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3 DECISÕES DO
STF ANALISADAS
FILOSOFICAMENTE
COMO A FILOSOFIA PODE AUXILIAR NA
TOMADA DE DECISÃO JURÍDICA
THIAGO RODRIGUES PEREIRA
3 DECISÕES DO
STF ANALISADAS
FILOSOFICAMENTE
COMO A FILOSOFIA PODE AUXILIAR NA
TOMADA DE DECISÃO JURÍDICA
1ª Edição
Edição do Autor
Niterói
2018
Conteúdo
3 Apresentação
49 Bibliografia
51 Informações
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Apresentação
Quando um dos maiores jus filósofos do Direito, Hans Kelsen, escreveu sua mais
importante obra, Teoria Pura do Direito, em 1934, o Direito alcançou a tão esperada
identificável (1) .
Com isso, parecia que todos os problemas teóricos do Direito seriam finalmente
resolvidos.
Assim, Kelsen, pensando a partir de uma lógica kantiana da Crítica da Razão Pura,
pretende criar uma metodologia que pudesse “blindar” a ciência do Direito das
Cumpre alertar sempre que Kelsen escreveu sobre uma “teoria”, e o problema da
(1) O Direito era acusado de ser mera técnica e não ciência por não possuir um objeto científico até Hans Kelsen afirmar que seria
a lei (em sentido formal), ou seja, as normas postas pelas autoridades competentes, ficando de fora fatores meta jurídicos como
os fatores sociais, econômicos, morais, políticos, etc., o objeto científico do Direito
Contudo, após a II Guerra Mundial, verificou-se a impossibilidade prática da
ramos científicos do Direito, pois, diferente do que pensou Kelsen, o Direito não
é puro, pelo contrário, ele é mestiço. Essa relação intrínseca com os demais
analisadas ou que deveriam ter sido utilizadas para que a questão submetida ao
A IMPORTÂNCIA
DE TOMÁS DE
AQUINO NA
FUNDAMENTAÇÃO
FILOSÓFICA DO
PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA
CAPÍTULO I
Introdução
O Direito, diferente do pensado por Hans Kelsen em sua Teoria Pura do Direito,
não é uma ciência que consiga se fechar em si mesma, pelo contrário, por ser uma
ciência social aplicada, talvez seja das mais “mestiças” ciências existentes.
nortear não apenas a relação entre indivíduos e Estado, como também entre os
Uma constituição é tão importante que deve não apenas refletir o pensamento
Constitucional, que aqui no Brasil fica a cargo do Supremo Tribunal Federal – STF,
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velar para que seja respeitada à constituição e principalmente os valores contidos
naquele texto.
conquistas sociais.
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I – Tomas de Aquino é a oculta compensatio
escrito sua principal obra, a Suma Teológica, uma obra sofisticada, que dependendo
da edição chega a mais de 8 volumes, com mais de 500 laudas cada. Além do
próprio conteúdo de sua obra, ela terá grande importância, pois foi escrita em uma
Na alta e em boa parte da baixa idade média, a leitura dos clássicos gregos e
tal ordem. Os clássicos são banidos da Europa, mas encontraram refúgio no mundo
No meio da alta idade média, iniciava-se a invasão moura (árabes oriundos do norte
da África) na península ibérica, e com essa invasão, além dos costumes, cultura e
do árabe para o latim, e será essa versão em latim que Tomás de Aquino terá
contato. Esse contato com a obra aristotélica marcará profundamente Aquino, que
(2) Tanto Agostinho como Tomás de Aquino foram de grande importância para o pensamento medieval, especialmente para a
Igreja Católica, vindo a serem canonizados após suas mortes.
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Entretanto, o que poderia ser apenas uma opção metodológica, se transformou em
uma grande heresia, fruto de muita coragem por parte de Aquino, pois como
Então, o ato de ler Aristóteles e utilizá-lo como seu marco teórico, mostrou, além
recebida com enorme desconfiança por parte de uns, com desprezo por outros
teológicas, mas também com uma vida mais prática, incluindo o Direito e sua
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No artigo 7 do livro VI da sua Suma Teológica, Aquino irá desenvolver seu
VI, p165) começa sua escrita afirmando, sobre as penitências, que estaria escrito em
um cânon : "Se alguém, impelido pela fome e pela nudez, furtar comida, roupa ou
gado, fará penitência por três semanas". A conclusão seria, portanto, óbvia a
pelo ato de roubar, é porque tal ato é errado, tenha sido praticado em qualquer
circunstância.
