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Em primeiro lugar, o que sobressai ao se contra- A diferença essencial entre os dois países parece
por as duas economias é o ritmo de expansão. residir no nexo entre exportações e investimen-
No período 1990-2003, a economia chinesa ex- to, que permitiu ampliar a capacidade produtiva
pandiu-se quatro vezes mais rapidamente que a na China, enquanto no Brasil e demais países
brasileira, pelo critério de renda per capita (8,5% latino-americanos a volatilidade cambial trouxe
contra 1,2% ao ano). alterações bruscas nas taxas de crescimento e
investimento, recorrendo estes países a políticas
Enquanto a economia brasileira, ao longo da dé-
monetárias rígidas.
cada de noventa, experimentou um processo de
estabilização combinado a uma típica situação de Segundo as categorias traçadas pela Unctad ,
stop and go, jamais tendo crescido a taxas supe- a China poderia ser classificada como um país
riores a 5% por dois anos consecutivos; a China de industrialização rápida, que presencia uma
tem se destacado por um dinamismo surpreen- transformação estrutural da sua base produtiva;
dente do PIB, ancorado em altas taxas de inves- enquanto no Brasil, se a abertura não trouxe a
timento, as quais se explicam por sua vez pela desindustrialização, impediu que o país diversifi-
expansão das exportações, pela presença ativa do casse a sua base industrial e promovesse um salto
Estado e pela expansão do mercado interno num de competitividade nos segmentos mais dinâmi-
contexto de extrema cautela quanto à liberali- cos do comércio internacional.
zação do mercado de capitais, iniciada no Brasil
Agora vejamos como estas distintas trajetórias
antes mesmo do Plano Real, enquanto na China
macroeconômicas e de opções de inserção exter-
esta foi realizada de forma progressiva após o in-
na empreendidas por Brasil e China se cruzaram
gresso na OMC, em 2001.
ao longo dos últimos anos, acarretando muta-
Em parte devido a uma âncora cambial entre ções no relacionamento externo entre as duas
1994-1998, a expansão das exportações brasi- economias.
leiras seguiu as mesmas taxas da economia in-
ternacional, na média do período 1990-2003, 2 Relações Econômicas Brasil/China:
enquanto as exportações chinesas cresceram 2,5 Emergência de um Novo Padrão de
vezes acima da média global, situando-se este Comércio
país como o 3º maior exportador global em 2004
Os impactos da expansão da economia chinesa
e perfazendo 6,5% das exportações mundiais.
sobre a brasileira podem ser divididos em duas
Além disso, a China tem realizado um upgrading categorias: indiretos e diretos. No primeiro caso,
das suas exportações, das quais 91% são com- encontram-se os fatores relacionados ao vigor da
postas de bens manufaturados e mais de ¼ de economia internacional no período 2003-2005,
bens intensivos em tecnologia, contra percentuais mas também ao fato de que a economia chinesa
de 52% e 12% para o Brasil, respectivamente. permitiu atenuar os efeitos da crise internacional
do triênio imediatamente anterior. Os superávits
Isso significa que as vendas externas chinesas têm
comerciais chineses – na medida em que contri-
sido acompanhadas de uma melhoria da oferta,
buem para preencher os déficits em conta corren-
enquanto o boom exportador brasileiro de 2004
te dos Estados Unidos – favorecem a transferência
foi, em grande medida, favorecido pela valoriza-
de capitais para as economias emergentes, além
ção das commodities. Neste ano, o Brasil apenas
de elevarem a demanda de outros países que im-
voltou ao mesmo patamar de 1,1% do total das
portam produtos brasileiros.
vendas externas globais, alcançado em 1989,
portanto antes da abertura comercial empreen- Já os impactos diretos são aqueles vinculados à
dida por este país. expansão da demanda chinesa por commodities
agrícolas e minerais, propiciando inclusive uma
Finalmente, os investimentos externos diretos
elevação do seu preço no mercado internacional.
