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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC

CENTRO DE ARTES - CEART


LICENCIATURA E BACHARELADO EM TEATRO

Rafael Augusto Zanette

O ESTUDANTE DE TEATRO EM CENA:


UMA ABORDAGEM AUTO-ETNOGRÁFICA
DOS ESPETÁCULOS TEATRAIS INSÓLITO E OTELO

Florianópolis/SC
2015
Rafael Augusto Zanette

O ESTUDANTE DE TEATRO EM CENA:


UMA ABORDAGEM AUTO-ETNOGRÁFICA
DOS ESPETÁCULOS TEATRAIS INSÓLITO E OTELO

Trabalho de conclusão de curso de graduação


apresentado no Curso de Licenciatura e Bacharelado em
Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina –
UDESC, sob a orientação do Prof. Dr. Vicente Concilio.

Florianópolis/SC
2015
Rafael Augusto Zanette

O ESTUDANTE DE TEATRO EM CENA:


UMA ABORDAGEM AUTO-ETNOGRÁFICA
DOS ESPETÁCULOS TEATRAIS INSÓLITO E OTELO

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao Centro de Artes


da Universidade do Estado de Santa Catarina como requisito para a obtenção dos títulos
de Licenciado e Bacharel em Teatro.

Aprovado em: ________ de ________________________ de ________.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________
Profª. Dr. Fátima Costa de Lima
Universidade do Estado de Santa Catarina

__________________________________________
Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro
Universidade do Estado de Santa Catarina

__________________________________________
Prof. Dr. Vicente Concilio
Universidade do Estado de Santa Catarina
DEDICATÓRIA

A complexa arte do ator, inserida no efêmero do espetáculo, exige dedicação,


disposição, estudo, disciplina, zelo, regularidade e, acima de tudo, respeito por todos os
elementos que compõem este vasto universo de oportunidades que é o teatro.
A prática teatral subentende treinamento constante. O que se exige do artista é uma
percepção ampliada, uma sensibilidade apurada, um olhar generoso, um coração forte e um
espírito atento, aberto às diferentes maneiras de perceber o mundo que o fazer teatral
proporciona.
O espaço teatral se torna sagrado pelos que nele se aventuram sem medo, sem
preconceito, sem interesse, sem objetivos definidos. O desenvolvimento e a transformação
neste espaço acontecem na mesma medida do desapego a conceitos definitivos do que é certo
ou do que é errado.
Dedico este trabalho de conclusão à pessoa que me mostrou e me ensinou tudo isso e
muito mais, antes mesmo que eu tivesse noção de que a profissão de ator seria a minha
escolha de vida. Sinto-me honrado e abençoado por tê-la como minha parceira de cena e de
vida há quase 25 anos. Cúmplice e mentora que sempre acreditou em mim (mais do que eu
mesmo acredito!), colocando-me nos trilhos, sempre que necessário. À minha esposa, atriz e
professora de teatro, Fabiana Franzosi Zanette.
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, quero agradecer a todo o corpo docente e técnicos do Centro de


Artes (CEART) da Universidade do Estado de Santa Catarina que, ao longo dos últimos 05
anos, disponibilizaram o seu tempo e a sua energia para que eu tivesse a oportunidade de
entrar em contato com o teatro na academia. Em especial, agradeço à Prof. Dra. Daiane
Dordete Steckert Jacobs, ao Prof. Dr. Stephan Arnulf Baumgärtel, à Prof. Dra. Tereza Mara
Franzoni, à Prof. Adriana Patricia dos Santos, ao Prof. Juliano Borba, à Prof. Dra. Jussara
Xavier e à Prof. Melissa da Silva Ferreira.
Quero agradecer também a todos os meus colegas de turma, veteranos e calouros com
os quais mantive contato durante a minha vida acadêmica. Agradeço a parceria, as discussões
e as trocas de energia que permearam a nossa convivência dentro do CEART.
Um agradecimento terno e carinhoso à minha parceira de cena no espetáculo Insólito,
uma atriz de muito potencial e dona de um coração cheio de amor por mim, Thaís Putti.
Muito obrigado também ao elenco e equipe que levaram e levam adiante o espetáculo
Otelo: Cleístenes Grött, Giselle Kincheski, Luciana Holanda, Raquel Stüpp, Valéria de
Oliveira, Beatriz Viégas-Faria, Betinha Mânica, Roberto Gorgati, Roberto Mallet, Caio Cezar,
Daniel Olivetto e José Roberto O'Shea.
Um agradecimento especialíssimo aos diretores Carlos Longo e Jefferson Bittencourt
pelo convite para atuar em suas encenações, pela confiança que depositaram em mim e por
dispensarem um tempo para me mostrar e, principalmente, despertar nuances, facetas e
disposições do meu espírito que até então eu desconhecia.
Agradeço ao meu querido orientador, Prof. Dr. Vicente Concílio pela paciência,
generosidade e lucidez na condução desta empreitada. Agradeço também à minha banca
examinadora, Profª. Dra. Fátima Costa de Lima e Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro, pela
inspiração permanente.
Agradeço à minha família pelo apoio de sempre e finalmente, quero agradecer ao meu
cachorro de raça tibetana, nome japonês e temperamento germânico, Miyamoto Musashi pela
companhia diária e pelas caminhadas relaxantes entre a escrita de um parágrafo e outro deste
trabalho.
“Um dia estaremos todos mortos. Mas até lá, em todos os outros dias, não.”
(Anônimo)
RESUMO
Este trabalho de conclusão tem a intenção de descrever aspectos pertinentes à montagem e
apresentações de dois espetáculos teatrais: Insólito, dirigido por Carlos Longo e Otelo,
dirigido por Jefferson Bittencourt. A abordagem a cada um dos processos é feita através de
uma narrativa que os descreve a partir do ponto de vista da minha participação ativa, enquanto
ator e também enquanto estudante de Artes Cênicas. Ambos foram concebidos e realizados na
cidade de Florianópolis/SC em paralelo à minha trajetória acadêmica no Curso de
Licenciatura e Bacharelado em Teatro, no Centro de Artes da Universidade do Estado de
Santa Catarina, entre 2011 e 2015. Estando completa e profundamente inserido no ambiente
daquilo que serviu de objeto para esta pesquisa, a escolha por uma abordagem auto-
etnográfica pareceu pertinente e relevante. O detalhamento a respeito da criação, montagem e
apresentações das duas encenações destaca suas semelhanças e suas diferenças. O intuito é
tentar compreender e/ou desvendar os conteúdos apreendidos na universidade, criar novos
significados a respeito do teatro e também construir e refletir sobre perspectivas ampliadas na
prática do fazer teatral.
Palavras-chave: auto-etnografia em artes; criação coletiva; montagem teatral.

ABSTRACT
This final project is intended to describe relevant aspects on the assembly and presentation of
two theatrical performances: Insólito, directed by Carlos Longo and Otelo, directed by
Jefferson Bittencourt. The approach to each one of these processes is done through a narrative
that describes from the point of view of my active participation as an actor and also as an art
student. Both were designed and conducted in the city of Florianópolis/SC in parallel to my
academic trajetory in the Course of Degree and Bachelor of Theatre in the Arts Center at the
State University of Santa Catarina, between 2011 and 2015. Being completely and deeply
inserted into the environment that served as the object for this research, the choice of an auto-
ethnographic approach seemed appropriate and relevant. The details regarding creation,
assembly and performing of these two pieces highlight their similarities and their differences.
The aim is trying to understand and/or unlock the contents learned in college, create new
meanings about theater and also, build and reflect on expanded prospects through the practice
of doing theater.
Key-words: auto-ethnography in arts; collective creation; production of theatrical
performances.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................ 8

2. CAPÍTULO I: INSÓLITO ............................................................................ 13

2.1. O PROCESSO DE CRIAÇÃO ..................................................... 14

2.2. A QUEBRA ................................................................................... 25

2.3. APRESENTAÇÕES ....................................................................... 28

3. CAPÍTULO II: OTELO ................................................................................ 42

3.1. A PERSONA COMPANHIA DE TEATRO .... ............................. 45

3.2. O PROCESSO DE MONTAGEM ................................................. 48

3.3. APRESENTAÇÕES ...................................................................... 59

4. CONCLUSÃO .............................................................................................. 67

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 74


8

1. INTRODUÇÃO

A presente monografia nasceu de uma motivação pessoal que consistiria em analisar a


trajetória por mim percorrida durante os processos de montagem e apresentações de duas
peças teatrais nas quais tive a oportunidade de participar como ator, paralelamente ao meu
percurso acadêmico, como estudante de teatro. São elas: Insólito, dirigido por Carlos Longo e
Otelo, dirigido por Jefferson Bittencourt. A motivação para a análise dessas duas peças,
enquanto participante ativo em seus processos surgiu, em um primeiro momento, sobretudo
pelo fato de serem espetáculos com inúmeras diferenças.
A intenção deste trabalho é descrever detalhadamente os dois processos do ponto de
vista da minha experiência como ator. Assim, buscarei ressaltar essas diferenças na tentativa
de criar paralelos que possam desvendar os conteúdos teóricos e práticos apreendidos no
ambiente acadêmico. Além disso, pretendo relatar novos significados sobre o teatro
construídos durante a montagem e as apresentações dos espetáculos e que, inevitavelmente,
foram resultado dessas experiências.
Os elementos que serão abordados para analisar os dois processos serão descritos com
o objetivo de contextualizar o período, o ambiente, as condições e as especificidades de cada
uma das peças. Alguns destes elementos servirão como base para comparação, enquanto
outros poderão servir apenas como norteadores, na tentativa de facilitar a compreensão e
visualização dos processos.
Na descrição detalhada de cada um, tentarei ainda verificar a pertinência dos
conteúdos apreendidos por mim no Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro, com a
intenção de analisar sua relevância e sua influência no percurso das duas montagens. A
construção de perspectivas novas ou ampliadas sobre o fazer teatral e a reflexão sobre tais
perspectivas passam a ser também objetivos que pretendo alcançar com o relato da criação
destas encenações.
Em se tratando de uma descrição de processos, na qual a pesquisa perpassa por objetos
e resultados relacionados diretamente com a minha experiência individual enquanto
ator/estudante, uma abordagem auto-etnográfica parece atender os requisitos da metodologia
que pretendo utilizar.
Segundo Scribano e De Sena (2009), a auto-etnografia pode ser compreendida como o
ato de “[...] aproveitar e fazer valer as ‘experiências’ afetivas e cognitivas de quem quer
elaborar conhecimento sobre um aspecto da realidade baseado justamente em sua participação
9

no mundo da vida na qual está inscrito este aspecto.” (SCRIBANO; DE SENA, 2009, p. 5,
tradução nossa).
Por estar completamente inserido nos ambientes gerados pelas duas montagens em
questão, como parte engajada e ativa nos processos que servem de campo para esta pesquisa,
o relato em primeira pessoa parece ser a melhor escolha para uma apreensão mais apurada do
conteúdo deste trabalho. Estou ciente do cuidado necessário para levar adiante tal abordagem
e mesmo reconhecendo a importância de análises espontâneas, o intuito será manter o
máximo de objetividade no processo de escrita.
A escolha em trilhar o caminho do relato auto-etnográfico encontra respaldo no fato de
que, neste caso, a minha interferência direta foi fator determinante no resultado dos dois
processos. Assim, o intuito de abordar a pesquisa com base na auto-etnografia parece oferecer
uma melhor compreensão a respeito dos novos significados em teatro que cada uma das
etapas dos dois processos possam ter gerado.
Além disso, o fato de ter participado ativamente no desenvolvimento dos objetos desta
pesquisa parece conferir legitimidade e relevância aos relatos dos capítulos a seguir. Como
poderá ser verificado, o meu relacionamento enquanto pesquisador é de profunda conexão
pessoal com o tema desta pesquisa. Portanto, paradoxalmente, para que novas perspectivas a
respeito do fazer teatral possam encontrar terreno fértil a partir deste trabalho, a objetividade
será insistentemente procurada.
Uma descrição densa, contextualizada e imbuída de caráter científico deverá nortear
essa monografia, como determinam as regras da qualquer metodologia empregada em um
trabalho acadêmico de conclusão. Porém, o relato da interação profunda com as duas
encenações poderá abrir perspectivas subjetivas que espero, possam gerar reflexões
pertinentes na criação de novos conhecimentos a respeito de processos de montagens teatrais.
A partir desta perspectiva, o relato auto-etnográfico deverá ser desenvolvido neste
trabalho a partir de alguns caminhos específicos, tais como: consulta de material escrito,
elaborado durante os ensaios (diário de bordo); revisão de notas e observações que relacionam
algumas especificidades dos processos aos conteúdos acadêmicos aos quais tive acesso em
determinados períodos das montagens; análise de registros videográficos e fotográficos de
ensaios e apresentações; feedbacks do público e entrevistas informais com os diretores Carlos
Longo e Jefferson Bittencourt, dentre outros.
O trabalho será dividido em dois capítulos, nos quais serão descritas as dinâmicas do
processo de cada uma das encenações, desde a origem de suas criações até as suas
apresentações ao público. O primeiro capítulo deverá tratar do espetáculo Insólito, uma
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montagem de criação coletiva e experimental, nascida a partir de uma necessidade acadêmica


do aluno/diretor Carlos Longo e que teve sua estreia no Laboratório I do Centro de Artes da
Universidade do Estado de Santa Catarina, em Florianópolis, no dia 29 de junho de 2013, para
um público de aproximadamente 60 pessoas.
A dramaturgia da peça foi criada pelo diretor e pelo elenco, composto por mim e pela
atriz Thaís Putti, também acadêmica de teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina, a
partir de exercícios e dinâmicas de improvisação. A intenção era referenciar o espetáculo às
nuances do chamado Teatro do Absurdo que, de acordo com Drabble e Stringer foi o

Termo usado para designar o trabalho de diversos autores Europeus e Norte-


americanos da década de 1950 e do início da década de 1960. Esse tipo de criação
teatral tem por objetivo expressar dramaticamente o conceito filosófico do “absurdo”
que foi amplamente divulgado após a publicação da obra de Albert Camus, O Mito de
Sisifo (1947). A ideia de um mundo absurdo, de natureza indecifrável, está vinculada a
sentimentos de perda, transtorno e falta de propósito, levando ao reconhecimento da
natureza absurda da existência humana. O Teatro do Absurdo transmite essas
características ao espectador por meio de diálogos repetitivos e sem sentido, ações
incompreensíveis e enredos sem desenvolvimento lógico ou realista. Nomes de
destaque do teatro do absurdo: Eugène Ionesco, Samuel Beckett, Arthur Adamov,
James Albee, Jean Genet, Harold Pinter e o próprio Camus. (DRABBLE;
STRINGER, 1996, p. 2)

As características estéticas deste teatro foram pesquisadas e serviram de inspiração


para a criação da peça. A intenção, porém, nunca foi rotular ou enquadrar o resultado do
processo em um conceito hermeticamente fechado.
A montagem do espetáculo foi finalizada em aproximadamente quatro meses – de
março a junho de 2013 – com dois encontros semanais de três horas cada um, em salas do
Centro de Artes, disponibilizadas pelo Departamento de Artes Cênicas da Universidade do
Estado de Santa Catarina, em Florianópolis. Serão incluídos neste trabalho, ao longo da
narrativa, registros fotográficos da peça.
O segundo capítulo do trabalho deverá abordar o processo de montagem da peça
Otelo, uma produção comercial levada a cabo pelo diretor Jefferson Bittencourt e
desenvolvida por um grupo estabelecido no panorama teatral de Florianópolis, a Persona
Companhia de Teatro. A montagem foi contemplada pelo Prêmio Funarte Myriam Muniz
2013, na categoria montagem e pelo Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura 2013, da
Fundação Catarinense de Cultura.
A peça teve sua dramaturgia totalmente adaptada pelo diretor e pelo elenco de seis
atores a partir da obra Otelo, O Mouro de Veneza, peça teatral escrita por volta de 1604 pelo
11

poeta, ator e dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616). A tradução da peça para o
português utilizada na adaptação foi a de Beatriz Viégas-Faria (L&PM).
A peça demandou aproximadamente sete meses de adaptações e ensaios para a sua
conclusão – de novembro de 2013 a maio de 2014 – tendo estreado no dia 22 de maio de
2014, no Teatro Álvaro de Carvalho, em Florianópolis, para um público aproximado de 250
pessoas. Também serão incluídos neste trabalho, ao longo da narrativa, registros fotográficos
da peça.
A estrutura descritiva de cada um dos capítulos deverá tratar individual e
detalhadamente dos fatores que considero relevantes para uma análise acurada de cada uma
das peças. A partir desse material, acredito poder elaborar uma conclusão que possa refletir os
resultados da minha participação nessas duas obras teatrais e a influência que ambas tiveram
na minha evolução enquanto acadêmico de Artes Cênicas e que ainda têm na minha profissão
de ator e professor de teatro.
A ordem estabelecida para os capítulos se refere única e exclusivamente à ordem
cronológica das duas montagens, sendo que ambas se equivalem em importância no escopo
desta monografia. Além disso, o estímulo para a escrita analítica não está dado por
importância e sim, pura e simplesmente, pelo fluxo do pensamento e da reflexão.
A bibliografia a que pretendo recorrer deverá estar imbuída de conteúdos sobre
pesquisas dessa natureza e que indiquem quais são os dados etnográficos que podem se tornar
material relevante para a elaboração de uma monografia em artes. Além disso, por se tratarem
de espetáculos com linguagens definidas em contextos estéticos próprios, as montagens de
Insólito e de Otelo demandaram pesquisas de obras e autores distintos.
Reitero que estou ciente da subjetividade da qual os conteúdos desta monografia
poderão estar imbuídos por relatarem, basicamente, experiências pessoais. Mesmo
acompanhado de embasamentos teóricos no auxílio à descrição objetiva dos percursos destes
processos, devo lembrar o leitor sobre o fato de que o imprevisível e o espontâneo são
elementos que tendem a acompanhar o trabalho do artista. Se deixarmos estes elementos de
lado, às custas da rigidez e da exigência científicas, podemos ter como resultado narrativas
rasas e conclusões imprecisas.
Assim, passados mais de um ano desde a conclusão da montagem de Otelo e dois,
desde a de Insólito, acredito poder analisar os dois processos com a objetividade que a
presente monografia demanda, sem abrir mão da sensibilidade que se espera inerente àquele
que participou ativa e entusiasticamente de ambos.
12

Desse modo, posso afirmar que a escolha metodológica desta pesquisa encontra
respaldo adicional no seguinte pensamento do antropólogo polonês Bronisław Malinowski
(1884-1942): “[...] para entender o homem na sua totalidade (social, biológica e psicológica) é
necessário um trabalho de campo, um olhar para as situações ocorridas no interior do grupo
no qual vive, age e se relaciona.” (SILVA; OLIVEIRA; PEREIRA; LIMA, 2010, p. 5).
A produção do conhecimento parece poder se abrir para esse caminho, no qual a
experiência individual do artista, vista e analisada da perspectiva do seu agente ativo, torna-se
em certo sentido, uma experiência do social, quando encontra reflexo nas atividades rotineiras
de outros artistas.
A ideia é que o relato dessas atividades, com foco nas duas montagens em questão,
possa gerar reflexões tanto a respeito da efetiva criação de conhecimento a partir de uma
abordagem auto-etnográfica, quanto a respeito de diferentes maneiras de considerar os
elementos e caminhos a serem tomados na manufatura de um espetáculo.
Dessa maneira, acredito que esta monografia pode, eventualmente, auxiliar estudantes,
atores, diretores e profissionais do teatro que se esforçam para empreender projetos autorais
ou de terceiros, criando universos distintos e estéticas próprias, trabalhando em grupos
grandes ou pequenos e diversificando a maneira de montar um espetáculo teatral.
13