Portanto, Aquino vai mencionar que, a princípio, uma coisa má em si não poderia
vir a se tornar boa apenas por ter um fim bom. Portanto, o furto chamado famélico
seria de qualquer forma um ato errado. Entretanto, Aquino irá demonstrar que tal
Para isso irá recorrer a sua divisão das leis. Entende Aquino que existem 4 leis. A lei
eterna, que seria a razão ou plano da sabedoria de Deus, enquanto Ele dirige todos
Existe também as leis naturais. A lei natural será a participação da lei divina no ser
racional, o ser humano. Apesar de serem em raiz oriunda da mesma força criadora,
Deus, se diferenciam, pois a natural diz respeito apenas aos aspectos morais dos
seres humanos.
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Aquino também apresenta uma outra espécie de lei, a lei humana, que é a lei feita
pelo homem para os casos mais particulares da vida do ser humano na Terra, mas
sempre devendo estar de acordo com as leis naturais (já que o ser humano não tem
acesso a lei eterna, por ser exclusiva do intelecto de Deus. Apesar do homem
Por fim, existem as leis reveladas ou divino-positiva, que seriam as leis divinas que,
por Deus entender ser necessário dirimir qualquer dúvida possível, revelou algumas
leis naturais para serem escritas por homens escolhidos por Deus. Tanto o Antigo
como o Novo Testamento são exemplos das leis reveladas, sendo o Decálogo de
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Assim, Aquino vai afirmar que a subsistência é um direito natural do ser humano, e
quando tal direito é negado a um indivíduo e em razão disso ele pratica um roubo,
tal roubo não configuraria um crime ou ato errado, pois ele o está fazendo para dar
concretude a uma lei natural que está sendo vilipendiada por uma lei humana.
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Para realizar isso, até pelo princípio da inércia que norteia o Poder Judiciário como
regra geral, o STF acaba por apenas julgar tais casos, via de regra, em forma de
O habeas corpus é previsto no artigo 5º, inciso LXVIII da CRFB/88, e serve para
Poder Público, assim disposto: “conceder ‑se ‑á habeas corpus sempre que alguém
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO.
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titular do bem tutelado, bem assim à integridade da
de Aquino obedeceu
essa ideia foi ampliada, amparando também furtos que, não teriam relação com a
subsistência do ser humano, mas que, pelo seu valor ínfimo, aplicou-se o mesmo
princípio.
COMPENSATIO
compensatio
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O direito penal não deve se ocupar de condutas que
se darem conta que tal princípio tem seu fundamento na filosofia, no pensamento
de Tomas de Aquino.
Além disso, a ideia defendida por Aquino da oculta compensatio se mostra em total
brasileira tem como um dos seus fundamentos, contido no inciso III do artigo 1º
Brasil, contidos no artigo 3º e seus incisos: construir uma sociedade livre, justa e
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras
formas de discriminação
Portanto, aplicar tal preceito defendido por Tomás de Aquino é tanto moral como
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III – Considerações Finais
Conforme já mencionado, o Direito não é uma ilha isolada dos demais ramos do
entender uma lei ou um princípio, mas a encontrar as bases filosóficas as quais, tal
preceitos legal está assentado. Sem buscar tal origem, fica o jurista dentro de uma
filosofia deve servir como auxílio do jurista, abrindo sua mente para buscar sempre
bagatela, e com isso se compreende com exatidão o preceito moral e religioso que
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Tais preceitos, de coadunar uma lei humana com uma lei natural, defendida por
Aquino, parece ainda ser atual com a obrigatoriedade de coadunar uma lei positiva
Em pleno início do século XXI, o cientista do Direito deve cada vez mais possuir um
na busca do que há de mais importante na vida, que são os momentos felizes, que é
levar uma vida minimamente digna à todas as pessoas, conforme determina o texto
constitucional de 1988.