(IEDs) na China, além de serem mais expressivos,
De fato, quando se analisa o perfil das importa-
não diminuíram com a queda mundial presencia-
ções chinesas, observa-se que 19% das impor-
da pós-2000, ao contrário do Brasil. Em 2003, os
tações chinesas de produtos agrícolas e 7% das
fluxos de IEDs para a China representaram 9,6%
importações de produtos minerais são provenien-
do total mundial, contra 1,8% para o caso brasi-
tes da América Latina, que participa com apenas
leiro, devendo este arrefecimento ao fim do pro-
3,6% das importações totais chinesas no ano de
grama de privatizações e ao baixo crescimento
2003 (OMC).
econômico verificado no país. Adicionalmente, e
ao menos até 1999, o Brasil conviveu com eleva-
dos déficits em transações correntes e níveis de
Capital Accumulation, Growth and Structural
endividamento externo, ao passo que a China se Change, in: Trade and Development Report 2003,
destacou por incrementar as suas reservas inter- Geneva: UNCTAD, 2003.
nacionais. João Sayad, “Fantasma”, in: Folha de São Paulo, 29
de agosto de 2005.
As Relações Econômicas entre Brasil e China FES Briefing Paper Janeiro 2006 Página
Gráfico 1- Exportações, Importações e Saldo Comercial do Brasil com a China, de 1998 a 2004
(em US$ milhões).
5.440
5.500
4.533
4.500
3.710
3.500
2.520 2.385
2.500
2.148
1.902
1.730
1.554
1.328
1.500
1.034 1.085 1.222
905 865 966
676 574
500
-500 1998 -129 1999 -189 2000 -137 2001 2002 2003 2004
O Brasil ocupa um papel de relevância no merca- passo que o superávit comercial brasileiro regride
do chinês, tendo respondido por cerca de 42% 27%. Em apenas um ano, as exportações chine-
das exportações latino-americanas para a China sas para o Brasil ampliam-se em mais de 70%. E a
neste ano. Por outro lado, em termos de partici- velocidade de queda do superávit comercial brasi-
pação chinesa no total das exportações nacionais, leiro se elevaria ao longo do primeiro semestre de
o Brasil aparece em quinto lugar na região, “per- 2005, se comparado com o mesmo período do
dendo” para Chile, Peru, Argentina e Cuba. No ano anterior, recuando de US$ 1,409 bilhão para
ano de 2004, a China foi responsável por 5,7% US$ 436 milhões.
da corrente de comércio brasileira, ficando atrás
O gráfico 2 nos permite levantar algumas hipó-
apenas da União Européia, Estados Unidos e Ar-
teses importantes sobre esta transformação. Se
gentina.
tomarmos os produtos nos quais o Brasil apre-
O ano de 2003 representou o auge de um padrão senta um superávit considerável – soja, óleo de
de comércio que tendo se mostrado conjuntural- soja, minério de ferro, madeira e celulose – o seu
mente favorável ao Brasil, começaria, entretanto saldo comercial conjunto elevou-se mais de sete
a assumir feições estruturais diferenciadas já a vezes entre no período 1999-2004, tendo o ritmo
partir de 2004. de expansão se tornado sensivelmente mais lento
após 2003.
Vale lembrar que, entre 1999 e 2003, a corrente
Neste período, conforme o quadro 2 abaixo, o
de comércio entre os dois países multiplicou-se
Brasil foi favorecido não só pela demanda do par-
por 3,4 vezes. Concomitantemente, o Brasil pre-
ceiro chinês, mas também pelos ganhos de com-
senciou, neste período, uma expressiva elevação
petitividade nestes setores, a ponto de ganhar
do seu saldo comercial, saindo de um resultado
market-share nas importações deste país e deslo-
negativo pouco superior a US$ 100 milhões para
car outros importantes players mundiais. Afir-
um superávit comercial de US$ 2,4 bilhões (gráfi-
mou-se enquanto exportador de destaque de
co 1), o que representou 10% do saldo total obti-
soja, óleo de soja, minério de ferro e consolidou
do pelo país. As exportações brasileiras para este
sua posição nas exportações de madeira e celulo-
país ampliaram-se neste período 400%.
se. No caso do algodão, apesar da competitivida-
Em 2004, um novo padrão de comércio passa a de brasileira, a posição do país ainda se mostra
ser desenhado. A corrente de comércio, em ape- marginal. Este quadro pode ser alterado, depen-
nas um ano, se incrementa em quase 40%, ao dendo da redução dos apoios domésticos que
acabam impactando o preço das exportações dos
EUA, maior fornecedor deste produto para o
Panorama de Inserción Internacional de América
Latina y el Caribe – 2002-2003, Santiago: CEPAL, mercado chinês.
2004. Desta forma, não se pode explicar o recente bom
Latin America and the Caribbean in the World Eco- das exportações primárias do Brasil sem que se
nomy - 2005 Trends, Santiago: CEPAL, 2004.