2. CAPÍTULO I: INSÓLITO

O espetáculo Insólito foi criado no primeiro semestre de 2013, a partir de uma


demanda da disciplina de Prática de Direção Teatral I, ministrada pela Profª. Dra. Maria
Brígida de Miranda, no Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro, na Universidade do
Estado de Santa Catarina. A ementa desta disciplina prevê a montagem de um espetáculo
curto a partir da perspectiva do diretor, incluindo o planejamento de iluminação, figurino e
cenografia, além da produção de sentido na cena.
O acadêmico Carlos Longo, na época matriculado nesta disciplina, assumiu a função
de diretor e fez o convite a mim e à atriz Thaís Putti para que, em um sistema de criação
coletiva, trabalhássemos na ideia de um espetáculo que serviria para contemplar a demanda
exigida na ementa.
Todos éramos acadêmicos do mesmo curso, tendo semestres distintos de ingresso na
universidade, a saber: Carlos Longo em 2010/1, Thaís Putti em 2012/1 e eu em 2011/1. Dessa
forma, a comunicação do convite se deu entre colegas de faculdade. Assim, iniciamos o
processo, sendo que os primeiros encontros serviram única e exclusivamente para debates
sobre a dinâmica da produção e dos ensaios.
A perspectiva era de que, mesmo em se tratando de uma obra criada dentro da
universidade por estudantes de Artes Cênicas e seguindo o cronograma de exigências do
currículo do Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro, a equipe envolvida na
montagem de Insólito deveria direcionar seus esforços no sentido de transformá-la num
produto que não ficasse restrito ao meio acadêmico.
Tal perspectiva se confirmou pelo fato de que, logo após a estreia no Centro de Artes
da Universidade do Estado de Santa Catarina e até o mês de setembro de 2015, o espetáculo
circulou por vários espaços e teatros da cidade de Florianópolis, tendo sido apresentado 22
vezes, para um público aproximado de 2.000 pessoas.
A variedade nas características dos espaços onde a peça Insólito foi apresentada pode
caracterizar a flexibilidade estética do trabalho, tema a ser aprofundado neste capítulo.
Apenas para citar alguns dos espaços onde o espetáculo aconteceu: Casa do Teatro Grupo
Armação, teatro localizado no centro de Florianópolis, com capacidade para 40 espectadores;
Espaço Cultural Engenho do Zé, casa de moradia adaptada para receber eventos de música,
teatro e artes visuais, com capacidade para 80 pessoas (aproximadamente) e Teatro Municipal
Maria Luiza de Mattos, teatro localizado na cidade de Concórdia/SC, com capacidade para
380 espectadores.
14

A peça foi definitivamente reconhecida fora do âmbito acadêmico em 2014, tendo sido
selecionada para dois festivais de teatro de Santa Catarina: o IV Festival de Teatro Tecendo o
Riso, de Concórdia e o 21º Festival Isnard Azevedo - Floripa Teatro, de Florianópolis – neste
último concorrendo com mais de 400 inscritos de todo o Brasil.
No decorrer desse capítulo, o intuito é apresentar uma descrição do processo de
criação a partir do meu ponto de vista como ator. Serão incluídas algumas impressões do
diretor Carlos Longo, captadas através de conversas informais, na tentativa de contextualizar
o leitor a respeito do caminho que a peça percorreu desde a sua origem até a sua concretização
nos palcos.
Além disso, uma ação específica que se dá em um determinado momento da peça – a
quebra – será ressaltada e analisada, visando encontrar nuances da minha interferência na
dramaturgia, do meu aprendizado e da minha evolução como ator. Por fim, serão descritos os
diferentes espaços onde Insólito foi apresentado, na tentativa de destacar o que cada um deles
acrescentou no desenvolvimento do espetáculo.

2.1. O PROCESSO DE CRIAÇÃO

Iniciando o relato dos elementos que fizeram parte da montagem do espetáculo


Insólito e que servirão como ferramenta para melhor visualizar o seu processo de criação
como um todo, abordo a questão de autoria/criação da dramaturgia.
O texto de Insólito foi desenvolvido pelo diretor e pelo elenco a partir de exercícios de
improvisação durante os encontros. O intuito era que as dinâmicas empreendidas fizessem
surgir diálogos entre um casal heterossexual adulto, nos quais as ideias deveriam orbitar os
temas tratados na peça.
Alguns destes temas são: a dificuldade na comunicação que, invariavelmente, pode
levar a uma superficialidade nas relações humanas; o abafamento recorrente de sentimentos e
emoções que permeia o dia-a-dia de um casal; o distanciamento afetivo entre as pessoas,
possivelmente causado pelo estilo de vida contemporâneo e o tédio em que pode se
transformar a vida em função do achatamento emocional a que corremos o risco de estar
submetidos.
A estrutura dos diálogos foi inspirada no chamado Teatro do Absurdo, movimento
teatral ocorrido entre as décadas de 1950 e 1960 e que tem como característica a tentativa de
retratar a vida humana como algo totalmente desprovido de propósito ou justificativa. Uma
15

visão pessimista da existência, na qual o homem não tem qualquer controle sobre o seu
destino e, assim sendo, atua e se comunica de forma caótica e sem sentido.
No palco do Teatro do Absurdo, as figuras em cena expõem o comportamento humano
de forma inusitada, maximizando ou transformando ações rotineiras de forma incoerente,
paradoxal, na tentativa de gerar no público uma reflexão a respeito da sua própria realidade.
Dentre os principais dramaturgos que tiveram seus trabalhos referenciados a este gênero,
podemos citar: Eugène Ionesco (1909-1994), Samuel Beckett (1906-1989), Arthur Adamov
(1908-1970), James Albee (1928) e Jean Genet (1910-1986).
Com frases rebuscadas e repetitivas que ora se complementam, ora se opõem, o casal
se comunica – ou tenta se comunicar – numa tarde de domingo, naufragados num espaço que
poderia lembrar uma sala de estar, à espera de seus filhos. O texto, dividido em três atos, parte
de expressões que denotam desde o mais profundo tédio até à euforia e ansiedade extremas.
O processo de escrita da dramaturgia era bastante simples e se baseava no jogo
improvisacional dos atores a partir de materiais fornecidos pelo diretor. Uma ideia, um
pensamento, uma imagem, uma música, uma frase ou mesmo apenas uma palavra era lançada
no ambiente de criação. Daí surgiam ideias para cenas que, posteriormente, eram mantidas e
refinadas ou simplesmente descartadas.
Nas diversas oportunidades que a equipe teve a chance de debater a respeito da origem
do texto de Insólito, Carlos Longo reiterava que tudo nascera da palavra domingo. O diretor
reforçava a ideia de que o ambiente da peça deveria ser criado a partir de tudo o que esse dia
da semana poderia representar na vida de um casal que vive junto há muito tempo.
Considerando que a rotina da grande maioria das pessoas se baseia no seu trabalho e
sendo o domingo um dia de folga, poderia se esperar que esta rotina não faria parte do
imaginário para a criação deste ambiente. Porém, na concepção do diretor e de outras tantas
pessoas – a partir de feedbacks do público após algumas apresentações – o domingo significa
tédio, estagnação, preguiça e falta de vitalidade.
A partir do estímulo de elementos como esses, o elenco tratava de improvisar em cena
criando partituras físicas, movimentações que eventualmente se tornavam marcações,
diálogos e interações. Com esse material, o diretor se afastava por um ou dois dias e iniciava
um processo de escrita organizado das falas do casal. O resultado desse processo era
compartilhado com o elenco que trazia, no próximo encontro, o texto memorizado com
adaptações e/ou novas ideias.
Dessa maneira, as cenas foram se estruturando no texto, porém essa estrutura nunca
teve a intenção de se cristalizar por completo. Essa, inclusive, é uma das características
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marcantes do texto de Insólito: estar em constante movimento, de forma bastante sutil,


deixando-se incorporar, excluir ou alterar palavras e frases sempre que o elenco achar
pertinente, na tentativa de enriquecer os temas da peça.
Dessa forma, o texto goza de uma certa flexibilidade que, juntamente com o jogo
corporal entre os atores, cria um universo inusitado de situações, descrevendo em poucas
palavras o passar dos anos e a vida dessas duas figuras. Esse jogo está baseado principalmente
na escuta entre os atores o que, invariavelmente, demanda um nível de concentração bastante
elevado.
Para trazer à cena toda a potência que acreditamos estar presente no texto de Insólito,
foi criado o já mencionado casal. ELE e ELA são instâncias de enunciação e, desde o início,
a ideia foi que ambos não cultivassem um aprofundamento psicológico, descolando-os assim
da alcunha de personagens.
Com o auxílio da acadêmica Sara Prosdócimo, estudante do Curso de Licenciatura em
Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina que, na época, estava na primeira fase do
curso, foram desenvolvidas dinâmicas de expressão corporal intensa. Propostas pelo diretor,
essas dinâmicas visavam desconstruir o corpo cotidiano, dando lugar a duas figuras muito
diferentes do que se pode determinar como padrão, tanto na postura quanto na movimentação.
Em cena, um casal heterossexual, cabendo a mim a responsabilidade de assumir o
papel do homem – no texto chamado apenas de ELE (ver Figura 1). Sua postura inicial é a
imagem da desistência diante da vida.

Figura 1 – ELE

Fonte: Apresentação no CEART UDESC em 10 de outubro de 2013. Foto: Luanda Wilk.


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A sua postura e a sua movimentação mudam no desenvolvimento da peça, assim como


a entonação vocal que, a princípio, se buscou definir no sentido de complementar o mood da
cena. As modificações na postura, na movimentação e na entonação vocal são influenciadas
ora pelos diálogos, ora pelos estímulos gerados pelas interações físicas e espaciais com a outra
instância em cena, denominada simplesmente de ELA (ver Figura 2).
Sob a responsabilidade da atriz Thaís Putti, a construção dessa figura busca refletir um
contraste no palco. Seu corpo tem, inicialmente, uma postura grotesca, com movimentos
bruscos e aleatórios, variando em amplitude e ocupação no espaço. Sua presença tende a
causar um estranhamento, transmitindo uma certa tensão interna que parece a todo momento
estar prestes a ser liberada de maneira violenta.

Figura 2 – ELA

Fonte: Apresentação no CEART UDESC em 10 de outubro de 2013. Foto: Luanda Wilk.

Da mesma forma, suas características vão se transformando ao longo da peça, porém


de uma maneira mais sutil. A falta de carinho por parte do companheiro, o descaso para com
suas aspirações, a frustração por sonhos não realizados, a ausência dos filhos e a própria
precariedade na comunicação do casal são fatos que podem ter colaborado para o
represamento/abafamento de emoções e sentimentos a que esta figura parece estar submetida.
A construção desses dois seres está carregada de traços e características humanas,
porém suas ações e suas palavras parecem se desconectar, ao longo do espetáculo, daquilo
que socialmente se convenciona chamar realidade. A busca por esse descolamento foi uma
constante na abordagem da direção em relação aos atores em cena.
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A direção da peça Insólito esteve a cargo de um estudante de Artes Cênicas da


Universidade do Estado de Santa Catarina, quase que totalmente comprometido com a
linguagem teatral influenciada pelos elementos e recursos oferecidos pelo ambiente
acadêmico. Assim, o diretor/estudante Carlos Longo seguia uma linha de faça você mesmo e
vamos ver o que acontece, confiando boa parte da criação estética da peça aos atores, durante
os ensaios.
Vale ressaltar que isso não denotou em momento algum falta de convicção por parte
da direção a respeito do que poderíamos conseguir como resultado. Por outro lado, é justo
mencionar que a estrutura dos primeiros ensaios era um tanto instintiva e que as dinâmicas
propostas pelo diretor refletiam basicamente o conteúdo apreendido pelo acadêmico nas
disciplinas práticas do seu curso.
Estavam presentes em todos os ensaios muitos estímulos físicos com a intenção de
criar corpos e movimentações inusitadas. Alongamentos e aquecimentos iniciais eram
constantes sendo necessário portanto, um bom condicionamento para levar adiante as
atividades propostas pelo diretor e pela própria dramaturgia de cena.
Ao longo da criação do espetáculo, o tempo dispensado para os ensaios foi ficando
cada vez mais focado na criação das cenas propriamente ditas. Depois de uma breve
preparação corporal e vocal, partíamos para improvisações teatrais baseadas no material que
já havíamos criado, na tentativa de ampliar o jogo entre os atores.
O relacionamento pessoal entre a equipe – atores/diretor e ator/atriz – construído
durante o processo de montagem de Insólito foi harmônico durante a maior parte do tempo.
Ficou claro desde o início que todos teríamos voz ativa na criação de cenas e diálogos,
ficando a cargo do diretor Carlos Longo a tarefa de tomar a decisão final, no caso de alguma
controvérsia a respeito de qual caminho tomar.
No ambiente acadêmico do teatro, as experiências estão diretamente relacionadas às
relações humanas e essas, potencialmente influenciadas pelo contato entre os indivíduos em
diferentes níveis – físico, emocional, afetivo, etc. Neste sentido, a montagem de Insólito
proporcionou a apreensão de novos significados sobre a relação entre parceiros de cena, ainda
mais por compartilharmos igualmente das tarefas e responsabilidades que demandaram a
criação do espetáculo como um todo.
Dentre os diversos elementos que ficaram sob uma espécie de responsabilidade
coletiva nessa criação, está o cenário da peça. Ao contrário do que se poderia esperar de uma
montagem inspirada nas nuances do Teatro do Absurdo, no qual os elementos de cena podem
19

comunicar tanto quanto o próprio texto, a opção de Insólito foi manter a cenografia
extremamente simples, utilizando apenas duas cadeiras.
O intuito era justamente potencializar as movimentações criando, com os corpos dos
atores, elementos suficientes para fazer surgir um cenário na imaginação do público. As
cadeiras servem apenas como complemento à construção de uma possível sala de estar, de
uma casa qualquer – em um tempo qualquer – onde duas figuras tentam se comunicar.
Partindo dessa simplicidade cenográfica, Insólito resultou num espetáculo bastante
flexível quanto às suas necessidades de espaço para apresentação. Tendo estreado no formato
semi arena, na sala Laboratório I do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa
Catarina para um público de aproximadamente 60 pessoas, logo foi possível adaptá-lo para
outros formatos.
As primeiras apresentações fora do ambiente universitário foram na Casa do Teatro
Grupo Armação, na sala Waldir Brazil (ver Figura 3). Conhecido como Teatro Armação, o
imóvel localizado no centro de Florianópolis foi concedido ao Grupo de Teatro Armação em
1986 e sua infraestrutura foi adaptada para receber apresentações cênicas de pequeno porte no
que se refere à cenografia. Sua capacidade é de apenas 40 lugares.

Figura 3 – Cenário de Insólito no palco da Casa do Teatro Grupo Armação

Fonte: Momentos que antecederam a apresentação do dia 03 de agosto de 2013. Foto: Aline Dallarosa.

Neste espaço, Insólito foi adaptado para apresentações em palco italiano e a pequena
área do Teatro Armação (um palco de aproximadamente 03 metros de largura e 06 metros de
profundidade), trouxe novas e inesperadas características ao trabalho. Em certo sentido, o
20

espetáculo se transformou em algo mais introspectivo no que se refere não apenas às


movimentações, mas também à relação dos atores em cena.
Além destes locais, o espetáculo aconteceu em diversos espaços/teatros em
Florianópolis. São eles: Espaço Cultural Engenho do Zé, Sede do Batmacumba Cultura
Independente, Teatro da Igrejinha da UFSC, Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas – IFSC,
Teatro SESC Prainha, Teatro da UBRO, Centro Cultural Casa das Máquinas e Teatro Álvaro
de Carvalho. Na cidade de Concórdia, foram feitas duas apresentações no Teatro Municipal
Maria Luiza de Mattos. No decorrer deste trabalho serão relatados os detalhes que se
relacionam com cada uma das apresentações de Insólito nestes espaços.
Dando continuidade à descrição dos elementos de criação que compõem o universo de
Insólito, na tentativa de relatar de maneira consistente a experiência como um todo, tratarei a
seguir do figurino. As roupas das duas figuras em cena foram concebidas a partir do exagero,
do mau gosto, do antiquado e da noção de estagnação temporal. Pareceu à equipe que a cor
marrom, sendo predominante, poderia transmitir essas noções.
O marrom remeteria à terra, à poeira e, em última instância, à sujeira. Assim, a cor
poderia sugerir a estagnação, a falta de manutenção a que a vida deste casal estava submetida.
Em um nível de percepção visual, a predominância desta cor denotaria falta de movimento e
tédio, impregnando o casal com uma sensação de parados no espaço e no tempo. Sendo o
espaço teatral criado quase que exclusivamente pelo corpo dos atores, a intenção ou a
tentativa de transmitir essa mensagem pelo figurino se torna pertinente.
A figura masculina, vestida com um paletó xadrez e uma camisa gola rolê, quer
transmitir um certo ar de refinamento, como um senhor inglês ao acomodar-se para o chá das
cinco. Ao mesmo tempo, veste uma calça de moletom, mostrando um possível despojamento
caseiro já que a ideia é que o universo da peça se desenrole num domingo à tarde.
Os pés descalços tendem a quebrar qualquer lógica que se possa construir a partir do
figurino. O intuito desta opção, em ambas as figuras, é justamente lembrar ao espectador que,
ao mesmo tempo que se tenta criar um ambiente diferente da chamada realidade, os atores
estão presentes, no aqui e agora, presos à concretude da cena, do palco.
ELA se veste de forma exagerada, não cotidiana, com rendas e estampas, elegante. A
intenção das roupas da figura feminina é transmitir uma certa ingenuidade baseada na ideia de
que devemos estar sempre bem vestidos para uma ocasião especial. Mesmo sabendo que, no
seu caso, essa ocasião é apenas uma expectativa que jamais se concretiza.
Apesar do figurino ter sido pensado a partir de questões subjetivas, conforme as que
foram mencionadas, a praticidade também foi levada em conta. A movimentação corporal do
21

início do espetáculo é bastante intensa e as roupas deveriam ser confortáveis e flexíveis o


suficiente para não restringir gestos e movimentos.
A respeito disso, é pertinente descrever brevemente o início da peça. Enquanto o
público está entrando e se acomodando no espaço, a dupla está numa dança agitada e feroz,
ocupando toda a extensão do palco. A música de entrada chama-se Ultimate(1), uma mistura
de punk rock com música folclórica do leste europeu, composta e gravada pela banda Gogol
Bordello(2) em seu quarto álbum de estúdio chamado Super Taranta!.
O motivo da escolha desta música em específico foi em função da energia que ela
transmite. Com uma dinâmica que varia entre cadências melódicas e uma agitação
desenfreada, a música pareceu perfeita para apresentar ao público o inusitado casal. Numa
sequência de movimentos e gestos que podem remeter à uma mistura de dança com
aquecimento corporal (ver Figura 4), os atores recebem o público, ora encarando as pessoas,
ora ignorando-as completamente.