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CAPÍTULO II
A ADPF 54 E A
ANENCEFALIA
– BREVES
CONSIDERAÇÕES
FILOSÓFICAS
CAPÍTULO II
Introdução
Nessa decisão histórica, com base no voto do ministro relator Marco Aurélio de
Código Penal – CP, ou seja, interromper a gestação nessa hipótese deixou de ser
(1) A ADPF é a sigla para uma ação prevista na CRFB/88 em seu artigo 102, §1º denominada Arguição por Descumprimento de
Preceito Fundamental.
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seu fundamento longe da ciência do Direito, mas sim em outras áreas do
Direito está muito mais próximo da teoria dos sistemas luhmiana (2) do que da
(2) Para Nicklas Luhmann, o Direito seria um sistema operativamente fechado, pois possui um regramento próprio, mas seria
cognitivamente aberto, ou seja, o Direito muitas das vezes necessita buscar em outras áreas do conhecimento humano elementos
essenciais para dirimir uma questão.
(3) Hans Kelsen acreditava na ideia de uma pureza do Direito, onde o grande objetivo seria encontrar o objeto de investigação da
ciência do Direito. Para isso criou uma metodologia que objetivava “blindar” o Direito dos outros ramos do saber humano, como a
filosofia, moralidade, religião, psicologia, etc, ficando conhecida essa corrente jus filosófica de positivismo jurídico legalista (ou
normativista). Com o advento dos acontecimentos do holocausto da 2ª Guerra Mundial, boa parte da comunidade científica
entendeu que não se poderia pensar o Direito dessa forma pura, pois o Direito é na verdade uma ciência social aplicada, e,
portanto, elementos exteriores a ele, acabariam por também fazer parte do Direito.
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I – Opção pelo termo interrupção e não aborto – o anencéfalo,
segundo o STF seria um não ser.
Desde a proposta da referida ADPF, pelo advogado da ação e hoje ministro do STF,
vocábulo clássico usado para tais casos, que sempre foi aborto (4) . E qual o motivo
A palavra aborto soa muito forte em uma sociedade com ampla maioria cristã como
a brasileira, logo, para que a teoria a ser defendida não ganhasse nos primeiros
interrupção da gestação. Essa troca pareceu muito mais uma opção com o intuito de
Somente se fala em aborto, ou seja, não nascimento, de um alguém que esteja vivo,
vida dentro do útero materno, logo, não há aborto, mas a interrupção de uma
Portanto, o anencéfalo não seria um ser, filosoficamente falando, mas um não ser!
Sobre a distinção do ser e do não ser, Parmênides (sem data, p.1) afirma, em seus
(4) Aborto é um vocábulo que deriva da palavra orior, que em latim quer dizer nascer, e seu contrário, não nascer, seria aborior,
derivando até a língua portuguesa como aborto.
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Pois bem, agora vou eu falar, e tu, prestes atenção
é a pensar e a ser.
Conforme Parmênides afirma, só podemos falar do ser, mas nunca do não ser, pois
o não ser não sendo, nada se tem como falar. Foi exatamente essa regra de lógica
que foi aplicada na decisão do STF. Qual a fundamentação utilizada para usar o
termo aborto? A fundamentação seria que o anencéfalo seria um não ser, e como do
não ser nada se pode ao menos falar, não se poderia atribuir a ele sofrer um aborto,
pois nada dele se pode falar, principalmente que possui vida. Assim, estaríamos
diante de um não ser, pois o anencéfalo não possui uma condição básica para ser
argumentos contrários a essa teoria de que o anencéfalo seria um não ser, teoria
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II – O Brasil é um Estado Laico, mas não ateu.
Praticamente todos os Estados ocidentais são laicos, mas entender o que isso
Laicidade de um Estado não pode ser confundida com a ideia de um Estado ateu.
não existem normas religiosas que pairam acima de um texto constitucional, sendo
sem distinção. No segundo, não só o Estado não possuiu uma religião que norteia
sua atuação como proíbe seus cidadãos que professem qualquer credo.
Não se está defendendo que apenas argumentos religiosos sejam utilizados, mas a
forma pela qual o STF defendeu a ideia de Estado laico, ideia essa que em momento
algum nem mesmo as entidades que atuaram como amicus curea nesse julgamento
defenderam.