As Relações Econômicas entre Brasil e China FES Briefing Paper Janeiro 2006 Página
Gráfico 2 - Superávit Brasileiro e Chinês de Acordo com a Característica dos Produtos mais Im-
portantes da Pauta dos dois Países (em US$ milhões)
4500
4073
4000
3484
3500
3000
2500
2046
1882
2000
1500 1256
970
1000 746 694 681
564 441 456 614
489 364
500 214 136 160 152 208
123
0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
mencione a demanda chinesa, responsável por segmentos dinâmicos. No caso das máquinas e
18% das exportações agropecuárias brasileiras e aparelhos elétricos, a China deixou de ser o séti-
por 21% das vendas externas de minerais metá- mo exportador brasileiro para ocupar a primeira
licos . posição, “deixando para trás” Estados Unidos,
Japão, Alemanha e Coréia do Sul.
Por outro lado, os chineses avançaram de forma
categórica sobre o mercado brasileiro, sobretudo Desta forma, são poucos os produtos e segmen-
nos segmentos mais dinâmicos. Enquanto o supe- tos com alto valor agregado em que o Brasil se
rávit dos setores mais tradicionais – têxtil, vestuá- destaca como exportador para o mercado chi-
rio, calçados e outros - saltou de US$ 214 milhões nês. A presença de produtos manufaturados nas
em 1998 para US$ 364 milhões em 2004; no que exportações para a China situa-se em torno de
se refere ao agregado dos capítulos 84, 85 e 90 17,7%, contra 54,9% quando se analisa o con-
– que compreende produtos químicos orgânicos, junto das exportações brasileiras (Secex/Mdic).
máquinas e equipamentos, componentes eletrô- Em segmentos como celulose/papel e ferro/aço,
nicos, além dos instrumentos de ótica e fotogra- o Brasil tende a exportar produtos do início da
fia – o salto foi de 363%, superando a casa dos cadeia, tendo participação reduzida nas importa-
US$ 2 bilhões no ano de 2004. ções chinesas de produtos acabados. No segmen-
to de autopeças, o Brasil tem ampliado as suas
Boa parte deste incremento se concentrou no ano
exportações para o mercado chinês, ainda que
de 2004, mostrando que o superávit comercial
estas ocupem uma participação irrelevante no to-
brasileiro com a China tende a se contrair – po-
tal das importações deste país.
dendo até mesmo ser revertido no médio prazo
Por que o Brasil que vem se destacando como
– a se manter uma tendência de crescimento eco-
importante exportador de produtos manufatu-ra-
nômico anual superior a 3,5%.
dos – expansão de 94% entre 1999 e 2004 – mas
Uma análise do quadro 3 possibilita uma compre- não consegue acessar o mercado chinês, onde se
ensão mais refinada do novo padrão de comércio percebe, aliás, uma tendência de crescente pri-
vigente entre os dois países. Se a China conso- marização?
lidou a sua posição enquanto maior fornecedor
Estudo recente do IPEA revelou que entre 1999
brasileiro de brinquedos, vestuário e de filamen-
e 2003, o número de empresas brasileiras que
tos sintéticos; o que merece destaque, tanto em
exportam para a China triplicou, passando de
termos de valor exportado como de ganho de
400 para 1.400. Estas empresas têm, em média,
market-share, é justamente o desempenho nos
maiores níveis de produtividade e são mais inten-
sivas em tecnologia do que a média das empresas
Fernanda de Negri, “Perfil dos Exportadores Indu- exportadoras brasileiras .