Figura 4 – Início do espetáculo, com movimentação intensa pelo palco

Fonte: Apresentação no projeto TAC7:30 em 18 de agosto de 2015. Foto da produção do projeto.

A elevada energia corporal deste início contrasta bastante com o clima criado no
primeiro ato, no qual, por aproximadamente 20 minutos, as figuras trocam pouquíssimas

1
GOGOL BORDELLO - ULTIMATE. In: YouTube BR. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=5
1c4FwZR0TM> Acesso em: 30 out 2015.
2
Gogol Bordello é uma banda multiétnica de gypsy punk formada em Nova Iorque em 1999. Tornou-se
conhecida por seu som que mescla música cigana do leste europeu, influências folclóricas eslavas e punk rock, e
também por suas performances teatrais envolvendo dança e arte de rua.
22

palavras e movimentam-se muito lentamente pelo espaço. O intuito é transmitir o tédio de


duas longas vidas vividas sem grandes emoções, baseadas quase que exclusivamente em
expectativas frustradas.
O ator e a atriz fazem uma espécie de balé coreografado em câmera lenta, ora trocando
de posição entre si, ora movimentando-se pelo espaço sem destino. A impressão é que o
tempo parece se dilatar e não fazer a menor diferença em suas vidas. A combinação da pouca
intensidade de luz no palco – num tom chocolate – em conjunto com os corpos
movimentando-se com muita lentidão, impregna o ambiente com uma sensação de extrema
letargia.
A seguir, a transcrição de um trecho do texto que poderia sugerir essa sensação de
dilatação temporal ao mesmo tempo em que as figuras parecem não estar no mesmo espaço e
muito menos na mesma sintonia:

ELA: A gente precisa comprar uma coroa de flores pro túmulo da sua mãe.
ELE: Ela morreu?
ELA: Eu quero um hambúrguer sem hambúrguer, com uma salsicha.
ELE: A minha mãe morreu no domingo...
ELA: São dois, ele também vai querer um hambúrguer com duas salsichas
ELE: A minha mãe morreu no domingo... Coisa chata... Que dia é hoje?
ELA: Domingo.
ELE: Você gosta do domingo...
ELA: Não sei... Você é quem diz.
ELE: Você gosta de sair. Você gosta de comer. Você gosta de tomar banho. Você
gosta de tomar sol. Você gosta de funerais. Você gosta de hambúrguer. Você gosta de
salsicha. Você...
ELA: Sabe do que eu gosto? Eu gosto de fios de ovos de carne que a sua mãe fazia.
ELE: Como assim “fazia”? Ela não faz mais?
ELA: Ela morreu semana passada. Não lembra?
ELE: Ela morreu no domingo... Que coisa chata...
(LONGO; PUTTI; ZANETTE. 2013, não publicada)

As leituras possíveis deste trecho em específico podem ser muitas, porém a falta de
comunicação é clara. Enquanto ELA comunica que é necessário tomar uma atitude em relação
à morte da mãe da figura masculina, ELE parece não saber ou não lembrar do falecimento.
Numa tentativa de proteção ou mesmo numa atitude de desprezo, ELA não se esforça em
contar ou lembrá-lo a respeito, simplesmente mudando de assunto completamente
Parece que os sentimentos e as emoções estão sempre sendo deixados de lado, dando
lugar à concretude do momento, à satisfação de desejos e necessidades imediatas. Além disso,
fica evidente um afastamento emocional e afetivo de ambos. A intenção do texto, das ações,
das intenções vocais, dos gestos e da cena como um todo foi deixar a cargo do público a tarefa
de determinar as possíveis causas desse afastamento e dessa frieza na relação.
23

Essa dinâmica perdura por todo o primeiro ato da peça, com variações em apenas dois
momentos. A primeira variação é quando ELE, mostrando-se aborrecido pelos comentários da
outra figura, explode com ferocidade, levantando-se da cadeira e cantando com agressividade
(ver Figura 5) a primeira estrofe da música Enter Sandman(3), composta e gravada pela banda
Metallica(4) em seu quinto álbum de estúdio chamado Black Album. Ao final, ele
simplesmente senta-se novamente como se nada houvesse acontecido.

Figura 5 – ELE canta com agressividade

Fonte: Apresentação no CEART UDESC em 10 de outubro de 2013. Foto: Luanda Wilk.

Essa primeira variação drástica no andamento do primeiro ato tem importância


significativa no desenrolar da peça, pois parece representar pensamentos e emoções
represados da figura masculina em relação ao seu longo relacionamento conjugal e à sua
própria existência.
A segunda variação drástica é o que se convencionou entre a equipe Insólito chamar
de quebra. Ela se dá ao final do primeiro ato e o próximo sub item deste capítulo será
dedicado à sua descrição e análise pormenorizadas.
O segundo ato revela um casal que faz um esforço descomunal na tentativa de entrosar
seus pensamentos e desejos, porém sem sucesso. A movimentação corporal é mais ágil e as
ações, mais simples. Existe uma certa proximidade física dos atores, porém o distanciamento

3
METALLICA - ENTER SANDMAN [OFFICIAL MUSIC VIDEO]. In: YouTube BR. Disponível em: <https:/
/www.youtube.com/watch?v=CD-E-LDc384> Acesso em: 30 out 2015.
4
Metallica é uma banda norte-americana de heavy metal originaria de Los Angeles, formada em 1981. Suas
músicas são caracterizadas por tempos rápidos, instrumentais e musicalidade agressiva.
24

emocional permanece nas falas, nas entonações, nos olhares. A luz geral do palco é mais clara
e intensa, o que ajuda a representar uma certa normalidade cotidiana.
Em um determinado ponto deste ato, o casal se vê numa dança grotesca e
extravagante, no intuito de criar a imagem do prelúdio de uma relação sexual. O palco e a
plateia são inundados por uma luz vermelha intensa, enquanto os atores interagem de forma
desordenada ao som da canção Bucovina(5), do músico alemão Shantel(6).
As falas e a conexão entre os diálogos parecem se consolidar ao longo da peça,
transformando a imagem absurda da falta de comunicação em algo assustadoramente próximo
do cotidiano. O terceiro ato explora justamente esta ideia: as bizarrices da vida não deixam de
ser bizarrices só porque nos habituamos a elas. Assim, tenta-se criar, neste final de espetáculo,
uma certa melancolia em função de nos darmos conta dessa triste verdade a respeito de nós
mesmos.
Importante ressaltar que a concepção da luz de todo o espetáculo, com suas
especificidades criadas a partir do mood de cada ato, esteve a cargo do diretor Carlos Longo,
com o auxílio dos atores. A operação e a montagem da iluminação esteve a cargo de diversos
técnicos ao longo das apresentações. Desde junho de 2014, a responsabilidade desta função
está a cargo de Gabriel Velasques, acadêmico do curso de Licenciatura em Teatro da
Universidade do Estado de Santa Catarina.
Não existe um final feliz. Na tentativa de apreender as nuances do Teatro do Absurdo,
o final da peça indica que nada mudou e, mais uma vez, retornamos aos velhos hábitos, às
velhas consequências de uma vida mal aproveitada. O tédio se reinstala nos segundos finais e,
com um blackout rápido, fica apenas a imagem deste casal de figuras desesperadas, tentando
escapar desse destino imposto por elas próprias.
Essa sensação de aprisionamento é captada pelo público, visto os diversos feedbacks
que tivemos ao longo das apresentações relatando o fato. Um comentário interessante partiu
de uma mulher de aproximadamente 65 anos, que diz ter se identificado assustadoramente
com a situação de letargia perante a vida, desapegada de si mesma e de seu companheiro.
O casal Insólito (ver Figura 6), durante a apresentação, pretende se manter afastado do
público. Apesar de olhares dirigidos às pessoas da plateia, são raros os momentos em que se
poderia observar uma intenção de comunicação direta entre ator e espectador – salvo no

5
SHANTEL - BUCOVINA. In: YouTube BR. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=VbClX9A
AYr4> Acesso em: 30 out 2015.
6
Stefan Hantel, melhor conhecido pelo seu nome artístico Shantel (nascido a 02 de março de 1968) é um DJ e
produtor baseado em Frankfurt, Alemanha. É conhecido por seu trabalho com orquestras ciganas de metais e
remixagem com batidas eletrônicas de músicas tradicionais da península balcânica.
25

momento da quebra, que será posteriormente detalhado. O universo da peça se constrói no


palco, sem a interferência consciente do público e a quarta parede é considerada durante essa
construção.
Ocorrem poucos apartes nos quais o espectador poderia se sentir impelido à participar
mais ativamente, principalmente a partir de estímulos da figura feminina. Porém, na maior
parte do tempo, o público é apenas um convidado que assiste o desenrolar das situações sem
poder interferir de forma concreta nas ações. Podemos dizer que o espectador é chamado à
cena de forma sutil e subjetiva pelas artimanhas presentes no texto ou pela possível
identificação com as figuras no palco.

Figura 6 – O casal insólito

Fonte: Apresentação no CEART UDESC em 10 de outubro de 2013. Foto: Luanda Wilk.

2.2. A QUEBRA

Conforme mencionado, o espetáculo Insólito se baseia num ambiente criado por


apenas um ator e uma atriz em cena. O trabalho de caracterização psicológica tenta não se
aprofundar em questões de personalidade de possíveis personagens e as situações que se
desenrolam estão centradas em figuras comuns que não conseguem se comunicar.
O intuito é deixar claro ao público que a presença dos atores em cena não tenta negar
ou esconder suas personalidades, suas potencialidades pessoais. Aos olhos de um público
formado por pessoas conhecidas dos atores, talvez essa percepção fique ainda mais evidente.
26

Obviamente são figuras diferentes em corpo, voz e atitudes de Rafael Zanette e Thaís Putti,
porém ambos estão lá como que apenas superficialmente disfarçados.
Os estímulos para o surgimento destas figuras não partiram de orientações específicas
de sentimentos ou emoções que tais personagens pudessem estar imbuídos, interferindo assim
na criatividade do ator em dar-lhe forma. Estes seres foram criados a partir de imagens e
situações extraídas de referências próprias do diretor e do elenco a respeito de como seria um
casal que está junto há muito tempo e que não consegue mais se comunicar. Membros da
família, pais e avós de amigos e vizinhos serviram de referência para criação dessas imagens e
situações.
Como exemplo, o primeiro ato. A palavra-chave é tédio. A partir daí, toda a
movimentação, toda a entonação vocal, toda a interação entre os atores, todas as conexões
entre os diálogos foram criadas. O tédio norteou o surgimento de situações mais do que
nuances de personalidade que quaisquer um dos atores pudesse trazer para a sua figura.
Com esse princípio dado, a criação das demais cenas ocorreu de forma orgânica, sem
questionamentos a respeito do que ELE ou ELA fariam em determinadas situações. O
ambiente, palavras-chave ou mesmo a dinâmica dos atores em relação ao texto, levaram ao
surgimento das ações, reações e marcações pelo palco. Tanto é que o próprio texto foi
enriquecido dessa maneira, a partir dele mesmo, sem um subtexto consistente.
Conforme já foi dito, a partir de improvisações baseadas em uma ideia, um
pensamento, uma imagem, uma frase ou mesmo apenas em uma palavra, as cenas foram
tomando forma e sendo conectadas umas às outras. Havia mais um compromisso em criar um
universo específico – um recorte no tempo da vida deste casal, ressaltando as causas e efeitos
da falta de comunicação – do que propriamente em contar uma história.
Com essa linha de raciocínio guiando a criação, surgiu uma ideia que consideramos
inusitada até mesmo para um processo que seguia sem muitas regras ou preocupações com o
sentido das cenas. Foi sugerido que, em determinado momento, no final do primeiro ato, eu
abandonasse totalmente qualquer traço da figura construída em cena até então e, de maneira
brusca e violenta, agisse como alguém fora da cena, fora do espetáculo.
Essa nuance de personalidade, que podemos chamar aqui de eu mesmo, deve ser
considerada a partir de uma visão muito pessoal na qual considero que sou apenas uma
imagem refletida daquilo que os que me rodeiam projetam ao meu respeito. Dessa forma,
desconstruir o corpo, a voz e os trejeitos até então guiados pela imagem do tédio, de forma
repentina, sempre foi um desafio nos ensaios e nas apresentações de Insólito.
27

Para que essa troca de dinâmica repentina pareça orgânica aos olhos do público, é
necessário um trabalho interno de modificação no estado emocional. Até o momento da
quebra existe um trabalho de representação, apesar de estarmos expondo um lado diferente e
potencializado de nós mesmos – essa característica pode ser considerada para descrever
nossas atuações durante toda a peça. A quebra faz surgir um ator furioso com a atriz em cena,
por um motivo estapafúrdio, inserido nos diálogos da peça transcritos a seguir:

ELE: [...] Eu quero comer carne.


ELA: Carne... Que nojo. Você sabe que eu não como carne, nunca comi e tenho nojo
de quem come carne. Além disso, você fica com um bafo horrível depois de comer
carne.
ELE: Como é que é?
ELA: Você fica com um bafo horrível...
ELE: Não, não, não... A história da carne...
ELA: Eu tenho nojo de quem come carne, nojo.
ELE: De novo esse papo? De novo isso, Thaís? Mas, que merda!
(LONGO; PUTTI; ZANETTE. 2013, não publicada)

A partir desse momento se segue uma espécie de explosão de raiva em que eu, ator,
pareço indignado com a parceira de cena por afirmar uma mentira ou por ter se equivocado
com o texto ou por ambos. Nasce um discussão ferrenha entre os dois, nessa altura, totalmente
descaracterizados de suas figuras iniciais. Num determinado ponto, sinto-me impelido a
explicar para a plateia o motivo da inusitada atitude da minha parte.
Prossigo então, falando ao público diretamente, contando uma situação supostamente
verdadeira vivenciada pela atriz durante sua infância. Ela, com apenas 06 anos de idade, e seu
pai praticavam caça no interior de Santa Catarina. Em posse de uma espingarda, ela mirou a
arma em direção a uma árvore. Atirando, acabou atingindo uma vaca, causando-lhe morte
instantânea.
A partir desse relato, criamos uma longa história – contada ao público nesse momento
– em que a atriz não só matou a dita vaca, como também a cortou em pedaços e a transportou
até Florianópolis para fazer um belo churrasco. Finalizando a história, contada com violência
e indignação, volto à condição de figura tediosa e curvada, construída no início do primeiro
ato, até que ele termine em seguida, com um blackout de luz.
Vale ressaltar que nessa quebra, nessa explosão vocal e corporal, a intenção é
envolver o diretor, o técnico de luz e pessoas da plateia na busca de compreensão e
cumplicidade. Assim, a luz se modifica, sendo amplamente intensificada, o diretor e o técnico
de luz intervém e o público geralmente se assusta.
28

Recebemos um feedback interessante de uma pessoa da plateia, numa apresentação no


Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina, que me perguntou diretamente,
enquanto acontecia a cena, se aquilo estava realmente acontecendo. A pessoa parecia estar
bastante desnorteada.
O momento da quebra sempre desafiou a minha habilidade enquanto ator que
representa uma figura cuidadosamente construída e que, abruptamente, passa a representar a
si mesmo – o que quer que isso queira dizer. Novamente, os estímulos da direção serviram de
orientação para que essa cena se transformasse em um elemento de sanidade – mesmo sendo
violenta e sem propósito (ver Figura 7) – inserido em um universo aparentemente desprovido
de lógica ou razão.

Figura 7 – O momento da quebra

Fonte: Apresentação no projeto TAC7:30 em 18 de agosto de 2015. Foto da produção do projeto.

2.3. APRESENTAÇÕES

Na tentativa de enriquecer o relato e encontrar elementos que possam esclarecer


efetivamente o que foi apreendido na experiência Insólito, considero relevante destacar as
apresentações do espetáculo. O teatro parece ser o lugar do efêmero no que se refere a
sensações, emoções e aprendizado. Assim, mesmo que uma peça seja apresentada diversas
vezes, cada uma das apresentações parece conter características e gerar percepções próprias.
Com Insólito não foi diferente.
29

Pretendo relatar as nuances de cada apresentação, enfatizando aquelas que parecem ter
maior impacto ou relevância naquilo que busco com esse trabalho. As apresentações fizeram
emergir momentos de exposição pessoal, experiências de diálogo com o público e a
consolidação de todo o processo como algo factível e viável dentro da cena artística de
Florianópolis. Os níveis de percepção sobre o espetáculo foram evoluindo em cada uma das
oportunidades que tivemos de apresentá-lo.
Conforme já mencionado, a primeira apresentação da peça ocorreu na noite do dia 29
de junho de 2013 no Laboratório I do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa
Catarina. A maioria do público de aproximadamente 60 pessoas era composta por estudantes
de Artes Cênicas – principalmente daquela instituição – e professores, além de alguns poucos
familiares dos envolvidos no processo.
O formato da apresentação foi semi arena, onde foram dispostas três arquibancadas,
formando uma espécie de “U”. O espaço reduzido para a movimentação dos atores – em torno
de 04 metros de largura e 05 de profundidade – permitiu a proximidade com o público.
Em se tratando de uma estreia, uma espécie de estranheza por parte dos espectadores
ficou aparente no desenrolar da peça, assim como uma tensão que se gerou no ambiente e que
perpassou cada um dos três atos. Ao final da peça, a sensação de estranhamento parece ter
permanecido e esta percepção calcou vários dos debates posteriores entre a equipe.
Essa primeira apresentação gerou muitas perguntas a respeito do quê afinal havíamos
criado. Onde estaria o interesse do público em ficar até o final? Qual seria o momento ou
momentos nos quais a plateia poderia se identificar com as figuras em cena? Em que nível
elementos como figurino, luz e sonoplastia estariam interferindo na percepção do público?
Conseguimos deixar claro a estética do absurdo, mesmo que estivéssemos ainda tentando
entender o que isso poderia significar?
Assim, depois da estreia – ocorreu uma segunda apresentação na noite seguinte, dia
30, no mesmo espaço – concluímos que a melhor atitude seria apostar no lado experimental
da proposta. Porém, mesmo que a nossa intenção inicial tenha sido manter o tom do
espetáculo num patamar experimental, intelectual, reflexivo ou mesmo underground, ao longo
das apresentações Insólito acabou se tornando algo que podemos considerar como sendo um
produto teatral popular.
Passada a estreia, colocamos o trabalho à prova, levando-o para fora do ambiente
universitário e de sua suposta segurança. Nos dias 02 e 03 de agosto de 2013, Insólito foi
apresentado na Casa do Teatro Grupo Armação, na sala Waldir Brazil, para um público total
aproximado de 80 pessoas.
30

As características do espaço deste pequeno teatro no centro de Florianópolis tiveram


uma influência considerável na peça. Foi na Casa do Teatro Grupo Armação que ela se
configurou e acabou se consolidando no formato palco italiano. Em função do tamanho do
teatro, a proximidade com o público permaneceu, a exemplo das duas apresentações de
estreia.
Conforme mencionado anteriormente, a movimentação corporal dos atores durante a
chegada do público é bastante intensa. Assim, o início da peça no palco da Casa do Teatro
Grupo Armação, com sua boca de cena medindo aproximadamente 03 metros apenas e com
paredes laterais pintadas de preto foi, no mínimo, desafiador.
Não há coxias, salvo uma cortina no fundo do palco, fazendo as vezes de uma espécie
de rotunda, também na cor preta. Este espaço reduzido, combinado à energia dispensada pelos
atores na movimentação inicial, parece ter ampliado ainda mais a intensidade dessa recepção
aos espectadores.
Descrevo a seguir a disposição das cadeiras do público neste espaço: são 40 lugares,
distribuídos em duas fileiras, que seguem do fundo da sala em direção ao palco. Estas fileiras
estão encostadas nas paredes laterais da sala e cada uma delas é formada por 10 pares de
cadeiras, com um corredor central de aproximadamente 80 centímetros, por onde o público
entra e se acomoda. Não há outro acesso às cadeiras.
O espetáculo mantém até hoje nuances e características apreendidas naquelas
apresentações e que acabaram incorporadas à dramaturgia de cena. Um exemplo: mesmo em
espaços onde o público permanece afastado do palco, tenta-se criar entre atores e espectadores
um ambiente de cumplicidade e sedução, um convite para que o público entre na casa do
casal. Essa tentativa se dá por gestos codificados, entonações vocais diferenciadas ou mesmo
olhares diretos a determinadas pessoas da plateia em alguns raros momentos.
Nos dias 17 e 18 de agosto de 2013, o espetáculo foi apresentado no Teatro da UFSC
(Universidade Federal de Santa Catarina), mais conhecido como Igrejinha da UFSC, dentro
da programação do projeto Cena Aberta daquela instituição. Na ocasião, este projeto foi
coordenado por Carmen Fossari, Maris Viana e Zélia Sabino, contando com apresentações de
outros espetáculos da cena teatral de Florianópolis. As duas apresentações na Igrejinha da
UFSC tiveram um público aproximado de 180 pessoas.
Com uma boca de cena de aproximadamente 09 metros e uma profundidade de 08
metros, o palco deste espaço ofereceu ao espetáculo uma disponibilidade de movimentação
corporal até então inédita. Marcações de cena, interações entre os atores, dinâmicas de
31

iluminação, entonações vocais e muitos outros elementos foram bastante afetados pelo espaço
disponível no palco.
Um possível ambiente intimista que a peça poderia querer transmitir, favorecido pelos
espaços considerados reduzidos onde ela fora apresentada até então, foi mais difícil de ser
construído. A dinâmica dos atores foi direcionada neste sentido, assim como o trabalho de
desenho/recorte da luz no palco, como mostra a Figura 8.