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Se não existe ou ao menos não temos como afirmar ser verdadeiro ou falso uma
existência metafísica, o que temos então seria o dasein, expressão criada por
Heidegger para dizer que o que existe é um ser aí, o ser inserido no mundo, e não
discussão, talvez pela culpa religiosa (que a influência tanto quer esconder), que
O medo de desagradar parentes, sociedade, religião e afins parece soar mais alto, e
assim, cria-se subterfúgios para não se admitir uma opção justificável pró aborto.
está aqui defendendo o aborto em si, mas simplesmente tentando mostrar que a
opção em si, não parece ter sido imbuída de sinceridade, mas de uma saída jurídica
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Do outro lado temos a gestante, sofrida, carregando um ser (ou será um não ser)
que, na melhor das hipóteses, ficará menor tempo encarnado do que se poderia
esperar. Não se pode esquecer essa gestante, pois é ela quem passará por todos os
aborto?).
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Essa culpa, que nos é colocada desde a mais tenra idade, denunciada por Nietzsche
melhor exemplo. Daí o risco sempre recorrente de julgarmos de acordo com nossas
idiossincrasias, com nossos valores, com nossos medos e temores. Como Nietzsche
Merece ser mencionado que, um tema complexo como esse, sem qualquer previsão
déficit democrático.
decidir com suas pré-compreensões, ao invés de passar por todo o círculo (ou
espiral) hermenêutico.
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III – Sobre a doação de órgãos do anencéfalo
Durante o voto do Min. Relator Marco Aurélio, o mesmo mencionou por diversas
vezes que não se poderia obrigar uma gestante a doar os órgãos do anencéfalo, e
para isso citou o pensamento de Kant, afirmando que, sendo a gestante obrigada a
meio para uma outra finalidade, sendo que ela deveria ser tratada sempre como um
fim e si mesma.
argumentos aduzidos pelo relator. Entretanto, a discussão não deveria ser essa!
Não se deveria discutir tal obrigatoriedade da gestante, pois seria absurda tal
O caso hipotético a ser analisado seria se uma gestante, utilizando sua autonomia
da vontade, optasse em levar sua gestação até o final e então decidisse por doar
seus órgãos.
O laudo médico contrário à doação afirma que a maioria dos órgãos dos
anencéfalos não serviria por problemas congênitos, entretanto tal posição não é só
pacífica como mesmo essa posição afirma que a maioria e não a totalidade. Em
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Portanto, o próprio CFM reconhece a possibilidade fática de doação de órgãos de
anencéfalos.
2003 do CFM que dá as diretrizes para a doação, e que acaba por afirmar a
não ser, justamente por nunca ter tido efetivamente vida, até por isso denominou
Percebe-se, portanto, claramente que mesmo diante dos argumentos do CFM, que
por óbvio serão muito mais robustos do que um parecer de outro médico, o
que melhor se coadunavam com sua opção moral, querendo, entretanto, dar uma
roupagem científica, que na verdade, como toda ciência, nem absoluta é. Foi
simplesmente uma opção tomada, não uma verdade universal nos moldes
platônicos ou kantianos.
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Não haveria nenhuma afronta a dignidade do anencéfalo doar seus órgãos, já que
ele não seria um ser, mas um não ser. Entretanto, como não existe um mínimo de
certeza no que diz respeito ao final da vida do anencéfalo, melhor seria aplicar a
Contudo, defender que ele é um não ser, por isso não ensejaria a proteção contra o
aborto contida no artigo 128 do Código Penal e também vedar a doação de órgãos, é
uma total afronta a lógica. Uma escolha anula a outra! Ele não pode ser um não ser
Em razão disso que se espera que um julgado sempre aplica o círculo (ou espiral)
hermenêutico na hora de decidir, pois decidir apenas com base em uma pré-
do próprio julgador, com base em seus valores pessoais, a decisão será eivada de
erro, de vício, pois sempre deverá ser a constituição o norte hermenêutico seguro a
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Considerações Finais
Esses foram apenas alguns argumentos defendidos pelo Min. Relator Marco Aurélio
para embasar seu voto, acompanhado pela maioria do STF autorizando a chamada
que poderiam ser analisados à luz da filosofia, mas que pela brevidade do presente
Primeiro, o STF optou pelo perigoso caminho trilhado pelo advogado, hoje Ministro
do próprio STF Luiz Roberto Barroso, de considerar o anencéfalo um não ser, e por
isso não merecedor da proteção legal e constitucional legada aos demais fetos que
Conforme mencionado, Parmênides já ensinava que do não ser, nada se pode dizer,
muito menos legislar ou proteger. Sendo assim, o anencéfalo não faria juiz a
do Estado, como que mostrando que eles não iriam utilizar de seus próprios valores
científico, que seria trazido. Essa visão demonstra de forma indelével a correção
das críticas nietzschianas ao apego pela ciência, como se ela pudesse nos dar o
único caminho seguro a seguir, esquecendo que a ciência se faz com acerto e erro,
e que uma teoria científica sempre possuirá alguma, mesmo que mínima, chance de
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estar errada.