striais Brasileiros para a China”, in: Revista Brasileira
de Comércio Exterior, no. 84, agosto e setembro de
2005. Fernanda de Negri, op. cit., 2005.
As Relações Econômicas entre Brasil e China FES Briefing Paper Janeiro 2006 Página
Quadro 1 – Participação dos Principais Produtos Exportados pelo Brasil no Mercado Chinês
1999 2004
Market- Market-
Total Exportado Share Total Exportado Share Rank-
(US$) (em %) Ranking (US$) (em %) ing
Capítulo Sementes e Frutos
12 Oleaginosos 171.963.034 10,5 4 2.077.123.163 28,2 2
Capítulo
15 Óleos e Gorduras 61.331.044 4,5 5 543.420.230 12,9 4
Capítulo Minérios, Escórias e
26 Cinzas. 322.792.449 14,7 2 2.921.260.609 16,9 3
Capítulo
44 Madeira e Obras 13.986.019 0,5 23 157.276.175 3,0 9
Capítulo
47 Celulose 71.628.865 4,3 6 393.048.273 7,4 5
Capítulo
48 Papel 11.920.769 0,3 25 38.828.828 0,8 22
Capítulo
52 Algodão 201.768 0,0 50 26.335.271 0,4 22
Capítulo
72 Ferro e Aço 33.871.994 0,5 15 657.928.072 2,8 7
Capítulo Automóveis, Tra-
87 tores e Partes. 5.534.312 0,2 19 134.969.218 1,0 9
1999 2000
Market- Market-
Total Exportado Share (em Total Exportado Share Rank-
(US$) %) Ranking (US$) (em %) ing
Capítulo Máquinas e Aparel-
84 hos Mecânicos 127.231.047 1,4 11 438.666.512 4,7 5
Capítulo Máquinas, Mate-
85 riais Elétricos. 254.380.582 3,3 7 1.496.239.913 16,6 1
Capítulo Instrumentos de
90 Ótica e Fotografia 41.866.498 2,4 7 244.382.149 10,3 3
Capítulo Filamentos Sintéti-
54 cos 3.715.557 0,9 18 152.851.536 23,4 1
Vestuário e
Capítulo acessórios de
61 malha 15.615.617 28,7 1 22.812.714 42,2 1
Vestuário e
Capítulo acessórios exceto
62 de malha 23.391.400 20,8 2 51.387.211 52,4 1
Capítulo
95 Brinquedos e jogos 55.929.868 42,1 1 77.866.862 72,2 1
Fonte: Comtrade/Onu: Elaboração Prospectiva.
O fato de que estas empresas exportem produtos quando se leva em consideração a aplicação de
de menor valor agregado para a China deve-se uma tarifa média chinesa de 11,3% para os bens
fundamentalmente à estratégia internacional das não-agrícolas, inferior à verificada em outros paí-
empresas chinesas - com elevada escala de pro- ses em desenvolvimento.
dução e priorizando a geração de valor agregado
Ou seja, é justamente nos segmentos da indústria
internamente - para o que contribui a trajetória
– nos quais a participação chinesa nas exportações
macroeconômica seguida pelo país nos últimos
brasileiras mostra-se bem inferior à participação
vinte anos.
destes segmentos no total das vendas externas
Esta hipótese mostra-se ainda mais consistente, nacionais – que as tarifas tendem a ser menos re-
As Relações Econômicas entre Brasil e China FES Briefing Paper Janeiro 2006 Página
levantes, ainda que existam alguns picos tarifários ção. A resolução encorajava a China a permitir a
e barreiras não-tarifárias para alguns produtos e visita de relatores e cooperar com a comunidade
capítulos específicos, especialmente no caso dos internacional em questões de Direitos Humanos.
bens de consumo duráveis . Outro movimento na mesma direção foi o anún-
cio do reconhecimento da China como economia
A alteração deste quadro parece exigir a defini-
de mercado pela diplomacia brasileira durante a
ção de parcerias produtivas intra-setoriais entre
visita de Hun Jintao ao Brasil em novembro de
os dois países, além de uma mudança na trajetó-
2004.
ria macroeconômica brasileira, no sentido de uma
expansão diversificadora da estrutura produtiva, Passado mais de um ano e meio desde a missão
com ganhos de escala, e ocupação paulatina do de Lula à China, a política externa brasileira em
mercado externo. relação à China vem recebendo fortes críticas de
diversos setores da sociedade que chegam a falar
No que diz respeito ao fluxo de capitais, além de
em um “ilusão diplomática”. Essa crítica é base-
joint-veintures desenvolvidas por empresas brasi-
ada na falta de resultados gerados por esse novo
leiras na China, como é caso da Embraer, Embra-
direcionamento do Brasil. O principal questiona-
co, Marcopolo e outras, o fato mais relevante tem
mento feito ao governo é ter apostado em um
sido o crescente IED chinês no Brasil, ainda que
apoio da China a um dos principais objetivos da
este se dê a partir de níveis bastante baixos. Os
política externa brasileira, que é tornar-se mem-
dados do Banco Central do Brasil apontam para
bro permanente do Conselho de Segurança da
uma expansão de cerca de 100% dos fluxos de
ONU.