Figura 8 – Configuração da luz no palco do Teatro da Igrejinha da UFSC

Fonte: Apresentação no dia 18 de agosto de 2013. Foto: Aline Dallarosa.

A quebra, ocorrida no final do primeiro ato e descrita no item 2.2. deste trabalho,
ganhou características e intensidade inéditas. Nestas apresentações, no momento da quebra,
eu deixei o palco e me dirigi até uma poltrona vaga da plateia, onde sentei por alguns
instantes enquanto argumentava veementemente com a atriz Thaís Putti, que permanecia no
palco. A perplexidade já esperada do público foi ainda mais intensa, devido talvez à imersão
na plateia.
As duas próximas apresentações foram no Espaço Cultural Engenho do Zé, no dia 23
de agosto de 2013, e na sede do Batmacumba Cultura Independente, no dia seguinte. O
primeiro está localizado no bairro Santinho e o segundo, no bairro Trindade, ambos em
Florianópolis. Os dois espaços são moradias adaptadas para receber eventos festivos de
música, teatro, artes visuais e outras manifestações artísticas e têm capacidade para
aproximadamente 80 pessoas cada um.
32

Essas duas experiências foram muito marcantes quase que exclusivamente por dois
motivos: a proximidade do público em relação ao espaço da apresentação – os atores estavam
a centímetros dos espectadores – e também no que se refere ao ambiente criado pelos
participantes dos dois eventos.
No Espaço Cultural Engenho do Zé, a peça foi apresentada dentro da programação do
Festival de Teatro de Inverno do Santinho. Na sede do Batmacumba Cultura Independente, o
espetáculo se caracterizou como um evento artístico ocorrido durante a segunda edição da
Festa One Man Band.
O Engenho do Zé, como é conhecido, é um antigo engenho de farinha de mandioca
restaurado. Os administradores tentaram manter o máximo da decoração original,
emprestando ao lugar uma ambientação bucólica e envelhecida, a qual consideramos perfeita
para a peça. Chegamos a batizar o Engenho do Zé como sendo a casa do casal Insólito.
A sede do Batmacumba Cultura Independente, por outro lado, é uma residência de
estudantes universitários. Sua principal característica é justamente a falta de estrutura
enquanto espaço teatral, o que criou um desafio interessante para a equipe. A peça foi
apresentada na sala de estar, para um público aproximado de 80 pessoas, durante uma festa.
Por se tratarem de residências, os espaços das apresentações foram delimitados e
adaptados conforme as possibilidades da casa. O público, circulando pelos ambientes, foi
sendo reunido e acomodado momentos antes do espetáculo começar – dentro da programação
dos eventos. Aglomerados em um espaço relativamente delimitado, os espectadores ficavam
muito próximos dos atores.
Nos dois casos, a cenografia se inseriu no espaço de forma orgânica, já que as cadeiras
são elementos comuns em moradias. O espetáculo se desenvolveu sem um formato espacial
definido, ora trazendo movimentações do semi arena, ora do palco italiano e, em alguns
momentos, permitindo aos atores movimentarem-se livremente, inclusive entre o público.
A movimentação corporal intensa que caracteriza a recepção ao público pelos atores se
iniciou somente depois que estes chegaram nos espaços determinados na casa para as
apresentações propriamente ditas. Esta chegada ocorreu após uma movimentação peculiar
pelos ambientes das moradias, em que tanto eu quanto a atriz Thaís Putti já estávamos
imbuídos das nuances das figuras que, posteriormente, se caracterizam em cena.
O restante da peça se desenvolveu normalmente, salvo a participação extremamente
calorosa por parte do público nos dois eventos. A proximidade corporal tornou possível e até
mesmo incentivou essa inusitada interação, porém o estado alterado de consciência da quase
totalidade dos espectadores não pode deixar de ser considerado.
33

Nos dois locais, bebidas alcoólicas e substâncias que podem alterar o estado de
consciência foram ampla e livremente consumidas pelo público durante os eventos em
questão. No momento em que o espetáculo foi apresentado, a quantidade consumida já havia
sido considerável o que, acreditamos, influenciou significativamente na peculiar interação
entre espectadores e artistas durante a peça.
Apesar dessas duas experiências bastante marcantes na evolução do espetáculo
enquanto adaptável a diferentes espaços, as demais apresentações aconteceram, em sua grande
maioria, no formato palco italiano.
No dia 27 de setembro de 2013, a peça Insólito foi apresentada no Auditório do
Instituto Federal de Santa Catarina IFSC – Campus Florianópolis, como espetáculo convidado
do 12º Didascálico Mostra de Arte e Cultura. O espaço apresentava deficiências técnicas,
principalmente no que se refere a equipamentos de iluminação. Mesmo assim, com um
público aproximado de 60 pessoas, o espetáculo foi apresentado normalmente, contribuindo
para o seu ganho em ritmo e organicidade.
Seguindo o ritmo frenético de apresentações do segundo semestre de 2013, no dia 02
de outubro, a convite do Prof. Dr. Vicente Concílio, Insólito fez uma apresentação especial e
exclusiva para sua turma da disciplina Teatro e Ensino, do Curso de Pedagogia, do Centro de
Ciências Humanas e da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina. A peça
aconteceu no Laboratório I do Centro de Artes desta universidade para um público
aproximado de 30 pessoas.
Interessante notar que a peça voltou a se apresentar no mesmo espaço onde ela havia
estreado, alguns meses antes. Nesta ocasião, a configuração utilizada foi novamente a que
havia sido concebida para a estreia: semi arena, com três arquibancadas dispostas em formato
de “U”. Após algumas apresentações em palco italiano, a volta para esta configuração de
palco causou uma certa estranheza tanto nos atores quanto nos membros da equipe.
Ainda em 2013, durante a 20ª edição do Festival Isnard Azevedo - Floripa Teatro,
ocorreu a Mostra Universitária do festival, na qual diversos espetáculos teatrais desenvolvidos
pelas Universidades Estadual e Federal de Santa Catarina foram selecionados para
apresentações em diversos espaços da cidade de Florianópolis.
Insólito foi um desses espetáculos e foi apresentado no dia 10 de outubro, no Espaço I
do Centro de Artes de Universidade do Estado de Santa Catarina (ver Figura 9) para um
público de aproximadamente 80 pessoas. A peça novamente retornou ao ambiente
universitário, porém dessa vez, dentro da programação de um festival de grande importância
para a cidade de Florianópolis e também para o estado de Santa Catarina.
34

Figura 9 – Apresentação na Mostra Universitária do Floripa Teatro 2013

Fonte: Apresentação no CEART UDESC em 10 de outubro de 2013. Foto: Luanda Wilk.

Ainda no mês de outubro de 2013, no dia 21, o espetáculo aconteceu no palco do


SESC Prainha, em Florianópolis, dentro da programação do Projeto Cena Emergente,
promovido e coordenado pelo SESC/SC – Serviço Social do Comércio de Santa Catarina. O
público presente foi de aproximadamente 60 pessoas.
Depois de 12 apresentações em diversos espaços da cidade Florianópolis, o espetáculo
estava nitidamente amadurecendo e ganhando ritmo. A dramaturgia de cena se modificava a
cada apresentação sem porém, perder a sua essência, gerada no processo de montagem.
Haviam modificações no texto e este ganhava cada vez mais organicidade na fala dos atores.
A flexibilidade deste elemento, aliás, sempre esteve presente no processo de criação e nas
apresentações da peça.
O momento da quebra, adaptado a cada espaço, modificava-se e parecia não obedecer
a regras ou marcações pré-determinadas. Conforme já mencionado, este momento da peça
sempre se apresentou como um desafio. Como transformá-lo em algo orgânico, crível? Como
disfarçar os trejeitos ensaiados e fazer com que o público acredite que o que está acontecendo
é real? Como enganar a plateia e fazê-la imaginar que algo realmente deu errado?
Todas essas perguntas nunca foram fáceis de responder. A cada apresentação
buscávamos transformar a quebra em algo surpreendente, inusitado. Em determinado ponto,
depois de algumas apresentações, a conclusão foi de que este momento da peça talvez devesse
ficar sem planejamento, sem ensaio. E foi o que fizemos: suprimimos esse momento dos
35

ensaios, deixando sua manifestação ser influenciada pelo humor e pela disposição dos atores,
pelo ambiente do espaço em que a peça aconteceria ou pelo grau de receptividade que a
plateia poderia estar comunicando.
Além disso, vários outros elementos foram modificados ao longo dessas primeiras
apresentações e outros tantos foram incorporados ou suprimidos. Surgiram novas marcações,
novas movimentações, novos olhares, novas percepções sobre determinadas ações e frases.
Gestos foram modificados ora sublinhando, ora negando o texto.
Paradoxalmente, essa flexibilidade que sempre caracterizou o espetáculo Insólito,
estabeleceu um elemento de consolidação da sua dramaturgia e as primeiras apresentações,
servindo de campo experimental neste sentido, fixaram as bases do espetáculo. Insólito
ganhava corpo.
Foi então que o espetáculo alçou um voo maior, tendo se apresentado no dia 09 de
novembro de 2013 no Teatro Municipal Maria Luiza de Mattos, na cidade de Concórdia, para
um público aproximado de 280 pessoas. Com uma largura de 10 metros e uma profundidade
de 08 metros, este espaço propiciou uma desenvoltura corporal bastante ampla. Algumas
marcações e movimentações foram novamente adaptadas, gerando novas percepções do
espaço ficcional criado nos ensaios e apresentações anteriores.
A necessidade de uma entonação e uma projeção vocais diferenciadas foi um dos
fatores que dificultaram um resultado mais orgânico nesta apresentação. Em comentários
posteriores ao espetáculo, algumas pessoas do público disseram não ter conseguido ouvir a
minha voz ou não entender algumas das minhas falas.
Portanto, apesar do espaço oferecer uma ampla liberdade de movimentação,
determinando novas possibilidades para a expressão do universo de Insólito, o aprendizado
sobre o elemento vocal em cena ditou minhas reflexões sobre a apresentação.
Esta foi talvez a principal falha enquanto ator, nesta ocasião: não perceber a amplitude
do espaço ou, mesmo percebendo, não adaptar os mecanismos vocais para que as falas
pudessem chegar claramente aos espectadores. Vale ressaltar que, a respeito deste ponto, falo
exclusivamente por mim. Minha parceira de cena, Thaís Putti, adaptou a projeção e a
articulação vocal ao espaço de maneira exemplar.
A primeira apresentação em Concórdia foi de extrema importância para a evolução do
espetáculo no que se refere à parte técnica (luz e som), à abordagem dos atores em relação às
figuras criadas no palco e à própria dramaturgia. Enquanto havia um amplo espaço para
criação de novas possibilidades para a iluminação dos atos e boas condições para a
sonoplastia, a característica intimista do espetáculo se perdeu.
36

A próxima apresentação do espetáculo acabou por recuperar e, de certa forma, calibrar


esta característica. No dia 13 de dezembro de 2013, a peça mais uma vez foi apresentada na
Casa do Teatro Grupo Armação, sendo esta a última apresentação daquele ano. Com um
intervalo de um mês desde a experiência em Concórdia, a tônica dos debates nos ensaios foi
justamente tentar encontrar maneiras de manter as características intimistas básicas do
espetáculo em espaços de diferentes tamanhos. Encontrar essa medida passou a ser o objetivo
principal das apresentações subsequentes.
Depois de um intervalo de apenas dois meses, Insólito fez parte da programação da
Invasão Teatral - Mostra Cênica de Desterro 2014, com duas apresentações na noite do dia 08
de fevereiro de 2014 no Teatro da UBRO. As sessões ocorreram às 19:30h e às 21:30h para
um público aproximado de 80 pessoas em cada sessão.
O fato de serem duas apresentações na mesma noite foi um desafio para toda a equipe.
A partir desta experiência, novas necessidades surgiram para manter o espetáculo nos
parâmetros de qualidade que havíamos definido: boa projeção vocal, inteligibilidade dos
diálogos, precisão corporal e tonicidade muscular, entre outros. Além disso, figurino e
maquiagem também foram elementos considerados neste caso excepcional de duas
apresentações seguidas.
A experiência exigiu um aquecimento vocal e corporal intensos, sendo quase que
redobrados na ocasião. O intuito era de que o cansaço físico não afetasse a precisão dos
movimentos, das marcações ou das entonações vocais. Em virtude disso, experimentamos
alguns momentos de tensão antes da primeira sessão e também no intervalo entre as duas.
Apreendemos nesta noite um novo significado do fazer teatral: a necessidade do teatro
em transformar o indivíduo (público ou artista) num curto e efêmero momento cênico pode
cobrar o seu preço. Ao final da noite, estávamos exaustos.
Além disso, precisamos atentar à questão do figurino. Nossos corpos, em função da
intensa movimentação em cena, estavam completamente suados ao final da primeira exibição.
Foi necessário adaptar/trocar algumas peças do figurino para que entrássemos em cena, na
segunda sessão, com as roupas em conformidade com as apresentações anteriores. Assim, a
partir dessa experiência, cogitamos a confecção de um figurino reserva. A maquiagem, da
mesma forma, precisou ser refeita entre uma apresentação e outra.
Nosso principal desafio foi justamente fazer com que o público da segunda sessão não
tomasse consciência de todos esses esforços e pudesse apreciar a peça da mesma forma que o
público da primeira sessão. A intenção foi manter a mesma qualidade, o mesmo tônus, a
mesma precisão e a mesma intenção de criar um universo próprio, insólito.
37

Depois dessas apresentações no Teatro da UBRO, o espetáculo ficou em situação de


espera até o mês de maio. Este período serviu para encontros da equipe no sentido de avaliar
diversos detalhes da peça, adaptar texto, ensaiar e, principalmente, descansar.
O afastamento dos palcos neste período permitiu-nos criar uma nova perspectiva sobre
a peça e assim, novas questões surgiam. O que é preciso fazer para que a peça continue no
mesmo ritmo de apresentações? Quais são os elementos que causam o interesse do público? O
que desagrada ou não funciona em cena? Como fazer com que Insólito realmente se torne um
produto comercial efetivamente relevante?
Neste momento, foi decidido que a peça deveria ser incorporada ao núcleo de criação
de espetáculos do N.A.F.T. (Nós Amamos Fazer Teatro), grupo de Teatro Educação de
Florianópolis fundado em 2011 e coordenado desde então pela atriz e professora Fabiana
Franzosi(7), grupo no qual trabalho como professor. Utilizando da estrutura jurídica do grupo
N.A.F.T., inscrevemos a peça em alguns festivais de teatro ao redor do Brasil e ela acabou
sendo selecionada para dois deles: o IV Festival de Teatro Tecendo o Riso, de Concórdia e o
21º Festival Isnard Azevedo - Floripa Teatro, de Florianópolis. Tivemos assim, a
oportunidade de projetar o espetáculo para círculos maiores.
Voltamos, portanto, a apresentar no Teatro Municipal Maria Luiza de Mattos, em
Concórdia, no dia 09 de maio de 2014, dessa vez para um público aproximado de 350
pessoas. Vale ressaltar que as nossas percepções ao final do espetáculo foram completamente
diferentes da apresentação neste mesmo teatro, em novembro de 2013.
O espaço gigantesco do prédio, do palco e da plateia parecia não mais nos intimidar.
Ao contrário, a sensação ao chegar no espaço foi de entusiasmo, euforia e motivação. Em
primeiro lugar porque o espetáculo havia sido selecionado para este importante festival, mas
também porque teríamos a oportunidade, principalmente no meu caso, de corrigir alguns
procedimentos técnicos em relação à apresentação anterior.
Atento ao espaço e às suas especificidades (ver Figura 10), a minha projeção vocal
recebeu a devida consideração e ao final da apresentação, recebemos um feedback bastante
positivo do público. Assim que encerramos o espetáculo, a equipe participou de uma conversa
com algumas pessoas do público, organizadores e debatedores do festival. Entre eles o ator e

7
Fabiana Franzosi, natural de Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, é graduada no Curso de Licenciatura em Teatro
pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS.
38

diretor de teatro Pépe Sedrez, fundador da Cia Carona de Blumenau(8) e o também ator e
diretor André Francisco, diretor do Grupo Teatro em Trâmite(9), de Florianópolis.

Figura 10 – Teatro Municipal Maria Luiza de Mattos (Concórdia/SC)

Fonte: Início da apresentação no dia 09 de novembro de 2013. Foto: Carlos Longo.

