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A percepção da Teoria da Dádiva em um modelo contemporâneo de

fazer sociológico
Marina Félix Melo*

Resumo
As presentes páginas trazem como escopo a discussão da aplicabilidade da
Teoria da Dádiva em pesquisas sociológicas atualmente. Utilizaremos como
guia dois trabalhos sustentados por tal teoria: a dissertação de mestrado
“Dádiva e Voluntariado: ações de apoio junto a portadores de câncer”, de
Vilma Lima e a tese de doutorado “A Sagração do Dinheiro no
Neopentecostalismo”, de Drance Silva.
Palavras-chave: Pesquisas Sociológicas, Teoria da Dádiva, Marcell Mauss.

Abstract
This paper aims to bring the discussion of the applicability of the Theory of
Donation in sociology works nowadays. We’ll use as a guide two studies
supported by this theory: the dissertation “Dádiva e Voluntariado: ações de
apoio junto a portadores de câncer”, by Vilma Lima and the thesis “A Sagração
do Dinheiro no Neopentecostalismo”, by Drance Silva.
Key words: Sociology Researches, Theory of Donation, Marcell Mauss.

*
MARINA FÉLIX MELO é Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Federal de Pernambuco

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1. Introdução: A partir da idéia de Martins de que a
Teoria da Dádiva é um mapa,
A Teoria da Dádiva, bem como demais
buscaremos entender possíveis formas
teorias desenvolvidas pelas ciências
de aplicabilidade da Teoria e como esta
humanas e sociais, busca envolver e
pode guiar pesquisas sociológicas
explicar objetos de análise à luz de
atualmente. Pensaremos nessa
determinadas problematizações.
aplicabilidade a partir dos exemplos da
Entretanto, como utilizar uma teoria
dissertação de mestrado desenvolvida
sociológica para compreender um
por Vilma Soares de Lima em 2004,
objeto de estudo? Ou, ainda, como a
intitulada “Dádiva e Voluntariado:
Teoria da Dádiva pode ser o aporte
ações de apoio junto a portadores de
teórico de uma diversidade de objetos
câncer” e da tese de doutorado “A
sociológicos?
Sagração do Dinheiro no
No primeiro semestre de 2009, no Neopentecostalismo”, defendida por
Programa de Pós-Graduação em Drance Elias da Silva em 2006. O
Sociologia da UFPE, o prof. Paulo escopo destas páginas não é o de
Henrique Martins ministrou a disciplina conceituar a Dádiva e nem de esgotar
“A Recepção do Dom no Brasil”, da suas diversas interpretações erguidas
qual se geraram discussões acerca dos pela literatura recente sobre o tema, mas
conteúdos apreendidos em aula sim, realizar um breve trabalho de
(conceitos de Dom, de Dádiva, revisão que nos auxilie sobre possíveis
pensamento pós-colonial etc.). Muitos formas de aplicabilidade desse conjunto
estudantes manifestaram-se sobre a maior de interpretações, isto é, embora
aplicabilidade da Teoria da Dádiva a reconheçamos a necessidade do
partir da inquietação de visualizar, exercício de conceituar uma teoria, nos
reconhecer, a Teoria no cotidiano, em deteremos no plano de “o que fazer com
um dado espaço de interação social. determinado conceito?”. Antes de
Assim, alguns estudantes colocaram que realizarmos uma sucinta leitura das
“a dádiva é o substrato da vida social no pesquisas de Lima e Silva, convém
campo de pesquisa, o que faz da vida perpassarmos, brevemente, a origem
social possível” (A. O.); que a “lente teórica/sociológica da Teoria da Dádiva
teórica da dádiva causa estranhamento” e utilizaremos como ponto de partida a
(C. G.); ou que a “lente teórica da obra clássica Marcel Mauss.
dádiva causa reconhecimento” (L. C.).
Além dessas inquietações, outros pontos 2. Marcel Mauss e a Teoria da Dádiva
foram refletidos, o que nos leva à Em “O Enigma do Dom” (2001),
reflexão de como essa teoria, por lidar Maurice Godelier versa sobre como “o
com uma lógica para além da utilitária, dom existe em todo lugar, embora não
tem sofrido rejeições por setores seja o mesmo em toda a parte”
acadêmicos antes mesmo de ser (GODELIER, 2001, p. 07). Ao longo da
compreendida. Como versou Martins na história das ciências sociais muito se
ocasião (2009), “a questão central é tem discutido, por meio de diversas
decifrar a ação social”, isto é, como as correntes teóricas e campos do saber,
demais teorias sociais, a dádiva é um sobre a existência social vinculada a
“mapa”, uma tentativa de mapeamento recursos materiais, ao dinheiro e à
da realidade: “Essa teoria é um bom economia utilitária. Entretanto, como
mapa, assim como outras também são”. poderíamos explicar fenômenos
(Martins, 2009). presentes na esfera simbólica de