IED chinês entre 2001 e 2003, com relação ao
estoque de 2000, enquanto o montante de IED O posicionamento da China contra a entrada de
ingressado no Brasil ampliou-se em apenas 40% novos membros no Conselho da ONU é apontado
no período. como a maior prova da falta de reciprocidade nas
relações entre os dois países, ainda que o objetivo
3 Os Acordos Brasil/China nos tenha sido impedir que o Japão ingressasse no
Governos FHC e Lula órgão e não necessariamente vetar as aspirações
brasileiras. O Brasil teria supostamente cedido no
É grande a motivação do governo Lula em colo-
campo econômico e político (daí a mudança de
car as relações Brasil-China em um novo patamar.
posição na Comissão de Direitos Humanos) para
Essa estratégia de política externa fica evidente
obter vantagens políticas, as quais não foram en-
quando se observa que, em menos de três anos
tregues.
no poder, o atual governo assinou mais acordos
com os chineses que Fernando Henrique Cardoso Mesmo no caso da OMC, a aliança entre o Brasil
durante seus dois mandatos. e a China no âmbito do G-20 parece se circuns-
crever ao tema agricultura, tendendo os dois pa-
Desde 1º de janeiro de 2003, data em que Lula
íses a assumir posições crescentemente divergen-
assumiu a presidência do Brasil, entraram em
tes, o que se explica pela diferenciação de suas
vigor 18 entendimentos nas áreas de ciência e
trajetórias econômicas e produtivas. Um exemplo
tecnologia, esportes, transportes, padrões sani
é a adesão da China ao Information Technology
tários e fitossanitários, vistos, cooperação indus
Agreement, enquanto o Brasil se recusa a assiná-
trial e comércio e investimentos. Metade desses
lo.
entendimentos foram assinados durante a visita
presidencial à China em maio de 2004. Em con- Finalmente, nas várias reuniões do G-8, para as
trapartida, ao longo dos oitos anos do governo quais têm sido convidados os chefes de Estado
FHC foram assinados apenas 17 acordos em nove brasileiro e chinês, além de outros países em de-
áreas distintas. senvolvimento, não se tem afirmado uma posição
convergente do Sul, capaz de impor políticas e
Mais recentemente, em fóruns multilaterais como
fazer exigências aos países do Norte.
a Comissão de Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas, o Brasil mudou drasticamente Deve-se, no entanto ponderar a crítica feita aos
seu posicionamento em favor da China, tendo, policymakers brasileiros. Além de alianças políti-
em 2004, votado a favor de uma non-action mo- cas, a estratégia de elevação do patamar das re-
tion que retirou resolução sobre a China da vota- lações com a China incorpora outros interesses.
Para algumas empresas exportadoras, sobretudo
de recursos naturais, poucos mercados apresen-
Lia Valls Pereira e Galeno Tinoco Ferraz Filho, O tam dinamismo e oportunidades de crescimento
Acesso da China à OMC: Implicações para os Inte-
resses Brasileiros, Rio de Janeiro: Funcex, julho de
2005. O editorial, no dia 17 de setembro de 2005, do jor-
Além dessas áreas, o país têm acordos de cooperação nal “O Estado de São Paulo” classificou a política
com os chineses nas áreas de comunicações, ener- externa do país em relação à China de “ilusão di-
gia e educação, assinados por governos anteriores. plomática”.
As Relações Econômicas entre Brasil e China FES Briefing Paper Janeiro 2006 Página
teresses da indústria têxtil em âmbito nacional, e Empresarial Brasil-China, que além de defender
que exerce influência sobre a posição da princi- seus interesses junto às autoridades brasileiras e
pal associação empresarial da América Latina, a chinesas, vem promovendo uma agenda positiva
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo visando melhorar o perfil das relações econômi-
(FIESP), cujo presidente, Paulo Skaf, é uma das cas entre as duas partes.
principais lideranças do setor. Vale mencionar que
Além da questão das salvaguardas, o reconheci-
o presidente da Associação Brasileira da Indústria
mento da China como economia de mercado, nos
Têxtil e de Vestuários (ABIT) é filho do vice-presi-
termos do acordo da OMC, também polarizou es-
dente do país, José de Alencar, o que em certa
ses dois grupos de empresários. Na prática, o que
medida facilita a canalização dos interesses do
muda com a declaração das autoridades brasilei-
setor junto às esferas governamentais.