O debate foi pautado pela originalidade que Insólito traz à cena. Por mais que a
dramaturgia tenha tentado seguir a linha de uma suposta estética do Teatro do Absurdo, os
debatedores ressaltaram o tom de novidade e frescor com que a peça se insere no teatro
contemporâneo.
Mesmo utilizando elementos do teatro dito tradicional, com diálogos e ações que
tentam concatenar o começo, o meio e o fim de uma situação, a contemporaneidade estaria em
alguns elementos como: o inusitado, o argumento e a réplica sem sentido, a interação calcada
no afastamento emocional das figuras em cena e a dinâmica de ritmos, entre outros.
Além dos debatedores, os organizadores do festival, profissionais que tiveram a
oportunidade de assistir a primeira apresentação da peça naquele mesmo espaço se mostraram
surpresos com o crescimento técnico e com a consolidação da dramaturgia. Ficou claro que
nossas reflexões em debates e ensaios no início do ano haviam surtido efeito e tivemos a
impressão, naquele momento, de que estávamos no caminho certo.

8
A Cia Carona é um grupo de teatro com sede em Blumenau/SC. Desde sua fundação em 1995 pelo seu diretor,
Pépe Sedrez, a Cia trabalha exclusivamente com teatro, dedicando-se à investigação acerca do trabalho do ator.
9
O Teatro Em Trâmite é um grupo caracterizado por uma prática teatral de caráter experimental que pesquisa as
possibilidades dos espaços cênicos, a dramaturgia do ator e a criação de textos próprios. Foi fundado em 2003
pelo ator André Francisco que é também o diretor artístico do grupo, dedicando-se principalmente à concepção e
direção de espetáculos.
39

A participação neste festival serviu de incentivo e preparação para o que nos


aguardava. Foi uma experiência bastante positiva que consolidou o espetáculo como um
trabalho no mínimo, interessante. Naquele mesmo ano, ainda assimilando o que havíamos
apreendido com a experiência de Concórdia, recebemos a notícia de que Insólito fora
selecionado para a mostra oficial de um dos festivais de teatro mais importantes de Santa
Catarina: o Festival Isnard Azevedo - Floripa Teatro, em sua 21ª edição.
Insólito foi um dos nove espetáculos selecionados na categoria adulto, para duas
apresentações em Florianópolis. Elas ocorreram no Teatro Álvaro de Carvalho, no dia 19 de
outubro de 2014 para um público aproximado de 280 pessoas e na Casa das Máquinas da
Lagoa da Conceição, no dia 20, para um público de 80 espectadores.
A disparidade entre os dois espaços selecionados para as apresentações surtiram
efeitos diversos na peça. O Teatro Álvaro de Carvalho, apesar de ser um dos maiores teatros
da cidade – 09 metros de largura por 09 de profundidade, com capacidade para um público de
até 300 pessoas – mantém um ambiente acolhedor e o palco, estando elevado em relação ao
público, possibilita uma visão interessante da plateia por parte dos atores.
No momento da primeira apresentação neste teatro, a peça estava equilibrada e, de
alguma forma, segura quanto ao seu objetivo em relação ao público: suscitar uma reflexão
sobre a comunicação entre as pessoas – ou a falta dela – pelo viés do entretenimento.
Já na Casa das Máquinas da Lagoa da Conceição, houve alguns problemas técnicos
com a iluminação e, principalmente, com ruídos durante o espetáculo. Na noite em que a peça
estava sendo apresentada, uma escola de samba daquele bairro fez o seu ensaio semanal ao
lado do prédio da Casa das Máquinas. Assim, um elemento importante que percorre todo o
espetáculo ficou prejudicado: o silêncio. Apesar disso, o público foi extremamente generoso e
a apresentação ocorreu normalmente.
Com a seleção para o Floripa Teatro 2014, o espetáculo parecia estar ganhando
reconhecimento pela sua estética inusitada e pela estranheza que causava no público, já que
feedbacks neste sentido foram amplamente recebidos pela equipe. A repercussão das duas
apresentações foi extremamente positiva para os envolvidos, gerando uma grande exposição
da peça nas redes sociais, impulsionada também pelo carisma do grupo N.A.F.T., vinculado
agora ao espetáculo.
Vale ressaltar que as apresentações no Teatro Álvaro de Carvalho e no Teatro
Municipal Maria Luiza de Mattos foram muito importantes para a consolidação da peça por
diversos motivos. Dentre eles: a amplitude espacial do palco e a capacidade de público de
40

ambos, a relevância destes teatros no panorama cultural de Santa Catarina e as circunstâncias


que levaram Insólito a se apresentar nestes espaços.
As apresentações nestes teatros de reconhecido prestígio na cena teatral de Santa
Catarina ajudaram a criar uma percepção por parte da equipe de que o espetáculo poderia
estar se consolidando como um produto comercial o que, desde o início, foi um dos objetivos
da montagem.
Depois da euforia de ter sido selecionada para dois festivais importantes em Santa
Catarina, a peça Insólito encerrou o ano com duas apresentações dentro da programação da
Mostra N.A.F.T. 2014 para um público de aproximadamente 60 pessoas. Novamente na Casa
do Teatro Grupo Armação, a peça encontra neste espaço um ambiente muito parecido ao que
inicialmente foi imaginado como sendo o espaço ficcional de Insólito.
No ano de 2015, Insólito foi apresentado somente no dia 18 de agosto, dentro da
programação do projeto TAC 7:30, da Fundação Catarinense de Cultura. A falta de
apresentações no primeiro semestre ocorreu devido a disponibilidade de tempo limitada de
quase toda a equipe envolvida.
O projeto TAC 7:30 seleciona espetáculos para apresentações nas terças-feiras, no
Teatro Álvaro de Carvalho, disponibilizando ao grupo, todo o valor arrecadado na bilheteria
da noite do espetáculo. Além disso, a Fundação Catarinense de Cultura providencia a
divulgação do evento através de folders e cartazes espalhados pela cidade, fornecendo ao
grupo o registro fotográfico e videográfico do espetáculo.
Nesta apresentação, Insólito recebeu um público aproximado de 150 pessoas e mais
uma vez a experiência de apresentar uma peça originalmente concebida como intimista em
um espaço amplo ofereceu desafios e aprendizados que fazem com que Insólito, a cada
apresentação, amadureça enquanto peça teatral.
Todas as apresentações citadas ofereceram desafios, aprendizados e recompensas.
Cada uma delas modificou a dinâmica da dramaturgia de cena, do texto, das percepções do
que a peça realmente é ou ainda do que pode vir a ser. A intenção é justamente manter essa
flexibilidade, transformando o espetáculo a cada apresentação e gerando novas motivações no
sentido de sempre elevar o seu nível de qualidade. Finalmente, cada uma delas serviu para
consolidar a equipe enquanto grupo, gerando uma forte união entre todos os envolvidos.
Uma tradição que acompanha todas as apresentações da peça é a foto final. Após os
aplausos e as costumeiras falas de agradecimento, o elenco convida a todos os espectadores
para que subam no palco e façam pose para uma foto insólita, conforme mostra a Figura 11.
41

O estranhamento é evidente e muitas vezes é necessária uma insistência para que as


pessoas se juntem a nós para a dita foto. Consideramos essa tradição uma forma de fazer com
que o público perceba o espaço do palco, que ele se sinta parte do espetáculo, próximo ao
elenco e à equipe e que, de uma maneira singela, guarde uma lembrança da experiência.

Figura 11 – Foto final registrada na apresentação no Teatro Álvaro de Carvalho

Fonte: Final da apresentação no dia 19 de outubro de 2014. Foto: produção do Festival Isnard Azevedo.
42

3. CAPÍTULO II: OTELO

O espetáculo Otelo teve o seu processo de montagem iniciado no mês de novembro de


2013, a partir da iniciativa do músico e diretor Jefferson Bittencourt(10). Nesse espetáculo, a
minha participação se dá como ator convidado da Persona Companhia de Teatro, de
Florianópolis, já que não faço parte de equipe de seus integrantes fixos.
Contemplada pelos prêmios Funarte Myriam Muniz 2013 e Elisabete Anderle de
Estímulo à Cultura 2013 da Fundação Catarinense de Cultura, a peça teve seu processo de
montagem concluído em 06 meses. Sua estreia oficial ocorreu no dia 22 de maio de 2014 no
Teatro Álvaro de Carvalho, em Florianópolis, após uma pré-estreia para a imprensa no dia 06
de maio, no Teatro da UBRO.
O espetáculo foi montado a partir do texto do escritor inglês William Shakespeare
(1564-1616), Otelo, O Mouro de Veneza, obra escrita por volta de 1604 e publicada pela
primeira vez em 1622.
A tradução para o português utilizada no processo foi a de Beatriz Viégas-Faria, tendo
a tradutora recebido o Prêmio Açorianos de Literatura no ano de 2000, na categoria Tradução
em Língua Inglesa. Torna-se pertinente relatar o enredo da peça original, o que faço a seguir.
A tragédia Otelo, O Mouro de Veneza conta a história de um fiel, dedicado e
experiente general mouro a serviço do reino de Veneza que se vê envolvido numa trama de
ambição, inveja, ciúme e morte. Iago, alferes do general, é tomado pelos sentimentos de ódio
e de vingança quando Otelo promove Cássio para o posto de tenente. Iago acreditava que esse
cargo deveria ser seu pelo simples fato de possuir maior experiência.
A partir de então Iago, que é considerado um dos maiores vilões do universo teatral,
elabora um plano maquiavélico para destruir seus oponentes. Seu primeiro passo é tramar
uma forma de contar a Brabâncio, senador de Veneza, que sua jovem e bela filha Desdêmona
casou-se em segredo com Otelo.
Mesmo que o senador houvesse deixado Desdêmona livre para escolher o seu
pretendente, Brabâncio não admite que sua filha se case com um mouro de origem africana e,
além disso, consideravelmente mais velho e pertencente a uma classe que não condiz com sua
posição política e social.
Ao saber do envolvimento amoroso de sua filha com Otelo, Brabâncio parte para
confrontá-lo. Neste ínterim, ambos são convocados pelo Doge de Veneza para uma reunião de

10
Jefferson Bittencourt é diretor teatral e músico, graduado em Música pela Universidade do Estado de Santa
Catarina - UDESC.
43

emergência no senado. Durante a reunião, o senador acusa o general de ter seduzido sua filha
por meios de bruxaria, o que é desmentido por um discurso simples e puro de Otelo, dando
conta do seu sincero amor por Desdêmona. Esta, também presente à reunião, acaba por
confirmar os seus sentimentos.
Otelo, que gozava da estima e da confiança dos governantes de Estado por sua
lealdade, nobreza e coragem, foi inocentado das acusações de Brabâncio. Além disso, o
general era considerado o único capaz de conter uma esquadra turca inimiga que se dirigia à
ilha de Chipre para atacá-la, assunto que motivara a urgente reunião convocada pelos
governantes de Veneza.
Assim, Otelo e Desdêmona se dirigem à ilha de Chipre em navios separados, mas não
antes de Brabâncio proferir palavras enigmáticas na Cena III do Ato I: “Mantém-na sob tuas
vistas, Mouro, se é que tens olhos para enxergar. Ela enganou o próprio pai, e pode vir a fazer
o mesmo contigo.” (SHAKESPEARE, 1622).
Em virtude de uma tempestade, os navios são separados durante a viagem e
Desdêmona chega antes à ilha de Chipre. Otelo desembarca alguns dias depois com a notícia
de que a embarcação turca havia sido destruída pela fúria do mar. A batalha havia terminado
antes mesmo de começar.
Em Chipre, Iago continua a articular seu plano de vingança contra Otelo e Cássio.
Através de artimanhas e manipulações, começa a plantar na alma de Otelo a semente dos
tormentos causados pelo ciúme. Suas manobras incluem preencher a mente do seu general
com imagens de um possível caso amoroso entre Cássio e Desdêmona. O general então, tem
sua confiança e seu orgulho minados pelas palavras de Iago, que dão conta de que Cássio,
detentor de uma beleza e eloquência que agradam as mulheres, poderia estar com segundas
intenções em relação à sua bela esposa, Desdêmona.
Cássio era um jovem soldado florentino e, apesar de ser um amigo leal de Otelo –
servira de intermediário nas relações entre o general e Desdêmona – era o tipo de homem
capaz de despertar o ciúme em um homem de idade avançada como Otelo.
Iago levou Cássio a se embriagar e se envolver em uma briga durante uma festa que os
habitantes da ilha de Chipre ofereciam a Otelo. Sabendo do ocorrido, o general destituiu
Cássio de seu cargo. Aproveitando-se da situação, Iago sugere a Cássio que a punição havia
sido severa demais e que ele deveria pedir a Desdêmona para que ela intercedesse junto a
Otelo pela restituição de seu cargo.
Cássio aceita e agradece o conselho de Iago, decidindo solicitar a Desdêmona para que
ela convença Otelo a lhe devolver sua posição. A partir daí, Iago insinua que Desdêmona,
44

dando atenção sincera aos pedidos de Cássio e insistindo com seu marido para que lhe restitua
o cargo de tenente, possa estar considerando-o como mais do que um simples amigo. Assim, a
semente da desconfiança cresce na mente de Otelo.
Iago tinha conhecimento de que Otelo havia dado de presente à Desdêmona um
singelo lenço que ele havia herdado de sua mãe. O lenço era um símbolo importante do amor
profundo do general por sua bela esposa e ele acreditava que, enquanto ela o guardasse
consigo, o casal teria garantida a sua felicidade. Desdêmona acaba por perder o lenço e
Emília, sua ama e esposa de Iago, o encontra. Iago, após tomar posse desse precioso artefato
arrancando-o à força das mãos de Emília, relata a Otelo que sua esposa o havia dado de
presente ao seu amante, Cássio.
O general, já perturbado e bastante enciumado, pergunta a Desdêmona sobre o
paradeiro do lenço. A jovem esposa, ignorando que o lenço estava com Iago, não soube
explicar o que havia acontecido com ele. Nesse meio tempo, Iago havia deixado o lenço no
quarto de Cássio para que ele o encontrasse.
Em seguida, Iago faz com que Otelo ouça escondido uma conversa sua com Cássio.
Os dois falam de Bianca, amante de Cássio, mas tendo ouvido apenas algumas partes da
conversa, Otelo ficou com a impressão de que eles falavam de Desdêmona. Nesse momento,
Bianca chega e Cássio lhe entrega o lenço para que ela providencie uma cópia. Otelo fica
extremamente transtornado ao imaginar sua esposa desprezando seu amor, dando o lenço para
outro homem. As consequências disso servem de desfecho para a peça. Iago, tentando garantir
que seus planos não sejam descobertos, tenta matar Cássio, porém sem sucesso, deixando-o
apenas ferido.
O general, completamente fora de si, acaba por matar Desdêmona em seu quarto.
Emília, ao saber do ocorrido, revela ao general que tudo havia sido tramado pelo seu marido e
que Desdêmona jamais havia sido infiel. Iago mata Emília e foge, sendo logo capturado.
Otelo, desesperado por haver assassinado sua esposa injustamente, comete suicídio.
Omissões de personagens e trechos da obra se fizeram necessárias na adaptação,
desenvolvida em conjunto pelo diretor e pelo elenco ao longo do processo de ensaios. Na
adaptação da Persona Companhia de Teatro, a trama de Otelo ganhou uma versão
contemporânea e muitos de seus elementos originais foram transformados.
Podemos destacar as transformações mais importantes como sendo: o espaço/tempo
onde se desenrola a história (em uma grande empresa dos tempos atuais), o fato do
personagem Iago ser transformado numa personagem do sexo feminino (Iara) e o mouro
Otelo ser interpretado por um ator de etnia branca.
45

Essas e outras transformações que nortearam a montagem deste espetáculo serão


detalhadas e analisadas no decorrer deste capítulo. O intuito é justamente apresentar ao leitor
os pormenores que envolveram o processo, caracterizando a apreensão de novos significados
no teatro que pude perceber, na tentativa de conectar essa experiência ao meu percurso
acadêmico.
Inicialmente, será relatada a trajetória da Persona Companhia de Teatro, tratando de
contextualizar Otelo dentro da estética teatral a que o seu diretor se propõe. Em seguida, a
ideia é descrever os elementos que se fizeram presentes no processo de adaptações, leituras de
mesa, criação, estruturação e ensaio das cenas, na tentativa de expor o que efetivamente
influenciou o resultado da montagem. Finalmente, um relato das apresentações ao público e
suas reverberações nos envolvidos e no crescimento do espetáculo.
No decorrer deste trabalho serão incluídos os pensamentos e as impressões do diretor
do espetáculo, captados a partir de entrevista realizada de maneira informal. Dessa forma,
procuro enriquecer o conteúdo, fornecendo olhares distintos a respeito do processo como um
todo em relação aos objetivos deste relato.