momento das discussões justamente por fazerem parte da sociedade. Além disso,
Nietzsche denunciava que a ciência não seria neutra e pura nos moldes idealizados
pelos modernos, justamente por ser feita por homens, assim como o Direito
também nunca foi nem será neutro. Sempre haverão valores por trás das pesquisas
denunciava Heidegger. Tentar esconder esse fato não parece o mais correto. Por
eminentemente decisionista, onde o julgador decide com base no que ele entende
por correto, com base em seus próprios valores morais, suas idiossincrasias, seus
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CAPÍTULO III
AS CONDUÇÕES
COERCITIVAS E O
MEDO DO PODER
JUDICIÁRIO NO
BRASIL
– COMO A FILOSOFIA
PODE CONTRIBUIR
PARA PROTEÇÃO DO
CIDADÃO
CAPÍTULO III
Introdução
coercitivas nos últimos 2 anos em solo brasileiro. Com a decisão do Ministro Gilmar
conduções, o momento para tecer algumas linhas gerais sobre o assunto se fazia
presente.
E esse tema parece bastante espinhoso, pois uma parte significativa da população
acaba por concordar com tais práticas, cansados da corrupção galopante que, se
sempre existiu no Brasil, parece que tomou uma proporção nunca antes vista , ou
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Após procurar compreender bem o tema, procurou-se interpretar o artigo 260 do
CPP, que trata das conduções coercitivas, à luz da CRFB/88. Assim, além da
das conduções.
Com isso, investigados, que nem réus são ainda, muito menos culpados, são
tratados como criminosos, sendo humilhados em rede nacional, com seus nomes e
rostos mostrados nos principais jornais televisivos, nos jornais e agora, nas redes
sociais. Isso quer dizer que um investigado conduzido coercitivamente acabará por
ter seu nome tão fortemente ligado ao delito imputado que, mesmo se provar sua
juiz(a), para que sempre tenham em mente a gravidade do ato que vão praticar.
um tudo.
investigado. Por fim, serão utilizados Kant e depois Streck para fundamentar a
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I – A Condução Coercitiva
reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a
”.
constitucionais brasileiras.
intimação do acusado, e por óbvio, desde que ele não compareça. Essa é a ideia
básica e que uma simples leitura é capaz de demonstrar as regras idealizadas pelo
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Atualmente, é discutível a possibilidade de conduções coercitivas de investigados
referendum
Assim, a condução coercitiva pode ser conceituada como sendo um instituto que,
autorizado por um juiz, faz com que um investigado seja levado de forma coercitiva
para prestar esclarecimentos sobre fatos que estão sendo investigados. Cumpre
comparecer ao interrogatório.
Será em item subsequente que as críticas de Foucault continuam bem atuais, onde
A condução coercitiva por si só já poderia ser objeto de profunda análise, mas será
comparecimento do investigado.
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Em item subsequente será analisado qual o intuito do Estado-juiz em determinar
não apenas desconforto, mas verdadeira humilhação pública para cidadãos que, por
a ver um novo Estado, livre das amarrar do absolutismo monárquico, e pronto para
cidadão contra ações do Estado. Com isso, o Estado apenas podia prender, tomar
bens, tomar terras, tributar, etc., se existisse lei autorizando aquela ação, caso
(1) Interessante observar a visão diametralmente oposta de Nietzsche em relação ao Estado. Para ele, todo e qualquer Estado nasceu com
“sangue nas mãos”, ou seja, fruto da opressão de um grupo pelo outro. Nietzsche vai descortinar a visão romântica que os contratualistas
tinham em relação ao Estado, pois acredita que ele sempre foi uma forma de dominação do homem pelo homem, e nunca teve tem terá
qualquer ideia de uma igualdade ou ao menos de levar o bem estar para todos. A visão de Nietzsche é centrada na ideia de vontade de poder.
