes e se alimenta de um antiamericanismo A transmissão ao mundo, daquela
de destruição. de setores importantes da esquerda cena de uma guerra assimétrica,
global que, em paradoxo histórico, se era o objetivo. Para Israel, portanto,
Com a busca por apoio na opinião associam a grupos fundamentalistas além da frente para garantir paz e
pública internacional, organizações muçulmanos. tranquilidade à sua população, abriu-
anti-Israel aproveitam para também se, há vários anos, a frente de batalha
lançar campanhas voltadas a boicotar Um jornalista norte-americano, por corações e mentes na opinião
e isolar o Estado judeu, como a veterano em coberturas no Oriente pública internacional.
infame BDS (Boycott, Disinvestment Médio, costuma relatar a seguinte
and Sanctions; boicote, história: entrevistava um líder da JAIME SPTIZCOVSKY, foi editor
desinvestimento e sanções). Nesse OLP durante a Segunda Intifada, internacional e correspondente da
Folha de S. Paulo em Moscou
cenário, o discurso antissionista num bar na Cisjordânia. De golpe, e em Pequim.

41 SETEMBRO 2014
PERSONALIDADE

ron dermer
Assessor mais influente de BINYamin Netanyahu, Ron Dermer
ocupa desde o ano passado o posto de Embaixador de Israel
em Washington. Jovem, carismático e articulado, seu rosto
tem aparecido cada vez com mais frequência nas emissoras de
televisão, pois ele tem combatido incansavelmente as críticas
contra Israel na mídia e defendido seu país no Capitólio.

e
conomista formado pela com o ponto de vista de Israel sobre Mandato Britânico, mudara-se
Wharton e político teórico o conflito árabe-israelense. Desde com toda a família para os EUA
formado em Oxford então, suas aptidões só fizeram alguns anos após a independência
com extraordinários aumentar. do Estado de Israel. Os Dermer
instintos políticos, Ron é iam frequentemente a Israel,
o principal estrategista do primeiro Ao longo dos anos, Dermer tem principalmente após a morte de
ministro Binyamin “Bibi” Netanyahu. mostrado não ter receio algum de Joseph, o avô de Ron, quando ele
Conhecido como “Bibi’s Brain’’, denunciar o tratamento injusto ainda era um bebê, e sua avó,
o cérebro de Bibi, observadores de Israel na mídia. Para ele, não Rivka, decidiu retornar a Israel.
políticos têm dito que, em várias devemos permanecer em silêncio Em 1984, duas semanas antes de seu
ocasiões, quando Bibi Netanyahu diante da tendenciosidade da mídia Bar-mitzvá, seu pai morreu, aos 54
discursa, o mundo vê o rosto do e das visões distorcidas sobre o anos, vítima de um ataque cardíaco.
primeiro-ministro, mas muitas das conflito.
palavras que se ouve são de Dermer. Ron sempre foi um ótimo aluno,
Sua vida superdotado, e excelente atleta, pois
Usando uma pequena kipá de amava esportes. Extremamente
crochê, shomer Shabat, Ron que se O caçula de Jay e Yaffa Dermer, Ron competitivo, enquanto cursava o
autodenomina ortodoxo moderno, nasceu em Miami Beach, em 1971. Ensino Médio ganhou o prêmio
é o melhor porta-voz no combate Jay Dermer, advogado nova-iorquino de melhor jogador de basquete e
ao ataque contra o Estado e o de tribunal, mudara-se para a Flórida também o Prêmio American Legion
Povo Judeu. Desde os seus dias em e, em 1967, foi eleito prefeito de por seu desempenho acadêmico e nos
Oxford, ele vem demolindo seus Miami Beach, derrotando Elliot esportes.
oponentes nos debates, com um Roosevelt, um dos filhos do ex-
domínio incomparável dos fatos e presidente Franklin D. Roosevelt. Após completar o Ensino Médio,
uma apresentação eletrizante. Ainda entrou para a Wharton School of
em Oxford, ele conseguiu persuadir Sua mãe, Yaffa Rosenthal, que Business, na Pennsylvania. Assim
alguns de seus mais brilhantes alunos nascera na então Palestina sob que ingressou na faculdade, ajudou

48
REVISTA MORASHÁ i 85

embaixador de israel nos eua apresenta credenciais ao presidente Barack Obama na casa branca. Dezembro de 2013

a fundar o Jewish Heritage Program, Republicano e o introduziu na viria a se chamar Yisrael B’Aliyah
uma organização cujo objetivo era política israelense. Embora seu pai – Israel para a Imigração. Luntz
fortalecer a identidade judaica dos tivesse sido democrata e seu irmão apresentou Ron a Sharansky. Conta
estudantes universitários. Também ter seguido seus passos, Ron se Dermer sobre esse encontro: “Eu
começou um pequeno negócio, alinhou com a Direita. não o conhecia, mas lera seu livro e
vendendo “reforço para exames”, meu primeiro instinto me dizia para
uma forma de auxiliar alunos a se Assim que se formou em Wharton, não trabalhar com ele. Então eu o
prepararem para os exames, com em 1993, foi para Washinton e se conheci e mudei de ideia em menos
as provas de anos anteriores e suas tornou assistente de Luntz. No ano de 10 minutos”. Naquele mesmo ano,
respostas. seguinte, 1994, Luntz arquitetou a ainda estudando em Oxford, Dermer
campanha para a Câmara, “Contract ajudou Sharanksy a se preparar para
Em Wharton, teve aulas com Frank with America”2, para Newt Gingrich. as eleições de 1996 para o Knesset.
Luntz1, pesquisador de opinião No dia da votação, Dermer fazia um
pública e consultor político. Luntz Foi Luntz quem convenceu Dermer exame final em Oxford.
sempre o considerou o aluno mais a continuar seus estudos em Oxford,
talentoso e brilhante que já tivera. onde ele obteria o mestrado em Logo depois, Ron vai para Israel.
Nessa época, Dermer já possuía um filosofia, política e economia. Assim Não queria voltar para os Estados
verdadeiro dom para o debate. Jeffrey que chegou à Oxford, pendurou na Unidos, queria morar no Estado
Pollock, importante pesquisador parede uma bandeira de Israel que Judeu e, em 1997, começou o
democrata, seu colega de classe, seu pai ganhara de uma Miss Israel, processo para se tornar cidadão
costumava dizer: “É melhor não durante um concurso de beleza, em israelense. Ron chegou a Israel após
entrar em discussão com ele, porque Miami Beach. Ele era um americano a assinatura dos Acordos de Oslo e
com certeza vai sair perdendo...”. cujo coração estava em Israel. A do assassinato de Yitzhak Rabin.
bandeira provocou calorosos debates. Ele encontrou um país dividido.
O relacionamento com Luntz foi Não apenas entre direita e esquerda,
crucial para a vida de Dermer, pois Em 1995, Natan Sharansky tentava mas entre judeus seculares e
o professor o aproximou do Partido lançar um partido de imigrantes que religiosos, asquenazitas e sefaraditas,

49 SETEMBRO 2014
PERSONALIDADE

Barak renuncia ao cargo de primeiro-


ministro e mais uma vez tiveram
que ser antecipadas as eleições.
Houve uma polarização entre Barak
e Sharon, e este último acabou
tornando-se primeiro-ministro.
Desta vez, porém, Netanyahu não
estava no páreo. Enquanto isso,
Dermer passou a escrever uma
coluna semanal no The Jerusalem
Post, denominada “The Numbers
Game”, que estreou em janeiro de
2001. Ele escrevia sobre política e
suas preocupações sobre o futuro de
Israel.

Ron conheceu sua atual esposa e mãe


Dermer e Bibi Netanyahu de seus filhos, Rhoda Pagano, em
um jantar, em Jerusalém, oferecido
pelo chefe de Rhoda, Aharon Barak,
entre sabras e imigrantes recém- como o principal especialista do então presidente da Suprema Corte
chegados da ex-União Soviética. país sobre o voto russo. Ao lembrar de Israel. Rhoda, formada em
“Quando cheguei em Israel”, lembra o encontro entre Ron e Netanyahu, Direito pela Universidade de Yale,
ele, “estava empolgado porque sabia Sharansky diz que Bibi não gostou retornou pouco depois a Nova York
que as futuras decisões tomada por das duras constatações sobre a para trabalhar em um escritório de
meu país seriam importantes para o campanha expostas por Dermer. advocacia. Ela resistiu aos pedidos
futuro do Estado Judeu e o do meu “Bibi me chamou e disse, ‘este sujeito de Ron para que mudasse para
Povo”. (Dermer) realmente me odeia’. Mas Israel, pois dizia estar receosa com os
da próxima vez que se encontraram, ataques terroristas. Mas, o atentado
Em agosto de 1998, Dermer se casou apaixonaram-se”, relata Sharanky. ao World Trade Center, em 11 de
com Adi Blumberg, uma artista setembro de 2001, a fez mudar de
que crescera na Cidade Velha de Netanyahu e Dermer se opinião. Rhoda foi para Jerusalém
Jerusalém e cujo pai era o presidente encontraram novamente no e se casou com Dermer. A mãe de
do Banco de Jerusalém. O casamento início do verão israelense daquele Dermer deu de presente ao casal
de Adi e Ron foi celebrado por um ano de 2000.Ambos haviam coletes à prova de balas! O casal tem
dos maiores eruditos da atualidade, sofrido grandes perdas: Bibi fora cinco filhos.
o Rabino Adin Steinsaltz. Mas a arrasadoramente derrotado por
felicidade do casal foi muito breve, Ehud Barak nas eleições, além de Após o fatídico 11 de setembro,
pois sua esposa faleceu dois anos perder a liderança do Likud para Dermer retornou aos EUA por um
mais tarde, em fevereiro de 2000. Ariel Sharon, e Dermer enviuvara. breve período para ajudar seu irmão
Adi tinha apenas 29 anos. Mas estavam determinados a ir David que concorria às eleições para
em frente. Era o início de um a prefeitura de Miami Beach. David
No final daquele mesmo ano, após grande relacionamento. Netanyahu Dermer venceu a disputa, numa
três anos no poder, o governo de e Dermer compartilhavam, e vitória de último minuto, com a
Netanyahu entra em colapso. Com compartilham, as mesmas visões ajuda do ex-governador da Flórida,
uma coligação desfeita, o primeiro- políticas em termos de segurança Jed Bush, irmão do presidente
ministro de Israel pede a antecipação do Estado de Israel, diplomacia e George W. Bush. Embora seu pai
das eleições previstas para o ano economia, entre outras. e seu irmão fossem democratas, a
2000. Sharansky ofereceu a expertise família Dermer tinha fortes vínculos
de Dermer para a campanha de Com a eclosão da Segunda Intifada, com a família Bush, especialmente
Bibi. O jovem já era conhecido em outubro daquele mesmo ano, com Jed Bush.

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REVISTA MORASHÁ i 85

Ron Dermer foi coautor com em política externa e estrategista


Sharansky do livro “The Case – requisitado frequentemente e a
for Democracy: The Power of qualquer hora para consultas.
Freedom to Overcome Tyranny
and Terror”, publicado em 2004. Ele atuou, também, como ligação
O livro aborda a disputa entre a com a Casa Branca e foi uma
liderança israelense e palestina como presença constante nas reuniões em
uma frente na luta global entre Washington ao lado do primeiro-
sociedades livres e tirânicas. Traça ministro. Além de Netanyahu,
uma distinção entre sociedades livres Dermer tem feito mais para moldar
e sociedades tirânicas, ou “sociedades o relacionamento entre Israel e os
aterrorizadas”, como são chamadas EUA, seus vizinhos árabes e com
no livro – expressão que Sharansky os palestinos nos últimos anos do
credita a Dermer. No final, há de Bibi, chegando mesmo a contratar que qualquer outro homem do
uma lista de dissidentes árabes que dois assessores para comunicação governo. Algumas de suas posições
merecem o apoio do Ocidente em com a mídia que tinham atuado na políticas chegam a ser ainda mais
seus esforços para levar seus países ao campanha de Obama. conservadoras do que as de Bibi.
caminho da liberdade. Em várias ocasiões expressou seu
Após ser eleito primeiro-ministro ceticismo sobre a real vontade dos
George W. Bush ficou entusiasmado de Israel, Netanyahu fez de Dermer palestinos de ter seu próprio estado
com o livro e convidou os autores seu principal assessor, cargo que e sobre a viabilidade de serem um
ao Salão Oval alguns dias após ele ocupou até 2013, quando se parceiro para a paz.
sua reeleição. O livro se tornou tornou embaixador em Washington.
uma pedra fundamental do que Durante esse período, ele trabalhou Embaixador em
é atualmente conhecido como a no círculo mais íntimo de Bibi. Seu Washington
“Doutrina Bush”. cargo abrangia virtualmente tudo
o que dizia respeito ao primeiro Ron Dermer substituiu o embaixador
Dermer e Bibi Netanyahu ministro. Ele se tornou o principal israelense em Washington, Michael
redator dos discursos, pesquisador de Oren, em 2013. Entre as tarefas
Ron Dermer assumiu seu primeiro opinião pública, principal conselheiro hercúleas que ele tem diante de si,
cargo governamental em 2005.
Netanyahu, que então era ministro
das Finanças na gestão de Ariel
Sharon, indicara-o para ocupar o
posto de Ministro da Economia na
Embaixada de Israel em Washington,
D.C. Para assumir o cargo, Ron
teve que desistir de sua cidadania
americana.