3.1. A PERSONA COMPANHIA DE TEATRO

A companhia foi fundada em 2001 a partir da motivação conjunta de 05 artistas:


Jefferson Bittencourt, Glaucia Grigolo, Maria Paula Bonilha, Rogério Christofoletti e Igor
Lima. Na época, o grupo havia se reunido com o intuito de montar uma espetáculo teatral
chamado “F”. A partir das afinidades pessoais e do desejo de empreender outros projetos em
conjunto, o grupo decidiu por fundar a Persona Companhia de Teatro.
Com 06 montagens teatrais em seu portfólio, passaram pela companhia diversos
artistas de expressão no cenário florianopolitano. Atualmente, além do seu diretor, Jefferson
Bittencourt, seus integrantes são: Cleístenes Grött, Raquel Stüpp e Giselle Kincheski. Sua
sede fica na Camarim Escola de Artes, na parte continental da cidade de Florianópolis, onde
são ministradas oficinas de teatro, música e canto.
Com uma estética própria, os espetáculos teatrais desenvolvidos pela Persona, segundo
informações captadas em conversas informais com Jefferson Bittencourt, são pautados pela
construção cênica através dos atributos que compõem a musicalidade e caracterizados pela
presença de personagens não realistas, construídos a partir de uma reflexão profunda sobre os
problemas existenciais do ser humano.
46

Graduado em Música pela Universidade do Estado de Santa Catarina e responsável


pela direção de todos os espetáculos da companhia, Bittencourt parece primar pela relação da
música com o palco. Como em todas as outras peças da Persona, a musicalidade ocupou um
papel importante na criação do espaço ficcional de Otelo desde os primeiros ensaios,
impregnados por melodias marcantes que me pareceram decisivas na construção do ambiente
que se esperava criar.
Segundo o diretor de Otelo, a música se torna uma ferramenta técnica na construção
da narrativa, determinando o tom de voz, o momento da fala e a movimentação dos atores
pelo palco. Ao mesmo tempo, ela é também elemento que determina o andamento atmosférico
e simbólico da cena, colaborando com a criação de determinados ambientes ficcionais
juntamente com o texto, com o tema do espetáculo e com a trajetória dos personagens.
Jefferson Bittencourt transita também pelo cinema, tendo produzido e dirigido
diversos curta metragens. Dessa forma, as montagens empreendidas pela Persona Companhia
de Teatro flertam com nuances da linguagem cinematográfica, ressaltando detalhes em cena
que parecem ser enquadrados pelo zoom de uma câmera filmadora. Em alguns momentos, a
intenção é criar uma espécie de close-up imaginário, trabalhando-se com a luz e com a
perspectiva de corpos e objetos em cena.
A seguir faremos um apanhado das peças produzidas pela Persona Companhia de
Teatro de 2002 a 2014, com uma breve descrição a respeito de cada uma delas. As fontes que
utilizamos para ordenar as informações e descrever os espetáculos foram o web site oficial da
companhia, vídeos e fotos disponíveis na internet e um relato informal do seu diretor a
respeito de cada uma das peças.
O primeiro espetáculo chama-se “F” e foi montado em 2002. No elenco, Maria Paula
Bonilha, Glaucia Grigolo, Igor Lima e Malcon Bauer. Com texto de Rogério Christofoletti, a
peça tem uma forte influência visual do Movimento Expressionista(11), trazendo ao palco o
medo, a agonia e a dor do ser humano frente às suas fragilidades e limitações. Inspirado no
universo do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924), o espetáculo traz personagens
atormentados pela deformidade física e de caráter, a procura de uma solução para a miséria de
suas existências.
Ainda em 2002, a montagem E.V.A. foi lançada pela companhia. Com uma estética
que perpassa pelos universos da dança e do teatro, a peça expõe as nuances das relações entre

11
O expressionismo foi um movimento artístico que surgiu no final do século XIX e início do século XX como
uma reação à objetividade do impressionismo, apresentando características que ressaltavam a subjetividade. No
expressionismo não há uma preocupação em relação à objetividade da expressão, mas sim com a exteriorização
da reflexão individual e subjetiva dos artistas.
47

criador e criatura. Em cena, apenas dois atores vivendo esse conflituoso relacionamento,
tentando encontrar respostas para as angústias geradas pelo simples ato da criação. Sandra
Meyer e Igor Lima fizeram parte do elenco de E.V.A. e o texto foi assinado por Christiano de
Almeida Scheiner.
Em 2004 foi a vez do espetáculo Castelo de Cartas, estrelado por Gláucia Grigolo,
Igor Lima e Malcon Bauer. Com texto de Rogério Christofoletti, o espetáculo traz à cena, a
exemplo dos outros trabalhos da Persona, personagens esteticamente não realistas que se
utilizam da complexidade psicológica para estimular no espectador, quem sabe, uma
autoanálise mais profunda sobre o ser humano. A trama conta a história de uma enfermeira
que se vê inserida no contexto de um casal que mantém uma estranha e intensa relação.
Dois anos depois, a partir de uma adaptação da peça teatral de Tennessee Williams,
The Glass Menagerie – no Brasil, conhecida como À Margem da Vida ou Algemas de Cristal
– nasce o espetáculo Nem Mesmo A Chuva Tem Mãos Tão Pequenas. A peça conta a história
de uma família sem pai. A partir de recordações do filho, a passagem do tempo é representada
diante dos olhos do público, em um jogo de encenações claro e aberto. No elenco, Gláucia
Grigolo, Igor Lima, Malcon Bauer e Melissa Pretto.
Em 2008, a Persona monta A Galinha Degolada, a partir do conto homônimo de
Horacio Quiroga. A peça conta a triste história de um casal que se vê diante do conflito diário
com a doença de seus 04 filhos, a idiotia – terminologia usada para doenças mentais à época
do conto. O nascimento no seio familiar de uma menina sem os sintomas da doença, traz à
tona todas as consequências do descaso e da falta de amor que sempre se fizeram presentes
naquela casa.
Esse espetáculo contou com a parceria de outro grupo relevante no cenário teatral de
Florianópolis, o Teatro Em Trâmite. No elenco, André Francisco, Gláucia Grigolo, Loren
Fischer e Samanta Cohen.
Em 2014, depois de um hiato de seis anos, a montagem de Otelo toma forma nas bases
estéticas da Persona Companhia de Teatro. Seguindo a tendência de todos os espetáculos
anteriores, a peça tenta enfatizar toda a complexidade emocional e psicológica do ser humano.
Além disso, a música, sempre presente de forma contundente, é fator determinante nas
dinâmicas empreendidas pelos atores em cena.
A partir de um olhar sobre os espetáculos da companhia, parece evidente que,
independentemente dos textos que lhes servem de base, seus personagens buscam, quase
sempre, posturas que fogem do realismo. Tal postura é acentuada na maneira com que certos
48

elementos – como luz, sombra, sonoplastia, silêncio e movimentações no palco – se inserem


na montagem.
Mesmo que a narrativa dos espetáculos busque construir sentido dentro do que
chamamos realidade, a estética teatral da Persona parece querer representar outros lugares
onde uma realidade diferente poderia existir. Os personagens então, passam a transitar
também por estes outros lugares, criados pelo que o diretor Jefferson Bittencourt chama de
buracos de sonho. Assim, os acontecimentos parecem obedecer à uma espécie de coreografia
de ações que levam o espectador ao espanto e, paradoxalmente, à identificação.

3.2. O PROCESSO DE MONTAGEM

A montagem do espetáculo Otelo apresentou diversos desafios que encontram paralelo


naqueles que foram enfrentados no processo de criação de Insólito. Na mesma medida,
apresentou diferenças importantes que, assim como as semelhanças, ativaram diferentes
percepções daquilo que apreendi no meu percurso acadêmico e na minha perspectiva do fazer
teatral, enquanto ator.
Conforme já mencionado, a minha participação nesta montagem se deu através do
convite da Persona Companhia de Teatro. Em meados de agosto de 2013, recebi um
telefonema do diretor Jefferson Bittencourt, perguntando se eu estava interessado em fazer
parte do elenco da montagem Otelo, interpretando o personagem que dá nome à peça.
Jefferson havia assistido Insólito no Teatro da Igrejinha da UFSC, no dia 18 de agosto
de 2013 – por indicação do orientador deste trabalho, Prof. Dr. Vicente Concílio – e relatou
que estava à procura, já há algum tempo, de um ator para preencher o papel deste
personagem. Tendo sido contemplado pelos prêmios de dois editais – Funarte Myriam Muniz
e Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura – o projeto Otelo estava em fase de seleção do
elenco.
Não foi com pouca surpresa que recebi o convite, tendo em vista a trajetória da
Persona no cenário artístico de Florianópolis frente à minha pouca experiência como ator.
Neste primeiro momento não foi possível avaliar o nível de responsabilidade e
comprometimento que tal convite demandaria, apesar de vislumbrar o grande desafio que teria
pela frente.
Os primeiros ensaios foram marcados para o mês de novembro de 2013 e portanto,
houve um período de aproximadamente dois meses para que toda a equipe se familiarizasse
49

com a obra na qual a encenação seria baseada. À época da montagem de Otelo, a Persona
contava com apenas dois integrantes fixos: o seu diretor, Jefferson Bittencourt e a atriz e
produtora Giselle Kincheski. Os demais integrantes da equipe técnica e do elenco foram todos
convidados.
Para a montagem do espetáculo, o elenco foi escolhido cuidadosamente pelo diretor,
sendo composto por: Cleístenes Grött, no papel de Cássio; Giselle Kincheski, interpretando
Bianca; Luciana Holanda, no papel de Iara; Raquel Stüpp, como Desdêmona; Valéria de
Oliveira, no papel de Emília, além de mim, interpretando o papel de Otelo (ver Figura 12).

Figura 12 – Elenco/Personagens da montagem Otelo, da Persona Cia de Teatro

Fonte: Ensaio fotográfico para criação de material de divulgação. Foto: Caio Cezar. 06 de maio 2014.
Da esquerda para direita: Emília, Iara, Otelo, Desdêmona, Cássio e Bianca.

Cleístenes Grött é formado no curso de Licenciatura em Educação Artística –


Habilitação em Artes Cênicas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Natural de
Blumenau, participou de diversas montagens teatrais e trabalha regularmente com publicidade
e cinema.
Giselle Kincheski é acadêmica do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de
Santa Catarina. Atriz e professora de teatro na Camarim Escola de Artes, Giselle faz parte da
equipe de integrantes fixos da Persona Companhia de Teatro.
Luciana Holanda também é formada no curso de Licenciatura em Educação Artística –
Habilitação em Artes Cênicas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Natural da
cidade de São Paulo é atriz de teatro e cinema.
Raquel Stüpp graduou-se no curso de Licenciatura em Educação Artística –
Habilitação em Artes Cênicas pela Universidade do Estado de Santa Catarina em 2006. É
50

parte integrante da Persona Companhia de Teatro, além de trabalhar como produtora e atriz de
teatro e cinema.
Valéria de Oliveira é Bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Regional de
Blumenau e Mestre em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Natural de
Itajaí, é coordenadora do Grupo Porto Cênico, naquela cidade.
O primeiro encontro do elenco, no dia 22 de novembro de 2013, serviu para que todos
pudessem se conhecer e saber um pouco mais sobre as ideias, objetivos, pretensões e
concepções que o diretor tinha em relação ao espetáculo. Iniciava-se um processo de
formação de grupo, com pessoas de diferentes afinidades e interesses. Uma mescla de
personalidades que parece estar refletida no resultado final.
A montagem de Otelo teve o seu início e todo o seu desenvolvimento no espaço
concedido pela Camarim Escola de Artes, no bairro Estreito, em Florianópolis. Uma sala
ampla e arejada no interior da escola, com aproximadamente 07 metros de largura e 09 de
profundidade, serviu de espaço de leituras, debates, criação e ensaios pelos 06 meses que se
seguiram.
O processo foi marcado pela estilização do espaço ficcional, assim como dos
personagens. A peça, escrita por volta de 1604, teve o seu enredo deslocado para a
contemporaneidade de uma empresa de grande porte. Como é possível imaginar, diversas
outras transformações ou adaptações se fizeram necessárias em virtude desta alternativa
estética.
O cargo de general a serviço do reino de Veneza ocupado por Otelo na obra original,
foi substituído pelo de presidente da empresa em questão. O personagem Iago, alferes de
Otelo, foi transformado na secretária do presidente, Iara. Desdêmona permanece sendo a
esposa de Otelo, enquanto sua ama Emília, ganha os ares de sua governanta. Cássio, que na
obra original é promovido a tenente por Otelo, nesta montagem é promovido à diretor da
companhia. Bianca permanece sendo a amante de Cássio, porém sem a alcunha de prostituta,
vivendo na montagem uma espécie de assistente administrativa.
Além dessas transformações, o deslocamento para a contemporaneidade influenciou
diversos outros elementos da encenação. O cenário é um deles e este ficou a cargo do ator,
professor de teatro e cenógrafo Roberto Gorgatti, que havia participado de outros projetos da
Persona, tais como “F” e E.V.A..
De maneira simples e dinâmica, o cenário foi totalmente concebido de modo a
transportar a trama para um ambiente contemporâneo e tinha o intuito de potencializar os
51

espaços representados em cada cena. Tais espaços se resumem a ambientes da empresa e da


casa de Otelo e Desdêmona.
A composição cenográfica ficou determinada por quatro cadeiras, duas mesas e dois
cubos de madeira. A funcionalidade deste cenário se reflete no fato de que as mesas, em
determinado momento da peça, são transformadas na cama do casal, Otelo e Desdêmona.
Além disso, os cubos fazem as vezes de pequenos armários, onde diversos elementos de cenas
– copos, taças e garrafas – são armazenados.
A história contada em cena tem um espaço à parte da realidade como ambiente para o
seu desenrolar. Umrotunda branca toma todo o fundo do palco, emprestando às ações
desenvolvidas no palco uma tridimensionalidade quase cinematográfica. Conforme já
mencionado, essa é uma das características importantes nos trabalhos da Persona: a influência
imagética do cinema.
Reforçando essa impressão, o chão é coberto por um linóleo branco numa área
retangular de aproximadamente 07 metros de largura por 09 metros de profundidade,
claramente delimitada para o desenvolvimento da trama. A luz, os atores, o cenário e os
elementos de cena interagem neste espaço apenas, mesmo que, nas laterais, espaços visíveis
do palco permaneçam descobertos.
Sendo um elemento que compõe de maneira importante a estética visual da peça, o
linóleo deve, obrigatoriamente, estar delimitando este espaço ficcional, conforme indicado na
Figura 13. Assim, o tamanho dessa área demarcada é uma das características que fazem com
que o espetáculo possa somente ser apresentado em teatros de determinados tamanhos.

Figura 13 – O espaço ficcional de Otelo delimitado pelo linóleo branco

Fonte: Apresentação no Teatro da UBRO em 08 de junho de 2014. Foto: Rodrigo Ferrari.


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Outro elemento que sofreu influência direta da opção em desenvolver o espetáculo nos
tempos atuais foi o figurino. Ternos, gravatas, vestidos de noite e sapatos de salto alto
emprestam à peça um tom de refinamento. O grupo de personagens que compõe o espetáculo
parece estar acostumado ao ambiente da alta sociedade contemporânea e a elegância conduziu
as decisões na concepção do figurino, que ficou sob a responsabilidade da atriz, diretora,
professora de teatro e figurinista Betinha Mânica.
Outros elementos se deixaram influenciar pelo fato de uma obra clássica, escrita há
mais de 400 anos, ter sido inserida e representada num ambiente contemporâneo e totalmente
diferente do original. Movimentações e marcações, gestos, entonações vocais, postura
corporal, objetos de cena, maquiagem, iluminação e sonoplastia são alguns desses elementos.
Assim, um tempo considerável dos ensaios foi dispensado na discussão a respeito da
abordagem de cada um deles por parte do elenco, assim como por parte dos personagens.
Mesmo que o resultado da montagem apresente transformações importantes em
relação à obra de William Shakespeare, procurou-se fazer um estudo apurado de nuances
psicológicas e emocionais a partir do texto original no que se refere aos seus personagens.
Conforme já mencionado, a tradução da obra utilizada foi a de Beatriz Viégas-Faria e as falas
e diálogos originais do texto foram mantidos neste espetáculo.
A opção foi enfrentar a encenação utilizando o potencial criativo que o texto
proporciona, na medida em que o número de personagens foi bastante reduzido. Dessa forma,
se fez necessário um exercício no sentido de tentar sintetizar no corpo, na voz e nas ações,
todos os elementos da natureza humana das quais a obra está imbuída.
A intenção do diretor Jefferson Bittencourt, a partir de várias conversas com o elenco,
sempre foi manter a poesia do texto de Shakespeare mesmo que o universo ficcional fosse a
contemporaneidade de uma empresa. Sua perspectiva era de que correríamos o risco de perder
os laços afetivos e emocionais criados pelos personagens no decorrer da trama, se as falas
fossem transformadas para o coloquial por quaisquer razões ou opções estéticas.
Na tentativa de trazer à cena essa potência que é inerente à obra de Shakespeare, a
abordagem da direção parecia mesclar duas frentes de ação: colocar em prática as ideias
estéticas pré-concebidas pelo diretor ao mesmo tempo em que as composições criativas do
atores ganhavam espaço em cada cena. Encontrar a medida entre essas duas frentes conduziu
a maior parte do processo desta montagem.
Estas composições partiam de estímulos visuais, sonoros e narrativos trazidos pelo
diretor que, por opção própria, não costuma trabalhar com a preparação técnica dos atores.
Exemplo disso é o fato de que em nenhum dos ensaios de Otelo foram desenvolvidos jogos
53

teatrais ou de improvisação entre os atores. As cenas eram desenhadas a partir de ações


diretas que o texto poderia sugerir aos atores e os resultados eram mantidos e lapidados ou
simplesmente descartados.
A música, como parte importante na trajetória dos espetáculos da Persona, esteve
sempre presente. Já nas primeiras leituras e adaptações do texto, bem como nos ensaios de
criação de cenas, foram propostos estímulos musicais. Gerados a partir de uma ambientação
sonora imbuída de melodias da música erudita, a sonoridade interferiu no corpo e na fala dos
personagens de forma sutil, porém intensa.
Segundo manifestações verbais do diretor em várias ocasiões, a música deve ser um
ator adicional do elenco, travando inteirações com todos em cena e influenciando na estética
geral do espetáculo. Mais do que um elemento de cena, ela parece ser um elo invisível entre o
universo concreto da cena, percebido pelo ouvido e o universo lúdico gerado pela história.
Assim, é pertinente afirmar que os atores foram tocados e estimulados pela linguagem
musical trazida pelo diretor nos momentos de criação.
Um fator muito importante que sempre foi levado em consideração nos ensaios de
Otelo foi a comunicação com o público. Além de todas as manifestações imagéticas que se
fazem presentes no espetáculo (ver Figura 14), ressaltadas pela iluminação e pela composição
cenográfica, a comunicação obviamente se dá também pelo texto, pelas falas dos personagens.

Figura 14 – Manifestação imagética com nuances cinematográficas

Fonte: Apresentação no Teatro da UBRO em 08 de junho de 2014. Foto: Rodrigo Ferrari.