Essa vontade é que nos move, é que nos faz sair da cama todos os dias. Aqueles que realmente tem maior tal vontade e buscam elevar-se
enquanto homens, superando ressentimentos e sentimentos considerados por Nietzsche como inferiores e encontrando seus valores éticos
em detrimento dos valores morais (da sociedade, do Estado, da família, da religião, etc.), esse conseguirá dominar outros seres humanos que
não possuem tal vontade, pois nasceram para serem rebanho, para seguir e não para comandar. Isso nãos seria errado ou ruim em si, para
Nietzsche, mas sim essa hipocrisia do Estado objetivar o bem para todos, pois quem está no poder quer realmente é se perpetuar no poder, e
fará de tudo para isso. Essa ideia não é realmente original em Nietzsche, pois séculos antes Maquiavel, em sua obra O Príncipe, já trazia
alguns conceitos muito próximos.
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contrário, se inexistisse e mesmo assim praticasse tais atos, existiriam remédios
legais como Habeas Corpus (que é inclusive muito mais antigo e remonta ao direito
Se desde o século XVIII já existia tal proteção contra abusos do Estado, como em
pleno século XXI discutimos sobre a possibilidade de uma medida como a condução
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A questão se agrava em razão de vivermos em uma sociedade de informação, onde
Parece que Foucault estava certo quando em sua obra Vigiar e Punir
(1987), já
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Quando o magistrado opta por tal caminho, não há outra coisa a se pensar a não ser
população com desejo de vingança por vários motivos sociais, e que vê naquele
e recalques para fora. Sobre isso Foucault (1987, p. 73) afirmará que
O juiz, vendo pelas redes televisivas o suplício do acusado, lendo pelas redes sociais
como um enviado de Deus para fazer valer uma justiça divina (não lembra a Santa
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Mas não é só: a atrocidade de um crime é também a
violência do desafio
dele uma réplica que tem por função ir mais longe que
investigado (atualmente o caso parece ser ainda mais grave, pois era muito
investigado) para realizar a condução coercitiva, chega com todo o seu aparato.
Inúmeros carros, armas de grosso calibre, tocas ninjas, coletes à prova de bala,
ostentando sua força diante de um acusado que normalmente ainda está usando
fazer todo o percurso até uma delegacia com todo o aparato policial mencionado.
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o povo reivindica seu direito de constatar o suplício e
dos espectadores.
mais humilhante em seu tempo. Se antes era passar com o condenado pelo público
para que fosse xingado e humilhado para começar sua expiação da pena, hoje a
humilhação é ainda maior, pois uma simples foto pode chegar a todos os cantos do
criticar a ideia do modelo positivista jurídico (2) de excluir o que era meta jurídico
Assim, Kant (3) voltava ao centro das discussões sobre teoria do Direito,
(2) Existem vários modelos positivistas jurídicos, e o modelo mais criticado, por ser o de maior importância para o século XX,
especialmente no Brasil, é o modelo positivista jurídico legalista ou normativista de Hans Kelsen.
(3)Pode parecer estranha a opção de usar o pensamento de Immanuel Kant após usar o pensamento de Michel Foucault, tendo
em vista o abismo existente entre esses dois filósofos. Contudo, o presente estudo busca analisar o momento atual, não com um
dever ser extremamente hipotético e idealizado, mas com construções que já existem e que, mesmo estando longe do que poderia
ser o ideal para Foucault e Nietzsche, já seriam muito melhores para o Brasil.