Na campanha de Netanyahu para


primeiro ministro, Dermer foi o
principal estrategista. Durante os três
anos que passou em Washington,
observou com grande interesse a
estratégia adotada pela equipe de
Obama para lidar com milhões
de eleitores insatisfeitos – novos,
ou já existentes, e lhes transmitir
uma mensagem de mudança. Esta
estratégia Ron replicou na campanha Ronald S. Lauder com o embaixador Ron Dermer e sra. Rhoda Dermer. janeiro de 2014

51 SETEMBRO 2014
PERSONALIDADE

ele terá que apresentar as reservas Israel, em especial para o sistema


de Israel a negociação que está antimíssil Domo de Ferro, e
sendo discutida com o Irã, algo para revogar a proibição da FAA
que tem preocupado Israel, e tentar americana de voos para Israel. Foi
influenciar o governo americano. também ele quem orquestrou o
encontro do ex-Prefeito de Nova
Sobre ele, disse Sharansky ao jornal York, Bloomberg, com Bibi.
The Times of Israel, “Ron tem um
senso extremamente profundo das Dermer é articulado, rápido e dono
bases da ligação entre Israel e a de uma fluência política difícil de
América. Ele estudou, escreveu e enfrentar. Ele pode se confrontar
viveu essa ligação e os valores que com qualquer repórter e provar
as duas nações compartilham. o ponto de vista de Israel. Suas
Ron será extremamente importante entrevistas estão em todas as mídias
para Washington e para a Casa sociais e ele se tornou a voz da
Branca porque eles sabem que ele é razão em meio a uma campanha de
muito próximo do primeiro-ministro desinformação.
e que falar com ele é como falar
diretamente com Netanyahu: isto Dermer tentou traduzir a situação
é algo muito raro”. Muitas pessoas real de Israel em termos com os
próximas a Obama confirmam as quais o público americano pudesse
palavras de Sharansky, pois quaisquer se relacionar. O diplomata procura
suspeitas sobre as tendências políticas demostrar aos americanos que o
de Dermer são superadas pelo único desejo dos israelenses é se
benefício de ter um embaixador que certamente não é a “frente de defender, algo que os Estados Unidos
faça parte do círculo íntimo de Bibi. batalha” mais importante que Israel não titubeariam um segundo em
precisa vencer quando é atacado por fazer. Foi lançada uma campanha
Embora tenha vínculos fortes com seus inimigos, mas é, sem dúvida, de de mídia nos EUA com a pergunta:
os republicanos e tenha apoiado grande importância. “O que você faria se Nova York
Mitt Romney em 2012, Ron tem e Washington estivessem sendo
boa penetração também entre os Por causa dos recentes combates atacadas por mísseis?”, e a afirmação
democratas. Neste ano, o secretário entre Israel e o Hamas, em Gaza, “O Hamas não é em nada diferente
de Estado John Kerry participou Dermer tem combatido as críticas da al-Qaeda”.
do Seder de Pessach na residência de a Israel pela invasão de Gaza e
Dermer. pelas vítimas civis. Participou em Em uma entrevista à CNN, Dermer
mais de 55 entrevistas de televisão, pediu aos telespectadores que
Dermer e a Operação rádio e mídia impressa. Tem ido às imaginassem uma situação em que
Margem Protetora emissoras de televisão e debatido ouvissem sirenes em Nova York e
com seus âncoras, apresentando os em Washington e a necessidade
Enquanto o papel da maioria dos fatos de forma objetiva, esclarecendo das pessoas terem que correr para
embaixadores é influenciar a política o público e denunciando a bunkers. “Isto é o que acontece hoje
dos países onde atuam em relação tendenciosidade ou a desinformação em Israel”.
a seu próprio país, os de Israel têm da mídia na cobertura do conflito.
mais um papel: procurar influenciar Tem, também, defendido Israel no Ao falar em um encontro no
a opinião pública e os meios de Capitólio, participado de reuniões Capitólio, ele fez a mesma
comunicação nesses países. Embora com membros da Administração abordagem, ressaltando que,
Israel seja a única democracia que americana, conferências e outros atualmente, em termos proporcionais,
floresce no Oriente Médio, o país eventos. a população israelense que está
continua a perder a batalha da na mira dos mísseis e foguetes
opinião pública, a guerra na mídia, Tem atuado, também, na busca de seria equivalente a 200 milhões de
passo a passo. A opinião pública mais recursos para a segurança de americanos. “Como alguém que

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REVISTA MORASHÁ i 85

1. ron dermer COM Steve Israel. 2. com Jeremy Ben-Ami. 3. COM José Miguel Insulza, secretário geral da
oea 4. com o porta voz John Boehner NO CAPITÓLIO.

nasceu e cresceu neste país (EUA), não me internacional; merece a sua admiração.
é difícil imaginar o que o povo americano Não houve, na História, forças armadas
esperaria de seu governo se 200 milhões de que tenham sido mais cuidadosas do que
pessoas tivessem que ir para os bunkers”, as FDI na proteção de inocentes do lado
ressalta. oposto (...) Israel não precisava ter enviado
seus soldados a muitos dos lugares onde eles
Essa explicação procura desmistificar o hoje lutam (...). Estamos, hoje, enviando
principal desafio das relações públicas de nossos soldados a esse vespeiro de terror
Israel – a acusação de ação desproporcional. palestino, todo armado com minas e
1
Frank I. Luntz
é um consultor “As pessoas precisam entender que não se explosivos e permeado de túneis. Israel tem
político americano, trata de contar corpos de cada lado”, explica demonstrado uma auto-contenção que ainda
pesquisador e “guru
de opinião pública”, Dermer. E ele faz outra analogia através não foi vista (...). E eu não posso aceitar críticas
mais conhecido da qual o povo americano pode entender ao meu país numa hora em que os soldados
por desenvolver a situação na qual se encontra Israel. israelenses estão morrendo para que os
temas de debate e
outras mensagens Durante a 2ª Guerra Mundial, o número de palestinos inocentes possam viver”.
para várias causas vítimas alemãs foi 20 vezes maior do que as
republicanas.
americanas, no entanto “este fato não torna a Quaisquer que sejam as opiniões sobre a linha
2
“Contract with ação dos nazistas aceitável”. política de Dermer, é fato que ele traz inegáveis
America” foi habilidades retóricas à qualquer mesa de
um documento
distribuído pelo Ele ainda afirma: “O Hamas está usando discussão. Nos círculos políticos israelenses, ele
Partido Republicano escudos humanos, não apenas por causa da é conhecido por seu vasto conhecimento, seu
durante a campanha
para o Congresso natureza do seu regime, mas porque é uma humor afiado, espírito argumentativo
de 1994, detalhando estratégia que parece funcionar. O Hamas e por observações espertas e curtas que
as ações que os confia em que as fotos (dos civis mortos em defendem Israel. Numa hora em que a
republicanos
prometiam realizar Gaza) levem à pressão contra Israel”. reputação de Israel está sofrendo terrivelmente
se obtivessem a em todo o mundo, Ron Dermer é o melhor
maioria na Câmara
pela primeira vez, Durante uma recente palestra ele disse: “Israel porta-voz para combater o ataque maldoso ao
em 40 anos. merece mais do que o apoio da comunidade Estado Judeu.

53 SETEMBRO 2014
SHOÁ

O MASSACRE DE BABI YAR


Em setembro de 1941, Babi Yar, ravina existente em Kiev, capital
da Ucrânia, foi o local de um dos maiores massacres de judeus
em um único lugar, durante a 2ª Guerra Mundial. Em dois dias
apenas, 34 mil judeus, homens, mulheres, crianças e velhos,
foram mortos a tiros. Babi Yar se tornou símbolo do cruel
assassinato de judeus perpetrado pelos Einsatzgruppen
e do persistente não reconhecimento da memória judaica.

e
m 1961, o poeta russo pois deu início ao genocídio de impossível que as matanças
Yevgeny Yevtushenko, judeus. A matança sistemática atingissem a escala que de fato
em seu poema “Babi de judeus no leste da Europa tiveram.
Yar”, fez um apelo começou no primeiro dia da invasão
para que os terríveis alemã. Antes mesmo de os nazistas ir em
acontecimentos não fossem relegados frente com a “solução radical do
ao esquecimento. As forças nazistas rapidamente problema judaico através da execução
ocuparam a Ucrânia, o leste da a tiros de todos os judeus”, milhares
“(..) A erva selvagem murmura Polônia, a Letônia, Estônia e de ucranianos foram os responsáveis
sobre Babi Yar. As árvores olham Lituânia, a Bielorrússia e o oeste por sangrentos pogroms. Outros
agourentas como os verdugos.  da República Russa. Assim que o milhares tornaram-se guardas nos
Aqui tudo grita em silêncio, e, exército alemão ocupava alguma campos de extermínio. A ajuda
tirando meu boné, sinto-me grisalho, área da ex-União Soviética, os da polícia ucraniana permitiu aos
lentamente. E eu, também, tornei-me Einsatzgruppen (Esquadrões da nazistas rapidamente identificar e
um berro tonitruante, sem som, pelos morte móveis das SS) entravam reunir os judeus que, a seguir, eram
muitos milhares aqui enterrados. Eu em ação, fuzilando os judeus. conduzidos para locais ermos onde,
sou cada velhinho aqui abatido a Estima-se que mais de um a um, família após família –
tiros. Eu sou cada criança aqui abatida 1,5 milhão foram executados homens e mulheres, velhos e crianças
a tiros. Nada será esquecido, dentro de dessa forma. Uma das “tarefas” – eram brutalmente assassinados a
mim...” dos Einsatzgruppen era organizar, tiros.
entre a população local, indivíduos
Holocausto na Ucrânia dispostos a perpetrar ou a participar Kiev
do assassinatos em massa de
A Operação Barbarossa, invasão judeus. Na Ucrânia não foi difícil; A cidade de Kiev acabou caindo
da antiga União Soviética por Hitler, centenas de milhares colaboraram em mãos alemãs após 45 dias de
lançada em 22 de junho de 1941, foi entusiasticamente com os nazistas. batalha, em 19 de setembro de 1941.
decisiva no Holocausto, Sem tal participação, teria sido Acredita-se que cerca de 70% dos