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relações? Por que, como coloca podem ser considerados como Fatos
Godelier, um homem quando perde seu Sociais. Como exemplo, teríamos a
emprego e não se recoloca no mercado forma de comer. Sabemos que o ato de
de trabalho perde na sociedade mais que comer em si, biologicamente, não é, na
uma fonte financeira de renda? Uma das concepção durkheimiana, um Fato
principais explicações a tais Social, mas a forma de comer e os
questionamentos pode ser a de que a simbolismos que a compreendem sim.
economia é a principal fonte de Desta forma, Mauss entende que nas
exclusão social, porém, um sistema relações de trocas encontramos não
econômico que pudesse envolver somente aspectos como a forma de
tamanha problemática situa-se para comer, mas também outros como a
além de uma economia meramente economia e a religião enlaçadas no
utilitária, isto é, diz respeito a um processo. Eis o porquê da noção de Fato
campo de relações sociais mais Social Total. De acordo com Laplantine
complexo. Tais questionamentos nos (1997), o Fato Social Total seria uma
levam a uma das principais teorias já possível “quebra” das barreiras
tratadas nas ciências sociais acerca da disciplinares, uma forma do Fato Social
complexidade da ação social, a Teoria impactar na realidade. Entretanto, o que
da Dádiva que, por sua vez, nos conduz norteia os estudos da Dádiva é a
ao legado de Marcel Mauss. coerção existente nas três esferas do
Potlatch1, a saber, as obrigações de dar,
Sociólogo francês, Mauss viveu em uma
de receber e de retribuir um presente,
época conturbada, de operações
uma dádiva. Fica patente como a
militares na Primeira Guerra Mundial.
obrigação de dar, que é a essência do
Escreveu sobre solidariedade social e
Potlatch estudado pelo autor, pode ser
sentimentos coletivos e teve alguns
vista como uma forma de um chefe
trabalhos inacabados sobre Economia e
manter sua autoridade e que a obrigação
Estado. Segundo Evans Pritchard,
de receber não é menos coercitiva que a
“Mauss era muito menos um filósofo do
obrigação de dar.
que Durkheim” (PRITCHARD, 1981, p.
242). Ele seria mais empírico do que Mauss se dedica à compreensão das
seu tio Durkheim e, inclusive, havia associações humanas, não restritas a
quem acreditasse que seria com Mauss determinantes particulares, a exemplo
que a Sociologia atingiria seu estado de fatores políticos, econômicos e/ou
experimental na França. “Ensaio Sobre culturais (MARTINS, 2008, p. 28).
a Dádiva”, encontrado em “Sociologia e Logo, sua concepção de Fato Social
Antropologia” (1922), foi uma obra Total permite superar as dualidades
indispensável para o amadurecimento contidas na obra de Durkheim (macro e
das ciências sociais na qual micro; sagrado e profano), que via a
encontramos uma forte análise
1
lingüística, mesmo quando Mauss tece Mauss fez do Potlatch dos índios Kwakiutls
acerca dos elementos que operam a uma categoria sociológica geral. Os dons que
envolviam competições, antagonismos e
troca que, em verdade, consistem numa
rivalidades eram os que mais fascinavam
série de elementos heterogêneos. Mauss, pois, o objetivo intencionado da ação era
A idéia de Fato Social Total o de tornar difícil o retorno de um dom
equivalente, mas não impossível. A idéia
desenvolvida por Mauss seria central, no caso do Potlatch, era fazer com que
compreendida por trocas, uma vez que as partes envolvidas na disputa provassem sua
nestas encontramos outros aspectos que superioridade publicamente durante o maior
tempo possível. (GODELIER, 2001, p. 87-88).