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Desde o primeiro movimento no sentido de criar cenas e marcações, o ambiente da


sala de ensaio foi impregnado por uma espécie de formalidade diante do resultado que se
esperava alcançar. Cada uma das cenas parecia ter uma abordagem solene por parte dos
atores, como se um profundo respeito pela obra devesse ditar o andamento do processo.
Assim, todos os encontros eram permeados por uma visão de que a história de Otelo deveria
ser contada com uma profunda seriedade.
Por se tratar de uma linguagem não coloquial e de extrema formalidade, o texto parece
corroborar para esta tendência. Conforme já mencionado, a intenção era manter o texto
original nas falas dos atores, da forma como fora concebido por Shakespeare e isso,
claramente, apresentava-se como algo desafiador desde as primeiras leituras. Neste sentido,
foram desenvolvidos exercícios de leitura em voz alta para que a poesia do texto fosse
potencializada e se tornasse orgânica para o elenco.
Com essa solenidade impregnando as ações, os gestos, os diálogos e, de forma geral,
as cenas, a estreia para o público apresentou uma surpresa interessante: o riso dos
espectadores em momentos específicos do espetáculo. Um desses momentos é quando Iara
sugere a Otelo que ele estrangule sua esposa em sua própria cama. Outro ainda, quando Otelo,
em total desespero, manifesta a sua indignação por sua esposa ter lhe traído com o seu diretor.
É pertinente afirmar que essa reação causou um grande estranhamento no elenco e foi
motivo de debates após as primeiras apresentações. O que poderia gerar o riso na plateia? A
forma como algumas frases eram ditas? A ansiedade frente ao drama de Otelo? A maldade
nua e crua de Iara? O nervosismo diante da situação de impotência em interferir? A
genialidade do enredo? A ingenuidade e a fraqueza de Otelo? A inocência de Desdêmona?
Muitas perguntas surgiram e, certamente, as respostas não são únicas.
As obras de William Shakespeare são famosas por colocar numa espécie de lente de
aumento as mais variadas nuances da personalidade humana. Em Otelo não é diferente e,
apesar de se tratar de uma história trágica, em que poucos se redimem de seus atos e a
injustiça parece imperar, existem alguns momentos de leveza.
Talvez esse seja um dos motivos que fazem das obras do escritor inglês, peças únicas
da literatura e dos palcos: sua habilidade em dosar na medida certa a dor e o alívio. Assim,
podemos sugerir que, mesmo que na sala de ensaio o peso emocional e psicológico dos
personagens tenha sido evidenciado, momentos de frescor emanam natural e organicamente
do texto, não passando despercebidos pelo espectador.
Com a opção de manter o elenco protegido pela quarta parede, cada um dos
personagens foi concebido no intuito de concatenar o enredo da peça com suas personalidades
55

e características próprias. Assim, mesmo que alguns personagens importantes tenham sido
suprimidos da obra original, a trama adaptada desta montagem se desenvolve de maneira
relativamente clara para o público.
O personagem Iago, único personagem que não se atém à regra da quarta parede, com
suas manifestações e intenções pérfidas expostas e direcionadas abertamente ao público,
parece ser o centro de onde partem as ações e as consequências das ações empreendidas pelos
demais personagens. Na montagem da Persona, a opção foi manter essa espécie de centro
gravitacional, ao redor do qual as conexões e interações entre os personagens orbitam.
Esta opção, segundo o diretor Jefferson Bittencourt, tem a ver com a narrativa do
espetáculo, que está focada no ciúme e em todas as consequências que dele advém. Dessa
forma, mantiveram-se os personagens que, na perspectiva da narrativa, conseguem manter a
potência da trama mesmo com cortes nos diálogos e algumas adaptações na história.
Como que expostos em um aquário para apreciação do espectador, os atores criam um
universo próprio. Esse isolamento parece ressaltar o envolvimento emocional de cada um dos
personagens e os apartes de Iago, justamente por este motivo, parecem ganhar potência e
prender a atenção do público ao que realmente está acontecendo, expondo os bastidores de
uma trama malévola.
Sobre essa nuance do personagem Iago, alferes do general de Veneza, uma das
características marcantes desta montagem é o fato de ele ter sido transformado em Iara, a
secretária do presidente da empresa. A adaptação textual perpassou por esse detalhe crucial
com muita atenção. Interpretado pela atriz Luciana Holanda, Iara logo se mostrou tão
maquiavélica quanto seu original masculino.
As implicações desta transformação estiveram presentes no processo de montagem e
certamente, emprestaram ao espetáculo uma gama de oportunidades únicas no que se refere à
sua leitura pelo espectador.
Um embate entre as energias masculina e feminina pode ter tido influência no
resultado final. Porém, é válido afirmar que tal embate não parece sobrepor as possíveis
motivações do vilão ou, neste caso, da vilã da trama, sejam elas guiadas pela inveja, cobiça ou
ambição.
Tais motivações podem se manifestar de maneiras diferentes entre homens e mulheres
e nesta montagem, essa questão não passou despercebida. A abordagem da direção porém, foi
no sentido de basicamente demonstrar a lealdade que o presidente de uma empresa espera de
uma pessoa com alto grau de responsabilidade dentro de sua empresa e que goza de sua total
confiança, seja tal pessoa um homem ou uma mulher.
56

O fato do cargo de diretor ser dado a um homem, no caso a Cássio, poderia gerar uma
reflexão mais profunda quanto às injustiças experienciadas pela mulher em grandes
corporações desde sempre. Este viés porém, não foi enfatizado no espetáculo, pelo menos não
conscientemente, permanecendo nas entrelinhas e em possíveis interpretações do público.
Assim podemos concluir que o personagem Iago, a partir de qualquer forma de
análise, é uma figura universal, desprovida de gênero, sendo única e exclusivamente a
representação da maldade. Usando de artimanhas que bem poderiam ser colocadas em prática
por homens ou mulheres, o personagem interpretado pela atriz Luciana Holanda ganhou uma
nova versão, tão intensa e ardilosa quanto a concebida por Shakespeare na obra original (ver
Figura 15).

Figura 15 – O personagem Iago transformado em Iara

Fonte: Apresentação no Teatro da UBRO em 08 de junho de 2014. Foto: Rodrigo Ferrari.

Outro elemento importante nesta adaptação foi o convite feito a um ator de etnia
branca para interpretar o personagem Otelo. O fato do personagem ser originalmente negro
tem diversas influências no enredo da obra, determinando ações, intenções e falas de diversos
personagens. Foi preciso uma atenção redobrada neste sentido para que a adaptação desse
conta dessa transformação sem que a potência do texto se perdesse na encenação.
É pertinente citar duas influências importantes, dentre tantas outras, que o fato de
Otelo ser negro interpõe ao enredo da peça: a.) o segredo do romance entre Desdêmona e
Otelo e a não aceitação de Brabâncio a este envolvimento são devidos principalmente, à etnia
do general e b.) por ser de origem africana, o Mouro é visto como um bárbaro, desprovido
57

dos refinamentos da corte – sua posição de general é aceita única e exclusivamente pela sua
coragem e pela inegável lealdade que ele devota ao reino de Veneza.
Nesse ponto do trabalho, é pertinente esclarecer que a alternativa estética da direção
no que se refere à seleção dos atores e também dos personagens que figuram nesta montagem,
tem a ver com a escolha do tema principal que deveria guiar o espetáculo: o ciúme e suas
consequências. Segundo o diretor Jefferson Bittencourt (informação verbal), são diversos os
temas que gravitam pelo universo de Otelo, porém foi necessário fazer uma escolha,
transformando um texto original que pode gerar um espetáculo com mais de 03 horas de
duração em uma adaptação de 90 minutos.
Assim, a partir da escolha do foco principal para a montagem, foram feitos os cortes
na dramaturgia e consequentemente, os diversos outros temas da obra, dentre eles o fato de
Otelo ser um personagem negro, não figuram na montagem da Persona. A seleção dos
personagens que permanecem no espetáculo também parte desta escolha, dando conta de
manter o sentido do enredo resultante da adaptação.
Outra informação importante que se refere à esta escolha tem a ver com a estética
própria dos espetáculos da Persona e também com a maneira de trabalhar do seu diretor. De
acordo com Bittencourt, tratar das diferenças raciais que estão presentes nas relações de
convivência e poder na obra original demandaria um profundo conhecimento sobre o assunto
e uma extensa pesquisa.
Esse tema porém, apesar de potencialmente relevante em Otelo junto com o da
ambição, da inveja, da traição e tantos outros, não está no histórico temático da companhia.
Citando as palavras do próprio diretor (informação verbal): “eu não saberia como tratar do
tema racial de maneira adequada.” Assim, a alternativa de selecionar um ator de etnia branca
para interpretar este personagem ícone de Shakespeare parte de opções poéticas (referenciado
à dramaturgia), estéticas e retóricas (tendo sido escolhido o discurso sobre o ciúme).
Vale ressaltar ainda que em vários ensaios e encontros informais de toda a equipe que
esteve envolvida neste projeto, discutiu-se a extrema importância e a relevância de uma
possível discussão sobre o posicionamento social desta obra. Assim, da mesma forma que
foram tomados os devidos cuidados no momento de transformar Iago em Iara, o trabalho de
adaptação se atentou para as possíveis consequências dessa alternativa temática.
O desafio de interpretar este importante personagem de Shakespeare despertou
diversas novas percepções sobre a minha abordagem ao fazer teatral. O fato de Otelo ser
negro foi também um importante elemento de reflexão quanto à grande responsabilidade que
58

me havia sido dada. Foi necessária a articulação de novas ideias, novos conceitos e novas
visões a respeito da obra de Shakespeare como um todo.
Neste sentido, vale ressaltar a colaboração de muitas pessoas que interferiram de
diversas maneiras para que o espetáculo ganhasse corpo e pudesse estar em condições de ser
levado a público. Duas dessas pessoas considero como fundamentais no processo de
construção do espetáculo: o ator e diretor Roberto Mallet(12) e o tradutor e professor José
Roberto O’Shea(13).
Roberto Mallet esteve presente em dois ensaios do elenco, em um estágio no qual a
peça estava com sua estrutura cênica definida. Sua colaboração se deu no sentido da
preparação do elenco e no fornecimento de impressões diferenciadas sobre as abordagens do
grupo em relação às cenas.
Com sua vasta experiência teatral, Mallet supriu o grupo com orientações que
colaboraram na estrutura lógica das ações. Com apontamentos simples e precisos, propôs
dinâmicas que fizeram com que os atores/personagens buscassem a organicidade de suas
ações e falas através dos estímulos internos que o texto ou as interações em cena pudessem
gerar.
A colaboração do professor José Roberto O’Shea se deu de forma distinta e
igualmente importante. Com sua larga experiência literária e conhecimento profundo das
obras de Shakespeare, O’Shea forneceu ao elenco impressões e interpretações do texto até
então ignoradas.
Após assistir a um ensaio geral, forneceu ao grupo uma crítica construtiva relacionada
especificamente às entonações vocais e intenções presentes – e também escondidas – em cada
frase do texto. Tais recomendações e orientações reverberaram durante todo o restante do
processo de montagem e, certamente, ainda se fazem sentir a cada apresentação do
espetáculo.
A adaptação e a memorização de um texto intenso e profundo, as interações pessoais
com artistas com mais experiência na área, a disciplina e disposição necessárias nos ensaios, o
contato com diferentes visões e críticas às opções da direção e a exposição da minha figura
nas redes sociais no meio artístico de Florianópolis são apenas algumas das nuances que

12
Roberto Mallet é diretor, ator e professor de teatro na Universidade de Campinas UNICAMP. Em 1992 fundou
o Grupo Tempo, tendo dirigido diversos espetáculos desde então.
13
José Roberto O'Shea é bacharel pela Universidade do Texas, mestre em Literatura pela Universidade
Americana e PhD em Literatura Inglesa e Norte-Americana pela Universidade de Norte Carolina. Como
research fellow, realizou estágios de pós-doutoramento no Instituto Shakespeare da Universidade de
Birmingham e na Universidade de Exeter.
59

envolveram a montagem. Novas percepções sobre a peça e, fundamentalmente, sobre o


mundo do teatro, se fizeram presentes durante todo este percurso.
A compreensão do que foi apreendido durante os processos de ensaios e apresentações
se tornou mais clara depois de um certo afastamento do ambiente Otelo – houve um hiato de
10 meses entre as apresentações da estreia em 2014 e a retomada em 2015.
De qualquer maneira, as reverberações desta experiência aliadas ao percurso na
academia, se fazem sentir ainda hoje e penso que ainda se farão sentir por muito tempo e em
muitos outros trabalhos que pretendo empreender. Reverberações tão intensas quanto o grau
de intensidade que se buscou em cada fala e em cada cena de Otelo (ver Figura 16).

Figura 16 – Cenas marcadas pela busca de intensidade e presença cênicas

Fonte: Apresentação no Teatro da UBRO em 08 de junho de 2014. Foto: Rodrigo Ferrari.

3.3. APRESENTAÇÕES

Sendo pertinente uma reflexão sobre percepções geradas no período de apresentações


de um espetáculo, faz-se necessário neste sentido, descrever a experiência da peça Otelo nos
teatros de Florianópolis, Itajaí, Joinville e Jaraguá do Sul. Desde a estreia em maio de 2014
até outubro de 2015 foram 18 apresentações.
Como forma de contrapartida pelo aporte financeiro concedido pelos prêmios Funarte
Myriam Muniz 2013 e Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura 2013, o espetáculo ofereceu a
60

temporada de estreia ao público de forma totalmente gratuita. Foram 09 apresentações nas


cidades de Florianópolis e Itajaí entre os dias 22 de maio e 08 de junho de 2014.
Após 02 apresentações em Florianópolis, nos dias 01 e 12 de agosto de 2014, no
Teatro do SESC Prainha e no Teatro da UBRO respectivamente, o espetáculo encerrou as
apresentações daquele ano. Após um intervalo de 10 meses sem apresentações, devido à uma
viagem da atriz Luciana Holanda, o espetáculo retomou as apresentações em junho de 2015.
Neste ano, foram 02 apresentações em Florianópolis, no Teatro da UBRO; 02
apresentações em Joinville, dentro da pauta de espetáculos oferecidos pela AJOTE –
Associação Joinvilense de Teatro e da Aldeia Palco Giratório do SESC Santa Catarina; 01
apresentação em Jaraguá do Sul, também dentro da programação da Aldeia Palco Giratório do
SESC Santa Catarina e finalmente, 01 apresentação em Florianópolis, no teatro Álvaro de
Carvalho, dentro da programação do 22º Festival Isnard Azevedo - Floripa Teatro, como
espetáculo selecionado para a mostra oficial.
Da mesma forma que as percepções foram ampliadas pela diversas apresentações de
Insólito, as oportunidades de apreensão sobre novas formas de enxergar o teatro e de construir
sentido na sua prática, surgiram de maneira marcante com as apresentações de Otelo. Mesmo
a apresentação, no dia 06 de maio de 2014, para um público de apenas 10 pessoas
aproximadamente – todas da imprensa de Florianópolis – serviu de material para reflexões a
respeito de todo o processo.
No dia 22 de maio de 2014, exatamente 06 meses após o primeiro encontro do elenco
e da direção na Camarim Escola de Artes, o espetáculo Otelo estreava oficialmente no Teatro
Álvaro de Carvalho, na cidade de Florianópolis (ver Figura 17). Chegava a hora de colocar à
prova o reflexo e o resultado de todas as etapas pelas quais a montagem havia passado.
Pessoalmente, era a primeira vez que eu tinha a oportunidade de apresentar um
trabalho no palco do Teatro Álvaro de Carvalho. Havíamos apresentado Insólito há poucos
dias para um público de 350 pessoas, no Teatro Maria Luiza de Mattos, em Concórdia – no
dia 09 de maio – e portanto, o tamanho tanto do palco quanto da plateia não pareciam tão
intimidadores. Porém, a verdadeira dimensão espacial do espetáculo Otelo referente às
interação entre os atores e a sua relação com a própria peça ainda era desconhecida.
A experiência Insólito envolvia apenas uma parceira de cena e pouquíssimos objetos
acomodados em um palco praticamente vazio. Dessa vez, chegava a hora de fazer funcionar a
máquina poética, utilizando o termo de Daniel Veronese(14), com seis atores no palco,

14
Daniel Veronese é ator, dramaturgo e diretor de teatro. Nascido em Buenos Aires, em 1989 fundou o grupo El
Periférico de Objetos, pesquisando a interação entre atores e objetos em cena.
61

diversos objetos distribuídos no cenário, além de uma estrutura técnica de luz e som que
serviam como elementos condutores da cena.

Figura 17 – Apresentação no Teatro Álvaro de Carvalho (Florianópolis/SC)

Fonte: Apresentação no dia 22 de maio de 2014. Foto: produção do Festival Isnard Azevedo.

A harmonia no funcionamento de todas as engrenagens dessa máquina determina o


andamento do espetáculo. Como numa orquestra, o espetáculo Otelo é quase que regido por
um maestro que coordena luz e som, dando ritmo a uma espécie de coreografia corporal e
vocal. A percepção e a compreensão dessa regência foi apreendida pelo grupo ao longo das
apresentações.
Após uma divulgação maciça nas redes sociais e com anúncios de jornal e televisão, a
peça Otelo instigou o público a comparecer ao teatro. A Persona não conta com um
departamento de assessoria de imprensa portanto, divulgar a temporada de estreia coube ao
elenco, à equipe técnica, aos amigos e familiares. Funcionou. O espetáculo teve o teatro
lotado nas quatro primeiras noites no Teatro Álvaro de Carvalho – dias 22, 23, 24 e 25 de
maio de 2014.
Interessante observar como as percepções a respeito da própria atuação se modificam
drasticamente quando o trabalho é transportado da sala de ensaio para o palco, para o público.
Evidentemente havia um nervosismo pairando sobre todo o elenco nessas quatro noites de
estreia e ao mesmo tempo, uma necessidade de buscar combustível e estímulo para consolidar
frente ao público o que havíamos começado.
62

Esses elementos foram encontrados na troca de energia com a plateia, que na sua
grande maioria aceitou as transformações que o espetáculo apresentou em relação à obra
original. A partir de feedbacks de vários espectadores, o espaço ficcional contemporâneo e
reconhecível, o vilão Iago transformado em uma secretária igualmente ardilosa e o mouro de
Veneza interpretado por um caucasiano da serra gaúcha causaram estranhamento, mas não
enfraqueceram a estética da peça.
Otelo havia passado pela prova da estreia com uma boa aceitação pela grande maioria
do seu público. Mesmo não sendo um espetáculo que possa ser considerado popular em
função de algumas alternativas estéticas – como a manutenção dos diálogos rebuscados –
Otelo ganhou uma certa popularidade à época de suas primeiras exibições. Assim, mais uma
vez, as percepções enquanto ator se ampliaram, dessa vez na questão da relação com o
público.
A experiência vivida na apresentação de Insólito há apenas alguns dias, instigaram
uma atenção cuidadosa quanto à minha própria consciência corporal e, principalmente vocal
no palco do Teatro Álvaro de Carvalho. O texto de Otelo demanda um domínio apurado de
longos diálogos, monólogos e solilóquios. Assim, a partir de uma avaliação rigorosa a
respeito da minha postura vocal até então, alguns ajustes neste sentido se fizeram necessários.
Observando à distância, hoje é possível identificar algumas características de atuação
que denotam falta de experiência e uma certa imaturidade artística da minha parte nas
primeiras apresentações de Otelo. Concluo portanto, que o aprendizado é algo que acompanha
permanentemente o ator, cabendo a ele estar aberto a mudanças, avaliar as escolhas, corrigir
as fraquezas e aprimorar as qualidades.
Nos dias 30 e 31 de maio, a peça foi apresentada no Teatro Municipal de Itajaí para
um público aproximado de quase 1.000 pessoas. Com dimensões de palco similares ao do
Teatro Álvaro de Carvalho, a estrutura cênica foi acomodada conforme o planejado. Havia
uma sensação entre o elenco e a direção de que a potência plena do espetáculo ainda não
havia sido atingida – se é que isso é algo possivelmente mensurável, principalmente com tão
poucas apresentações realizadas.
A cada nova oportunidade de apresentar a peça, buscava-se um aprimoramento nos
detalhes. Alguns pequenos ajustes foram feitos desde as apresentações em Florianópolis, tais
como marcações, movimentações, adaptação no texto, entonações, intenções nas falas, entre
outros. O teatro em questão oferece uma boa estrutura física e técnica, permitindo aos atores e
à direção continuar empreendendo experiências no sentido de encontrar a medida certa do
ritmo da peça (ver Figura 18).
63

Figura 18 – Apresentação no Teatro Municipal de Itajaí

Fonte: Final da apresentação no dia 31 de maio de 2014. Foto: Ana Beatriz de Oliveira.