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1 2

1. memorial babi yar 2. memorial das crianças que pereceram em Babi Yar

225 mil judeus (20 % da população Por alguns dias os judeus não “Ordena-se a todos os judeus
da cidade) que viviam em Kiev foram molestados. Em 21 de residentes de Kiev e suas vizinhanças
conseguiram deixar a cidade a tempo. setembro, após ter sido submetido que compareçam à esquina das ruas
A maioria dos que ficaram eram os a humilhações públicas, foi Melnyk e Dokterivsky, às 8 horas da
que não tinham condição de fugir: assassinado Shlomo Glozman, manhã de 2ª feira, 29 de setembro
mulheres, crianças, velhos e doentes. um dos líderes comunitários de de 1941, portando documentos,
Kiev, junto com nove outros dos dinheiro, roupas de baixo, etc.
Desde o primeiro dia da ocupação, mais respeitáveis membros da Aqueles que não comparecerem serão
os judeus perceberam as “faces comunidade. fuzilados. Aqueles que entrarem
radiantes” de muitos ucranianos, nas casas evacuadas por judeus e
como recordou mais tarde uma Durante os primeiros dias da roubarem pertences destas casas
testemunha ocular, Konstantin ocupação alemã, duas grandes serão fuzilados”. Mais de 30 mil se
Miroshnik1, então com 16 anos. explosões, aparentemente apresentaram.
Um dos vizinhos ucranianos dissera desencadeadas por engenheiros
a seu avô, “Leib, seu poder judaico militares soviéticos, destruíram o Nos dias 29 e 30, véspera de Yom
chegou ao fim, uma nova ordem prédio onde havia se instalado o Kipur, os judeus foram levados a
começará agora, portanto tenha em quartel-general alemão e parte do Babi Yar, uma ravina nos arredores
mente, você terá contas a acertar...”. centro da cidade. Os alemães usaram da cidade. Acreditavam que
No segundo dia da ocupação, esses atos de sabotagem como seriam embarcados em trens para
policiais ucranianos apareceram pretexto para dar início à matança um reassentamento. A multidão
nas ruas portando braçadeiras e dos judeus de Kiev. de homens, mulheres e crianças
anunciando que faziam parte da era grande o bastante para que
“Organização de Nacionalistas Em 27 e 28 de setembro, os ninguém se desse conta do que
Ucranianos” (OUN), organização nazistas colocaram cartazes em estava para acontecer, a não ser
liderada por Stepan Bandera. russo e ucraniano por toda a cidade, tarde demais. Um dos comandantes
(ver artigo Judeus na Ucrânia no convocando os judeus para o do Einsatzkommando chegou a se
século 20, pág. 65). “reassentamento”. gabar, dias mais tarde, que, por causa

55 SETEMBRO 2014
SHOÁ

pseudônimo de A. Anatoli.
Dina contou que enquanto estava
ainda soterrada ouvia por todo lado e
por baixo ela, sons abafados, gemidos,
pessoas se sufocando
e chorando. A massa de corpos
movia-se ligeiramente conforme
se acomodava e se espremia,
através do movimento dos que
ainda viviam. Lembrou como
os soldados iam até a borda e
iluminavam os corpos com suas
lanternas, atirando com seus
revólveres sobre os que ainda
pareciam vivos.

judeus de kiev, a caminho da morte em Babi Yar Ao se referir ao massacre,


Elie Wiesel escreveu que
“testemunhas oculares disseram
de “nosso talento especial para a do grupo logo à frente, percebiam que, por meses após as mortes,
organização, os judeus acreditaram, o que os esperava, mas não tinham o solo de Babi Yar continuava a
até o momento de serem executados, mais como escapar. Ao chegar à esguichar guêiseres de sangue”.
que estavam realmente sendo boca da ravina, encontravam-se na Após dois dias de assassinatos,
enviados para um reassentamento”. beira do precipício, a 20, 25 metros a unidade do Einsatzkommando
de altura, e do outro lado havia mandou para Berlim um relatório
O massacre foi realizado em dois dias, metralhadoras alemãs disparando. sobre a ação: em dois dias,
pela unidade C do Einsatzgruppen, (...). Então os próximos 33.771 judeus haviam sido
apoiada por membros de um batalhão 100 eram trazidos, e tudo se repetia. exterminados em Babi Yar e os
das Waffen-SS. Unidades da polícia Os policiais pegaram as crianças “operadores” das metralhadoras
ucraniana foram usadas para agrupar pelas pernas e as jogaram vivas haviam sido auxiliados pelos
e conduzir os judeus até o local de dentro do Yar. Naquela noite, os milicianos ucranianos.
fuzilamento. alemães fizeram desmoronar as
paredes da ravina e enterraram as Nos meses seguintes, os nazistas
Logo após a guerra, um cidadão não pessoas sob uma espessa camada de utilizaram Babi Yar como um local de
judeu, o vigia do velho cemitério terra. Mas a terra moveu-se ainda execução para prisioneiros de guerra
judaico próximo a Babi Yar, contou por muito tempo, porque judeus soviéticos e para “ciganos”. O número
que testemunhara “cenas horríveis feridos e ainda vivos se moviam, de executados talvez jamais seja
de dor e desespero”. Ao relatar os desesperados”. conhecido.
fatídicos acontecimentos contou:
“Eu vi policiais ucranianos formarem Dina Pronicheva foi uma dentre Destruindo provas
um corredor e levar os judeus os poucos judeus a escapar com
apavorados para a enorme clareira, vida. Assim como centenas dos que Em março de 1944, a ex-URSS
onde, com bastões, aos gritos e foram alvejados, não morreu. Mas inicia a ofensiva na Bielorrússia.
utilizando cães que arrancavam diferentemente da maioria dos que À medida que os exércitos alemães
pedaços dos corpos das pessoas, os caíram vivos na vala, ela conseguiu iam batendo em retirada frente
judeus eram forçados a se despirem evitar ser sufocada e escapou. Após ao inexorável avanço russo, eram
totalmente, a formar filas e, então, a guerra, Dina contou os horrores instruídos a destruir as evidências
dirigir-se em colunas de dois para de Babi Yar ao escritor russo dos assassinatos em massa.
a boca da ravina. Ao escutarem o Anatoli Kuznetsov, que publicou Um comando especial foi incumbido
barulho das metralhadoras a história, primeiro na Rússia, em de ir aos locais dos massacres
que estavam abatendo os judeus 1966, e na Inglaterra em 1970, sob o realizados pelos Einsatzgruppen.

56
REVISTA MORASHÁ i 85

Teriam que exumar e queimar


cadáveres e ossos e espalhar as
cinzas. Na maioria dos locais foram
construídas piras maciças. Cada pira
podia consumir 3.500 corpos
e ardia até dez dias. Mas a
quantidade de mortos enterrados
na ravina de Babi Yar não permitia
esse “modus operandi”. Lembrou
posteriormente o comandante da
operação: “A terra sobre a imensa
cova comum foi removida; os
corpos foram cobertos com material
inflamável e incendiados. Demorou
cerca de dois dias para que a tumba
ardesse até o fundo”.
policial alemão revista as roupas de judeus assassinados. outubro de 1941
A terrível tarefa foi realizada
por mais de 400 judeus e prisioneiros
de guerra soviéticos. Eles sabiam cadáveres andantes, maturava uma um dos prisioneiros encontrou uma
que assim que o trabalho se determinação de que ao menos um chave que servia no cadeado.
encerrasse todos seriam mortos, deles precisava sobreviver para contar Nove dias depois, no 3º aniversário
sabiam que os nazistas não iriam ao mundo o que haviam visto em do massacre, 325 judeus e
deixar testemunhas de seus crimes. Babi Yar”. prisioneiros de guerra soviéticos
As mortes já vinham ocorrendo; no fugiram. Desses, 311 foram
primeiro mês, 70 dos prisioneiros Eles traçaram planos. Entre os fuzilados durante a fuga e apenas
foram mortos em execuções idealizadores, havia um soldado 14 alcançaram esconderijos, quatro
realizadas toda a noite pelos guardas, judeu do Exército Vermelho, ficaram por 20 dias em uma chaminé
para se divertirem. Vladimir Davydov, que acabou de uma fábrica desativada e dois
testemunhando em Nuremberg. foram escondidos sob o galinheiro
Os prisioneiros famintos e doentes A escala de represália eliminava por duas ucranianas, Natalya e
trabalhavam com grilhões nos fugas individuais. Após a fuga de Antonina Petrenko.
tornozelos, guardados por SS um soldado não judeu do Exército
armados com submetralhadoras e Vermelho, Fyodor Zavertanny, Em 6 de novembro, cinco semanas
acompanhados por cães treinados os alemães fuzilaram 12 dos após a fuga, os 14 sobreviventes
para matar. Os guardas dirigiam-se prisioneiros e o SS encarregado estavam entre os que recepcionaram
aos judeus chamando-os de dos guardas, que tinha o vitorioso Exército Vermelho que
“Leichen”, cadáveres. Mas, como supervisionado o grupo de entrava em Kiev. Todos eles se
escreveu o historiador Reuben Zavertanny. Uma fuga em massa juntaram às fileiras. Quatro deles,
Ainsztein, um dos principais autores era a única esperança. Mas os todos judeus, foram posteriormente
ingleses sobre o tema do Holocausto, prisioneiros precisariam de um mortos em ação contra os alemães,
“naqueles homens seminus milagre, pois para poder fugir e dez sobreviveram à guerra. Dois
impregnados de carne putrefata, teriam que encontrar uma chave que judeus, Vladimir Davydov e David
cujos corpos estavam comidos por pudesse abrir o cadeado do bunker Budnik, prestariam depoimento, em
sarna e cobertos com uma camada onde eram trancafiados a noite. 1946, no Tribunal de Nuremberg,
de lama e fuligem, e nos quais Eles passaram a procurar por sobre o massacre de Babi Yar.
restava tão pouca força física, quaisquer chaves que tivessem
sobrevivia um espírito que desafiava sobrado dentre os milhares de Atitude soviética
tudo o que os nazistas tinham cadáveres apodrecendo e suas
feito ou poderiam fazer-lhes. Nos roupas em decomposição. Em 20 Na Kiev libertada, judeus
homens em quem as SS viam apenas de setembro, o milagre aconteceu: sobreviventes e familiares dos judeus

57 SETEMBRO 2014
SHOÁ

1 2
1. VANGOROD, UCRÂNIA. soldado ALEMÃO APONTA SEU RIFLE PARA UMA MULHER E SEU FILHO, 1942 2. VINNITSA, UCRÂNIA. SOLDADO ALEMÃO
ATIRA EM UM JUDEU EM UMA COVA COMUm, PROvaVELMENTE EM 1941

massacrados foram até a ravina, massa da população judaica. Eles o um monumento, mas insistiam em
no local da execução. Lembra anunciaram em 29 de setembro de que fosse dedicado aos cidadãos
uma testemunha: “Descemos até o 1941, dizendo que todos os judeus soviéticos, sem mencionar o fato de
fundo. Ficamos parados, chorando. deveriam estar na esquina das ruas serem judeus. No final, até mesmo
Juntamos os ossos queimados de Melnikov e Dokterev portando seus essa decisão não foi levada adiante e
braços, pernas”. Após o Exército documentos, dinheiros e valores. as obras da represa foram iniciadas.
Vermelho retomar o controle de Os carniceiros os conduziram a pé
Kiev, Babi Yar foi transformado num para Babi Yar, apossaram-se de seus Uma noite, em 1961, a represa
local de internamento de prisioneiros pertences e lá os abateram a tiros”. construída pela prefeitura ruiu e
alemães e operou até 1946, quando Mas ao ser oficialmente publicado, os torrentes de água, argila líquida e
foi totalmente demolido. judeus não eram mais mencionados: lama, misturadas com restos de ossos
“Os bandidos hitleristas trouxeram humanos, jorraram nas ruas de Kiev
Nos anos seguintes ao término da milhares de civis à esquina das ruas abaixo. A enxurrada provocou vários
2ª Guerra, os judeus que retornaram Melnikov e Dokterev”. incêndios, destruiu uma garagem e,
a Kiev, assim como os demais na ao atingir a estação de bondes, virou
antiga União Soviética, quiseram Diversas tentativas de se erguer os bondes, enterrando vivos todos os
erguer um memorial em homenagem um memorial judaico no local que estavam na estação e a
aos judeus assassinados em Babi dos massacres foram adiadas. Em bordo dos bondes. Nessa noite,
Yar, mas essas tentativas foram outubro de 1959, o escritor Viktor enquanto os soldados estavam
sistematicamente rechaçadas pelas Nekrasov publicou um artigo ocupados escavando em busca dos
autoridades soviéticas. protestando contra a intenção de mortos e procurando sobreviventes
erguer um parque com um estádio de na lama, uma segunda onda de argila
Desde a retomada da cidade, o futebol em Babi Yar e construir uma líquida irrompeu de Yar, causando
governo desestimulou qualquer represa na outra ponta da ravina. mais estrago e morte. Nos dois
ênfase ao massacre de Babi Yar como Nos anos após o término da guerra, desastres, 24 pessoas foram mortas.
sendo uma barbárie direcionada Babi Yar enchera-se de entulho, Alguns dias depois, quando um
apenas aos judeus – queriam que a lama e água, formando, na descrição bonde passou pelo local do desastre,
tragédia fosse lembrada como um de uma testemunha, “um lago uma velha ucraniana começou
crime cometido contra a população profundo imóvel... De longe, parecia repentinamente a gritar: “Foram os
de Kiev e o povo soviético todo. esverdeado, como se as lágrimas das judeus que fizeram isso. Estão se
pessoas que lá tinham sido mortas vingando de nós”.
A primeira versão do texto sobre o houvessem brotado do solo”.
terrível massacre ocorrido em Kiev À medida que as décadas passaram,
mencionava os judeus. “Os bandidos As autoridades municipais de Kiev muitos sobreviventes e os parentes
hitleristas cometeram assassinato em concordaram, a princípio, em erguer dos sobreviventes procuraram