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obrigação como fator determinante e sociológicas que pode explicar e
incondicional do fato moral, da moral determinar a Dádiva, sendo esta
social, o que será problematizado por obrigatoriamente voluntária, realizada
Mauss, que enxergou o sistema moral a por processos complexos e variados. O
partir de certa flexibilização uma vez autor consegue explicar este processo
que advém de uma pluralidade de de reciprocidade como sendo um pilar
determinações (Ibid., p. 59). É a fundamental da abordagem
compreensão de que a vida social é estruturalista em Sociologia.
composta por fatos que carregam Considerada como um jogo lógico, a
significações simbólicas que permite essência desta abordagem é o fato de se
Mauss a não somente confirmar a tese olhar para os fenômenos sociais não por
durkheimiana de ‘obrigações sociais’, lentes subjetivas apenas e nem como um
mas também, de conceber que tais mero conteúdo (sistema de valores),
obrigações não são modelos acabados, mas sim, considerando a forma dos
invariáveis na sociedade, tendo o fenômenos de maneira objetiva.
indivíduo a possibilidade de transgredir Entretanto, de acordo com Martins, é a
algumas regras. A valorização do desconstrução da abordagem
simbolismo levou Mauss a concluir que estruturalista do dom que possibilita o
“tudo” o que ocorre na sociedade é vínculo deste último com o Novo
importante para sua compreensão, desde Movimento Teórico esboçado,
fenômenos amplos até os aparentemente principalmente, por Jeffrey Alexander
simples como danças, risos, gestos etc. em 1987 (Ibid., 2008, p. 3). Tal relação
(MAUSS apud MARTINS, 2008, p. 33) e “contextualização permite entender
Para Mauss, o Kula2 estudado por que a obra de Mauss não tem apenas
Malinowski, sua amistosidade e valor etnológico ou antropológico, mas
simbolismo, além de uma forma de uma grande atualidade sociológica para
comércio, seria um tipo de Potlatch. É a explicação das sociedades
como se a troca fosse, para os dois contemporâneas” (MARTINS, 2008, p.
autores, a mola propulsora das relações 08).
humanas. Assim, Mauss busca o que há 3. A Contribuição da Teoria da
de mais universal nas sociedades Dádiva em Pesquisas Sociológicas
humanas para a compreensão da
A dissertação de mestrado “Dádiva e
realidade e não se limita às
Voluntariado: ações de apoio junto a
particularidades dos povos analisados, o
portadores de câncer” foi desenvolvida
que o leva a entender o sistema do dom
por Vilma Soares de Lima e defendida
como um Fato Social Total e analisar a
em fevereiro de 2004 no Programa de
sociedade a partir da interconexão de
Pós-Graduação em Sociologia da
diversos fatores.
UFPE, sob orientação do Prof. Paulo
Aspecto fundamental do pensamento de Henrique Martins. O escopo do trabalho
Mauss é que, para ele, a vida social é de Lima foi estudar a formação do
inconsciente, visão retomada voluntariado em uma ONG de Sergipe,
posteriormente por Lévi-Strauss, um de a AVOSOS (Associação dos
seus interlocutores mais notáveis. Voluntários a Serviço da Oncologia em
Mauss reúne um conjunto de leis Sergipe), que trabalha com pacientes
com câncer, sobretudo, crianças. A
2
Um sistema de trocas, um fenômeno social, hipótese principal investigada foi se a
analisado por Malinowski em “Argonautas do ação dos voluntários da entidade
Pacífico Ocidental” (1922).

