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EDUCATIVO EMÍLIA
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usamos há anos…
Quem
E agora, quando já esquecemos o rosto que tivemos, a idade exata e o vestido, somos
talvez, continuemos nos lembrando de algum pedaço da história, de alguma POR REVISTA
EMÍLIA
fórmula mágica do começo, de algumas palavras que se repetiam como um
refrão e que nomeavam tudo aquilo de que não se falava durante o resto das
horas, tudo aquilo que não se dizia para as visitas, na mesa, nem na la do Projeto
colégio… Pequenos
Leitores
POR SANDRA
Eis a substância oculta dos contos: esse poder das palavras para dar nome e
MAYUMI
sentido às realidades interiores, tantas vezes terríveis e incertas, apesar da MURAKAMI
MEDRANO
suposta inocência que os adultos atribuem aos tempos da infância.
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assim, tão linda, sentava-se na mesma porta e esperava que alguém se ajude a mantê-lo
apaixonasse. Passavam o cachorro, o gato e outros animais, e todos lhe diziam a vivo!
mesma coisa: “Baratinha, como você está bonita. De coração, te peço: quer casar
comigo?”. Ela, como é costume nos contos tradicionais, respondia: “Depende: o Em breve!
que vai fazer para me conquistar?”.
O cachorro dizia “au, au”, o gato, “miau” e ela perguntava, invariavelmente: “Ah,
não!, segue seu caminho, porque me você me assusta, me espanta, me
assombra”. Até que chegava o Rato Perez e, quando ela dizia “depende: o que
vai fazer para me conquistar?”, o rato respondia sussurrando suavemente:
“bsbsbs”, e ela cava fascinada. Imediatamente se casavam, mas a história não
tinha nal feliz, porque dias depois do casamento, a baratinha deixava o rato
preparar um cozido e o pobre se afogava no caldeirão.
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2. O lugar da literatura
De onde terá surgido esse consenso escolar que nos obriga a todos a sublinhar
o mesmo no mesmo parágrafo no conto da “Chapeuzinho Vermelho”, a entender
rapidamente as mesmas ideias principais de “Barba Azul” e a ver todas as obras
dos mesmos pontos de vista? De onde surgiu esse desprezo da educação pelo
subjetivo, pelo inefável, pelo que não pode ser avaliado em uma prova
acadêmica?
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aterradas, não se quali cam. E o que não se pode avaliar a curto prazo, é como
se não existisse.
Se já esboçamos que a literatura trabalha com toda a experiência vital dos seres
humanos – e não só com o pedacinho que se pode medir – podemos imaginar o
pouco que esses contos e essas vozes representaram para sistemas
pedagógicos calcados em perguntas fechadas de múltipla escolha ou em ideias
meramente instrumentais que insistem em falar de leitura rápida, como se fosse
uma competição acadêmica ou esportiva… no caso, o mesmo.
3. Casa de palavras
Usemos essa imagem para mostrar nossa relação com a língua: cada um
constrói sua própria casa de palavras. Temos um código comum, digamos, que
são os materiais e as especi cações básicas. Mas cada ser humano vai se
apropriando do código através de suas próprias experiências vitais e forma seus
signi cados, para além da de nição de um dicionário, mediante uma trama
complexa de relações e de histórias. Assim, afora os rótulos, a linguagem que
habitamos oculta zonas privadas e pessoais. Junto às zonas iluminadas existem
grandes zonas de penumbra.
Que signi cado tem isso tudo para o ensino da literatura? Pois nada menos que
o reconhecimento dessas zonas. Dito de outro modo: não é o mesmo ler um
manual de instruções para ligar um forno que ler um conto de fadas, e se a
escola não se dá conta de “semelhante sutileza”, continuará ensinando a ler
todos os textos desde uma mesma postura.
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Por falar nesse Outro Idioma, e por nomear essas “casas próprias”, a literatura
deve ser lida, vale dizer, sentida, a partir da própria vida. Aquele que escreve
estreia as palavras e deve reinventá-las a cada vez, para imprimir sua marca
pessoal. E o leitor de literatura recria esse processo de invenção para decifrar e
decifrar-se na linguagem secreta do outro. Esse é um processo complexo que
compromete, por assim dizer, dois sujeitos, com toda sua experiência, com toda
sua história, com suas leituras prévias, com sua sensibilidade, com sua
imaginação, com seu poder de se situar para além de si mesmo. Trata-se de
uma experiência de leitura complexa e, é necessário dizer, difícil. Mas se pode
ensinar. E sustento também que se pode ensinar a amar a literatura, assim como
se ensinam e se aprendem números, vogais ou competências semânticas ou
qualquer outra coisa. É possível ensinar a experiência essencial da literatura: ou
seja, seu poder para revelarmos sentidos ocultos e secretos; para nos comover,
nos assustar, nos abalar, nos nomear e nos fazer rir ou tremer, e para falar de
tudo aquilo que não se diz para as visitas.
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de uma história, sem pedir-lhes nada em troca. Porque, no fundo, os livros são
isso: conversações de vida. E sobre a vida, sim, é urgente aprender a conversar.
Lemos para conversar, e dizer e nos dizer, sem nunca entender nada
totalmente. Como a Baratinha quando se refugiava sua ladainha, cada vez com
mais vozes e esse ser nas palavras, esse uir com as palavras de muitos outros,
era como um feitiço que, de certa forma, curava a dor, mediante o rito de
nomeá-lo.
E ninguém estará lá para lhes premiar, nem lhes dar uma medalha ao mérito,
nem tampouco atestar um milagre. Mas assim é como vão se fazendo os
leitores: corpo a corpo; corpo e alma, num quarto ou numa sala de aula. Conto a
conto. E um por um.
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