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REVISTA MORASHÁ i 85

1 2
1. MASSACRE DE BABI YAR 2. Dina Pronicheva foi dos poucos judeus a escapar com vida. aqui ela dá seu testemunho

retornar aos cenários de seu próprio 20o aniversário do massacre, quando Moscou e outra em Babi Yar.
sofrimento ou de sua família. Para o poeta russo Yevgeny Yevtushenko Em setembro de 1991, grupos
os judeus da antiga União Soviética, publicou seu poema “Babi Yar” ucranianos e judaicos, patrocinados
Babi Yar, assim como outros locais na Literaturnaia Gazeta. pelo governo da Ucrânia,
de assassinato em massa de judeus, O poema se identificava com o organizaram em Kiev um evento de
tornaram-se lugares de peregrinação sofrimento judeu, particularmente grande porte em memória dos judeus
solene. Visitar locais como Babi Yar, com as vítimas judias do nazismo, assassinados em Babi Yar.
em Kiev, Rumbuli, perto de Riga, insistindo que enquanto existisse Nas principais ruas foram colocadas
Ponar, fora de Vilnius, ou a cova da antissemitismo na ex-URSS fotos dos judeus mortos, houve
Rua Ratomskaya, em Minsk, tornou- sua sociedade não poderia ser vários dias de conferências,
se um meio de renovar e afirmar seu genuinamente internacionalista. encontros, exposições, concertos e
sentido de identidade judaica. O trabalho evocou um amplo discursos, além da publicação de
protesto, inclusive uma censura um livro-memorial. No dia 29 foi
Em setembro de 1966, decorridos do Premier Nikita Khrushchev. inaugurado um monumento em
25 anos do massacre, Babi Yar se A intelligentsia liberal, no entanto, feitio de menorá.
tornou ponto de encontro para os recebeu-o com aplausos, e o
ativistas judeus. Nos anos seguintes, compositor Dimitri Shostakovich Em junho de 2013, o Fórum
os ativistas de várias partes do país musicou-o em sua 13a Sinfonia, Mundial de Judeus de Língua Russa
vinham participar do evento em que logo foi banida pelas anunciou que um novo complexo
memória dos judeus assassinados, autoridades. memorial será erguido no local do
atendendo às convocações, massacre de Babi Yar. Além de um
a despeito do empenho das Somente em 1976, ergueu-se centro judaico e de uma sinagoga,
autoridades em evitar qualquer um monumento, mesmo assim, haverá uma exposição de material
manifestação. Em 1971, no mínimo sem fazer qualquer menção específica histórico com roupas e pertences dos
1.000 pessoas participaram da às vítimas judias, referindo-se apenas judeus assassinados, documentos dos
cerimônia de recordação. “aos cidadãos de Kiev e prisioneiros arquivos nazistas e entrevistas com
de guerra”. Apenas após o advento sobreviventes.
O interesse em Babi Yar atingiu da Perestroika, a política soviética
seu ponto alto em 1961, no mudou. No final da década de 1980,
BIBLIOGRAFIA
colocou-se uma placa em iídiche, Brandon, Ray (Editor), Lower, Wendy
sem, no entanto, haver menção The Shoah in Ukraine: History, Testimony,
especial aos judeus. Em 1988, o Memorialization , Indiana University Press
1
Os testemunhos estão documentados aniversário da aktion de setembro
na obra de Martin Gilbert, “Holocausto, Gilbert, Martin “Holocausto,
História dos Judeus da Europa na Segunda de 1941 foi relembrado em grande História dos Judeus da Europa na Segunda
Guerra Mundial”. escala em uma manifestação em Guerra Mundial”, Editora Hucitec

59 SETEMBRO 2014
ISRAEL

O drama dos refugiados:


palestinos e judeus
POR Sergio D. Simon

A recente guerra de Israel contra o Hamas em Gaza


chamou novamente a atenção do mundo para a situação
dos refugiados palestinos. Inúmeras personalidades
políticas, artísticas e da imprensa, de todos os continentes,
pronunciaram-se sobre o assunto, muitas vezes com
pouquíssimo conhecimento de causa, censurando Israel pelo
tratamento que tem sido dado aos refugiados palestinos.

E
squecem-se estas pessoas é devida ao tratamento que o Reino gloriosos para Israel, logo após
que a situação atual Hachemita da Jordânia dispensou a a Guerra dos Seis Dias, com a
não pode ser isolada eles desde a fundação do Estado de reconquista da santa Cidade Velha de
de todo um contexto Israel, em 1948. Para minha surpresa, Jerusalém pelo exército de Israel.
histórico que a precedeu essa carta espalhou-se rapidamente
e que levou ao explosivo estado pela internet, tendo sido traduzida Se por um lado estávamos todos
atual. A situação de hoje não é de e publicada em inúmeros países e exultantes com a recente vitória,
responsabilidade exclusiva de Israel, causando uma enxurrada de e-mails um incidente me tocou fortemente:
mas sim de vários personagens da que entopem minha caixa postal durante uma excursão do Machon,
política do Oriente Médio. há 3 semanas. Creio que o que nosso ônibus foi cercado na cidade
tocou as pessoas nessa carta foi de Jenin (Shchem) por uma multidão
A rainha Rania al Abdullah da uma pequena explanação histórica de mulheres e meninas adolescentes,
Jordânia publicou recentemente sobre o papel do reino da Jordânia, que furiosamente erguiam seus
um artigo em vários jornais do em especial do rei Hussein (sogro punhos contra nós e gritavam slogans
mundo, inclusive n’ O Estado de da rainha Rania), na criação contra os invasores. O olhar de ódio
São Paulo, condoendo-se pela e manutenção dos refugiados que presenciei naqueles rostos me
situação dos refugiados palestinos palestinos. Gostaria aqui de discorrer fez entender que o problema do
e exortando os leitores a apoiar um pouco mais sobre o assunto, território palestino teria que ser
a causa e fazer doações para as mostrando também o que se passou resolvido rapidamente por Israel, sob
entidades internacionais que cuidam com os refugiados judeus de países o risco de este se tornar o grande
desses refugiados. Em uma resposta árabes que foram absorvidos pela entrave para o desenvolvimento do
espontânea, escrevi à rainha Rania sociedade israelense. Estado de Israel. Desde então tenho
uma carta aberta na qual sustento lido e me interessado constantemente
que a situação dos palestinos não Passei o ano de 1968 morando em pelo assunto, sempre surpreso pela
é de responsabilidade exclusiva do Israel, no Machon le Madrichei inabilidade dos países árabes em pelo
Estado judeu, mas em grande parte Chutz Laaretz. Eram tempos menos tentar resolver esta situação.

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Imigrantes judeus chegando a Haifa, vindo dos campos de detenção britânicos em Chipre, 1949

A manutenção dos refugiados de 1948, reconhecia o direito de para se conseguir concessões políticas
palestinos como párias da sociedade retorno a estes refugiados e a todos e doações da ONU. Jamais se propôs,
sempre foi de interesse político os seus descendentes em linha para estes refugiados, um plano de
para os vizinhos de Israel. Quando patrilinear. Dos 711.000 refugiados educação, capacitação e absorção
da Declaração da Independência originais de 1948 restam atualmente progressiva na sociedade local.
de Israel, seguida da Guerra da apenas cerca de 30.000 pessoas vivas,
Independência, em 1948, cerca de mas seus descendentes diretos por Estas condições subumanas de vida
70% da população que vivia no linhagem patrilinear alcançam hoje eram o caldo ideal para a criação
território declarado como Estado de quase 5.000.000 de pessoas. dos movimentos terroristas entre os
Israel refugiou-se em países árabes refugiados. O mais conhecido deles,
vizinhos, alguns por medo, muitos Ao invés de abrigar estes refugiados, sem dúvida, é a Organização para
por orientação das rádios árabes a maioria desses países sempre os a Liberação da Palestina (OLP).
vizinhas e uma parte expulsa pelo tratou não como “irmãos”, mas como Fundada no Cairo durante a Cúpula
próprio exército de Israel. Estima- cidadãos de segunda categoria, sem da Liga Árabe, em 1964, e dirigida
se que o total chegasse a mais de possibilidade de absorção em suas a partir de 1969 por Yasser Arafat, a
700.000 pessoas, na época. Quase sociedades. Em especial no Líbano, Carta original da OLP pedia a luta
todos se refugiaram na Jordânia em Gaza e na Jordânia os refugiados armada contra Israel e o direito de
(principalmente na margem palestinos foram instalados em retorno para os refugiados palestinos.
ocidental), em Gaza, na Síria e no “campos provisórios” de refugiados, Montada com forte estrutura
Líbano, com muito poucos tendo que nada mais eram do que campos de guerrilha (seus combatentes
conseguido chegar ao Egito. A de concentração, cercados por arame guerrilheiros conhecidos na época
United Nations Relief and Works farpado, onde condições desumanas como “fedayin”), a OLP realizou
Agency (UNRWA) contabilizou de vida eram oferecidas. Estes sangrentos atentados contra Israel,
na época 711.000 pessoas como campos, quase todos ao longo da atacando frequentemente kibutzim e
refugiados palestinos, sendo que a fronteira com Israel, serviram por moshavim, além de escolas infantis,
resolução 194 da ONU, de dezembro décadas como uma arma política útil ataques em estradas e o famoso

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ISRAEL

pacificamente com o Estado


judaico. Foi criada, nessa ocasião,
a Autoridade Nacional Palestina,
órgão que governaria os territórios
palestinos da Cisjordânia e de Gaza.