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contribuía para a formação de uma A ação voluntária é um fenômeno mais
esfera de atuação social que se abstruso do que em geral se supõe, ou
distanciasse das lógicas sistêmicas seja, é mais complexa do que sua
instrumentais. Lima constatou que aparente utilidade e encoberta por uma
“apesar da instituição se aproximar das pluralidade de lógicas possíveis, uma
sociabilidades secundárias e das lógicas vez que diz respeito não apenas à
sistêmicas – mercantil/estatal –, o capacidade ao princípio de
voluntariado cria mecanismos que reciprocidade do indivíduo, mas
impossibilitam a priorização da técnica também, aos interesses múltiplos que
em detrimento da pessoa no tratamento percorrem as noções de participação,
do câncer”. (LIMA, 2004, p. 10). Ao satisfação pessoal e/ou busca de
longo da pesquisa de campo, a autora resultados para determinados problemas
verificou que aspectos como o vínculo sociais. Logo, um dos principais
social e as relações interpessoais estão esforços desenvolvidos no trabalho de
presentes nas relações entre doador e Lima foi o de compreender o
recebedor da ação para além das voluntariado em seu hibridismo, por
práticas mercantis, o que conferia, por lógicas que não se reduzem apenas a
sua vez, um tratamento humanizado aos determinantes utilitários que supõem os
pacientes com câncer. “(...) indivíduos como atores meramente em
Constatamos que a ação voluntária é busca de seus interesses egoístas.
movida por diversas lógicas, de modo A conclusão geral a que Lima chegou
que tentar instrumentalizá-la no sentido foi a de que o trabalho voluntário possui
de maximizar sua utilidade na um caráter híbrido e que as etapas de
instituição pode levá-la a perder o seu dar, receber e retribuir não se colocam
sentido” (Ibid., p. 10). como pontos “formais” a serem
Lima utilizou a Teoria da Dádiva como cumpridos nas relações entre pacientes
aporte teórico e como elemento e voluntários, ou seja, não servem,
explicativo na compreensão de como meramente, como uma sustentação ou
ocorriam os vínculos estabelecidos reprodução do paradigma da dádiva
dentro da instituição analisada a partir apenas por trocas, mas sim, pela
do ciclo do dom de dar, receber e significação que reside nestas trocas.
retribuir presentes nas relações entre Ainda na dissertação de mestrado, a
pacientes e voluntários. Antes, dissertou autora observa a maneira como se dava
sobre o crescimento da visibilidade do a profissionalização dentro da entidade -
voluntariado, constatando, através de considerada de grande porte e com um
pesquisas do IBOPE e do ISER, grau significativo de profissionalização
realizadas em 1998, que 50% da se observadas variáveis como tipos de
população brasileira faz algum tipo de socialização na entidade (primária e
doação, seja em dinheiro, em bens secundária), desenho hierárquico da
(como alimentos) ou em tempo. De instituição, fontes de financiamento etc.
acordo com as pesquisas, cerca de 16% – e percebe que a profissionalização não
da amostra analisada se dedica de fazia com que fossem estabelecidos
alguma maneira a instituições formais. apenas laços de sociabilidade primários
Assim, a pergunta central da pesquisa ou secundários, haja vista o já
de Lima foi: “o que motiva um grupo de constatado hibridismo presente no
pessoas a trabalhar voluntariamente em voluntariado. Lima ressalta que a
prol de alguém?” (Ibid., p. 16). socialização primária paira sobre o
funcionamento da instituição e,

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sobretudo, do voluntariado que a Neopentecostalismo: Religião e
envolve, mesmo porque entidades como Interesse à luz do Sistema da Dádiva”
estas tendem a ser formadas a partir de (2006), sob orientação do Prof. Paulo
laços de socialização primários. Logo, Henrique Martins, Silva estudou o
se por um lado a AVOSOS tem tido um neopentecostalismo e a manutenção dos
voluntariado menos amador, porque vínculos sociais nesta religião à luz da
busca se profissionalizar para atender a Teoria da Dádiva.
demandas exigidas para perseguir fontes Uma das principais preocupações
de financiamento, e mesmo utilizando o trazidas por Silva diz respeito à relação
discurso de Mercado para tal, isto não estabelecida entre religião, fiéis e
faz com que a lógica de funcionamento dinheiro. Segundo o autor, o dinheiro é
do voluntariado se perca em meio à constantemente ressignificado no
instrumentalidade, ratificando o espaço dos cultos, ou seja, trata-se antes
hibridismo verificado, bem como a de um forte símbolo social do que de
complexidade do Dom. O trabalho nos uma moeda de troca utilitária, certa vez
traz, ainda, que a Dádiva é elemento que o dinheiro é interpretado pela
formativo do voluntariado, dos elos população religiosa como uma força de
entre os agentes envolvidos na ação espiritualidade e a ação que os fiéis
social e que contribui na formação de exercem de “dar” dinheiro à Igreja
uma esfera na qual existe certo constitui um ato de valorização humana.
distanciamento do Estado e do Mercado Sendo assim, à guisa de exemplo, se
ao propor outras lógicas de relação damos dinheiro à Igreja ganhamos paz
espontâneas. espiritual em troca. Trata-se de uma
Ao fim de sua dissertação, Lima coloca leitura da Dádiva que nos traz à
como enveredar pelo tema da dádiva e discussão problemáticas sobre o poder
do voluntariado lhe causou que o Dom exerce na comunidade
encantamento e contemplação a seu religiosa e fora dessa, pois, o dinheiro
“objeto” de estudo, isto é, o utilizado fora desse sistema de Dádiva
encantamento com a construção do específico tem uma valorização no
conhecimento que o objeto de estudo é vínculo social diferente do dinheiro
capaz de propiciar (SANTOS, utilizado para outras finalidades, isto é,
Boaventura, 2003). A autora observa do dinheiro que não é “dado” a Deus.
como o envolvimento respeitoso do Este complexo de Dádiva é estimulado
pesquisador com seu “objeto” é por mecanismos múltiplos, da mesma
adequado para entendermos um trabalho forma que ocorre em outros sistemas
que trata sobre respeito e amizade ao que, muitas vezes, são visualizados em
próximo. competições. O exemplo do estudo de
Também no Programa de Pós- Silva sobre os neopentecostais não foge
Graduação em Sociologia da UFPE, a essa perspectiva na medida em que a
Drance Elias da Silva desenvolveu um competição pode ser visualizada não
trabalho sobre Dom, Simbolismo e apenas no plano de “quem dá mais” na
Dinheiro. Com dissertação de mestrado Igreja, mas também no mundo
intitulada “A Representação Social do simbólico de cada indivíduo, que busca
Dinheiro entre os Neopentecostais” ter o coração “tocado” cada vez mais
(2000), sob a orientação do Prof. por Deus, o que gera, então, o
Joanildo Burity e tese de doutorado “A desprendimento da doação. Silva
Sagração do Dinheiro no salienta que no ambiente de trocas