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culminou com toda uma construção teórica dos Direitos Humanos, servindo de
Quando Kelsen escreveu sua Teoria Pura do Direito (1999), ele está objetivando,
mesmo que teoricamente, um Estado onde as leis, desde que de acordo com o texto
um magistrado ignora o rito previsto em uma lei ao seu prazer, mostra que ainda
Quando vemos tal prática, somos forçados a concordar com um magistrado federal
Entre ser amado ou temido pelos seus súditos, o soberano deve sempre optar por
ser temido, pois o amor é volúvel, mas o medo permanece! Essas são ensinamentos
que parecem perdurar até os dias de Hoje. Quando Maquiavel (2006) escreve O
Príncipe, talvez não pudesse imaginar que em pelo século XXI, seus ensinamentos
Por óbvio que tais ensinamentos não se coadunam com o pensamento kantiano, e
levar a uma existência pacífica e feliz, tanto em termos pessoais quanto coletivo.
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E claro, a racionalidade não é um ato isolado de um indivíduo, a racionalidade é
Por óbvio que tais ensinamentos não se coadunam com o pensamento kantiano, e
levar a uma existência pacífica e feliz, tanto em termos pessoais quanto coletivo. E
Mesmo partindo do pressuposto que esse juiz esteja agindo de boa fé, está
Estado com as melhores leis do que viver como um Paxá na Turquia, pois esse
condenado seria mais livre. E claro que Montesquieu está pensando que tais leis
todos os problemas como ele supunha, aplicando sua teoria dos imperativos
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Nesse ponto, Lenio Streck demonstra que a resposta correta está dentro do texto
da constituição.
condução coercitiva. Defender o respeito ao Direito Positivo não pode nunca ser
principalmente a CRFB/88.
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Com isso, as críticas de Streck (2017) são corretas ao afirmar que, quando o Poder
judiciais será altíssimo. E o cidadão, acaba por ficar refém desse novo Leviatã, que
se um dia foi o Executivo por força do ancient régime, hoje se mostra através do
pseudo ativismo judicial, que nada mais é do que a usurpação das funções dos
Moderador.
Considerações finais
pois normalmente um juiz não deve ter assuntos tão interessantes para jornalistas)
e nestas, afirmando, sem o menos constrangimento, que o Poder Judiciário deve ser
temido.
criminosos devem temer o Poder Judiciário, querendo passar uma ideia de que não
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Entretanto, tal afirmação foi ruim, muito ruim, pois mesmo para supostos
criminosos, o Judiciário não pode ser algo para ser temido, no máximo respeitado.
e legais, aplicando de forma correta a lei, punindo quem deve ser punido, mas
princípio da legalidade.
Para deixar o momento atual ainda mais conturbado, alguns juízes passaram a ter
coercitivas (de recepção pela CRFB/88 duvidosa), e ainda por cima, desrespeitando
Em razão disso, foram propostas as ADPF nºs 444 e 395, de relatoria do Ministro do
STF Gilmar Mendes, objetivando a decisão pelo tribunal da não recepção do artigo
de investigados, no mérito. Além disso, foi requerido a concessão de liminar, que foi
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Tal atitude por óbvio não se coaduna com princípios basilares da CRFB/88, como o
humana.
O pensamento de Immanuel Kant foi utilizado para demonstrar que desde o final da
deixa de tratar o ser humano com a dignidade que ele merece, violando os
Por fim, foi utilizado o pensamento de Lenio Streck para demonstrar que a resposta
Não há espaço hermenêutico de criação para o juiz, e mesmo que existisse, tal
espaço não pode ser entendido para que o juiz diga qualquer coisa sobre qualquer
Por fim, foi afirmado a correção na decisão do ministro relator das ADPFs ao
sua dignidade, o único caminho possível a ser trilhado dentro de uma Estado
respeitada. Não há mais espaço para um novo Leviatã, agora chamado de Poder
Judiciário.
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BIBLIOGRAFIA
AQUINO, Tomás. Suma Teológica. Vols. I e VI. São Paulo: Loyola, 2012.
KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
_______________. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo:
Martins Fontes, 2010.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
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MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Barão de. Tradução Cristina Murachoco. São
Paulo: Martins Fontes, 1996.
STRECK, Lenio. O juiz Marcelo Bretas tem razão: a Justiça nos dá medo! Mas
fracassamos? Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-jan-08/streck-
bretas-razao-justica-medo-fracassamos. Acesso em 14.01.2018.
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INFORMAÇÕES
ISBN 978-85-924245-1-0
http://www.novoliceu.com
51
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