O acordo de Oslo progrediu


lentamente nos meses subsequentes,
mas foi seriamente comprometido
pelo assassinato de Yitzhak
Rabin, em 1995 (por Ygal Amir,
um ultranacionalista da direita
israelense). Esta sequência de
conversas de paz entre palestinos
e israelenses terminou em julho
de 2000, quando Arafat e Ehud
Barak, então primeiro ministro de
Árabes da Galileia em uma estrada na Alta Galileia, outubro de 1948 (David Eldan) Israel, não conseguiram chegar a um
acordo na Cúpula de Camp David,
massacre da delegação israelense a autoridade real. Em nome da novamente sob os auspícios de Bill
aos Jogos Olímpicos de 1972, estabilidade política local, o Rei Clinton. A péssima administração
em Munique, levada a cabo pela Hussein atacou diretamente a de Arafat e da Autoridade Palestina,
organização Setembro Negro. Ao população palestina na Jordânia, em com inúmeras acusações de
longo do tempo, a OLP tornou- setembro de 1970, no episódio que corrupção, nepotismo, ligações com
se uma organização complexa, ficou conhecido como Setembro o terrorismo palestino e absoluta
abrigando vários outros grupos Negro. Nesta luta, que durou 10 falta de um mínimo de princípios
palestinos de diversas tendências, meses, cerca de 20.000 palestinos de democracia fez com que Arafat
tais como a PFLP - Frente Popular foram mortos pelos jordanianos, perdesse a confiança de Israel e dos
para a Liberação da Palestina (de segundo Arafat (os números variam Estados Unidos. Em 2004, Arafat,
orientação marxista-leninista, de acordo com as fontes, mas foram por forte pressão internacional,
fundada pelo Dr. George Habash, muitos milhares de palestinos, passa o poder para Mahmoud
um palestino cristão, em 1967) e a seguramente). A direção da OLP Abbas, considerado um líder pouco
DFLP - Frente Democrática para a teve que deixar o país, instalando-se expressivo, mas moderado, e que até
Liberação da Palestina (de orientação então em Damasco e Beirute. hoje lidera a Autoridade Palestina.
ainda mais esquerdista, maoísta,
fundada por Nayef Hawatmeh em A OLP-Fatah, ao longo dos anos, O Hamas, por sua vez, é
1969), além de vários outros grupos acabou mudando sua postura em uma organização de caráter
menores, de orientação política relação à destruição do Estado fundamentalista islâmico de origem
variada. de Israel, tendo Arafat passado a sunita, proveniente da Irmandade
aceitar a coexistência de um Estado Muçulmana, tendo sido fundada em
Esta mistura ideológica resultou palestino ao lado do estado judaico. 1987 pelo Sheik Ahmed Yassin.
em dificuldades, evidentemente. Em 1993, Yasser Arafat e Yitzhak O Hamas conta com um braço
Ao Reino Hachemita da Jordânia Rabin, então primeiro ministro de armado terrorista conhecido como
não interessava toda essa ebulição Israel, terminaram por assinar, sob as Brigadas Izz ad-Din al-Qassam
política dentro de seu território. A vistas do presidente americano Bill (ou Brigadas Al-Qassam). O Hamas
OLP (que se juntara ao movimento Clinton, os Acordos de Oslo. Neste prega em sua Carta de Princípios
Fatah em 1967) passara a ser uma documento, Israel se comprometia a eliminação completa do Estado
força civil que dominava importantes a gradualmente retornar o território judaico, o estabelecimento de um
áreas da Jordânia, fazendo controles conquistado em 1967 para as Estado islâmico fundamentalista
e bloqueios de estradas e tentando mãos da OLP e os palestinos se e o direito de retorno para todos
sempre humilhar os soldados e comprometiam a aceitar e conviver os descendentes de palestinos ao

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que é hoje o território israelense. date dos tempos bíblicos, da época Assim como populações de
A Carta nega ainda a possibilidade do exílio babilônico, há quase árabes foram deslocadas com o
de conversações de paz com Israel, 3.000 anos. Os primeiros judeus estabelecimento do Estado de
alegando que a Jihad é a única chegaram ao Marrocos há 2.000 Israel, as enormes comunidades
opção possível na luta pelo Estado anos, quando da destruição do judaicas dos países árabes também
islâmico. Conclama todo palestino Segundo Templo pelos romanos, terminaram expulsas. Muito antes
a lutar contra o “inimigo que age no ano 70 E.C., tendo influenciado do estabelecimento de Israel, as
como os nazistas”, condenando todos profundamente a cultura berbere populações judaicas passavam por
os judeus à morte, sejam militares, local. E há também indícios de que constrangimentos e perseguições,
idosos, mulheres ou crianças. Em os judeus não sairam todos do Egito muitas vezes similares aos pogroms
vários de seus capítulos, a Carta fala com Moisés, tendo restado algumas da Europa (inúmeras matanças em
da influência maligna dos judeus cidades judaicas no sul do país, por Shiraz, Alepo, Fez, entre outras).
sobre a história da humanidade, volta de 1250 A.E.C.
culpando-os por todos os grandes Calcula-se que perto de 1.000.000
eventos históricos recentes (inclusive Em todos esses países de crença de judeus de países árabes e
a Revolução Francesa!), numa clara muçulmana os judeus viviam muçulmanos acabaram expulsos
posição racista anti-judaica e não geralmente como uma categoria de sua terra natal após a criação
apenas anti-Israel. Esta Carta de especial de cidadãos, às vezes de Israel, sendo que a maior parte
Princípios nunca foi modificada e, protegidos pelo governante local, às terminou migrando para Israel. A
devido aos seus ataques terroristas vezes perseguidos. Mas raramente França recebeu cerca de 250.000
contra a população civil de Israel, se observava migrações maciças por desses refugiados.
tanto o Hamas como as Brigadas perseguição em massa. Uma exceção
Al-Qassam são consideradas talvez tenha sido o êxodo dos judeus As primeiras ondas migratórias
organizações terroristas pelos do Marrocos no séc. 19, quando as substanciais para o Estado de Israel
Estados Unidos e pela Europa. perseguições contra eles se tornaram se deram a partir do Iêmen e do
constantes e ameaçadoras. Isto, aliado Iraque. Calcula-se que entre 1948
Além de seu braço político, o Hamas à pobreza e falta de perspectiva para e 1951 chegaram a Israel cerca de
mantém uma rede de assistência os jovens, fez com que boa parte da 250.000 refugiados destes países. Em
social para os empobrecidos população judaica emigrasse a partir 1970, mais de 600.000 imigrantes
palestinos, oferecendo escolas de 1810 para lugares distantes como judeus de países árabes já haviam se
e creches. Isto fez com que a Amazônia brasileira, o Peru e a estabelecido em Israel. Estas ondas
ganhasse apoio da população Venezuela. migratórias não foram simultâneas.
local, principalmente em Gaza, Enquanto Iraque e Iêmen foram
e consequentemente vencesse as as grandes imigrações iniciais, a
eleições locais em 2006, derrotando expulsão dos judeus do Egito foi
o Fatah. Desde 2007 o Hamas um pouco mais tardia, com seu pico
governa Gaza e o Fatah governa em 1956, durante e logo após a
a Cisjordânia, com altos e baixos Campanha do Sinai. Desta mesma
no relacionamento entre os dois época data o êxodo maior dos judeus
grupos. Agora, em 2014, o Hamas e do Marrocos.
o Fatah anunciaram que novamente
estavam se unindo pela luta do povo O Líbano foi o único país árabe a
palestino, mas na prática esta “união” ver um aumento de sua comunidade
foi interrompida pela guerra de Israel judaica nos anos 50, com imigrantes
contra o Hamas. vindos principalmente da Síria. Já
em 1947, após a queima de sinagogas
Os refugiados judeus e do assassinato de 75 judeus por
muçulmanos em Alepo, cerca de
Os judeus habitaram os países árabes metade da população judaica deixara
desde tempos imemoriais. Estima-se o país, principalmente em direção a
Imigrante se movendo para uma nova
que o judaísmo no Irã (antiga Pérsia) casa em Yahud, 1948 (Kluger Zoltan) Beirute. Logo após a independência

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ISRAEL

menos de 15 anos toda aquela


multidão foi absorvida pela sociedade
israelense. No censo de 2003, os
descendentes desses imigrantes
judeus de países árabes somavam
cerca de 60% da população total de
Israel.

A perda material dos refugiados


judeus foi enorme, evidentemente.
A World Organization of Jews from
Arab Countries (WOJAC) estimou
em 2007 que estes bens somariam
cerca de 300 bilhões de dólares, em
valores atualizados. Jamais houve
qualquer menção de compensação
2
financeira por parte dos governantes
Imigrantes do Iêmen celebram seu primeiro “Tu Bishvat” em Israel de países árabes.

Não há paralelo possível entre os dois


de Israel em 1948, o então presidente Israel foram inicialmente alojados grupos de refugiados, árabes e judeus.
sírio Husni al Zaim permitiu a saída em acampamentos temporários, As condições históricas que levaram
pacífica de grande número de judeus, que eram chamados de Ma’abarot à formação destas duas populações
novamente a maioria indo em direção (do hebraico ma’avar = em trânsito; foram totalmente diferentes.
ao Líbano e cerca de 5.000 chegando aliás, a mesma raiz da palavra Ivrim, Enquanto os palestinos saíram do
a Israel. Esta passagem pelo Líbano, hebreus). A intenção do Estado de território israelense por incitação dos
no entanto, foi transitória, e após Israel, no entanto, era absorver e líderes de países árabes vizinhos, por
a Guerra Civil libanesa, nos anos integrar rapidamente estes refugiados medo e por expulsão pelo exército
70, já praticamente não havia uma à nova sociedade israelense. As de Israel, os judeus deixaram os
comunidade judaica em Beirute. ma’abarot tinham serviços contínuos países árabes em condições mais
de saúde, higiene, alimentação e complexas: muitos almejavam uma
Os judeus chegaram a Israel sem educação, e várias destas ma’abarot vida melhor na Terra de Israel,
nada possuir, uma vez que todos os transformaram-se em novas concretizando o seu sonho sionista,
bens materiais, como imóveis, terras, cidades (Kiriat Pituach = cidade enquanto outros foram expulsos em
dinheiro e jóias, foram proibidos de em desenvolvimento), modernas e curto prazo de tempo, de maneira
deixar a maioria dos países árabes. totalmente urbanizadas (as cidades violenta. Um grupo não serve de
Muitos chegavam com um nível atuais de Kiriat Shemona, Sderot “moeda de troca” do outro – tal
social e educacional muito baixo, e Migdal HaEmek, por exemplo, comparação não seria justa. O que se
como os judeus iemenitas e, mais começaram como ma’abarot). Apesar pode comparar, sim, foi o processo de
tarde, os etíopes, porque assim eram das condições difíceis desse início absorção e acolhimento que as duas
as condições destas comunidades da imigração dos refugiados judeus populações receberam: os palestinos
nesses países. Mas muitos tinham (aliás, toda a sociedade israelense continuam como refugiados há
algum grau de educação e uma passava por enormes dificuldades quase 70 anos, sem solução à vista
pequena quantidade deles chegavam no início da criação do Estado) e da para seu problema, enquanto que
a ter um ótimo nível educacional, vida sofrida dentro de tendas de lona os refugiados judeus se mesclaram
apesar de educação universitária não ou de lata, sob o calor escaldante e se integraram numa sociedade
ser uma tradição entre eles, como era de Israel, o modelo de absorção de moderna, dinâmica e em constante
em algumas comunidades européias. imigrantes revelou-se um sucesso. transformação.

Tal como os palestinos, os cerca A última ma’abará foi finalmente Sergio D. Simon é médico e presidente
de 700.000 refugiados judeus em fechada em 1963 – ou seja, em do Museu Judaico de São Paulo.

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COMUNIDADES

Judeus na Ucrânia
no século 20
No início do século 20, os judeus viviam em quase todas as
cidades da Ucrânia. Segundo o primeiro censo geral, realizado
no Império Russo em 1897, 1 milhão e 930 mil judeus viviam
no território da atual Ucrânia sob o domínio dos czares,
representando 9,2% do total da população. Os maiores grupos
populacionais viviam no oeste e sudoeste do país. Mais de um
terço da população judaica da Ucrânia Ocidental e Central
ainda vivia em shtetls, onde era maioria absoluta .

n
o início do século às fileiras das descontentes massas Os pogroms de 1881-1884,
20, a Rússia czarista operárias urbanas submetidas a ocorridos em grande parte em
passava por uma condições de trabalho e de vida terras ucranianas, e as Leis de Maio
grave crise político- extremamente duras. A burguesia haviam abalado profundamente os
social. O império, que também estava insatisfeita com judeus de todo o Império. Ademais,
desde o final do século 19 vivia uma o status quo, em especial face aos o czar Nicolau II manipulava o
abrupta transição do feudalismo para entraves impostos pelo governo às sentimento antijudaico das massas,
o capitalismo e uma rápida suas atividades e a falta de acesso tentando convencê-los de que todos
industrialização, ainda era governado à vida política. E, à medida que as os “males da Rússia” eram causados
por uma monarquia autocrática, ideologias socialistas e liberais iam pelos judeus. Panfletos e jornais
sistema político arcaico que se permeando o país, crescia a convicção com propaganda antissemita eram
chocava com o modelo econômico de que a situação econômica e social impressos, em sua maioria, nas
de capitalismo. Ademais, eram só seria resolvida através de radicais tipografias do governo, inclusive os
insustentáveis as desigualdades entre mudanças políticas. famigerados Protocolos dos Sábios
a privilegiada e poderosa classe de de Sião, que eram distribuídos por
nobres e o restante da população do A situação dos judeus russos era a todo o Império.
Império, composta em sua maioria mais precária. Além da pobreza e dos
por camponeses paupérrimos que, até problemas econômicos e sociais, o Entre os judeus também crescia
sua emancipação, em 1861, haviam antissemitismo e os pogroms eram a convicção de que sua situação
vivido em regime feudal de servidão. sancionados pelo governo czarista. só melhoraria se houvesse uma
Os que moravam no território da mudança política. O despertar social
A falta de condições de sobrevivência atual Ucrânia não eram exceção, pelo das massas judaicas deu origem
no campo levara um número cada contrário, pois o ódio dos ucranianos a um grande número de partidos
vez maior deles a abandonar a zona pelos judeus conseguia superar o socialistas judeus. Entre eles, o Bund
rural. Nas cidades, eles se juntavam antissemitismo russo. e o Poalei Tsion (Trabalhadores de