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pesquisado, dar dinheiro não é o mesmo graduação em sociologia porque mesmo
que “pagar”, pois, o pagamento é entendendo a necessidade de
interpretado pela população analisada desenvolver teorias de um modo geral, a
como uma atitude mercantil. Na medida fim de guiar o pesquisador em sua
em que a dádiva diz respeito, também, à investigação para que este conheça suas
socialização que os indivíduos ferramentas de trabalho, a delimitação
vivenciam, o dinheiro não figura como de conceitos por si só não gera respostas
elemento principal de ação dos fiéis, aos problemas de pesquisa, pois,
porém, é a interpretação que fazem consideramos que uma das partes mais
desse dinheiro que gera um ambiente árduas do exercício sociológico é
antes de congregação do que de divisão, problematizar tais teorias, o que é, de
ao mesmo tempo em que coage: “O fato, utilizá-las, articulá-las.
pastor ordena e o fiel obedece” (SILVA, Como outras teorias, a Teoria da Dádiva
2006), mas obedece ao significado, à é um caminho de explicação e
representação, que o dinheiro adquire elucidação de problemas sociológicos,
naquele contexto de culto. porém, ela não é em si um modelo
A doação de dinheiro faz com que os pronto e acabado de como desenvolver
envolvidos nesse sistema de trocas se pesquisas. Embora seja amplamente
sintam protegidos - entendemos que aplicada a diferentes propostas de
existe a troca de dinheiro por rezas, por investigação, a Teoria da Dádiva não é
proteção espiritual etc. Assim como no capaz de responder às perguntas de
potlatch, a circulação de doações indica campo por si só, pois, precisa estar
um valor que confere prodigalidade ao atrelada às peculiaridades da pesquisa,
doador e afasta, simultaneamente, a ou seja, a teoria também é reconstruída
visão do dinheiro (Mercado) ligado ao cotidianamente no campo, no fazer
demônio, ao mal, e o traz como sociológico. Dito de outra forma, ao
instrumento para o bem, para Deus, tentarmos localizar um apanhado de
quando colocado em altar (Ibid.). “A usos da Teoria da Dádiva não
força esclarecedora da razão é pretendemos obter uma junção de
insuficiente como instrumento absoluto concepções teóricas que acreditemos ser
de explicação e resposta aos problemas o reflexo exato da prática. Acreditamos
que se mostram no palco da trama que nenhuma teoria pode se constituir,
histórica da vida humana” (Ibid.). Em pura e simplesmente, como um encaixe
suma, o dinheiro não é operado para perfeito à realidade que se quer estudar.
meios e fins utilitaristas apenas, pois, Não estamos a separar a teoria da
bem como em outros exemplos prática, mesmo porque seria uma
antropológicos e sociológicos de atividade impossível. Assim, não
dádiva, ele só é válido, só assume sua podemos moldar o problema ao qual
roupagem na Igreja, por uma nos propomos estudar de acordo com
sustentação simbólica maior. uma teoria que julgamos “ideal”, de
modo que todas as respostas a nossas
4. Considerações finais
questões sejam sanadas por ela.
Demais trabalhos poderiam ilustrar a
Essa aparente limitação das teorias, de
Teoria da Dádiva como aporte de
um modo geral, pode também ser
explicação teórica em diversas sub-
entendida como um avanço na
áreas da sociologia. Optamos por tecer
construção do conhecimento e, no caso
neste ensaio acerca da utilização da
particular da Teoria da Dádiva, o
Teoria da Dádiva em trabalhos de pós-