Percebo agora, afastado por mais de um ano da experiência de temporada de estreia,


que cada apresentação representou uma nova oportunidade para perceber sentidos e
significados inerentes ao espetáculo. A boa recepção do público em Itajaí reforçou nossa
postura em relação à necessidade de continuarmos o trabalho de desenvolvimento e
aprimoramento do espetáculo como um todo.
Voltamos para Florianópolis, dessa vez para apresentações no Teatro da UBRO. Entre
os dias 05 e 08 de junho de 2014 foram três apresentações. Fato interessante foi a falta de
energia elétrica que ocorreu na cidade na noite do dia 07. Praticamente às escuras, totalmente
maquiados e vestindo o figurino dos personagens, o elenco recebeu o público presente no hall
de entrada do teatro, juntamente com o diretor Jefferson Bittencourt, para anunciar que,
infelizmente, a peça não iria ser apresentada naquela noite.
As apresentações na UBRO estão entre as mais interessantes de toda a temporada de
estreia no que se refere às minhas percepções a respeito das variáveis que envolvem o
espetáculo, a apresentação, o evento efêmero e exigente do teatro. Após 06 apresentações
intensas, carregadas pela energia inerente à estreia, o ritmo da peça parecia ter se instaurado
em contrapartida à minha disposição.
O meu desgaste físico era evidente. As apresentações de Otelo combinadas às tarefas
acadêmicas – na época eu estava na sétima fase do curso – começavam a cobrar o seu preço.
Paralelamente a tudo o que envolveu o início da trajetória das apresentações do espetáculo,
64

acontecia ainda naquele semestre a disciplina de Prática de Direção Teatral I, na qual eu


estava matriculado.
Dessa forma, o primeiro semestre de 2014 – assim como segundo – foi marcado pela
montagem e apresentações da peça Rastros(15), sob minha direção. A responsabilidade de
montar um espetáculo recaía agora sobre a minha pessoa e, além de dirigir, optei por escrever
o texto da peça. Abordei um tema que considero delicado e profundo: a relação mãe e filha a
partir do viés emocional e psicológico. A pesquisa para a montagem de Rastros demandou
tempo e energia e aconteceu em paralelo aos ensaios e primeiras apresentações de Otelo.
Assim, no Teatro da UBRO, pude observar uma característica bastante pessoal que
acabou se confirmando em apresentações posteriores: a minha capacidade para alcançar
determinados estados físicos e emocionais em cena está diretamente relacionada ao meu
condicionamento físico e mental.
A fadiga corporal e mental, ao invés de sugerir falta de energia, parecia servir de
estímulo para acionar cargas emocionais que, até então, eu talvez não tivesse conseguido
encontrar nas apresentações anteriores.
O corpo relaxado pelo cansaço, mas disposto e disponível, treinado pela prática teatral
quase que diária, se coloca em um estado de extrema atenção. Tomar o controle desta
condição é algo que levo comigo como objetivo a cada espetáculo. Acredito que a apreensão
desta percepção é algo que posso considerar como efeito direto do fazer teatral aliado ao
estudo prático e também teórico na academia.
Após um breve intervalo, retomamos as apresentações de Otelo, dessa vez no SESC
Prainha no dia 01 de agosto de 2014. Este espaço tem a característica de não dispor de um
palco tradicional. Diretamente no chão de madeira de uma sala com aproximadamente 15
metros tanto de largura quanto de profundidade, são montadas arquibancadas para a plateia.
O espaço ficcional do espetáculo foi montado normalmente, delimitado pelo linóleo
branco e, nesta ocasião, os atores experimentaram uma proximidade maior com o público.
Além disso, não havia coxias e as movimentações laterais e no fundo do palco ficaram
relativamente à mostra do espectador. O espetáculo ganhava corpo e ritmo, se deixando cada
vez menos influenciar por fatores técnico externos. Portanto, mesmo que algumas
características desta apresentação fossem novidades para o elenco, elas pouco afetaram a
estética da peça e pouco interferiram na estrutura da cena.

15
Peça teatral criada a partir da demanda da disciplina de Direção Teatral I, ministrada pelo prof. Dr. José
Ronaldo Faleiro. Direção: Rafael Zanette. Elenco: Evelyn Dodl, Fabiana Franzosi (2014/1) e Suzana Silveira
(2014/2).
65

Encerrando o ano de 2014, Otelo foi apresentado no Teatro da UBRO no dia 12 de


agosto. A apresentação teve um tom de despedida pelo fato da atriz Luciana Holanda estar
com viagem marcada para a Itália, sem prazo para voltar. Depois de 11 apresentações, para
um público aproximado de 2.000 pessoas, Otelo entrava em uma espécie de hibernação, que
durou quase um ano.
Durante esse hiato de tempo a que Otelo foi condicionado houve um afastamento do
elenco e também da própria peça. Foi um longo período de reflexão por parte dos atores e da
direção em relação à estética e às estratégias de consolidação da peça como espetáculo
permanente da Persona.
No dias 19 e 20 de junho de 2015, a peça era novamente apresentada no Teatro da
UBRO e este retorno aos palcos demandou três ensaios gerais e alguns outros com apenas
parte do elenco. Serviram para retomada de texto, marcações, movimentações e,
principalmente, tentar captar novamente o espírito e o ambiente criado em torno da trama.
Paradoxalmente, o afastamento do processo parece ter emprestado ao grupo e especialmente
ao espetáculo uma certa maturidade, sentida nessas duas apresentações.
As apresentações seguintes aconteceram em Joinville, no Galpão da AJOTE -
Associação Joinvilense de Teatro, no dia 27 de junho e na sede do SESC, dentro da
programação da Aldeia Palco Giratório, no dia 07 de agosto. A proximidade do público, a
falta de coxias e a movimentação relativamente à mostra do público foram características que
acabaram se repetindo nestas apresentações, assim como em Jaraguá do Sul, no dia 12 de
agosto, também na sede do SESC, pela Aldeia Palco Giratório.
Depois de dois meses e meio, no dia 23 de outubro de 2015, Otelo se apresentava pela
última vez no ano, novamente no Teatro Álvaro de Carvalho, em Florianópolis. Dessa vez,
como espetáculo selecionado para o 22º Festival Isnard Azevedo - Floripa Teatro. Interessante
observar que a peça havia sido selecionada para a edição de 2014 deste mesmo festival
porém, devido a ausência da atriz Luciana Holanda, a apresentação não aconteceu naquela
época.
Novamente com o teatro lotado, Otelo estava de volta ao palco do Teatro Álvaro de
Carvalho. O amplo espaço deste local parece não afetar a sua marcante característica de ser
um teatro acolhedor, tanto para o público quanto para os artistas que ali se apresentam. Essa
percepção a respeito desse prestigiado e importante espaço de eventos culturais tem me
acompanhado desde a primeira apresentação de Otelo.
A apresentação dentro do Festival Isnard Azevedo foi especial no sentido de ter
reforçado a ideia, tanto para o elenco quanto para a direção, de que o espetáculo está
66

amadurecendo. A potência do texto e das ações estimuladas por ele, a genialidade dos
diálogos concebidas pelo autor, a linha que une cada detalhe da peça em uma grande história
parece finalmente ter encontrado campo fértil no trabalho do grupo.
Como ator, sinto-me honrado e privilegiado em fazer parte desse processo. Os novos
significados que concebi a respeito do universo teatral, as novas percepções sobre a sua
prática e, principalmente, o que foi apreendido no meu percurso acadêmico parecem ter
convergido em pontos específicos, os quais ainda pretendo me aprofundar.
Percebo que as maneiras de construir o conhecimento em teatro se ampliam na medida
em que me disponho a entrar em contato com diferentes visões sobre esta linguagem artística.
O intuito é permanecer com o espírito aberto para o aprendizado e para a apreensão de toda
uma gama de novas sensações, emoções e possibilidades no caminho que escolhi como
profissão.
67

4. CONCLUSÃO

Revisitar a prática artística de dois processos teatrais e desenvolver o exercício de suas


descrições neste trabalho, acabaram por gerar um estímulo para buscar ainda mais respostas
sobre a complexa arte do ator. A fonte para produção de conhecimento que se descortina com
o empreendimento desta narrativa que ora se conclui, parece não se esgotar.
Tratar do pessoal na tentativa de transportar as impressões para o social se faz
pertinente. Seja criando conexões diretas com outros trabalhos ou outras narrativas, seja na
simples identificação do leitor com algum momento descrito no processo de qualquer um dos
espetáculos analisados.
Os novos significados em teatro, buscados consciente ou inconscientemente durante os
processos e, principalmente, durante a confecção deste trabalho de conclusão, não se tornam
facilmente visíveis pela simples reflexão. Estes novos significados parecem se refletir na
minha postura atualizada enquanto ator, em novas percepções, em novas perspectivas e,
principalmente, em expectativas mais realista sobre a minha profissão.
Os processos de criação, montagem e apresentações dos espetáculos Insólito e Otelo,
como não poderia deixar de ser, criaram suas próprias especificidades e suscitaram
percepções diferenciadas. Ao mesmo tempo, apresentaram pontos em comum, principalmente
no que se refere à pesquisa e análise do que ambos representam na minha trajetória enquanto
ator.
Alguns elementos que serviram de referência para desenvolver este trabalho de
conclusão foram pertinentes para a análise de um dos processos, enquanto que, para o outro,
não necessariamente o foram. Da mesma forma, alguns outros elementos serviram de chave
de conexão entre ambos, com a finalidade de colocá-los em paralelo na busca da construção
de significados e conhecimento.
Em se tratando de obras totalmente distintas no que se refere à criação textual e
também quanto a relação de seus textos com a cena, surgem óbvias diferenças e outras nem
tanto. Neste ponto, as abordagens em reação aos estímulos a que cada um dos diretores lançou
mão foram significativas no trabalho entre o texto e a cena.
Enquanto no processo de Insólito se buscou a criação de figuras que estivessem livres
de traços emocionais reconhecíveis (ver Figura 19), em Otelo utilizaram-se técnicas de
construção de personagens com características psicológicas distintas e profundas (ver Figura
20). Novamente aqui, as opções da direção de cada um dos espetáculos se fizeram refletir.
68

Ainda, no caso de Otelo, havia a disposição de montar a peça seguindo rigorosamente o texto
da obra original, recheado de personagens espelhados da vida real.

Figura 19 – Figuras livres de possíveis traços emocionais

Fonte: Apresentação no CEART UDESC em 10 de outubro de 2013. Foto: Luanda Wilk.

Figura 20 – Personagens com característica emocionais distintas e profundas

Fonte: Apresentação no dia 22 de maio de 2014. Foto: produção do Festival Isnard Azevedo.

A experiência artística dos dois diretores é outro elemento relevante a ser considerado.
Aqui o ponto é de extrema divergência. Carlos Longo, diretor de Insólito, é acadêmico de
teatro, tendo este espetáculo como sendo o seu primeiro nesta função. Jefferson Bittencourt,
69

diretor de Otelo, tem uma bagagem mais ampla, tendo dirigido atores e atrizes de renome no
cenário teatral florianopolitano. Além disso, suas peças buscam uma estética própria,
transitando pelo universo da música e do cinema.
Em nenhum momento essa discrepância de trajetórias entre os diretores interferiu na
minha disposição enquanto ator ou na minha percepção a respeito da potência dos dois
espetáculos. Vale repetir e ressaltar que a escolha para o papel de Otelo no espetáculo da
Persona se deveu ao fato do seu diretor ter assistido Insólito no Teatro da Igrejinha da UFSC.
Em algumas oportunidades, Bittencourt revelou verbalmente sua admiração pelas alternativas
estéticas e pelos rumos que o diretor de Insólito havia tomado para dar corpo à peça.
Da minha parte é seguro afirmar que novas percepções sobre direção teatral surgiram e
se fizeram fortemente presentes quando tive que, em paralelo a ambos os processos, assumir o
papel de diretor. O espetáculo Rastros – meu projeto na disciplina de Prática de Direção
Teatral – está profundamente marcado por traços estéticos apreendidos nos processos de
Insólito e de Otelo.
A respeito destes traços estéticos, as duas peças se diferenciam profundamente. Desde
os primeiros passos da montagem de Insólito, os elementos que caracterizam o Teatro do
Absurdo se fizeram presentes. Assim sendo, a estética teatral da peça esteve permeada por
uma estrutura que alterna elementos cômicos e imagens trágicas, tanto no texto quanto nas
ações dos atores, com figuras executando ações aparentemente sem sentido. Os diálogos são
recheados por jogos de palavras e caracterizados pelo nonsense. O enredo cíclico se dilata e se
comprime, utilizando-se da paródia e do desligamento da realidade.
Já em Otelo nota-se a importância dada à estilização do espaço e à apresentação de
personagens mais próximos do que se espera no ser humano, mesmo que estes estejam
imbuídos de traços não realistas. Deslocada para a contemporaneidade, a essência dos
diálogos escritos por Shakespeare se manteve, tanto no sentido quanto na forma. A estética do
espetáculo tem ainda a intenção de fugir do realismo puro, contribuindo assim para a
originalidade da montagem.
Outro fator que diferencia Insólito de Otelo é o número de atores, atrizes e técnicos
envolvidos em cada uma das peças. Considero importante ter considerado essa informação
como elemento de análise em função dos percalços enfrentados, assim como dos prazeres
experienciados, em trabalhar com diversas pessoas de formações, interesses e motivações
extremamente diferenciadas. Parece óbvio que essa situação se apresenta em qualquer
montagem teatral, já que o fator humano é determinante no processo e deve ser sempre
considerado.
70

No caso de Insólito a minha participação foi profundamente ativa enquanto


ator/criador, desde o início da montagem. Em Otelo, a minha inclusão no elenco se deu por
uma via diferente: ator convidado. De qualquer maneira, as duas montagens, por mais
distintas que tenham sido em suas origens e processos, encontram alguns pontos em comum.
Um deles está no fato de que ambas foram experiências extremamente significativas no que se
refere à apreensão de novos significados em relação aos parceiros de cena.
Várias foram as diferenças entre os dois processos teatrais em questão e na mesma
proporção, várias foram as semelhanças. A busca pela compreensão destas similaridades e
discrepâncias nortearam este trabalho através da análise de elementos concretos como
cenário, objetos de cena, figurino e maquiagem.
Porém, muito pode se apreender com os elementos mais subjetivos que acompanharam
os processos, tais como criação do espaço ficcional, interação dos atores no palco, relações do
texto com a cena e construção de sentido.
O intuito de fazer um paralelo entre Insólito e Otelo foi expandir os conteúdos
apreendidos na Universidade e também fazer surgir novas percepções do ambiente teatral no
qual estou inserido. Tentando seguir este pensamento, a enumeração de elementos que
diferem e assemelham os processos sob uma perspectiva auto-etnográfica pareceu pertinente.
Assim, a comunicação concreta destas obras com o público se insere nestes fatores de
diferenciação e semelhança. As duas peças pretendem manter uma distância entre ator e
espectador permitindo alguns apartes, tanto dos atores quanto das situações, e a plateia
poderia se ver compelida ou mesmo estimulada a participar.
No caso de Insólito essa característica se dá pela comunicação sutil entre os
personagens, transportando para o texto a responsabilidade de chamar o espectador à cena –
com exceção do momento da quebra detalhado no capítulo 1, item 2.2. – quando um dos
atores se dirige diretamente à plateia.
Em Otelo, a quebra da chamada quarta parede é evidente, através de discursos
empreendidos pelo personagem Iara, falando diretamente com o público – tal característica
está na essência da peça original e foi mantida na montagem em questão. Porém, os demais
personagens se mantém imersos no universo construído pela trama.
Por se tratar de uma montagem experimental, nascida de uma necessidade acadêmica
na qual os recursos e espaços da universidade foram amplamente disponibilizados, a
montagem de Insólito se deu em um tempo mais reduzido. Além disso, o número de
envolvidos era também reduzido – 04 pessoas – o que facilitava a programação de ensaios.
71

Já Otelo é uma obra que envolve diversos personagens e, mesmo tendo sido adaptada
para que tivéssemos 06 atores em cena, demandou uma administração de tempo e
disponibilidade dos envolvidos mais complexa. De qualquer maneira, o tempo de preparação
da cada uma parece ter sido suficiente já que o processo de criação continua se expandindo a
medida que os espetáculos são apresentados ao público.
Mesmo não tendo sido aprofundado anteriormente, um outro elemento que considero
relevante destacar nesta conclusão é a exposição da minha pessoa na mídia virtual, mais
especificamente na rede social Facebook. Este fato permeou as semanas que antecederam às
primeiras apresentações e encontra similaridade no desenvolvimento dos dois espetáculos.
Insólito está visualmente caracterizado pelas figuras que compõem o seu elenco: além
de mim, a atriz Thaís Putti, conforme claramente destacado na Figura 21. A concepção de
elementos de divulgação (cartazes, flyers e convites) tem por base o uso da nossa imagem,
basicamente a partir de Figuras de cenas da peça.

Figura 21 – Material gráfico de divulgação do espetáculo Insólito

Fonte: Folder virtual divulgado nas redes sociais durante o 21º Festival Isnard Azevedo 2014.
Foto: Aline Dallarosa. Arte Gráfica: Rafael Zanette.

Otelo, de forma ainda mais contundente, traz o meu rosto praticamente como logotipo
de uma marca (ver Figura 22). Todo o material gráfico foi baseado no resultado de ensaios
fotográficos e, posteriormente, em registros das apresentações.
Assim, a minha imagem figura amplamente nos materiais de divulgação, tanto virtuais
quanto impressos dos dois espetáculos. Esse fato levanta algumas questões que serviram e
ainda servem de reflexão, até porque é uma situação nova e singular.
72

Figura 22 – Material gráfico de divulgação da peça Otelo

Fonte: Folder virtual divulgado nas redes sociais durante a temporada de estreia em maio de 2014.
Foto: Caio Cezar. Arte Gráfica: Daniel Olivetto.

Parece haver um consenso geral de que figuras famosas que passeiam diariamente nas
diversas plataformas midiáticas estão imbuídas de um talento ou mesmo da capacidade
necessária para empreender quaisquer projetos artísticos. A minha reflexão perpassa também
por essa ideia: a responsabilidade em manter a qualidade do meu trabalho enquanto ator não
pode e não deve estar relacionada unicamente à exposição da minha imagem na mídia.
Encontrar o equilíbrio entre a consciência de um permanente aprendizado e a segurança que é
necessária para empreender os dois espetáculos sempre foi um dos meus objetivos.
Aqui reside uma das muitas facetas que o mundo do teatro reserva ao artista e que me
esforço em apreender nesta caminhada. O estudante de teatro que se torna ator parece que
nunca deixa de ser um estudante e talvez isso seja algo inerente à própria arte. É pertinente
afirmar que essa percepção não é necessariamente corroborada pela grande maioria dos
artistas, principalmente pelos considerados profissionais na área.
Em última instância, o intuito foi apreender e compreender todas os impactos que
Insólito e Otelo tiveram no meu atual estágio de aprendizado e experiência enquanto ator.
Refletir sobre a construção de significados no fazer teatral e sobre quais são os reais objetivos
que tenho para a minha carreira é ação permanente enquanto atuo em ambas as peças.
Além disso, acredito ser possível traçar um paralelo entre todo esse aprendizado e as
dinâmicas – práticas e teóricas – diariamente experienciadas na universidade, já que as duas
montagens ocorreram concomitantemente ao meu curso. Assim, finalizo o ciclo acadêmico
imbuído de uma intensa carga de sensações e emoções em paralelo a uma forma de pensar
mais lógica e mais racional a respeito do conhecimento prático.
Essas sensações e emoções foram fortemente geradas pelas relações humanas e pelo
resultado das experiências vividas neste sentido. Tais relações permanecem e a experiência
73

das apresentações continua para os dois espetáculos. Portanto, concluo que o processo de
criação e aprendizado é ininterrupto, nestes e em quaisquer outros projetos. É válido portanto
afirmar que esse fato, por si só, deve servir de combustível criativo para qualquer artista.
74

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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