65 SETEMBRO 2014
COMUNIDADES

sinagoga de Drohobych

Sion), um partido socialista-sionista. intelectual judaico. Um grande massacre que ficou conhecido como
Surge também o Movimento número de intelectuais e ativistas “Domingo Sangrento”.
Autonomista (também conhecido se reunia em torno do Movimento
como Nacionalismo da Diáspora). Sionista e participava ativamente no Diante do clima de revolta, o czar
Sua meta era criar uma forma trabalho de suas instituições. Entre lançou um manifesto que garantia
secular e modernizada de autonomia os pensadores sionistas da época se liberdades civis básicas e criava a
nacional judaica na Ucrânia do destacavam Lev Pinsker e Achad Duma – uma Assembleia Legislativa
século 20. Ha’am. que congregava representantes de
todas as classes sociais e permitia
Havia muitos judeus, porém, que A Revolução de 1905 a ação de partidos políticos. Dois
acreditavam que não havia futuro anos antes, em 1903, ainda na
para os judeus no Leste Europeu, No ano de 1905, o clandestinidade, o Partido Operário
qualquer que fosse o sistema descontentamento, as greves e as Social Democrata Russo (POSDR),
político. Acreditavam que os judeus manifestações que se alastraram por o mais importante dentre os
só poderiam viver dignamente em todo Império czarista culminaram partidos russos, havia-se dividido
Eretz Israel. Os primeiros passos na Revolução Russa de 1905. Em em dois: o Partido Menchevique e o
do sionismo moderno foram, janeiro daquele ano, uma marcha Bolchevique. Esse acontecimento foi
efetivamente, dados na Ucrânia, espontânea, contando com mais crucial para o futuro da Rússia. Mais
articulados principalmente pelo de um milhão de pessoas, dirigiu- moderado, o Partido Menchevique
Movimento Bilu1. Em Odessa, se ao Palácio de Inverno do czar adotara uma interpretação
o Movimento Sionista funda uma Nicolau II, em São Petersburgo. Os ortodoxa do pensamento marxista
influente organização, que atraiu manifestantes reivindicavam, entre e defendia uma reforma política e
grupos de jovens intelectuais de outros pontos, liberdades civis e o fim econômica gradual, com o apoio
todas as partes da Zona de da censura. Os guardas do palácio da burguesia. Por outro lado,
Residência2. Odessa, que contava metralharam os manifestantes o Partido Bolchevique, mais radical e
com uma numerosa e influente para impedir que a multidão se majoritário, defendia uma revolução
comunidade, tornara-se um centro aproximasse, originando um terrível proletária na qual o governo seria

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REVISTA MORASHÁ i 85

diretamente controlado pelos A imprensa de direita orquestra uma


A imprensa de direita
trabalhadores. intensa campanha difamatória contra
os judeus. Não era a primeira vez, orquestra uma intensa
Para os judeus, a crise de 1905 teve nem a última, que as autoridades campanha difamatória
consequências dramáticas. O governo os usavam como bode expiatório,
czarista passou a instigar a violência nem tampouco era a primeira vez contra os judeus.
contra os judeus e, bandos de rua que explorava uma acusação para Não era a primeira vez,
armados (as Centúrias Negras) fins políticos. Mas nunca antes uma nem a última. em que as
atacaram judeus em dezenas de campanha de difamação atingira
cidades e vilarejos. No período de tamanha intensidade. Em outubro autoridades os usariam
1903 a 1907 ocorreram 691 pogroms de 1913, logo após Yom Kipur, como bode expiatório,
que deixaram milhares de vítimas. inicia-se, em Kiev, o julgamento de nem tampouco era
Cerca de 660 ocorreram na Ucrânia e Beilis. Supreendentemente, porém, e
Bessarábia, o mais violento em Kiev. apesar das pressões e manipulações, a primeira vez que
Na época viviam em Kiev cerca de um júri popular, composto em sua se explorava uma
80 mil judeus. A violência só cessou maioria por camponeses, declara
acusação para fins
em 1907, mas continuou a campanha Beilis inocente. Mas as suspeitas de
antissemita do governo czarista, que os judeus eram “maus e traidores” políticos
incitando o ódio aos judeus. estavam profundamente arraigadas
no subconsciente da população.
O caso Beilis
A 1ª Guerra Mundial
O Caso Beilis, ocorrido na Ucrânia
entre 1911 e 1913, foi uma clara A Ucrânia foi palco de sangrentas
demonstração dos sentimentos batalhas durante a 1ª Guerra, com
antijudaicos do governo czarista. intensos combates na Ucrânia
No dia de Tisha B’Av de 1911, Ocidental. A entrada da Rússia
Mendel Beilis, um judeu de Kiev, na Guerra acelerou o colapso do
é preso sob a acusação de matar Império Czarista. Os exércitos do
um jovem cristão por “motivos czar, que não estavam preparados
religiosos”. A prisão ocorreu dois para enfrentar o poderio militar
meses após ter sido encontrado o da Alemanha, sofrem uma derrota
corpo mutilado de um garoto cristão atrás da outra. Na frente ucraniana,
de 12 anos, Andrei Yushchinsky. à medida que as forças russas iam
Os verdadeiros assassinos – uma debandando, seus soldados atacavam
gangue de ladrões – já estavam na as populações judaicas.
custódia da polícia, no entanto,
as forças reacionárias haviam Em fevereiro de 1917, a miséria
conseguido que o então ministro e as derrotas sofridas nos campos
da Justiça, I.G. Schcheglovitov, de batalha levaram o povo a se
declarasse que o assassinato revoltar. Em 15 de março, as forças
havia sido perpetrado por “razões de oposição (liberais, burguesas e
religiosas”. A Procuradoria de socialistas) depuseram Nicolau II,
Kiev manda libertar os verdadeiros dando início à Revolução Russa
assassinos e, publicamente, acusa de 1917. Nessa primeira fase,
Beilis e todo o Povo Judeu pelo conhecida como Revolução de
crime hediondo. Nicolau II, ao Fevereiro ou Revolução Branca, foi
receber a notícia da prisão de Beilis, estabelecida uma república de cunho
demonstra, publicamente, sua liberal. Mas teve vida curta, pois,
profunda satisfação em saber que um em novembro daquele mesmo ano,
judeu fora acusado. o Partido Bolchevique derrubou mendel BEILIS

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COMUNIDADES

No início da 1ª Guerra Mundial viviam nessa cidadezinha ucraniana 15 mil judeus

o governo provisório. A Revolução forças ucranianas nacionalistas pró- Vermelha3 russa pôs-se em
de Outubro, como é chamada, impôs independência e os bolcheviques marcha em direção à Ucrânia
o governo socialista soviético. ucranianos que queriam estabelecer para ajudar as facções pró-soviéticas.
na região o domínio soviético. Uma
A implantação do regime bolchevique luta semelhante à que hoje está sendo A República Socialista Soviética
desencadeou uma guerra civil. Para os travada na região. da Ucrânia (RSSU), pró-soviética,
judeus, com a Revolução Bolchevique é criada em 1919, tendo Cracóvia,
foram abolidas as restrições que os Do conflito participaram, também, ou Kharkiv, como capital. Naquele
confinavam à “Zona de Residência”. forças militares de outras nações: o mesmo ano, o território ucraniano
Apesar dos bolcheviques serem Exército Branco anti-bolchevique é invadido a leste pelos soviéticos e,
contrários à religião – fosse ela cristã e o Exército Vermelho que se em 1920, a oeste pela Polônia. Em
ou judaica – eles se opunham, em enfrentavam na guerra civil russa, os 1921, o Exército Vermelho já havia
teoria, ao antissemitismo e a qualquer exércitos da Alemanha, da Áustria- conquistado dois terços da Ucrânia e
forma de discriminação contra os Hungria e da Polônia, além de vários a RNU é anexada à RSSU.
judeus ou contra qualquer outra bandos anarquistas de cossacos.
minoria. Em 1918 o Conselho dos A luta pela independência nacional
Comissários do Povo adotou um Os ucranianos nacionalistas ucraniana terminou com uma
decreto condenando todo tipo de estabeleceram-se em Kiev, onde Ucrânia dividida e subjugada
antissemitismo e conclamando os criaram um Conselho Nacional por outras nações. A República
operários e camponeses a combatê-lo. (Rada), que, em janeiro de 1918, Socialista Soviética da Ucrânia passa
proclamou a independência da a integrar a ex-URSS. E a Polônia
Uma batalha pela República Nacional da Ucrânia anexa a República Nacional do Oeste
Ucrânia – 1917 a 1921 (RNU) e sua separação da Rússia. da Ucrânia, inclusive Lviv, que havia
As facções ucranianas bolcheviques, sido criada na Galícia, em 1918.
A 1ª Guerra Mundial viu o colapso no entanto, boicotaram as iniciativas
dos Impérios Austríaco e Russo e o do governo e instigaram conflitos Com esse desmembramento do
crescimento do movimento nacional armados, querendo estabelecer o território ucraniano, um número
pela autodeterminação da Ucrânia. poder soviético na região. considerável de judeus ficou sob
Logo após a Revolução Bolchevique domínio polonês, mas a grande
inicia-se, na Ucrânia, uma luta Em dezembro de 1917, um exército maioria, mais de 1,5 milhão, ficam
militar pelo controle da região entre de 30 mil homens da Guarda sob domínio soviético.

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REVISTA MORASHÁ i 85

Os judeus e a guerra judaicas, na sequência de 887 os judeus da Ucrânia. E, apesar


pela independência pogroms, e mais de 156 mil judeus desses horrores hoje parecerem
foram brutalmente assassinados. mínimos perante o terror do
A guerra pela independência constitui Todas as facções que lutaram durante Holocausto, e, serem às vezes
um capítulo especial na história dos a guerra pela independência da relegados ao esquecimento, foram
judeus da Ucrânia. Muitos haviam Ucrânia participaram, em maior das piores catástrofes da História
aderido ao movimento nacionalista ou menor grau da violência, mas a Judaica.
ucraniano, o que fez com que fosse maior parte dos pogroms, cerca de
substancial a participação judaica na 40%, foram perpetrados por tropas Poder soviético
luta pela independência ucraniana. ucranianas.
Na Galícia Oriental, por exemplo, Sob domínio soviético, a República
ucranianos e judeus lutaram Durante o governo nacionalista Ucraniana Socialista Soviética, a
conjuntamente contra as forças de Symon Petliura (1919-1920), Ucrânia, passou a ser uma das
polonesas. os pogroms foram uma constante. 15 repúblicas, que, em 1922,
Ao invés de coibir suas tropas, formaram a União das Repúblicas
Os partidos políticos judaicos das Petliura fechou os olhos para a Socialistas Soviéticas (URSS).
mais diferentes ideologias – dos violência antijudaica. Em 1926, Era a segunda mais poderosa
socialistas judaicos aos revisionistas ele foi assassinado em Paris, onde república, econômica e politicamente,
sionistas – uniram-se à Rada. se refugiara, por um judeu da superada apenas pela República
Querendo melhorar as relações com a Bessarábia, Sholem Shvartsbard, Socialista Federativa Soviética
população judaica, e manter seu apoio que o considerava responsável da Rússia. No entanto, apesar
na luta pela independência, políticos pelos pogroms. Após um julgamento disso, ou talvez por causa disso,
ucranianos comprometeram-se a dar polêmico e controverso, ele foi era vítima de um tratamento
aos judeus igualdade plena, direitos libertado. (Ver Morashá 77). particularmente duro por parte do
comunitários e individuais, e uma Hoje na Ucrânia Petliura é governo central.
autonomia comunitária. Prometeram, considerado um herói nacional que
também, a indicação de um ministro lutou pela independência ucraniana. Viviam, então, na Ucrânia 1,5 milhão
de Assuntos Judaicos no Gabinete de judeus, que representavam cerca
ucraniano, a destinação de uma A Guerra Civil de 1918-21 trouxe de 5% da população total. E, apesar
parcela de impostos estaduais para em seu bojo a maior violência, de 300 mil judeus terem deixado
programas educacionais judaicos e não vista desde o século 17, contra a República para se estabelecer
outros propósitos, e a declaração do
iídiche como um idioma oficial do
Estado.