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pesquisador conta com a limitada ao utilitarismo e às percepções
interdisciplinaridade que compete a essa de Mercado e Estado, compreendemos
última, uma vez que ela circula por que ela é capaz de lidar, também, com
escolas como a interacionista e a estes outros dois setores utilitários da
estruturalista, por exemplo, passando sociedade, uma vez que a complexidade
por recortes contemporâneos como o das problemáticas constantes da Teoria
desenvolvido pela sociologia dos da Dádiva estão imbricadas na noção
objetos, quando os objetos maior de sociedade, formada pela
reconfiguram o mundo social. De um mistura de relações entre as esferas
todo, notamos que em pesquisas mencionadas, isto é, não existe apenas
qualitativas, principalmente (mas Mercado, Estado ou trocas simbólicas
também no paradigma quantitativo, em na sociedade, mas sim, a dinâmica do
menor ordem), a Teoria da Dádiva nos viver em sociedade que envolve todas
possibilita compreender simbolismos e essas esferas.
subjetivismos ao entender que o dom
não é composto apenas de presentes,
mas também de palavras e gestos, bem Referências
como possibilita e incentiva o ALEXANDER, Jeffrey. (1987). O novo
pesquisador à sensibilidade de detectar movimento teórico. In: RBCS, n. 4, vol. 2,
alianças em grupos sociais, alianças junho.
apontadas exaustivamente por Mauss e GODELIER, Maurice. (2001). O Enigma do
ratificadas por Lévi-Strauss. Dom. Tradução: Eliana Aguiar. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira.
Apesar das possibilidades que a Teoria LIMA, Vilma Soares de. (2004). Dádiva e
da Dádiva fornece ao pesquisador, de Voluntariado: ações de apoio junto a
trabalhar com as noções de portadores de câncer. Dissertação de
subjetivismo, reciprocidade etc., um dos Mestrado. PPGS-UFPE.
principais problemas encontrados pelos LAPLANTINE, François. (1997). Aprender
investigadores é a leitura rasa que o antropologia. São Paulo: Brasiliense.
senso-comum, por vezes, faz da Teoria, MARTINS, Paulo Henrique. (2008). De Lévi-
reduzindo-a a esfera econômica e Strauss a M.A.U.S.S (Movimento
utilitária. Todavia, o esforço de AntiUtilitarista nas Ciências Sociais):
rompimento com tais noções é o que Itinerários do Dom. Revista RBCS / Scielo.
gera trabalhos como o Lima, que visam MAUSS, Marcel. (1974). Ensaio sobre a dádiva.
ampliar a interpretação da realidade In: Sociologia e Antropologia. São Paulo:
para além da racionalidade E.P.U e Edusp, v. 2.
instrumental. Tais visões reducionistas PRITCHARD, E. E. Evans. (1981). História do
dão margem a discriminações pensamento antropológico. Lisboa: Edições
infundadas lançadas à Teoria, gerando 70.
perdas substanciais ao “dispensar” um SANTOS, Boaventura de Sousa. (2003). Um
aporte teórico capaz de propor saídas a discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez.
algumas encruzilhadas recorrentes na SILVA, Drance Elias. (2000). A
pesquisa sociológica, a exemplo da Representação Social do Dinheiro entre os
complexidade do simbolismo, bem Neopentecostais. Dissertação de Mestrado.
PPGS-UFPE.
como demais motivações sociais,
muitas, inclusive, utilitárias e ______. (2006). A Sagração do Dinheiro no
cotidianamente presentes na esfera Neopentecostalismo: Religião e Interesse à
luz do Sistema da Dádiva. Tese de Doutorado.
social (MARTINS, 2008, p. 05). Logo, PPGS-UFPE.
se não consideramos a Teoria da Dádiva

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