ras é que os critérios para investigações de dum-
Ao aliar-se com setores que antes tinham visões ping por parte de empresas chinesas passam a ser
opostas em outras frentes comerciais, como nas mais rígidos. Apesar do movimento em favor da
negociações da Área de Livre Comércio das Amé- China, a posição do governo tem sido ambígua,
ricas (ALCA) ou Mercosul-União Européia, o setor o que reflete a força que ambos os grupos detêm
têxtil inaugurou uma nova lógica de articulação junto ao governo Lula. Ressalte-se, finalmente,
empresarial diante da ameaça chinesa. que o reconhecimento da China como economia
de mercado ainda não foi regulamentado, o que
Entre os setores que antes faziam sérias ressalvas
significa que as regras para a abertura de casos
à ALCA e que agora estão alinhados com o setor
de dumping contra aquele país continuam inal-
têxtil, destacam-se máquinas e equipamentos,
teradas.
eletro-eletrônicos e químicos. Além desses setores
fazem parte do grupo que demanda proteção em
5 China: nem Salvação, tampouco
relação às importações chinesas: calçados, jóias e
Ameaça.
bijuterias, material de escritório, metais sanitários,
produtos de couro, papel, produtos farmacêu- Este texto procurou apresentar dois processos
ticos, indústria óptica, produtos para saúde ani- coincidentes, mas não necessariamente comple-
mal, produtos metalúrgicos, autopeças e móveis. mentares, que marcaram as relações entre Brasil
Encontram-se, portanto unidos na mesma frente e China no período recente.
“anti-China” desde setores mais tradicionais até
De um lado, existe uma intensificação do volume
aqueles mais intensivos em tecnologia.
de comércio entre os dois países, que redundou
A principal bandeira desse grupo de empresas em expressivos superávits comerciais para o Brasil,
tem sido a imposição de salvaguardas contra as ao menos até 2003, justamente quando as expor-
importações chinesas. Dois mecanismos de sal- tações funcionavam como o único mecanismo de
vaguardas especificas, previstos no Protocolo de ativação da demanda interna. Paralelamente, no
Acesso da China à OMC, poderiam ser aplicados ano de 2004, ficou evidente a emergência de um
(um deles é específico para o setor têxtil). No en- novo padrão de comércio, que tende a reduzir os
tanto, para que os setores pudessem recorrer a es- saldos comerciais brasileiros com a China, além
ses mecanismos, era necessária a sua regulamen- de colocar este país como importante fornecedor
tação, como já haviam feito os Estados Unidos, a de produtos industriais dinâmicos, sem perder a
União Européia e a Argentina. Apenas depois de primazia nos tradicionais.
algum tempo anunciando a regulamentação das
Por outro lado, a ascensão econômica chinesa
salvaguardas específicas, e depois de uma última
e seus impactos sobre o Brasil permitiram que o
tentativa de negociar mecanismos voluntários por
governo Lula alçasse este país à condição de par-
parte dos chineses, em outubro de 2005, o go-
ceiro privilegiado, o que apenas despontava no
verno brasileiro decidiu internalizá-las.
horizonte do governo FHC, mas não de forma ca-
Por outro lado, o governo Lula tem como aliados tegórica. Esta opção estratégica pela China não
em sua política externa em relação à China uma trouxe, até o presente momento, os dividendos
série de empresas com interesses comerciais na- políticos esperados, além de gerar tensões inter-
quele mercado, sobretudo de setores exportado- nas com segmentos do empresariado nacional,
res de produtos básicos como carne, óleo vegetal, principalmente após a mudança do padrão de
alimentos, madeira, café e celulose, além de ban- comércio, que parece ter sido subestimada pelos
cos que operam no comércio internacional, em- policymakers brasileiros.
presas de transportes e tradings. Para esse grupo
Ainda assim, acredita-se que haja espaço para
de empresas, a demanda de regulamentação das
uma relação estratégica entre o Brasil e a China
salvaguardas, capitaneada pela FIESP e pelo setor
– desmobilizando parte das críticas localizadas –
têxtil, pode acarretar ônus nas relações bilaterais,
principalmente se o governo brasileiro pressionar
prejudicando suas operações no mercado chinês.
pela maior diversificação da nossa pauta expor-
Esse grupo de empresas organizou o Conselho
tadora para aquele país, incentivando a forma-
As Relações Econômicas entre Brasil e China FES Briefing Paper Janeiro 2006 Página 10
Os pontos de vista expressados nessa publicação não são necessariamente aqueles da Fundação Friedrich Ebert ou das organizações
para os quais os autores trabalham.