Após a declaração de independência


da República Nacional da Ucrânia, os
judeus passaram a ser representados
na Rada por 50 delegados; foi
estabelecida uma Secretaria de
Assuntos Judaicos, nomeado um
ministro e aprovada uma lei sobre
“autonomia pessoal nacional”. Mas,
em julho de 1918, a autonomia foi
revogada e a Secretaria dissolvida.
Ademais, desde outubro de 1917
uma onda de violência contra a
população judaica alastrara-se
por toda Ucrânia, só terminando
em maio de 1921. Nesse período, delegação da comunidade judaica em Kolomyya recebe carlos i, imperador da
foram atacadas 530 comunidades áustria e rei da hungria

69 SETEMBRO 2014
COMUNIDADES

em outras partes da então União korenizatsiya, cujo significado sofreu uma transformação radical.
Soviética, representavam 60% do era “nativização” ou, no sentido Stalin procurou reformar a sociedade
total dos judeus que viviam na literal, “arrancar raízes”. Sob o através de um planejamento
URSS. lema “nacionalista em sua forma, econômico agressivo realizado através
mas socialista em seu conteúdo”, de planos quinquenais, que visavam
Era grande o número deles encorajava o desenvolvimento a coletivização da agricultura e uma
nos grandes centros urbanos, das artes e da cultura das diversas industrialização de base acelerada.
principalmente, em Kiev, Mykolaiv, minorias, principalmente dos Com poder quase ilimitado, seu
Kharkiv, Donetsk, Odessa e idiomas reprimidos pelos governos governo, um brutal regime totalitário,
Dnipropetrovs, que abrigava então czaristas. Permitia, também, às foi marcado por execuções e
a segunda maior população judaica lideranças locais, ocuparem postos expurgos múltiplos. Há historiadores
da Ucrânia, depois de Kiev. administrativos nos governos que acreditam que o número de
Na década de 1920, os judeus já e na burocracia das respectivas vítimas da era stalinista pode ter
representavam 22% da população repúblicas. O objetivo era prevenir chegado a 20 milhões. Todas as
urbana ucraniana. o desenvolvimento de movimentos armas eram utilizadas para eliminar
antissoviéticos. os “inimigos”. Se verdadeiros ou
O iídiche era o idioma falado por imaginários, isto era irrelevante; a
97% dos judeus locais em 1897 e, em Apesar da ideologia marxista sobrevivência do sistema de poder
1926, 76,3 % ainda o consideravam questionar a legitimidade de uma criado por Lênin e Stalin dependia
a língua-materna. Nos primeiros identidade nacional judaica, os judeus de sua existência.
anos do domínio soviético, a Ucrânia foram incluídos na korenizatsiya.
(juntamente com a Bielorrússia) Essa política gerou conflito entre Para Stalin, a Ucrânia tornou-se um
tornou-se um centro de cultura os judeus e os ucranianos. Sendo laboratório de testes para o processo
iídiche desprovida de qualquer eles a nacionalidade predominante, de reestruturação soviética. Ademais,
conteúdo religioso. Escolas, teatros, os soviéticos encorajaram a ele estava decidido a eliminar o
jornais e editoras foram fundados “ucranização” da República. Entre sentimento nacionalista ucraniano,
como, também, o “Instituto outros, o idioma ucraniano tornou- que considerava uma ameaça ao
Judaico de Cultura Proletária na se o idioma oficial e aumentou o regime, e pôr um fim “ao problema
Ucrânia”, vinculado à Academia percentual de ucranianos no Partido da lealdade ucraniana dividida”.
Ucraniana de Ciências. Coleções Comunista local.
judaicas etnográficas foram criadas É indiscutível o antissemitismo de
e ampliadas. No final da década de Os judeus optaram por se aproximar Stalin, bem como a sua determinação
1930, durante os expurgos stalinistas, dos russos, uma minoria nessa de se livrar, de alguma forma, dos
quase todas essas instituições foram república, mas a nacionalidade judeus enquanto judeus. Mas, até a
eliminadas. dominante na então URSS. década de 1940, ele manteve uma
Essa aproximação e o fato de atitude pública cautelosa, já que
A Ucrânia sempre foi vista com muitos judeus terem tido muitos dos principais bolcheviques
desconfiança por Moscou. Os participação na Revolução Russa eram judeus ou casados com judias.
líderes soviéticos sabiam que a fez com que eles passassem a ser O que não o impediu, no entanto, de
nacionalidade e a língua ucraniana associados com os bolcheviques e perseguir qualquer manifestação do
eram um elemento de grande peso, a opressão soviética. Surge, então, espirito judaico.
e que teriam que enfrentar uma mais um elemento no imaginário
contínua resistência e incessantes antissemita ucraniano: a figura do Em 1929, Stalin dá início a uma
insurreições, a menos que fizessem “judeu-bolchevique”, isto é, do campanha contra a cultura ucraniana
grandes concessões à autonomia “opressor judeu-comunista”. e judaica, reprimindo brutalmente
cultural ucraniana. os aspectos “nacionais” das duas
No início da década de 1920, Era Stalinista culturas. O russo, por exemplo,
o regime soviético, querendo 1927 a 1953 substituiu o ucraniano em todos os
harmonizar seu relacionamento estabelecimentos oficiais. Os judeus
com as repúblicas da ex-URSS, A partir da subida ao poder de viram suas instituições culturais,
adotou uma política chamada Joseph Stalin, em 1927, a ex-URSS teatros e escolas serem fechados; e

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REVISTA MORASHÁ i 85

as publicações judaicas reduzidas


ao mínimo. As atividades religiosas
e sionistas tiveram que ir para a
clandestinidade. No final da década
de 1930, a maioria dos envolvidos na
propagação da religião judaica ou do
sionismo haviam sido presas.

As perseguições contra opositores


políticos, intelectuais e escritores
– judeus e não judeus – atingiram
proporções absurdas. Milhares
foram presos, enviados ao exílio
ou executados. Após ter retirado
de circulação todas as pessoas em toda a ucrânia, judeus demonstram seu dinamismo comercial
que poderiam se transformar em
líderes de qualquer movimento de
resistência, Stalin passa a atacar Ainda na década de 1930, as O avanço para o Leste das forças
o campesinato, o real núcleo das autoridades soviéticas estabeleceram nazistas foi rápido; em apenas dois
tradições ucranianas. A “guerra” quatro distritos judaicos autônomos meses conquistaram a Ucrânia, o
travada contra os camponeses no sul da Ucrânia e na Crimeia. leste da Polônia, a Letônia, Estônia
ucranianos era, de certa forma, Foram implantadas amplas fazendas e Lituânia, a Bielorrússia e o oeste
empreendida contra a consciência coletivas, cujos membros eram, em da República Russa. À medida
nacional ucraniana. sua maioria, judeus. Sua criação que os alemães avançavam e forças
causou mais uma vez um grande soviéticas batiam em retirada,
Em 1928, ele implantou uma atrito entre judeus e nacionalistas milhões de militares e civis – judeus
política de requisição compulsória ucranianos. As fazendas funcionaram e não judeus – eram evacuados ou
de cereais, que autorizava o até a 2ª Guerra Mundial, quando fugiam mais para o Leste. Mas nem
governo a se apropriar de todo o forças alemãs as ocuparam e todos conseguiram. Historiadores
cereal cultivado pelos camponeses, mataram seus habitantes. acreditam que cerca de 2,4 milhões
pagando um preço muito abaixo de judeus – em sua maioria mulheres,
dos custos de produção. Em A Shoá idosos e crianças – ficaram presos nas
seguida, deu início à coletivização áreas sob domínio nazista.
forçada das propriedades agrícolas. Na Ucrânia, entre 1,4 e 1,5 milhão
Foi na Ucrânia que a política de homens, mulheres e crianças foram A Ucrânia foi a primeira das
coletivização deparou-se com a assassinados – a maioria executados a repúblicas soviéticas a ser ocupada
mais violenta resistência – que não tiros pelos Einsatzgruppen5. pelos nazistas – Kiev caiu em 19
impediu, entretanto, que o processo de setembro. À véspera da invasão
já estivesse praticamente completo Para os judeus da República viviam na República Ucraniana
por volta de 1932. Ucraniana, o pesadelo nazista Socialista Soviética (incluindo
teve início no dia 22 de junho os recém-anexados territórios da
Stalin também impôs metas de de 1941, quando a Alemanha deu Galícia Oriental e Volínia Ocidental)
produção e de confisco de grãos, início à Operação Barbarossa, a aproximadamente 2,3 milhões de
se fosse necessário, para atingir invasão da União Soviética. Esse judeus. Como grande parte deles
tais metas, que só poderiam ser acontecimento foi decisivo no viviam na região ocidental, eles
alcançadas caso os ucranianos Holocausto, pois deu início ao não conseguiram escapar antes da
parassem de se alimentar. genocídio sistemático de judeus, com chegada da Wehrmacht, tampouco
O resultado não deve surpreender: a a destruição metódica e organizada conseguiram fugir os judeus que
fome se alastrou e por volta de de comunidades inteiras, mesmo viviam nos shtetls. Apenas os que
5 milhões4 de ucranianos morreram antes de entrarem em funcionamento estavam no sul e na parte oriental
de fome entre 1932-1933. as câmaras de gás. da Ucrânia tiveram tempo de fugir.

71 SETEMBRO 2014
COMUNIDADES

Sob olhar de nazistas e guardas ucranianos , mulheres e meninas judias são levadas para trabalho forçado. Ucrânia, 1943

Até recentemente, não havia sido Em toda a Ucrânia, antes mesmo de polícia ucraniana à sua disposição,
possível confirmar os números. As os nazistas iniciarem a matança, a permitiu aos nazistas, rapidamente,
poucas informações se deviam, em população local foi responsável por identificar e reunir os judeus em
grande parte, à política soviética que sangrentos pogroms. Para muitos grandes grupos que, a seguir, eram
procurava ignorar o fato de que a ucranianos a invasão nazista foi conduzidos para locais ermos onde,
maioria das vítimas dos massacres era vista como a libertação do jugo um a um, família após família –
composta por judeus. soviético, na percepção de muitos, o homens e mulheres, velhos e crianças
“opressor judeu-comunista”. Ainda – eram mortos a tiros.
Desde os primeiros dias da ocupação não se tem certeza se a eclosão desta
da Ucrânia, os nazistas iniciaram a violência fez parte nas discussões Poucos foram os ucranianos que
perseguição e matança de judeus. pré-invasão entre a Inteligência protestaram, entre eles, Andrei
Unidades de Einsatzgruppen, Alemã (Abwehr) e membros da Sheptytsky, da Igreja Grego-
passaram a cercar judeus, comunistas Organização de Nacionalistas da Católica-Ucraniana, que condenou
e outros grupos e a executá-los a Ucrânia (OUN), liderada por Stepan publicamente a violência contra
tiros. Eles contavam com a ativa Bandera6. Sob a liderança militante os judeus e resgatou crianças,
e entusiástica colaboração da de Bandera, a OUN organizou as escondendo-as em sua rede de
população. Os alemães sabiam Waffen SS Ucranianas da Galícia e conventos e mosteiros.
que, no Leste Europeu, durante as Divisões Nichtengall e Roland,
séculos, os judeus haviam sido que participaram do assassinato de Em novembro de 1941, dois terços da
odiados e amaldiçoados, perseguidos judeus. (Em 2010, o ex-presidente Ucrânia estavam sob a administração
e mortos e uma das “tarefas” dos ucraniano Yushchenko elevou Stepan civil alemã – o Reichskommissariat
Einsatzgruppen era organizar, Bandera a “herói da Ucrânia”, que é Ukraine (RKU). Rapidamente, os
entre a população local, grupos hoje o maior ícone político da direita nazistas impuseram sobre os judeus
de assassinos. Estavam confiantes nacionalista). Além desses grupos as medidas adotadas em outros países,
de que os antissemitas poderiam militantes, milhares de ucranianos se colocando-os fora da jurisdição da
facilmente perpetrar assassinatos voluntariaram para ajudar os nazistas lei e obrigando-os a usar a Estrela de
em massa, e estavam absolutamente participando da perseguição e do David. Os homens eram levados aos
certos. Sem tal participação, teria assassinato de judeus. Milhares se campos de trabalho forçados e foram
sido impossível que as matanças tornaram guardas nos campos de criados guetos na Ucrânia Ocidental.
atingissem a escala que de fato extermínio. O fato de a polícia alemã Quando os judeus eram despojados
tiveram. ter mais de 120 mil membros da pelos alemães de seus pertences,

72
REVISTA MORASHÁ i 85

ucranianos tentavam se aproveitar resistência armada, inicialmente. na Na Ucrânia, o antissemitismo oficial,


da situação, passando a se apossar e Volínia Ocidental e, em 1943, também algumas vezes encoberto com um
saquear propriedades de judeus. na Galícia. leve verniz de anti-sionismo, assim
O primeiro assassinato em massa como da população em geral, era
de mulheres e crianças ocorreu De 1944 a 1991 especialmente proeminente. Em
em julho de 1941, em Ostrih, na 1963, por exemplo, a Academia
Volínia. O genocídio assumiu uma No final da guerra, pouco restara de Ciências da Ucrânia publicou
nova dimensão após o massacre da comunidade judaica ucraniana um trabalho de Trokhym Kichko,
organizado em agosto pelo líder SS, e os judeus que sobreviveram Iudaizmbez prykras ( Judaísmo
Friedrich Jeckeln, em Kamianets- defrontaram-se com um violento sem Embelezamento), uma obra
Podilskyi. Entre os dias 27 e 29 antissemitismo ao tentarem recuperar abertamente antissemita.
desse mês, os nazistas mataram a suas casas e propriedades.
tiros 23.600 judeus. Em setembro, os No início de 1960, dissidentes
assassinatos em massa continuaram A preservação pública da memória ucranianos e judeus intensificavam
na Ucrânia Oriental. O maior do Holocausto durou pouco, suas atividades, os primeiros pedindo
massacre aconteceu em Babi Yar, desaparecendo completamente das mudanças políticas e os últimos
ravina nos arredores de Kiev, comemorações oficiais. Os anos do defendendo a livre emigração para
onde mais de 30 mil judeus foram pós-guerra foram caracterizados Israel. Embora suas demandas
assassinados. (Ver artigo pág. 34). pelo silêncio oficial soviético em fossem diferentes, a necessidade por
relação ao sofrimento singular dos mudanças era algo que os dois grupos
Na primavera de 1942, os nazistas judeus durante o Holocausto. As compartilhavam e havia contatos
passaram a “organizar” os que haviam autoridade davam ênfase ao mito informais entre os movimentos.
sobrevivido às chacinas – a maioria da “Grande Guerra Patriótica” e aos
na Ucrânia Ocidental, de acordo comunistas mortos, negligenciando Com o início da Era da Glasnost, o
com sua capacidade de trabalho. completamente o fato da identidade movimento ucraniano predominante
Consequentemente, intensificou-se judaica de 1,5 milhão de vítimas. A na luta por mudanças era o Rukh,
o assassinato de mulheres e crianças. linha oficial referia-se a eles como os que adotara uma postura amistosa
Judeus da Galícia selecionados “pacíficos cidadãos soviéticos”. Foi em relação aos judeus da Ucrânia
para destruição foram deportados somente a partir do final de 1980 quanto do Estado de Israel. Quando,
no campo da morte em Betzec, que começaram a surgir esforços em maio de 1990, o Pamiat,
e recomeçaram as execuções em governamentais e, posteriormente, organização de extrema direita russa,
massa na Volínia e em Podília e na públicos para manter a memória do clamou pela violência antissemita,
região de Mykolaiv. Em julho de Holocausto e integrar esse período à o Rukh fez uma exitosa campanha
1942, aproximadamente 600 mil história da Ucrânia. contra tais ataques, convencendo
judeus ainda estavam vivos. Mas, a
maioria foi vítima da campanha de
assassinatos executada entre julho e
novembro daquele mesmo ano.

O terror nazista pegara os judeus


ucranianos totalmente desprevenidos.
Essa foi a principal razão pela
qual os nazistas não enfrentaram
maiores obstáculos durante a primeira
onda de matança. Mas, a situação
mudou em 1942, principalmente
durante os ataques aos guetos. Houve
tentativas de fuga em massa em
direção às florestas e, quando ficou
claro que os nazistas pretendiam
liquidar os guetos, iniciou-se a comemoração de simchat torá em sinagoga do séc. 19; bershad, UCRÂNIA, 1997

73 SETEMBRO 2014
COMUNIDADES

1 2

1. antiga sinagoga de Uzhgorod, Transcarpátia, ucrânia 2. sinagoga de Kharkov coral

muitos ucranianos judeus de que o Ao longo dos anos 1990, o país A comunidade judaica ucraniana é
movimento nacional democrático enfrentou uma dura trajetória hoje uma das mais numerosas da
merecia o seu apoio. na transição da economia socialista Europa. Vivem no país cerca de
planificada para uma de mercado. 70 mil judeus praticantes e mais
Após 1991 de 300 mil ucranianos têm origem
No final do período soviético, os judaica. Até a atual crise Ucrânia
A Ucrânia tornou-se oficialmente judeus tinham começado a emigrar versus Rússia, eles constituíam uma
independente em 1991, com o rapidamente, principalmente comunidade florescente. Mas, a
colapso da então União Soviética. para os Estados Unidos e Israel. crise política que está dilacerando
Segundo o censo de 2001, cerca de o país também esta afetando a vida
380 mil judeus escolheram partir. dos judeus. Muitos se perguntam
Representavam três quartos da até que ponto as lutas internas vão
população judaica do país. alimentar o enraizado antissemitismo
ucraniano, e se serão obrigado a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
Movimento Bilu – um acrônimo do No entanto, o judaísmo ucraniano deixar o país...
versículo bíblico de Isaías: Beit Ya’akov mostrava impressionante vitalidade.
Lechu Venelcha (“Ó Casa de Yaakov, Uma comunidade forte permaneceu
subamos (à Terra de Israel)”, era um
movimento cujo objetivo era a colonização em Kiev, inicialmente organizada
BIBLIOGRAFIA
agrícola da Terra de Israel. sob a liderança de Yaakov Dov Dubnow, Simon, History of the Jews in
2
Zona de Residência - Zona de assentamento Bleich, um chassídico americano Russia and Poland: From the Earliest
judeu na Rússia Imperial (1791-1917). Este que se tornou rabino-chefe da Times Until the Present Day, Ed. Nabu
termo designava uma determinada região do Press, 2010
Império Russo destinada exclusivamente aos Ucrânia durante os últimos anos
judeus, sendo a sua residência proibida no de dominação soviética. Uma rede Heifetz, Elias,The Slaughter of the Jews
restante da Rússia. in the Ukraine in 1919: [1921] Cornell
de escolas judaicas e sinagogas
3
Guarda Vermelha ou Exército Vermelho é University Library, 2009
surgiu nos centros mais importantes,
o nome abreviado do “Exército Vermelho
dos Operários e dos Camponeses”. Criado principalmente em Kiev, L’viv e Brandon, Ray (Editor), Lower, Wendy
por Leon Trotsky, bolchevique, durante Dnipropetrovs’k, e muitos edifícios The Shoah in Ukraine: History, Testimony,
a guerra civil russa, foi desmantelado em Memorialization, Indiana University
1991. O nome faz referência à cor vermelha, que haviam sido confiscados pelo Press
símbolo do socialismo, e ao sangue regime da URSS foram devolvidos
derramado pela classe operária em sua luta Levine, Naomi, Jews in Soviet Union (Vol.
à comunidade. Jornais judaicos 1): A History From 1917 to the Present,
contra o capitalismo.
em russo circulavam e instituições NYU Press
4
De acordo com os dados oficiais do culturais foram reavivadas, como
governo ucraniano foram 7 milhões Meir,Natan M. Kiev, Jewish Metropolis:
o Museum Tkuma do Holocausto A History, 1859-1914 (The Modern Jewish
5
Einsatzgruppen - esquadrões especiais
homicidas preparados pelos líderes da SS e o Centro de Pesquisa em Experience), Ed. Indiana University Press,
em antecipação à invasão. Dnipropetrovs’k. 2010

74
CARTAS REVISTA MORASHÁ

Fico feliz por poder receber a revista Morashá, cujas


reportagens são bastante interessantes. Com ela é
possível manter as tradições e ter uma fonte de leitura
sobre o judaísmo, além de nas festividades ter histórias
que são contadas e que podemos passar para as próximas
gerações através do conteúdo lido e absorvido.
Alexandre Sztejnman
Rio de Janeiro, RJ

Lendo o artigo “A Terra de Estou morando, temporariamente, Hoje, 24 Julho 2014, já posso
Israel: pátria eterna do Povo em uma pequena cidade na respirar aliviada. Morashá
Judeu”, não tem como ficar inerte. Alemanha na divisa com a chegou. A edição 84, linda e
Recebo a revista Morashá desde Suíça, onde só há uma pequena emocionante. Principalmente
2008 e estou impressionado com a comunidade judaica, composta pelo momento que estamos
firmeza e autoridade deste artigo. principalmente por russos. Não passando, a Morashá é um alento
Parabéns, parabéns. Abençoado seja há sinagoga, nem rabino, mas e um suporte para cada judeu
o idealizador deste artigo, que soube um site para o qual escrevo como aqui desta terra. Moro numa
buscar na profecia de Rashi e na clara colaboradora de artigos sobre judeus cidade, atualmente, onde eu sei
evidência da Torá fatos incontestes. no mundo. Escrevo, em principio, que só somos três judeus.
Finalizando, faço coro com o para valorizar nosso povo e mostrar Então, só quero agradecer esse
ministro Binyamin Netanyahu: o quanto construímos e participamos suporte e alento. A cada edição que
‘... o Povo de Israel voltou para do desenvolvimento de todos os recebo, aqui, tão isolada,
casa para nunca mais ser expulso países em que nos encontramos. é um grande alívio. Recebam a
de lá”. Eu pesquiso muito na Morashá; a minha gratidão.
Ricardo Fortuna
revista é de um valor inestimável Yvonne Kikoler
Belo Horizonte, MG para mim, pois é confiável. Com a Por email
mudança, trouxe algumas edições e
Gostaríamos de receber a gostaria de receber outras, ainda que Estava procurando on-line
Morashá, pois é uma revista antigas. informações sobre a Ucrânia e
que promove a identidade judaica Chaya Zinderstein
entrei no site da Morashá.
através da exposição das tradições Alemanha, Por email Já tinha entrado outras vezes e
milenares, bem como das reflexões sempre admirei o trabalho de
sócio-históricas, fortalecendo Muito grato pelo envio da edição vocês. Achei extraordinários os
nossos laços com a cultura e religião 84 da revista Morashá. Despertou- artigos dessa edição, especialmente,
judaica. me interesse especial a reportagem no momento que os judeus do
Hugo Vainer Viegas
de Reuven Faingold sob o mundo estão vivendo. Quero
São Paulo, Sp título “Médicos Cristãos Novos parabenizar a equipe pelo
abandonam Portugal em 1614”. conteúdo de cada matéria.
Quero novamente parabenizar toda A citada matéria aguçou-me o desejo Queria destacar vários artigos,
a equipe e os colaboradores desta antigo de sugerir à revista uma além da matéria sobre os judeus
maravilhosa revista, como também reportagem sobre o saudoso médico da Ucrânia até o século 20,
pela excelência dos artigos nela Isaac Izecksohn, autor do livro Terra de Israel, Heróis Judeus
publicados e agradecer o envio da “Os Marranos Brasileiros”, composto e o avanço do antissemitismo na
Morashá há anos. e impresso na INPRES, em 1967. Europa.
Maurício C.S.Falk miguel ribeiro gomide Juliana Weiss
São Paulo, SP Juiz de Fora, MG Por email

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